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Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 11 – n. 39, p. 237-279 – jul./dez. 2012 237 O controle de constitucionalidade dos decretos autônomos Alaíde Sampaio Costa Analista processual do Ministério Público da União (MPU), lotada no Ministério Público Federal (MPF). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (2009). Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2010). Mestranda no Programa de Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão. Resumo: Objetiva-se com o presente trabalho fomentar a discus- são sobre a invasão de reserva de lei pelos chamados decretos autô- nomos. A referida discussão aborda a possibilidade de tais decretos serem objeto de controle de constitucionalidade, como exceção à regra de controle de legalidade dos decretos, em prol da supremacia da Constituição e da separação dos poderes. Palavras-chave: Reserva de lei. Decreto Autônomo. Controle de Constitucionalidade. Abstract: The aim of this paper is to stimulate discussion about the invasion of reserve law by decrees called autonomous. This discussion addresses the possibility of such decrees are subject to constitutional control, as an exception to the rule control of legality of the decrees in favor of the supremacy of the Constitution and the separation of powers. Keywords: Reservation of law. Autonomous Decree. Judicial Review. Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos gerais do controle de con- stitucionalidade à luz da Constituição Federal de 1988. 2.1 Con- siderações iniciais. 2.2 Espécies de controle. 2.2.1 Notas iniciais.

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Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012237O controle de constitucionalidadedos decretos autnomosAlade Sampaio CostaAnalista processual do Ministrio Pblico da Unio (MPU), lotadanoMinistrioPblicoFederal(MPF).Bacharelem DireitopelaUniversidadeFederaldoMaranho(2009).EspecialistaemDireitoConstitucionalpelaUniversidade AnhangueraUniderp(2010).MestrandanoProgramade Mestrado em Direito e Instituies do Sistema de Justia pela Universidade Federal do Maranho.Resumo: Objetiva-se com o presente trabalho fomentar a discus-so sobre a invaso de reserva de lei pelos chamados decretos aut-nomos. A referida discusso aborda a possibilidade de tais decretos serem objeto de controle de constitucionalidade, como exceo regra de controle de legalidade dos decretos, em prol da supremacia da Constituio e da separao dos poderes. Palavras-chave: Reserva de lei. Decreto Autnomo. Controle de Constitucionalidade.Abstract:Theaimofthispaperistostimulatediscussionabout theinvasionofreservelawbydecreescalledautonomous.This discussionaddressesthepossibilityofsuchdecreesaresubjectto constitutional control, as an exception to the rule control of legality of the decrees in favor of the supremacy of the Constitution and the separation of powers.Keywords:Reservationoflaw.AutonomousDecree.Judicial Review.Sumrio:1Introduo.2Aspectosgeraisdocontroledecon-stitucionalidadeluzdaConstituioFederalde1988.2.1Con-sideraesiniciais.2.2Espciesdecontrole.2.2.1Notasiniciais. 238Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 20122.2.2Quantonaturezadorgocontrolador.2.2.3Quantoao momentodocontrole.2.3Controleprincipaleincidental.2.3.1 Controleprincipal.2.3.2Controleincidental.2.4Espciessujei-tas a controle. 3 Os decretos autnomos no ordenamento jurdico brasileiro. 3.1 Tipos de decretos. 3.1.1 Apontamentos iniciais. 3.1.2 Decretoregulamentar.3.1.3Decretoautnomo.3.2Osdecretos na Constituio Federal. 3.3 Decretos autnomos no ordenamento jurdicobrasileiroposicionamentosdoutrinrios.3.3.1Consid-eraesiniciais.3.3.2Posicionamentoscontrriospossibilidade deediodedecretosautnomosnoBrasil.3.3.3Posicionamen-tos favorveis possibilidade de edio de decretos autnomos no Brasil. 4 Controle de constitucionalidade dos decretos autnomos. 4.1 Controle de legalidade dos decretos regulamentares. 4.2 Con-trole de constitucionalidade dos decretos autnomos considera-es doutrinrias. 4.3 Controle de constitucionalidade dos decretos autnomos consideraes jurisprudenciais. 5 Concluso.1IntroduoA Constituio Federal de 1988 prev o controle de constitu-cionalidade no Brasil, tema que envolve a supremacia da constitui-o, a separao de poderes e os aspectos relativos ao sistema, aos rgos e s formas de controle. Levando-se em conta a hierarquia das normas, de modo geral, ocontroledeconstitucionalidaderefere-sesnormasprimrias, ao passo que, quanto s normas secundrias, tem-se o controle de legalidade.Taldiscussotomacontornosinteressantesquandosoana-lisados os decretos. Estes podem ser do tipo individual ou podem ter carter normativo e geral. Nesse ltimo caso, so tidos como normas secundrias de competncia do chefe do Poder Executivo.AConstituioFederalprevexpressamenteosdecretosdo chefe do Executivo no art. 84, VI, a e b. Quanto primeira alnea, adoutrinademonstra-sepacfcaaoafrmartratar-sededecretos regulamentares (ou de mera execuo). Porm, quanto segunda Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012239alnea, existe questionamento sobre tratar-se de possvel permisso de edio dos chamados decretos autnomos.Independentemente dos posicionamentos contrrios ou favo-rveis possibilidade de edio de decretos autnomos em confor-midadecomoordenamentoconstitucionalbrasileiro,adoutrina e a jurisprudncia tecem consideraes relevantes sobre o controle de tais normas quanto ao modo de anlise, se de legalidade ou de constitucionalidade.Estetrabalhotemporobjetoanalisarocontroledosdecre-tos quando apresentam impropriedades em relao Constituio Federal de 1988. Este estudo, buscando melhor desenvolver o tema, divide-se em trs etapas.Aprimeirafazconsideraesgeraisquantoaocontrolede constitucionalidade luz da Constituio Federal de 1988. Nela, soabordadasquestesiniciassobreoassunto,semapretenso de esgot-lo.A segunda cuida dos decretos no ordenamento jurdico bra-sileiro,momentoemquesoanalisadasasfunesdosdecretos segundoaConstituioFederal,ostiposdedecretos,segundo classifcao doutrinria dominante, e posicionamentos favorveis econtrriospossibilidadedeediodedecretosautnomosno Direito ptrio.Por fm, a terceira etapa enfoca a questo do controle de cons-titucionalidade dos decretos autnomos. Como considerao ini-cial, trata do controle de legalidade dos decretos regulamentares, para contrapor, em seguida, as consideraes doutrinrias e juris-prudenciais sobre a questo.Paramelhorcompreensodotema,feitaumaabordagem dos principais doutrinadores que tratam sobre o assunto e das an-lises feitas pelo Supremo Tribunal Federal.240Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Aofnal,soapresentadasasconclusesresultantesdesta pesquisa.2Aspectos gerais do controle de constitucionalidade luz da Constituio Federal de 19882.1 Consideraes iniciaisAs normas jurdicas tm como uma de suas caractersticas a imperatividade.AConstituioFederal,comonormajurdica, tambmpossuiesseatributo,porm,comumafeiopeculiar, pois tem posio de proeminncia sobre as demais.Essaposiodedestaque,desuperioridade,sobreasoutras normascorrespondechamadasupremaciaconstitucional.O controledeconstitucionalidadeafgura-seumaimportante garantia dessa supremacia, pois, por meio dele, possvel afastar antinomias que venham a agredir os preceitos da Constituio.No dizer de Dirley da Cunha Jnior (2010, p. 262-263), o controle de constitucionalidade, enquanto garantia de tutela da supremaciadaConstituio,umaatividadedefscalizaoda validade e conformidade das leis e atos do poder pblico vista de umaConstituiorgida,desenvolvidaporumouvriosrgos constitucionalmente designados.Desse ensinamento, alm de se extrair um conceito, poss-vel observar que o controle pode-se dar por mais de uma maneira, o que ser analisado no tpico seguinte.Valepontuaroreconhecimentorelevnciadosaspectos histricos e do direito comparado no estudo do controle de cons-titucionalidade. Entretanto, neste trabalho, no h como esgotar Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012241o assunto, motivo pelo qual sero abordados os pontos mais dire-tamente relacionados temtica proposta.2.2 Espcies de controle2.2.1 Notas iniciaisComo j mencionado, o controle de constitucionalidade pode ser realizado de vrias maneiras. Para sistematizar o estudo sobre o assunto, a doutrina classifca as espcies de controle. Entreasvriaspossibilidadesdeclassifcao,destacam--seaquelasquantonaturezadorgocontrolador,quantoao momento do controle e quanto ao modo de exerccio.2.2.2 Quanto natureza do rgo controladorDiz-se, quanto natureza do rgo, que o controle pode ser classifcado em poltico (ou no judicial), judicial (ou jurisdicional, ou judicirio, ou jurdico), ou misto (ou ecltico, ou hbrido). Naprimeiraespcie,averifcaodaconstitucionalidade cabe a um rgo com natureza eminentemente