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    UMA INTRODUO HISTRIA POLTICA DAS RELIGIES AFRO-

    BRASILEIRAS DE RONDNIA[1]

    Marta Valria de Lima[2]

    RESUMO: Este texto discute o movimento de organizao das religies afro-brasileiras em instituies federativas, assim como a construo da identidadereligiosa, poltica e social de Rondnia e o modo como o campo das religies afro-brasileiras desse territrio foi influenciado por determinados indivduos, sendoapresentadas as suas estratgias de insero no cenrio poltico e religioso local.

    Palavras-Chave:Umbanda, poltica, Rondnia.

    A Umbanda comeou a se expandir no territrio de Rondnia quando

    vigorava a forma de governo conhecida por Ditadura, sob o Regime Militar. Nesse

    perodo as prticas polticas da regio guardavam alguns vestgios do clientelismo,

    tpicos do modelo coronelista do qual elas eram herdeiras e que haviam encontrado

    acolhimento nesse modelo de governo.

    Seguindo uma tendncia nacional, em meados da dcada de 1970, com a

    Abertura poltica e o retorno Democracia, determinados setores sociais das

    classes mdias de Rondnia despertaram o interesse poltico por uma parcela da

    populao que at ento no tinha sido considerada: os grupos de cultos afro-

    brasileiros. Nessa poca tais grupos se constituram em importantes nichos

    eleitorais. dentro dessa condio histrica que encontramos lderes de partidos e

    chefes de reparties pblicas se enfrentando politicamente. A religio foi um canal

    utilizado nas afrontas e disputas por poder e prestgio poltico [3].

    Em 1972, ao retratar a histria da Umbanda no Rio de Janeiro, Diana Brown

    (1985) j sinalizava para a impossibilidade de aludir expanso da Umbanda sem

    coloc-la dentro dos marcos referenciais da histria poltica da sociedade brasileira.

    O mesmo se pode dizer a respeito da histria dessa religio em Rondnia. Os anos

    que compreendem as dcadas de 1970 e 1980 so anos extraordinrios na histria

    desse territrio. Eles se caracterizam por grandes transformaes polticas,

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    econmicas, sociais e tambm culturais. As religies afro-brasileiras despontaram

    como lcus privilegiado das mudanas, com uma intensa atividade organizacional

    dos agrupamentos religiosos.

    De maneira geral as dcadas de 1970 e de 1980 so ricas em polmicas

    polticas entre os partidos do governo (ARENA/PDS) e os da oposio

    (MDB/PMDB). Nesse mesmo perodo as religies afro-brasileiras conquistaram uma

    progressiva visibilidade social e poltica. Houve crescente importncia dos

    umbandistas como base eleitoral, surgindo polticos que se propuseram a

    represent-los junto aos poderes pblicos (rgos do governo e outros) e a defend-

    los dos ataques e das discriminaes dos quais eles eram vtimas. As atividades de

    alguns polticos foram direcionadas a esse setor da sociedade originando umapoderosa mquina de propaganda dos benefcios da institucionalizao dos grupos

    de culto e da sua unificao. Polticos da oposio foram os que tiveram maior

    visibilidade no seu envolvimento com a Umbanda. Repetia-se em Rondnia o

    mesmo fenmeno observado por cientistas sociais que pesquisavam sobre

    Umbanda em outras regies do pas: a insero das religies afro-brasileiras no

    horizonte da poltica partidria (Vergolino, 1976; Brown, 1985; Negro e Concone,

    1985).No caso de Rondnia, poucos meses aps as eleies municipais de 1976 e

    alguns meses antes das eleies estaduais de 1978, ocorreu a fundao da

    Federao Esprita Umbandista de Rondnia FEUR (dois de janeiro de 1977).

    Essa ao foi conduzida por lderes do Movimento Democrtico Brasileiro MDB.

    Isso no nos parece mera casualidade. Havia um grupo social que necessitava de

    proteo porque sofria preconceitos e discriminaes que frequentemente

    desencadeavam atos de violncia fsica e verbal contra pessoas e espaos de cultoe outro grupo que poderia oferecer-lhe tal proteo em troca de alguns favores.

    A literatura cientfica sobre as federaes enftica em reconhecer que os

    lderes umbandistas se voltaram para a poltica a fim de obterem maior legitimidade

    para a religio, bem como em afirmar que elas cumpriram o importante papel de

    compor alianas com as instncias governamentais do Estado (Silva, 1976; Gabriel,

    1980; Birman, 1985; Negro, 1996).

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    Diante dessas constataes, surgiram indagaes que demandavam

    investigao. De que forma se manifestava a adeso de polticos Umbanda em

    Rondnia? Quais eram os polticos mais envolvidos? Qual era o envolvimento dos

    umbandistas com a poltica? Quais foram os rgos governamentais com os quais

    os umbandistas mantiveram maior grau de relacionamento? Quais foram as

    conquistas da Umbanda com a aproximao a tais rgo e aos seus dirigentes?

    Como foi o processo de aproximao da Umbanda com a Poltica ou dos

    umbandistas com os polticos? Como foi o processo de disputa poltica nas

    campanhas partidrias que tiveram a Umbanda como plataforma eleitoral? Quem

    disputou pleitos eleitorais? O que se ganhou e o que se perdeu? Como foi o

    processo de insero poltica da Umbanda no sistema partidrio?Tentamos desvendar estas questes procurando respostas em peridicos de

    grande circulao em Rondnia. Este critrio e a acessibilidade s fontes nos

    levaram a consultar as matrias publicadas nas dcadas de 1970 a 1990 nos jornais

    Alto Madeirae O Guapor. Ao faz-lo tomamos o cuidado de examinar se houve, ou

    no, inter-relacionamento entre os processos de expanso da Umbanda e as

    atividades polticas de suas lideranas religiosas. Alguns resultados da pesquisa

    sero apresentados nos prximos itens.

