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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR
NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO
Por
Amanda Heiderich Marchon
2011
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A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR
NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO
AMANDA HEIDERICH MARCHON
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas, da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas, na Área de Concentração
Língua Portuguesa.
Orientadora: Professora Doutora Maria
Aparecida Lino Pauliukonis
Rio de Janeiro
Agosto de 2011
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A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR
NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO
Amanda Heiderich Marchon
Orientadora: Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis
Dissertação de Mestrado submetida ao programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.
Aprovada por:
_________________________________________________________________
Presidente: Profª. Drª. Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ (Orientadora)
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Helênio Fonseca de Oliveira – UERJ
_________________________________________________________________
Profª. Drª. Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva (Linguística) – UFRJ
_________________________________________________________________
Profª. Drª. Márcia dos Santos Machado Vieira – UFRJ (Suplente)
_________________________________________________________________
Profª. Drª. Regina Souza Gomes – UFRJ (Suplente)
Rio de Janeiro
Agosto de 2011
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DEDICATÓRIA
À minha filha, Ana Clara, a brilhante cheia de
graça, meu presente de Deus, por encher de luz a
minha vida e ser a razão do meu viver.
À minha mãe Mariléia, pela dedicação e amor
constantes... e por ter sido também mãe da minha
filha durante a minha ausência.
Ao meu tio Edimar, meu verdadeiro pai, e ao meu
ao meu avô Alcides, ponto de equilíbrio e de união
de toda a família, por terem me ensinado lindas
lições.
A todas as vítimas das chuvas que destruíram Nova
Friburgo em janeiro deste ano, em especial, à
amiga Cristiane Araújo Martins e familiares,
adiando, assim, a conclusão desta pesquisa.
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AGRADECIMENTOS
À professora Maria Aparecida Lino Pauliukonis, pela amizade, compreensão, confiança
e orientação extremamente objetiva, segura e competente que tornaram possível a
realização deste trabalho.
Às professoras Lucia Helena Martins Gouvêa e Violeta Rodrigues, pelo carinho,
sorrisos e importante contribuição teórica durante o curso de Mestrado.
Às professoras Silvia Rodrigues, Márcia Machado e Maria Eugênia Lamoglia, por me
ensinarem, tão gentilmente, a dar os primeiros passos rumo à metodologia de pesquisa.
À professora Anabelle Loivos Considera Conde Sangenis, valiosa amizade, por
despertar em mim, ainda no Ensino Médio, e reforçar, na Graduação, o meu gosto pelas
“letras” e por sempre me apontar o caminho certo a seguir.
À professora Lucia Raminelli, eterna mestra, por todos os ensinamentos transmitidos
durante a Graduação, na Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia.
À professora Simone Faria Figueiró, presença marcante no Ensino Médio e, hoje,
colega de trabalho, por quem conservo grande admiração.
Às professoras Simone Salomão e Madalena Tavares (a minha „AmadaLena‟), por todo
o caminho percorrido no Centro Educacional Labor de Cordeiro, minha primeira
experiência profissional. Agradeço, também, às diretoras Tia Léo e Tia Elô, que fizeram
do CELC a extensão da minha casa.
Aos companheiros do Colégio Municipal Professor Alberto Meyer, pelo
companheirismo e ajuda constantes. Um agradecimento especial às diretoras Adriana
Bom e Rosane Saldanha, por compreenderem as minhas faltas para que esta pesquisa
fosse concluída e por cuidarem tão bem de mim.
Aos amigos do Colégio Nossa Senhora das Dores, pela cumplicidade e convivência
harmoniosa de todos os dias. Agradeço, em especial, aos membros da direção colegiada
Jean Beatriz Fersura Wermelinger e Robério Canto, por acreditarem em meu trabalho
desde o meu estágio de docência, bem como aos coordenadores Felipe Ferreira e
Alexandre Nicolas Soares, por permitirem – e estimularem – minhas „ousadias
pedagógicas‟.
A todos os meus alunos, sem os quais a minha caminhada acadêmica e esta pesquisa
não teriam sentido.
À fiel escudeira, Adriane Pólo Freitas, à querida amiga Jaqueline Novaes, à „mãezona‟
Iris Thurler Leal e ao „primo-irmão‟ D´Angelo Carlo Magliano, pela presença constante
em minha vida e pelo sincero carinho que sentem por mim.
Ao amado Domingos Calvo, que com tanto amor, escreveu um importante capítulo de
nossas vidas.
A Deus, essa força extraordinária que tudo rege, e à intercessão de Nossa Senhora das
Graças, por terem colocado essas pessoas em meu caminho e por fortalecerem o meu
espírito nesta caminhada.
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MARCHON, Amanda Heiderich.
A ação coadjuvante do leitor na produção do discurso midiático. Amanda
Heiderich Marchon. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2011.
xi, 118f.
Orientadora: Maria Aparecida Lino Pauliukonis
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2011.
Referências bibliográficas: f.116
1. Introdução 2. A Revolução bakthiniana 3. A Semiolinguística: uma teoria de
alicerces bakthinianos 4. A constituição do corpus e o tratamento dos dados 5. Uma
mesma empresa em dois jornais diversos. I. PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas. III. Título.
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“Quem saberá contar o
enredo
sem alterar o tom,
o teor e o desfecho,
sem errar nem mudar
uma vírgula?”
(Djavan, “Sílaba”)
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RESUMO
A AÇÃO COADJUVANTE DO LEITOR
NA PRODUÇÃO DO DISCURSO MIDIÁTICO
Amanda Heiderich Marchon
Orientadora: Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.
Uma questão importante relacionada à produção textual reside na presença da
subjetividade, que pode ser evidenciada mediante marcas linguísticas deixadas pelo
enunciador. No domínio discursivo do jornal, a questão ainda é mais discutida, uma vez
que a maior parte dos textos tem a função primeira de informar, e informar com
imparcialidade. Baseados nos pressupostos da Semiolinguística, de Patrick Charaudeau
e nos estudos de Émile Benveniste (2005, 2006) e de Kerbrat-Orecchioni (1997) sobre a
Teoria da Enunciação, que procuram identificar e descrever os procedimentos
linguísticos por meio dos quais o enunciador imprime suas marcas no enunciado,
procuraremos revelar as operações linguístico-discursivas que um único comunicante
utiliza para atingir diferentes destinatários. Para tanto, coletamos, durante o mês de
março de 2009, notícias e reportagens que abordaram o mesmo tema, publicadas pelos
jornais EXTRA e O GLOBO –– veículos de comunicação da Infoglobo Comunicações
Ltda..Assim, a presente dissertação tem como objetivo estudar as seleções temáticas e o
vocabulário distinto que um mesmo comunicante, em obediência ao duplo contrato de
comunicação midiática – que, ao mesmo tempo, busca informar e seduzir o público-alvo
– utiliza para tentar se aproximar do leitor, verdadeiro co-autor dos textos publicados na
mídia.
Palavras-chave: semiolinguística, enunciação, subjetividade, público-alvo, discurso
midiático.
Rio de Janeiro
Agosto de 2011
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ABSTRACT
SUPPORTING READER ACTION
IN THE PRODUCTION OF MEDIATIC DISCOURSE
Amanda Heiderich Marchon
Advisor: Professor Maria Aparecida Lino Pauliukonis
Summary of Dissertation submitted to the Graduate Program in Literature Vernacular
Federal University of Rio de Janeiro as part of the requirements for obtaining the title of
Master in Portuguese Language.
An important issue related to text production is the presence of subjectivity,
which can be detected through linguistic traces left by the speaker. In the discourse of
the newspaper, the issue is further discussed, since most of the texts have the primary
function to inform and report fairly. Based on the presuppositions of semiolinguistics,
from Patrick Charaudeau and the studies of Emile Benveniste (2005, 2006) and Kerbrat-
Orecchioni (1997) on the Theory of Utterance, which seek to identify and describe the
procedures by which the speaker prints his utter marks in the statement, we will try to
reveal the linguistic-discursive operations that a single communicator uses to reach
different audiences. We collected during the month of March 2009, news and reports
that addressed the same topic, published in the newspapers O Globo and EXTRA -
vehicles of communication Infoglobo Communications Ltda. So, this paper aims to
study the thematic selections and the distinctive vocabulary that the same
communicator, in obedience to the dual media communication contract - at the same
time that he seeks to inform and entice the audience – tries to approach the reader, a true
co-author of the texts published in the media.
Keywords: semiolinguistics, enunciation, subjectivity, target public, mediatic discourse.
Rio de Janeiro
Agosto de 2011
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SINOPSE
Estudo dos processos de construção dos
ethos discursivo de um mesmo comunicante
– Infoglobo Comunicação Ltda. – em
função dos diferentes receptores – leitores
dos jornais O Globo e Extra. Observação da
seleção temática, das fotos e da escolha
morfo-lexical nas manchetes, subtítulos e
legendas que atuam na captação do leitor,
verdadeiro co-autor do discurso midiático.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12
2. REVOLUÇÃO BAKTHINIANA ........................................................................... 18
2.1. O que é linguagem? ..................................................................................... 18
2.2. O que é enunciação? .................................................................................... 20
3. A SEMIOLINGUÍSTICA: TEORIA DE ALICERCES BAKTHINIANOS ...... 24
3.1. O contrato de comunicação .......................................................................... 25
3.2. Modos de organização do discurso .............................................................. 29
3.2.1. Modo enunciativo ........................................................................... 32
3.2.2. Modo descritivo .............................................................................. 33
3.2.3 Modo narrativo ................................................................................ 35
3.3. Notícia & reportagem .................................................................................. 36
3.3.1. A construção temática da notícia e da reportagem ....................... 38
3.3.2. A construção de sentido da informação: duplo processo................ 41
3.3.3. A escolha lexical:a construção de sentido da informação............... 44
4. MEDOTOLOGIA DE PESQUISA ........................................................................ 52
4.1. Seleção do corpus ....................................................................................... 52
4.2. Tratamento dos dados ................................................................................. 54
5. UMA MESMA EMPRESA EM DOIS JORNAIS DIVERSOS ........................... 56
5.1 Um levantamento semântico: análise macrotextual ..................................... 57
5.1.1 Domínio civil ................................................................................. 60
5.1.2 Domínio político ........................................................................... 75
5.1.3 Domínio cidadão ........................................................................... 85
5.1.4. Comprovação dos resultados ....................................................... 86
5.2. Um levantamento lexical: análise microtextual .......................................... 94
5.2.1. Escolha lexical: a construção do leitor ....................................... 94
5.2.1. Processo de nomeação: substantivos próprios e comuns ............ 98
5.2.2. Processo de atribuição:o papel específico da adjetivação ........ 106
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 112
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 116
8.ANEXOS .................................................................................................................. 118
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INTRODUÇÃO
Ao considerarmos que o homem vive e constrói sua humanidade por meio da
linguagem, torna-se de fundamental importância analisar as várias formas de
comunicação social presentes nas interações discursivas.
A Língua coloca à disposição dos falantes uma infinidade de recursos que
precisam os limites dos sentidos da fala e de sua utilização. Como estudar a Língua
implica levar-se em conta a enunciação, que se manifesta no enunciado e nele imprime
suas marcas, a Análise do Discurso, no interior das Ciências da Linguagem, preocupa-se
com as várias maneiras de se perceber a realidade e considera que há um sujeito que
atravessa a relação linguagem–mundo, sujeito este que registra, por meio de certos
elementos linguísticos, seu maior ou menor comprometimento em relação ao conteúdo
que enuncia, expressando diferentes atitudes, em função de seus objetivos e
condicionamentos situacionais e interacionais
Em virtude da influência que os textos midiáticos exercem sobre a sociedade, o
presente estudo tem por objetivo analisar a subjetividade discursiva dos textos
midiáticos e os recursos modalizadores engendrados pelos enunciadores. Dessa forma,
busca-se analisar o recurso da modalização com que o usuário procura marcar a
distância em que se coloca em relação ao que enuncia em situação específica de
interação por meio da mídia impressa. Sob a hipótese de que todo sujeito define-se na
medida em que se dirige a um outro – problemática da alteridade, estudada por Mikhail
Bakhtin (2006) –, esta pesquisa tem também por objetivo revelar operações linguístico-
discursivas que um mesmo comunicante utiliza para atingir diferentes destinatários –
podendo, até mesmo, constituir múltiplos sujeitos enunciadores. Para tanto, coletamos,
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durante o mês de março de 2009, notícias e reportagens que abordaram o mesmo tema,
publicadas pelos jornais EXTRA e O GLOBO – veículos de comunicação da Infoglobo
Comunicações Ltda..
Ao observarmos os índices de subjetividade mais frequentes no discurso dos
referidos periódicos, investigaremos as marcas linguísticas que revelam seus ethé
discursivos – segundo a retórica clássica, imagem de si projetada pelo locutor através de
seu discurso –, e também os dispositivos de que se valem os jornalistas para atingirem
seus leitores e aferirem legitimidade e credibilidade à imagem dos enunciadores
veiculada pela mídia impressa.
Sob a perspectiva da Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau, uma das
bases teóricas para esta pesquisa, buscaremos focalizar a voz que está por trás das
notícias, cuja situação de comunicação se inscreve em um duplo contrato: um de
informação e outro de captação.
Por se tratar de um trabalho que versa sobre a subjetividade da linguagem,
fundamentarão também esta análise os estudos de Émile Benveniste (2006) sobre a
presença do homem na língua (“O aparelho formal da enunciação”) e de Kerbrat-
Orecchioni (1997) sobre a Teoria da Enunciação, que procuram identificar e descrever
os procedimentos linguísticos que atuam na construção da subjetividade e revelam a
presença do sujeito enunciador.
Assim, considerando que a significação discursiva é fruto da relação entre forma
e situação sócio-linguageira, e aceitando que o ethos possui materialidade linguística, já
que se firma em marcas da enunciação, buscaremos, pois, discutir a neutralidade
ilusória que perpassa o discurso jornalístico, bem como demonstrar a ação coadjuvante
do leitor na produção do discurso midiático.
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Para tanto, a análise proposta se pautará na observação das estratégias de
interlocução social do sujeito comunicante, realizadas por meio das marcas linguísticas
impressas nas capas, nas manchetes, nos subtítulos, nas fotos e legendas que
acompanham as matérias, principais diferenças encontradas entre os dois jornais que
compõem o corpus em estudo – segundo o jornalista Maurício Siaines, esses elementos
paratextuais guiam a leitura do texto, conforme entrevista em anexo. Serão avaliados os
efeitos de sentido resultantes dos destaques temáticos e das escolhas lexicais que atuam
na sedução do leitor, sobretudo o papel dos substantivos comuns e próprios, usados na
operação de nomeação dos atores do espaço social noticiado, e dos adjetivos, que são
apresentados pelo enunciador para convencer o público-alvo acerca do posicionamento
veiculado.
Esta pesquisa levará em consideração também os modos de organização do
discurso – “procedimentos que constituem em utilizar determinadas categorias de língua
para ordená-las em função das finalidades discursivas do ato de comunicação
(CHARAUDEAU, 2008) –, sobretudo os modos enunciativo, descritivo e narrativo.
Embora o propósito deste estudo esteja relacionado à análise qualitativa dos
dados, uma vez que ressaltaremos a necessidade de sintonizar as estratégias linguístico-
discursivas dos veículos de comunicação à heterogeneidade de culturas e de interesses
de seus leitores, procuraremos contabilizar, no plano semântico, a distribuição dos
acontecimentos noticiados, o que CHARAUDEAU (2008) divide em político, cidadão e
civil; no plano morfo-lexical, os substantivos comuns e próprios que nomeiam os
actantes que participam dos fatos narrados, bem como o papel específico dos adjetivos
portadores da marca avaliadora e persuasiva do sujeito.
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No que se refere à metodologia, foram analisadas 92 casos noticiados pelos
jornais EXTRA e O GLOBO, entre os dias 01 de março e 31 de março de 2009, sobre
os mesmos assuntos. A opção por tais gêneros se justifica pelas supostas – e ilusórias –
neutralidade e imparcialidade características de tais textos.
Foram escolhidos os periódicos já citados, ambos da Infoglobo Comunicações
Ltda., para uma melhor compreensão dos processos de construção do ethos discursivo
dos enunciadores em função dos diferentes receptores. Em outras palavras, buscamos
avaliar as estratégias de manipulação da linguagem de um mesmo EU comunicante em
relação à captação de diferentes leitores (TU destinatários).
O método de análise utilizado foi o comparativo. Operou-se o reconhecimento
da instância temática, em seguida, foram contrastados os seguintes índices de
subjetividade presentes nos dois jornais: identificação e caracterização dos atores do
fato noticiado, por meio do levantamento de substantivos comuns e próprios e de
adjetivos mais ou menos axiológicos.
A partir do corpus analisado, este estudo pretende comprovar as seguintes
hipóteses:
a) por meio de estratégias linguístico-discursivas, um mesmo comunicante busca
a captação de diferentes receptores, constituindo para isso, até mesmo, múltiplos
sujeitos enunciadores;
b) o ethos discursivo dos enunciadores constitui-se em função dos receptores,
verdadeiros co-autores dos discursos;
c) mesmo diante de textos quase idênticos, os elementos paratextuais
(manchetes, subtítulos, fotos e legendas) orientam a leitura e formam uma hierarquia
entre os pontos que os leitores devem considerar relevantes na matéria jornalística;
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d) a neutralidade que permeia os gêneros notícia e reportagem é ilusória, sendo
simples relatos de acontecimentos, ou seja, uma interpretação de quem os relata, sob
certo ponto de vista, determinados por uma perspectiva socioeconômica e balizados por
interesses comerciais.
Espera-se, por meio desta pesquisa, constatar que, apesar da aparente
objetividade e racionalidade que constrói a estrutura narrativa e descritiva das notícias e
das reportagens, essas apresentam um acentuado grau de subjetividade revelado nas
marcas linguísticas, o que denuncia o sujeito enunciador. A imagem de neutralidade é,
assim, estrategicamente construída pelo jornal para afirmar sua identidade como veículo
comprometido com a veracidade dos fatos.
No que concerne ao conteúdo das partes constituintes desta dissertação, adotar-
se-á a organização que se segue.
Na Introdução, apresentam-se, além da proposta temática e do objetivo deste
trabalho, a justificativa para a escolha do tema, a metodologia, as hipóteses a serem
confirmadas e a orientação teórica adotada.
O segundo capítulo percorre, sucintamente, os caminhos trilhados pelos estudos
linguísticos em busca das definições dadas à linguagem e à enunciação. Destacam-se as
perspectivas de BENVENISTE (2006) e de KERBRAT-ORECCHIONI (1997) sobre a
subjetividade que perpassa o processo da construção do discurso.
O capítulo seguinte versa sobre a Teoria Semiolinguística, desenvolvida por
Patrick Charaudeau (2007, 2009), destacando-se os conceitos básicos a serem utilizados
neste estudo, a saber: o ato de linguagem como encenação – sujeitos da linguagem,
contratos e estratégias de discurso –, os modos de organização do discurso – em
17
especial, os modos enunciativo, descritivo e narrativo – e a construção de sentido da
informação – os processos de transformação e transação.
Em linhas gerais, a literatura teórica subsidia a análise da enunciação que
constitui os textos do corpus numa abordagem do discurso mais preocupada com o
fenômeno das interações sociais, buscando a reconstrução do espaço interativo como
um dos elementos significativos do ato da linguagem. Para tanto, foram colocadas em
evidência as relações entre os atores enunciativos, a construção de sua imagem
(identidade) e função social (ethos).
O quarto capítulo compreende a constituição do corpus e o tratamento dos
dados, observando as marcas de subjetividade presentes desde a escolha dos fatos a
serem noticiados pela instância de informação até o tratamento redacional dos mesmos,
seguindo um método comparativo.
No capítulo cinco, apresentam-se as análises quantitativas e qualitativas do
corpus, numa perspectiva macro e microtextual, o que possibilitará a comprovação das
hipóteses apresentadas, sobretudo a que o intitula esta pesquisa: ação coadjuvante do
leitor na produção do discurso midiático.
Nas considerações finais, levantamos as contribuições desta pesquisa no que se
refere à formação do leitor crítico, que precisa ser apto a compreender os mecanismos
linguístico-discursivos que atuam nos processos de produção textual para a captação do
leitor, assunto que merece destaque nas salas de aula.
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CAPÍTULO 2
A REVOLUÇÃO BAKTHINIANA
2.1. O que é linguagem?
No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra, porém, estava informe e
vazia, e as trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus movia-se
sobre as águas. E Deus disse: Exista a luz. E a luz existiu. E Deus viu que a
luz era boa; e separou a luz das trevas. E chamou à luz de dia, e às trevas
noite. E fez-se tarde e manhã, (e foi) o primeiro dia. (grifos nossos)
(Gênesis, 1, 1-5)
A linguagem humana tem o poder que permite não só criar e nomear o mundo,
mas também possibilita a interrelação com o outro e com a coletividade. Nessa
perspectiva, a linguagem verbal é, então, a matéria do pensamento e o veículo de
comunicação social.
