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“Em nome do povo e invocando a proteção de Deus”: a presença dos deputados estaduais evangélicos na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA) (2002-2010). Notas de uma pesquisa Jaciara Fonsêca dos Santos 1 A importância da realização de estudos sobre a participação dos evangélicos na esfera política vem sendo destacada no cenário acadêmico. Uma vez eleitos, esses atores passam a mediar os interesses das suas instituições no espaço político, bem como no estabelecimento de coligações entre os partidos que representam. Nesse contexto a inserção de candidatos evangélicos maranhenses na política brasileira conquistou, com o passar dos anos, um expressivo número de representantes, sobretudo a nível estadual e municipal.. A pesquisa em andamento aborda a atuação dos políticos evangélicos no Maranhão, suas coligações, seus discursos e práticas, a partir da análise das trajetórias dos deputados estaduais, no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA). 1. Os evangélicos e a esfera política brasileira: O Brasil há muito convive com a pluralidade de religiões em seu território. Esse cenário é fruto de desdobramentos históricos que contribuíram para a formação da sociedade brasileira. O protestantismo que aqui chegou teve como tarefa tentar se estabelecer em um terreno ocupado hegemonicamente pela Igreja Católica Romana, decorrente da expressiva atuação dos missionários católicos, desde o período da colonização. Tal situação possibilitou uma série de conflitos, resultante da busca pela legitimação e o estabelecimento de fronteiras entre os espaços de atuação das 1 Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS)-UFMA, membro do Grupo De Pesquisa História e Religião vinculado ao PPGHIS-UFMA, bolsista CAPES, sob a orientação do Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos. Endereço eletrônico: [email protected]

dos deputados estaduais evangélicos na Assembleia ... · principais lideranças da Assembleia de Deus, Costa Ferreira, foi eleito para o mandato de vereador na capital14. A partir

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“Em nome do povo e invocando a proteção de Deus”: a presença

dos deputados estaduais evangélicos na Assembleia Legislativa do

Estado do Maranhão (ALEMA) (2002-2010). Notas de uma pesquisa

Jaciara Fonsêca dos Santos1

A importância da realização de estudos sobre a participação dos

evangélicos na esfera política vem sendo destacada no cenário acadêmico.

Uma vez eleitos, esses atores passam a mediar os interesses das suas

instituições no espaço político, bem como no estabelecimento de coligações

entre os partidos que representam. Nesse contexto a inserção de candidatos

evangélicos maranhenses na política brasileira conquistou, com o passar dos

anos, um expressivo número de representantes, sobretudo a nível estadual e

municipal.. A pesquisa em andamento aborda a atuação dos políticos

evangélicos no Maranhão, suas coligações, seus discursos e práticas, a partir

da análise das trajetórias dos deputados estaduais, no âmbito da Assembleia

Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA).

1. Os evangélicos e a esfera política brasileira:

O Brasil há muito convive com a pluralidade de religiões em seu

território. Esse cenário é fruto de desdobramentos históricos que contribuíram

para a formação da sociedade brasileira. O protestantismo que aqui chegou

teve como tarefa tentar se estabelecer em um terreno ocupado

hegemonicamente pela Igreja Católica Romana, decorrente da expressiva

atuação dos missionários católicos, desde o período da colonização. Tal

situação possibilitou uma série de conflitos, resultante da busca pela

legitimação e o estabelecimento de fronteiras entre os espaços de atuação das

1 Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS)-UFMA, membro do

Grupo De Pesquisa História e Religião vinculado ao PPGHIS-UFMA, bolsista CAPES, sob a orientação do

Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos. Endereço eletrônico: [email protected]

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instituições e suas lideranças2. A esfera política se constitui como um desses

espaços.

Os laços entre religião e política acham-se construídos historicamente3.

No Brasil, a laicidade tem como marco oficial o estabelecimento do regime

republicano4. Contudo, o advento da laicidade estatal não significou que a

esfera política não mais seria permeada pela influência religiosa5, para isso

seria necessário a prerrogativa de que o indivíduo, ocupante desses espaços,

viesse a não mais expressar a sua identidade religiosa por meio de sua

atuação. Assim como também o cerceamento das instituições religiosas, que

por sua vez, buscaram garantir a sua participação por meio da candidatura de

seus membros. A esfera política brasileira mostra em sua trajetória a influência

das instituições religiosas, que por meio de seus agentes a pontuaram com as

matizes da religião.