    1. ESTRATGIAS DE APROXIMAO DA UMBANDA COM OS

    PODERES PBLICOS

    De diversos modos os lderes da Umbanda procuraram aproxim-la da

    sociedade. Uma das estratgias utilizadas pelos grupos politicamente organizados

    na busca por reconhecimento e legitimao junto aos poderes pblicos foi inserir naprogramao das suas atividades polticas e religiosas os representantes desses

    poderes (marcadamente o Executivo). Assim, eles estabeleciam contatos com

    autoridades governamentais, polticas e religiosas em nvel municipal estadual e

    federal e as convidavam a participar dos eventos. A partir do momento em que os

    convites eram aceitos, iniciava-se o processo de comprometimento dos convidados

    com a Umbanda.

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    A adeso a essa religio se dava por meio da participao dos convidados

    nas festas promovidas pelos umbandistas; na liberao de recursos para a

    realizao de eventos religiosos; na aprovao de projetos sociais apresentados

    pelos lderes da religio ou pelas instituies religiosas s quais eles eram filiados.

    Sobre o assunto temos notcia de projetos de fundao de escolas de 1. Grau em

    terreiros de Porto Velho, ou em outros espaos fsicos administrados pela FEUR [4].

    Outra estratgia de insero social da Umbanda foi a participao de lderes

    da Umbanda na poltica partidria. Neste aspecto h uma profunda interconexo

    entre terreiros, federaes e confederaes religiosas e agremiaes poltico

    partidrias em nvel local, regional e nacional. Essa foi uma tendncia nacional.

    Portanto, Rondnia no ficou de fora dela, conforme veremos a seguir.

    2. APROXIMAES DA UMBANDA RONDONIENSE COM A

    UMBANDA SULISTA

    Nas dcadas de 1970 e 1980 ocorreu uma intensa atividade poltica de

    aproximao dos umbandistas de Rondnia aos rgos do governo estadual e

    municipal e aos grupos defensores da federalizao e unificao das religies afro-brasileiras da regio amaznica e de outras regies brasileiras. Nesse mesmo

    perodo houve um amplo processo de aproximao da Umbanda de Rondnia (e da

    regio Norte de modo geral) com a Umbanda do Sul do Brasil.

    A leitura das notcias publicadas na impressa de Rondnia sobre o evento

    chamado Encontro de Orixs realizados das dcadas de 1970 a 1990 pela FEUR

    despertou a nossa ateno para a rede de relaes dessa Federao com notrias

    autoridades da Umbanda que tinham fortes relaes com partidos polticos e compessoas ligadas a governos estaduais: Jamil Rachid, Presidente da Unio de

    Tendas Espritas Umbandistas e de Candombl do Estado de So Paulo; Moab

    Caldas, Presidente do Conselho Superior de Religio da Unio de Umbanda do Rio

    Grande do Sul, Afrnio de Oliveira, Chefe de Gabinete e Relaes Pblicas da

    Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e dirigente do Centro Esprita Caminheiros

    da Verdade, entre outros. Tal rede atendia ao propsito de firmar alguns lderes

    religiosos, cujos nomes seriam lanados na poltica partidria ou na poltica do

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    movimento religioso, como defensores dos interesses dos adeptos. Essa estratgia

    contribuiria para consolidar lderes das federaes e confederaes das religies

    afro-brasileiras que pretendiam centralizar o poder decisrio da religio em um rgo

    hierarquicamente superior e com poderes para gerenciar as suas prticas

    doutrinrias e ritualistas.

    Desde a dcada de 1950, quando surgiu o movimento de unificao das

    religies afro-brasileiras, apareceram vrias dezenas de federaes e

    confederaes de cultos pelo Brasil. Em 1961, durante o II Congresso Nacional de

    Umbanda foi composta a Comisso Nacional de Codificao Doutrinria e Ritual do

    culto de Umbanda para promover a unificao desses cultos no pas. Intensificaram-

    se a partir de ento os esforos unificadores. Com o amadurecimento do movimento,alguns grupos julgavam que era necessrio integrar os umbandistas em um s

    rgo, que representasse os seus interesses junto s instncias de poder do Estado.

    Neste sentido, alguns lderes de cultos ansiavam por fundar uma Igreja de

    Umbanda, com um representante geral da mesma, eleito por seus pares. Entretanto,

    at a dcada de 1970 esse projeto no havia se concretizado (Negro, 1994:92).

    Nos anos 1970, por conta do processo de redemocratizao do pas, houve

    uma revitalizao do movimento de unificao. Surgiram muitas federaes econfederaes de Umbanda. Porm, todas dispersas e frequentemente disputando

    prestgio e poder entre elas. Esta situao enfraquecia o movimento.

    Ainda na dcada de 1970 alguns dirigentes de federaes se destacaram e

    conquistaram notoriedade entre os grupos de cultos e presidentes de federaes.

