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“Em nome do povo e invocando a proteção de Deus”: a presença
dos deputados estaduais evangélicos na Assembleia Legislativa do
Estado do Maranhão (ALEMA) (2002-2010). Notas de uma pesquisa
Jaciara Fonsêca dos Santos1
A importância da realização de estudos sobre a participação dos
evangélicos na esfera política vem sendo destacada no cenário acadêmico.
Uma vez eleitos, esses atores passam a mediar os interesses das suas
instituições no espaço político, bem como no estabelecimento de coligações
entre os partidos que representam. Nesse contexto a inserção de candidatos
evangélicos maranhenses na política brasileira conquistou, com o passar dos
anos, um expressivo número de representantes, sobretudo a nível estadual e
municipal.. A pesquisa em andamento aborda a atuação dos políticos
evangélicos no Maranhão, suas coligações, seus discursos e práticas, a partir
da análise das trajetórias dos deputados estaduais, no âmbito da Assembleia
Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA).
1. Os evangélicos e a esfera política brasileira:
O Brasil há muito convive com a pluralidade de religiões em seu
território. Esse cenário é fruto de desdobramentos históricos que contribuíram
para a formação da sociedade brasileira. O protestantismo que aqui chegou
teve como tarefa tentar se estabelecer em um terreno ocupado
hegemonicamente pela Igreja Católica Romana, decorrente da expressiva
atuação dos missionários católicos, desde o período da colonização. Tal
situação possibilitou uma série de conflitos, resultante da busca pela
legitimação e o estabelecimento de fronteiras entre os espaços de atuação das
1 Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS)-UFMA, membro do
Grupo De Pesquisa História e Religião vinculado ao PPGHIS-UFMA, bolsista CAPES, sob a orientação do
Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos. Endereço eletrônico: [email protected]
instituições e suas lideranças2. A esfera política se constitui como um desses
espaços.
Os laços entre religião e política acham-se construídos historicamente3.
No Brasil, a laicidade tem como marco oficial o estabelecimento do regime
republicano4. Contudo, o advento da laicidade estatal não significou que a
esfera política não mais seria permeada pela influência religiosa5, para isso
seria necessário a prerrogativa de que o indivíduo, ocupante desses espaços,
viesse a não mais expressar a sua identidade religiosa por meio de sua
atuação. Assim como também o cerceamento das instituições religiosas, que
por sua vez, buscaram garantir a sua participação por meio da candidatura de
seus membros. A esfera política brasileira mostra em sua trajetória a influência
das instituições religiosas, que por meio de seus agentes a pontuaram com as
matizes da religião.
A participação dos evangélicos6 na esfera política cada vez mais se
torna objeto de estudo das Ciências Sociais e das Ciências Humanas7. Uma
2 Sobre o tema ver entre outros: MATOS, Aldari Souza de. A reforma protestante do século XVI.Acessado em: http://www.mackenzie.com.br/6994.html, Breve história do protestantismo no Brasil. Acessado em: http://www.mackenzie.com.br/6994.html; MENDONÇA, Antonio Gouvêa. In: REVISTA USP, São Paulo, n.59, p. 144-163, setembro/novembro 2003, O protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas. In: REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 48-67, setembro/novembro 2005; VERAS, Rogério de Carvalho. Entre bodes e embatinados: representações de um conflito religioso no maranhão. Monografia (Graduação Licenciatura em História) UEMA- São Luís, 2005. 3BURITY, Joanildo A. Religião e Política na Fronteira: desinstitucionalização e deslocamento numa
relação historicamente polêmica. Acesso em: www.pucsp.br/rever/rv4_2001/p_burity.pdf 4Ver: GIUMBELLI, Emerson. A presença do religioso no espaço público:modalidades no Brasil. Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 1-12, 2008. Acesso em: http://www.scielo.br/scielo 5Esclarece-se que no contexto da república, o catolicismo não deixou de se fazer presente na esfera
pública. Embora oficialmente separada do Estado, a Igreja Católica continuou exercendo sua influência em questões políticas, econômicas e sociais. A Igreja católica justificava a sua ingerência nessas questões “toda vez que, segundo sua leitura, os direitos humanos e as questões sociais estavam em jogo” (MEYER apud ORO, 2011, p. 388). 6“O protestantismo no Brasil pode ser compreendido como movimento religioso que incorporou os segmentos eclesiásticos diversos e plurais oriundos do movimento da reforma protestante dos séculos XVI-XX, na Europa e nos Estados Unidos. O termo evangélico pode ser tomado como equivalente a protestante, embora este tenha suas especificidades históricas, mas também assume força como termo mais amplo que estabelece identidades no campo religioso.” (SANTOS, 2010, p. 14) 7Sobre o tema ver, entre outros: BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e
neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no
vez que as igrejas evangélicas constituem-se atualmente como a segunda
maior expressão religiosa do cenário brasileiro, herdeiras históricas dos
primeiros movimentos de contestação do catolicismo, as influências dessas
instituições sobre a sociedade e a candidatura de seus líderes e membros,
tornaram-se, ao longo da história política do Brasil, cada vez mais perceptíveis,
como por exemplo, o aumento do número de candidaturas de pessoas ligadas
a instituições evangélicas a cargos políticos e as alianças formadas durante o
decorrer dos mandatos.8. Esse cenário torna propício o aprofundamento das
análises sobre as práticas e os discursos das instituições e de seus
representantes na esfera política9.
