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8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política 1 a 4 de agosto de 2012, Gramado/RS AT01: Comunicação Política e Opinião Pública Política 2.0: a Primavera Maranhense e hegemonia político-comunicacional do último coronel do Brasil Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa Universidade Federal do Maranhão – Professora Assistente dos Cursos de Direito e Comunicação Social Universidade de Brasília – Doutoranda do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília
Política 2.0: a Primavera Maranhense e hegemonia político-comunicacional do último coronel do Brasil
Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa1 Resumo: A proposta do artigo é analisar as mudanças políticas que a tecnologia das redes sociais vem proporcionando ao modo de fazer protesto político nas democracias contemporâneas. A teorização parte de um caso empírico: a chamada “Primavera Maranhense”, movimento de protesto contra o governo Roseana Sarney, desencadeado pelas redes sociais Twitter e Facebook durante a greve da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão, ocorrida em novembro de 2011. De um lado, todo o aparato de comunicação da família Sarney foi mobilizado para denegrir o movimento paredista diante da população. De outro, os movimentos sociais usaram a alternativa das redes sociais para dar voz não apenas aos servidores em greve, mas às aspirações de uma sociedade civil impossibilitada de fazer ouvir sua opinião via meios de comunicação tradicionais. Palavras-chave: Participação Política – Democracia – Redes Sociais – Movimentos Sociais
Introdução
Em novembro de 2011, o Maranhão viveu dias de intensa mobilização
social em torno de um acontecimento significativo da insatisfação popular com o
governo do Estado, encabeçado por Roseana Sarney (PMDB). A greve de
policiais militares, em seguida de bombeiros militares e de agentes e delegados
da Polícia Civil, durou pouco mais de uma semana. Foi, porém, o suficiente para
gerar um fenômeno relativamente novo na forma de se fazer protesto político na
capital, São Luís: a “Primavera Maranhense”, nome inspirado nas revoltas do
mundo árabe alimentadas pelas redes sociais virtuais.
Assim como os protestos árabes, o movimento de apoio à greve e de
contestação ao governo estadual teve na juventude o seu principal protagonista.
Até o dia 27 de novembro, a sociedade mostrava-se, em sua maioria, alheia aos
efeitos da paralisação do aparato de segurança pública, uma vez que a mídia
dominante – formada por um conglomerado de rádio, televisão, jornal e portal de
internet pertencente à família da governadora – noticiava a greve como ato ilegal,
inconstitucional e levada a efeito por vândalos que não respeitavam as
instituições do Estado democrático de direito, exemplificando tal atitude pela 1 Professora Assistente dos cursos de Direito e Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão. Doutoranda do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília.
ocupação da área externa da Assembléia Legislativa do Maranhão. Com
audiência média de 80%2 em seus dois principais noticiários (o Jornal do
Maranhão Primeira Edição e o Jornal do Maranhão Segunda Edição), o discurso
do Sistema Mirante sobre os acontecimentos rapidamente transformou-se no
discurso dominante da sociedade sobre os fatos em andamento.
Desde o início da paralisação, porém, os grupos oposicionistas fizeram
uso da internet como forma de mitigar o monopólio informativo do Sistema
Mirante. Por meio de blogs, contas no Twitter e perfis no Facebook, além da
militância do declaradamente anti-sarneysista Jornal Pequeno, a oposição dava
voz aos grevistas que, em represália à cobertura da mídia oficial, deixaram de dar
entrevistas aos jornalistas do Sistema. Tudo muito previsível e dentro do roteiro
que a sociedade maranhense já conhece há vários anos.
O que mudou foi que entre os dias 27 e 29 de novembro postagens
começaram a surgir nas redes sociais, partindo de perfis de estudantes e
militantes políticos, convocando a população ludovicense para um ato de protesto
contra o governo e em apoio não apenas aos policiais em greve, mas em defesa
dos servidores públicos estaduais em geral, que aguardavam a votação do plano
de cargos e salários pela Assembléia Legislativa. O apoio aos servidores
transformou-se em protesto generalizado contra a governadora e o “Fora
Roseana” passou a ser o lema da autodenominada Primavera Maranhense.
Neste artigo, procuro explorar não a cobertura da mídia oficial ou as
formas da mobilização nas redes sociais, mas os impactos iniciais que as redes
sociais na internet trouxeram para o cenário político de um Estado onde os meios
de comunicação tradicionais servem a interesses políticos de um grupo em
detrimento do interesse público. As redes sociais na internet já demonstraram
força mobilizatória exemplificada em eventos tão díspares quanto a eleição do
presidente Barack Obama ou o conjunto de revoltas no mundo árabe
desencadeadas a partir de um ato de auto-imolação na Tunísia, cujas
conseqüências foram amplificadas pela rede mundial de computadores até
transformar-se em um movimento político espontâneo, porém organizado e
propagado pelas mídias sociais em vários países do Oriente Médio.
2 Segundo dados da própria emissora, disponíveis em www.imirante.com
Na primeira parte do trabalho, apresento uma análise da política
maranhense a partir da propriedade dos meios de comunicação tradicionais.
Desde a ascensão do jovem José Sarney ao governo do Estado, na década de
1960, sua família construiu um verdadeiro império comunicacional e um quase
monopólio informativo no Maranhão. Em seguida, analiso os impactos das redes
sociais na internet nos processos de mobilização política, levando em
consideração a formação de uma nova esfera pública, ampliada e multifacetada, a
partir do conceito inaugural de Habermas. A discussão teórica inclui ainda
considerações sobre a sociedade em rede e a construção de dominantes
culturais/ideológicos nos meios de comunicação de massa.