De acordo com KOCH (2007), os diferentes modos de se considerar a linguagem
humana tem sofrido transformações. Historicamente, há três posicionamentos em
relação à língua: como representação (“espelho”) do mundo e do pensamento; como
estrutura, instrumento (“ferramenta”) de comunicação; como forma (“lugar”) de ação e
interação.
A língua como representação do pensamento admite o sujeito – psicológico,
controlador de suas vontades e ações – como o único responsável pela construção de
sentido. Compreender um enunciado constitui um evento mental que se realiza somente
quando o ouvinte apreende do enunciado o pensamento que o falante pretendia veicular.
Saussure acreditava que, pelo fato de a linguagem ser compreendida como a
totalidade de todas as manifestações – físicas, fisiológicas e psíquicas – que compõem a
comunicação, ela não poderia ser objeto da linguística, já que lhe falta unidade interna e
leis independentes. A linguística, então, deveria partir da língua como sistema de
19
formas, cuja identidade se refirisse a uma norma, para esclarecer todos os fatos de
linguagem com referência a suas formas estáveis e autônomas.
Tomada como um todo, a linguagem é multiforme e heteróclita (...) ela não
se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque não se
sabe isolar sua unidade.
A língua, ao contrário, é um todo em si mesma e um princípio de
classificação.(SAUSSURE, apud BAKTHIN, 2006: 88)
Segundo KOCH (2007:7), na concepção de língua como estrutura, como
instrumento de comunicação, sua principal função é materializar, representar o
pensamento do falante e o seu conhecimento de mundo, aproximando-se da visão
saussureana, que vê a língua como um produto que o indivíduo registra passivamente.
Por fim, de acordo com a noção da língua como o lugar de interação, os sujeitos,
por participarem ativamente no contexto em que estão inseridos, são atores nas
situações comunicativas que buscam influenciar um ao outro. A comunicação, portanto,
decorre da indissociável relação entre os interlocutores, para que se possa depreender
das palavras seus sentidos concretos. É, na interação verbal, que a língua se faz
significante e assume as marcas do sujeito.
Essa última concepção remete aos estudos sobre a linguagem desenvolvidos por
BAKTHIN (2006), que concebe a comunicação como um processo interativo, muito
mais amplo do que a mera transmissão de informações. O filósofo contesta o
pressuposto da unicidade do sujeito e introduz o conceito de dialogia: atividade do
diálogo entre o eu e o outro em um território preciso socialmente organizado em
interação linguística. O sujeito, ao falar ou escrever, deixa em seu texto marcas
profundas de sua sociedade, seu núcleo familiar, suas experiências, além de
pressuposições sobre o que o interlocutor gostaria ou não de ouvir ou ler, tendo em vista
também seu contexto social.
20
Assim, são indissociáveis os conceitos de dialogia e de alteridade – o eu
necessita do outro para constituir seu mundo e para constituir-se a si mesmo.
Toda palavra serve de expressão de um em relação ao outro. Através da
palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em
relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim
e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se
sobre meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do
interlocutor.(BAKHTIN, 2006: 117)
Essa terceira concepção de linguagem também é adotada pela Semiolinguística,
desenvolvida por Patrick Charaudeau, ao considerar o material verbal estruturado em
categorias linguísticas, sem, contudo, deixar de se preocupar com o contexto
psicossocial – em que se definem os seres como atores sociais e sujeitos comunicantes –
que possibilita a aparição de determinados enunciados e não de outros. Assim, a
interação é uma premissa no processo de comunicação. Estima-se, nesta visão, um
sujeito que interage até mesmo com o próprio „eu‟ ou com as vozes reflexivas que o
circundam em um monólogo. Nessa contínua interação, o signo linguístico nunca se
esgota, estando sempre apto a assumir uma nova significação em outro processo
comunicativo.
2.2. O que é enunciação?
Tentativa de ultrapassar a fronteira entre língua e linguagem, o conceito de
enunciação busca evidenciar as relações da língua não apenas como sistema abstrato e
de combinações de elementos fonológicos, morfológicos e sintáticos, mas como
21
atividade linguística assumida por um sujeito, constituindo, pois, o liame entre a língua
e o mundo, mediado por esse indivíduo.
Antes de discutirmos a maneira como os estudiosos concebem a enunciação, faz-
se necessário lembrar a oposição que estabelecem entre frase e enunciado –
posicionamento, desde já, adotado nesta pesquisa: a frase é vista como unidade formal
do sistema da língua, estruturada de acordo com os princípios da gramática e passível de
inúmeras realizações; já o enunciado é a manifestação concreta e única da frase, em
situações de interlocução, conforme assevera DUCROT (1987:67):
O que eu chamo de “frase” é um objeto teórico, entendo por isso, que ele
não pertence, para o linguista, ao domínio do observável, mas constitui uma
invenção desta ciência particular que é a gramática. O que o linguista pode
tomar como observável é o enunciado, considerado como a manifestação
particular, como a ocorrência hic et nunc de uma frase.
Segundo uma concepção mais formal da língua, a construção do sentido
constitui apenas uma etapa, pois, como frisou Oswald Ducrot, a observação é feita
sempre a partir do enunciado (realizado) em determinada situação por atores específicos
durante a enunciação. Nesse caso, interessa preocupar-se, simultaneamente, com o que
se diz e com o modo como se diz. Em outras palavras, considerar a enunciação – evento
único e jamais repetido na produção do enunciado, a qual deixa marcas que indicam a
que título o enunciado é proferido.
Apesar das diferenças conceituais que os linguistas imprimem ao termo em
pauta, eles estão de acordo ao conceberem a enunciação como a realização dos
procedimentos linguísticos com os quais o locutor se posiciona em relação ao que
enuncia.
Charles Bally, por exemplo, define a enunciação como a ação influenciada por
fatores sociais: “ato do falante de utilizar os meios de expressão comuns a todos os
22
indivíduos de uma comunidade linguística para expressar suas ideias e sua
subjetividade” (BALLY, apud FLORES, 2009: 101)
Se Bally vê a enunciação como a ação, Mikahil Bakhtin a concebe como o
“produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados” (BAKHTIN, 2006:
116), atribuindo ao diálogo o status de unidade fundamental da língua, mesmo que o
interlocutor seja uma virtualidade que represente a comunidade na qual o locutor está
inserido.
A orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância
muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de
que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação
do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão de um em relação
ao outro. (BAKHTIN, 2006:117)
Considerado o linguista da enunciação e, consequentemente, o principal
representante do que se convencionou chamar de teoria da enunciação, Émile
Benveniste conceitua enunciação como “colocar em funcionamento a língua por um ato
individual de utilização” (BENVENISTE, 2006:82). Por esse prisma, o locutor
apropria-se da língua e a transforma em discurso, tendo um alocutário como parâmetro.
Assim, Benveniste imprime um tom pragmático à enunciação, atribuindo a posição de
protagonista ao sujeito enunciador.
Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois
da enunciação, a língua é efetuada em uma instância de discurso, que emana
de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra
enunciação de retorno. (BENVENISTE, 2006:84)
Oswald Ducrot, por sua vez, se afasta de Benveniste por não ter elaborado uma
definição de enunciação comprometida com o sujeito produtor, nem endereçada a
23
nenhum alocutário. Para Ducrot, enunciação não está associada ao ato de produção de
um enunciado, mas ao fato de seu surgimento.
O que designarei por este termo (enunciação) é o acontecimento constituído
pelo aparecimento de um enunciado. A realização de um enunciado é de fato
um acontecimento histórico: é dada existência a alguma coisa antes de se
falar e que não existirá depois. Ressaltar-se-á que não faço intervir a minha
caracterização da enunciação a noção de ato – a fortiori, não introduzo,
pois, a noção de sujeito autor da fala e dos atos da fala. Não digo que a
enunciação é o ato de alguém que produz um enunciado: para mim é
simplesmente o fato de que um enunciado aparece. (DUCROT, 1987:68)
Se entre os linguistas há acordo acerca do caráter da irrepetibilidade da
enunciação – “a enunciação é um acontecimento que não se repete; tem uma
singularidade situada e datada que não se pode reproduzir” (FOUCAULT, 1986:116) –,
também há unanimidade em reconhecer que não é possível estudar diretamente o ato de
produção, buscando-se apenas identificar e descrever os vestígios do ato no produto – o
que este trabalho se propõe a fazer com os textos midiáticos selecionados.
El problema que se plantea es el descubrir las leyes de la enunciación
partiendo del enunciado realizado. Existen estructuras específicas de la
enunciación, elementos discretos analizables que permitan estabelecer
claramente el proceso de enunciación en el interior del enunciado como un
hilo de trama invisible pero presente em uma tela? (COURDESSES, apud
KERBRAT-ORECCHIONI, 1997:40)
Como esta pesquisa analisará o enunciado realizado, buscando marcas que
remetem ao processo de criação deste, usaremos também como aporte teórico, aliado à
Teoria da Enunciação, os postulados da Teoria Semiolinguítica, de Patrick Charaudeau,
que passamos a descrever no item subsequente.
24
CAPÍTULO 3
A SEMIOLINGUÍSTICA: TEORIA DE ALICERCES BAKTHINIANOS
Como já postulava Mikhail Bakthin, a linguagem é vista como um constante
processo de interação mediado pelo diálogo – e não apenas como um sistema autônomo.
Neste contexto, é importante suscitar esse filósofo, para quem:
A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não
conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças
aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação
efetiva com as pessoas que nos rodeiam.(BAKTHIN, 2006)
Alicerçada nos postulados bakthinianos, a Semiolinguística, de Patrick
Charaudeau, insere o discurso numa problemática que procura relacionar, numa
perspectiva linguística, questionamentos que tratam do fenômeno da linguagem – sendo
uns mais externos (lógica das ações e influência social), outros mais internos
(construção de sentido e do texto) –, que se realiza através da interação entre os sujeitos
participantes do evento comunicativo.
Para explicar os pressupostos norteadores da Semiolinguística,
CHARAUDEAU (2009) se vale do próprio nome dessa teoria e separa a partícula sémio
da palavra linguística. A primeira parte vem do grego semeiosis, que aponta o fato de
que a construção do sentido e sua configuração se constroem por meio de uma relação
forma-sentido. A segunda parte, linguística, significa, para o autor, o material
linguageiro da comunicação que impõe significação ao mundo. É preciso pensar esse
material linguageiro como representação de uma realidade e, ao mesmo tempo, uma
parte dessa realidade. No que diz respeito aos sentidos, podemos dizer que são
construídos tanto na produção quanto na recepção dos enunciados, frutos da interação
entre os sujeitos. Essas instâncias enunciativas funcionam com base em
25
intencionalidades, porque tanto aquele que produz quanto aquele que interpreta o fazem
com alguma intenção. Os objetivos do sujeito, na interação verbal, não são somente a
informação e o convencimento do outro, mas também o envolvimento dele no seu
discurso. Os sentidos não existem fora da situação de comunicação e não são
propriedades de apenas um dos parceiros, já que o outro também deve ser considerado
para que o ato de linguagem seja eficiente.
Assim, a Teoria Semiolinguística apreende a linguagem como algo indissociável
de seu contexto sócio-histórico. Nele, a linguagem emerge para satisfazer certas
intenções vindas dos sujeitos em interação e para produzir efeitos por meio de seu uso.
Essa forma de tratar a linguagem caracteriza-se por uma conduta de elucidação
responsável por revelar a maneira pela qual as formas da língua são organizadas para
atender determinadas demandas que vêm de circunstâncias particulares em que se
realiza o discurso.
Os itens a seguir destacarão os conceitos básicos da Semiolinguística utilizados
nesta pesquisa.
3.1 . O contrato de comunicação
Segundo CHARAUDEAU (2009), o ato da linguagem não deve ser concebido
como um ato de comunicação resultante da simples produção de uma mensagem que
um emissor envia a um receptor. Ele deve ser considerado sob duas perspectivas: a de
produção e a de interpretação – um encontro imaginário de dois universos de discurso
não idênticos, em que múltiplos sujeitos participam: o Eu comunicante (EUc), o Eu
enunciador (EUe), o Tu interpretante (TUi) e o TU destinatário (TUd).
26
DIZER
ESPAÇO INTERNO
ESPAÇO EXTERNO
Como podemos perceber na figura 1, a situação de comunicação é composta de
um espaço externo e um espaço interno dentro dos quais as siglas referem-se à instância
de produção – EUc e EUe, que são respectivamente sujeito comunicante e sujeito
enunciador – e à instância de recepção – TUd e TUi, respectivamente, sujeito
destinatário e sujeito interpretante. No espaço interno, temos o mundo discursivo, onde
se apresenta a encenação discursiva, enquanto, no espaço externo, temos o mundo
situacional, onde circulam os saberes partilhados entre os sujeitos.
O EUc é concebido por CHARAUDEUAU (2009), como testemunha do mundo
real, dotado de identidade e de estatuto. Ele inicia o processo de produção por meio da
articulação de um projeto de fala (O que dizer?) e de um como falar (De que modo
dizer?) que se liga às estratégias de manipulação (Como dizer para convencer o meu
parceiro?). Para isso, EUc engendra EUe.
Concebido sob o ponto de vista do processo de produção, o EUe é uma instância
criada pelo EUc. O EUe é, então, o traço de intencionalidade do EUc. Concebido sob o
ponto de vista da interpretação, o EUe é uma imagem construída por TUi. É no
EUe
Enunciador
(Ser de fala)
TUd
Destinatário
(Ser de fala)
Locutor – EUc
(Sujeito
Comunicante
– ser social)
Receptor –
TUi
(Sujeito
Interpretante – ser social)
SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Finalidade + Projeto de Fala
Figura 1: A representação do ato de linguagem (CHARAUDEAU, 2009:52)
27
dizer que os enunciadores assumem diferentes papéis que lhes são atribuídos pelos
parceiros – EUc eTUi.
O TUd é o protagonista da interação linguageira. É concebido pelo EUe como
sujeito ideal, no processo interacional. Sendo assim, o TUd é considerado uma figura
discursiva sempre presente no ato de linguagem explicitamente marcado ou não. Em
outras palavras, é uma entidade prevista/fabricada pelo EUe. O TUi (assim como EUc)
é um sujeito empírico, dotado de identidade e de estatuto. É o parceiro de EUc
responsável pelo processo de interpretação. Ele constrói uma interpretação relacionada a
uma determinada intenção na esfera situacional.
CHARAUDEAU (2009) considera os sujeitos como lugares de
produção/interpretação de significação linguageira e explica que há uma unidade no
universo discursivo de cada sujeito, uma vez que a individualidade é manifestada a
partir da escolha das estratégias discursivas de cada um, mas, ao mesmo tempo, as
crenças, as convicções e as representações desse universo discursivo irão refletir em um
sujeito coletivo. Esse sujeito é individual na medida em que escolhe as estratégias e é
coletivo na medida em que usa a língua, a linguagem e o discurso como ferramentas
para se constituir enquanto ser social frente ao outro.
Nesse cenário, constrói-se o contrato de comunicação, caracterizado pela
reunião de processos linguístico-discursivos e psicossociais determinados pela situação
de comunicação. Para tratar daquilo que torna legítima a construção dos sentidos
durante as interações humanas, o contrato é o que rege as expectativas mútuas dos
sujeitos do ato de linguagem. Ato este que pressupõe uma intencionalidade (dos
sujeitos), depende da identidade dos parceiros, visa a uma influência, é portador de uma
28
proposição acerca da realidade e realiza-se num tempo e num espaço determinados (a
situação).
O contrato de comunicação impõe a obediência a dois princípios básicos: o
direito à palavra – que um parceiro deve conceder ao outro para que se processe o jogo
comunicativo – e a exigência de um saber comum partilhado – que pode ser de ordem
linguística, experiencial ou interdiscursiva.
Toda situação de comunicação depende, portanto, de um contrato (normalmente
implícito), que prevê um espaço de estratégias discursivas – uma margem de manobra
de que os sujeitos comunicantes dispõem para executar seu projeto de fala –, bem como
um espaço de restrições – condições mínimas às quais é necessário atender.
O contrato de comunicação midiático
No que diz respeito ao contrato de comunicação midiático, para
CHARAUDEAU (2007), a situação da comunicação das mídias se inscreve em um
duplo contrato: um de informação e outro de captação.
O contrato de informação centra-se na informação propriamente dita e tende a
produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o cidadão. A
obediência a certas regras busca garantir a credibilidade do jornal e do conteúdo
veiculado: emprego de recursos gramaticais que simulam o afastamento do sujeito
comunicante (uso de 3ª pessoa, voz passiva etc.); a autenticidade dos fatos e a
imparcialidade nos relatos (reconstrução narrativa dos acontecimentos através das vozes
discordantes, que representam diferentes visões e interpretações); julgamentos – quando
29
ocorrem – são balizados por informações precisas de dados ou por depoimentos de
testemunhas.
O contrato de captação procura produzir um objeto de consumo segundo uma
lógica comercial – captar as massas para sobreviver à concorrência. Busca seduzir os
leitores através de formas retóricas e interpelativas: as manchetes, os conteúdos
chocantes e dramáticos, os sinais de identificação afetiva e axiológica etc.
Dessa forma, as empresas de mídia constroem-se numa visão psicossociológica
do público que passa a guiar as escolhas redacionais e as estratégias de funcionamento
do jornal, constituindo uma base relevante de elaboração dos parâmetros contratuais que
orientam a comunicação. A escolha dos conteúdos e o tratamento da informação estão
relacionados com a identidade dos leitores, dessa forma, co-autores do discurso da
informação.
3.2. Modos de organização do discurso
CHARAUDEU (2009, p. 67) problematiza a noção de comunicar e afirma que é
preciso representar o ato de comunicação como um dispositivo no centro do qual se
encontra o sujeito falante (o locutor que fala ou escreve) em relação a um outro parceiro
(o interlocutor). Nesta interação, regulada pelo princípio da intencionalidade
comunicativa do ser de fala e balizada pelas regras de que dispõe o contrato de
comunicação, o enunciador deixa, em seu enunciado, marcas de si expressas pelas
categorias da língua e pelos modos de organização do discurso.
30
O autor define os modos de organização do discurso como procedimentos
discursivos que constroem o texto; princípios de organização da matéria linguageira
dependentes da finalidade comunicativa do sujeito falante (enunciar, descrever, narrar,
argumentar), o que, respectivamente, forma o modo enunciativo, descritivo, narrativo e
argumentativo.
Para distinguir esses quatro modos, analisa, primeiramente, a sua função base. O
modo será enunciativo se a relação entre os interlocutores estiver em foco. Será
descritivo se qualificar e identificar um participante do processo de comunicação for o
objetivo principal. Será narrativo se o processo temporal/acional se destacar, e, por fim,
argumentativo, quando as relações de causa e efeito forem ressaltadas.
Vale destacar que tais modos de organização discursiva não são completamente
separados uns dos outros, mas interpenetram-se no desenvolvimento do texto, a
depender da intenção comunicativa. O modo enunciativo, por excelência, intervém na
encenação de todos os outros modos, uma vez que “sua vocação essencial é a de dar
conta da posição do locutor com relação ao interlocutor, a si mesmo e aos outros”
(CHARAUDEAU, 2009:74).
As características dos modos de organização do discurso podem ser visualizadas
no quadro a seguir:
MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIOS DE
ORGANIZAÇÃO
ENUNCIATIVO
Relação de influência
(EU TU)
Ponto de vista do sujeito
(EU ELE)
Retomada do que já foi dito
(ELE)
Posição em relação ao
interlocutor
Posição em relação ao
mundo
Posição em relação aos
outros discursos
31
DESCRITIVO
Identificar e qualificar
seres de maneira
objetiva/subjetiva
Organização da construção
descritiva (Nomear –
Localizar– Qualificar)
Encenação descritiva
NARRATIVO
Construir as sucessões das
ações de uma história no tempo,
com a finalidade de fazer um
relato
Organização da lógica
narrativa
Encenação narrativa
ARGUMENTATIVO
Expor e provar causalidades numa visada racionalizante para
influenciar o interlocutor
Organização da lógica
argumentativa
Encenação argumentativa
Tabela 1: Modos de organização do discurso (CHARAUDEAU, 2009:79)
Como o ethos do enunciador reflete o ethos do leitor, esperamos chegar ao
pathos1 discursivo, partindo da análise das estratégias discursivas usadas pelo
enunciador para atingir o público alvo, neste caso, os diferentes leitores dos jornais O
Globo e Extra.
