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TRIADES 3 Transversalidade | Design | Linguagens

8 Processo Criativo e Bauman

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Tecnicas sobre criação e processos criativos

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Processo Cria

tivo e Bauman: O

Desenvolvimento

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o

Layla Mendes, Ligia Viana, Marcela Favero

e Francisco Alvarez

3RESUMO

Esse trabalho teve como objetivo discutir o desenvolvimento do processo criativo por meio do brainstorm do grupo. O tema do abrigo foi a facilidade de se conectar e desconectar relações do indivíduo no pós-moderno, como exposto por Bauman, na entrevista concedida à Cpfl Cultura (2011). O método de trabalho consistiu no entendimento da obra e posteriormente na busca de signifi cação dos elementos do design para a composição de um abrigo para o corpo por um grupo de acadêmicas.

Palavras chaves:processo criativo, Bauman, abrigo para o corpo.

ABSTRACT

This study aimed to discuss the development of the creative process through the group brainstorm. The theme of the shelter was the ease of connecting and disconnecting the individual relations in the postmodern, as stated by Bauman, in an interview CPFL Culture (2011). The method of work was the understanding of the work and later in search of meaning of the elements of design to the composition of a shelter for the body by a group of academics.

Keywords:creative process, Bauman, shelter for the body.

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INTRODUÇÃO

O processo criativo pode ser considerado uma resultante da interação de características pessoais com infl uências do meio no qual esse indivíduo se insere. O desenvolvimento de um produto, conforme aponta a literatura, deve ser conduzido por procedimen-tos, que em ordem lógica, caracterizam o método utilizado, possibi-litando assim, ao designer refl etir sobre o processo de construção desse produto, verifi cando sua viabilidade.

Em relação a temática escolhia, o autor Bauman discute a facilidade de se conectar e desconectar das relações do indivi-duo pós-moderno, em especial na sua entrevista concedida à Cpfl Cultura (2011). Assim, baseado no autor, este trabalho teve por objetivo desenvolver um abrigo para o corpo que apresentasse elementos que permitissem a discussão dos pontos importantes da entrevista de Bauman.

1. PROCESSO CRIATIVO

Ao considerar a capacidade criativa como uma característica natural do ser humano, a potencialização dessa independe somente do indivíduo, sendo, o meio em que este está inserido de fundamen-tal importância. Recentes pesquisas na área da criatividade consi-deram o processo criativo pela óptica de um raciocínio sistêmico, onde trata-se de uma resultante da interação entre o indivíduo e o meio em que ele se encontra, englobando características sociais, culturais e históricas.

O quanto de criatividade existe em um dado momento não é determinado somente por quantos indivíduos originais estão tentando mudar os domínios, mas também por quão receptivo à inovação é o campo. Assim, no caso de alguém desejar aumentar a frequência de criatividade, pode ser mais vantajoso trabalhar ao nível dos campos do que ao nível dos indivíduos(Csikszentmihalyi, 1999, p. 327)

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Csikszentmihalyi (1999) defi ne como campo as pessoas e os meios que são responsáveis por julgar se uma obra é ou não cria-tiva, se tem ou não valor e se é ou não inovadora. Segundo o au-tor, se um campo não está propício à inovação, logo o pensamento criativo não é valorizado e, portanto, desestimulado. Este é um fator que exemplifi ca bem a sistematicidade da criatividade, sendo não só a criação do indivíduo resultante da sua interação com o meio em que está inserido, como também o eu criativo deste sujeito é dependente do grau de receptividade deste ambiente.

Para um designer deve-se ter em vista o método, pois, criativi-dade não é simplesmente artística, e sim, resultado das referências bem como, da metodologia de trabalho que este exerce.

Cada profi ssional pensa e executa suas criações de sua manei-ra, porém, é viável que sigam uma metodologia de projeto. Munari (1998) explica que projetar é fácil quando se sabe fazer e cita um livro de receitas como metodologia de projeto. Ao reparar em uma receita, nota-se de maneira explicita sua metodologia, pois para têm-se determinado os ingredientes, recipientes, quantidade e tem-peratura, formando um conjunto de processos a ser seguido, que quando executados de maneira correta, resultam em um prato de igual sabor e tamanho do descrito.