Na terceira parte do artigo, os efeitos da configuração político-
comunicacional do Maranhão e da emergência do movimento “Primavera
Maranhense” nas redes sociais são trazidos à discussão e análise. A chamada
espiral do silêncio, ou não agendamento de um assunto por parte da mídia, é
confrontada com o que convencionou-se chamar de viralização ou hiper-
agendamento nas redes sociais virtuais, um fenômeno de certa forma contra-
hegemônico em um ambiente já hegemônico nas sociedades contemporâneas: os
novos meios de comunicação de massa mediada pelo computador.
Política e meios de comunicação no Maranhão
José Sarney elegeu-se deputado federal pela UDN em 1958, reeleito
em 1962. Em 1965, apoiado pelos militares alavancados ao poder com o golpe do
ano anterior, Sarney elegeu-se governador. A eleição pôs fim ao ciclo de Vitorino
Freire, que chegara ao Maranhão como secretário-geral do Estado no governo do
interventor Antonio Martins de Almeida e que se tornou, nos anos seguintes, a
figura dominante na política maranhense. O vitorinismo, como conhecido pela
historiografia, foi substituído pelo sarneysismo. Após o mandato de presidente da
República, Sarney domiciliou-se no Amapá, Estado pelo qual tem se reelegido
sucessivamente para o cargo de Senador desde 1990.
Mesmo eleitoralmente domiciliado em outra unidade da federação, o
senador é a figura mais influente da política maranhense. Além de seu grupo
eleger sucessivos governadores, também é responsável pela eleição de grande
parte dos prefeitos no interior. Somam-se os deputados estaduais e federais,
além dos senadores, que de alguma forma têm vínculo com o grupo. Conforme
Couto (2009), o próprio José Sarney confirma que sua inserção no campo da
mídia deu-se por necessidade política: era essencial divulgar as idéias e as ações
suas e de seus aliados.
O arcabouço de poder do grupo dominado pelo senador tem no
conglomerado de comunicação uma de suas bases principais. Conforme Couto
(2009, p. 154), “A estrutura atual do Sistema Mirante de Comunicação teve início
com a criação, em 1973, do jornal O Estado do Maranhão. O jornal é fruto da
união das idéias de José Sarney com o trabalho de Bandeira Tribuzzi e outros
jornalistas.” A primeira emissora de rádio da família, Rádio Mirante FM, entrou no
ar em 1981.
Em 1987 a família Sarney inaugurava seu canal de televisão – TV
Mirante3 – então afiliada ao Sistema Brasileiro de Televisão. Em 1991, a TV
Mirante passou à condição de retransmissora da Rede Globo, o que gerou
mudanças técnicas e de conteúdo que fizeram com que a emissora se tornasse
líder de audiência no Estado. No ano seguinte, entrava no ar a Rádio Mirante AM.
O sistema, assim, é formado por um jornal diário com tiragem média de 10 mil
exemplares (16 mil aos domingos), um portal de internet, uma emissora de
televisão afiliada à Rede Globo, com cinco concessões (TV Mirante de São Luís,
TV Mirante Cocais, TV Mirante Imperatriz, TV Mirante Santa Inês e TV Mirante
Açailândia4), uma emissora de rádio AM que opera em cadeia com 20
retransmissoras no interior com cobertura em 200 dos 217 municípios, e uma
rádio FM com 18 emissoras5.
3 A concessão foi assinada ainda no mandato do general-presidente João Figueiredo. A Televisão Mirante era formada, à época da inauguração, por três estações: TV Mirante de São Luís, TV Mirante de Timon e TV Mirante de Imperatriz, todas concessões pertencentes à própria família Sarney e sócios. Roseana Sarney e José Sarney Filho são sócios, juntamente com Fernando Sarney, superintendente do Sistema Mirante. Todos, filhos de José Sarney. 4 Com essa estrutura, o sinal da TV Mirante gerado a partir de São Luís alcança praticamente todos os municípios do Estado. A TV Mirante de São Luís tem cobertura em todo o norte e parte central do Maranhão. A TV Cocais, com sede em Codó, abrange o leste do território e algumas cidades do Piauí. A TV Mirante Imperatriz cobre o sudoeste maranhense, junto com a TV Mirante Açailândia. A TV Mirante de Santa Inês cobre todo o centro-oeste maranhense. Além dessas geradoras, o sistema conta com retransmissoras afiliadas em vários municípios. As geradoras produzem programação local. As retransmissoras apenas retransmitem o sinal gerado a partir da cabeça de rede em São Luís. Dados disponíveis em www.imirante.com 5 O sistema cobre 90% de uma população calculada pelo IBGE/Censo 2010 em 6.424.340 habitantes.
A concentração de poder midiático desempenha um papel importante
em uma sociedade na qual o acesso à informação dá-se, principalmente, pelos
meios eletrônicos6. Avritzer e Costa (2004, p.721) nos lembram que
os processos recentes de concentração da propriedade e os mecanismos historicamente prevalecentes na distribuição de licenças de operação nos forçam a reconhecer que a mídia conforma um campo no qual formas tradicional-populistas de conquista de lealdade política se misturam a novas estratégias de conquista de apoio das massas.
Se o objetivo de manter uma estrutura midiática tão complexa está
ligada não ao interesse econômico, mas ao político, os dados apresentados a
seguir demonstram que o oligarca tem feito bom uso de seu império de
comunicação: dos 42 deputados estaduais, 30 são aliados da governadora
Roseana Sarney. Entre os 18 deputados federais, 12 foram eleitos pela coligação
que também elegeu a governadora. Atualmente, os senadores eleitos para
representar o Estado são Edson Lobão (substituído por seu suplente Edson
Lobão Filho em virtude de nomeação para o Ministério das Minas e Energia),
João Alberto de Souza e Epitácio Cafeteira, inimigo histórico convertido em fiel
aliado nas eleições de 2006.