As últimas seis décadas da história brasileira assistiram o crescimento
numérico dos evangélicos conforme o demonstrado nas últimas pesquisas
realizadas pelo IBGE10. Essas pesquisas revelaram um percentual de 22,2% da
população brasileira ligada a alguma denominação evangélica. Entre os anos
de 2000 e 2010 esse crescimento foi de 6,8%. O pentecostalismo foi o
segmento evangélico11 que mais cresceu nos últimos anos. Juntamente ao
Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007; CAMPOS, Leonildo Silveira. Os políticos de Cristo – uma análise do comportamento político de protestantes históricos e pentecostais no Brasil. In: BURITY, Joanildo A.; MACHADO, Maria das Dores C. (org.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2006, p. 29-89; CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. (Orgs.) Religiões & Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010; CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad e Instituto Mysterium, 2007. FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment. Tese (Doutorado em Sociologia). UNICAMP- SP, 1993.MARIANO, Ricardo. Neopentecostais:sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. 8Idem nota 2. 9 Ver: CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. (Orgs.) Religiões & Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010. 10Os evangélicos em 2000 somavam 15,4% do total da população brasileira. Os novos números da configuração religiosa no Brasil, divulgados através da pesquisa do Censo IBGE 2010, comprovam o crescimento do número de pessoas declaradas como evangélicas, e que foram os evangélicos pentecostais os que mais cresceram nos últimos anos (IBGE, 2010). 11 Sobre a divisão do protestantismo no Brasil ver, entre outros: FRESTON, Paul. Protestantes e
política no Brasil: da Constituinte ao impeachment. Tese (Doutorado em Sociologia). UNICAMP- SP,1993.; MATOS, Aldari Souza de. Breve história do protestantismo no Brasil. Disponível em: http://www.mackenzie.com.br/6994.html. S.D.; ORO, Ari Pedro. Algumas interpelações do Pentecostalismo no Brasil. In: Dossiê: Pentecostalismo no Brasil. Revista Horizonte- Belo Horizonte, V. 9, N. 22, p. 383-395, jul./set. 2011.
crescimento numérico, a visibilidade social cresceu. Somam-se a esses fatores
o processo final da urbanização, a ampla utilização da mídia e dos meios de
comunicação, o discurso da Teologia da Prosperidade12 e suas promessas de
intervenção divina no cotidiano, o movimento celular e sua organização em
núcleos comunitários e a inserção dos evangélicos na política brasileira13.
A inserção de representantes dos segmentos evangélicos na esfera
política acompanha os desdobramentos da história brasileira. A articulação de
lideranças e a eleição de candidatos evangélicos presentes nos anos iniciais da
república passam a tomar visibilidade a partir da década de 1960, mesmo
período em que o segmento pentecostal começa a lançar seus candidatos em
níveis estaduais e municipais. Na década de 1970, no Maranhão, uma das
principais lideranças da Assembleia de Deus, Costa Ferreira, foi eleito para o
mandato de vereador na capital14. A partir dos anos de 1980, o advento da
eleição da Assembleia Constituinte Nacional foi pontuada com a eleição de
uma bancada com cerca de 30 deputados evangélicos que contribuíram de
forma efetiva na elaboração da Constituição de 198815.