Munari (1998) ainda ressalta que o método de projeto não é mais do que uma série de operações necessárias, dispostas em ordem lógica, ditada pela experiência, seu objetivo é o de atingir o melhor resultado com o menor esforço. Assim, observamos que não se deve projetar sem uma metodologia, e nem pensar de forma simplesmente artística. Para se ter sucesso em um projeto deve-se seguir um método, pois projetar é algo que exige técnica.

Back, Ogliari, Dias e Silva (2008) em Projeto Integrado de Pro-dutos, Planejamento e Concepção e Modelagem também ressaltam a importância de métodos de projeto. Para os autores, metodologia é o estudo dos métodos, técnicas e ferramentas e suas aplicações. e método de projeto são processos onde o produto deverá passar para atender as funções pré-determinadas. Eles ainda conceitu-am, técnicas de desenvolvimento de produtos que são itens que vão auxiliar o designer no desenvolvimento do projeto; e requisitos

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para desenvolver um produto com efi ciência e efi cácia, saber o que fazer, para quem fazer, com que fazer, como fazer.

Ao se projetar um produto, alguns fatores devem ser levados em consideração, a técnica, ergonomia, proxêmica e estética.

Assim, pode-se considerar que mesmo o desenvolvimento de produtos criativos os métodos e técnicas tornam-se fundamentais. Releva-se a necessidade de se pensar sobre o processo de produção do objeto durante o desenvolvimento conceitual deste.

2. A OBRA DE BAUMAN

A visão de mundo de cada indivíduo defi ne a forma com a qual este interage com o espaço a sua volta. Portanto, cada ser humano é capaz de interferir ativamente na realidade em que está imerso, até mesmo recriá-la. Por outro lado, também o meio em que o individuo está incluso é parte infl uente no processo criativo, sendo a criação resultante dessa relação de interação conjunta. A rotina frenética a qual o ser humano nos dias de hoje está inserido, se refl ete na pluralidade de signos e signifi cados que permeiam o atual contexto “pós moderno” (CSIKSZENTMIHALYI, 1999).

Bauman trata da “pós modernidade” em sua obra intitulada “Modernidade Líquida”, lançada em 2001. Neste livro é relatada a transição da modernidade sólida para o período classifi cado como líquido, fl uído, e como essa passagem afetou as experiências indivi-duais e coletivas dos indivíduos.

A física defi ne estado líquido como uma matéria onde as partí-culas se encontram dispersas, mas a força de interação que há entre suas moléculas é sufi ciente para que esta matéria tome a forma do espaço ou do recipiente em que está contida. Apesar de se conhecer dispersão como sinônimo de separação, a força de interação entre uma molécula e outra é sufi ciente para que a matéria líquida não se dissipe, como ocorre com o gás.

Fazendo analogia à sociedade, cada indivíduo é considerado

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como molécula e têm infl uência fundamental sobre as caracterís-ticas e movimentos do todo, do grupo social em que está inserido. E ao mesmo tempo em que as pessoas tendem para a individua-lidade, é impossível se ausentar da classifi cação de coletividade, nem que seja esta classifi cação feita apenas para fi ns de estudos demográfi cos, por exemplo.

A busca pela individualidade e a recusa de interação social muitas vezes é justifi cada pelo medo da violência que há nos gran-des centros urbanos, áreas de circulação de pessoas onde a grande maioria opta por não ser cívil. As pessoas permeiam anonimamen-te pelos espaços públicos sem o objetivo de interagir umas com as outras, mas quando por acaso decidem algum contato, o fazem protegidas pelo que Bauman chama de máscara cívil, artefato que separa a essência do eu social, do que está exposto.

“Usar uma máscara é a essência da civilidade. As máscaras permitem a sociabilidade pura, distante das circunstâncias do poder, do mal-estar e dos sentimentos privados das pessoas que as usam. A civilidade tem como objetivo proteger os outros de serem sobrecarregados com o nosso peso” (Bauman, 2001, p. 112).

Mas como já foi dito anteriormente, apesar de dispersa a maté-ria líquida possui força intermolecular sufi ciente para manter as par-tículas unidas, e é isto que ocorre na sociedade. Tanto o meio como as outras pessoas infl uenciam na vida e nos modos de cada um, o que varia é a forma e a intensidade como ocorrem estas interações.

No meio virtual (ambiente público e cívil), como trata Bauman em sua entrevista, a interação é o objetivo pelo qual o indivíduo se conecta, seja apenas para estar a par das notícias, para realizar transações comerciais ou simplesmente para criar laços e interagir com outras pessoas. Este ambiente é classifi cado pela distorção das variáveis tempo e espaço, onde a troca de informações leva apenas milésimos de segundos e esta fração de tempo desconsidera total-mente a distância entre o emissor e o receptor.