A tabela 1 sintetiza esses dados, disponíveis tanto no sítio do TSE
quanto no da Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (FAMEM).
Tabela 1: quadro político do Maranhão em 2012
Situação Política
Deputados Estaduais
Deputados Federais
Senadores Prefeitos
Eleitos % Eleitos % Eleitos % Eleitos % Aliados 30 71,43 12 66,67 3 100,00 159 73,27 Adversários 12 28,57 06 33,33 0 0 58 26,73 Total 42 100,00 18 100,00 3 100,00 217 100,00
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (FAMEM)
Schwartzman (2007: p.57), refletindo sobre a política patrimonialista
tradicional brasileira e a luta pelo poder nesse sistema, afirma que “a busca pelo
poder político não é simplesmente feita para fazer valer esta ou aquela política,
mas visa à posse de um patrimônio de grande valor, o controle direto de uma
fonte substancial de riqueza”, pois os recursos escassos do Estado estão sempre
6 Segundo o censo de 2010, a taxa de analfabetismo no Maranhão era de 19%. Já o analfabetismo funcional atingia, segundo o IBGE, 40% da população. Neste contexto, a informação recebida via rádio e televisão, além de ser predominante, é internalizada com pouca criticidade por esse público.
em disputa por classes e grupos sociais concorrentes. O autor propõe uma
relação íntima entre patrimonialismo e cooptação política, a partir da expressão
“patrimonialismo político”, sugerida para referir-se a um sistema de participação
política débil.
Neste caso, os atores – sejam eleitores, sejam eleitos – são cooptados
por um aparato de poder a participar, de forma subordinada, do processo político.
Essa participação subordinada resume-se ao exercício do voto – no Maranhão,
torna-se ainda mais flagrante ao observar-se que, passadas as eleições, a
mobilização de lideranças políticas transforma-se em doutrinação via império de
comunicação da oligarquia dominante. Em uma nova configuração proposta por
movimentos de participação ativa, como o analisado nas próximas sessões deste
artigo, a participação estende-se para o questionamento do poder instituído, de
suas práticas e, principalmente, de seus representantes.
Apesar de os dados da tabela 1 sugerirem uma dominação política de
largo alcance, um dado, porém, é digno de nota: dos dez maiores municípios
maranhenses, o grupo Sarney elegeu apenas três prefeitos, conforme tabela 2.
Pode-se levantar a hipótese de que nesses lugares, com renda mais elevada e
maior índice de alfabetização, as opções de acesso à informação política são
maiores, o que possibilita à oposição contrapor-se ao discurso dominante nos
meios de comunicação, especialmente a televisão, controlados pela oligarquia.
Tabela 2: situação política do grupo Sarney nos dez maiores municípios do Maranhão
Município Número de habitantes
% em relação à população do
MA
Índice de alfabetização
7
Partido do prefeito eleito
Situação política do
eleito São Luís 966.989 15,05 93,5 PSDB Adversário Imperatriz 245.509 3,82 84,9 PSDB Adversário São José de Ribamar 160.775 2,50 89,0 DEM Aliado Caxias 154.211 2,40 68,1 PDT Adversário Timon 147.214 2,29 75,7 PMDB Aliado Codó 115.076 1,79 61,7 PV Aliado Paço do Lumiar 104.567 1,63 91,0 PDT Adversário Açailândia 101.022 1,57 77,1 PSDB Adversário Bacabal 98.445 1,53 72,7 PDT Adversário Balsas 83.459 1,30 80,7 PDT Adversário Total 2.177.267 33,88 - - -
Fonte: IBGE, TSE
7 População com 15 anos ou mais em 2008, ano das eleições municipais. Disponível em http://www.educacao.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/dwnld/analfabetismo/dados_estatisticos/populacao_analfabeta_por_municipio_brasil.pdf. Acesso em 13 de junho de 2012.
Apesar de esses 10 municípios representarem mais de 33% da
população do Estado, é inegável o controle que Sarney e seus aliados exercem
sobre o Maranhão. Não se pode, claro, atribuir exclusivamente ao domínio
midiático esse controle. Outras variáveis influenciam a aquisição e o exercício do
poder em uma sociedade, embora a influência da concentração da propriedade
midiática, no caso maranhense, esteja manifesta nos números apresentados.
Cabe, inclusive, classificar tal grupo político, conforme Faoro (2001), de
estamento, pois não se trata de uma classe, mas de um grupo de indivíduos cuja
organização é determinada pelas suas relações com o Estado, relação esta em
que não há distinção entre esfera pública e esfera privada, nem entre interesse
público e interesse privado. Esses estamentos, que se apropriam do Estado e de
suas funções públicas, são os donos do poder e estabelecem relações de
clientelismo e submissão. Campante (2003,p.155), esclarece que “O instrumento
de poder do estamento é o controle patrimonialista do Estado, traduzido em um
Estado centralizador e administrado em prol da camada político-social que lhe
infunde a vida.”
Em um contexto de atuação personalista, a esfera pública, definida
como o espaço entre a esfera privada e o Estado (HABERMAS: 2003) acaba
sendo berço para uma sociedade civil alienada. No Maranhão oligárquico, a
esfera pública transmuta-se em esfera patrimonialista: o espaço das pessoas
privadas reunidas em um público é dominado pelos interesses privados com
roupagem de públicos, por meio de uma operação midiática que atua em conjunto
com outros instrumentos de persuasão para o assenhoreamento do poder
político. A esfera pública, como espaço de mediação entre o Estado e a
sociedade, é atravessada por um sistema político pseudo-democrático, pois até a
manifestação de vontade expressa por meio do voto é condicionada pela
instrumentalização midiática dos discursos e práticas sociais, cabendo ao eleitor
poucas opções de real participação política.