Os anos em que José Sarney esteve no cargo da presidência da
república foram marcados pela relação de apoio entre o governo federal e
muitos dos políticos representantes dos segmentos evangélicos. A concessão
de rádios e canais televisivos a denominações evangélicas pontuaram o
governo do então presidente. O apoio ao governo federal foi expresso de
12Doutrina religiosa que propaga a busca pela prosperidade material e bem estar, através de um discurso positivo. Para mais esclarecimentos ver, entre outros: MARIANO, Ricardo. Neopentecostais:sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. 13SANTOS in CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. O
gospel, a prosperidade e o poder:uma análise da presença da religião evangélica no espaço público maranhense (1960-2010).CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de
Araújo(Orgs.) Religiões & Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010, p.13. 14BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007. p.214. 15SANTOS in CARREIRO, Gamaliel da Silva. FERRETTI, Sergio Figueiredo. SANTOS, Lyndon de Araújo. O gospel, a prosperidade e o poder:uma análise da presença da religião evangélica no espaço público maranhense (1960-2010)..Religiões& Religiosidades no Maranhão. – São Luis – EDUFMA, 2010, p.25
muitas formas, sobretudo na votação que definiu a extensão do mandato
presidencial por mais um ano. Essa situação favoreceu as estratégias
proselitistas dos segmentos evangélicos, aumentando a visibilidade dessas
instituições e não apenas contribuindo para um avanço na disputa por mais
adeptos, como também na consolidação do setor evangélico na sociedade
brasileira, como uma audiência de eleitores fiéis16.
Conscientes de tal situação, as lideranças políticas não-evangélicas
costumeiramente estabeleceram alianças, em busca de garantir o apoio dessas
instituições. No Maranhão, a relação entre grupos políticos e aliados à família
Sarney com as instituições evangélicas possuem explícitas demonstrações de
apoio. A candidatura de apadrinhados políticos da chamada oligarquia
Sarney17costuma receber a adesão desses segmentos, sobretudo da
Assembleia de Deus, que tem por conduta definir candidatos oficiais e
apresentando-os aos membros da dita denominação.
As igrejas evangélicas não pertencentes ao segmento pentecostal, como
por exemplo, as protestantes históricas, possuem outra conduta. Nessas
instituições não há a escolha de candidatos oficiais da denominação, o que não
significa que o trânsito de candidatos não-evangélicos ou ainda candidatos
membros da própria denominação, não transitem por esses espaços, seja
dando testemunhos de seus feitos nos cultos, recebendo orações ou fazendo
aparições públicas ao lado de lideranças eclesiásticas.
. Nesse contexto a inserção de candidatos evangélicos maranhenses na
política brasileira conquistou, com o passar dos anos, um expressivo número
de representantes, sobretudo a nível estadual e municipal. Assim, a bancada
evangélica, vem garantindo a manutenção das relações de troca entre a esfera
16BATISTA. Op. cit.., p. 214. 17Sobre a oligarquia Sarney, ver: COSTA, Wagner Cabral da.Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Victorino a Sarney. São Luís: Edufma, 2006.
política e a religiosa. Tal situação mostrou-se clara no contexto das últimas
eleições para o governo estadual do Maranhão.
A proposta da pesquisa justifica-se pela necessidade de investigar a
atuação dos políticos evangélicos no Maranhão, suas coligações, seus
discursos e práticas, a partir da análise das trajetórias dos deputados
estaduais, no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão
(ALEMA), no pleito de 2002 e 2006, analisando a participação de lideranças e
de instituições religiosas em movimentos políticos, suas coligações e possíveis
práticas assistencialistas. Propõe também refletir sobre a atuação dos
deputados estaduais evangélicos no decorrer dos mandatos, seus discursos e
posturas no contexto político do período, levantando a questão de que se há
uma cultura evangélica brasileira18, quais são suas características e como é
possível percebê-las na análise da atuação dos deputados estaduais
evangélicos maranhenses.
O recorte temporal do tema abrange o contexto de disputas entre o
grupo formado pela oligarquia Sarney e o grupo dos oposicionistas, tendo
Jackson Lago como principal representante. O rompimento do governador do
estado, Reginaldo Tavares, com o grupo Sarney, possibilitou uma nova
conjuntura política na esfera do legislativo maranhense. O seu alinhamento
com o grupo oposicionista ligado a Jackson Lago e o apoio à sua candidatura
no pleito de 2006 alterou a posição dos deputados estaduais evangélicos,
divididos entre o apoio ao grupo Sarney e a oposição19.