... a mídia é um tipo de comunicação em que o ethos do enunciador funciona
como espelho do ethos do leitor. Ao constituir uma imagem, cria a
legitimação de sua própria enunciação, um tom próprio que justifica o
conteúdo e o conteúdo que justifica o tom. Maingeuneau estabelece uma
circularidade em relação à questão do ethos: o ethos remete a um
determinado mundo ético (mundo de valores) que, por sua vez, reforça a
imagem do enunciador, que funciona como espelho da imagem do co-
enunciador. O enunciador toma corpo e o leitor incorpora o ethos, ao se
identificar com ele, ocorrendo uma incorporação a uma comunidade
imaginária. (ROLIM, 2004, p. 282)
1 Entendemos o pathos discursivo como um conjunto de recursos linguístico-discursivos voltados à
construção de efeitos de sentido passionais que, de acordo com um dado contexto sócio-histórico, uma
dada formação ideológica e sua correspondente formação discursiva, participam do processo de
interpelação do sujeito. Nesse ponto de vista, as paixões se afiguram também como um sistema de
evidências e de percepções que oferece ao sujeito a experiência de comungar uma dada emoção numa
dada situação de enunciação. Essa comunhão passional está presente na construção dos efeitos de
identificação entre o enunciador e seu interlocutor, fazendo com que este as experimente também (o que
faz interferir em seu julgamento). Deduzimos daí que o tipo de pathos tem parte na qualidade de ethos
que é construído no discurso, pois as emoções estão imbricadas a modos de falar, de enunciar, logo a
modos de ser e de se comportar no mundo. (PIRIS, 2009)
32
Em virtude do corpus escolhido e dos objetivos traçados, nesta pesquisa, serão
destacados os modos enunciativo, descritivo e narrativo.
3.2.1. Modo enunciativo
O modo de organização enunciativo “aponta para a maneira pela qual o sujeito
falante age na encenação do ato de comunicação” (CHARAUDEAU, 2009, p. 81). Ao
enunciar – à luz do postulado teórico da Análise do Discurso –, um sujeito falante
utiliza categorias da língua e, por meio delas, vão se estabelecer algumas posições em
relação ao seu interlocutor. O modo enunciativo é marcado pela presença de atos
enunciativos, chamados de atos locutivos e que se subdividem:
Alocutivo: estabelece uma relação de influência entre locutor e interlocutor, em que o
sujeito falante, por meio do seu dizer, mostra sua posição em relação ao interlocutor, ao
mesmo tempo em que lhe solicita um comportamento, exige uma tomada de atitude.
Elocutivo: revela o ponto de vista do locutor sobre o mundo (Propósito referencial),
sem que o interlocutor seja implicado na tomada de posição. “O resultado é uma
enunciação que tem como efeito modalizar subjetivamente a verdade do Propósito
enunciado, revelando o ponto de vista interno do sujeito falante” (CHARAUDEAU,
2009, p. 83).
33
Delocutivo: retoma a fala de um terceiro, como se o sujeito falante fosse uma espécie
de testemunha dos discursos que o mundo lhe impõe. “O sujeito falante se apaga do seu
ato de enunciação e não implica o interlocutor” (CHARAUDEAU, 2009, p. 83).
Nas notícias e nas reportagens, sobressai o discurso, aparentemente descolado,
de um sujeito enunciador, o que caracteriza o modo de organização enunciativo
delocutivo.
O resultado é uma enunciação aparentemente objetiva (no sentido de
“desvinculada da subjetividade do locutor”) que faz a retomada, no
ato de comunicação, de Propósitos e Textos que não pertencem ao
sujeito falante (ponto de vista externo). (CHARAUDEAU, 2009:83)
É mister que atentemos que a neutralidade que perpassa o discurso jornalístico é
ilusória, uma vez que aparecem, ao longo do texto, as marcas do sujeito enunciador,
sua ideologia, sua visão de mundo. Contudo, traços de subjetividade, muitas vezes,
são atenuados para não ameaçar a credibilidade do texto.
O ato de enunciação que descreve a “relação com um terceiro” é de fato
peculiar. Sabemos que todo ato de linguagem depende, de um modo ou de
outro, do sujeito falante e de seus diferentes pontos de vista.
Trata-se, portanto, de um “jogo” protagonizado pelo sujeito falante, como se
fosse possível a ele não ter ponto de vista, como se pudesse desaparecer por
completo do ato de enunciação e deixar o discurso falar por si.
(CHARAUDEAU, 2009:84)
3.2.2. Modo descritivo
O modo descritivo faz surgir a realidade exterior através dos olhos de um sujeito
observador que identifica seres e objetos, nomeia-os, localiza-os e atribui-lhes certas
34
qualidades. Além disso, esse modo pode se combinar com o narrativo e com o
argumentativo, para que um texto seja organizado de maneira descritiva, ora em sua
totalidade, ora em parte, como assevera Patrick Charaudeau:
Enquanto contar consiste em expor o que é da ordem da experiência e do
desenvolvimento das ações no tempo, e cujos protagonistas são os seres
humanos, descrever consiste em ver o mundo com um “olhar parado” que
faz existir os seres ao nomeá-los, localizá-los e atribuir-lhes qualidades que
os singularizam. Entretanto, descrever está estritamente ligado a contar,
pois as ações só têm sentido em relação às identidades e às qualificações de
seus actantes. Não é a mesma coisa dizer: “O leão salvou o camundongo”, e
dizer “o pequeno camundongo salvou o leão, rei dos animais”.
(CHARAUDEAU, 2009:111)
Os componentes de uma construção descritiva são: nomear, localizar-situar e
qualificar. Nomear significa fazer com que os seres existam no mundo a partir de
classificações dadas em função das semelhanças e diferenças na comparação com outros
seres. De acordo com CHARAUDEAU (2009:112): Nomear não corresponde a um
simples processo de etiquetagem de uma referência pré-existente. É o resultado de uma
operação que consiste em fazer existir seres significantes no mundo, ao classificá-los.
Localizar-situar é determinar o espaço e o tempo que o ser ocupa, o que está
diretamente relacionado com o componente nomear, já que suas características também
são dependentes da sua posição espaço-temporal. Qualificar é atribuir particularidades,
é algo mais específico e singular, portanto, do que nomear.
Qualificar é, então, uma atividade que permite ao sujeito falante manifestar
o seu imaginário, individual e/ou coletivo, imaginário da construção e da
apropriação do mundo (outros dirão “predação”) num jogo de conflito entre
as visões normativas importas pelos consensos sociais e as visões próprias
ao sujeito. (CHARAUDEAU, 2009:116)
Ao construir subjetivamente o mundo, o sujeito descreve os seres e seus
comportamentos através de sua própria visão, a qual não é necessariamente verificável.
35
“O universo assim construído é relativo ao imaginário pessoal do sujeito.”
(CHARAUDEAU, 2009:125)
3.2.3. Modo narrativo
Quanto ao modo de organização narrativo, CHARAUDEAU (2009:151)
antecipa que se trata de um caso delicado. Um dos motivos que justifica essa afirmação
são as diferentes formas de se entender o termo contar. Contar vai além da significação
normalmente dada pelo dicionário, vai além de descrever uma sequência de fatos ou
acontecimentos, e o autor nos apresenta várias formas relacionadas ao termo “contar”:
(...) é uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de
tensões e até de contradições.
(...) é também constituir um universo de representações das ações humanas
por meio de um duplo imaginário baseado em dois tipos de crenças que
dizem respeito ao mundo, ao ser humano e à verdade. (CHARAUDEAU,
2009:154)
Diferentemente do modo de organização descritivo, o narrativo organiza o
mundo de forma sucessiva e contínua, com início e fim. Caracteriza-se, pois, por uma
sucessão de ações que deve ser limitada em seu princípio e fim para haver coerência.
Essa sucessão é motivada pela intenção do sujeito, “que elabora um projeto de fazer e
tenta conduzi-lo bem”. (CHARAUDEAU, 2009:168).
Como esta pesquisa estuda a atuação do sujeito no discurso (modo de
organização enunciativo), ao analisar textos de natureza narrativa que se valem do
processo descritivo para identificar e qualificar seus actantes, é importante considerar os
modos de organização do discurso no tratamento dos dados e suas relações com o
enunciado.
36
3.3. Notícia & reportagem
A reflexão sobre a questão dos gêneros textuais há muito se constitui como
problemática recorrente em diferentes áreas do conhecimento, uma vez que diferentes
são os objetos e também os pressupostos de categorização adotados, desde as
perspectivas literária, linguística e discursiva às teorias da comunicação. Não sendo,
pois, o objetivo desta pesquisa o aprofundamento da teoria dos gêneros sobre textos
identificados como notícia e reportagem2, este item deter-se-á na identificação do
posicionamento de Patrick Charaudeau frente à determinação dos gêneros – com o qual
se filia desde já a perspectiva aqui adotada.
O linguista francês propõe a consideração do que se poderia entender por
gêneros a partir da articulação dos diferentes níveis constitutivos do ato comunicativo, a
começar pelo contrato instituído em cada situação de comunicação.
A situação de comunicação é, assim, o que determina, através das
características de seus componentes, as condições de produção e de
reconhecimento dos atos de comunicação, condições de enunciação sob seu
aspecto externo. Por conseguinte, ela estrutura o domínio de prática – que é
sociologicamente vasto – em domínio de comunicação. (CHARAUDEAU,
2004:26)
Nessa perspectiva, os textos que partilham as mesmas condições situacionais
podem, então, ser reunidos em torno de um mesmo contrato global ou de variantes
(subcontratos), no caso de haver especificidades de um ou mais componentes da
situação. Assim, os textos de informação midiática estariam agrupados sob a regência
de um contrato global, enquanto as notícias/reportagens – doravante chamadas matérias
2 Sobre a diferença entre notícia e reportagem, o jornalista do Extra, Marcelo Dias, nos explicou que
reportagem é o processo de produção de uma notícia. O esforço de apuração, checagem de informações,
entrevistas, conferência de documentos etc. conduzem à elaboração da notícia.
37
– da mídia impressa e do telejornalismo se distinguiriam como variantes, em função das
especificidades de dispositivo, por exemplo.
Sendo tais textos de natureza informativa, CHARAUDEAU (2007:19) afirma
que “a informação é essencialmente uma questão de linguagem, e a linguagem não é
transparente ao mundo, ela apresenta sua própria opacidade através da qual se constrói
uma visão, um sentido particular de mundo.”.
Dessa forma, ele propõe chamar notícia a um conjunto de informações:
que se relaciona a um mesmo espaço temático: o acontecimento é um fato que se
inscreve num certo domínio do espaço público, e que pode ser reportado sobre a
forma de minirrelato.
que tem caráter de novidade: não significa, necessariamente, que não se tenha falado
antes do acontecimento, mas é trazido um novo elemento que, até então, era
desconhecido.
que pode ser diversamente tratado: no mesmo instante em que se dá a notícia, ela é
tratada sob a forma discursiva (descreve o que passou, reporta reações, analisa fatos).
O jornalista, ao relatar um acontecimento, deve adotar um ponto de vista
distanciado e global e deve propor, ao mesmo tempo, um questionamento sobre o
fenômeno tratado, integrando um comentário.
Contudo, a garantia de imparcialidade da reportagem é um tanto ilusória, uma
vez que, não há questionamento nem tentativa de análise que possa fazer-se fora de um
modo de pensamento crítico: toda construção de sentido depende de um ponto de vista
particular e todo procedimento de análise implica tomadas de posição.
38
CHARAUDEAU (2007) explica que a neutralidade dos gêneros textuais que
compõem o corpus pode ser preservada – ou disfarçada. O jornalista adota a técnica da
“gangorra”, ou seja, propõe pontos de vista diferentes, até mesmo contrários, sem
hierarquizá-los (ou fazendo em dose mínima), e cuja conclusão se resume numa série de
novas questões, cujas respostas ficam a cargo do leitor para que este possa construir seu
pensamento.
3.3.1. A construção temática da notícia e da reportagem
O discurso midiático, ao oferecer „visibilidade social‟, institui um espaço social
e, ao mesmo tempo, reflete-se nele. Isto é, a mídia, se por um lado constrói argumentos
que vêm a ser de domínio da opinião pública, por outro, encontra-se perpassada pelos
valores culturais compartilhados pelo grupo que tem nela sua expressão.
Assim, quando se pensa na construção temática da notícia e da reportagem, duas
perguntas são fundamentais: Quais são os princípios da seleção dos fatos? Quais são os
modos de recorte midiático do espaço social?
Para responder a essas perguntas, apoiamo-nos na classificação de
EMEDIATO (2005) que propõe quatro princípios que orientam a construção da
informação: as leis de proximidade.
Lei de proximidade cronológica: o que há de mais novo e atual. Define a
informação jornalística no centro da atualidade (o agora). Conforme manchete a
seguir do jornal O Globo, que traz novas informações a respeito da guerra entre
policias e traficantes em morro da Zona Sul do Rio de Janeiro. Pelo caráter atual e
39
pela repercussão social, outros jornais do país publicaram, no mesmo dia,
informações sobre o confronto que deixou moradores da cidade maravilhosa como
reféns.
TRÁFICO EM GUERRA ATERRORIZA CINCO BAIRROS NA ZONA SUL
Confronto em Copacabana se espalha por Lagoa, Humaitá, Jardim Botânico e
Botafogo
(O Globo, 24 e março de 2011)
Lei de proximidade geográfica: o que há de mais próximo no espaço. Define a
informação que implica de modo mais imediato o leitor enquanto membro de uma
comunidade, o cidadão no sentido estrito do termo. O jornal Extra, por exemplo, de
distribuição quase restrita ao Estado do Rio de Janeiro, cujos leitores – membros da
classe B e C, em geral – demonstram maior interesse aos fatos do que às polêmicas
que os circundam, trouxe, logo na primeira página, a questão do analfabetismo entre
as crianças das escolas do município do Rio.
ESCOLAS DA PREFEITURA TÊM 25 MIL ANALFABETOS
Provão revela estrago causado pela aprovação automática nos alunos dos
colégios do Rio
(Extra, 18 de março de 2009)
Lei de proximidade psico-afetiva: o que há de mais humano, o que toca mais os
leitores, criando dois tipos de interesse – o cognitivo (conhecer o novo sobre a base
do antigo) e o afetivo (priorizar, na seleção do novo, o que mais toca a paixão do
leitor e é capaz de criar ainda uma tensão sobre o antigo). O caso da menina de 5
anos encontrada morta e com sinais de violência sexual chocou o país, como
exemplifica chamada do jornal Extra:
MENINA SOME EM FESTA E APARECE MORTA EM VALÃO
Corpo encontrado horas depois, nu, com sinais de violência sexual
(Extra, 09 de março de 2009)
40
Lei de proximidade específica: o que diferencia os leitores uns dos outros. As
paixões dos leitores, desta vez, são consideradas como específicas de grupos mais
particulares, fazendo com que a escolha e o tratamento do fato se ancorem na
faculdade do gosto e do julgamento de comunidades consumidoras de formas
genéricas de informação. Foi significativa, por exemplo, a dimensão que o jornal
Extra deu à paralisação dos trens no Rio de Janeiro, trazendo, em destaque e
sombreado de vermelho, na primeira página, duas fotos do caos sofrido pelos
trabalhadores das classes B e C– leitoras do jornal em pauta – e uma manchete que
choca pelos números apresentado:
(Extra, 07 de março de 2009)
Além dessas leis de proximidade, é importante ressaltar que, como a finalidade
da informação midiática é a de relatar o que ocorre no espaço público, o acontecimento
que dará origem à notícia será selecionado e construído em função de seu potencial de:
41
atualidade : avaliado segundo a distância que separa o momento de aparição do
acontecimento do momento da sua veiculação;
sociabilidade: avaliado segundo a aptidão em representar o que acontece num
mundo em que nada pode ser estranho aos indivíduos que nele se inserem.
“Trata-se, para as mídias, de responder à condição de pregnância, o que
leva a construir os universos de discurso do espaço público, configurando-os
sob a forma de rubricas: política, economia, esportes, cultura, ciências,
religião etc.” (CHARAUDEAU, 2007:102);
imprevisibilidade: o acontecimento escolhido perturba a tranquilidade dos
sistemas de expectativa do sujeito consumidor da informação, o que levará a
instância midiática a pôr em evidência o insólito ou o particularmente notável.
3.3.2. A construção do sentido da informação: um duplo processo
Como afirma CHARAUDEAU (2009:21), “o mundo não é dado a princípio.
Ele se faz através da estratégia humana de significação”, a Semiolinguística insere o
discurso numa problemática que procura relacionar, numa perspectiva linguística,
questionamentos que tratam do fenômeno da linguagem – sendo uns mais externos
(lógica das ações e influência social), outros mais internos (construção e sentido do
texto) –, que se realiza através da intervenção de um sujeito.
Assim, o sentido de um discurso é construído pela ação linguageira do homem
em situação de troca social, sendo perceptível através de formas, ao término de um
duplo processo de semiotização do mundo – transformação e transação.
42
O processo de transformação consiste em transformar o “mundo a significar”
em um “mundo significado”, expressando-o por meio de formas. Segundo
CHARAUDEAU (2007), o ato de informar inscreve-se nesse processo porque deve
descrever (identificar, qualificar fatos), contar (reportar acontecimentos), explicar
(fornecer as causas desses fatos e acontecimentos).
O processo de transação consiste, para o sujeito que produz um ato de
linguagem, em dar uma significação psicossocial ao seu ato, isto é, atribuir um objetivo
em função da identidade do destinatário; do efeito que pretende produzir nesse outro; do
tipo de relação que se intenta instaurar com esse parceiro, etc.. Por isso, o processo de
transação comanda o processo de transformação, não o inverso.
Vejamos, esquematicamente, tal processo de construção de sentido:
A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO
Processo de transformação Processo de interpretação
Processo de transação
Figura 2: Mecânica da construção do sentido (CHARAUDEAU, 2007:42)
Como todo ato de comunicação se realiza segundo o duplo processo de
construção do sentido, podemos pensar que, em relação ao discurso jornalístico, “o
mundo a descrever” é o lugar onde se encontra o “acontecimento bruto” e o processo de
transformação consiste, para a instância midiática3, em fazer passar o acontecimento de
3 Falamos em instância midiática já que compreende vários atores: os da direção do organismo de
informação, responsáveis pela administração da empresa; os da programação, que fazem com que as
Mundo a
descrever e
a comentar
Mundo
descrito e
comentado
Mundo
interpretado
Instância de
produção da
informação
Instância de
recepção -
interpretação
43
um estado bruto (mas já interpretado), à notícia ou à reportagem – mundo midiático
construído. Essa construção depende do processo de transação, em que a instância
midiática constrói seu texto em função de como ela imagina a instância receptora, que,
por sua vez, reinterpreta a notícia e a reportagem a sua maneira.
A seguir, observemos o esquema, proposto por CHARAUDEAU (2007), sobre a
mecânica do contrato de comunicação:
Figura 3: Mecânica do contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2007:114)
Destarte, se o sujeito informador representa o mundo em função de uma relação
intersubjetiva, nenhuma informação pode pretender à neutralidade, já que é fruto de um
processo de transação e do tratamento dado durante esse processo – maneira pela qual
esse sujeito decide transpor em linguagem os acontecimentos selecionados em função
do alvo pretendido, com o efeito que escolheu produzir. Ao empreender escolhas, o
enunciador põe em evidência certos fatos, deixando, porém, outros à sombra.
Outra questão que põe em xeque a neutralidade informativa diz respeito às
escolhas discursivas, devido à natureza polissêmica e sinonímica da linguagem – as
informações escolhidas tenham sucesso junto ao público; os da redação, que tratam a informação
conforme a linha editorial. Assim, o jornalista não é o único ator.
transação
44
nuances de sentido características do léxico, já que são as palavras que apontam para as
representações.
Vejamos o que diz CHARAUDEAU (2007:39) sobre essas questões:
Comunicar, informar, tudo é linguagem. Não somente escolha de conteúdos
a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de
acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de
sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolhas de
estratégias discursivas.
Concluímos, então, que a informação – mesmo a veiculada sob a forma de
notícia e/ou reportagem – nada mais é do que pura enunciação, pois depende, ao mesmo
tempo, do campo de conhecimento que a circunscreve, da situação enunciativa na qual
se inscreve e do dispositivo no qual é posta em funcionamento.
Para ficar mais claro, vejamos, no próximo item, como ocorre o processo de
transformação em um nível microtextual, envolvendo a escolha lexical que fará parte da
composição o texto jornalístico.
3.3.3. A escolha lexical: a construção do sentido da informação em nível microtextual
Como o discutido anteriormente, para que se realize a semiotização do mundo,
segundo CHARAUDEU (2009:21), é necessário um duplo processo: o primeiro, o
processo de transformação, que efetiva a passagem do “mundo a significar” para o
“mundo significado”, sob a ação de um agente; o segundo, o processo de transação, que
faz desse “mundo significado” um objeto de intercâmbio entre locutor e interlocutor.
45
De acordo com CARNEIRO (1996), o processo de transformação compreende,
de forma didaticamente resumida, seis operações:
a) Operação de identificação: reconhece e conceitua os seres do mundo, dando
origem às entidades discursivas que podem ser nomeadas textualmente como seres
concretos ou abstratos, representados linguisticamente pelos substantivos comuns ou
pelos substantivos próprios. Os primeiros informam, por si mesmos, qualidades e
atributos dos objetos, enquanto os segundos particularizam um referente determinado
sem contudo conotá-lo, como ilustram as legendas das fotos:
O boneco junto a um buraco na
Estrada de Itaúna, em são Gonçalo:
repúdio à agressão à equipe de
reportagem
(O Globo, 13 de março de 2009)
Na Estrada de Itaúna, João fez
uma pausa para mostrar o que Panisset
tentou esconder
(Extra, 13 de março de 2009)
O emprego do substantivo comum boneco indica que o referente é do sexo
masculino, inanimado, não-humano etc. Contudo, o uso do substantivo próprio João
tem função apenas denominativa, sem indicar qualquer qualidade particular do
referente, uma vez que poderia ser usado para designar qualquer ser.