A participação dos evangélicos6 na esfera política cada vez mais se

torna objeto de estudo das Ciências Sociais e das Ciências Humanas7. Uma

2 Sobre o tema ver entre outros: MATOS, Aldari Souza de. A reforma protestante do século XVI.Acessado em: http://www.mackenzie.com.br/6994.html, Breve história do protestantismo no Brasil. Acessado em: http://www.mackenzie.com.br/6994.html; MENDONÇA, Antonio Gouvêa. In: REVISTA USP, São Paulo, n.59, p. 144-163, setembro/novembro 2003, O protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas. In: REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 48-67, setembro/novembro 2005; VERAS, Rogério de Carvalho. Entre bodes e embatinados: representações de um conflito religioso no maranhão. Monografia (Graduação Licenciatura em História) UEMA- São Luís, 2005. 3BURITY, Joanildo A. Religião e Política na Fronteira: desinstitucionalização e deslocamento numa

relação historicamente polêmica. Acesso em: www.pucsp.br/rever/rv4_2001/p_burity.pdf 4Ver: GIUMBELLI, Emerson. A presença do religioso no espaço público:modalidades no Brasil. Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 1-12, 2008. Acesso em: http://www.scielo.br/scielo 5Esclarece-se que no contexto da república, o catolicismo não deixou de se fazer presente na esfera

pública. Embora oficialmente separada do Estado, a Igreja Católica continuou exercendo sua influência em questões políticas, econômicas e sociais. A Igreja católica justificava a sua ingerência nessas questões “toda vez que, segundo sua leitura, os direitos humanos e as questões sociais estavam em jogo” (MEYER apud ORO, 2011, p. 388). 6“O protestantismo no Brasil pode ser compreendido como movimento religioso que incorporou os segmentos eclesiásticos diversos e plurais oriundos do movimento da reforma protestante dos séculos XVI-XX, na Europa e nos Estados Unidos. O termo evangélico pode ser tomado como equivalente a protestante, embora este tenha suas especificidades históricas, mas também assume força como termo mais amplo que estabelece identidades no campo religioso.” (SANTOS, 2010, p. 14) 7Sobre o tema ver, entre outros: BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e

neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no

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vez que as igrejas evangélicas constituem-se atualmente como a segunda

maior expressão religiosa do cenário brasileiro, herdeiras históricas dos

primeiros movimentos de contestação do catolicismo, as influências dessas

instituições sobre a sociedade e a candidatura de seus líderes e membros,

tornaram-se, ao longo da história política do Brasil, cada vez mais perceptíveis,

como por exemplo, o aumento do número de candidaturas de pessoas ligadas

a instituições evangélicas a cargos políticos e as alianças formadas durante o

decorrer dos mandatos.8. Esse cenário torna propício o aprofundamento das

análises sobre as práticas e os discursos das instituições e de seus

representantes na esfera política9.

As últimas seis décadas da história brasileira assistiram o crescimento

numérico dos evangélicos conforme o demonstrado nas últimas pesquisas

realizadas pelo IBGE10. Essas pesquisas revelaram um percentual de 22,2% da

população brasileira ligada a alguma denominação evangélica. Entre os anos

de 2000 e 2010 esse crescimento foi de 6,8%. O pentecostalismo foi o

segmento evangélico11 que mais cresceu nos últimos anos. Juntamente ao

Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007; CAMPOS, Leonildo Silveira. Os políticos de Cristo – uma análise do comportamento político de protestantes históricos e pentecostais no Brasil. In: BURITY, Joanildo A.; MACHADO, Maria das Dores C. (org.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2006, p. 29-89; CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. (Orgs.) Religiões & Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010; CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad e Instituto Mysterium, 2007. FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment. Tese (Doutorado em Sociologia). UNICAMP- SP, 1993.MARIANO, Ricardo. Neopentecostais:sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. 8Idem nota 2. 9 Ver: CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. (Orgs.) Religiões & Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010. 10Os evangélicos em 2000 somavam 15,4% do total da população brasileira. Os novos números da configuração religiosa no Brasil, divulgados através da pesquisa do Censo IBGE 2010, comprovam o crescimento do número de pessoas declaradas como evangélicas, e que foram os evangélicos pentecostais os que mais cresceram nos últimos anos (IBGE, 2010). 11 Sobre a divisão do protestantismo no Brasil ver, entre outros: FRESTON, Paul. Protestantes e