    Pouco a pouco foi crescendo o movimento em prol da integrao da Umbanda. A

    partir de ento se levantaram muitas vozes favorveis criao de uma

    Confederao Nacional de Umbanda. Esta ordenaria e normatizaria os cdigos depostura, tica, ritos e doutrinas da Umbanda. A proposta era de que tal rgo viesse

    a ser administrado por um sacerdote/presidente, uma espcie de Papa da

    Umbanda, a cuja autoridade todas as federaes e confederaes estariam

    submetidas (Brown, 1985; Birman, 1985). Assim, alguns lderes que defendiam essa

    ideia iniciaram campanhas internas ao movimento para obter a adeso dos seus

    pares e ser eleito para tal cargo. Em contrapartida ao apoio recebido das

    federaes, esses mesmo lderes apoiariam polticos umbandistas que se

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    candidatassem aos cargos pblicos atravs de eleies partidrias. Este era o caso

    do Presidente da Federao Esprita e Umbandista de Rondnia, Carlos Alberto dos

    Santos.

    A imprensa de Rondnia registrou que durante uma reunio de dirigentes de

    entidades estaduais de Umbanda realizada nos dias 3 e 4 de novembro de 1977, na

    cidade de So Paulo, Carlos Alberto dos Santos indicou o nome de Jamil Rachid

    para liderar e coordenar o movimento umbandstico em todo o Brasil[5]. Em 1978

    e em 1984, durante o IV e o VIII Encontro dos Orixs de Rondnia, respectivamente,

    Jamil Rachid foi lanado com particular destaque a candidato a dirigente nacional da

    Umbanda. Naquela ocasio este mesmo sacerdote proferiu discursos em defesa das

    campanhas polticas de Carlos Alberto dos Santos ( poca ele disputava uma vagade Deputado Federal por Rondnia), conforme registrado em matrias que foram

    publicadas nos jornais Alto Madeira, Guapor e Estado.

    A respeito do envolvimento dos presidentes das federaes religiosas afro-

    brasileiras nos processos eleitorais do Brasil, com nfase para Rondnia, so

    esclarecedoras as correspondncias enviadas por Moab Caldas, lder religioso eleito

    a deputado estadual pelo Estado do Rio Grande do Sul por trs vezes consecutiva

    na dcada de 1960 e o primeiro umbandista do pas a ocupar cargo eletivo na esferalegislativa, sacerdotisa Maria Pereira Pinto. Esta sacerdotisa era dirigente do

    terreiro Retiro de Santa Brbara e Santo Antnio de Lisboa, membro do Conselho

    Doutrinrio da Federao Esprita e Umbandista de Rondnia e esposa de Francisco

    Pereira Pinto, Vice-Presidente da federao. Citamos abaixo, parcialmente, o teor de

    uma das correspondncias remetida a ela por Moab Caldas:

    Amiga e irm Maria Pereira Pinto:(...) estou viajando por todo Estado, em campanha, pois em 82 tornarei minha cadeira de deputado. Fui o primeiro, do Brasil, de nossa religio. Aem P. Velho, lancei o Carlos Alberto Melhoral, e espero que todos o ajudem,para que vena, pois preciso. Melhoral um grande irmo. Um notavelirmo e precisa que todos o ajudem, pois como deputado far muito pelanossa Religio e por vocs todos em particular. uma pessoa Autntica.(...).

    MOAB CALDAS.Presidente do Conselho Superior de Religio

    Da Unio de Umbanda do R. G. do Sul.18.10.78.

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    O texto acima serve como ilustrao para entender o modo como

    funcionavam as campanhas polticas partidrias no interior do movimento federativo

    da Umbanda. Por este modo de fazer poltica haveria uma espcie de troca de

    favores. Os lderes das federaes e das confederaes atuariam como cabos

    eleitorais nas campanhas partidrias entre os adeptos e simpatizantes da religio, e

    vice-versa, conferindo legitimidade s candidaturas desses polticos. Portanto, no

    foi uma mera coincidncia o apoio dado pela FEUR ao lder umbandista Jamil

    Rachid, o qual pretendia tornar-se dirigente nacional da Umbanda.

    importante ressaltar que Jamil Rachid esteve em Rondnia diversas vezes.

    As informaes que apuramos nos impressos indicam que ele compareceu a onze

    dos quatorzes Encontros de Orixs promovidos pela FEUR. Ele tambm participoude muitos outros eventos que ocorreram noutros lugares da Amaznia e tambm em

    outras regies do Brasil nos quais estiveram presentes lderes umbandistas de

    Rondnia. Os projetos polticos e sociais da FEUR tiveram importante influncia dele

    em seus contedos e formas de execuo.

    3. A UMBANDA NA POLTICA ELEITORAL DE RONDNIA

    Como acabamos de ver, na dcada de 1970 aconteceram importantes

    aproximaes dos umbandistas poltica. Dentre as candidaturas s cmaras

    legislativas municipal, estadual e federal dois nomes merecem ser citados: Enjolras

    de Arajo Veloso e Carlos Alberto dos Santos. Ambos eram umbandistas. Ambos

    foram fundadores da FEUR. Ambos pertenciam aos quadros do MDB. E ambos

    tiveram papel destacado no processo de legitimao da Umbanda em Rondnia.

    Destes dois polticos o que mais se destacou por sua associao com a Umbandafoi Carlos Alberto dos Santos, mais conhecido como Carlos Melhoral ou,

    simplesmente, Melhoral. Ao que parece, o seu envolvimento com a Umbanda foi

    mais intenso do que o de Enjolras de Arajo Veloso. Ou, ao menos, teve maior

    visibilidade social e longevidade poltica no campo religioso. Possivelmente isso

    aconteceu pelo fato dele ter sido o Presidente da Federao Umbandista de

    Rondnia FEUR por mais de uma dcada. Por outro lado, a carreira poltica

    partidria do lder Enjolras de Arajo Veloso foi mais estvel do que a de Carlos

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    Alberto dos Santos. A carreira de Enjolras de Arajo Veloso foi construda no mesmo

    partido (MDB/PMDB) e sem muitas oscilaes de continuidade e de prestgio

    poltico, enquanto a de Carlos Melhoral sofreu vrias alteraes, conforme ficar

    evidente ao decorrer deste texto.