18 Sobre o tema ver, entre outros: ALMEIDA, Adroaldo José Silva. "Pelo Senhor, marchamos": os
evangélicos e a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Tese (Doutorado) – Universidade Federal
Fluminense:RJ, 2016, p. 310; BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e
neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no
Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007. p.214;
BIRMAN, Patrícia, org. Religião e espaço público.São Paulo: Attar Editorial, 2003. 19O contexto da ruptura entre Reginaldo Tavares e o grupo Sarney, mais especificamente Roseana
Sarney, e a coligação com Jackson Lago, produziu uma série de teorias. Sobre isso ver: MOURA ,Marivânia de Melo. Cultura política, voto e eleição em São Luís do Maranhão: uma análise do pleito de 2010. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-Graduação em História Social, 2013; FERREIRA , Andréa Bianca Gonçalves. (O)posições na política maranhense:
A vitória de Jackson Lago foi também a eleição do primeiro vice-
governador evangélico do Maranhão, o pastor Luís Carlos Porto. A cassação
do mandato de Jackson Lago (2007-2009) e o retorno de Roseana Sarney ao
governo do estado promoveu a reorganização da configuração dos grupos
ligados ao governo e dos grupos de oposição. A inserção e atuação desses
candidatos na política maranhense nesse contexto configuram-se como objeto
de estudo, que representa os modos de agir dos segmentos evangélicos no
espaço público.
2. Evangélicos e política: breve historiografia:
A inserção de evangélicos na esfera política brasileira não se constitui
como fenômeno recente, contudo o crescimento desse contingente a partir dos
anos de 1960 trouxe mudanças para esse espaço. Esse fato acompanha a
trajetória do crescimento do número de evangélicos no país, refletindo no
aumento da participação dos evangélicos na mídia. A importância da realização
de estudos sobre a participação dos evangélicos na esfera política vem sendo
destacada no cenário acadêmico.
Estudos como o de Paul Freston, a partir de sua tese Protestantes e
política no Brasil: da Constituinte ao impeachment, demonstram a dinâmica do
protestantismo no país, seus segmentos e a atuação desses representantes,
bem como da relação com o processo de redemocratização brasileira. O
trabalho realizado por Saulo Baptista Cultura política brasileira, práticas
pentecostais e neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja
Universal do Reino de Deus no Congresso Nacional (1999-2006) discorre
sobre a atuação dos pentecostais e neopentecostais, a partir de suas
influências como agentes na esfera política brasileira.
desempenho eleitoral e representações Simbólicas. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Universidade Federal do Maranhão, 2013.
A produção de Joanildo Burity versa sobre a identidade religiosa e o
comportamento político dos pentecostais, suas articulações e sobre o chamado
retorno do religiosa à esfera política. As análises de Leonildo Siqueira Campos
sobre participação dos neopentecostais e suas articulações no cenário político
brasileiro, enquanto detentores de um grande capital de votos.
Há também as produções de Thiago D. Borges sobre a inserção dos
evangélicos na política brasileira e a representação partidária, questionando os
motivos da não formação de um Partido Evangélico. A produção sobre os
evangélicos e política no Maranhão, realizada pelo autor Jerônimo Borges,
analisa a organização política da Assembleia de Deus no Maranhão pós-86, no
âmbito da competição eleitoral.
O diálogo com esses autores e a análise de seus discursos constitui-se
como fonte importante no auxílio à realização da pesquisa, sobre os
evangélicos na política maranhense. Ressalta-se que tais estudos versam
principalmente sobre o universo pentecostal e sua relação com a esfera
política. Trabalhos sobre o fenômeno da relação entre evangélicos e política no
Maranhão no âmbito da historiografia não possuem grandes produções. A
presente pesquisa visa poder auxiliar no preenchimento de tal lacuna.
A pesquisa propõe analisar a atuação dos deputados estaduais
evangélicos maranhenses, no período da reorganização política entre os
pleitos de 2002 e 2006, contudo, sem incidir exclusivamente sobre os
representantes do segmento pentecostal, uma vez que no Maranhão o
segmento dos protestantes históricos possui intensa atuação. Como exemplo,
podemos citar o pleito de 2006, em que a liderança governista fica a cargo de
Edivaldo Holanda, pertencente ao meio batista. O histórico político do
candidato é de oposição ao grupo Sarney.
A chamada esfera pública é o espaço político em que se dá a passagem
da vontade individual à vontade coletiva, o lugar onde os indivíduos negociam
seus interesses pessoais e suas representações do bem comum20. Percebe-se
a esfera pública como o espaço de relações sociais, políticas e culturais sob o
contexto da modernidade, tendo na figura do Estado a instância legitimada
para exercer o controle, o governo, arbitrar e suprir as necessidades dos
indivíduos e dos grupos sociais21. A inserção da religião nesses espaços, feita
de modo ativo, buscando estabelecer garantias de participação. Na esfera
política, a candidatura dos evangélicos pode vir a possibilitar a mediação entre
o Estado, os indivíduos e suas instituições religiosas.
A respeito da chamada cultura política brasileira, Adroaldo José da Silva
Almeida, em sua tese de doutoramento, afirma que
Há uma cultura política que me parece ser subjacente aos evangélicos no Brasil, e que, embora guarde traços com a cultura política brasileira, mostra-se singular em um determinado aspecto, qual seja, o de rejeitar a política como instrumento capaz de produzir transformações sociais duradouras, ao mesmo tempo em que confere à política um espaço privilegiado de inserção para o atendimento de suas demandas face ao Estado22.