poltica, no inte-grantedoPoderJudicirio.Jnasegunda,orgocompetente para exercer o controle faz parte do Poder Judicirio ou, mesmo sem integr-lo, tem atuao de natureza jurisdicional. Finalmente, a terceira ocorre quando a Constituio submete certas normas ao controle poltico e outras ao judicial (Bulos, 2009, p. 111-112).Quantoaoordenamentojurdicobrasileiro,Alexandrede Moraes (2003, p. 581) assim ensina: [...] tradicionalmente e em regra, no Direito Constitucional ptrio, oJudiciriorealizaocontrolerepressivodeconstitucionalidade, ouseja,retiradoordenamentojurdicoumaleiouatonorma-242Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012tivo contrrios Constituio. Por sua vez, os Poderes Executivo eLegislativorealizamochamadocontrolepreventivo,evitando que uma espcie normativa inconstitucional passe a ter vigncia e efccia no ordenamento jurdico. Em razo de conjugar os controles poltico e jurdico, a dou-trina entende ser o controle misto a espcie adotada pelo Brasil.2.2.3 Quanto ao momento do controleQuanto ao momento em que realizado, o controle de cons-titucionalidade pode ser preventivo ou repressivo. Diz-se preven-tivo(ouapriori)quandoantesdoingressodaleiouatonorma-tivo no ordenamento jurdico, e repressivo (ou a posteriori) quando posterior, depois de perfeito o ato, de promulgada a lei (Ferreira Filho, 2008, p. 36). Este tem por objetivo expurgar a norma con-trria Constituio e aquele, por sua vez, busca evitar o ingresso da norma desconforme no ordenamento jurdico.Osistemanacionalpermitequeambasasespcies,controle preventivo e repressivo, sejam realizadas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio.O controle preventivo realizado pelo Legislativo tem funda-mento no prprio processo legislativo estabelecido pela Constituio Federal, uma vez que os projetos de lei devem ser analisados por ambas as casas do Congresso Nacional, o que oportuniza aos parla-mentares verifcar a constitucionalidade dos dispositivos constantes na norma e, caso em desconformidade com a Carta Maior, rejeit--losouemend-los,deformaacompatibiliz-losaosdireitose deveres constitucionalmente previstos.QuantoaopreventivorealizadopeloExecutivo,seufunda-mentoestnaNormaFundamental,noart.66,1,segundoo qual se o Presidente da Repblica considerar o projeto, no todo Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012243ouemparte,inconstitucionaloucontrrioaointeressepblico, vet-lo- total ou parcialmente, no prazo de quinze dias teis [...]. o chamado veto jurdico.Aqui cabe mencionar o dizer de Pedro Lenza (2008, p. 135) acerca do tema: Caso o Chefe do Executivo entenda ser o projeto de lei inconsti-tucional poder vet-lo, exercendo, desta feita, o controle de cons-titucionalidadeprviooupreventivo,antesdeoprojetodeleise transformar em lei.EmrelaoaocontroleprviorealizadopeloJudicirio,a jurisprudncia se frmou no sentido de que ele objetiva garantir ao parlamentar o direito de participar de um processo legislativo cons-titucional. O controle ocorre pela via de exceo, com o intuito de defender o direito do parlamentar.Quantoaocontroledeconstitucionalidaderepressivo,este tambmpodeserrealizadopeloLegislativo,peloExecutivoe, principalmente,peloJudicirio.Orealizadopelosdoisprimeiros representa exceo regra geral do sistema de controle jurisdicio-nal misto adotado no Brasil.Sua previso feita na prpria Constituio Federal de 1988. Os arts. 49, V, e 62 preveem o controle repressivo realizado pelo Legislativo.OprimeirotratadacompetnciadoCongresso Nacional para sustar atos normativos do Poder Executivo que exor-bitem do poder regulamentar ou dos limites de delegao legisla-tiva; ao passo que o segundo possibilita ao Congresso Nacional ana-lisar as medidas provisrias editadas pelo presidente da Repblica.EmrelaoaocontrolerepressivorealizadopeloExecutivo, este se relaciona aos chamados efeitos irradiantes produzidos pelo princpio da supremacia da Constituio, segundo o qual os pode-res devem cumprir as leis compatveis com a Constituio.244Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Finalmente,ocontrolerealizadopeloJudicirioaregrae podeseroobjetoprincipaldademandaouumapreliminarque surge de forma incidental. o que se analisa a seguir.2.3 Controle principal e incidental2.3.1 Controle principalOcontroleprincipaldeconstitucionalidadeserealizapor meio de uma ao direta, cujo pedido principal a prpria decla-raodeinconstitucionalidadeouconstitucionalidade(Cunha Jnior, 2010, p. 327).Em outras palavras, a ao no tem outro objetivo seno ques-tionaraconstitucionalidadedanormapara,aofnal,declar-la constitucional ou inconstitucional.Ocontroleprincipaltemorigemnosistemaaustraco,que possui como caractersticas o questionamento da norma de forma abstrata, independente de um caso concreto, e fscalizao por um rgo de cpula do Poder Judicirio.No Brasil, a Constituio Federal de 1988 conferiu essa com-petncia ao Supremo Tribunal Federal, em seu art. 102, I, a:Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituio, cabendo-lhe: I processar e julgar, originariamente:a)aaodiretadeinconstitucionalidadedeleiouatonormativo federal ou estadual e a ao declaratria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; Nombitoinfraconstitucional,oprocessoejulgamentoda ao direta de inconstitucionalidade (ADI) e da ao declaratria Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012245de constitucionalidade (ADC) perante o Supremo Tribunal Federal so regulamentados pela Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999.De acordo com a mencionada lei, depois de proposta a ao direta,noseadmitirdesistncia.Issoseexplicapelaprpria naturezaabstratadaao,nohumadiscussodefundocom partesdefendendointeressespessoais,oobjetivodeclarara(in)constitucionalidade da lei ou ato normativo, protegendo, assim, a supremacia constitucional. De tal proteo, o legitimado que ini-ciou a ao no pode desistir.Porserabstrato,emtese,sempartes,ocontroleprincipal possuitambmcomoumadesuascaractersticaster,emregra, efeitos erga omnes e ex tunc, ou seja, contra todos e desde o incio. Diz-se em regra em razo da chamada modulao de efeitos que pode ser realizada pelo rgo de controle.A modulao de efeitos tcnica prevista da Lei n. 9.868/1999. O art. 27 da mencionada norma estabelece que:Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, etendoemvistarazesdeseguranajurdicaoudeexcepcional interesse social, poder o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois teros de seus membros, restringir os efeitos daquela decla-rao ou decidir que ela s tenha efccia a partir de seu trnsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fxado.Como a regra o efeito ex tunc, em razo do dominante prin-cpiodanulidadedaleiinconstitucional,amodulaodeefeitos deveserexpressaepormaioriadedoisterosdosmembrosdo Supremo Tribunal Federal, sendo que, caso no seja feita a ressalva, deve-seentenderqueosefeitosseroretroativos.Considerando isso, a Corte Suprema entende, at mesmo, ser cabvel opor embar-gos de declarao quando a deciso no menciona os efeitos tem-porais do julgado.246Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Alm disso, por se pautar em razes de segurana nacional ou deexcepcionalinteressesocial,amodulaodeefeitospodeser aplicada pela Corte independentemente de pedido do requerente ou do requerido.Nesse sentido o julgado a seguir:Embargosdedeclarao.Aodiretadeinconstitucionalidade. LeiDistritaln.3.642/2005,quedispesobreacomissoperma-nentededisciplinadaPolciaCivildoDistritoFederal.Ausncia de pedido anterior. Necessidade de modulao dos efeitos. 1. O art. 27 da Lei n. 9.868/1999 tem fundamento na prpria Carta Magna e em princpios constitucionais, de modo que sua efetiva aplicao, quandopresentesosseusrequisitos,garanteasupremaciadaLei Maior.Presentesascondiesnecessriasmodulaodosefeitos dadecisoqueproclamaainconstitucionalidadededeterminado ato normativo, esta Suprema Corte tem o dever constitucional de, independentemente de pedido das partes, aplicar o art. 27 da Lei n. 9.868/1999.2.ContinuaadominarnoBrasiladoutrinadoprin-cpio da nulidade da lei inconstitucional. Caso o Tribunal no faa nenhuma ressalva na deciso, reputa-se aplicado o efeito retroativo. Entretanto, podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declarao.3.Necessidadedepreservaodosatospraticadospela ComissoPermanentedeDisciplinadaPolciaCivildoDistrito Federal durante os quatro anos de aplicao da lei declarada inconsti-tucional. 4. Aplicabilidade, ao caso, da excepcional restrio dos efei-tos prevista no art. 27 da Lei n. 9.868/1999. Presentes no s razes deseguranajurdica,mastambmdeexcepcionalinteressesocial (preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio primado da segurana pblica), capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional. 