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W. B. Yeats (Dublin, 1865-1939) A uma criança que dança no vento Dança aí junto ao mar; Que te importa O rugido da água, o rugido do vento? Sacode a tua cabeleira Molhada de gotas de sal; Tu que és tão jovem ignoras O triunfo do néscio, não sabes Que o amor mal se ganha e logo se perde, Nem viste morrer o melhor operário E todos os feixes por atar. Por que hás-de temer O terrível clamor dos ventos? in “Uma Antologia”; tradução de José Agostinho Baptista Acerca de uma casa ameaçada pela agitação da terra Como seria mais feliz o mundo se esta casa Onde paixão e rigor se fundiram em Tempos imemoriais, em ruínas transformada Deixasse de criar o olho sem pálpebras que ama o sol? E os doces e alegres pensamentos de águia que crescem Onde asas contêm memória de asas, e tudo O que vem do melhor se une ao melhor? Embora Os pobres pilares mais fortes na queda se tornassem, Que grande sorte teria de ser a sua para alcançar Os dons que governam os homens, e mais ainda O último dom do Tempo sucessivo, discurso escrito Forjado em alto riso, encanto e paz?

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W. B. Yeats (Dublin, 1865-1939)

A uma criança que dança no vento Dança aí junto ao mar; Que te importa O rugido da água, o rugido do vento? Sacode a tua cabeleira Molhada de gotas de sal; Tu que és tão jovem ignoras O triunfo do néscio, não sabes Que o amor mal se ganha e logo se perde, Nem viste morrer o melhor operário E todos os feixes por atar. Por que hás-de temer O terrível clamor dos ventos? in “Uma Antologia”; tradução de José Agostinho Baptista

Acerca de uma casa ameaçada pela agitação da terra Como seria mais feliz o mundo se esta casa Onde paixão e rigor se fundiram em Tempos imemoriais, em ruínas transformada Deixasse de criar o olho sem pálpebras que ama o sol? E os doces e alegres pensamentos de águia que crescem Onde asas contêm memória de asas, e tudo O que vem do melhor se une ao melhor? Embora Os pobres pilares mais fortes na queda se tornassem, Que grande sorte teria de ser a sua para alcançar Os dons que governam os homens, e mais ainda O último dom do Tempo sucessivo, discurso escrito Forjado em alto riso, encanto e paz?

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in «Uma Antologia», selecção e tradução de José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, 1996

Com o tempo a sabedoria

Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma; Ao longo dos enganadores dias da mocidade, Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores; Agora posso murchar no coração da verdade. De «Poemas» Col. Gato Maltês, 18, Assírio & Alvim, 1988

Ele desejava que a sua amada estivesse morta Se fria e morta jazesses, E a Oeste se fossem apagando as luzes, Virias até mim, inclinando a cabeça, E a minha fronte em teu peito repousaria; Murmurarias ternas palavras, Perdoando-me, porque estavas morta: Não te havias de levantar e partir tão apressada Ainda que teu seja esse querer de pássaro silvestre, Ainda que saibas o lugar dos teus cabelos Junto às estrelas, ao sol, à lua: Desejava, amada minha, que na terra jazesses Sob as grandes folhas, Enquanto uma a uma se fossem apagando as luzes. De «Poemas» Col. Gato Maltês, 18, Assírio & Alvim, 1988

Morte

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Nem temor nem esperança assistem Ao animal agonizante; O Homem que seu fim aguarda Tudo teme e espera; Muitas vezes morreu, Muitas vezes de novo se ergueu. Um grande homem em sua altivez Ao enfrentar assassinos Com desdém julga A falta de alento; Ele conhece a morte até ao fundo - O homem criou a morte. in «Uma Antologia», selecção e tradução de José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, 1996

Novas para o oráculo de Delfos I Aí jazem os felizes e estranhos velhotes, Aí o orvalho de prata, E as grandes águas suspiram de amor, E o vento suspira também. Niamh, a que os homens elege, inclina-se suspirando Junto a Oisin, sobre a relva; Também aí em seu coro de amor suspira O alto Pitágoras. Com pedaços de sal no peito, Chega Plotino e olha em redor, Estira-se, boceja um pouco, E aí jaz, suspirando também. II Todos eles montam um golfinho E nas barbatanas apoiados, Esses Inocentes revivem a sua morte, De novo se abrem suas feridas. Em êxtase riem-se as águas pois Belos são os gritos e são estranhos,