O eleitor, como ator político, é duplamente condicionado: por um lado,
pela pobreza e pela falta de educação (formal e, especialmente, política), que faz
com que aceite favores em troca de voto e, por outro, pela repetição de
mensagens midiáticas que identificam qualquer melhoria por ventura recebida
pela população à ação generosa de um grupo político. Falta, a esse ator, a
capacidade de discernimento entre realidade política e ficção discursiva. Avritzer
e Costa (2004, p.718) caracterizam como inerente ao espaço público midiático o
efeito de esvaziamento do conteúdo político nas mensagens veiculadas e nas
ações que essas mensagens fomentam. Segundo os autores,
Não se espera obviamente que, nesse espaço público assenhoreado pela mídia, argumentos racionais sejam esgrimidos, questões substantivas sejam levadas a debate e posições doutrinárias e ideológicas claras e diferenciadas venham à tona. Diante da lógica própria da mídia, com ênfase na televisão, em cuja linguagem não cabem verdades matizadas nem longos exercícios argumentativos, mas apenas enunciados bombásticos, a política veria se esvaírem seus conteúdos (...).
A construção da hegemonia de José Sarney e seu grupo é baseada no
consenso, na força da construção ideológica operada pelo aparato de
comunicação que esse grupo detém. Talvez o conceito mais preciso de ideologia,
especialmente aplicável ao contexto político maranhense, seja aquele oferecido
por Wolf (1999, p.4), que pluraliza o fenômeno e identifica ideologia como
discurso a serviço do poder, pois ideologias “sugerem esquemas unificados ou
configurações desenvolvidas para subscrever ou manifestar poder”.
É preciso introduzir aqui uma discussão conceitual sobre hegemonia,
cuja teorização clássica amplamente aceita no campo das Ciências Sociais é uma
proposta do pensador comunista Antonio Gramsci (2006), que fundou toda uma
tradição de interpretação da realidade social a partir da relação entre consenso e
força para a estabilização das relações sociais. Hegemonia, de acordo com a
proposta gramsciana, é a direção, o domínio, a liderança de um grupo sobre os
demais, através da persuasão e do consenso, perpassados pela ideologia.
Hegemonia é o exercício da capacidade de unificar blocos e posições
por meio de dois mecanismos complementares: a força e o consenso. A força, de
acordo com o autor, é o pilar principal das relações hegemônicas, já que por meio
dela seria possível conservar as estruturas sociais em meio à contestação. E para
que não haja contestação ao poder hegemônico, a liderança busca apoio no
consenso, nas grandes narrativas unificadoras, na ideologia. A força exercida por
uma oligarquia em um sistema político como o analisado até aqui prescinde da
força física, pois a violência simbólica (Bourdieu, 2010) parece ser suficiente para
manter o tipo de dominação (tradicional), pelo menos até o rompimento
irreparável do monopólio dessa violência simbólica.
Redes sociais: dimensão emergente da esfera pública da política
contemporânea
Durante a paralisação dos policiais e bombeiros militares do Maranhão,
a cobertura da mídia tradicional foi muito previsível: palavra para a governadora,
secretário de segurança e comandante da Polícia Militar garantindo que a greve
era ilegal e que o governo estava tomando medidas para garantir a segurança da
população; oposição sem direito a voz; movimento paredista marginalizado e
transformado em inimigo público número um. Um simulacro de tranqüilidade era o
que o Sistema Mirante oferecia. O diário oposicionista Jornal Pequeno agia como
o espelho reverso do sistema: voz para os militares paralisados, acusações contra
o governo e em especial a governadora, sem voz para os representantes do
Estado. Já o jornal O Imparcial, pertencente à cadeia dos Diários Associados,
oferecia um meio-termo entre as posições radicais. O cenário nas emissoras de
televisão e de rádio foi dominado pelo discurso governista.
Vivemos, porém, uma era de revoluções na forma como a informação
sai dos emissores e chega aos receptores. O esquema clássico dos meios de
comunicação de massa tem cedido cada vez mais espaço para as novas
configurações da sociedade em rede (CASTELLS: 1999), na qual a comunicação
mediada pelo computador altera as formas tradicionais em que opera o modelo
emissor-mensagem-canal-receptor-feedback. Os atores políticos têm a
oportunidade de contornar os entraves da mídia tradicional criando, eles mesmos,
canais de produção e difusão de informações, com o potencial de transformarem-
se em canais de mobilização política.
Foi o que aconteceu com o movimento formado por estudantes
universitários e militantes políticos conectados pelas redes sociais e que, por meio
delas, incitaram a participação de uma parcela da população ludovicense a
protestar contra o governo do Estado e deixar clara sua insatisfação com a
oligarquia dominante. As redes sociais baseadas na internet representam um
desafio para as mídias tradicionais, mais ainda para os grupos políticos que
assentam parte de sua dominação exatamente em conglomerados de meios
tradicionais de comunicação de massa, cuja posse e manejo são restritos. Couto
(2003, p.18-19) lembra que
As políticas de concessão de meios eletrônicos (rádio e TV), assentadas no patrimonialismo, na benesse e no favorecimento político, assim como os altos custos de criação e manutenção de veículos impressos, por exemplo, servem para demonstrar que, na prática, a conquista e/ou manutenção da hegemonia através dos meios de comunicação é restrita a uma classe, em que pesem as experiências que visam à democratização dos meios.