5. Embargos declaratrios conhecidos e providos para esclarecer que a deciso de declaraodeinconstitucionalidadedaLeiDistritaln.3.642/2005 tem efccia a partir da data da publicao do acrdo embargado1.1Brasil. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 3601-DF. Embargante: Governador do Distrito Federal. Relator: Dias Tofoli. Braslia-Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012247Assim,possveldizerqueocontroleprincipalanalisaa norma de forma abstrata, sem um caso concreto, e no Brasil isso compete ao Supremo Tribunal Federal, sendo que, aps proposta aao,noseradmitidaadesistnciaeadecisopodeterseus efeitos modulados.2.3.2 Controle incidentalDiversamentedoqueocorrenocontroleprincipal,nocon-trole incidental h um caso concreto, cuja soluo depende da an-lise sobre a aplicao ou no de determinada lei, o que leva a veri-fcao de sua constitucionalidade.Assim, a anlise referente inconstitucionalidade ou constitu-cionalidade da norma aparece como questo prejudicial, a ser reali-zada antes de ser analisado o mrito da causa. Dito de outro modo, ojulgadordevedecidirsobreaconformidadedanormacoma Constituio e, em seguida, sobre a sua aplicao ao caso concreto.No Brasil, esse controle pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal, ressaltando-se, neste ltimo caso, a previso do art. 97 daConstituioFederalde1988,segundooqualsomentepelo votodamaioriaabsolutadeseusmembrosoudosmembrosdo respectivo rgo especial podero os tribunais declarar a inconsti-tucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Pblico.Trata-sedachamadaclusuladereservadeplenrio,ares-peito da qual o Supremo editou a Smula Vinculante n. 10, com o seguinte texto:Violaaclusuladereservadeplenrio(CF,art.97)adecisode rgofracionriodetribunalque,emboranodeclareexpressa-menteainconstitucionalidadedeleiouatonormativodopoder pblico, afasta sua incidncia, no todo ou em parte.-DF, 9 set. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 14 mar. 2011.248Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Osentidodasmulaesclarecerqueadecisoqueafasta aincidnciadeleiouatonormativoestrealizandoocontrole deconstitucionalidadeincidental,aindaquenodigaexpressa-mente tratar-se de controle, fato que atrai a aplicao do art. 97 da Constituio da Repblica.Osefeitosdadecisoso,emregra,extuncerestringem-se spartes,sendoque,nostermosdoart.52,X,daConstituio Federal,competeprivativamenteaoSenadoFederalsuspendera execuo, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por deciso defnitiva do Supremo Tribunal Federal.Semaprofundarnoassunto,masapenasattuloderegistro, hinteressantediscussojurdicasobreessasuspensodosefeitos da lei inconstitucional a cargo do Senado Federal. Por um lado, h o entendimento de ser discricionria a suspenso e, por outro, h entendimento minoritrio no sentido de ter havido mutao cons-titucional, de modo que a deciso defnitiva da Corte no neces-sitariadoatodoSenadoFederalparasuspenderosefeitosdalei declarada inconstitucional por meio do controle difuso.2.4 Espcies sujeitas a controleO ato pblico (ou mesmo privado) pode apresentar desconfor-midade ante a Constituio Federal de vrias maneiras, entretanto, possvel que no haja previso para o questionamento direto da constitucionalidade desse ato.Nessesentido,UadiLammgoBulos(2009,p.109)pontua que:Certamente,umacoisareconhecerainconstitucionalidade que afeta o ato pblico ou privado; outra control-la.A Carta de 1988, no supracitado art. 102, prev a competncia doSupremoTribunalFederalparaprocessarejulgaroriginaria-mente a ao direta de inconstitucionalidade de lei ou ato norma-tivo federal ou estadual e a ao declaratria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012249Assim,ocontroledeconstitucionalidaderelaciona-se,em sede de ADI e ADC, a lei e ato normativo. No dizer de Alexandre de Moraes (2003, p. 608),O objeto das aes diretas de inconstitucionalidade genrica, alm das espcies normativas previstas no art. 59 da Constituio Federal, engloba a possibilidade de controle de todos os atos revestidos de indiscutvelcontedonormativo.Assim,quandoacircunstncia evidenciar que o ato encerra um dever-ser e veicula, em seu conte-do, enquanto manifestao subordinante de vontade, uma prescri-o destinada a ser cumprida pelos rgos destinatrios, dever ser considerado, para efeito de controle de constitucionalidade, como ato normativo.Nomesmosentido,FredierDidierJr.,PaulaSarnoBragae Rafael Oliveira (2009, p. 416) pontuam que a Adin no cuida do julgamento de um caso concreto, mas, sim, da constitucionalidade da lei em tese, uma ao de validade entre normas.Dessafeita,deveserobservadoopreenchimentodosrequi-sitosdoato,eledevetercontedonormativo,prescriogerale abstrata, e ter relao direta com a Constituio Federal. O questionamento deve dirigir-se a comando constitucional e no a um comando infraconstitucional, como o que se poderia vislumbrar no caso de desconformidade do ato com uma lei, ou de uma lei ordinria em face de uma lei complementar.Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes (2001, p.142)fazeminteressanteconsideraosobreoassunto,esclare-cendoqueadoutrinabrasileiraenfatizaquequalquerregu-lamentoquedeixedeobservaroslimitesestabelecidosemlei inconstitucional.Essa observao dos doutrinadores diz respeito aos comandos estabelecidos em norma infralegal sem devida observao dos limi-250Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012tes da lei que pretende regulamentar, pois, uma vez ultrapassados esses limites, ela produz inovao que pode ser confrontada direta-mente em face da Constituio.Assim, possvel visualizar o tnue limite entre o que pode ser analisado com base nos padres de legalidade e o que pode ser questionadodiretamentecombasenasdisposiescompreviso constitucional.Nesse aspecto, as chamadas normas primrias possuem vin-culao direta com a Constituio; no caso do ordenamento cons-titucional ptrio, tm previso no art. 59 da Constituio de 1988, segundo o qual o processo legislativo compreende a elaborao de emendas Constituio, leis complementares, leis ordinrias, leis delegadas, medidas provisrias, decretos legislativos e resolues.Caso no haja essa relao, o ato deve ser confrontado com anormaquelhesuperior,nodizerdeJosAfonsodaSilva (2005, p. 47),[...] do princpio da supremacia da constituio resulta o da compa-tibilidadeverticaldasnormasdaordenaojurdicadeumpas,no sentido de que as normas de grau inferior somente valero se forem compatveis com as normas de grau superior, que a Constituio. Aincompatibilidadeverticalresolve-seemfavordasnormasdegrau maiselevado,quefuncionamcomofundamentodevalidadedas inferiores. [g.n.]Assim, a compatibilidade vertical deve ser observada no con-troledeconstitucionalidadedasnormase,emdecorrnciadisso, como regra, as normas primrias, que possuem relao direta com a Constituio, devem ser objeto de anlise quanto sua inconsti-tucionalidade ou constitucionalidade.De igual modo, em decorrncia da compatibilidade vertical, emregra,asnormasqueseencontramcomrelaodiretacom Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012251alei,ouseja,possuemcomoseufundamentodevalidadeuma norma infraconstitucional, e no a Constituio de forma direta, devem ser questionadas por outro critrio, qual seja, sua legalidade ou ilegalidade.Diz-se em regra porque, conforme ser analisado, o caso dos decretos autnomos possui peculiaridade no que diz respeito a esse confronto (em face da lei/Constituio), particularidade essa tema deste trabalho.Desse modo, todas as leis e todos os atos normativos devem guardar conformidade com a Lei Maior, entretanto, o reconheci-mento de uma desconformidade diferente do seu controle pro-priamente dito. O controle de constitucionalidade, como padro, dirige-se s leis e aos atos normativos decorrentes diretamente da Constituio Federal,aschamadasnormasprimriasprevistasnoart.59da CartaMagna,aopassoqueasnormasquepossuemfundamento de validade em uma norma infraconstitucional tm, por regra, seu questionamento no mbito da legalidade ou ilegalidade.3Os decretos autnomos no ordenamento jurdico brasileiro3.1 Tipos de decretos3.1.1 Apontamentos iniciaisAdoutrinaentendepordecretoummeiopeloquala Administrao exterioriza sua vontade, um veculo de expedio de ato, de continente, e no de contedo. Celso Antnio Bandeira de Mello (2007, p. 421) ensina que decreto a frmula pela qual o Chefe do Poder Executivo (federal, estadual, distrital e municipal) expede atos de sua competncia privativa (art. 84 da Constituio).252Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Esseinstrumentodeveserutilizadocomcautelaparabem seadequaraoEstadodeDireito.Sobreoponto,PintoFerreira (1996, p. 382) destaca que:Na elaborao dos decretos, o Poder Executivo no deve ampliar os limites normais de suas atribuies, violando a ordem jurdica estabelecida pela Constituio. Os decretos tm de ser elaborados norespeitosnormaslegais.importanteesclarecerquedeve existir destarte uma legalidade dos decretos.Pormeiodedecretopodemserexpedidasnormasgerais, comoosregulamentos,ouindividuais,comoadeclaraode interesse pblico de um imvel para fns de reforma agrria.Para a contextualizao do tema aqui apresentado, este traba-lho acadmico tem como objeto de interesse o decreto referente anormasgerais,umavezqueelespossuemnormatividade,ao passo que os decretos individuais so atos de efeito concreto, e o SupremoTribunalFederalnoadmitecontroleconcentradode ato com efeito concreto.Assim,tratandodosdecretosqueexpedemnormasgerais, EdmirNettodeArajo(2005,p.38)apresentaaseguinte defnio: a norma jurdica de carter geral e externo, que retira sua vali-dade e efccia da prpria lei regulamentada e se destina a escla-rec-la,detalh-la,bemcomofacilitarsuaoperacionalidadee aplicao, muitas vezes qualifcada como lei material ou substan-cial. No ordenamento jurdico brasileiro, da competncia priva-tiva dos chefes de Poder Executivo [...]