    A investigao indicou que a carreira poltica de Carlos Alberto dos Santos em

    Rondnia foi uma exceo em termos de construo da plataforma eleitoral. At o

    Segundo Milnio ele foi o nico poltico de carreira em Rondnia que sedimentou a

    sua trajetria poltica atuando em defesa das religies afro-brasileiras e tendo como

    base de campanha a defesa da Umbanda. O resultado disto foi que ele se

    transformou em figura emblemtica junto aos adeptos do campo religioso afro-

    brasileiro que estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, com os movimentos deorganizao dos povos de terreiro bem como uma referencia poltica para eles,

    como tivemos oportunidade de constatar em vrias ocasies de pesquisa de campo

    (1999-2000; 2010-2012). Considerando a importncia da sua trajetria poltica para

    a histria social e cultural dessa regio, na prxima sesso faremos uma breve

    apresentao da sua carreira poltica.

    4. CARLOS ALBERTO DOS SANTOS MELHORAL NAS ELEIESPARTIDRIAS DE RONDNIA

    De acordo com as fontes impressas j mencionadas, Carlos Alberto dos

    Santos, tambm conhecido pela alcunha de Carlos Melhoral, ou, simplesmente

    Melhoral, nasceu em Manaus no ano de 1935. Em sua vida adulta voltou-se para as

    atividades comerciais e tornou-se empresrio do ramo mercantil. No final dos anos

    1950 ele se iniciou na vida pblica como integrante do Partido Democrata Cristo.Em 1962 candidatou-se a deputado estadual do Amazonas pela coligao Partido

    Democrata Cristo PDC / Partido Trabalhista Brasileiro PTB / Partido Liberal

    PL, tendo sido eleito [6].

    No ano de 1968 ele mudou-se com a famlia para Porto Velho, onde montou

    um Supermercado que recebeu o nome fantasia de Supermercado Melhoral, origem

    da alcunha pela qual se tornou conhecido em Rondnia. Ele foi dono de uma

    lanchonete e de uma loteria. A primeira se chamava Lanchonete da Sorte e a

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    segunda Loteria da Sorte. Ambas ficavam situadas no centro da cidade de Porto

    Velho, localizadas na Av. Sete de Setembro, sub esquina com a Rua Irm Capelli.

    Ele tambm foi proprietrio de imveis na zona rural de Porto Velho, um dos quais o

    Stio Melhoral onde por diversas vezes foi realizado o Encontro de Orixs de

    Rondnia. Segundo Teixeira (1994:72) ele foi possuidor de outros negcios e de

    outros bens materiais, dentre os quais navios.

    No mesmo ano da sua chegada a Porto Velho (1968) ele se filiou ao

    Movimento Democrtico Brasileiro - MDB, onde permaneceu por quase quatorze

    anos. Durante esse perodo ele participou das eleies de 1978 como candidato a

    Deputado Federal; exerceu as funes de Secretrio Regional do PMDB (1980-

    1981); fez parte da Comisso Executiva Regional do PMDB que indicaria ocandidato do PMDB presidncia da Republica em 1980, quando foi escolhido a

    Delegado da Conveno Nacional (1980) por este partido.

    Em 1981 ele saiu do PMDB para se filiar ao Partido Democrtico Social

    PDS assumindo o cargo de Coordenador Geral do Partido (1981). Nas eleies de

    1982 ele concorreu a Deputado Estadual. Posteriormente ele concorreu ao mesmo

    cargo na Conveno do PDS que escolheria os candidatos para as eleies de

    1984, mas foi alvo de uma acirrada oposio poltica dentro do partido e acandidatura foi deixada de lado. Em 1986 ele reapareceu nas eleies como

    candidato ao cargo de Deputado Estadual pela coligao do Partido Democrtico

    Social - PDS com o Partido Democrata CristoPDC [7].

    Carlos Alberto dos Santos foi maom e tambm lder do movimento de

    unificao da Umbanda em Rondnia e na regio Norte do Brasil. Ele no possua

    cargo em terreiro [8], sendo apenas um adepto consumidor dos bens simblicos e

    materiais dessa religio [9]. Segundo Marco Antnio Domingues Teixeira (1994:71-72) ele e a sua famlia eram catlicos. Ele afirmou:

    " (...) o Sr. Carlos Melhoral tencionava trabalhar em prol de uma UmbandaCrist que "limitasse a prtica generalizada do catimb, pois todo mundoaqui vivia fazendo trabalho de Cemitrio. Apesar de pretender umaUmbanda Branca, foi a FEUR, atravs dele, que introduziu o Candombl noEstado, trazendo, na dcada de 1970, o carioca Wilson de Xang, que fezvros yows em Porto Velho."

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    Em 1977, juntamente com outros membros do MDB, fundou a Federao

    Esprita Umbandista de RondniaFEUR, tendo sido eleito e reeleito seguidamente

    para o cargo de Presidente, no qual permaneceu at a extino da mesma (cuja

    data exata at o momento no conseguimos descobrir, mas sabemos que aconteceu

    nos primeiros anos da dcada de 1990).

    Com a fundao da FEUR, Carlos Alberto dos Santos se tornou figura de

    referncia das religies afro-brasileiras de Rondnia. As aes dele frente dessa

    entidade como seu dirigente o notabilizaram, pois o seu nome adquiriu maior

    visibilidade e ele se transformou em uma importante liderana poltica dos adeptos

    dessas religies na regio.