política no Brasil: da Constituinte ao impeachment. Tese (Doutorado em Sociologia). UNICAMP- SP,1993.; MATOS, Aldari Souza de. Breve história do protestantismo no Brasil. Disponível em: http://www.mackenzie.com.br/6994.html. S.D.; ORO, Ari Pedro. Algumas interpelações do Pentecostalismo no Brasil. In: Dossiê: Pentecostalismo no Brasil. Revista Horizonte- Belo Horizonte, V. 9, N. 22, p. 383-395, jul./set. 2011.

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crescimento numérico, a visibilidade social cresceu. Somam-se a esses fatores

o processo final da urbanização, a ampla utilização da mídia e dos meios de

comunicação, o discurso da Teologia da Prosperidade12 e suas promessas de

intervenção divina no cotidiano, o movimento celular e sua organização em

núcleos comunitários e a inserção dos evangélicos na política brasileira13.

A inserção de representantes dos segmentos evangélicos na esfera

política acompanha os desdobramentos da história brasileira. A articulação de

lideranças e a eleição de candidatos evangélicos presentes nos anos iniciais da

república passam a tomar visibilidade a partir da década de 1960, mesmo

período em que o segmento pentecostal começa a lançar seus candidatos em

níveis estaduais e municipais. Na década de 1970, no Maranhão, uma das

principais lideranças da Assembleia de Deus, Costa Ferreira, foi eleito para o

mandato de vereador na capital14. A partir dos anos de 1980, o advento da

eleição da Assembleia Constituinte Nacional foi pontuada com a eleição de

uma bancada com cerca de 30 deputados evangélicos que contribuíram de

forma efetiva na elaboração da Constituição de 198815.

Os anos em que José Sarney esteve no cargo da presidência da

república foram marcados pela relação de apoio entre o governo federal e

muitos dos políticos representantes dos segmentos evangélicos. A concessão

de rádios e canais televisivos a denominações evangélicas pontuaram o

governo do então presidente. O apoio ao governo federal foi expresso de

12Doutrina religiosa que propaga a busca pela prosperidade material e bem estar, através de um discurso positivo. Para mais esclarecimentos ver, entre outros: MARIANO, Ricardo. Neopentecostais:sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. 13SANTOS in CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. O

gospel, a prosperidade e o poder:uma análise da presença da religião evangélica no espaço público maranhense (1960-2010).CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de

Araújo(Orgs.) Religiões & Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010, p.13. 14BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007. p.214. 15SANTOS in CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. O gospel, a prosperidade e o poder:uma análise da presença da religião evangélica no espaço público maranhense (1960-2010)..Religiões& Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010, p.25

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muitas formas, sobretudo na votação que definiu a extensão do mandato

presidencial por mais um ano. Essa situação favoreceu as estratégias

proselitistas dos segmentos evangélicos, aumentando a visibilidade dessas

instituições e não apenas contribuindo para um avanço na disputa por mais

adeptos, como também na consolidação do setor evangélico na sociedade

brasileira, como uma audiência de eleitores fiéis16.

Conscientes de tal situação, as lideranças políticas não-evangélicas

costumeiramente estabeleceram alianças, em busca de garantir o apoio dessas

instituições. No Maranhão, a relação entre grupos políticos e aliados à família

Sarney com as instituições evangélicas possuem explícitas demonstrações de

apoio. A candidatura de apadrinhados políticos da chamada oligarquia

Sarney17costuma receber a adesão desses segmentos, sobretudo da

Assembleia de Deus, que tem por conduta definir candidatos oficiais e

apresentando-os aos membros da dita denominação.