. Os decretos de carter geral podem ser classifcados em regu-lamentar (ou de mera execuo) e autnomo (ou independentes), tomando por base a inovao ou no na ordem jurdica.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 20122533.1.2 Decreto regulamentarDecreto regulamentar aquele previsto na Carta Maior para complementaroudetalharadisciplinadeumanormalegislativa (Di Pietro, 2004, p. 78), dentro dos limites da lei, no sendo pos-svel quando o sistema jurdico constitucional reservar outra forma especfca para tratar sobre determinada matria, ou seja, no pode invadir a reserva legal.Ele um tipo de ato normativo secundrio, pois possui como fundamento de validade uma norma infraconstitucional, no inova originariamente na ordem jurdica, trata de assunto j regulamen-tado por lei, trazendo detalhes para sua fel execuo, tece as minu-dncias que o legislador entendeu por bem no prever diretamente na norma primria (lei).Dessamaneira,odecretoregulamentarpressupeaideiade uma lei a ser regulamentada, a existncia de pontos na norma sobre os quais o legislador no tratou com pormenores, motivo pelo qual necessrio aclarar determinado aspecto, muitas vezes imprescin-dvel para a aplicao da lei no caso concreto, como um conceito ou o modo pelo qual o comando legal deve se realizar.Exemplo de situao em que a lei necessita dessa regulamen-taoanormapenalembranco,que,nadefniodeRicardo Antonio Andreucci (2010, p. 48), so aquelas em que a sano determinada, sendo indeterminado oseucontedo.Paraserexecutada,portanto,anormapenalem branco depende do complemento de outras normas jurdicas ou de futura expedio de certos atos administrativos.No se quer com isso dizer que a regulamentao de norma ser sempre feita por meio de decreto, mas possvel afrmar que o decreto regulamentar pode ser um dos instrumentos adequados 254Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012regulamentao de leis, caso tal regulamentao seja de competn-cia do chefe do Poder Executivo, situao que pode ocorrer, por exemplo, no caso da norma penal em branco.Exatamente por visar a regulamentar uma lei esse tipo de decreto no pode dispor contra legem nem praeter legem, ou seja, contra a lei ou mais que a lei, pois, se for contrrio, ser ilegal, e, se extrapolar a matria de que trata a lei, poder ser considerado inconstitucional.Nesse ponto, cabe aclarar que, extrapolando a matria e ino-vando originariamente na ordem jurdica, o decreto deixa de ser de mera execuo e passa a ser autnomo, pois, reitere-se, o decreto regulamentador pressupe uma norma a ser regulamentada.3.1.3 Decreto autnomoSegundo Uadi Lammgo Bulos (2009, p. 170), decreto aut-nomoespciedognerodecretoexecutivo,quedispesobre assuntos que ainda no foram disciplinados pelo legislador.Nessalinhaderaciocnio,odecretoautnomoirexpedir uma norma com carter geral e abstrato, aplicvel a todos os admi-nistrados que se encontrem na mesma situao nele prevista.Esse tipo de decreto tem como caracterstica marcante o fato de inovar originariamente em determinada matria, disciplinando assunto ainda no regulado especifcamente em lei. Nessecaso,elenosereditadoemfunodeumaleie, assim, no ter a lei como sua fonte de validade, pois ela no lhe d suporte em relao matria, de modo que o decreto no estar regulamentando disciplina legal.Por esse motivo, diferente daquilo que ocorre com o decreto regulamentar,odecretoautnomonopressupeumaleiaser regulamentada,eleseranormaacriar,modifcar,ouextinguir Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012255direitosedeveresnaordemjurdica,razopelaqualadoutrina entendequeodecretoautnomoretiraseufundamentodevali-dade diretamente do texto constitucional, sem necessidade de uma lei intermediria.SegundoJosdosSantosCarvalhoFilho(2009,p.130),os decretosautnomos(ouindependentes)sodestinadosasuprir lacunas da lei. Dessa maneira, depreende-se que eles tambm no devem ser utilizadosquandoaConstituiopossuirprevisodeumaoutra formaespecfcaparatratarsobredeterminadamatria,ouseja, tambmnopodeminvadirareservalegal,podemtosomente suprir as lacunas deixadas por lei. Nesse aspecto, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2006, p. 336) esclarecem que as matrias a serem disciplinadas por meio de decretos autnomos so aquelas submetidas denominada reserva da Administrao.Poresseentendimento,amatriaasertratadapormeiode decreto autnomo seria aquela sobre a qual cabe Administrao decidirpormeiodecritriosprprios,semaingernciano legislador.Sobre os casos de utilizao dos decretos, cabe analisar o que diz a Constituio Federal de 1988, conforme passa a ser analisado no item seguinte.3.2 Os decretos na Constituio FederalA Lei Suprema de 1988 possui previso sobre a expedio de decretos no Captulo Do Poder Executivo, Seo Das atribui-esdoPresidentedaRepblica,demodoaaclararoprimeiro ponto acerca do assunto, qual seja, a autoridade competente.256Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Comefeito,ochefedoPoderExecutivopossuiatribuio para expedir decretos, de modo que, no mbito federal, a refern-cia dirige-se ao presidente da Repblica. Considerando o princpio dasimetria,essaatribuionosestadosserdogovernadorenos municpios do prefeito.Evoluindo na anlise proposta, o art. 84, IV e VI, trata espe-cifcamente sobre os casos em que os decretos podem ser editados. Esta a redao do dispositivo citado:Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repblica:[...]IV sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expe-dir decretos e regulamentos para sua fel execuo;[...]VI dispor, mediante decreto, sobre: a) organizao e funcionamento da administrao federal, quando noimplicaraumentodedespesanemcriaoouextinode rgos pblicos; b) extino de funes ou cargos pblicos, quando vagos; O primeiro inciso dispe sobre a competncia do presidente da Repblica, para expedir decretos e regulamentos para a fel exe-cuo das leis. Tal ato unilateral, privativo e recebe o nome de decreto executivo ou regulamentar.Quanto ao segundo inciso, este fruto da alterao feita pela Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001 (EC n. 32/2001).Aredaoanteriorpossibilitavaaopresidentedispor sobre a organizao e o funcionamento da administrao federal, na forma da lei.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012257Em razo dessa mudana na redao, antes na forma da lei e atualmente mediante decreto, parte da doutrina considerou que essaprevisopossibilitaaexpediodedecretosautnomosnos casos previstos nas alneas seguintes, enquanto outra parcela da dou-trina entendeu tratar-se novamente de decreto regulamentar. Tais posicionamentos doutrinrios sero abordados no tpico seguinte.Esse o dispositivo utilizado como fundamento para alguns doutrinadores afrmarem a conformidade dos decretos autnomos com o ordenamento constitucional brasileiro.Detodomodo,norestamdvidasdequeoincisopreva utilizao de decreto para dispor sobre a organizao e o funciona-mento da administrao federal, desde que no importe aumento de despesa nem criao ou extino de rgos, bem como possibi-lita a extino de cargos e funes, quando vagos, por decreto do chefe do Poder Executivo Federal.Por fm, cabe pontuar que a Constituio autorizou o presi-dente da Repblica a delegar as atribuies do inciso VI aos minis-tros de Estado, ao procurador-geral da Repblica ou ao advogado da Unio, conforme o pargrafo nico do art. 84.3.3 Decretos autnomos no ordenamento jurdico brasileiro posicionamentos doutrinrios3.3.1 Consideraes iniciaisH divergncia doutrinria sobre a possibilidade de os decre-tos autnomos serem ou no amparados pelo sistema constitucio-nalbrasileiro,luz,especialmente,doart.84,VI,aeb,daLei Maior, destacando-se quanto ao ponto a redao dada pela Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001 (EC n. 32/2001).258Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 20123.3.2 Posicionamentos contrrios possibilidade de edio de decretos autnomos no BrasilO posicionamento dominante no sentido de que o