    A atuao poltica dele no se restringiu ao campo religioso. Como homempblico ele tambm trabalhou em prol da populao carente de Porto Velho

    idealizando e gerindo projetos sociais para oferecer servios de educao, habitao

    e melhoria da urbanidade de bairros e reas perifricas de Porto Velho. Neste

    sentido vale lembrar o seguinte episdio: Aps o falecimento do advogado Agenor

    de Carvalho, que tinha sido uma das lideranas mais destacadas do MDB de

    Rondnia na dcada de 1970, Carlos Alberto dos Santos passou a ser considerado

    o novo Agenor [10] (Agenor de Carvalho foi defensor dos ocupantes das terrassituadas no Bairro Nova Porto Velho, onde muitos migrantes tinham construdo as

    suas casas em terrenos invadidos). Tais fatos indicam que aps o

    desaparecimento desse lder, Carlos Alberto dos Santos se tornou, aos olhos dos

    grupos de desabrigados e de ocupantes ilegais de terrenos urbanos de Porto Velho,

    o defensor dos migrantes desassistidos pelos poderes pblicos e que careciam de

    todo tipo de assistncia social e no apenas de moradia.

    A proximidade de Carlos Alberto dos Santos com a populao carente dePorto Velho e com os moradores ameaados de expulso das reas invadidas da

    cidade foi acentuada pela participao dele nas cerimnias religiosas em memria

    de Agenor de Carvalho que foram realizadas no dia nove de novembro de 1981,

    data de um ano de seu falecimento. A reprter Isa Farias, do jornal Alto Madeira,

    registrou o estranhamento das pessoas pela completa ausncia de lderes polticos,

    especialmente os do PMDB, na cerimnia. Ela escreveu que apenas Carlos Alberto

    dos Santos compareceu s cerimnias. No houve a presena de um padre para

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    conduzi-las, por este motivo elas consistiram de um ato silencioso, onde os

    moradores do Bairro se dirigiram Igreja Nossa Senhora do Amparo com velas

    acesas. A jornalista destacou que, na ausncia do padre, Carlos Alberto dirigiu um

    tero em homenagem ao morto [11].

    No incio dos anos 1990 Carlos Alberto dos Santos foi apresentado pela

    imprensa local como um dos precursores das Associaes de Moradores de Porto

    Velho [12]. Na matria Melhoral fala do seu Programa de Trabalho consta que ele foi

    o fundador de 12 associaes de bairros em Porto Velho [13]. Algumas dessas

    associaes so mencionadas em notcia do jornal Alto Madeira. Elas esto

    identificadas no trecho transcrito abaixo:

    Nesses 14 anos de Porto Velho ele sempre procurou servir a comunidade,sem medir esforos. Tanto isso verdade, que foi ele quem criou asassociaes de bairros da Nova Porto Velho, Costa e Silva, Pedacinho deCho, Embratel, Roque, Nova Floresta, Tringulo, Areal, Pedrinhas, NovoEstado e na localidade de So Carlos do Madeira. Ele tambm sempre seinteressou pelo problema do menor carente e chegou a criar o EducandrioJoo Paulo II, para menores carentes, mas teve de fech-lo por falta derecursos[14].

    Em 18 de novembro de 1990, os trabalhos que Carlos Alberto dos Santos

    desenvolveu junto s comunidades de bairros de Porto Velho o alaram ao cargo de

    presidente eleito da Unio Municipal das Associaes de Moradores UMAM, uma

    associao de associaes de bairros com 90 entidades filiadas. A funo dessa

    instituio era dirigir as associaes e resolverseus problemas junto s autoridades

    e rgos pblicos, principalmente a Prefeitura Municipal[15]. Quanto ao

    educandrio citado nessa notcia, de acordo com Marco Antnio Domingues Teixeira

    (1994:71) ele foi fechado e as crianas redistribudas pelos rgos federais do

    Territrio porque Carlos Alberto dos Santos era candidato do MDB - Movimento

    Democrtico Brasileiro - a Deputado Federal e o governador de Rondnia, que era

    membro do PDS, iniciou contra ele um movimento de perseguio poltica.

    Algumas das preocupaes sociais de Carlos Alberto dos Santos na

    qualidade de Presidente da UMAM foram publicadas no jornal Alto Madeira, em

    janeiro de 1991. Nela encontramos as seguintes afirmaes que teriam sido feitas

    por ele:

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    Carlos Melhoral disse ontem que existe uma carncia muito grande deprogramas sociais que devem ser desenvolvidos nos bairros de uma cidade,como faltam tambm ruas encascalhadas, escolas, atividades comunitrias

    e estmulo iniciao esportiva, o que no se faz em Porto Velho, alm de praas arborizadas[16].

    Estas informaes do uma ideia da triste realidade social de Porto Velho nos

    anos 1990. Mas, especialmente das condies de vida das populaes dos bairros

    perifricos com as quais ele tinha um contato direto e contnuo [17].