Ao nomear um referente, o falante realiza um processo de seleção entre os
elementos da língua, já que há uma grande variedade de aspectos pelos quais um objeto
pode ser designado e só um deles é escolhido, “justamente aquele mais estrategicamente
46
eficiente no reconhecimento do objeto pelo interlocutor”, como bem observa Searle
(SEARLE apud CARNEIRO, 1996: 81). Assim, pode-se pensar que: na pressuposição
do locutor d´O Globo, o interlocutor desconhece o nome do boneco que “denuncia” a
má conservação de ruas e estradas pelo poder público. Esse viés de análise pode se
estender ao leitor do Extra, que, por representar, estatisticamente, a classe C, está mais
vulnerável a sofrer com os buracos nas vias terrestres e, consequentemente, já está mais
familiarizado com João Buracão, não sendo, pois, necessário citar também o segundo
nome do boneco.
b) Operação de atribuição: destaca ora propriedades das entidades, dando
origem aos atributos discursivos que podem ser atualizados por meio de qualidades,
características ou informações, representados linguisticamente pelas várias formas de
adjetivação, ora circunstâncias de processos ou atributos, cuja representação linguística
é feita pelos advérbios.
(O Globo, 05 de março de 2009)
(Extra, 05 de março de 2009)
No subtítulo do jornal Extra, verificam-se os dois atributos discursivos: a
expressão grifada de vermelho acrescenta uma informação sobre o ex-presidente; a
informação grifada de azul, circunstancial de causa sobre seu afastamento. Há duas
interpretações para o emprego da operação de atribuição pelo Extra: (i) como o nome de
47
Collor não é anteriormente citado, como n´O Globo, a operação de atribuição foi
necessária para que ficasse claro quem era o referente, uma vez que o leitor pode não se
lembrar de que a letra „l‟ dupla em verde e amarelo era uma das marcas de campanha à
presidência; (ii) a qualificação sugere que não é oportuno Collor assumir a comissão do
Senado, já que o ex-presidente foi obrigado a deixar o poder por conta de atos
corruptos.
c) Operação de processualização: indica as ações praticadas ou sofridas pelas
entidades, dando origem aos processos discursivos, atualizados por vários tipos de
ações, representadas linguísticamente pelos verbos.
O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)
CASO VERÔNICA: FAMÍLIA PEDE
EXUMAÇÃO DO CORPO
FAMÍLIA QUER EXUMAR O CORPO
De acordo com KERBRAT-ORECCHIONI (1997:131), o emprego de qualquer
unidade léxica – e os verbos não escapam a esta regra – pode ser considerado, em certo
sentido, como subjetivo. Assim, as manchetes publicadas pelos jornais O Globo e Extra,
no dia 10 de março de 2009, referem-se ao erro médico, cometido no Hospital Getúlio
Vargas, que, supostamente, causou a morte de uma mulher. Os jornalistas, diante de um
mesmo fato, constroem diferentes interpretações sobre o que presenciaram e ouviram.
Uma boa pista a apontar essa diferença é indiciada pelos verbos: o segundo enunciado
citado, por exemplo, aponta para um desejo que não avalia os balizamentos legais para a
exumação de um corpo.
d) Operação de relação: indica as relações entre os elementos discursivos,
dando origem às ligações discursivas, atualizadas linguisticamente pelos conectores
48
textuais, representados linguisticamente pelas conjunções, preposições e pronomes
relativos. Vejamos as chamadas de capa dos jornais:
O GLOBO (14/03/09) EXTRA (14/03/09)
CAPA:
MILÍCIA ATACA POSTO DA PM E MATA
POLICIAL
CAPA:
MILÍCIA MATA PM PARA LEVAR ARMAS
O conectivo aditivo empregado pelo jornal O Globo deixa a dúvida se o
assassinato foi previamente planejado ou se foi uma consequência imprevista do ataque.
Já a preposição para da segunda manchete sugere que a morte do policial era a condição
para o roubo das armas.
e) Operação de delimitação: marca a extensão semântica das entidades por meio
dos delimitadores discursivos, atualizados por vários tipos de determinantes textuais,
efetivados linguisticamente por uma série de apresentadores: artigos, numerais e
pronomes (indefinidos, demonstrativos e possessivos). Para ilustrar, tomemos como
exemplo a análise das legendas das fotos a seguir, cujas matérias se referem ao roubo de
armamentos do Centro de Treinamento Tático, entidade especializada na prestação de
serviços de ensino no setor de armamento, controlada pelas autoridades governamentais
das áreas militar e policial.
Casa arrombada: vários policiais
militares e civis em frente ao CTT
(O Globo, 07 de março de 2009)
O centro no ABC paulista: 14 fuzis
e 40 pistolas foram levadas
(Extra, 07 de março de 2009)
Como esta pesquisa visa ao confronto dos enunciados publicados, sobre o
mesmo fato, pelos jornais em pauta, é notório que, enquanto O Globo fez um
comentário em tom descritivo da foto, chamando a atenção para a quantidade de
policias que estavam diante do CTT, o outro veículo de comunicação, ao apresentar os
detalhes quanto à quantidade de armas roubadas – mesmo que a foto não faça alusão a
isso –, contribui para a construção de uma espetacularização do fato, uma vez que
chama atenção não só para o quantitativo de armamentos de uso militar roubados, mas
também para a especificação do tipo de armas levadas.
f) Operação de modalização: inclui o ponto de vista do locutor sobre o mundo
significado, dando origem às modalizações discursivas, efetivadas textualmente pelas
modalidades, representadas linguisticamente por palavras denotativas, exclamativas e
interrogativas.
O GLOBO (07/03/09) EXTRA (07/03/09)
ARCEBISPO ACONSELHA LULA A
CONSULTAR TEÓLOGO
Dom José Cardoso diz que perdão aos envolvidos
em aborto de menina é possível, mas só com
arrependimento
ARCEBISPO: ENVOLVIDOS EM ABORTO
PODEM SER PERDOADOS
Os enunciados acima referem-se ao polêmico aborto feito em menina de 9 anos,
que foi estuprada pelo padrasto, resultando na excomunhão da mãe da menor e da
equipe médica responsável pela retirada dos fetos gêmeos. Como o perdão está
condicionado ao arrependimento, e as declarações dos médicos e da mãe da menina
apontam para o sentido contrário, a manchetes empregam a modalidade epistêmica da
língua, já que não é um fato certo de ocorrer.
50
Apesar de as operações ligadas ao processo de transformação criarem elementos
discursivos, atualizados textualmente de modo diverso e representados linguisticamente
pelo material verbal, a produção de significação dos enunciados – como mostram os
exemplos comentados –, no entanto, só é alcançada com a participação, junto ao
processo de transformação, do processo de transação, que inclui o material psicossocial.
Assim, o processo de transação, segundo CHARAUDEAU (2005) ocorre
segundo quatro princípios que estão inseridos em um postulado de intencionalidade: os
princípios de alteridade, pertinência, influência e regulação:
a) Princípio de alteridade: qualquer ato de linguagem se realiza numa troca
entre os parceiros de um processo comunicativo. Esses parceiros precisam se reconhecer
como tais nas suas semelhanças e diferenças. As semelhanças se encontram nos saberes
partilhados sobre os universos de referência e na motivação comum que constitui a
finalidade do ato de linguagem; as diferenças dizem respeito aos papéis dos
interlocutores do processo comunicativo: papel de sujeito comunicante para o emissor
da mensagem e de sujeito interpretante para o receptor da mensagem. O
reconhecimento dos parceiros, que ocorre num processo recíproco de interação, confere
a estes uma legitimidade. Assim, todo ato de comunicação implica
um reconhecimento e uma legitimação recíproca dos parceiros. Este princípio constitui
o fundamento do aspecto contratual do ato de comunicação.
b) Princípio da pertinência: neste princípio, realiza-se o reconhecimento do
universo de referência, que se dá pelo compartilhamento dos saberes implicados no ato
de linguagem – saberes sobre o mundo, sobre os valores psicológicos e sociais, sobre os
comportamentos etc., que conferem aos parceiros credibilidade. Neste princípio, os atos
51
de linguagem devem ser apropriados a seu contexto e a sua finalidade, contribuindo
para o aspecto contratual do dispositivo sócio-linguageiro.
c) Princípio de influência: através deste princípio, busca-se atingir o
interlocutor, afetando-o nas suas ações, emoções e pensamentos. Este princípio se
relaciona diretamente com a finalidade intencional que se acha inscrita no dispositivo
sócio-linguageiro.
d) Princípio de regulação: os parceiros procedem à regulação do jogo de
influências. Assim como todo sujeito receptor de uma mensagem é alvo de influência do
sujeito emissor, toda influência pode estar exposta a uma contra-influência. Esse jogo
de influência e contra-influência pode causar confronto ou ruptura do processo
comunicativo. Dessa forma, para a regulação, os parceiros recorrem a estratégias no
interior de um quadro de situações e este espaço de estratégia está inscrito no
dispositivo sócio-linguageiro.
As operações do processo de transformação não se realizam autonomamente.
Elas são efetuadas sob o controle do processo de transação, conforme as diretrizes
deste, o que significa dizer que, na dialética entre os dois processos, há uma
dependência do primeiro em relação ao segundo. Essa dependência busca apreender o
sentido comunicativo nos valores semânticos que emanam da operação discursiva. Isso
pressupõe, em outras palavras, que o valor proposicional se subordina aos valores inter-
relacionais no intercâmbio do processo linguageiro, como afirma CHARAUDEAU
(2009):
Processo de transformação e processo de transação realizam-se, pois,
segundo procedimentos diferentes, embora sejam solidários um do outro,
52
sobretudo através do princípio de pertinência que exige um saber comum,
construído precisamente ao término do processo de transformação. Pode-se
até dizer que esta solidariedade é hierarquizada. Com efeito, as operações
de identificação, de qualificação, etc. do processo de transformação não se
fazem livremente. Elas são efetuadas sob “liberdade vigiada”, sob o controle
do processo de transação, segundo as diretivas deste último - o qual confere
às operações uma orientação comunicativa, um sentido.
53
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA DE PESQUISA
Com o objetivo de identificar as estratégias linguístico-discursivas empregadas
por um mesmo comunicante visando a atingir destinatários distintos, a pesquisa se
debruça sobre um corpus de análise composto por textos que versaram sobre o mesmo
assunto, produzidos pelos jornais O Globo e Extra em suas versões impressas. Tal
seleção se deu em função de os periódicos pertencerem à mesma empresa, a Infoglobo
Comunicações Ltda., representando, assim, um sujeito comunicante que se transfigura
em enunciadores diferentes a depender do público a que destina. O tratamento dos
dados seguiu um levantamento estatístico das ocorrências temáticas dos fatos comuns
noticiados pelas duas mídias, bem como uma análise comparativa das manchetes,
subtítulos, fotos e legendas, principais diferenças entre os dois veículos em estudo.
4.1. Seleção do corpus de análise
Definido o método comparativo em função dos objetivos da pesquisa, o passo
seguinte é a determinação das instituições midiáticas a serem analisadas, pois a
grandeza numérica de produções jornalísticas brasileiras pertencentes a um mesmo
grupo empresarial nas diferentes mídias, bem como sua diversidade, inviabiliza a
completa cobertura. Assim, visando a uma amostra ampla e generalizante, optou-se pela
seleção de jornais impressos que (i) não são direcionados a temas específicos, (ii) têm
relevância reconhecida e (iii) apresentam grande número de tiragem. Desse modo,
chegou-se à seleção das instituições midiáticas já referidas (O Globo e Extra), que, além
54
de atenderem aos critérios de seleção, atuam como publicações de referência em todo o
território nacional.
Em relação aos gêneros textuais analisados, optamos por compor nosso corpus
por notícias e reportagens sobre os mesmos assuntos, publicadas pelos ditos periódicos,
entre os dias 01 de março e 31 de março de 2009. A opção por tais gêneros se justifica
pelas supostas – e ilusórias – neutralidade e imparcialidade características de tais textos.
Outro fator determinante para a escolha dos textos foi a cobertura de diferentes
tipos de evento e áreas de interesse, para se evitar a produção de dados específicos que,
posteriormente, seriam generalizados. Por isso, foram selecionadas matérias
jornalísticas referentes aos três domínios da atividade social: civil, política e cidadã.
Embora publicados em mídias diferentes, os textos são praticamente iguais em
relação às construções sintáticas e às escolhas lexicais, apresentando, inclusive, os
mesmos jornalistas como autores. Por isso, foram objeto de análise apenas os elementos
paratextuais: manchetes, subtítulos, fotos e legendas, produções textuais que,
submetidas à comparação, apresentam contrastes significativos.
Como o tratamento dado ao noticiário esportivo destoa dessa tendência, já que,
diante de um mesmo acontecimento relacionado ao mundo dos esportes, jornalistas
distintos o relatam em textos diferentes no Extra e n´O Globo, optou-se por não analisar
essa temática.4
4 O editor-chefe do Extra, Bruno Thys, explicou que a temática esportiva é frequente em todas as mídias:
diariamente, há notícias relacionadas a jogos e placares, campeonatos e contratações de atletas. Além
disso, nos dois jornais analisados, há cadernos diários e específicos sobre o esporte, o que exige uma
grande diversidade de textos que buscam atrair – e fidelizar – um leitor muito específico, já habituado
com a linguagem do periódico lê.
55
4.2. Tratamento dos dados
A amplitude do que se pretende nessa dissertação exige que o tratamento dos
dados selecionados se dê de modo abrangente e diverso, tanto no que se refere ao
método de análise (quantitativo e qualitativo), quanto aos níveis linguístico-discursivos
que se espera atingir.
Dessa forma, foram propostas análises que cobrissem aspectos relacionados à
seleção temática dos fatos noticiosos e ao tratamento linguístico dado aos mesmos,
recortes entendidos como relevantes às determinações dos componentes do contrato de
comunicação midiática, que busca informar e seduzir o leitor.
Assim, os parâmetros de divisão dos domínios de atividade social estabelecidos
por CHARAUDEAU (2008) foram quantificados e contribuíram para o estabelecimento
dos tipos, espaços e vozes priorizados pelas mídias em análise e, consequentemente, das
imagens criadas pelas instituições midiáticas de si e do outro. Aliado a esse
levantamento estatístico, segue-se um estudo qualitativo de alguns casos considerados
significativos para evidenciar o cumprimento do contrato de comunicação que rege as
mídias.
Para a comprovação dos resultados chegados em relação à temática veiculada
(análise em nível macrotextual), foi proposto a cento e vinte alunos do 2º Ano do
Ensino Médio, do Colégio Nossa Senhora das Dores, em Nova Friburgo, após duas
semanas de estudos sobre enunciação, a análise de parte do corpus, composta por seis
casos noticiosos veiculados pelos jornais O Globo e Extra. Essa etapa da pesquisa
comprova que as atividades de compreensão e produção textual, balizadas pela teoria da
56
enunciação, melhoram aspectos relacionados à leitura e à escritura de textos por parte
do aluno.
No tocante ao estudo em nível microtextual, foram consideradas as escolhas
morfo-lexicais engendradas pelos dois periódicos da seguinte forma: inicialmente,
destacam-se os níveis relacionados à maior ou menor formalidade na linguagem; em
seguida, destacam-se as operações de nomeação (análise quantitativa e qualitativa dos
substantivos próprios empregados para nomear os actantes envolvidos no acontecimento
noticiado), bem como a análise qualitativa do papel específico da adjetivação para a
operação de atribuição.
Todos esses levantamentos e observações produziram dados que, analisados a
partir dos fundamentos da Semiolinguística e de outros estudos referentes à enunciação,
possibilitaram a verificação das estratégias linguístico-discursivas que um mesmo
sujeito comunicante emprega para atingir múltiplos e diferentes destinatários.
57
CAPÍTULO 5
UMA MESMA EMPRESA EM DOIS JORNAIS DIVERSOS
Com o propósito de identificar a presença dos múltiplos sujeitos envolvidos no
ato enunciativo e de apontar que a intenção comunicativa de um mesmo comunicante
pode levá-lo a construir um sujeito enunciador distinto, a depender do destinatário que
ele idealiza, analisamos as notícias e as reportagens, que versaram sobre o mesmo
assunto, publicadas durante todo o mês de março de 2009.
Em relação aos dois veículos de comunicação ora analisados, podemos afirmar
que detêm o mesmo sujeito comunicante, já que pertencem à mesma empresa
(Infoglobo Comunicações Ltda.), e, na maioria das vezes, apresentam os mesmos
jornalistas responsáveis pela cobertura das matérias. Ao comparar as notícias e
reportagens no interior do jornal, fica evidenciado que retratam, basicamente, os
mesmos fatos, sendo, inclusive, muitos textos idênticos – exceção apenas para os títulos
das matérias e para as legendas e fotos. Todavia, o sujeito enunciador é bastante
distinto, projetado a partir das diferenças socioeconômicas e culturais dos sujeitos
destinatários de cada periódico.
Quanto a essa instância receptora dos textos midiáticos, vale lembrar que é
projetada, pela instância de produção, a partir de hipóteses feitas sobre um conjunto
impreciso de valores étnico-sociais e afetivo-sociais. Por meio de pesquisas de mercado,
a mídia projeta seu público-alvo.
De acordo com CHARAUDEAU (2007), os leitores, quanto à dupla finalidade do
contrato de comunicação, podem ser abordados de duas maneiras: como alvo intelectivo
ou como alvo afetivo.
O alvo intelectivo é considerado capaz de avaliar seu interesse com relação
àquilo que lhe é proposto, à credibilidade que confere ao organismo que
58
informa, a sua própria aptidão para compreender a notícia, isto é, ter acesso
a ela. Um alvo intelectivo é um alvo ao qual se atribui a capacidade de
pensar. (CHARAUDEAU, 2007:80)
Um alvo afetivo é, diferentemente do precedente, aquele que se acredita não
avaliar nada de maneira racional, mas sim de modo inconsciente através de
reações de ordem emocional. Assim sendo, a instância midiática constrói
hipóteses sobre o que é o mais apropriado para tocar a afetividade do sujeito
alvo. (CHARAUDEAU, 2007: 81)
Em função dessa dupla abordagem, questionamos o que preside às escolhas
efetuadas pela imprensa no que tange a estruturação midiática do espaço social na
conversão do acontecimento em notícia. Para tanto, na seção a seguir, apresentaremos o
estudo da divisão do corpus desta pesquisa em função dos três domínios de atividades
que, de acordo com Patrick Charaudeau, estruturam o espaço da sociedade nas mídias, a
saber: domínios das atividades política, civil e cidadã.
5.1 Um levantamento semântico: análise macrotextual
Na obra O Discurso das Mídias, Patrick Charaudeau problematiza a questão da
estruturação midiática do espaço social.
A estruturação do espaço social depende da instância fornecedora de
informação que é obrigada a constituir seu propósito gerenciando a
visibilidade pública dos acontecimentos de que trata. Essa instância não
pode ignorar que existe “uma verdadeira dialética entre a descrição inicial
do acontecimento e as reações que tal descrição suscita”, porque a instância
de recepção à qual se dirige detém a qualidade de “ator participando da
vida pública.” (CHARAUDEAU, 2007:143)
Assim, propõe que as instâncias midiáticas façam uma repartição do espaço
público em categorias – e não em fatos em si mesmos – que permitem a tais atores
reconhecê-las, compreendê-las e reagir diante delas.
59
Tais categorias concernem, por um lado, ao modo de repartição do mundo
social em espaços de ação e de representação que designaremos “domínios
de atividade”, por outro lado, concerne “à natureza dos atores” que dela
participam, adquirindo, assim, o direito de acesso às mídias.
(CHARAUDEAU, 2007:143)
Os ditos domínios de atividade, por refletirem a forma pela qual cada grupo
social representa o conjunto das atividades realizadas por seus membros, podem ser
classificados em três domínios:
Domínio da atividade política: destaca aqueles que protagonizam no espaço do
poder político, os eleitos e outros representantes acreditados, considerados
responsáveis, e que as mídias põem em cena em diversos relatos que descrevem
a vida do corpo social do estado, os atos e propósitos de seus responsáveis.
Domínio da atividade cidadã: destaca aqueles cidadãos que participam da vida
política, seja como contribuintes ou usuários, como contra-poder enquanto
representantes acreditados de diferentes grupos de pressão mais ou menos
institucionalizados, ou como cidadão de base, homem ou mulher da rua que tem
direito de opinar sobre a organização da vida política. Para as mídias, trata-se de
reportar os atos de reivindicação mais ou menos organizados dos cidadãos
(manifestações, greves etc.), assim como as palavras de protesto ou de
interpelação que dirigem aos poderes públicos.
Domínio da atividade civil: são destacados aqueles que atuam ou testemunham
fatos de seu próprio cotidiano, ordinário ou extraordinário, tendo passado pela
experiência de heróis ou vitimas.