sistema constitucionalbrasileironocomportaosdecretosdotipoaut-nomo, devendo o ato prprio do poder regulamentar se restringir aos limites da lei.CelsoAntonioBandeiradeMello(2007,p.311)bastante direto ao se posicionar sobre o assunto, segundo ele:[...]osdispositivosconstitucionaiscaracterizadoresdoprincpioda legalidadenoBrasilimpemaoregulamentoocarterqueselhe assinalou, qual seja, o de atoestritamente subordinado, isso , mera-mente subalterno e, ademais, dependente de lei. Logo, entre ns, s pode existir regulamentos conhecidos do Direito aliengena como regulamentos executivos. Da que, em nosso sistema, de direito, a funo do regulamento muito modesta.Com esse primeiro posicionamento, percebe-se um dos argu-mentosdaquelesqueentendemqueoordenamentoptriono admite os decretos autnomos, qual seja, o princpio da legalidade.A Constituio da Repblica prev no art. 5, II, que nin-gum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno emvirtudedelei.Nessecontexto,CelsoAntnioBandeirade Mello(2007)ressaltaqueopreceptivosereferelei,enoa decreto ou a outra forma de regulamentao, com o que o disposi-tivo em tela refere-se lei em sentido estrito.Assim,oprimeiroargumentodizrespeitoaoprincpioda legalidade, tendo em considerao que os decretos so atos subor-dinados e sempre dependendo de lei, de modo a, segundo a pri-meiracorrente,noseaplicaremaoordenamentoptriofguras tpicas do Direito aliengena.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012259Jos dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 60) tambm possuiu o pensamento de que a Carta vigente s admitiu os regulamentos de execuo. Sobre o assunto, o doutrinador argumenta:Alis,aquestodosdecretoseregulamentosautnomosdeveser colocada em termos mais precisos. Para que sejam caracterizados como tais, necessrio que os atos possam criar e extinguir primariamente direitos e obrigaes, vale dizer, sem prvia lei disciplinadora da matria ou, se se preferir, colmatando lacunas legislativas. Atos dessa natureza no podem existir em nosso ordenamento porque a tanto se ope o art. 5, II, da CF, que fxa o postulado da reserva legal para a exi-gibilidade de obrigaes. Para que fossem admitidos, seria impositivo que a Constituio deixasse clara, ntida, indubitvel, a viabilidade jurdica de sua edio por agentes da Administrao, como o fez, por exemplo, ao atribuir ao Presidente da Repblica o poder constitucional de legislar atravs de medidas provisrias (art. 62, CF). Aqui sim, o poder legiferante direto e primrio, mas os atos so efetivamente legislativos, e no regulamentares.Aocontrrio,decretoseregulamentosautno-mos estampariam poder legiferante indireto e simulado, e este no encontra suporte na Constituio.Os atos de organizao e funcionamento da Administrao Federal, ainda que tenham contedo normativo, so meros atos ordinatrios, ou seja, atos que se preordenam basicamente ao setor interno da Administrao para dispor sobre seus servios e rgos, de modo que s refexamente afetam a esfera jurdica de terceiros, e assim mesmo mediante imposies deri-vadas ou subsidirias, mas nunca originria. [g.n.]Apesar de extensa, a transcrio se mostra relevante por trazer, almdoprincpiodalegalidade,osoutrosdoisargumentospara defenderanopossibilidadedosdecretosautnomosnoordena-mento jurdico brasileiro, conforme se passa a expor.O primeiro refere-se necessidade de que a Constituio pre-visse expressamente tal possibilidade, uma vez que a expedio de decretosautnomospeloExecutivolevariaaumaatuaolegi-260Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012feranteindiretaporpartedessepoder,aquem,ordinariamente, competem atos de administrao.Faz-se aqui destaque previso feita pela Constituio no caso dasmedidasprovisrias,nessaocasio,quandodefatoquispos-sibilitaraatuaolegiferantediretadopresidentedaRepblica, a Carta Magna o fez de forma expressa, estabelecendo, inclusive, os casos em que pode ser editada, bem como os assuntos que no poderiam ser tratados por esse tipo de norma, bem como o proce-dimento e prazo de converso em lei, entre outros aspectos rele-vantes relacionados ao tema.Assim,ofatodeaConstituionopreverexpressamentea possibilidade de um decreto criar ou extinguir direitos e obriga-es seria um silncio eloquente, ou seja, a Lei Maior no previu de forma direta a possibilidade da edio desse tipo de decreto como forma de estabelecer a impossibilidade de tal conduta por parte do Poder Executivo.O segundo argumento diz respeito ao disposto no art. 84, VI, a e b, da Constituio Federal. Aqueles que defendem a possibili-dade de edio de decretos autnomos o fazem tendo por base tais dispositivos, conforme adiante ser comentado. Ocorre que os atos cuja regulamentao por decreto ali pos-sibilitadanocriamnemextinguemdireitoseobrigaesdireta-mente, apenas de forma refexa atingem a esfera jurdica de terceiros.Explica-se: o disposto na alnea a possibilita que o presidente daRepblicadisponha,mediantedecreto,sobreorganizaoe funcionamentodaadministraofederal,quandonoimplicar aumento de despesa nem criao ou extino de rgos pblicos.A organizao e o funcionamento da administrao refetem atos ordinatrios que se preordenam basicamente no setor interno daadministrao,almdequeissopoderserfeitomediante Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012261decreto apenas se no implicar aumento de despesa nem criao ou extino de rgos pblicos.Quanto alnea b do inciso em comento, esta permite ao pre-sidentedaRepblicadispormediantedecretosobreextinode funesoucargospblicos,quandovagos.Ocorreque,quando vagos,nohquesefalarnacriaodedireitosoudeverespor parte de seu ocupante, de modo que apenas de forma refexa o dis-posto mediante decreto afetar a esfera jurdica de terceiro.Dessa maneira, no entendimento da corrente doutrinria ora analisada,nenhumadasduasalneasfazrefernciaacriaoou extino de direitos ou obrigaes mediante decretos, o que repre-sentaoterceiroargumentodaquelesqueseposicionampelano possibilidade de edio de decretos autnomos em conformidade com o ordenamento constitucional ptrio.3.3.3 Posicionamentos favorveis possibilidade de edio de decretos autnomos no BrasilPor outro lado, h publicistas que entendem pela possibilidade de decretos autnomos no sistema jurdico brasileiro, em especial com a Emenda Constitucional n. 32/2001, que alterou a redao do art. 84, VI, da Lei Fundamental, dispositivo reservado a atri-buir competncia do presidente da Repblica para dispor mediante decreto sobre organizao e funcionamento da administrao fede-ral, quando no implicar aumento de despesa nem criao ou extin-o de rgos pblicos; e sobre a extino de funes ou cargos, quando vagos (Di Pietro, 2004, p. 79).Aredaooriginaldodispositivopreviaaregulamentao desses assuntos na forma da lei, ao passo que, com a mencionada emenda, a redao passou a prever que o presidente da Repblica pode dispor mediante decreto sobre as matrias relacionadas no art. 84, VI, a e b, da Constituio Federal.262Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Nesse sentido, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2006, p. 336) afrmam que:[...] a partir da EC n. 32/2001, passaram a existir em nosso ordena-mento decretos autnomos, ou seja, decretos que retiram seu fun-damento de validade diretamente do texto constitucional, que no so editados em funo de qualquer lei, mas sim da Constituio.Esse o mesmo raciocnio de Maria Sylvia Zanella di Pietro (2004),paraquemoraoordenamentojurdicopermiteaedio de tais decretos, ora no, sendo que, no seu entender, atualmente, com a EC n. 32/2001, permitida ao chefe do Executivo a edio de decretos autnomos.Cabe fazer referncia ao pensamento de Hely Lopes Meirelles (1999), que entendia possvel a edio de decreto autnomo mesmo antes da EC n. 32/2001. Segundo o mencionado doutrinador:Adoutrinaaceitaessesprovimentosadministrativospraeterlegem para suprir a omisso do legislador, desde que no invadam as reser-vas da lei, isto , as matrias que s por lei podem ser reguladas.Advirta-se, todavia, que os decretos autnomos ou independentes no substituem defnitivamente a lei: suprem, apenas, a sua ausn-cia, naquilo que pode ser provido por ato do Executivo, at que a lei disponha a respeito. Promulgada a lei, fca superado o decreto.Esseentendimentobastantepeculiar,pois,segundoHely LopesMeirelles(1999),desdequenoocorrainvasodereserva legal, seria possvel a edio de decretos autnomos, mesmo antes daECn.32/2001.Almdisso,nessamesmatoada,seriamacei-tos tais provimentos praeter legem, no caso de omisso, de lacuna, sendo que, a partir do momento em que uma lei dispusesse sobre o assunto tratado pelo decreto, este estaria superado.Detodomodo,conformeseobservadosposicionamentos doutrinriosexpostos,mesmoaquelesquedefendemapossibili-Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012263dadedosdecretosautnomos,ofazemcomressalvasedeforma especfca s alneas a e b do inciso