As igrejas evangélicas não pertencentes ao segmento pentecostal, como

por exemplo, as protestantes históricas, possuem outra conduta. Nessas

instituições não há a escolha de candidatos oficiais da denominação, o que não

significa que o trânsito de candidatos não-evangélicos ou ainda candidatos

membros da própria denominação, não transitem por esses espaços, seja

dando testemunhos de seus feitos nos cultos, recebendo orações ou fazendo

aparições públicas ao lado de lideranças eclesiásticas.

. Nesse contexto a inserção de candidatos evangélicos maranhenses na

política brasileira conquistou, com o passar dos anos, um expressivo número

de representantes, sobretudo a nível estadual e municipal. Assim, a bancada

evangélica, vem garantindo a manutenção das relações de troca entre a esfera

16BATISTA. Op. cit.., p. 214. 17Sobre a oligarquia Sarney, ver: COSTA, Wagner Cabral da.Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Victorino a Sarney. São Luís: Edufma, 2006.

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política e a religiosa. Tal situação mostrou-se clara no contexto das últimas

eleições para o governo estadual do Maranhão.

A proposta da pesquisa justifica-se pela necessidade de investigar a

atuação dos políticos evangélicos no Maranhão, suas coligações, seus

discursos e práticas, a partir da análise das trajetórias dos deputados

estaduais, no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão

(ALEMA), no pleito de 2002 e 2006, analisando a participação de lideranças e

de instituições religiosas em movimentos políticos, suas coligações e possíveis

práticas assistencialistas. Propõe também refletir sobre a atuação dos

deputados estaduais evangélicos no decorrer dos mandatos, seus discursos e

posturas no contexto político do período, levantando a questão de que se há

uma cultura evangélica brasileira18, quais são suas características e como é

possível percebê-las na análise da atuação dos deputados estaduais

evangélicos maranhenses.

O recorte temporal do tema abrange o contexto de disputas entre o

grupo formado pela oligarquia Sarney e o grupo dos oposicionistas, tendo

Jackson Lago como principal representante. O rompimento do governador do

estado, Reginaldo Tavares, com o grupo Sarney, possibilitou uma nova

conjuntura política na esfera do legislativo maranhense. O seu alinhamento

com o grupo oposicionista ligado a Jackson Lago e o apoio à sua candidatura

no pleito de 2006 alterou a posição dos deputados estaduais evangélicos,

divididos entre o apoio ao grupo Sarney e a oposição19.

18 Sobre o tema ver, entre outros: ALMEIDA, Adroaldo José Silva. "Pelo Senhor, marchamos": os

evangélicos e a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Tese (Doutorado) – Universidade Federal

Fluminense:RJ, 2016, p. 310; BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e

neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no

Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007. p.214;

BIRMAN, Patrícia, org. Religião e espaço público.São Paulo: Attar Editorial, 2003. 19O contexto da ruptura entre Reginaldo Tavares e o grupo Sarney, mais especificamente Roseana

Sarney, e a coligação com Jackson Lago, produziu uma série de teorias. Sobre isso ver: MOURA ,Marivânia de Melo. Cultura política, voto e eleição em São Luís do Maranhão: uma análise do pleito de 2010. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-Graduação em História Social, 2013; FERREIRA , Andréa Bianca Gonçalves. (O)posições na política maranhense:

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A vitória de Jackson Lago foi também a eleição do primeiro vice-

governador evangélico do Maranhão, o pastor Luís Carlos Porto. A cassação

do mandato de Jackson Lago (2007-2009) e o retorno de Roseana Sarney ao

governo do estado promoveu a reorganização da configuração dos grupos

ligados ao governo e dos grupos de oposição. A inserção e atuação desses

candidatos na política maranhense nesse contexto configuram-se como objeto

de estudo, que representa os modos de agir dos segmentos evangélicos no

espaço público.

2. Evangélicos e política: breve historiografia:

A inserção de evangélicos na esfera política brasileira não se constitui

como fenômeno recente, contudo o crescimento desse contingente a partir dos

anos de 1960 trouxe mudanças para esse espaço. Esse fato acompanha a

trajetória do crescimento do número de evangélicos no país, refletindo no

aumento da participação dos evangélicos na mídia. A importância da realização

de estudos sobre a participação dos evangélicos na esfera política vem sendo

destacada no cenário acadêmico.