Nesse sentido, a atuação dos deputados estaduais no contexto do
legislativo maranhense pode vir a demonstrar as características de uma
possível cultura evangélica brasileira.
3. Sobre a metodologia e fontes:
As fontes de pesquisa utilizadas na construção do trabalho são os
Diários da Assembleia Legislativa do estado do Maranhão, como também os
jornais impresso que circularam no referido recorte temporal. A análise de
fontes documentais requer a percepção da construção do conteúdo e da
20SORJ 2004, p. 24 in BATISTA, Op. cit.; p28. Sobre o tema ver, entre outros: HERVIEU-LÉGER,
Daniéle. O peregrino e o convertido:a religião em movimento. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008; HERVIEU-LÉGER, Daniele & WILLAIME, Jean-Paul. Sociologia e religião: abordagens clássicas. Tradução de Ivo Storniolo. Aparecida, SP: Idéias& Letras, 2009; SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 21 SANTOS, Op. Cit.,, p. 17) 22 ALMEIDA, Adroaldo José Silva. "Pelo Senhor, marchamos": os evangélicos e a ditadura militar no Brasil
(1964-1985). Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense:RJ, 2016, p. 310.
estrutura do documento, uma vez que esses são produzidos para um
determinado fim, conforme Michel de Certeau23 afirma.
No caso dos jornais, a veiculação das notícias tem por fim levar a
informação ao leitor faz-se assim urgente a análise de como a matéria foi
construída e de como esses fatos foram representados. No que se refere aos
Diários da ALEMA, produzidos para o registro das ações do legislativo
maranhense, faz-se necessária uma análise crítica sobre a sua construção.
Sua linguagem e estrutura são próprias do universo legislativo, tornando assim
necessário ao pesquisador que se domine a estrutura textual do documento.
No tocante a análise da atuação dos deputados, os discursos proferidos
no plenário trazem em si um universo simbólico do indivíduo. A linguagem
parlamentar por vezes é mesclada à linguagem coloquial. No caso dos
deputados evangélicos, o uso de termos próprios do cotidiano religioso por
vezes desponta nos discursos proferidos em plenário. Nesse sentido, os
estudos de M. Bakthin e D. Mangueneau sobre o discurso, os gêneros do
discurso e o dialogismo servirão para nortear a pesquisa, na elaboração das
análises dos discursos dos deputados.
A atuação na esfera legislativa estadual confere a possibilidade de se
conquistar determinado espaço ou privilégio, como a aprovação de leis como o
reconhecimento das práticas evangélicas como cultura, de editais para
publicação de literatura religiosa, ou ainda a previsão em lei da concessão de
espaços públicos para a realização de eventos evangélicos (shows, retiros,
festivais, etc), configura-se como importantes marcos na inserção desses no
âmbito cultural. A análise dos projetos de leis e decretos somar-se-ão a análise
da atuação- do discurso não-verbalizado, dos deputados estaduais
evangélicos.
23 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.
No decorrer do levantamento quantitativo acerca dos deputados
estaduais evangélicos e seus projetos de lei, propostos no decorrer do
mandato, foi possível perceber as atuações dos deputados evangélicos, suas
articulações políticos e seu modo de ser, no ambiente legislativo. Percebeu-se
também que os desdobramentos do contexto político local, com o advento da
ruptura do governador Reginaldo Tavares e sua aliança com o oposicionista
Jackson Lago, provocaram mudanças na configuração da esfera legislativa
estadual, que refletiu sobre o desempenho dos deputados estaduais
evangélicos.
4. Considerações finais
A presença dos evangélicos no espaço político brasileiro no legislativo
federal conta com uma série de produções acadêmicas. Uma vez que contexto
político maranhense se constitui imiscuído ao contexto nacional, a proposta da
pesquisa em andamento aqui empreendida se constitui em analisar a inserção
de políticos evangélicos maranhenses e de suas trajetórias legislativa,
entendida aqui como necessária para a percepção da cultura política
evangélica brasileira e seus reflexos no espaço político.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Adroaldo José Silva. "Pelo Senhor, marchamos": os evangélicos e a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense:RJ, 2016, p. 310.
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BAPTISTA, Saulo. Cultura política brasileira práticas pentecostais e neopentecostais: a presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no Congresso Nacional (1999-2006). Tese (Doutorado em Ciência da Religião) UMESP-2007. p.214.
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