“As mídias raramente os colocam em cena, a não ser para inseri-los em
catástrofes ou em acontecimentos insólitos, para atender à sua finalidade de
captação.” (CHARAUDEAU, 2007:144)
60
Os primeiros dados levantados do corpus de estudo desta pesquisa já apontam
para a confirmação da hipótese inicial, a de que o ethos discursivo do enunciador se
reflete no ethos do receptor, desde a escolha dos fatos a serem noticiados até o
tratamento linguístico-discursivo dado aos mesmos – obedecendo à cláusula de captação
do contrato de comunicação midiático.
Sob uma perspectiva macrotextual, analisamos estatisticamente em que recorte
do espaço social se encaixavam as matérias comuns aos dois jornais. Nesta
perspectiva, notamos que, dos 92 acontecimentos que perfazem o corpus – casos
noticiosos analisados em matérias sobre os mesmos temas veiculadas nos jornais Extra
e O Globo –, 73 ocorrências recaem sobre o domínio civil, 17 representam o domínio
político e apenas 2 constituem o domínio cidadão, como confirma o gráfico a seguir:
Gráfico 1: Divisão espaço público em categorias
Como os acontecimentos que se produzem no mundo são em número bem
superior ao dos acontecimentos tratados nas e pelas mídias, a discrepância numérica
apresentada pelo gráfico 1 aponta para a confirmação das hipóteses que guiam esta
61
pesquisa, uma vez que, o mesmo comunicante, a Infoglobo Ltda., ao transfigurar-se em
dois enunciadores distintos, jornais O Globo e Extra, de acordo com o perfil sócio-
econômico dos leitores, seleciona e coloca em evidência fatos que presume ser de
interesse do público alvo, o que trataremos com mais detalhes no itens subsequentes.
A esse respeito, o jornalista do Extra, Marcelo Dias, esclarece:
Existe uma sinergia entre os produtos da Infoglobo. Digo produtos porque a
empresa possui diversos veículos de comunicação. Como vivemos em uma
metrópole, há assuntos que interessam mais aos leitores do Extra e outros
que interessam mais aos do Globo. Uma prova de hipismo, por exemplo, não
interessa ao leitor do Extra. Assim, o Globo cobre a prova e faz a matéria. Se
o Extra publicá-la (há casos em que um jornal não se interessa por
determinados assuntos do outro), o enxugamento do texto será feito por sua
própria equipe.
Um caso prático. Nestas eleições, o Extra se encarregou de acompanhar o
dia de votação na Baixada e na Zona Oeste, cabendo ao Globo a Zona Sul e
a Tijuca. No fim, ambos aproveitaram o material e fecharam o jornal
conforme sua linha editorial.
O mesmo é visto no grupo Arca, onde O Dia, o Meia Hora e o Marca
Campeão produzem o mesmo procedimento de sinergia.
(Entrevista feita com o jornalista Marcelo Dias, do jornal Extra,
conforme anexo 1)
5.1.1 Domínio civil
De acordo com o explicado no capítulo anterior, esta pesquisa limitou-se a
coletar apenas os fatos em comum noticiados pelos jornais O Globo e Extra. Assim, por
meio da leitura do gráfico 1, é nítida a superioridade das atividades do domínio civil
que, como veremos adiante, vincula-se ao apelo das tragédias humanas midiaticamente
dramatizadas.
Ao que parece, a grande oferta de acontecimentos trágicos protagonizados pelo
cidadão comum é decorrente da estratégia dos jornais para aproximarem-se do seu
leitor, apostando na veiculação de matérias que, ao mesmo tempo, visam ao público
62
como alvo afetivo e apresentam potencial de atualidade, imprevisibilidade e
sociabilidade dos acontecimentos. Como revela o gráfico 2, das 73 ocorrências do
domínio da atividade civil analisadas publicadas nos Periódicos analisados, 65 são de
editoria policial, o que configura 89% desse domínio. Além dos casos de assaltos e
agressões, tiroteios e mortes, colaboram para alcançar esse número também as notícias
sobre as celebridades do mundo artístico, em que muitos dos fatos publicados são
relacionados à temática policial.
Gráfico 2: Subdivisão do Domínio Civil
Como o sentido é construído a cada situação de comunicação e sendo a
enunciação um evento único e que jamais se repete, mais do que o tratamento
quantitativo dos dados, faz-se necessária a análise qualitativa dos mesmos. Na busca
para revelar as marcas deixadas, no texto, pelo enunciador, visando à comprovação das
hipóteses apresentadas no início deste estudo, passemos à discussão de algumas
matérias publicadas pelos dois jornais, numa perspectiva macrotextual, de acordo com a
subdivisão do domínio da atividade civil proposta no gráfico anterior.
63
Mortes e Tiroteios
A morte resultante da violência urbana desperta medo e indignação em toda a
sociedade que, a cada dia, parece estar mais desprotegida contra esses tipos de tragédia.
O texto de Aydano André Motta, publicado num box que acompanha a reportagem
sobre a guerra entre policiais e traficantes cariocas, publicada no dia 23 de março de
2009, no jornal O Globo, ilustra muito bem essa situação:
A manhã cinza do primeiro domingo de outono se aproximava do meio-dia
quando a Fonte da Saudade (minibairro xará da rua principal, nas franjas
do Rebouças) se viu transportada ao terrível cotidiano das comunidades
pobres do Rio. Rajadas explodiram em sequência,levando terror...
O sobe-e-desce de patrulhas e camburões se estendeu pelo domingo. Só não
mudou uma certeza: moramos todos, pobres, ricos e remediados,
tragicamente na mesma cidade. (Grifos nossos)
Esse jornal reservou uma página inteira para a publicação da matéria escrita
pelas jornalistas, Cristiane de Cássia e Fabíola Gerbase, e ainda ¼ da capa, com foto e
breves explicações, para narrar o drama vivido pelas classes A e B, suas leitoras
prototípicas. Apesar da grande repercussão do acontecimento que paralisou a cidade do
Rio de Janeiro, o Extra publicou apenas um resumo do mesmo texto e, na primeira
página, limitou-se a apresentar somente uma breve chamada: “ZONA SUL FICA EM
PÂNICO COM TIROS NA TABAJARAS”. Isso comprova nossa tese de que o leitor é,
de fato, co-autor do discurso midiático, uma vez que, mesmo tendo compartilhado o
mesmo texto, as distintas instâncias enunciadoras, em respeito às leis de proximidade
específica e geográfica, deram ênfase e manchetes diferentes ao mesmo texto:
O GLOBO (23/03/09) EXTRA (23/03/09)
BALA PERDIDA E DE LONGA DISTÂNCIA
Tiroteio na Ladeira dos Tabajaras, em
Copacabana, assusta moradores até do Humaitá
TRÊS BAIRROS REFÉNS DA VIOLÊNCIA O
RIO
Tiroteio na Ladeira dos Tabajaras leva pânico à
Zona Sul
64
O Globo destaca o extenso reflexo do confronto, em construções linguísticas que
enfatizam que os tiros disparados em favela de Copacabana foram capazes de atingir o
bairro vizinho. O mapa intitulado “A distância que o tiro de fuzil percorreu”, além de
ilustrar o percurso da bala, já sinaliza, em seu título, para a periculosidade do confronto,
ao marcar, numa operação de atribuição, que o projétil foi disparado de uma arma com
grande poder de destruição.
O Extra, no entanto, apenas retrata que os confrontos ocorridos em comunidade
pobre do Rio de Janeiro podem também aterrorizar bairros nobres da cidade. Isso revela
que, mesmo com recursos financeiros para investir em segurança, os moradores dessas
localidades, também não têm garantia de proteção.
Ainda em relação às semelhanças e diferenças presentes nos dois jornais,
observamos que ambos publicaram a mesma foto, entretanto, com legendas distintas:
O GLOBO (23/03/09) EXTRA (23/03/09)
LEGENDA:
Policiais vigiam uma das entradas da Ladeira dos
Tabajaras, palco de diversos tiroteios desde a noite
de sábado: traficantes da Rocinha teriam invadido a
favela
LEGENDA:
Policiais militares de três batalhões foram
à Ladeira dos Tabajaras para dar um basta no
tiroteio
65
O tom analítico presente na legenda do primeiro veículo de comunicação leva ao
público-alvo informações mais detalhadas sobre o confronto, permitindo uma melhor
avaliação do acontecimento, uma vez que grande parte dos leitores reside na área
afetada (leis de proximidade específica e geográfica). O Extra, em contra partida, não
faz alusão às causas que resultaram no tiroteio, informando de forma pontual apenas a
intenção da polícia em ir ao local dos tiros.
Vale lembrar que essas diferenças na transformação do “acontecimento bruto e
interpretado” à “notícia, acontecimento constituído”, conforme ilustra a figura 3 da
página 43, está condicionada à situação comunicativa e ao contrato de comunicação,
que têm o leitor como centro. Assim, não podemos considerar como uma regra rígida ou
como condição para diferenciar esses dois jornais da Infoglobo, o eu comunicante deste
estudo, o fato de O Globo apresentar maior riqueza de detalhes nos subtítulos e nas
legendas que o Extra, se tal detalhamento varia de acordo com o assunto em pauta.
Prova disso é o destaque dado, pelo Extra, ao assassinato de uma menina de
cinco anos na zona oeste do Rio, área de grande circulação do jornal. Enquanto O Globo
publicou uma matéria pequena sobre o assunto, com uma manchete objetiva e sem
subtítulo (“MENINA DE 5 ANOS É ACHADA MORTA EM JACAREPAGUÁ”), os
paratextos (manchete, subtítulo, fotos e legendas) do Extra foram usados para detalhar o
caso, numa espécie de micronarrativa, em que os apelos emocionais são nítidos: além da
foto do local lúgubre onde o corpo foi encontrado, salta aos olhos do leitor a imagem de
doçura da menina, que, segundo sugerem a legenda e o subtítulo, teria sido violentada
por cabeludo. A combinação dos elementos paratextuais remete o leitor para uma
realidade antitética, em que inocência e violência sexual são postas em contraste.
66
Cabe ainda ressaltar que a apresentação dos detalhes agregados à representação
do suspeito por meio do vocábulo “cabeludo” – homem que, culturalmente, foge aos
padrões de comportamento pré-definidos pela sociedade e remete à tríade sexo, droga e
rock´n holl – contribuem para aumentar o efeito dramático que o periódico busca
alcançar. De acordo com EMEDIATO (2007), “a grande emoção da informação
midiática começa pela essência da informação negativa que deixa ver o mundo pelo
avesso.”.
A seguir, continua-se o estudo sobre as formas como a violência é veiculada pela
mídia, mais especificamente, a maneira como os jornais em tela manipulam a
“mensagem da violência” para seus leitores e a eficiência dessa intermediação entre
acontecimento e público-alvo.
67
Assaltos e Agressões
A sociedade brasileira assiste atônita ao crescimento da violência. Os meios de
comunicação de massa denunciam, sem cessar, os fatos violentos da vida diária, apenas
os mais exarcebados, quando não os insólitos, porque já não é mais possível dar conta
de todos os acontecimentos criminais que assolam os centros urbanos do Brasil.
Dino Preti, na apresentação do livro O discurso da violência – as marcas da
oralidade no jornalismo popular, de Ana Rosa Ferreira Dias, introduz o questionamento
que faremos nessa seção:
Se é certo que rádio, televisão e jornal devem cumprir seu papel informativo,
revelando para seu público esses acontecimentos, seria possível questionar a
forma como o fazem e as reais intenções que presidem a apresentação do
noticiário violento. Às vezes, mais eloquente nos pormenores do que nos
próprios fatos em si. (Grifos nossos)
Para essa discussão, tomemos como exemplo o caso do assalto ocorrido na Zona
Norte do Rio de Janeiro, noticiado pelos jornais em estudo. Enquanto O Globo publicou
uma pequena nota sobre o acontecimento, para não ocupar o seu leitor com uma
realidade a ele distante – a circulação desse jornal, nessa região da cidade, é baixa, se
comparada com a distribuição do outro periódico –, o Extra, além de reservar uma
página inteira para relatar o crime, já na manchete e no subtítulo, cria uma
micronarrativa e detalha a ação dos criminosos, empregando palavras como tiros,
bandidos, roubam, sequestram que remetem a um campo semântico violento e levam o
leitor a inserir as ações em uma lógica axiologizada da ação e julgá-las de acordo com
padrões morais e legais de conduta.
O GLOBO (07/03) EXTRA (07/03)
BANDO ATACA MOTORISTAS E
PASSAGEIROS DE ÔNIBUS
TIROS DO ENGENHO NOVO AO CACHAMBI
Bandidos roubam ônibus e, depois,
sequestram taxista
68
O Extra ainda apresentou um box com o depoimento da taxista sequestrada,
destacando, com fundo vermelho, o pedido de ajuda a Deus, o único que, naquele
momento, poderia ajudá-la – a instância de informação midiática se vê, por imposições
de mercado, obrigada a recorrer a estratégias capazes de emocionar seu público,
mobilizando sua afetividade e desencadeando nele o interesse pela informação.
O grito de socorro da vítima também é traduzido pela foto que apresenta apenas
a silhueta de Adair, mostrando o perigo que as testemunhas de crimes continuam
correndo, mesmo depois de os bandidos serem presos.
69
Se a imagem da taxista é discretamente apresentada, o jornal não poupou espaço
para a foto dos criminosos junto à espantosa quantidade de objetos roubados durante
assalto.
Os perigos a que a sociedade está exposta não são apenas resultados da busca
pelo lucro material imediato, pois inúmeros são os casos de violência gratuita e
inexplicável, como a tortura contra um bebê praticada pela patroa da mãe da criança,
por exemplo.
O GLOBO (20/03) EXTRA (20/03)
AGRESSORA DE BEBÊ PODE RESPONDER
POR TORTURA
„ELA ME BATIA COM UM CABIDE‟
Ex-empregada acusa garota de programa de agredir
o seu filho e tapar a boca do bebê com fita isolante
para ele não chorar
70
Com relação a esse caso, O Globo, embora tenha publicado uma foto de parte
do corpo da criança ferido por pontas de cigarro, aponta apenas para um possível
indiciamento da agressora, sem deixar que um tom de acusação oriente a leitura da
matéria e sem mesmo citar o nome dos envolvidos no acontecimento. Ao longo da
análise das matérias policiais desta pesquisa, observamos que não é característica desse
jornal fazer qualquer condenação aos atores dos casos noticiados antes que a justiça
julgue os supostos crimes.
No entanto, a manchete e o subtítulo do Extra direcionam o leitor para a condenação
da agressora, que torturava mãe e bebê, qualificando-a, inclusive, como “garota de
programa”, o que já indica um pré-julgamento, uma desvalorização da possível
agressora pelo papel que exerce na sociedade. O relato de “tapar a boca do bebê com
fita isolante” e a foto da mãe com grande hematoma próximo à região do olho esquerdo
causam impacto e indignação, estratégia que o jornal emprega para atingir o leitor por
meio da lei de proximidade psico-afetiva, exibindo, inclusive os nomes e os rostos das
supostas vilã e vítima, numa espécie de acusação.
71
Nesse caso, ao eleger um, entre os muitos significados para os fatos, passando-o
pronto, descodificado ao leitor, é nítido que o veículo de comunicação, que é o meio de
transmissão da mensagem, torna-se a própria mensagem.
Nesse cenário, em que crime e violência imperam, nem mesmo as celebridades
escapam: ora como vítimas, ora como vilãs, pessoas famosas são flagrados
desobedecendo às leis ou sofrendo pela falta de cumprimento dessas.
Celebridades
Vítima da violência que deixou-lhe paraplégico em um assalto sofrido no ano
2000, o músico Marcelo Yuka, novamente, é agredido por ladrões próximo a sua casa,
como informações do quadro a seguir:
O GLOBO (03/03/09) EXTRA (03/03/09)
„NÃO POSSO TE DEIXAR ASSIM‟, DISSE
BANDIDO PARA YUKA
Ladrão afirmou que poderia ser preso, mas quis
ajudar músico que agredira a voltar para carro.
BANDIDO VOLTOU PARA SOCORRER YUKA
APÓS TENTATIVA DE ASSALTO
„Posso ser até pego, mas não posso te deixar assim‟,
disse ladrão
A retomada da voz do agressor é feita pelos dois jornais. Embora as diferenças
nos textos se limitem quase que exclusivamente a uma inversão de posições: o que é
72
manchete em um jornal se torna subtítulo no outro, e vice-versa5, chamam a atenção a
diagramação e os elementos gráficos que ajudaram a compor as matérias.
Enquanto o Extra publicou uma foto do músico em sua cadeira de rodas,
chamando a atenção para a deficiência do cantor, O Globo, no lugar da foto, imprimiu
um box com um texto opinativo, criticando a vulnerabilidade carioca diante da violência
que assola a cidade, sem que medidas públicas que visem à prevenção sejam tomadas.
O GLOBO (03/03/09) EXTRA (03/03/09)
Em meio a esse emaranhado de problemas urbanos, as celebridades também
aparecem nas páginas dos jornais não só quando sofrem, no papel da vítima, mas
5 Esse fato é observado em outras matérias e explicado pelo editor como uma forma de diferenciar os
mesmos textos publicados pelos dois veículos de comunicação
73
também no papel de vilãs de histórias que viram até casos de polícia. Isso ocorreu com
o ator Dado Dolabella, que descumpriu a determinação da justiça de manter-se distante
da ex-namorada, a atriz Luana Piovanni, por tê-la agredido fisicamente semanas antes.
O GLOBO (18/03/09) EXTRA (18/03/09)
DADO DOLABELLA É PRESO POR TER SE
APROXIMADO DE LUANA NO CARNAVAL
Ator descumpriu determinação judicial de manter
distância da ex-namorada
DADO VAI EM CANA POR DESRESPEITAR
SENTENÇA
Justiça determina prisão de ator, que ficou no
mesmo ambiente de Luana Piovani
Além da diferença na escolha vocabular (“é preso” / “vai em cana”), questão que
abordaremos detalhadamente mais adiante, o contraste na veiculação da mesma notícia
pelos dois jornais se dá, especialmente, pelas fotos que acompanham os textos
principais: O Globo aposta na seriedade e retrata o ator já na Delegacia de Apoio à
Mulher (DEAM); ao passo que a foto do Extra mostra a ironia do ator antes de ser
preso, insinuando que é um exagero impedir que ele não permaneça no mesmo local em
que sua ex-namorada esteja presente. Na legenda, num dispositivo de narrativização, os
fatos parecem falar por si mesmos, esvanecendo-se, dessa forma, a figura do
enunciador.
O GLOBO (18/03/09) EXTRA (18/03/09)
No camarote, ator usou uma fita métrica simulando a distância que deveria manter de Luana. Para a justiça, um deboche
74
É preciso considerar que a comunicação ostensiva de notícias do domínio civil
vinculadas a crimes e tragédias apresenta uma intencionalidade patêmica, ou seja, de
informar e emocionar ao mesmo tempo.
Precariedade no sistema de saúde
Nessa busca para evocar a emoção do leitor, casos de denúncia à precariedade do
sistema de saúde também tiveram destaque no domínio da atividade civil. Embora sob
enfoques diferentes, no dia 10 de março de 2009, os dois jornais estudados da Infoglobo
noticiaram a “demissão em massa” que gerou uma enorme falta de médicos no Hospital
Rocha Faria. Contudo, como os títulos das matérias não informam que foram os
médicos que pediram demissão, o leitor, de imediato, é tomado por um sentimento de
indignação contra o poder público, como se o Estado tivesse promovido as ditas
demissões.
O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)
DEMISSÃO EM MASSA ABRE CRISE NO
ROCHA FARIA
Estado monta esquema emergencial sem
determinar prazo para suprir déficit de
médicos obstetras no hospital
GRÁVIDAS ENFRENTAM O CAOS NO ROCHA
FARIA
Demissão em massa abre crise na unidade
75
Como é perceptível no quadro apresentado, O Globo, num processo que tenta
relacionar os componentes situacional e linguístico, busca, nas escolhas lexicais e nas
estratégias de apresentação do fato, construir deeterminada “leitura”, num tom
paradoxal que insinua que a ação do Estado não é tão eficiente e “emergencial”, já que
não se tem prazo determinado para suprir a falta de obstetras. O Extra, por seu turno,
mexe como o emocional do leitor e chama a atenção para o caos enfrentado pelas
grávidas, já naturalmente fragilizadas por gerarem uma criança dentro de si. Além do
texto verbal, numa tentativa de mostrar que é possível e necessário que o hospital
maternidade retome sua rotina de atendimentos, o último periódico ainda publica uma
foto de quando bebês e mães eram bem atendidos no local.
Acidentes
Como o já explicado anteriormente, na escolha dos fatos a serem noticiados, são
considerados os potenciais de atualidade, imprevisibilidade e sociabilidade dos
acontecimentos, visto que impossível seria publicar tudo o que acontece no espaço
social. Dessa forma, antes de discutirmos um dos casos de acidentes analisados nesta
pesquisa, é importante ressaltar que o baixo índice na veiculação desses acontecimentos,
como mostra o gráfico 2, não está relacionado a sua baixa frequência, uma vez que
estatísticas comprovam que, todos os dias, inúmeros são os acidentes que ocorrem no
trânsito. Por isso, o que ganha espaço na mídia é o que acontece de mais insólito ou de
imprevisível, como a colisão entre dois trens na baixada fluminense, por exemplo.