O que atrai as pessoas para ter neste ambiente uma convivên-cia que não possuem fi sicamente é justamente a ausência de inte-ração física, que permite o uso de qualquer máscara de personali-

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dade, conforme o desejo do momento. Desta forma os defeitos são escondidos e as qualidades exageradamente exaltadas, pois como o próprio autor cita no livro, nas relações entre desconhecidos não pode haver erros. E caso haja algum deslize e a máscara caia, ou não tenha sido colocada a máscara correta para o momento, o des-conectar consiste em apenas um clique, a interação é rapidamente interrompida e cada um segue sua vida.

O que é conseqüência da liquidez dos laços e as pessoas ainda não tomaram consciência é que qualquer interação, mesmo sendo ela rápida e virtual, causa algum certo tipo de infl uência e modifi -cação no indivíduo. Todos são produtos do meio em que habitam e não é a facilidade em desconectar e romper laços que ausenta a infl uência que sofrem dos outros.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo concentrou-se no desenvolvimento de um abrigo para o corpo pelo grupo, composto por cinco acadêmicas de pós-graduação do programa de têxtil e moda da Universidade de São Paulo. No primeiro momento, o tema proposto foi analisado com calma, assim, a obra “Modernidade Líquida” e a entrevista concedida a Cpfl Cultura (2011) foram atentamente lidos e assistidos.

Em seguida, o grupo discutiu pontos dos trabalhos e realizou um brainstorming (chuva de idéias), de elementos que poderiam agregar signifi cado para o abrigo para o corpo. Por fi m, o abrigo foi construído, por meio da técnica de modelagem othasiana.

O desenvolvimento de tal produto levou em consideração a técnica, sendo esta a othasiana e a estética; os outros fatores apon-tados no referencial teórico, como: ergonomia e proxêmica, não foram necessariamente consideradas no desenvolvimento desse abrigo para o corpo. Isso porque, a ergonomia trata das relações do individuo no ambiente de trabalho e a proxêmica estuda as rela-ções das pessoas com o ambiente; e o objetivo desse produto não era ser comercializado e nem possibilitar a realização de movimen-

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tos. O abrigo envolvia o corpo humano, mas não precisava permiti-lo movimentar-se.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

O desenvolvimento do abrigo para o corpo, que é um objeto que envolve o corpo mas não necessariamente precisa permiti-lo movimentar-se, envolveu um estudo e signifi cação dos quatro prin-cipais elementos do design: silhueta, linha, textura e forma, não desconsiderando a cor que complementa a superfície (JONES, 2005).

4.1 ELEMENTOS DO DESIGN

O processo criativo envolve uma série de elementos do de-sign, que devem ser combinados objetivando um produto fi nal har-mônico. De acordo com Jones (2005, p.99) “os principais elementos da criação de moda são: silhueta, linha, textura e forma, (…)”. Des-taca-se também neste ponto a cor, que complementa a superfície.

Entende-se por silhueta a forma que o abrigo para o corpo desenha ao redor do corpo do usuário. Para Jones (2005, p.99) “(…) a silhueta é quase sempre o primeiro impacto causado por uma roupa, como se vista a distância e antes que os detalhes possam ser distinguidos”. O abrigo desenvolvido recebeu forma oval, semelhan-te a um casulo.

As linhas podem ser suaves ou marcantes. Nos produtos de moda estas costumam ser representadas pelas costuras que unem as partes do traje ou os limites da bainha. As linhas podem se mover em várias direções, levando o observador a olhar para frente; pode criar ilusão de amplidão ou estreiteza. Treptow (2003) acredita que as linhas costumam conduzir o olhar do ser humano. No abrigo para o corpo, as linhas, em geral, eram curvadas, apresentando amplitude para a peça, como já exposto por Jones (2005).

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Dondis (1997) acredita que a textura pode ser reconhecida tan-to pelo tato como pela visão, afi nal esta apresenta tanto qualidades táteis como óticas. Este elemento tem forte importância para defi ni-ção da forma do produto, como colocado por Treptow (2003, p.133):

O caimento do traje será determinado pelo tecido no qual ele é confeccionado. O designer pode transferor muitas idéias para o papel ou para a tela do computador, mas se ele não souber escolher a textura adequada (gramatura, toque, composição do tecido) não chegará ao resultado desejado.