VI do art. 84 da Constituio Federal. Dessaforma,nosoalbergadospelaCartaMagnadecretos que invadam as reservas da lei, ou seja, as matrias que s por lei podem ser reguladas, pois tal fato iria de encontro ao princpio da legalidade e Constituio Federal, conforme se passa a analisar no prximo tpico.4Controle de constitucionalidade dos decretos autnomos4.1 Controle de legalidade dos decretos regulamentaresQuando se observam impropriedades em decretos, eles devem, em regra, ser confrontados com a lei, pois, em conformidade com a hierarquia das normas, a Constituio a norma maior, abaixo dela esto as leis e, mais abaixo, outros atos normativos como os decretos e as resolues.Assim, mencionada impropriedade seria uma questo de ile-galidade a ser levada ao controle de legalidade das normas, o qual podeserrealizadoporinstrumentosdecontroledifusonocaso concreto.Porconsequncia,noseriaadequadotratardaconstitu-cionalidadeouinconstitucionalidadedestanormainfralegal, oqueimpossibilitariaocontrolepormeiodeaodiretade inconstitucionalidade.Essaaregranaanlisedosdecretosregulamentaresoude mera execuo, pois, nesse caso, no haveria uma ofensa direta Constituio, mas sim indireta, por passar anteriormente por uma normainfraconstitucional,nocasoaleiregulamentada,afron-tando-a primeiro.264Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Issoocorreporqueosdecretosregulamentares(oudemera execuo)soatosnormativosderivados,noinovamnaordem jurdica, no criam ou extinguem direitos, apenas regulamentam uma norma infraconstitucional na qual encontram seu fundamento de validade.Nesse sentido o posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:Direito Constitucional e Tributrio. ICMS: Guerra fscal. Ao diretadeinconstitucionalidadededispositivosdoregulamento doICMS(Decreton.2.736,de5.12.1996)doEstadodoParan. Alegao de que tais normas violam o disposto no 6 do art. 150 enoart.155,2,incisoXII,letrag,daConstituioFederal, bem como os arts. 1 e 2 da Lei Complementar n. 24/75. Questo preliminar,suscitadapelogovernador,sobreodescabimentoda ao direta de inconstitucionalidade, porque o decreto impugnado mero regulamento da Lei n. 11.580, de 14.11.1996, que disciplina o ICMS naquela unidade da federao, esta ltima no acoimada de inconstitucional. Medida cautelar. 1. Tem razo o Governador, enquanto sustenta que esta Corte no admite, em A.D.I., impugnao de normas de Decreto meramente regulamentar, pois considera que, nesse caso, se o Decreto exceder os limites da Lei, que regulamenta, estar incidindo, antes, em ilegalidade. que esta se cobe no controle difuso de lega-lidade, ou seja, em aes outras, e no mediante a A.D.I., na qual se processa, apenas, o controle concentrado de constitucionalidade [...]2. [g.n.]O Supremo Tribunal Federal frmou seu posicionamento no sentido de no conhecer ao direta de inconstitucionalidade cujo objetosejadecretoregulamentar,justifcandotalintelignciana impossibilidade jurdica da ao, pois entende que a ao direta de 2BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ao Direta de Inconstitucio-nalidade n. 2155-PR. Requerente: Governador do Estado de So Paulo. Requerido: GovernadordoEstadodoParan.Relator:SydneySanches.Braslia-DF,1jun. 2001. Disponvel em: . Acesso em: 19 fev. 2011.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012265inconstitucionalidade est relacionada aos atos normativos prim-rios. o que se percebe com o seguinte julgado:Direito Constitucional e Administrativo. Ao direta de inconstitu-cionalidade: ato normativo. Decreto federal n. 1990, de 29.8.1996: ato administrativo. Impossibilidade jurdica da ao. 1. A Lei n. 8.031, de 12.4.1990, criou o Programa Nacional de Desestatizao e deu outrasprovidncias.2.EoDecreton.1.990,de29.8.1996,bai-xado pela Presidncia da Repblica, no uso da atribuio que lhe confereoart.84,incisoIV,daConstituioetendoemvistao disposto naquela Lei, visou a execut-la. 3. Trata-se, pois, de ato administrativodemeraexecuodaLei.Nopropriamentenor-mativo. Insuscetvel, assim, de controle concentrado de constitucio-nalidade, in abstrato, mediante ao direta de inconstitucionalidade peranteoSupremoTribunalFederal,poisestasadmitidapela CF, quando impugna ato normativo (art. 102, I, a). 4. Se o Decreto, eventualmente, tiver excedido os limites da Lei n. 8.031, de 12.4.1990, ou mesmo do Decreto n. 1.204, de 29.7.1994, que a regulamentou, conforme sealegounainicial,entopoderseracoimadodeilegal,nasinstncias prprias,querealizamocontroledifuso,inconcreto,delegalidade dosatosadministrativos.5.Alis,oprpriocontrolejurisdicional deconstitucionalidadedeatomeramenteadministrativo,deexe-cuodelei,pode,igualmente,serfeitonasinstnciasordinrias do Poder Judicirio. No, assim, diretamente perante esta Corte. 6. Tudo conforme precedentes referidos nas informaes. 7. A.D.I. no conhecida, prejudicado o requerimento de medida cautelar.Alm disso, cabe comentar que o Supremo Tribunal Federal no admite o controle de constitucionalidade dos decretos no caso deinconstitucionalidadeindireta,queocorrequandoaleiregu-lamentada pelo decreto inconstitucional eeste ,refexamente, ilegal e, de forma indireta, tambm seria inconstitucional. Marcelo Novelino (apud Andrade, 2010) ensina:H inconstitucionalidade indireta refexa quando a lei constitu-cional, no obstante, o decreto que regulamenta esta lei ilegal, 266Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012erefexamenteeleinconstitucional,desobedeceaoart.84,inc. IV, da CF.Nessecaso,aculpadoPoderExecutivo.Estedecretonose submeteaocontroledeconstitucionalidade,poisviolaaCFde formaindireta.Todavia,podersofrercontroledelegalidade.O decreto considerado ilegal, refexamente, e inconstitucional, de forma indireta.Em sntese, o decreto regulamentar em desconformidade com aleiqueregulamentasercontralegeme,emconsequncia,estar eivadodevciodelegalidade,nosendocabvelaodiretade constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.Entretanto,apesardearegraseraanlisedalegalidadedo decreto,outrapossibilidadesurgecasoodecretosejaenquadrado como decreto autnomo, conforme se passa a comentar no prximo item.4.2 Controle de constitucionalidade dos decretos autnomos consideraes doutrinriasIndependentemente da discusso sobre a possibilidade ou no de os decretos autnomos terem abrigo no atual sistema constitu-cional brasileiro, a jurisprudncia e a doutrina tm admitido o con-trole de constitucionalidade desses atos normativos.Emsededoutrinria,opontoacercadoslimitesdaleitoma destaque no estudo da possibilidade de controle de constitucionali-dade dos decretos autnomos (ou independentes).Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes (2001, p. 142) fazem interessante considerao sobre o assunto, esclarecendo queadoutrinabrasileiraenfatizaquequalquerregulamentoque deixe de observar os limites estabelecidos em lei inconstitucional.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012267Esse limite diz respeito matria tratada pela lei, pois aquilo nela disposto ser a medida para aferio da ocorrncia de inovao ou no da ordem jurdica pelo decreto.Conformejcomentadonotpicoreservadoaoestudodos decretos, caso ocorra essa inovao, estar-se- diante um decreto autnomo,seucontedonoserumameraregulamentaoou explicitao da lei.Uadi Lammgo Bulos (2009, p. 170), ao tratar sobre o assunto ora em comento, esclarece que o controle concentrado de decre-toseatosregulamentaresprovidnciaexcepcionalaceitapela jurisprudnciadoPretrioExcelso.Paraviabilizar-se,preciso que o decreto ou ato regulamentar seja autnomo.A excepcionalidade est exatamente no fato de o controle de legalidadedosdecretosseraregra,eoconfrontediretocoma Constituio a exceo admitida apenas quando forem autnomos.Alm disso, o princpio da reserva legal outro item de des-taque para se aferir a possibilidade de confronte direto do decreto comaConstituioFederal.Odecretoqueseenquadracomo autnomo,parafnsdecontrole,noestemdesconformidade com a lei por dispor de maneira diversa do que ela dispe, mas, na verdade, est em desconformidade com a Constituio por dispor sobre assunto no disposto por nenhuma lei e com previso consti-tucional da chamada reserva legal.Nesseponto,relevanteobservaroquevemaserreserva legal. Reserva de lei, ou reserva legal, a previso constitucional de que a regulamentao de determinados temas ser de compe-tncia de lei em sentido formal.Relembra-seaquiojcomentadoposicionamentodeHely Lopes Meirelles sobre a possibilidade de edio de decretos aut-nomos em conformidade com o ordenamento constitucional bra-268Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012sileiro.Mesmoparaessedoutrinador,essapossibilidadeencontra limite na reserva legal.Nessa linha de raciocnio, Joo Paulo Castiglioni Helal (2006, p. 220-221) expe:Excepcionalmente,tem-seadmitidoaaodiretadeinconstitu-cionalidade em face de decreto antinmico Constituio, quando este,desviando-sedeseuescopodeassegurarafelexecuoda lei, no a regulamenta de guisa total ou parcial, caracterizando-se como decreto autnomo.