O GLOBO (08/03/09) EXTRA (08/03/09)
TRENS BATEM E DEIXAM 13 PESSOAS
FERIDAS
O choque ocorreu entre Queimados e Engenheiro
Pedreira
TREZE FERIDOS EM COLISÃO ENTRE
TRENS NA BAIXADA
76
Apesar de a notícia possuir um alto potencial de imprevisibilidade e de
atualidade, ambos os jornais publicaram apenas pequenos textos sobre o acontecimento.
Contudo, vale ressaltar que, na topicalização dos referentes que compõem os
enunciados que formam as manchetes, O Globo coloca o acidente em primeiro plano, já
o Extra destaca os feridos.
Como foi possível observar, o domínio da atividade civil restringe-se quase que
exclusivamente à divulgação de fatos que colocam o cidadão como vítima das tragédias
humanas a que a sociedade o expõem. O tom trágico ou denunciador observado nesse
domínio assemelha-se ao que permeia as notícias do domínio da atividade política,
analisado no item seguinte.
5.1.2. Domínio político
O domínio da atividade política, de acordo com os assuntos abordados, foi
dividido em quatro subgrupos: política nacional, política estadual, política
internacional, economia.
Gráfico 3: Subdivisão do domínio político
77
Os percentuais apresentados no gráfico serão discutidos a seguir.
Política Estadual
A leitura do gráfico permite verificar que os fatos comuns veiculados pelos dois
jornais em tela dão ênfase às medidas políticas em nível estadual – 42% das ocorrências
do domínio político referem-se ao Estado do Rio de Janeiro, sede das mídias em análise.
Chegamos a esse percentual ao compararmos somente os mesmos acontecimentos
noticiados no Extra e n´O Globo, pois este, por exemplo, traz, diariamente, um caderno
que aborda temas, sobretudo, relacionados à política nacional, enquanto aquele focaliza
as notícias regionais. Acreditamos que a elevada porcentagem de matérias sobre o
Estado tenha relação com a maior circulação desses veículos de comunicação
exatamente nesta região, o que remete à lei de proximidade geográfica.
O recortes abaixo referem-se às matérias sobre a ação da Prefeitura do Rio em
derrubar prédio considerado irregular.
(Extra, 26 de março de 2011)
78
(O Globo, 26 de março de 2009)
Apelando para a lei de proximidade psico-afetiva, o jornal Extra, além das
informações sobre a demolição do prédio, traz foto de uma das moradoras chorando e
protestando contra a medida da política municipal, o que mexe com o emocional de um
leitor que, por pertencer à classes social e economicamente menos favorecidas, está
propício a ter problemas relacionados à moradia.
O Globo, por outro lado, destaca os funcionários municipais em serviço,
trabalhando pela conservação, como letreiro estampado no colete do uniforme, já que a
derrubada do prédio significa, para as classes A e B, leitoras deste jornal, evitar que
houvesse uma possibilidade de especulação imobiliária por parte dos moradores da
comunidade, como manchete sobre o mesmo caso publicada dez dias antes:
(O Globo, 16 de março de 2009)
79
Política Nacional
Em relação à política nacional, perfaz um percentual de ocorrências que
corresponde à metade do representado pela política estadual, apenas 21%. É
significativo o viés adotado pelas matérias publicadas: destaque para a estreita ligação
entre política e corrupção – vale ressaltar que, em seu caderno diário sobre política, O
Globo trata de outras questões relacionadas ao governo, não só de escândalos e
investigações.
A diferença de enfoque feita pelos dois jornais em pauta é outro fato a se
abordar: enquanto O Globo reserva lugar de destaque na primeira página e textos
internos ricos em explicações, detalhes e fotos sobre o assunto, o Extra limita-se a
publicar matérias de pequena extensão sobre os acontecimentos que envolveram os
poderes de Brasília, com pouco destaque para manchetes de capa ou mesmo no interior
do veículo.
(O Globo, 03 de março de 2009)
80
(Extra, 03 de março de 2009)
É nítido que apenas as duas fotos que ilustram o texto publicado n´O Globo já
ocupam o mesmo espaço de toda a matéria veiculada pelo Extra, o que comprova o que
foi dito no parágrafo anterior, quanto ao destaque dado pelos dois jornais aos fatos
relacionados ao domínio da política nacional.
Tendo o leitor como co-autor do texto midiático, a instância de produção do
jornal Extra, por meio de pesquisas de mercado sobre o perfil do consumidor e
respeitando o potencial de sociabilidade, informa apenas pontos factuais sobre o caso,
presumindo que esse é o interesse maior de seu leitor.
O Globo, por seu turno, enriquece o texto com informações de caráter
especificamente político e constitucional (que devem fazer parte do conhecimento de
seus consumidores). Além de apresentar uma foto do imóvel que desencadeou a
suspeita de corrupção, foi ainda irônico, na legenda da foto, ao dizer que Agaciel
comprou a mansão avaliada em R$ 5 milhões graças à ajuda do irmão. No subtítulo, a
voz do enunciador fica ainda mais evidente, ao sugerir um antagonismo, marcado
linguisticamente pelo conectivo adversativo mas (operação de relação), entre a
investigação do crescimento patrimonial do diretor do Senado e a manutenção deste
81
parlamentar no cargo, comprovando a hipótese de que a neutralidade que permeia os
textos midiáticos informativos é ilusória.
Economia
Quanto à economia, as matérias em comum trataram, principalmente, dos
esforços do governo para a implementação de um programa de financiamento da casa
própria – interesse de cidadãos de todas as classes sociais. Contudo, o Extra enfocou o
crédito para a compra de imóveis até 130 mil reais para famílias com renda entre três e
dez salários mínimos, enquanto o outro jornal destacou as medidas para a aquisição de
imóveis de até 500 mil reais – uma clara obediência ao contrato de captação, visto que
os leitores d´O Globo, representantes das classes A e B, possuem maior poder aquisitivo
para adquirirem imóveis com valores mais altos.
(O Globo, 26 de março de 2009)
82
(Extra, 26 de março de 2009)
A análise dos elementos gráficos das imagens também permite observar a
mudança no foco da notícia: enquanto O Globo preocupa-se em detalhar, para uma
classe preocupada com taxas de jurus, investimentos etc., as mudanças econômicas que
o pacote de financiamento da casa própria promoverá, o Extra apresenta, ao fundo da
foto de Lula discursando, imagens do programa “Minha casa minha vida”, com
destaque para frase “1 MILHÃO DE CASAS” ao lado de uma família aparentemente
humilde, sugerindo que o governo proverá o sonho das camadas populares de deixar o
aluguel. Tais dados, mais uma vez, comprovam a hipótese de que o leitor é, de fato, co-
autor do discurso midiático, determinando, direta ou indiretamente, o que é publicado
diariamente nos jornais – certamente, um indivíduo que recebe menos de 5 mil reais
mensais não se interessará em entender os mecanismos burocráticos para a compra de
um imóvel de meio milhão de reais.
83
Política internacional
Embora o jornal O Globo publique, diariamente, fatos ocorridos fora do Brasil,
num caderno intitulado “Internacional”, ao longo de todo o mês de março de 2009,
foram encontradas apenas duas matérias de cunho internacional comuns aos dois jornais
da Infoglobo em pauta. Além da baixa ocorrência, chamou-nos a atenção a natureza
espetacularizadora dessas notícias: uma sobre a prisão do presidente do Sudão por
crimes contra a humanidade; outra sobre o pedido de asilo, nos Estados Unidos, para
gay brasileiro que alega perseguição em seu país
(Capa d´O Globo, 05 de março de 2009)
Com chamada e foto na primeira página, O Globo chama atenção para a atitude
do presidente do Sudão, que desfila em carro aberto após ordem de prisão por crimes
contra a humanidade. Na matéria publicada no caderno Internacional, há fotos que
contrastam o poderio de Omar AL-Bashir com a situação de miséria dos que fugiram de
Darfur e dos que contra o ditador protestam. Além disso, retratos de outros líderes
84
acusados de crime de guerra, acompanhados de pertinentes explicações sobre os delitos,
ajudam a ilustrar o texto.
(O Globo, 05 de
março de 2009)
Em contrapartida, o Extra limitou-se a divulgar uma pequena nota sobre o
episódio, destacando apenas a decisão inédita de um presidente de Estado em exercício
receber uma ordem de prisão da corte internacional, numa alusão de que a justiça é para
todos, uma espécie de consolo a um tipo de leitor vítima da má distribuição de renda e
do poder da sociedade.
85
(Extra, 05 de março de 2009)
Em relação à outra matéria, é notório o destaque e os detalhes que o jornal O
Globo atribui ao caso, mostrando, inclusive, foto de teleconferência entre o gay e o
senador americano que se dispôs a encaminhar o pedido de asilo ao presidente Barack
Obama.
(O Globo, 23 de março de 2009)
Contudo, vale destacar que houve um problema semântico na estruturação do
título e do subtítulo, o que gerou ambiguidade: à primeira vista, a manchete parece tratar
do pedido de ajuda (“asilo”) ao gay brasileiro, e não para o gay brasileiro; o subtítulo,
por seu turno, leva a crer que o apelo feito, pelo senador, ao presidente norte-americano
é devido à perseguição feita pelo homossexual brasileiro, e não sofrida por ele no Brasil.
Quanto à abordagem do Extra para esse mesmo caso, as chamadas parecem-nos
bem mais claras, revelando uma relação de causa e consequência entre a manchete e o
subtítulo: “Gay brasileiro pede asilo aos EUA porque alega ser perseguido no Brasil”.
86
(Extra, 23 de março de 2009)
Como é característica do leitor desse último jornal interessar-se apenas pelo fato
em si, e não pelas discussões paralelas que o envolvem, sobretudo as referentes aos
tratados entre os países (como divulgaram pesquisas de mercado encomendadas pela
Infoglobo Comunicações Ltda. e que estão disponíveis site da empresa), a simplicidade
dos enunciados e a ausência de detalhes paratextuais da matéria (fotos, legendas)
revelam o respeito ao potencial de sociabilidade, que visa informar somente aquilo que
está dentro do raio de compreensão e de interesse do leitor. A menor referência ao
problema dos homossexuais deve-se ao fato de o assunto ainda ser considerado tabu
pelas classes menos favorecidas, pouco interessadas na discussão sobre questões de
igualdade de direito sexual.
Ao que parece, “direitos” e “deveres” são as palavras recorrentes no domínio da
atividade política, que coloca, como centro das matérias, figuras do governo ou decisões
por elas tomadas. Contudo, por meio das análises propostas, fica evidente que nem tudo
ocorre como determina a lei, e o sofrimento dos cidadãos comuns faz com que
pensemos que grande parte das notícias aqui analisadas também poderiam pertencer ao
domínio da atividade civil. A falta de espaço para que o povo reivindique seus direitos
reflete-se, inclusive, no espaço que a mídia dá para isso: dos 92 casos estudados nesta
pesquisa, apenas 2 se referiam ao domínio da atividade cidadã, embora saibamos que
87
são frequentes os movimentos feitos pelo cidadão em busca de melhores condições de
vida.
5.1.3 Domínio cidadão
Numa sociedade em que o povo não tem espaço e voz para lutar por seus
direitos, não foi surpresa que o domínio da atividade cidadã fosse o de menor
representatividade nesta pesquisa, publicando apenas duas matérias: uma sobre a
paralisação feita por motoristas de ônibus em seis municípios do Rio de Janeiro e outra
sobre a manifestação das mulheres da Via Campesina – grupo que reúne movimentos
ligados ao campo, incluindo o MST – contra o agronegócio.
O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)
EM BRASÍLIA, VIA CAMPESINA QUEBRA
VIDRAÇAS DO MINISTÉRIO DA
AGRICULTURA
Mulheres com rosto encoberto ficam 4h no prédio;
ministro critica falta de foco
As manifestantes diante de um dos vidros trincados, na
recepção do ministério: crítica ao agronegócio.
PORTO INVADIDO, MINISTÉRIO
OCUPADO
Mulheres promovem atos de vandalismo
88
Como se já não bastasse a falta de espaço na mídia para a divulgação das
manifestações feitas pelo povo, é nítida a crítica ao movimento das mulheres do campo
divulgada pelos dois jornais, que se centram no episódio ocorrido no Ministério da
Agricultura, em que as manifestantes quebram os vidros do prédio, e não nas causas que
desencadearam o movimento.
Quanto ao enfoque dado ao caso pelos dois veículos, verificamos que O Globo
fotografa as mulheres com os rostos encobertos na tentativa de que não fossem
reconhecidas. O Extra, por sua vez, muito mais enfático, além de julgar o movimento
como um “ato de vandalismo”, ainda publica a imagem de uma das mulheres, que,
metonimicamente, representa todas as manifestantes. A legenda dessa foto ainda sugere
que, mesmo depois de terem tido uma conduta condenável, as envolvidas no caso
almoçam tranquilamente no local que elas quebraram e invadiram.
Os exemplos apresentados nesta seção e o tratamento qualitativo dos dados nos
permitiram comprovar que, diante de um mesmo fato, o sujeito comunicante pode
transfigurar-se em múltiplos enunciadores para atingir seu público alvo. Ao longo das
análises, percebemos que os enunciados jornalísticos, sobretudo os títulos e fotos,
indicam implicitamente, lugares de interpretação bem específicos que estão
relacionados com a própria figura de leitor (Tu destinatário) prevista nesse discurso.
5.1.4 Comprovação dos resultados
Sob uma perspectiva macrotextual, diante dessas análises expostas nos itens
anteriores, objetivamos comprovar que i) o leitor é o co-autor do discurso midiático; ii)
89
mesmo diante de textos quase idênticos, os elementos paratextuais (manchetes,
subtítulos, fotos e legendas) orientam a leitura e formam uma hierarquia entre os
pontos que os leitores devem considerar relevantes na matéria.
A fim de comprovar os resultados encontrados e acreditando no produtivo
diálogo que as pesquisas devam manter com a escola, submeteu-se parte do corpus à
análise de cento e vinte alunos.
Para tanto, durante seis aulas de Redação, com três turmas do 2º Ano do Ensino
Médio do Colégio Nossa Senhora das Dores, em Nova Friburgo, trabalhamos questões
relacionadas à enunciação, bem como a importância que têm os títulos para os textos.
Como o estudo sobre enunciação não figura nos programas de Língua Portuguesa desse
segmento educacional, julgamos conveniente, antes de propormos aos alunos a análise
de parte do corpus desta pesquisa, esclarecermos e trabalharmos um pouco sobre esse
conceito.
Nas duas aulas do dia 30 de junho de 2011, discutimos que a palavra texto,
apesar de a definição corrente e tipologizante veiculada pela tradição gramatical –
“sequência bem formada de frases ligadas que progridem para um fim” (SLAKTA apud
CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008:467) –, não remete exclusivamente à
escrita e nem exige propriamente o encadeamento rígido de períodos. O vocábulo texto
(do Latim, textum) significa tecido, entrelaçamento. É uma unidade básica de
organização e transmissão de ideias, conceitos e informações feita com qualquer tipo de
linguagem. Nesse sentido, também são formas textuais uma foto, uma escultura, uma
melodia, um gesto, um olhar...
Procuramos, pois, propor uma atividade que convidasse a uma reflexão acerca
da enunciação e da necessidade de se estudar o texto visto como discurso, evento
90
comunicativo que se constrói em função de uma finalidade, que inscreve-se em
contextos determinados e que supõe uma organização transfrástica. Compreender um
discurso não é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, é mobilizar
saberes muito diversos, levantar hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não
é um dado preestabelecido e estável. De acordo com MAINGUENEAU (2008:20), “a
própria ideia de um enunciado que possua um sentido fixo fora de contexto torna-se
insustentável.”
Para isso, apresentamos dois arranjos musicais para a letra da música “Desce”,
de Arnaldo Antunes (anexo 2), e, em seguida, perguntamos se a mudança na melodia
alterava a interpretação. As respostas foram satisfatórias e os alunos apontaram que, a
depender da forma como é veiculada, uma mesma informação pode sugerir diferentes
interpretações.
Para complementar o estudo sobre a enunciação, destacamos ainda que, de
acordo com a intenção do emissor e, também, com as características do receptor, as
mensagens são articuladas de maneiras diferentes, desde a seleção do conteúdo a ser
transmitido até as escolhas linguísticas escolhidas para tal fim. Com o objetivo de fazer
com que os alunos refletissem criticamente acerca das informações veiculadas pelos
meios de comunicação e estabelecessem relações entre o que é lido e a realidade que os
cerca, apresentamos e discutimos um texto, de autor desconhecido, que toma os fatos
ocorridos no conto de fadas Chapeuzinho Vermelho como reais e objetos de matérias
jornalísticas em diferentes meios de comunicação do país, conforme ilustra o anexo 2.
Nas aulas da semana seguinte (07 de julho de 2011), para mostrar que o título
deve sempre manter relação com o conteúdo do texto e criar expectativas em relação ao
que será lido, dividimos as turmas em grupos de cinco alunos e propusemos que
91
manchetes fossem criadas para as notícias que eles mesmos pesquisaram e trouxeram
para a aula. Por meio dessa atividade, foi possível discutir a importância que os títulos
dos textos apresentam para o direcionamento da leitura. Por fim, na terceira semana, dia
14 de julho de 2011, propusemos aos cento e vinte alunos das turmas com as quais
trabalhamos, a comparação das manchetes, legendas e subtítulos de seis ocorrências,
que fazem parte do corpus desta pesquisa, para que fizessem uma breve análise da
forma como os jornais veiculam a mesma notícia, considerando o público alvo, as fotos,
as diferenças de vocabulário para a formulação do texto e a intenção de cada
enunciador.
A análise desse material mostrou que 83% dos alunos encontraram diferenças
em relação ao direcionamento dado pelos elementos paratextuais apresentados,
mostrando coerência e critica em suas análises, como comprovam os anexos das
atividades.
Em busca de respostas para os números encontrados, conversamos com os
professores das turmas e descobrimos que os alunos que não fizeram toda a análise
proposta ou que relataram que as manchetes e os subtítulos estudados têm conteúdos
iguais são exatamente os que apresentam maiores dificuldades na interpretação e na
produção textuais, tendo ficado com notas abaixo da média em Redação e/ou em Língua
Portuguesa em pelo menos um dos dois bimestres que encerraram o primeiro semestre
de 2011.
Embora no corpus informativo devesse predominar um modo imparcial
(delocutivo) de organizar o discurso do relato, a subjetividade é observada em índices
diversos que camuflam a presença do enunciador, garantindo, assim, uma falsa
imparcialidade, pela ausência de subjetividade explícita; esse processo de camuflagem
92
constitui mais uma prova da importância dos estudos da enunciação na esfera da análise
dos vários gêneros de discursos midiáticos e no ensino de leitura e produção textual.
Os resultados da última atividade aplicada às turmas de 2º Ano do Ensino Médio
vão ao encontro as análises feitas nas 92 ocorrências que perfazem o corpus pesquisado,
comprovando que os elementos paratextuais contribuem para os diferentes
direcionamentos dados aos textos publicados pelos jornais O Globo e Extra sobre o
mesmo assunto.
5.1.5. A mudança de foco
A tabela abaixo indica que 28,76% dos casos do domínio civil e 35,29% dos
casos do domínio político focalizaram pontos diferentes do mesmo fato. Tais resultados
estão relacionados à obediência ao duplo contrato de comunicação que coloca o leitor
como co-autor dos discursos produzidos pela mídia e procura destacar aquilo que a
instância enunciadora julga ser de interesse do seu público-alvo.
DOMÍNIOS DA
ATIVIDADE SOCIAL
TOTAL DE
OCORRÊNCIAS
Nº DE OCORRÊNCIAS
EM QUE HOUVE
MUDANÇA DE FOCO
DOMÍNIO CIVIL 73 21
DOMÍNIO POLÍTICO 17 06
DOMÍNIO CIDADÃO 02 00 Tabela 2: Mudança de foco
Tal qual a mudança de enfoque, chamou a atenção o fato de apenas 1/3 das
matérias comuns aos dois veículos terem destaque na primeira página, o que indica que
o intercâmbio de textos entre os dois veículos de comunicação, muitas vezes, funciona
93
como uma complementação para o fechamento das edições, uma espécie de “divisão do
trabalho” entre equipes diferentes da mesma empresa – fato confirmado por meio de
entrevista com o jornalista Marcelo Dias e com o editor-chefe Bruno Thys, ambos do
Extra.