As novas mídias baseadas no computador e na internet são uma forma
de ruptura com o modelo descrito por Couto como hegemônico. A televisão, por
exemplo, por suas próprias características, é um veículo massivo destinado a um
público imenso, anônimo e heterogêneo que, para Bourdieu (1997, p.20), é um
“formidável instrumento de manutenção da ordem simbólica”, uma ordem de
violência e opressão exercida por aqueles que dominam o acesso aos meios de
comunicação, à produção e ao consumo dos bens culturais, simbólicos. Em última
instância, a violência simbólica seria mais uma manifestação de força do poder
capitalista. No caso do Maranhão, a televisão é também uma manifestação de
força do poder político.
Já as novas mídias baseadas no computador têm um caráter mais
seletivo em termos de público – é preciso ser alfabetizado, ter acesso ao
computador e ter domínio de capacidades de uso da tecnologia – e em termos de
conteúdo – o público consome o que quer, e não o que lhe é oferecido, como
acontece na mídia tradicional. No novo espaço público virtual mediado pelo
computador, o público tem uma postura mais ativa e a incitação à participação
tende a ser maior. Afinal, é difícil exercer censura sobre as mensagens que
circulam na rede8.
A rede social baseada na internet, assim, virtualiza o espaço de
discussão e de mobilização política, invertendo a noção tradicional e espacial de
esfera pública, conforme Avritzer e Costa (2004, p.722) comentam sobre as
relações entre esfera pública e relações comunicativas:
Malgrado a metáfora espacial que sugere, equivocadamente, a existência de uma localização específica na topografia social, a esfera pública diz respeito mais propriamente a um contexto de relações difuso
8 Durante os protestos no Cairo, o governo egípcio fez uma tentativa frustrada de tirar a internet do ar em seu país. Os jovens manifestantes driblaram a censura por meio de mensagens de texto enviadas por celulares para números de outros países e essas mensagens eram depois postadas na rede por usuários na Europa.
no qual se concretizam e se condensam intercâmbios comunicativos gerados em diferentes campos da vida social. Tal contexto comunicativo constitui uma arena privilegiada para a observação da maneira como as transformações sociais se processam, o poder político se reconfigura e os novos atores sociais conquistam relevância na política contemporânea.
Cohen e Arato (apud Avritzer e Costa, 2004, p.711) oferecem uma
reflexão que nos permite perceber a emergência das redes sociais na internet
como um novo espaço que se constitui em esfera pública política à margem dos
parlamentos e da grande mídia:
enquanto o núcleo da esfera pública política, constituída por parlamentos e a grande mídia, mantém-se, antes (mas não da mesma forma em todas as partes!) fechada e inacessível, uma pluralidade de públicos alternativos, diferenciada mas inter-relacionada, revivifica de tempos em tempos os processos e a qualidade da comunicação pública. Com a emergência de novos tipos de organização política, até mesmo a discussão pública nos parlamentos e nas convenções partidárias tende a ser afetada.
Avritzer e Costa (2004, p. 711) recordam que “em sua própria
formação, a esfera pública apresenta mecanismos de seleção que implicam a
definição prévia de quem serão os atores que serão efetivamente ouvidos e quais
serão os temas que efetivamente serão tratados como públicos”. Os autores
trazem à discussão a figura dos contrapúblicos subalternos, que se constituem
em forças de democratização e ampliação da política ao denunciarem os “vícios
de origem” dos espaços públicos tradicionais. A mobilização via redes sociais
baseadas na internet faz parte desse movimento de contrapúblicos, de ativismo
de cariz ampliador, primeiramente, da discussão política em si. A mobilização que
se inicia no terreno do virtual tem a potencialidade de transformar-se em ação no
mundo real. Afinal, conforme Recuero (2009, p. 17), redes sociais conectam não
apenas computadores, mas pessoas.
A emergência de redes sociais como o Twitter e o Facebook
representa o surgimento de um espaço público diferenciado no qual atores
interagem a partir de interesses em comum, de forma seletiva. A força dessas
ferramentas foi testada com os eventos que tiveram lugar no mundo árabe a partir
de dezembro de 2010. Atores sociais interagindo por meio dessas redes
transformaram comentários sobre a auto-imolação de um manifestante tunisiano
em ação política, ação esta que se espalhou para diversos países da região e que
ainda está em curso.
O ativismo originado no mundo virtual não difere daquele que se
origina nos canais tradicionais de mobilização política. Diferente é a forma de
mobilização, afinal, questões políticas não mudam de natureza apenas por causa
desse tipo de questão. Os laços sociais que vão garantir a repercussão de um
item da agenda mobilizatória dependem, essencialmente, dos atores e das
questões pelas quais eles se interessam, não da forma como tais laços são
costurados e postos em ação – se por meios tradicionais, como militância
comunitária, ou por redes sociais baseadas na internet.
Recuero (2009, p. 25) põe os atores em primeiro plano, ao afirmar que
“como parte do sistema, os atores atuam de forma a moldar as estruturas sociais,
através da interação e da constituição de laços sociais”. Por não serem
discerníveis e por isso atuarem por meio de representações de si próprios, o
ativismo tende a ser uma forma de construção identitária. Nesse sentido, redes
como Twitter e Facebook são “espaços de interação, lugares de fala, construídos
pelos atores de forma a expressar elementos de sua personalidade” (ibdem, p.25-
26). No espectro político do Maranhão, identificar-se como anti-sarneysista é
quase uma obrigação para atores: 1) ludovicenses; 2) escolarizados; 3) ativos nas
redes sociais.