    Apesar da diversidade das suas atividades sociais, foi como defensor da

    Umbanda que Carlos Alberto dos Santos se sobressaiu e permaneceu na memria

    popular; e foi como o idealizador e organizador do evento denominado Encontro de

    Orixs, promovido pela FEUR, que ele se tornou uma das figuras mais destacadas e

    de maior preeminncia na histria do movimento organizacional das comunidades

    de terreiro e de grupos de adeptos da Umbanda de Rondnia. Segundo Marco

    Antnio Domingues Teixeira (1994:72), da dcada de 1970 de 1980, Carlos

    Melhoral foi quem:

    (...) bancou a vinda de caravanas de babalorixs e yalorixs da Bahia,Belm, Pernambuco, Minas, So Paulo, rio de Janeiro, Mato Grosso,Maranho. Com as despesas correndo por sua conta, a situao financeirasofreu uma sria crise e o empresrio perdeu seus comrcio e navios,restando ainda propriedades urbanas e rurais. (Teixeira1994:72)

    Deduz-se da afirmao acima que ele foi um homem empenhado na

    execuo do projeto de unificao nacional da Umbanda. Dentre as preocupaes

    dele como dirigente da FEUR encontrava-se a formao e educao espiritual do

    povo de santodentro dos princpios da Umbanda e a implantao de certa unidade

    doutrinria e ritualstica das religies afro-brasileiras dentro desses princpios [18].

    Ao nos aprofundarmos a respeito da histria da FEUR constatamos que ele buscou

    legitimar-se e legitimar a ao da Federao por meio da integrao da Umbanda

    local com a Umbanda Nacional.

    Ele demonstrou ter conscincia da importncia da imprensa para atingir os

    objetivos polticos do movimento umbandista. Por este motivo, preocupou-se em

    divulgar as atividades da FEUR e do movimento de unificao da Umbanda

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    nacional, local e regional nos meios de comunicao de massa. E foi extremamente

    bem sucedido nisso, pois o seu nome e o nome dessa federao ficaram inscritos na

    memria da comunidade religiosa afro-brasileira de Rondnia e tambm nos

    documentos publicados pela imprensa deste territrio. O papel que Carlos Alberto

    dos Santos desempenhou na histria das comunidades religiosas afro-brasileiras

    dessa regio apenas pode ser comparado importncia que a memria social e

    coletiva atribuiu primeira sacerdotisa de religies de matriz africana de Rondnia,

    Esperana Rita da Silva. Resguardadas, evidentemente, as especificidades de suas

    funes e atribuies religiosas.

    Os sonhos de Carlos Alberto dos Santos

    As informaes coletadas fazem crer que Carlos Alberto dos Santos tinha

    duas grandes aspiraes: ser Deputado por Rondnia e fundar uma grande

    Umbanda. Estes dois anseios se imbricavam.

    Conforme acabamos de apresentar, o seu sonho era estabelecer uma

    Umbanda forte e poderosa. Para isso ele colaborou ativamente com o movimento

    nacional de unificao da religio se dedicando a atividades que visavam construiruma grande Confederao de Umbanda com a participao de federaes de todos

    os estados da regio Norte, com Rondnia frente da liderana. Para materializar

    esse anelo ele planejou unir todos os terreiros e searas de Rondnia em uma

    federao, a Federao Esprita e Umbandista de Rondnia. Nisso ele foi bem

    sucedido, como j vimos. Porm, aps 12 anos de trabalho dedicado organizao

    poltica e doutrinria das religies afro-brasileiras e ao movimento de federalizao

    da Umbanda, Carlos Alberto dos Santos assistiu amargurado fragmentao dessafederao e jamais chegou a ocupar cargo legislativo nas cmaras estadual e

    federal.

    Na avaliao de Marco Antnio Domingues Teixeira (1994:74), o fracasso

    eleitoral deveu-se ao seguinte: A atuao poltica, contrria ao regime militar que

    dominava o pas, foi decisiva para o fracasso econmico do empresrio. A sua runa

    econmica, por sua vez, contribuiu para uma forte desestabilizao da FEUR..

    Pode ser que ele tenha razo, mas h outro fator que no deve ser desprezado:

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    Carlos Alberto dos Santos/Melhoral julgava-se trado pelo povo de santo de

    Rondnia por no t-lo eleito Deputado Estadual. Este fato at hoje citado por

    diversos sacerdotes quando eles relembram os Encontros de Orixs. O prprio

    Carlos Alberto dos Santos atribuiu ao movimento federativo a causa do seu fracasso

    econmico, como bem registrou o historiador Marco Antnio Domingues Teixeira

    (1994:72) ao afirmar que ele: Bancou caravanas de babalorixs e ialorixs (...).

    Com as despesas correndo por sua conta, a situao sofreu uma srie crise e o

    empresrio perdeu seus comrcio e navios, restando ainda propriedades urbanas e

    rural.Porm, ns vemos de modo distinto as derrotas de Carlos Alberto dos Santos

    na poltica eleitoreira. Na nossa anlise, o que aconteceu foi que ao longo dos anos,

    e como parte das mudanas pelas quais a sociedade rondoniense passava seformou uma distancia entre o lder umbandista e aqueles que ele liderava. Conforme

    depreendemos de depoimentos orais com adeptos das religies afro-brasileiras de

    Rondnia que o conheceram, essa distancia foi se ampliando medida que ele

    focava os seus interesses na poltica partidria. E proporo que o cidado

    comum, adeptos dos cultos afro-brasileiros foi percebendo este deslocamento e se

    considerando manipulado, criou as suas tticas de resistncia e de oposio.

    Para elucidar um pouco mais o nosso ponto de vista sobre este assunto,iremos recorrer s palavras de Michel de Certeau (1995:32), quando explica por que

    durante as eleies sindicais os trabalhadores, ao votarem, riscam o primeiro nome

    da lista:

    (...) eles decapitam a organizao para devolv-la base. Como resultado,os dirigentes veem seus nomes barrados, sem que saibam qual mo oscortou nem compreendem por qu. Aqueles que supunham deverrepresentar e dos quais haviam feito propriedade sua se tornaram

    estranhos; foram embora. E por acaso que essa partida deixa rastros.Quantos dirigentes so abandonados, decapitados em silncio e ainda noo sabem! Seu poder funciona de modo a no se darem conta da vidasecreta, das interrogaes novas, das aspiraes imensas cujo rudo sedistancia a ponto de serem apenas objeto de temor, precaues e detticas.