[...]O decreto que no visa a regulamentar lei ou que no se especa nela um ato normativo autnomo, ferindo o princpio constitucional da reserva legal, sendo, por isso, passvel de controle da constitucio-nalidade. Nas demais hipteses, a questo situa-se no mbito legal, no dando azo ao conhecimento da ao direta de inconstituciona-lidade que tem por objeto o decreto.Dessa forma, em que pese o fato de os decretos serem, em regra, confrontados com a lei e, assim, se enquadrarem como legais ou ile-gais, a doutrina admite a possibilidade de confrontar-se um decreto diretamente Constituio, no caso dos decretos autnomos.Para fnalizar a exposio de ensinamentos sobre o tema, este o pensamento de Alexandre de Moraes (2003, p. 614):Em relao aos decretos presidenciais (CF, art. 84, IV), o Supremo Tribunal Federal, aps consagrar o entendimento de que existem para assegurar a fel execuo das leis, entende possvel o controle concentrado de constitucionalidade dos denominados decretos aut-nomos, afrmando que no havendo lei anterior que possa ser regu-lamentada, qualquer disposio sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, no por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, j que supriu a lei onde a Constituio exige.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012269Nos demais casos, a questo situa-se no mbito legal, no possibi-litando o conhecimento da ao direta de inconstitucionalidade. a no adequao reserva de lei que viabiliza o confronto do dispositivo diretamente Constituio. Nessa situao, ao inva-dir uma matria cuja disciplina a Constituio reservou lei, com exclusodequalqueroutrafonteinfralegal,oPoderExecutivo incorre em vcio de competncia. Nesse sentido o ensinamento de Jos Afonso da Silva (2005, p. 422), que, ao tratar do princpio da reserva de lei, diz que este envolve questo de competncia.Dessa maneira, percebe-se ser a reserva de lei o principal argu-mento para sustentar a defesa da possibilidade do controle de cons-titucionalidade do decreto autnomo, cabendo refetir quanto ao pontoque,umavezinfringindoessadiretriz,seucontedoser indevidamente de lei.4.3 Controle de constitucionalidade dos decretos autnomos consideraes jurisprudenciaisAjurisprudnciadoSupremoTribunalFederaltambmse frmou no sentido de aceitar a possibilidade do controle de consti-tucionalidade de decretos, quando estes forem autnomos. o que se pode perceber dos julgados que se passa a analisar.Ao direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. Decreto n. 409, de 30.12.91.Esta Corte, excepcionalmente, tem admitido ao direta de inconstituciona-lidade cujo objeto seja decreto, quando este, no todo ou em parte, manifesta-mente no regulamenta lei, apresentando-se, assim, como decreto autnomo, o que d margem a que seja ele examinado em face diretamente da Constituio no que diz respeito ao princpio da reserva legal3. [g.n.]3BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 708-DF. Requerente: Procurador Geral da Repblica. Requerido: Presidente da Repblica. 270Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Observa-se aqui, assim como j mencionado quanto s consi-deraes doutrinrias, que a medida excepcional, pois os decretos autnomos representam uma exceo dentro dos decretos no que diz respeito possibilidade de controle de constitucionalidade.Alm disso, merece destaque que o decreto no precisa conter dispositivos alm da lei em todo o seu texto, o controle admitido tambm se apenas em parte ele no regulamentar lei, pois tal situ-ao j ser sufciente para caracteriz-lo como autnomo. Ocorre que, nesse caso, o objeto de controle ser essa parte que faz com que o decreto se apresente como autnomo.Outropontoaconsiderarofatodequeocontroleser possvelnoquedizrespeitoaoprincpiodareservalegal.Dessa forma,possvelpensarquesetratadeinconstitucionalidade formal, apesar de que, para caracteriz-la, ser necessrio analisar o contedo do decreto.Explica-semelhor.Ocontedododecretofazcomqueele seja autnomo, e essa situao afronta a reserva legal porque for-malmentearegulamentaodamatriadeveriaserrealizadapor lei formal.Nesse ponto, destaca-se uma vez mais o princpio da reserva delei.aafrontaaesseprincpioquepossibilitaconfrontarum decretodiretamenteemfacedaConstituioeissoocorrepelo fatodeosdecretos,nosistemajurdicobrasileiro,segundodou-trina majoritria, terem por fnalidade a regulamentao das leis, de modo a possibilitar sua fel execuo. oqueseargumentacombasenoart.84,IV,daCarta Poltica. No momento em que um decreto ultrapassa essa funo e inova originariamente, tratando de assunto no disposto em lei, ele Relator: Moreira Alves. Braslia-DF, 7 ago. 1992. Disponvel em: . Acesso em: 12 fev. 2011.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012271se enquadra no conceito de decreto autnomo, fere a reserva de lei e, a partir de ento, sua constitucionalidade questionvel.Outroargumentoparasustentarapossibilidadedecontrole deconstitucionalidadededecretosautnomosofatodeque, invadindo a reserva de lei, ocorre transgresso do princpio cons-titucionaleclusulaptreadaseparaodepoderes(arts.2e 60, 4, III, da CF), pois o Poder Executivo estaria invadindo a funo tpica do Poder Legislativo. o que se pode ver no seguinte excerto jurisprudencial:Aodiretadeinconstitucionalidade.Remunerao,subsdios, penseseproventosdosservidorespblicos,ativoseinativos,do Estado do Rio de Janeiro. Fixao de teto remuneratrio mediante atodoPoderExecutivolocal(DecretoEstadualn.25.168/1999). Inadmissibilidade.Postuladoconstitucionaldareservadeleiem sentidoformal.Estipulaodetetoremuneratrioquetambm importouemdecessopecunirio.Ofensagarantiaconstitucio-nal da irredutibilidade do estipndio funcional (CF, art. 37, XV). Medidacautelardeferida.Remuneraodosagentespblicose postulado da reserva legal. O tema concernente disciplina jurdica da remunerao funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em consequncia, a interveno de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurdica, emanados de fontes nor-mativas que se revelem estranhas, quanto sua origem institucional, ao mbito de atuao do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposies restritivas ou de fxao de limitaes quanti-tativas ao estipndio devido aos agentes pblicos em geral. O princpio constitucional da reserva de lei formal traduz limita-o ao exerccio das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado.Areservadeleianalisadasobtalperspectivaconsti-tui postulado revestido de funo excludente, de carter negativo, 272Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012pois veda, nas matrias a ela sujeitas, quaisquer intervenes nor-mativas, a ttulo primrio, de rgos estatais no-legislativos. Essa clusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimenso positiva, eis que a sua incidncia refora o princpio, que, fundado na autoridade da Constituio, impe, administrao e jurisdi-o, a necessria submisso aos comandos estatais emanados, exclu-sivamente, do legislador. No cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anmala (e incons-titucional) condio de legislador, para, em assim agindo, proceder imposiodeseusprprioscritrios,afastando,dessemodo,os fatores que, no mbito de nosso sistema constitucional, s podem serlegitimamentedefnidospeloParlamento.que,setalfosse possvel, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuio que lhe institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limi-tados, competncia que no lhe pertence, com evidente transgresso ao princpio constitucional da separao de poderes4. [g.n.]Ainda sobre a reserva de lei, ela objeto de anlise para o conhe-cimento da demanda que envolve o controle de constitucionalidade dedecretos(autnomos),tantoqueoSupremoTribunalFederal tem o cuidado de afrmar expressamente a possibilidade jurdica do pedido, como, por exemplo, o faz no julgado citado adiante.Interessantetambmconsignarquenemmesmopormeio deumaleiformaloPoderLegislativopoderdelegaraoPoder Executivo a regulamentao de matria com reserva de lei.As determinaes constitucionalmente impostas so superio-res,demodoquenopodemserafastadaspordisposiesinfra-constitucionais.Trata-sedecorolriodaprpriasupremaciada Constituio que, no dizer de Jos Afonso da Silva (2005, p. 45), 4Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 2075-RJ. Requerente: Partido Social Liberal. Requerido: Governador do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Celso de Mello. Braslia-DF, 7 fev. 2001. Disponvel em: . Acesso em: 13 mar. 2011.