Um conjunto de conexões interpessoais cimentadas por interesses
comuns forma o que Granovetter (1973) define como rede, ou conjunto de laços
específicos que unem atores – sejam eles pessoas ou organizações. Em uma
rede social de cunho político, os laços sociais ganham especificidade temática e
extrapolam o objetivo de conectar pessoas, passando a conectar ideias. A
replicação de ideias (os famosos “memes”) cria uma representação que, para os
atores, estrutura, amplia e sedimenta a rede e as ações nelas propostas.
Conforme Recuero (2009, p. 118),
Os atores são conscientes das impressões que podem ser construídos nas redes sociais mediadas pelo computador. Por conta disso, é possível que as informações que escolhem divulgar e publicar sejam diretamente influenciadas pela percepção de valor que poderão gerar.
Nesse sentido, compartilhar a idéia de “Fora Roseana” agrega valor ao
ator inserido em uma rede social, conforme exposto parágrafos acima.
Compartilhar um meme é uma forma de cooperação. Para os atores que não são
acostumados ao ativismo no mundo real, o ativismo na rede social baseada na
internet pode representar uma porta de entrada para a militância real, alimentada
pelas interações face a face. A sensação de segurança oferecida pela rede faz
com que as pessoas expressem suas opiniões e vivam, a partir disso, um
simulacro de ação.
A ação virtual, porém, tem o potencial de encorajar a ação real em
consonância com a sociabilidade que se constrói nas interações mediadas pelo
computador. De acordo com Recuero (2009, p. 89),
As pessoas adaptaram-se aos novos tempos, utilizando a rede para formar novos padrões de interação e criando novas formas de sociabilidade e novas organizações sociais. Como essas formas de adaptação e auto-organização são baseadas em interação e comunicação, é preciso que exista circularidade nessas informações, para que os processos sociais coletivos possam manter a estrutura social e as interações possam continuar acontecendo. Como a comunicação mediada pelo computador proporciona que essas interações sejam transportadas a um novo espaço, que é o ciberespaço, novas estruturas sociais e grupos que não poderiam interagir livremente tendem a surgir.
O movimento “Primavera Maranhense” pode não ter se consolidado em
uma nova organização social no sentido tradicional, mas formou o embrião de um
novo grupo tendente a elevar o debate político entre aqueles que participaram da
mobilização – real, virtual, ou ambas.
Primavera Maranhense: mobilização social e espiral do silêncio
Em 27 de novembro de 2011, cinco dias após o início da greve dos
militares, começaram a surgir postagens no Twitter e no Facebook incitando os
ludovicenses a saírem de casa e manifestar seu apoio aos grevistas acampados
no pátio da Assembleia Legislativa do Estado. Rapidamente as postagens
passaram a exibir as hastags #ForaRoseana e #primaveramaranhense. O cenário
nos meios de comunicação tradicionais, conforme dito acima, era de
marginalização do movimento paredista. E o próprio movimento marginalizava a
mídia tradicional representada pelo Sistema Mirante. Os grevistas falavam apenas
ao Jornal Pequeno e a O Imparcial.
As redes sociais passaram a ser o canal preferencial de difusão de
informações por parte do comando de greve. Blogs repercutiam as novidades e
usuários do Twitter e do Facebook passaram a fazer campanha de apoio aos
militares acampados no estacionamento da Assembleia Legislativa. Instauraram-
se, assim, duas ordens informativas: uma oficial, que praticava o que os teóricos
críticos do jornalismo chamam de espiral do silêncio e outra, mobilizatória, que
tentava romper essa espiral.
De acordo com a corrente teórica que defende que no Jornalismo
existe a opção pelo silêncio, Pena (2005, p. 155) explica que “as pessoas tendem
a esconder opiniões contrárias à ideologia majoritária, o que dificulta a mudança
de hábitos e ajuda a manter o status quo”. Se a mídia dominante não mostra nem
greve nem mobilização política, estas não existem para um público mais amplo
que só tem acesso a essa mídia. E se mostra a greve e a ocupação da
Assembleia Legislativa como ações de vândalos, parte do público tenderá a
concordar pelo simples fato de não ter acesso ao contraditório.
Mecanismos como excesso de exposição midiática de um tema,
semelhança ou consonância na forma de produção e de veiculação de conteúdos
e a presença da mídia dominante em todos os lugares condicionam a formação
da espiral do silêncio, que exerce influência “decisiva para consolidar os valores
da classe dominante e formar nossa percepção da realidade” (PENA, 2005,
p.157). Nesse processo, minorias são silenciadas, conforme Pena (2005, p.156)
explica ao afirmar que
Os meios de comunicação tendem a priorizar as opiniões dominantes, ou melhor, as opiniões que parecem dominantes, consolidando-as e ajudando a calar as minorias (na verdade, maiorias) isoladas. Nesse ponto, a teoria da espiral do silêncio aproxima-se da teoria dos definidores primários, pois ambas defendem que a tal prioridade é causada pela facilidade de acesso de uma minoria privilegiada (as fontes institucionais) aos veículos de informação. Assim, opiniões que parecem consensuais se perpetuam, pois a maioria silenciosa não se expressa e não é ouvida pela mídia, o que leva à conclusão de que o conceito de opinião pública está distorcido.
Parte dessa maioria silenciosa, porém, encontrou novas formas de
expressão política nas redes sociais baseadas na internet. A rede mundial de
computadores é um espaço que permite o anonimato, porém, tem-se notado que
mobilizações políticas são feitas quase sempre por usuários usando seus nomes
reais, em perfis reais, como forma de mostrar aos demais atores conectados à
sua rede uma postura política nem sempre permitida em outros ambientes (como
trabalho, escola, igreja).