    Deste modo, consideramos, com a ajuda de Michel de Certeau (1995:33), que

    houve uma rebelio contra as instituies e as representaes que se tornaram

    no crveis, o que no significa que o povo de santo de Rondnia renegou a

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    Umbanda ou a importncia do seu lder enquanto agente religioso, mas separou

    essa instncia (a religiosa) daquela que no aceitava (a partidria) expressando a

    sua discordncia por meio da recusa ao candidato de uma cadeira no poder

    legislativo.

    5. CONSIDERAES FINAIS

    Como j dissemos, a penetrao da Umbanda na sociedade rondoniense nos

    anos 1970-1980 foi muito expressiva. O apoio de alguns polticos lhe rendeu alguns

    ganhos materiais[19]. Porm, no rendeu a Carlos Alberto dos Santos dividendos

    polticos do ponto de vista eleitoral.Lsias Nogueira Negro e Maria Helena Villas Boas Concone, ao estudarem

    as federaes de cultos afro-brasileiras de So Paulo e o envolvimento poltico

    partidrio da Umbanda paulista nas eleies de 1982, destacaram que candidatos a

    cargos eletivos do governo buscaram apoio dos umbandistas e que estas tiveram

    uma postura de malandragem, termo com o qual eles denominaram ao modelo

    clientelstico adotado pelas federaes [20].

    Em Rondnia no houve deslealdade de federaes aos candidatos, poisexistia apenas uma. Foram os dirigentes e adeptos das religies afro-brasileiras que

    tiveram aquela postura. Entretanto, importante ressaltar que a malandragempode

    ser entendida como forma de resistncia s possveis manipulaes polticas a que

    eram sujeitos tais eleitores. E, ademais, como cada indivduo era livre para fazer as

    suas opes polticas havia divergncias quanto a apoio e lealdades partidrias, o

    que enfraquecia a unificao dos votos dos umbandistas em torno de um

    determinado candidato.Embora pouco lembradas pelo conjunto da sociedade rondoniense,

    consideramos a participao de Carlos Alberto dos Santos nos movimentos polticos

    e sociais importante para conhecermos a histria de Rondnia, especialmente a

    histria de uma parcela da sua comunidade que tradicionalmente tem sido alijada do

    poder e que ele sempre defendeu, conforme apareceu na sua histria pessoal.

    De um modo geral, a forma de atuao social de Carlos Alberto dos Santos

    nos idos dos anos 1980/1990 manteve-se equivalente de polticos conservadores,

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    assistencialistas, que no haviam renovado as suas posturas, apesar das mudanas

    pelas quais passava a sociedade brasileira, e, muito mais ainda Rondnia que no

    mesmo perodo havia despontado como um novo Estado da Federao e maior polo

    de atrao migratria do pas. Tal situao promoveu alteraes no ambiente

    poltico e social o que exigia dinamismo e renovao dos polticos.

    possvel que a esteja a chave para as sucessivas derrotas eleitorais do

    lder umbandista nas urnas, pois o cenrio poltico de Rondnia se alterou

    profundamente aps a implantao dos projetos de colonizao impostos pelo

    governo federal regio. Estes tiveram como efeito a modernizao das estruturas

    burocrticas, econmicas, polticas, sociais e culturais locais. Alm disso, mudou o

    perfil dos eleitores. Portanto, o cenrio poltico era outro. Logo, requeria novosmodelos de prtica poltica.

    Mas tambm no podemos deixar de ressaltar que Carlos Alberto dos Santos

    emprestou Umbanda o prestgio de sua condio social e colocou-o a servio da

    Umbanda. Em contrapartida, colocou a Umbanda a servio da poltica ao buscar

    apoio para os seus projetos junto ao governo, por meio do qual seriam garantidas a

    legitimidade e o favorecimento da Umbanda, dando-lhe destaque social. Finalmente,

    importante ressaltar que por vrios anos a visibilidade da Umbanda nos meios decomunicao de massa de Rondnia foi proporcional s oscilaes da carreira

    poltica dele.

    REFERNCIAS:

    a) Bibliogrficas

    BIRMAN, Patrcia. Registrado em Cartrio, com firma reconhecida. In:Umbanda e

    Poltica. Rio de Janeiro: ISEREditora Marco Zero, 1985:80-121.

    BROWN, Diana et alli. Umbanda e Poltica.Rio de Janeiro: ISER/Marco Zero, 1985.

    CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Trad. Enid Abreu Dobrnszky.

    Campinas: Papirus, 1995.

    CONCONE, Maria Helena; NEGRO, Lsias Nogueira. Umbanda: da represso

    cooptao o envolvimento poltico-partidrio da umbanda paulista nas

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    eleies de 1982. In: BROWN, Diana et al. Umbanda e Poltica. Rio de

    Janeiro: Marco Zero, 1985. p. 43-79. (Cadernos ISER, p. 18).

    FURUYA, Yoschiaki. Umbandizao dos cultos populares na Amaznia: a

    integrao ao Brasil. Traduo: Ronan Alves Pereira. Senri Etnological

    Reports, n. 1, 1994.

    GABRIEL; Chester E. Communications of the spirits: umbanda, regional cults in

    Manaus and the dynamics of mediumistic trance.Thesis (Doctor) McGill

    University, 1980.