O objeto foi desenvolvido de feltro, este é um tecido à base de fi bras sintéticas, sendo 100% poliéster. O feltro é um material rígi-do, o que permitiu que o abrigo fi casse estruturado em toda a sua forma. Como cor, optou-se por trabalhar o abrigo todo em branco.

A cor é o refl exo da luz sobre o objeto (TREPTOW, 2003). Os autores Gomes Filho (2000) e Dondis (1997) acreditam que este é o elemento mais emotivo do processo visual, é uma força ponderosa do ponto de vista sensorial, e é impregnada de informações.

As cores dependendo de como se organizam, podem fazer algo recuar ou avançar, de acordo com o context em que atuam. O próprio volume do objeto pode ser alterado pelo uso da cor. A cor pode ser um elemento de peso, uma composição, por exemplo, pode ser equilibrada ou desequilibrada, dentro do espaço bidimensional, pelo jogo de cores quentes-frias pode fazer com que os objetos pareçam mais leves ou mais pesados, mais amenos ou mais agressivos. A cor não só tem signifi cado universalmente compartilhado através da experiência, como também tem um valor independente informative, através dos signifi cados que se lhe adicionam simbolicamente. A cor pode ser explorada para diversas fi nalidades funcionais, psicológicas, simbólicas, mercadológicas, cromoterápicas e outros.(GOMES FILHO,

2000, p. 65).

No objeto desenvolvido a única cor utilizada foi o branco,

escolhido devido a inúmeros signifi cados que este tem associa-

do. O branco na cultura ocidental signifi ca paz, pureza e limpeza,

já no oriente, é uma cor que está associada à morte, luto e tris-

teza. O branco é a cor que refl ete todas as outras cores, propor-

cionando assim uma clareza total.

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Figura 01: Abrigo para o corpo. Fonte: Arquivo pessoal

A técnica utilizada para o desenvolvimento do abrigo para o corpo foi a otoshiana, que consiste na ideia de conectar duas abertu-ras para formar uma estrutura semelhante a um túnel. O túnel tem o signifi cado de ligação, unir uma parte à outra, assim a otoshiana nos trouxe à ideia de conexão e desconexão tratada por Bauman (NAKAMICHI, 2012).

4.1 ESPAÇO E PERFORMANCE

Para o início da performance, foi escolhido o corredor da Esco-la de Artes, Ciências e Humanidades, mais precisamente uma das paredes que se localizam no centro do corredor, sendo esta reves-tida por azulejos retangulares na cor azul acinzentado, a escolha desta parede deu-se pela informação de Yu-Fi-Tuan (1980), sobre habitats humanos:

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Os habitats humanos variam muito em caráter e são classifi cáveis de várias maneiras. Uma simples classifi cação dupla poderia distinguir os habitats entre as categorias “carpintejado” e “não carpintejado”. O mundo carpintejado está repleto de linhas retas, ângulos e objetos retangulares. As cidades são meios ambientes retangulares par excellence. A natureza e o campo em contraste, carecem de retangularidade. Na paisagem da cultura primitiva, mesmo os abrigos podem ser redondos como as colméias. As paisagens rurais, no entanto, não estão desprovidas de ortogonais: os campos de cultivo frequentemente são retangulares, apesar de que suas formas raramente se evidenciam a nível do terreno. As casas das fazendas são carpintejadas e indiscutivelmente contém muitos objetos retangulares como mesas, tapetes e camas. (p. 86, 87)

O piso do local era branco e possuía texturas para direcio-namento de defi cientes visuais, esta parede fi cava próxima a uma grade que permitia que fosse visto o andar abaixo.

Em seguida, optou-se pelo corredor do andar abaixo, mais pre-cisamente entre as grades dos dois andares. Durante toda a perfor-

mance os atores mantiveram-se no centro, o performe 1 no centro da parede e o performe 2 no centro da grade, Yu-Fi-Tuan (1980), explica sobre o indivíduo no centro:

Talvez seja universal a idéia de “centro” e “periferia” na organização espacial. Em todos os lugares as pessoas tendem a estruturar o espaço – geográfi co e cosmológico – com elas no centro e a partir daí, zonas concêntricas (mais ou menos bem defi nidas) com valores decrescentes. Valores espaciais que transcendem as culturas individuais parecem estar baseados em certos traços básicos do corpo humano. Por exemplo, o corpo humano tem uma costa e uma frente. Quais são as implicações desta assimetria? “Siga o seu nariz” é a direção mais clara que podemos dar ao pedido. Ir para frente é fácil; ir para trás não é. Além disso, “retroceder” é psicologicamente desagradável, desde que sugere erro e derrota. “Frente” e “atrás” não tem o mesmo valor social. (p. 30, 31)

A escolha do espaço deu-se pela idéia de conectar-se e

desconectar-se passada por Bauman em palestra ministrada

para a CPFL1 em junho de 2011.Cultura (colocar dados). Bau-

man coloca que as pessoas se relacionam virtualmente, poden-

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do-se conectar-se e desconectar-se com um simples clique, por

isso a escolha de dois planos diferentes, estando cada performe

em um andar, mostrando como é possível a conexão e a cone-

xão em um determinado espaço e tempo.

Como colocado por Medeiros (______) a performance não

se reduz ao visual apenas, se refere ao conjunto das modalida-

des perceptivas humana; incluindo assim, dimensões somáticas,

físicas, cognitivas, emocionais e espirituais; colocando assim, em

ação todos os sentidos para a produção de signifi cados (GLUS-

BERG, 1997), com isso, estas podem ser vistas como uma re-

alização semiótica por excelência. Outro aspecto relevante dis-

cutido pelo mesmo autor, é a questão temporal da performance.

Embora esta possa ser fotografada ou fi lmada, sua essência é

somente vida no presente, produzida através da interação entre

o self e o espectador. Aqui, valoriza-se a participação intelectual

do espectador como parte da obra.

Neste ponto, converge-se a opinião da autora Paim (2010),

que coloca a performance como algo vivencial, ou seja, corpos

em ação, tanto do performer como de quem esta assistindo, ex-

perimentados em contato recíproco. Nessa atividade, o performer

procura transformar seu corpo em signo (GLUSBERG, 1997). As-

sim sendo, a ação é ao mesmo tempo reação. A autora destaca

que o corpo do performer não é espontâneo, ele foi pensado e

para seu corpo foi escrito uma partitura que rege suas ações.

A performance aqui relatada foi realizada na Escola de Ar-

tes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, no

ano de 2012; como já colocado anteriormente, e teve como ob-

jetivo principal discutir alguns pontos acerca do individuo pós-

moderno, tendo como base o autor Bauman. Conforme colocado

pelo autor Glusberg (1997), a performance traz, normalmente,

um questionamento natural de uma situação e, ao mesmo tem-

po, uma proposta artística. Em suma, o trabalho foi estruturado

sobre a proposta de desenvolvimento de um abrigo para o cor-

po que remetesse a facilidade de se conectar e desconectar de

pessoas e situações do mundo, dentre outras características do

homem pós-moderno exposta e questionadas por Bauman.

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Primeiramente, optou-se em realizar a performance dentro

do prédio de aulas, no corredor. Importante quanto à escolha do

local, foi a opção de realizar esta em dois níveis (andares dife-

rentes). Por meio dessa escolha a idéia foi signifi car a distância

que os indivíduos podem se encontrar, ou até mesmo, as plata-

formas diferentes que estes estavam, como real ou virtual.

Outro ponto relevante para a signifi cação da obra foi a ques-

tão do quadriculado envolvendo todo o objeto, tanto no fundo,

como no chão, como na grade. Esse aspecto modular teve por

objetivo signifi car uma seqüência, uma repetição, como na lin-

guagem de computador os pixels.

Enfi m, a performance se desenvolveu através do desenrolar

da linha. Ou seja, o performer que estava no patamar de baixo

ia puxando a linha e se enrolando nela, essa linha era resulta-

do do desmanche da tela que estava no rosto do performer que

se mantinha no andar superior. Aqui, o intuito era representar a

perda de signifi cado para o performer 1 e a resignifi cação dessa

informação/dado/conteúdo de outra maneira pelo performer 2.

Neste ponto, procurou-se explorar a facilidade que as pessoas

tem de conexão e desconexão, em especial entre as relações

pessoais hoje, como por meio do ambiente virtual. Assim, a idéia

é que o individuo venha a assumir diferentes personalidades,

como quando seu rosto começa a aparecer na performance.