No movimento batizado pelos internautas de “Primavera Maranhense”,
esses usuários expressaram sua insatisfação com o governo por meio de
palavras de ordem, frases de efeito, incursões teóricas (oligarquia, coronelismo)
e, por fim, fizeram um chamado à ação no mundo real. Durante três dias,
centenas de postagens foram publicadas nas duas maiores redes sociais em uso
no país, com destaque para a convocação para a passeata “Fora Roseana”,
marcada para o dia 29 de novembro, no meio de uma tarde quente em um dia útil
da semana, com concentração na Assembleia Legislativa, local de vigília dos
militares em greve.
O resultado foi o comparecimento de centenas de pessoas, em
especial jovens estudantes universitários, militantes de vários partidos de
oposição, familiares dos militares e servidores públicos estaduais de outras
categorias. Enquanto o ato de protesto acontecia, os usuários atualizavam seus
perfis nas redes sociais com fotos e notícias do evento. Parte das pessoas
interessadas no desfecho da ação acompanhou tudo pela internet. Para a mídia
oficial, o grande engarrafamento que se formou em várias avenidas graças à
marcha dos manifestantes entre a Assembleia e a sede do Governo do Estado foi
devido ao horário de pico, “normal, portanto”. A “Primavera Maranhense”
simplesmente não existiu no noticiário do Sistema Mirante.
Como a Polícia Militar não forneceu uma estimativa de público, torna-
se difícil afirmar com segurança quantas pessoas estiveram no protesto. A falta
de um comando centralizado – porque movimento espontâneo – também dificulta
esse cálculo. Acredita-se, porém, que havia um número expressivo de
manifestantes – postagens no dia seguinte falavam em mil, algumas em 3 mil
pessoas. De qualquer forma, os manifestantes conseguiram experimentar um
momento de ação coletiva que transbordou do mundo virtual e fez-se sentir no
mundo real. O compartilhamento das mensagens produziu efeitos fora da capital.
Em Imperatriz, segunda maior cidade do Estado e historicamente anti-sarneysista,
também foi organizada manifestação nos mesmos moldes, como moção de apoio
ao movimento de São Luís.
A observação das postagens revela pontos de insatisfação que são
corriqueiramente entreouvidas nas conversas sobre política no espaço público
real: insatisfação com o domínio oligárquico, ressentimento pela forma como o
grupo dominante usa seu império midiático para manter o poder, revolta pela
forma como o ex-governador Jackson Lago foi cassado em abril de 2009 com
consequente posse de Roseana Sarney (segunda colocada nas eleições de
2006), cobranças por melhorias reais nas condições de vida da população. No
espaço virtual, esses temas parecem ganhar amplitude, pois não existe no
Maranhão, a rigor, outro espaço para amplificação desse tipo de anseio.
Os internautas também trouxeram a democracia para o debate.
Algumas postagens questionaram o tipo de democracia permitida – não somente
existente – em um Estado em que a imprensa é tutelada, a separação entre
poderes é superficial, o sufrágio não é livre na prática para a maioria da
população, o coronelismo à moda antiga ainda é atual e a cooptação é a forma
preferencial de se fazer política.
Participação é pré-requisito da democracia. O voto é apenas mais um
instrumento, ou uma de várias possibilidades de participação. O debate político,
que o antecede, é parte fundamental nesse processo. Como, porém, debater se
os canais institucionais tradicionais estão fechados ao contraditório? Romper a
hegemonia da ideologia dominante é um dos objetivos dos movimentos de cunho
político que se organizam e se manifestam via internet.
As redes sociais propiciam um novo espaço para o contraditório,
representam um lugar de debate e permitem a participação de cada vez mais
pessoas interessadas na ação política. Mesmo aqueles que praticam apenas o
chamado ativismo virtual, sem concretização no mundo fora do computador, estão
participando do processo. No caso da “Primavera Maranhense”, a audiência das
narrações sobre a manifestação no Twitter transformou o movimento em trending
topic9 local naquela rede social. No Facebook, as atualizações constantes faziam
com que a página de notícias (feeds) dos contatos se movimentasse
freneticamente. Durante vários dias após a passeata, o assunto ainda repercutia.
O protesto do mundo real retroalimentou o protesto do mundo virtual – seu ponto
de origem.
Os estudantes e militantes de movimentos sociais que,
espontaneamente, lançaram e adotaram a ideia do protesto claramente se
inspiraram na série de revoltas que ocorre no mundo árabe desde 2010. Para
esses atores políticos, usar o nome “Primavera Maranhense” sugere uma virtual
9 Trending topics são os assuntos mais comentados do Twitter em um determinado momento.
semelhança entre a realidade daqueles países e a vivida pela sociedade
maranhense. Em que pese o Estado ser membro de uma república federativa, a
identificação de uma situação democrática na superfície e autoritária em sua base
inspirou os manifestantes a chamarem a atenção da sociedade para os efeitos da
manipulação de que é vítima grande parte da população.
Existe um conceito-protesto anterior ao “Primavera Maranhese” surgido
nas eleições de 2006 e que encontrou nos muros da capital e em adesivos
automotivos seu canal de expressão: o “Fora Rosengana”, cujo símbolo é uma
foto estilizada da governadora usando o bigode característico de seu pai, José
Sarney. O mote político da Primavera e do Fora Rosengana é o mesmo:
denunciar a perpetuação de uma oligarquia no poder. A intensidade do
movimento e seus resultados práticos não podem ser medidos com base em
números, mas sim naquilo que representa como ruptura na inércia política de uma
juventude que não está acostumada com o ativismo político.
A moção de apoio aos grevistas iniciada via redes sociais é sintomático
de uma retomada do protagonismo da sociedade civil, agora organizada em
bases tecnológicas contra um aparato institucional e midiático opressor. Existe,
claro, a limitação de que esse protagonismo é restrito à parcela conectada da
sociedade. De qualquer forma, a grande participação popular no movimento
deixou transparecer não apenas insatisfação, mas vontade de autonomia e de
participação política daqueles atores sociais.