DOMÍNIO CIVIL
(73 OCORRÊNCIAS)
DOMÍNIO POLÍTICO
(17 OCORRÊNCIAS)
DOMÍNIO CIDADÃO
(02 OCORRÊNCIAS)
O GLOBO 14 10 00
EXTRA 30 05 01
Tabela 3: Chamada na primeira página
A análise das ocorrências que apareceram nas capas dos jornais em estudo
aponta para a comprovação da hipótese de que o ethos discursivo dos enunciadores
constitui-se em função dos receptores: O Globo, na primeira página, reserva mais
espaço aos assuntos relacionados à política, direcionado para um leitor “sensivelmente
exigente e qualificado”, conforme a própria empresa define seu público; o Extra destaca
as tragédias das quais o cidadão comum é protagonista e as notícias do esporte, assuntos
que fazem parte do cotidiano dos leitores do último jornal.
Para comprovar isso, nas duas páginas seguintes, há a reprodução das capas dos
jornais publicados no dia 05 de março de 2009.
94
95
96
5.2. Um levantamento lexical: análise microtextual
Como o discutido, em virtude da imparcialidade que os textos jornalísticos
devem apresentar para cumprir as exigências do contrato de informação, as instâncias
enunciadoras do discurso midiático procuram camuflar-se na forma como diagramam
suas matérias, no espaço de destaque que reservam para determinados acontecimentos e
não para outros e, como será detalhado a seguir, num nível microtextual, na escolha
vocabular.
5.2.1. Escolha lexical: a construção do leitor
Etimologicamente, comunicação significa tornar comum, trocar opiniões, fazer
saber; implica interação. Um jornal, uma entidade monolocutiva, que atua sem a
presença física dos interlocutor, só subsiste quando estabelece um processo eficaz de
comunicação com o leitor, selecionando assuntos de interesse do público alvo e
operando escolhas linguísticas que facilitem a aproximação com o destinatário.
A extensão reduzida dos textos que compõem o corpus desta pesquisa não
permitiu que análises relacionadas à estrutura sintática dos enunciados fossem
consideradas. Contudo, apesar de os jornais O Globo e Extra representarem um mesmo
comunicante, a Infoglobo Comunicações, e serem sutis as diferenças estruturais em seus
textos, muitas vezes, escritos pelos mesmos jornalistas, foram observados contrastes em
relação à escolha lexical, delineando níveis de linguagens distintos entre os dois
veículos.
97
No âmbito das análises desta pesquisa, não foi observado nem um desvio quanto
à prescrição das regras gramaticais, nem um alto rebuscamento estrutural e vocabular.
Verificou-se que, em alguns casos, a comparação entre léxico empregado pelos dois
periódicos aproxima O Globo da linguagem formal nível culto, ao passo o Extra se
inclina para o nível informal.
Os gráficos abaixo, disponíveis no site da Infoglobo, podem ser usados como
subsídios para explicar tais diferenças, uma vez que evidenciam a classe social e o
níveis de escolaridade dos leitores dos periódicos em análise.
O GLOBO EXTRA
Tabela 4: Classe social e grau de escolaridade dos leiotres
A análise dos gráficos permite constatar que o Extra, em geral, é lido por
camadas mais populares da sociedade, um público socioeconomicamente menos
abastado. Na análise de seus textos, não se percebeu uma preocupação com o emprego
98
de estruturas linguísticas e termos rebuscados. Ao contrário, notou-se a aproximação
maior da linguagem informal, sugerindo, então, a imagem de um sujeito enunciador que
conhece e legitima os interesses do público alvo, considerando-os relevantes, “falando a
mesma língua”, dando-lhes espaço e voz, numa sociedade em que isso não ocorre.
Ao longo da análise qualitativa, observou-se que esse periódico busca seduzir o
leitor por meio da manchete, em que as escolhas lexicais buscam envolver o público-
alvo por meio do emprego de um vocabulário simples, mas que, ao mesmo tempo,
remete a um campo semântico violento. O processo de semiotização do mundo se dá
sem eufemismo ou sutileza.
Por outro lado, os textos se restringem à focalização dos fatos em si mesmos,
limitando-se ao relato dos acontecimentos, sem questionamentos explícitos ou
implícitos. Aventuramo-nos a dizer, inclusive, que o enunciador idealiza um leitor
passivo, apenas receptor de um texto que não o convida a pensar.
O Globo, por sua vez, é um veículo de comunicação consumido, genericamente,
pelas elites sociais A e B, as escolhas dos títulos e temas abordados – cuja ênfase recai
sobre questões políticas e econômicas – a seleção vocabular, a linguagem cuidada
levam a reconstruir uma imagem de enunciador que busca ratificar o poder de decisão
centrado nas classes sociais às quais se destina.
Diante dessas imagens de enunciadores construídas pelos discursos que
proferem, a tabela abaixo apresenta algumas ocorrências, em que a discrepância no
nível de linguagem é significativa.
O GLOBO EXTRA
CONFRONTO PARALISA TRENS POR
7 HORAS NA ZONA OESTE
TIROTEIO PARA CIRCULAÇÃO DE
TRENS POR SETE HORAS
99
ATRIZES SÃO ASSALTADAS
Bandidos interceptam carro em Vila
Isabel
ATRIZES SÃO ASSALTADAS AO
DEIXAR PRODUTORA
Bandidos levam carro da família de Carla
Diaz, em Vila Isabel
UM PROJETO PARA LIVRAR AS
CRIANÇAS DO CRACK
Prefeitura leva para abrigo menores
usuários da droga que vivem nos acessos do
Jacarezinho e de Manguinhos
CRACOLÂNDIA NA ZONA NORTE
Projeto tenta salvar crianças que se
drogam à luz do dia nos acessos do Jacarezinho e
de Manguinhos
MULHER É MORTA APÓS RETIRAR
DINHEIRO DE CAIXA ELETRÔNICO
MORTA EM SAIDINHA DE BANCO
Tabela 5: Diferença vocabular
Não foram contabilizados todos os casos de ocorrências de um vocabulário mais
ou menos próximo do popular em virtude da baixa produtividade desses dados, fruto da
semelhança entre os dois jornais. De acordo com Bruno Thys, editor-chefe do Extra,
esse periódico, considerado o jornal mais lido do Brasil, passa por uma fase de transição
e conquista, gradativamente, representantes mais escolarizados e da classe B, sendo
considerado o veículo de comunicação da Inglobogo em posição intermediária entre O
Globo, destinado à elite, e o Expresso, tablóide destinado às classes populares C e D.
5.2.2. Processo de nomeação: substantivos próprios e comuns
Nesta seção, discutem-se as escolhas linguísticas que o enunciador faz para que
o leitor identifique os atores sociais das matérias jornalísticas ora analisadas, em outras
palavras, como ocorre a operação de nomeação das pessoas envolvidas nos fatos
noticiados, explorando-se o uso dos substantivos comuns e próprios não na sua
potencialidade petrificada pela tradição gramatical que os vê como elementos lexicais
neutros e restritos ao seu papel nomeador, mas na possibilidade de gerarem
significações além do que está expresso nas manchetes, subtítulos e legendas.
100
Como o contrato de comunicação exige um saber compartilhado para o mínimo
entendimento entre as partes envolvidas no ato comunicativo, vale ressaltar que “a
referência é uma atividade que implica cooperação dos co-enunciadores e poderá
malograr, caso o co-enunciador, por exemplo, se engane de referente.”
(MAINGUENEAU, 2008)
Para as gramáticas tradicionais da língua portuguesa, os substantivos próprios
designam seres particulares, diferenciando-se assim dos substantivos ditos comuns, que
designam seres da mesma espécie. Nesta pesquisa, esses nomes particularizantes foram
enfocados em relação à possibilidade de existência de um sentido discursivo. Para tanto,
embora este estudo proponha-se, sobretudo, a apresentar análises de cunho qualitativo,
levantou-se quantitativamente as ocorrências de substantivos próprios empregados para
nomear os actantes destacados nos textos que compõem o corpus, como demonstra a
tabela 6.
DOMÍNIO CIVIL DOMÍNIO POLÍTICO DOMÍNIO CIDADÃO
O GLOBO 38 47 00
EXTRA 77 21 00
Tabela 6: Ocorrência de nomes próprios
Pelos dados apresentados, fica explícito que, no domínio civil, comparado ao
jornal O Globo, o Extra apresenta o dobro de número de ocorrências de nomes próprios.
No domínio político, a situação se inverte, passando O Globo a apresentar mais que o
dobro de nomes próprios empregados pelo outro periódico.
Em relação a essa designação do referente por meio de um nome próprio,
Dominique Maingueneau assevera:
Com efeito, atribui-se um nome próprio apenas a seres frequentemente
evocados, relativamente estáveis no espaço e no tempo e que tenham
101
relevância social ou afetiva, a fim de não sobrecarregar a memória dos
locutores, mas também por razões de intercompreensão. Se um dos co-
enunciadores não compartilha exatamente as mesmas experiências do outro,
ele será incapaz de identificar o referente de inúmeros nomes próprios.
(MAINGUENEAU, 2008)
Assim, os sentidos evocados pelos nomes próprios são ímpares dentro do
universo do discurso e, como tal, devem ser analisados. Portanto, é mister estudar tais
substantivos ligados a um indivíduo em uma determinada situação de enunciação.
Essa visão tem a vantagem de perceber a interpretação de um nome próprio
associada a um sentido e a um conteúdo. O sentido pressupõe a
individualização de um referente “x” em relação a sua denominação dentro
do universo dialógico, e o conteúdo, as propriedades de “x” compartilhadas
entre os enunciadores. (MARTINS, 2009)
Sendo, pois, específica e singular cada situação de enunciação, nesta pesquisa,
restringiu-se a análise qualitativa aos casos mais representativos, organizados de acordo
com o domínio da atividade social do qual fazem parte.
Domínio civil
No domínio civil, a diferença entre a quantidade de ocorrências de nomes
próprios nos dois jornais analisados foi significativa. No caso da concessão de regime
semiaberto, por exemplo, aos jovens que agrediram uma mulher, num ponto de ônibus,
julgando que ela fosse uma prostituta foi notícia tanto n´O Globo como no Extra.
O GLOBO (12/03/09) EXTRA (12/03/09)
AGRESSORES DE DOMÉSTICA EM REGIME
SEMIABERTO
Desembargadores decidem que dois jovens
poderão passar o dia soltos: só voltam à prisão para
dormir
AGRESSORES DE SIRLEI SERÃO SOLTOS
Jovens que espancaram doméstica na Barra passam
a regime semi-aberto
102
Entretanto, a manchete do primeiro, para nomear a vítima, emprega o
substantivo comum “doméstica”, permitindo a interpretação do referente pautada pela
descrição em traços gerais da classe a que pertence: mulher que se emprega em
trabalhos caseiros – profissão não exercida pelos leitores desse periódico e, portanto,
longe de sua realidade. Na chamada do outro jornal, o emprego do substantivo próprio
“Sirlei” não se aplica a qualquer elemento da classe “doméstica”, mas faz uma
designação individual da mulher agredida, identificando-a como única e de identidade
distinta dos demais referentes do grupo profissional a que faz parte, sem evidenciar
traços ou marcas de caracterização da sua colocação no mercado de trabalho, como se
os leitores conhecessem Sirlei e atribuíssem-lhe relevância social ou afetiva, por ela
pertencer a uma realidade mais próxima aos leitores do último periódico do que aos
leitores do primeiro.
O mesmo ocorre em relação aos textos que relatam o nascimento de um bebê
num campo de futebol. Enquanto O Globo ressalta a inoperância do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) por julgar que a paciente – nomeada apenas
pelo substantivo comum “mulher” – encontrava-se em área de risco, o Extra não só
emprega um substantivo próprio para nomear a grávida (“Fabiana”), como o faz com
toda a família que se formara, publicando, inclusive uma foto do casal com o bebê
recém-nascido, em cuja legenda os actantes são tratados por seus prenomes: “Fabiana,
Evandro e Cauã”, supondo um conhecimento das pessoas referidas por parte dos
leitores, leitores estes suscetíveis a terem atendimento médico negado pelo Estado,
como relatam subtítulos e legenda.
103
O GLOBO (21/03/09) EXTRA (21/03/09)
MULHER DÁ À LUZ EM VESTIÁRIO
DE CAMPO DE FUTEBOL
SAMU não vai á área considerada de
risco em Meriti
SAMU DIZ NÃO. AS VIZINHAS, SIM
Serviço não atende grávida por achar que ela mora em área
perigosa, mas Cauã veio ao mundo graças às amigas de
Fabiana
Comparado ao jornal O Globo, no domínio da atividade civil, como o verificado,
é frequente o Extra operar a nomeação dos atores sociais por meio de substantivos
próprios. No domínio da atividade política, verifica-se o contrário.
Domínio político
De acordo com informações disponíveis no site da Infoglobo, dos cadernos
publicados diariamente pelo jornal O Globo, verifica-se que o maior interesse dos
leitores recai sobre o domínio da atividade política, cujas matérias são publicadas nos
cadernos Economia, Mundo, País e Rio, conforme ilustra a tabela 7.
CADERNOS NÚMERO DE LEITORES
O CADERNO DE ESPORTES 747.000 (49,30%)
A EDITORIA CIÊNCIA 666.000 (43.96%)
A EDITORIA ECONOMIA 642.000 (42,37%)
A EDITORIA MUNDO 1.032.000 (68,11%)
A EDITORIA PAÍS 943.000 (62,24%)
A EDITORIA RIO 1.110.000 (73,26%)
Tabela 7: Número de leitores do jornal O Globo por editoria
104
Esses números relacionados à política e à economia, diferentemente do jornal
Extra – que não apresenta cadernos específicos para tais assuntos –, justifica a
produtividade do emprego de substantivos próprios usados na operação de nomeação
dos atores envolvidos nas matérias veiculadas pelo O Globo sobre esse recorte do
espaço social, uma vez que o modo de realização do nome próprio personativo está
ligado à forma pela qual a pessoa é conhecida pelo público alvo. Conforme ilustra o
gráfico a seguir, cerca de 60% desses leitores possuem curso superior, fato que faz a
instância enunciadora supor que seu interlocutor detém conhecimento suficiente para
discutir questões ligadas às políticas e às economias nacional e internacional.
Gráfico 4: Grau de escolaridade dos leitores d´O Globo interessados por notícias do domínio
político
A chamada de capa sobre o posicionamento de José Gomes Temporão, ministro
da saúde do governo Lula, em relação ao polêmico aborto feito em menina de nove
anos, que fora estuprada pelo padrasto e que corria risco de vida na gestação dos
gêmeos frutos do crime, ilustra um pouco das diferenças quanto à operação de
nomeação discutida anteriormente.
O GLOBO (06/03/09) EXTRA (06/03/09)
TEMPORÃO: EXCOMUNHÃO É
LAMENTÁVEL
MINISTRO CRITICA A IGREJA
CATÓLICA POR EXCOMUNHÃO
105
O Globo, ao usar a estratégia do testemunho de autoridade, justifica seu
posicionamento a favor da cirurgia que visava à preservação da vida da vítima do
estupro. Emprega o sobrenome “Temporão” para identificar o responsável pelo
Ministério da Saúde na época de publicação das matérias, supondo ser de conhecimento
do leitor a atuação de Temporão no governo, bem como o peso que tem a argumentação
de um médico em ralação ao fato relatado.
Sobre o mesmo caso, O Extra, na primeira página, emprega apenas o substantivo
comum “ministro” para nomear esse actante, sem especificar por qual ministério
Temporão respondia e, consequentemente, sem atribuir credibilidade à declaração feita
por ele, um especialista em medicina. O emprego do verbo “critica” sugere um
posicionamento contrário do governo em relação às atitudes da Igreja, instituição
milenar alicerçada em pilares dogmáticos e dificilmente contestáveis por um público
relativamente pouco escolarizado se comparado ao outro leitor da Infoglobo.
Em outro caso, sobre a devolução dos impostos que recaíam sobre férias
vendidas, a preferência apenas pelo emprego do sobrenome, no Extra, para se referir ao
Supervisor Nacional do Imposto de Renda, Joaquim Adir, é devida à importância social
da pessoa referida, a que está ligado certo distanciamento respeitoso. O Globo,
entretanto, não demonstra tamanho distanciamento e, na legenda da foto, faz menção ao
supervisor com o emprego do prenome e do sobrenome, os mesmos que aparecem na
placa de identificação da mesa em que o membro do governo concede entrevista
coletiva para explicar as mudanças na cobrança de tributos pessoais.
106
GLOBO (03/03/09) EXTRA (03/03/09)
DEVOLUÇÃO DE IR DE FÉRIAS
VENDIDAS PODE VALER PARA OS
ÚLTIMOS 5 ANOS
No 1º dia de envio das declarações, houve
dificuldade para instalar programa
Joaquim Adir, supervisor nacional do IR: Receita divulgará
orientação
LEÃO PODE DEVOLVER IR DE FÉRIAS
VENDIDAS DESDE 2004
Procuradoria Geral da Fazenda orienta Receita a
estabelecer direito de isenção para últimos cinco anos
Supervisor nacional do Imposto de Renda, Adir confirmou que a
Receita pretende rever o prazo
Embora a análise das fotos não seja o foco desta seção, vale comentar aqui a
relação ímpar entre enunciados verbais e não-verbais: na primeira foto, o ato de
Joaquim Adir coçar a cabeça, demonstrando dúvida ou preocupação, revela a
dificuldade para implantação do programa para envio das declarações do imposto de
renda, o que obriga a Receita Federal a divulgar novas orientações para que o
contribuinte consiga concluir o processo.
A relação entre texto e imagem do Extra também é reveladora dessa simbiose
entre o signo verbal e o não–verbal: ao empregar o substantivo comum “leão”, para
particularizar um órgão do governo que cobra tributos sobre a renda pessoal dos
cidadãos, comprometendo significativa parte de rendimentos dos trabalhadores, o jornal
publica a foto do supervisor desse órgão com as mãos numa posição que lembram as
garras de um leão.
A situação de distanciamento e formalidade do Extra em relação a figuras do
governo, no caso da internação do então deputado Clodovil adquire diferentes
107
contornos, comprovando que cada situação de enunciação deve ser analisada em
particular.
O GLOBO (17/03/09) EXTRA (17/03/09)
CLODOVIL SOFRE AVC E ESTÁ EM COMA
Para médico, chances de o deputado sobreviver são
muito pequenas
CLÔ SAI DE CENA: NOVO DERRAME
Deputado federal sofre acidente vascular cerebral e
uma parada cardiorrespiratória em Brasília
Essa aparente proximidade, em que o actante é nomeado por seu apelido (Clô) e
à menção ao ato de “sair de cena”, no Extra, estão relacionadas ao fato de o deputado
também ser apresentador de programas populares assistidos pelo leitor desse jornal. A
intimidade no tratamento – a depender da interpretação, em tom sarcástico – relaciona-
se, ainda, à opção de Clodovil ser homossexual e de nunca ter escondido isso. A
objetividade vocabular, como o discutido na seção 5.2.1, para referir-se à doença do
deputado pelo nome mais usualmente conhecida, “derrame”, bem como para explicitar
o que a sigla AVC significa, delineia uma figura de leitor não habituado com termos
técnicos da medicina.
O Globo, além de tratar o deputado com um tom mais formal, chamando-o pelo
nome que o consagrou no meio televisivo (“Clodovil”), emprega a sigla “AVC” e a
palavra “coma” para relatar o estado de saúde do actante, apostando no entendimento de
um público-alvo mais esclarecido.
5.2.3. Processo de atribuição:o papel específico da adjetivação
Conforme o explicado no item 3.3.3, a operação de atribuição faz-se por meio
da adjetivação em sentido amplo e consiste em atribuir propriedades objetivas ou
108
subjetivas aos seres ou mesmo informações a seu respeito. Apesar de os atributos não
serem obrigatórios na representação do mundo, quando aparecem no discurso,
representam um interesse do enunciador em comunicar uma descrição objetiva ou uma
apreciação sobre o referente.
De acordo com PAULIUKONIS (2008),
A operação discursiva de caracterização dos seres pode se dar de três
modos: (1) a identificação ou caracterização objetiva, que se vê pelos
exemplos: bolsa marrom, sapato preto; (2) as qualificações ou avaliações
subjetivas: filme interessante,problema difícil; (3) e as informações que são
apresentadas pelo enunciador, com algum interesse textual: quadro que
recebeu de herança; filme de Bruno Barreto, livro da biblioteca.
Como um dos objetivos desta pesquisa é revelar a voz do enunciador que está
aparentemente escondida (modo delocutivo) no discurso midiático, destacam-se os
exemplos a seguir, em que a operação de atribuição apresenta um caráter argumentativo
e persuasivo, no sentido de convencer o leitor a respeito do posicionamento dos
periódicos diante do assunto tratado, indo ao encontro da explicação de
PAULIUKONIS sobre a caracterização enquanto interesse textual do enunciador6.
Retomando o caso do aborto que dividiu opiniões em todo o país e que ocupou,
durante seis dias, as páginas dos jornais – acontecimento sobre o qual foram discutidas
anteriormente as chamadas de capa publicadas no dia 06 de março de 2009 –, o
confronto entre as manchetes e os subtítulos das matérias no interior do jornal ilustram a
intencionalidade do enunciador ao fazer uso da operação de atribuição.
6 Como a operação de caracterização tem um objetivo discursivo específico e subjetivo, dependendo de
cada situação de enunciação em particular para ser analisada, não foram contabilizadas suas ocorrências,
como o feito em relação aos substantivos próprios.