Estudos como o de Paul Freston, a partir de sua tese Protestantes e

política no Brasil: da Constituinte ao impeachment, demonstram a dinâmica do

protestantismo no país, seus segmentos e a atuação desses representantes,

bem como da relação com o processo de redemocratização brasileira. O

trabalho realizado por Saulo Baptista Cultura política brasileira, práticas

pentecostais e neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja

Universal do Reino de Deus no Congresso Nacional (1999-2006) discorre

sobre a atuação dos pentecostais e neopentecostais, a partir de suas

influências como agentes na esfera política brasileira.

desempenho eleitoral e representações Simbólicas. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Universidade Federal do Maranhão, 2013.

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A produção de Joanildo Burity versa sobre a identidade religiosa e o

comportamento político dos pentecostais, suas articulações e sobre o chamado

retorno do religiosa à esfera política. As análises de Leonildo Siqueira Campos

sobre participação dos neopentecostais e suas articulações no cenário político

brasileiro, enquanto detentores de um grande capital de votos.

Há também as produções de Thiago D. Borges sobre a inserção dos

evangélicos na política brasileira e a representação partidária, questionando os

motivos da não formação de um Partido Evangélico. A produção sobre os

evangélicos e política no Maranhão, realizada pelo autor Jerônimo Borges,

analisa a organização política da Assembleia de Deus no Maranhão pós-86, no

âmbito da competição eleitoral.

O diálogo com esses autores e a análise de seus discursos constitui-se

como fonte importante no auxílio à realização da pesquisa, sobre os

evangélicos na política maranhense. Ressalta-se que tais estudos versam

principalmente sobre o universo pentecostal e sua relação com a esfera

política. Trabalhos sobre o fenômeno da relação entre evangélicos e política no

Maranhão no âmbito da historiografia não possuem grandes produções. A

presente pesquisa visa poder auxiliar no preenchimento de tal lacuna.

A pesquisa propõe analisar a atuação dos deputados estaduais

evangélicos maranhenses, no período da reorganização política entre os

pleitos de 2002 e 2006, contudo, sem incidir exclusivamente sobre os

representantes do segmento pentecostal, uma vez que no Maranhão o

segmento dos protestantes históricos possui intensa atuação. Como exemplo,

podemos citar o pleito de 2006, em que a liderança governista fica a cargo de

Edivaldo Holanda, pertencente ao meio batista. O histórico político do

candidato é de oposição ao grupo Sarney.

A chamada esfera pública é o espaço político em que se dá a passagem

da vontade individual à vontade coletiva, o lugar onde os indivíduos negociam

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seus interesses pessoais e suas representações do bem comum20. Percebe-se

a esfera pública como o espaço de relações sociais, políticas e culturais sob o

contexto da modernidade, tendo na figura do Estado a instância legitimada

para exercer o controle, o governo, arbitrar e suprir as necessidades dos

indivíduos e dos grupos sociais21. A inserção da religião nesses espaços, feita

de modo ativo, buscando estabelecer garantias de participação. Na esfera

política, a candidatura dos evangélicos pode vir a possibilitar a mediação entre

o Estado, os indivíduos e suas instituições religiosas.

A respeito da chamada cultura política brasileira, Adroaldo José da Silva

Almeida, em sua tese de doutoramento, afirma que

Há uma cultura política que me parece ser subjacente aos evangélicos no Brasil, e que, embora guarde traços com a cultura política brasileira, mostra-se singular em um determinado aspecto, qual seja, o de rejeitar a política como instrumento capaz de produzir transformações sociais duradouras, ao mesmo tempo em que confere à política um espaço privilegiado de inserção para o atendimento de suas demandas face ao Estado22.

Nesse sentido, a atuação dos deputados estaduais no contexto do

legislativo maranhense pode vir a demonstrar as características de uma

possível cultura evangélica brasileira.