Assim como nas revoltas árabes, não existe comando, organização
centralizada ou mesmo a figura de um líder. Foi uma ideia surgida em uma tarde
e que dois dias depois foi capaz de concretizar-se e personificar-se nos rostos
pintados que carregavam faixas e cartazes, gritavam palavras de ordem e
buscavam, acima de tudo, mostrar que existe uma oposição civil, apartidária, em
processo de amadurecimento na cena política de São Luís.
Não se sabe ainda os impactos que essa primeira insurgência irá
causar nas próximas eleições para o governo do Estado, quando Roseana Sarney
não poderá se candidatar e o grupo político do senador José Sarney terá que
escolher um nome viável entre seus aliados mais confiáveis. A tendência é que o
ciberativismo continue a se fortalecer e, talvez, passe a representar uma força de
oposição quase tão eficaz quanto as organizações políticas tradicionais pelo fato
de atingir um público qualificado e formador de opinião.
Após a “Primavera Maranhense”, esse ciberativismo se intensificou. Há
uma constante vigilância sobre os atos do governo do Estado e da própria
oligarquia que agora são denunciados permanentemente pelas redes sociais. O
Sistema Mirante ainda consegue construir a realidade perceptível para a maior
parte da população analfabeta e semi-analfabeta do Maranhão, mas mesmo
essas pessoas podem se beneficiar o ativismo político dos atores conectados em
rede. Afinal, formadores de opinião podem usar outros instrumentos para fazer
com que o protesto contra o status quo chegue onde esse estado de coisas tem
maior necessidade de mudança.
A democracia, para ser plena e efetiva, precisa oferecer instrumentos
de participação não apenas no processo decisório, mas na fase anterior a este. O
debate é a base da construção de uma cidadania assentada na efetiva
democracia representativa. Os manifestantes que saíram às ruas provaram que o
debate político – inexistente nos moldes de um sistema oligárquico como o nosso
– pode fluir entre mensagens sobre futebol, correntes religiosas, comentários
sobre novelas ou outros produtos de entretenimento. A rede social é um espaço
em que o conteúdo não se perde, pois cada usuário seleciona aquilo que mais lhe
convém para determinadas situações.
Essa seleção transforma os usuários em protagonistas de seus
interesses. No caso em análise, a greve dos militares foi apenas o estopim para o
transbordamento de um sentimento de insatisfação mais amplo. O ciberativismo,
aliás, tem essa peculiaridade de se valer de acontecimentos aparentemente
isolados para entrar em cena. Tudo começa com um comentário ou uma
mensagem que é compartilhada, encontra ressonância na experiência de outros
usuários e transforma-se, em questão de tempo, em uma avalanche de
posicionamentos que pode culminar, como em boa parte dos casos, em ações no
mundo real.
Conclusão
A greve dos policiais e bombeiros militares do Maranhão terminou com
um acordo ainda não completamente implementado pelo governo do Estado. A
manifestação de apoio aos grevistas por parte da população foi fundamental para
forçar o governo a negociar. Afinal, o esquema de marginalização e demonização
do movimento paredista foi rompido com a visibilidade que a passeata teve no
mundo real: o impacto físico da manifestação sobre o trânsito da capital obrigou
algumas emissoras de rádio a noticiá-la.
A “Primavera Maranhense” durou apenas um dia no mundo real, mas
continua florescendo no mundo virtual. Não derrubou o governo, mas incomodou
a mandatária, que precisou negociar com os grevistas para evitar um acirramento
das posições que, provavelmente, aumentaria a adesão ao movimento de
protesto. A natureza desse tipo de ativismo guarda relação com a intransigência
do detentor do poder em negociar.
O impacto mais visível do movimento foi, sem dúvida, trazer ao
ativismo jovens universitários que utilizam redes sociais como forma de
entretenimento, permitindo a eles transformar esse canal privilegiado em
plataforma de ação política. Os jovens eram a maioria entre os manifestantes. De
caras pintadas, narizes de palhaços, apitos e faixas, puderam viver uma
experiência que os ligava à tradição estudantil de luta e de protesto. Uma
juventude conectada que conseguiu organizar um movimento de contestação e
participar dele fora do computador.
Conforme dito anteriormente, não se sabe ainda quais os impactos
dessa nova forma de organização e conscientização política na capital
maranhense para as próximas eleições. Já se observa, porém, uma intensa
movimentação nas redes sociais sobre as coligações e candidatos à prefeitura de
São Luís – maior e mais importante colégio eleitoral do Estado. O candidato da
governadora, seu atual vice, vem sendo alvo de críticas e questionamentos e, por
ser identificado com a oligarquia apesar de ser filiado ao PT (aliado do PMDB no
Maranhão), sofre com uma grande rejeição nas redes sociais.
Para a mídia oligárquica, a “Primavera Maranhense” não existiu. Para o
governo, existiu como forma de alerta, mas foi devidamente neutralizada. Já para
os manifestantes, a Primavera foi um primeiro passo e o ativismo que continua via
redes sociais mostra que eles podem vir a tornar-se uma referência em ação
política no Estado de agora em diante. E não apenas o governo estadual, a
oligarquia Sarney ou seus aliados são alvos desses ativistas. Com o potencial que
eles demonstraram na passeata de 29 de novembro de 2011, os políticos e a
mídia tradicional podem esperar um acirramento do debate, aliás, a instauração
de um verdadeiro debate democrático entre os atores políticos da cena
maranhense.
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