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E eles dançam com passos ancestrais, E os brutos golfinhos mergulham Até que em certa alcantilhada baía onde A vau passa o coro do amor Arremessando as sagradas coroas de louros, Se desembaraçam de suas cargas. III Formosa adolescência que uma ninfa desnudou, Peleu olha Tétis fixamente. Os seus membros são delicados como pálpebras, O Amor cegou-o com lágrimas; Mas o ventre de Tétis escuta. Pela encosta da montanha, Da caverna de Pã, intolerável música cai. Imunda cabeça de cabra, braço brutal assomam, Ventre, ombro, nádega, Cintilando como peixes; ninfas e sátiros Copulam na espuma. Tradução José Agostinho Baptista (in «W. B. Yeats - Uma Antologia», selecção e tradução de José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, 1996)

Oh, não ames demasiado tempo Amada, não ames demasiado tempo; Eu amei tanto, tanto E fui passando de moda Como uma velha canção. Ao longo desses anos da nossa juventude Não podíamos distinguir O nosso pensamento do pensamento alheio Porque tão unidos éramos apenas um. Mas em breve, breve instante ela mudou -

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Oh, não ames demasiado tempo Ou irás passando de moda Como uma velha canção. in «Uma Antologia», selecção e tradução de José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, 1996

Os cisnes selvagens de Coole Em sua outonal beleza estão as árvores, Secas as veredas do bosque; No crepúsculo de Outubro as águas Reflectem um céu tranquilo; Nessas transbordantes águas sobre as pedras Banham-se cinquenta e nove cisnes. Dezanove outonos se passaram desde que Os contei pela primeira vez; E, enquanto o fazia, vi Que de repente todos se erguiam E em largos círculos quebrados revolteavam As clamorosas asas. Contemplei esses seres resplandecentes, E agora há uma ferida no meu coração. Tudo mudou desde o dia em que ouvindo ao crepúsculo, Pela primeira vez nesta costa, A alta música dessas asas sobre a minha cabeça, Com mais ligeiro passo caminhei. Infatigáveis, amante com amante, Movem-se nas frias E fraternas correntes ou elevam-se nos ares; Os seus corações não envelheceram; Paixão ou conquista solicitam ainda Seu incerto viajar. Mas vagueiam agora pelas quietas águas, Misteriosos, belos; Entre que juncos edificarão sua morada, Junto a que lago, junto a que charco, Deliciarão o olhar do homem quando um dia eu despertar E descobrir que voando se foram?

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(in «Uma Antologia», Tradução de José Agostinho Baptista, A ssírio & Alvim, 1996)

Parto da paixão Quando a flamejante e angélica porta se abre num tumulto de alaúdes, Quando imortal paixão respira em mortal argila, O nosso coração suporta o flagelo, a coroa de espinhos, o caminho Povoado de rostos amargos, a ferida das mãos, a ferida dos flancos, A esponja pesada de vinagre, as flores junto ao rio Kedron; Sobre ti inclinados soltaremos os cabelos Para que leve perfume se desprenda, cheio de orvalho, Lírios da esperança em sua mortal palidez, rosas de apaixonado sonho. De «Poemas» Col. Gato Maltês, 18, Assírio & Alvim, 1988

Tudo pode tentar-me

Tudo pode tentar-me a que me afaste deste ofício do verso: Outrora foi o rosto de uma mulher, ou pior - As aparentes exigências do meu país regido por tolos; Agora nada melhor vem à minha mão Do que este trabalho habitual. Quando jovem, Não daria um centavo por uma canção Que o poeta não cantasse de tal maneira Que parecesse ter uma espada nos seus aposentos; Mas hoje seria, cumprido fosse o meu desejo, Mais frio e mudo e surdo que um peixe. in «Uma Antologia», selecção e tradução de José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, 1996

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Quando fores velha

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono, Dormitando junto à lareira, toma este livro, Lê-lo devagar, e sonha com o doce olhar Que outrora tiveram teus olhos, e suas sombras profundas; Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto, Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor, Mas apenas um homem amou tua alma peregrina, E amou as mágoas do teu rosto que mudava; Inclinada sobre o ferro incandescente, Murmura, com alguma tristeza, como o amor te abandonou Eem largos passos galgou as montanhas Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas. (in «Poemas», tradução de José Agosinho Baptista, Assírio & Alvim, 1988)

A rosa do Mundo Quem sonhou que a beleza passa como um sonho? Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho, Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar, Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre, E morreram os filhos de Usna. Nós passamos e passa o trabalho do mundo: Entre humanas almas que se agitam e quebram Como as pálidas águas em seu fluxo invernal, Sob a as estrelas que passam, sob a espuma do céu, Vive este solitário rosto. Inclinai-vos arcanjos, em vossa incerta morada: Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração, Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono; Ele fez do mundo um caminho de erva Para os seus errantes pés.

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(Tradução: José Agostinho Baptista) (in «A Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro», Assírio & Alvim, 2001)