3. Sobre a metodologia e fontes:

As fontes de pesquisa utilizadas na construção do trabalho são os

Diários da Assembleia Legislativa do estado do Maranhão, como também os

jornais impresso que circularam no referido recorte temporal. A análise de

fontes documentais requer a percepção da construção do conteúdo e da

20SORJ 2004, p. 24 in BATISTA, Op. cit.; p28. Sobre o tema ver, entre outros: HERVIEU-LÉGER,

Daniéle. O peregrino e o convertido:a religião em movimento. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008; HERVIEU-LÉGER, Daniele & WILLAIME, Jean-Paul. Sociologia e religião: abordagens clássicas. Tradução de Ivo Storniolo. Aparecida, SP: Idéias& Letras, 2009; SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 21 SANTOS, Op. Cit.,, p. 17) 22 ALMEIDA, Adroaldo José Silva. "Pelo Senhor, marchamos": os evangélicos e a ditadura militar no Brasil

(1964-1985). Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense:RJ, 2016, p. 310.

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estrutura do documento, uma vez que esses são produzidos para um

determinado fim, conforme Michel de Certeau23 afirma.

No caso dos jornais, a veiculação das notícias tem por fim levar a

informação ao leitor faz-se assim urgente a análise de como a matéria foi

construída e de como esses fatos foram representados. No que se refere aos

Diários da ALEMA, produzidos para o registro das ações do legislativo

maranhense, faz-se necessária uma análise crítica sobre a sua construção.

Sua linguagem e estrutura são próprias do universo legislativo, tornando assim

necessário ao pesquisador que se domine a estrutura textual do documento.

No tocante a análise da atuação dos deputados, os discursos proferidos

no plenário trazem em si um universo simbólico do indivíduo. A linguagem

parlamentar por vezes é mesclada à linguagem coloquial. No caso dos

deputados evangélicos, o uso de termos próprios do cotidiano religioso por

vezes desponta nos discursos proferidos em plenário. Nesse sentido, os

estudos de M. Bakthin e D. Mangueneau sobre o discurso, os gêneros do

discurso e o dialogismo servirão para nortear a pesquisa, na elaboração das

análises dos discursos dos deputados.

A atuação na esfera legislativa estadual confere a possibilidade de se

conquistar determinado espaço ou privilégio, como a aprovação de leis como o

reconhecimento das práticas evangélicas como cultura, de editais para

publicação de literatura religiosa, ou ainda a previsão em lei da concessão de

espaços públicos para a realização de eventos evangélicos (shows, retiros,

festivais, etc), configura-se como importantes marcos na inserção desses no

âmbito cultural. A análise dos projetos de leis e decretos somar-se-ão a análise

da atuação- do discurso não-verbalizado, dos deputados estaduais

evangélicos.

23 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

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No decorrer do levantamento quantitativo acerca dos deputados

estaduais evangélicos e seus projetos de lei, propostos no decorrer do

mandato, foi possível perceber as atuações dos deputados evangélicos, suas

articulações políticos e seu modo de ser, no ambiente legislativo. Percebeu-se

também que os desdobramentos do contexto político local, com o advento da

ruptura do governador Reginaldo Tavares e sua aliança com o oposicionista

Jackson Lago, provocaram mudanças na configuração da esfera legislativa

estadual, que refletiu sobre o desempenho dos deputados estaduais

evangélicos.

4. Considerações finais

A presença dos evangélicos no espaço político brasileiro no legislativo

federal conta com uma série de produções acadêmicas. Uma vez que contexto

político maranhense se constitui imiscuído ao contexto nacional, a proposta da

pesquisa em andamento aqui empreendida se constitui em analisar a inserção

de políticos evangélicos maranhenses e de suas trajetórias legislativa,

entendida aqui como necessária para a percepção da cultura política

evangélica brasileira e seus reflexos no espaço político.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Adroaldo José Silva. "Pelo Senhor, marchamos": os evangélicos e a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense:RJ, 2016, p. 310.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007. p.214.

BIRMAN, Patrícia, org. Religião e espaço público.São Paulo: Attar Editorial, 2003.

Page 12: dos deputados estaduais evangélicos na Assembleia ... · principais lideranças da Assembleia de Deus, Costa Ferreira, foi eleito para o mandato de vereador na capital14. A partir

BORGES Junior, Jerônimo Rodrigues. A participação política da Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Estado do Maranhão pós-1986 / Dissertação (Mestrado em Ciência Política) -Universidade Federal do Piauí, 2010.

BORGES, Thiago Daher Padovezi. Representações partidárias e a presença dos evangélicos na política brasileira. Tese (Doutorado em Ciência Política) FFLCH-USP, 2007.

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