    NEGRO, Lsias. Entre a cruz e a encruzilhada: formao do campo

    umbandista em So Paulo. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo,

    1996; 2) Cadernos do Iser: Umbanda e Poltica. Rio de Janeiro: ISER Editora Marco Zero, 1985:80-121.

    ________. Entre a cruz e a encruzilhada: formao do campo umbandista em

    So Paulo.So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1996.

    SILVA, Anaza Vergulino e. O Tambor das Flores. Universidade Federal de

    Campinas-UNICAMP, 1976. Dissertao de Mestrado em Antropologia.

    TEIXEIRA, Marco Antnio. A macumba em Porto Velho. In: Compendio da histria

    e cultura de Rondnia.Vol. 2. Porto Velho: FUNCER, Set/1994. p. 47-75.

    b) Impressas

    Umbandistas iniciam amanh o encontro. Alto Madeira, 9 de julho de 1977, p. 1.

    Ano LXN 12.741.

    Jamil Rachid, lder da Umbanda.Alto Madeira. Porto Velho, 20 nov. 1977. p. 3.

    Coluna Umbandista: Atividades da Federao. O Guapor. Porto Velho, 26 fev.1981. p. 8.

    Melhoral quer dinamizar Umam. Alto Madeira. Porto Velho, 27 e 28 de janeiro de

    1991, p.8. Ano LXXIIIN 20.783

    PMDB esqueceu dia da morte de Agenor. Alto Madeira. Porto Velho.11 nov. 1991.

    p. 3.

    Melhoral quer dinamizar Umam. Alto Madeira. Porto Velho .27 e 28 jan. 1991. p.8.

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    NOTAS

    ________________________________

    [1] Este texto apresenta alguns resultados empricos do Projeto de Doutorado Histria e religies afro-

    brasileiras de Rondnia: insero, expanso e transformaes de prticas rituais e religiosas (1911-2009), o qual est sendo desenvolvido no Programa de Mestrado e Doutorado Histria da AmricaLatina da Universidade Pablo de Olavide - Sevilha (Espanha).

    [2] Doutoranda em Histria pela Universidad Pablo de Olavide (Espanha). Mestre em Histria pelaUniversidade Federal de Pernambuco. Professora do Departamento de Histria da UniversidadeFederal de RondniaUNIR.

    [3] Melhoral fala do seu Programa de Trabalho. Alto Madeira. Porto Velho, 31 ago. 1981. p. 8.[4] Mais de 3 mil pessoas na Festa dos Orixs. Alto Madeira.Porto Velho, 14 jul. 1981. p. 1.[5]Jamil Rachid, lder da Umbanda.Alto Madeira. Porto Velho, 20 nov. 1977. p. 3.[6] Melhoral fala do seu Programa de Trabalho. Alto Madeira, 31 de agosto de 1981, p. 8. Ano LXV N 14.110.[7] Os dados apresentados foram extrados dos jornais locais. Portanto, esto sujeitos a imprecises.

    possvel que Carlos Alberto dos Santos tenha exercido outras funes administrativas e polticasnos partidos aos quais foi filiado, assim como que ele tenha ocupado por muito mais tempo.[8] O jornal Alto Madeira, em notcia publicada no dia 9 de julho de 1977, o qualificou como umentusiasta do movimento no territrio. Fonte: Umbandistas iniciam amanh o encontro. Alto Madeira,9 de julho de 1977, p. 1. Ano LXN 12.741.[9]Neste aspecto ele repete um processo histrico que j havia sido constatado pela pesquisadoraAnaza Vergolino e Silva (1976) ao retratar as caractersticas das lideranas da Federao Esprita eUmbandistas do Par.

    [10] PMDB esqueceu dia da morte de Agenor. Alto Madeira. Porto Velho, 11 de novembro de 1991, p.3. Ano LXIVN 13. 883.[11] Agenor de Carvalho foi membro do MDB, e, no ano do seu assassinato ele exercia o cargo deSecretrio Regional do Partido (1980).[12] Melhoral quer dinamizar Umam. Alto Madeira. Porto Velho, 27 e 28 de janeiro de 1991, p.8. AnoLXXIIIN 20.783.

    [13] Idem.

    [14] Idem anterior.[15] Melhoral quer dinamizar Umam. Alto Madeira, 27 e 28 de janeiro de 1991, p.8. Ano LXXIII N20.783.[16] Idem.[17] Marco Antnio Domingues Teixeira (1994:73), afirma que Carlos Alberto dos Santos fez parte daComisso de controle Mdico e Higinico do Estado, por nomeao do Governador, mas foi alvo debarreiras e preconceitos por ser identificado como umbandista.[18] Umbanda: Coluna sob responsabilidade da FEUR.Alto Madeira. Porto Velho, 25 ago. 1977. p. 3.

    [19] Um dos ganhos: em 1981 durante o V Encontro dos Orixs de Rondnia o Governador Jorge

    Teixeira foi homenageado pela Federao Esprita Umbandista de RondniaFEUR por ter doado oterreno da Sede da entidade e por ter colaborado com o desenvolvimento da mesma, conforme citadopelo jornal Alto Madeira, em edio do do dia 23 de junho de 1981, p.3.

    [20] NEGRO, Lsias Nogueira e CONCONE, Maria Helena Villas Boas. Umbanda: da represso cooptao. O envolvimento poltico-partidrio da umbanda paulista nas eleies de 1982. In:Umbanda e Poltica. Rio de Janeiro: ISEREditora Marco Zero, 1985:79.