Essa idéia de ligação pode ser traduzida também quando pen-

samos em pontes, Yu-Fi-Tuan (1980) explica que “a ponte é ao

mesmo tempo um fato utilitário e um símbolo de conexão ou de

transição de um lugar para outro, de um mundo para outro”(p.

230). Os compositores Lenine e Lula Queiroga também compar-

tilham desses pensamentos, expostos na música A Ponte (1997),

onde o mesmo diz que a ponte não é para ir nem para voltar, que

é somente para atravessar, vemos assim a possibilidade de co-

nexão que a ponte nos traz.

Outro detalhe, é que a performance toda foi realizada em

silêncio, para que a atenção se concentra-se na ação de desen-

rolar e enrolar da linha. Como todos os participantes já tinham

conhecimentos mínimos do assunto discutido, após a perfor-

mance foi possível realizar uma discussão das impressões de

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cada um, e o conjunto dessas percepções foram apresentadas

nesse trabalho.

Durante a performance os espectadores mantiveram uma

distância dos atores, respeitando o espaço individual de cada

um, tido através da proxêmia, termo que, Hall (1981) criou

para se referir às observações e teorias inter-relacionadas e

relativas ao uso que o homem faz do espaço. Para Hall, há

algumas distâncias a serem respeitadas, entre elas a pessoal,

onde deve-se manter 1.20 mt no mínimo de distância de um

indivíduo para o outro.

Figura 02: PerfomanceFonte: arquivo pessoal

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, pode-se concluir que o abrigo para o corpo desenvol-vido discute um ponto da obra de Bauman (2001) a facilidade de se conectar de desconectar do individuo pós-moderno. Em suma, o abrigo permite a refl exão acerca da sociedade pós-moderna, (re)modelada pelo regime capitalista e pela evolução dos meios de comunicação, proveniente do avanço da tecnologia. O “ter” passou a ser a regra vigente, sobrepondo valores como hierarquia familiar e política. As relações se tornaram fl uídas, e em um simples clique se rompem sem o menor remorso.

Mas como os indivíduos precisam acompanhar a evolução da sociedade, o uso da ferramenta internet acaba sendo inevitável prin-cipalmente nos grandes centros urbanos. E é no meio virtual que os laços, mesmo que fl uidos, são inevitáveis, pois todos possuem o direito de compartilhar informações e os que lá estão inseridos não conseguem se ausentar de sofrer infl uências devido às mesmas.

Ao construir um abrigo para o corpo de acordo com as discus-sões geradas pela obra de Bauman, objetivou-se demonstrar como o ser imerso em uma sociedade interage e sofre modifi cações a partir simplesmente do seu existir.

Cada elemento do design simboliza uma característica do in-divíduo pós moderno. A silhueta em forma de casulo demonstra o instinto de proteção e individualidade naturais do ser, e a técnica de modelagem otoshiana, com seus túneis, faz alusão às modifi ca-ções que os laços, mesmo líquidos e superfi ciais, causam nas partes envolvidas – é impossível não sofrer interação, seja do indivíduo ou do meio.

A cor branca da peça ora assume conotação da cultura ociden-tal, signifi cando clareza e transparência, ora traduz a cultura orien-tal, signifi cando o luto e a morte. Ambas essas características estão de acordo com as idéias de Bauman, já que quanto mais se expõe, maior é a chance de criar laços líquidos, claros como a água mas também dispersos, superfi ciais. O branco ainda pode ser visto pelo viés da física, já que é a cor que absorve todos os comprimentos de

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onda da luz e assim, também demonstra o quanto as pessoas estão suscetíveis a absorver os efeitos da sociedade e do meio em que estão inseridas.

O local escolhido para a realização da performance possuía um padrão quadriculado, simbolizando o ambiente carpintejado e modifi cado pelo homem, e permitia a visão do andar inferior atra-vés de uma grade, simbolizando a distorção de tempo e espaço causada pelo ambiente virtual. Os performes situados em andares diferentes demonstram que na internet as distâncias são irrelevan-tes para a troca de informações.

A teia localizada no rosto do abrigo que foi construído, usado pelo performe 1, simboliza as máscaras que Bauman descreve. À medida que o performe 2, situado no piso inferior do prédio, puxa o fi o e desfaz a teia, o performe 1 expõe o seu rosto. Ambos os performes são modifi cados e se alteram conforme a performance acontece, conectados por um fi o e em silêncio, para que o público já previamente imerso nas questões pós modernas de Bauman, seja levado à refl exão dos rumos que a sociedade está a tomar.

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