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012273signifca que a constituio se coloca no vrtice do sistema jur-dico do pas, a que confere validade, e que todos os poderes esta-tais so legtimos na medida em que ela os reconhea e na propor-o por ela distribudos.Assim, a delegao feita, ainda que por meio de lei, no pode ser considerada vlida, pois o Poder Executivo legtimo para aquilo que a Lei Maior estabelecer que e na proporo por ela prevista.Dessamaneira,nocasodedelegaofeitapeloPoder LegislativoparaoPoderExecutivoregulamentarpordecreto assunto para o qual a Constituio previu reserva de lei, se o chefe do Executivo dispuser sobre o assunto mediante decreto, tanto a lei quanto o decreto sero passveis de controle de constituciona-lidade, ambos estaro em situao de confito com a Constituio Federal.Nesse sentido:1.Aodiretadeinconstitucionalidade.Condio.Objeto. Decreto que cria cargos pblicos remunerados e estabelece as res-pectivas denominaes, competncias e remuneraes. Execuo deleiinconstitucional.Carterresidualdedecretoautnomo. Possibilidadejurdicadopedido.Precedentes.admissvelcon-troleconcentradodeconstitucionalidadededecretoque,dando execuo a lei inconstitucional, crie cargos pblicos remunerados eestabeleaasrespectivasdenominaes,competncias,atribui-es e remuneraes. 2. Inconstitucionalidade. Ao direta. Art. 5 da Lei n. 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administrao pblica.Criaodecargosefunes.Fixaodeatribuiese remunerao dos servidores. Efeitos jurdicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidadedeleiemsentidoformal,deiniciativaprivativa daquele. Ofensa aos arts. 61, 1, inc. II, a, e 84, inc. VI, a, da CF. Precedentes. Aes julgadas procedentes. So inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante 274Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012decreto, sobre criao de cargos pblicos remunerados, bem como os decretos que lhe dem execuo5.Tambm cabe considerar outro aspecto sobre o assunto. Apesar darelevnciadoprincpiodareservalegal,possvelqueum decreto autnomo v de encontro a outro princpio ou a um dis-positivo constitucional. Essa situao relevante e tambm con-siderada pelo Supremo Tribunal Federal na apreciao das aes de inconstitucionalidade.Nesse sentido est o seguinte julgado:Ao direta de inconstitucionalidade. Loterias e bingos do Estado de Mato Grosso do Sul. Violao do art. 22, XX, da Constituio Federal. Vcio de competncia. Inconstitucionalidade. Precedentes. Soinconstitucionais,porofensacompetnciadaUnioparalegis-larsobresistemadeconsrciosesorteios(art.22,XX,daConstituio Federal),osdecretosquecompemosistemanormativoregula-mentador do servio de loterias e bingos no Estado de Mato Grosso do Sul. Precedentes. Ao direta de inconstitucionalidade julgada procedente.No julgado colacionado, referente ao fato de o chefe do Poder Executivo de Mato Grosso ter editado decretos tratando sobre con-srciosesorteios,aquestodacompetnciasemostrouemdois pontos:nocarterautnomododecreto(competnciadoPoder Legislativo)enaregulamentaorealizadapeloestadomembro (competncia da Unio).Isso posto, possvel arrematar que esto em destaque, no que se refere s consideraes jurisprudenciais sobre o controle de cons-titucionalidade dos decretos autnomos, a reserva de lei, a separao 5Brasil. Supremo Tribunal Federal. Questo de Ordem na Ao Direta de Inconstituciona-lidade n. 3.232-TO. Requerentes: Procurador-Geral da Repblica e Partido da Social DemocraciaBrasileira(PSDB).Requeridos:GovernadordoEstadodoTocantinse Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins. Relator: Cezar Peluso. Braslia-DF, 14 ago. 2008. Disponvel em: . Acesso em: 14 mar. 2011.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012275de poderes, a supremacia da Constituio e a anlise sobre outros princpiosedispositivosconstitucionaispossivelmenteafrontados pelo decreto autnomo.Quanto reserva de lei, esta a base para verifcar a regula-mentao realizada pelo decreto, ele no pode dispor sobre matria que a Constituio Federal determinou ser objeto de lei formal.Como consequncia da violao da reserva de lei, a separao dos poderes apresenta desequilbrio, uma vez que a funo tpica de legislar pertence ao Poder Legislativo e na regulamentao feita por decreto o ator a realizar essa tarefa ser o Poder Executivo.Paralelamente, essa funo tpica de legislar no pode ser dele-gada por seu titular, o Poder Legislativo, ao Poder Executivo nem mesmo por lei formal, em razo da supremacia da Constituio.Por fm, a anlise jurisprudencial no fecha os olhos a poss-vel infringncia pelo decreto objeto de controle de outros princ-piosconstitucionais(diferentesdareservadelei)oudispositivos constitucionais.5ConclusoA supremacia da Constituio princpio basilar para a pro-teodocontedoconstitucional,comdestaqueparaapossibi-lidadedeatuaoviacontroledeconstitucionalidade.Todasas normasinfraconstitucionaisdevemguardarconformidadecoma Lei Maior.Paralelamente,oordenamentojurdicobrasileiropossuifer-ramentasdecontroledasespciesnormativasqueadmite,nesse sentido,tem-seocontroledeconstitucionalidadeparaconfronto direto com a Carta Magna, e o controle de legalidade para con-fronto de norma infralegal com uma lei.276Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012Nesse contexto, toma destaque o controle dos decretos edita-dos pelo chefe do Poder Executivo com contedo de norma geral e abstrata. A doutrina entende que essas normas podem ser regula-mentares (ou de mera execuo) ou autnomas (ou independentes).Emrelaoaosdecretosregulamentares,adoutrinapac-fcaquantoasuapossibilidadenoDireitoptrio,noqueserefere aos decretos autnomos, porm, h grande divergncia doutrinria quanto aceitao destes pelo ordenamento constitucional brasileiro.Independentementedetaldiscusso,osdecretos,sejaregu-lamentares,sejaautnomos,sonormassecundriasquedevem guardarconformidadecomaConstituioFederaleoseucon-troleobjetodeinteressantesconsideraesdoutrinriase jurisprudenciais.Quantoaosdecretosregulamentares,estesdevemguardar conformidade com a lei que regulamentam e na qual possuem seu fundamento de validade, motivo pelo qual o controle a que subme-tem o controle de legalidade, dessa maneira, no so confrontados diretamentecomaConstituio,massimcomalei.Nessecon-texto, cabe ressalvar que o Supremo Tribunal Federal no admite a tese da inconstitucionalidade indireta.Por outro lado, os decretos autnomos possuem uma peculia-ridade, no regulamentam uma lei, e dessa maneira no possuem seu fundamento de validade em nenhuma lei. Eles inovam origina-riamente no ordenamento jurdico tratando de matria que ainda no foi objeto de nenhuma lei.Comisso,doutrinaejurisprudnciaaceitamqueocon-frontodosdecretosautnomossejarealizadodiretamenteante aConstituioFederal,demodoquepoderoserdeclarados inconstitucionais.Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012277Considerando que o rgo de cpula do Judicirio brasileiro eaquiseretomaaquestodasupremaciaconstitucionaledo controledeconstitucionalidaderealizaocontroleconcentrado por meio da ao direta de constitucionalidade, os fundamentos do controle dos decretos autnomos so eminentemente encontrados na jurisprudncia da Corte nessas aes.Analisando mencionada jurisprudncia verifca-se a condio de decreto autnomo um requisito para o conhecimento da ao que tem por objeto verifcar a constitucionalidade de um decreto.Almdisso,tantonoqueserefereaconsideraesjurispru-denciais quanto no que diz respeito s anlises doutrinrias sobre oassunto,tomadestaqueoprincpiodareservadelei,poisat mesmo os doutrinadores que admitem os decretos autnomos no Direito ptrio fazem a ressalva de que estes no podem ser utiliza-dos nos casos em que a Constituio reservou a regulamentao de matria lei formal.Essaressalvapossuifundamento,almdasdisposiescons-titucionaisqueexpressamentedeterminamareserva,naprpria separaoeindependnciadospoderes,umavezqueafuno legislativa tpica do Poder Legislativo, sendo a atuao do Poder Executivo nessa seara uma funo atpica.Dessa maneira, quando a Lei Maior faz a previso da reserva delei,estdelegandoafunodetrataramatriaaoPoder Legislativo,queodeverfazerpormeiodeleiformal.Quando ochefedoPoderExecutivodescumpreessecomando,almda reserva de lei, infringe a separao dos poderes, desequilibrando a harmonia entre eles.Por fm, verifcou-se ao longo do estudo proposto que, apesar da relevncia dos princpios da reserva lei e da separao dos pode-res, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a constitucionalidade 278Boletim Cientco ESMPU, Braslia, a. 11 n. 39, p. 237-279 jul./dez. 2012deumdecretoautnomo,verifcatambmoutraspossveisdes-conformidades deste com a Constituio Federal.Portodooexposto,conclui-sequeadoutrinaeajurispru-dnciabrasileiras,independentementedadiscussosobreacon-formidade da edio de decretos autnomos com o Direito ptrio, admitemocontroledeconstitucionalidadedessesdecretos,para declar-losconstitucionaisouinconstitucionais,comdestaque, quanto matria, para o princpio da reserva de lei e da separao dos poderes.RefernciasAlexandrino, Marcelo; Paulo, Vicente. 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