109
O GLOBO (06/03/09) EXTRA (06/03/09)
MINISTRO CRITICA A IGREJA POR EXCOMUNGAR
MÉDICOS
Um dia após aborto de menina de 9 anos estuprada em
Pernambuco, arcebispo confirma punição aos profissionais.
FÁTIMA MAIA, diretora do Cisam: DOM Jose Cardoso Sobrinho:
sem arrependimento médicos excomungados
UMA TROCA DE CONDENAÇÕES
Igreja excomunga mãe e médicos que fizeram
aborto em menina no Recife e é criticada por
ministros de Lula
Num processo que relaciona os componentes situacional e linguístico, O Globo
busca, nas escolhas lexicais e nas estratégias de apresentação do fato, construir uma
leitura de legalidade em relação ao aborto feito na menina de nove anos que engravidou
do padrasto após abusos sexuais constantes praticados por ele. No subtítulo, o periódico,
num processo de atribuição, enfatiza as causas da intervenção cirúrgica, apresentando
informações sobre a idade da menina – o que a impede biologicamente de levar adiante
uma gravidez de gêmeos – e a condição de ela ser vítima de estupro – caso em que a
Constituição Brasileira permite o aborto.
A matéria do dia 06 de março de 2009 traz ainda as fotos da diretora do hospital
onde os fetos foram retirados e a do religioso que condenou o ato. A disposição gráfica
das fotos sugere um confronto entre a médica e o arcebispo, como em apresentações de
jogos ou lutas, em que as imagens concorrentes são separadas por um X (versus).
O posicionamento do enunciador torna-se mais explícito ao trazer um quadro,
em destaque e à parte da matéria, com três opiniões de leitores sobre o assunto: duas
contra a decisão da Igreja e apenas uma a favor. A essa estratégia de apresentar
argumentos prós e contra sobre o mesmo assunto, enfatizando, entretanto, apenas o
110
posicionamento que interessa ao enunciador, CHARAUDEAU (2007) chama de
“técnica da gangorra”.
O apoio à interrupção da dita gravidez é reforçado por outro quadro, em que o
texto, que não foi publicado pelo Extra, relata um caso semelhante e que não teve o
mesmo desfecho, já que os responsáveis pela vítima não foram orientados a pedirem a
interrupção da gravidez e, por isso, a justiça não interveio. O título desse texto (CRIME
E DEMORA: Pai adotivo engravidou garota de 10 anos) reforça a avaliação d´O Globo
a respeito do episódio principal e objeto dos dois jornais, ao comparar situações
semelhantes e qualificá-las como crime.
Comparativamente com O Globo em relação ao conteúdo veiculado, percebe-se
que o jornal Extra dá um significativo enfoque a fatos polêmicos e que apelam para a
emoção do leitor, como relatos de mortes e crimes, por exemplo. Por apresentar esse
teor, com relação ao discutido aborto, surpreendeu, inicialmente, o discreto enfoque
dado ao caso que levou os dogmas da Igreja Católica ao júri popular: autoridades
governamentais e religiosas, católicos e não-católicos discutiram a decisão do arcebispo
de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, de excomungar a mãe da vítima e os
profissionais envolvidos no aborto
No dia 06 de março de 2009, a voz enunciadora do Extra tenta esvanecer-se
numa manchete que, aparentemente, não apóia nenhum dos lados em conflito: UMA
TROCA DE CONDENAÇÕES. Contudo, seu posicionamento é nítido no subtítulo, em
que caracteriza as pessoas excomungadas como aquelas “que fizeram aborto em
menina”, ato que vai contra a vida e que é condenado pela Igreja. Por outro lado,
nenhuma informação sobre a idade da menina e as condições em que ocorreu a
concepção é passada ao leitor, induzido, assim, a condenar o ato.
111
Outro ponto que merece destaque, embora não seja o foco deste item que versa
sobre o papel específico da adjetivação, é a organização sintática desse subtítulo –
Igreja excomunga mãe e médicos que fizeram aborto em menina no Recife e é criticada
por ministros de Lula –, em que as cláusulas paratáticas (orações coordenadas, na
Gramática Tradicional) remetem a uma leitura hipotática, ou seja, adquirem contornos
de oração adverbial, sugerindo a seguinte interpretação: Igreja é criticada por ministros
de Lula porque excomunga mãe e médicos que fizeram aborto em menina no Recife,
como se o governo tivesse poderes para julgar os atos religiosos. O emprego do adjunto
adnominal de Lula ainda sugere que também o presidente compartilha de tais críticas,
sem, contudo, ter se pronunciado. Esse recurso discursivo, sutilmente, denuncia a
posição do enunciador contra o governante, ao criar um clima de rivalidade entre Estado
e Igreja, o que fere a fé do povo e pode prejudicar a popularidade do governo.
Se, no caso apresentado, O Globo emprega a operação de atribuição para induzir
a um posicionamento do leitor diante do assunto veiculado, no caso da morte atribuída a
um erro médico, notícia publicada por três dias consecutivos nos periódicos analisados,
esse jornal busca uma ponderação antes que o caso seja julgado, o contrário do Extra,
que já condena os médicos responsáveis pela cirurgia.
O GLOBO (08/03/09) EXTRA (08/03/09)
MULHER MORRE APÓS SUPOSTO ERRO EM
CIRURGIA
Médicos do Hospital Getúlio Vargas, que foram
afastados, operaram o lado errado do cérebro de
dona de casa.
MORTE APÓS CIRURGIA ERRADA
Mulher com coágulo do lado esquerdo do cérebro
tem lado direito operado. Médicos foram afastados.
No confronto das manchetes, é nítido que a adjetivação empregada pelos dois
jornais possui diferentes intenções discursivas: enquanto O Globo modaliza a causa da
112
morte, empregando o adjetivo “suposto” para qualificar o erro que teria ocorrido na
intervenção cirúrgica, o Extra é enfático ao caracterizar a cirurgia como “errada”,
condenando os médicos que a fizeram.
Quanto à articulação da manchete com o subtítulo, vale destacar que, apesar de o
primeiro veículo admitir o erro médico e as evidências serem muitas – afinal metade do
órgão que comanda o funcionamento dos demais órgãos do corpo foi afetada –, na
organização dos enunciados, não fica claro que a causa da morte tenha sido fruto dessa
falha profissional, numa tentativa de não acusar, sem provas, os médicos. O jornal ainda
ressalva, na operação de atribuição, que esses profissionais “foram afastados”,
sugerindo uma medida cautelar adotada até que o caso seja totalmente averiguado. Essa
modalização do discurso vincula-se ao público-alvo: leitores que trabalham na área de
saúde e que estão suscetíveis a cometerem tais erros, bem como os que têm a lei como
objeto de trabalho e sabem que não se pode condenar sem antes investigar.
Posicionamento contrário assume o Extra, que, em períodos curtos no subtítulo,
detalha, na manchete, o porquê da cirurgia ter sido considerada “errada” e aponta a
culpa dos médicos como consequencia de um erro que deveria ser considerado
inadmissível. Tendo em vista o público-alvo do Extra, leitores que dependem dos
serviços de saúde pública, a matéria os aborda como alvo afetivo, já que podem sofrer
com situações semelhantes.
Outro exemplo, em que o periódico expressa seu posicionamento sem se deter
em análises legais detalhadas e abordando afetivamente o leitor, é o referente ao regime
semiaberto concedido aos envolvidos na agressão da doméstica Sirlei, retomado nesta
seção para ilustrar a importância da adjetivação na construção do discurso.
113
O GLOBO (12/03/09) EXTRA (12/03/09)
AGRESSORES DE DOMÉSTICA EM REGIME
SEMIABERTO
Desembargadores decidem que dois jovens
poderão passar o dia soltos: só voltam à prisão para
dormir
AGRESSORES DE SIRLEI SERÃO SOLTOS
Jovens que espancaram doméstica na Barra passam
a regime semi-aberto
Na comparação entre os dois jornais, é evidente o sentimento de impunidade que
o Extra deixa transparecer. Ao articular a manchete, que anuncia que os agressores
serão soltos, com o subtítulo, que caracteriza tais jovens como os “que espancaram
doméstica na Barra”, essa mídia contrasta os estratos sociais dos agressores –
provavelmente, moradores da Barra, bairro da elite carioca – e da agredida, assumindo
as dores de uma parcela da sociedade que não tem voz e nem vez diante das classes
mais favorecidas social e economicamente.
Como o observado nesta seção, a operação de atribuição é subjetiva por ser a
forma mais explícita de o enunciador mostrar sua voz diante do fato relatado. Assim, as
pretensões de análise desse processo se estendem para além desta pesquisa. A
investigação não se esgota na análise dos três exemplos aqui discutidos, pelo contrário,
exige que nossa pressuposição seja mais bem detalhada, por meio de estudos
minuciosos de outros textos que permitam avaliações mais precisas a cerca do papel
específico da adjetivação no discurso midiático.
114
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vários estudiosos discutem a neutralidade ilusória que permeia os gêneros
jornalísticos, como Landowiski, que afirma que o texto jornalístico é “uma forma
objetivante de narrar o cotidiano, mas que necessariamente passa pela forma
subjetivante imposta pela constituição de um discurso.”
Assim, as notícias que inundam os periódicos diários são relatos de
acontecimentos, ou seja, uma interpretação de quem os relata, sob certo ponto de vista,
determinados por uma perspectiva socioeconômica e balizados por interesses comerciais.
Esses fatores condicionantes contribuem para explicitar as ideologias que norteiam os
veículos de comunicação midiáticos e denunciam a presença de um sujeito que atravessa
a relação linguagem-mundo. Isso comprova algumas das hipóteses deste trabalho: na
análise, foi possível detectar possíveis interpretativos a partir do reconhecimento de
índices enunciativos de subjetividade em textos tidos como informativos e objetivos,
bem como constatou-se que o ethos discursivo que caracteriza cada jornal é delineado
em função de seus leitores.
Portanto, desde a escolha dos fatos a serem veiculados até o tratamento
redacional dado na transformação do evento à notícia, percebe-se que a subjetividade é
inerente ao processo de produção de texto, assim como o é a presença de diversos
sujeitos na interação comunicacional. Do ponto de vista da produção do discurso, o
sujeito que comunica (o EU-comunicante: a Infoglobo Comunicações Ltda.), ao
produzir seu discurso, idealiza um destinatário, um sujeito interlocutor (o TU-
destinatário) diferente para cada estrato da sociedade. Já sob a perspectiva da
interpretação, há um leitor real (o TU-interpretante) que interpreta a enunciação
produzida. Esse interpretante constrói para si diferentes imagens de um comunicante
115
que se transfigura em enunciadores distintos para atingir seu objetivo comunicativo e
comercial, no caso específico desta pesquisa, nos jornais O Globo e Extra, os reais EUs-
enunciadores, instituídos a partir do ato discursivo.
Articulando a fundamentação teórica com o corpus analisado, percebeu-se que o
emprego de determinadas escolhas lexicais, bem como o destaque atribuído aos fatos
noticiosos por cada periódico adquirem valor discursivo, que colaboram na construção
da mensagem que o enunciador deseja transmitir. Através deste estudo, discutiu-se,
mediante a identificação de marcas linguísticas, a intencionalidade discursiva que
caracteriza e individualiza os jornais submetidos às análises, em função dos leitores,
verdadeiros co-autores dos textos publicados na mídia.
Ao longo desta pesquisa, foi possível ainda comprovar que o comunicante, no
caso a Infoglobo Comunicações Ltda., nem sempre demonstra o mesmo posicionamento
nos dois jornais. Ainda que apresente textos quase idênticos e assinados pelos mesmos
jornalistas, o direcionamento da leitura é imposto pelas manchetes, pelos subtítulos,
pelas fotos e suas legendas que hierarquizam os pontos mais importantes em que o leitor
deve se deter. Tal estratégia cumpre o contrato de comunicação jornalístico: a
interpretação se dá em relação com a identidade dos parceiros e de suas intenções
comunicativas: o jornal busca informar o que o leitor deseja saber e da maneira como
lhe é possível interpretar os fatos narrados. Em outras palavras, concluímos que um
mesmo comunicante utiliza estratégias linguísticas e discursivas distintas em função dos
destinatários – uma clara obediência ao duplo contrato de comunicação midiática, que
busca informar e seduzir os leitores.
Como proposta didática, ressalte-se que a leitura é uma atividade imprescindível
em qualquer área do conhecimento. Textos de natureza diversa exigem diferentes
116
abordagens para se chegar ao seu significado. Todo professor deve estar comprometido
com a formação de leitores críticos que aprendam a pensar sobre o pensamento dos
outros e cheguem a produzir seus próprios pensamentos. Para isso, a leitura não pode ter
um cunho meramente alfabético, precisa extrapolar as linhas do texto, as páginas dos
livros, indo em busca de significados em outros textos, outros livros, outras vivências.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para
o Ensino Fundamental:
Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que
lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando
elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros
textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um
texto; que consiga justificar e validar sua leitura a partir da localização de
elementos discursivos.” PCN (1997:54)
Na tentativa de amenizar, ainda que modestamente, a enorme dificuldade que a
escola tem de estabelecer novas e mais eficazes metodologias para o desenvolvimento,
por parte do aluno, das diversas competências linguísticas, tributárias do ato de ver-ler-
escrever-falar-ouvir e da aprendizagem formal desses processos, esta pesquisa propõe
que os professores de Língua Portuguesa façam com que seus alunos tenham
consciência da subjetividade que permeia os variados tipos de textos. Também é
importante levar os discentes a verem o texto midiático e os elementos paratextuais que
o acompanham como uma forma importante de comunicação, pelo diálogo que
estabelecem com instituições políticas, sociais e empresariais, possibilitando, assim, que
os estudantes se posicionem em relação aos acontecimentos noticiados sobre o mundo
em que vivem.
Desta forma, muito mais que mera decodificação de signos e palavras, as
atividades de interpretação textual são fundamentais não apenas para a formação
117
acadêmica do aluno, mas também para formação de um ser humano sensível e de um
cidadão consciente.
118
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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____________________. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo:
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___________________. Estratégias argumentativas no discurso publicitário. In:
PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino & WERNECK, Leonor (orgs.). Estratégias de
Leitura: Texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.
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___________________. Texto e contexto. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues &
BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs.). Ensino de gramática:descrição e uso. São
Paulo: Editora Contexto, 2008.
PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala. 4. ed. São Paulo: Nacional , 1982.
ROLIM, Wiliane Viriato. Quando a capa de revista é transformada em espaço
publicitário. In: MACHADO, Ida Lúcia & MELLO, Renato de (orgs.). Gêneros:
Reflexões em Análise do Discurso. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso,
2004.
__________________ Gênene. Bíblia Sagrada. São Paulo: Editora Ave-Maria, 1996.
__________________ Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa.
Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. 3. ed. Brasília: A
Secretaria, 2001.
SITE
www.infoglobo.com.br
121
ANEXOS
122
ANEXO 1
ENTREVISTAS COM OS JORNALISTAS
a) Marcelo Dias
b) Maurício Siaines
123
ENTREVISTA COM O JORNALISTA MARCELO DIAS, DO JORNAL EXTRA
(13 DE OUTUBRO DE 2010)
1. Há um manual de redação que guia o trabalho nos dois jornais?
R.:Sim, existe um manual de redação e estilo.
2. Qual a diferença entre notícia e reportagem?
R.: Reportagem é o processo de produção de uma notícia. O esforço de apuração,
checagem de informações, entrevistas, conferência de documentos etc. conduz à
elaboração da notícia. A convocação da Seleção Brasileira é uma notícia, assim como
a divulgação dos índices econômicos, o anúncio de um programa urbanístico, a
investigação de um caso de corrupção constituem uma notícia. Para aprofundá-la, há
diversas maneiras de produzir essa reportagem.
3. Como os maiores textos são publicados no jornal O Globo, imaginamos que alguns
"cortes" são feitos para que se componha a matéria a ser publicada no Extra. Como é
feito esse processo? São os próprios jornalistas autores das matérias maiores que fazem
isso? O que se procura “cortar”?
R.: Existe uma sinergia entre os produtos da Infoglobo. Digo produtos porque, como já
disse acima, a empresa possui diversos veículos de comunicação. Como vivemos em
uma metrópole, há assuntos que interessam mais aos leitores do Extra e outros que
interessam mais aos do Globo. Uma prova de hipismo, por exemplo, não interessa ao
leitor do Extra. Assim, o Globo cobre a prova e faz a matéria. Se o Extra publicá-la (há
casos em que um jornal não se interessa por determinados assuntos do outro), o
enxugamento do texto será feito por sua própria equipe.
Mas a comparação por tamanho de texto é um engano. O correto é afirmar que o
Extra é um jornal compacto e o Globo está no grupo que chamamos de jornalões.
Várias matérias minhas de página inteira são também enxugadas e publicadas com
menor espaço no Globo. Nesse caso, são eles que tratam de cortar os excessos do texto.
Enfim, não sou eu que corto meu texto quando publicado no Globo. São eles que o
fazem. E vice-versa.
Há até casos em que textos nossos saem com maior destaque e espaço no Globo. E
furos jornalísticos não são compartilhados.
Um caso prático. Nestas eleições, o Extra se encarregou de acompanhar o dia de
votação na Baixada e na Zona Oeste, cabendo ao Globo a Zona Sul e a Tijuca. No fim,
ambos aproveitaram o material e fecharam o jornal conforme sua linha editorial.
O mesmo é visto no grupo Arca, onde O Dia, o Meia Hora e o Marca Campeão
produzem o mesmo procedimento de sinergia.
4. São os jornalistas que criam a manchete e o subtítulo, quando escrevem a matéria? Já
se pensa em uma manchete para o jornal O Globo e uma para o Extra?
124
R.: Pelo que já expliquei, acho que fica claro que os dois jornais trabalham em
conjunto, mas cada qual seguindo sua linha editorial e até determinado ponto. Mesmo
em coberturas onde há a particpação das duas equipes, o enfoque pode ser totalmente
diferente na hora de se abordar aquele tema. Na hora de produzir suas manchetes,
chamadas e tudo o mais, é cada um por si. Cada jornal conduz o seu próprio
fechamento, sem interferência do outro.
Como temos escalas de horário, o repórter que pega às 7h deixa a redação às 15h.
Assim, é pouco provável que ele produza também o título de sua matéria. Mas nada te
impede de deixar uma sugestão de título. Eu produzo as minhas, até porque, como
chego às 13h, acompanho o fechamento.
5. Em relação às fotos que acompanham algumas matérias, quem faz as escolhe?
R.: Os editores, mas é comum pedirem a opinião dos repórteres.
6. São os jornalistas autores das matérias que também elaboram a legenda que
acompanham as fotos?
R.: Se o cara estiver aqui e acompanhar o fechamento, geralmente sim. Mas sempre
com o intermédio dos editores.
7. Como são vistos os leitores de cada jornal?
R.: O Globo tem perfil de classes AB, sobretudo. Nós, BC. Entretanto, temos leitores A
também. E eles C. O importante é não fugir à sua proposta editorial. O leitor te
acompanha por isso. Hà os que gostam de seguir colunistas, os que preferem
determinados cadernos, aqueles que gostam de abordagens compactas ou mais
alongadas.
125
ENTREVISTA COM O JORNALISTA E MESTRE EM SOCIOLOGIA
MAURÍCIO SIAINES, PROFESSOR DAS DISCIPLINAS ÉTICA NA
COMUNICAÇÃO E TEORIA DA COMUNICAÇÃO, NA UNIVERSIDADE
CÂNDIDO MENDES (25 DE MAIO DE 2011)
1. A reflexão sobre a questão dos gêneros textuais há muito se constitui como uma
problemática recorrente em diferentes áreas do conhecimento, uma vez que diferentes
são os objetos e também os pressupostos de categorização adotados, desde as
perspectivas literária, linguística e discursiva às teorias da comunicação. No meio
jornalístico, quais são as diferenças observadas entre notícia e reportagem?
R.: Notícia é a informação sobre algum fato, como a queda de um avião, um assalto ou um evento esportivo. A reportagem é uma construção de texto a partir da vivência experimentada pelo repórter. Para se dar uma notícia não é necessário viver o acontecimento, enquanto no caso da reportagem é imprescindível.
2. Quando se pensa na construção temática das matérias jornalísticas, quais são os
princípios da seleção dos fatos? Como ocorre o processo de transformação do
acontecimento em notícia?
R.: Na redação de uma notícia procura-se concentrar no primeiro parágrafo as principais informações. Procura-se responder às questões: o quê, quem, quando, onde e por quê. Este parágrafo é chamado de lide, um aportuguesamento do inglês lead, abreviação de leader. A elaboração do lide, por mais objetiva que possam ser as normas de redação, atende sempre a um critério subjetivo, à ideologia do redator. E é claro que a subjetividade do redator é fortemente influenciada pelos interesses da empresa de comunicação que o emprega.
3. Sendo os textos jornalísticos de natureza informativa, espera-se que o repórter, ao
relatar um acontecimento, deva adotar um ponto de vista distanciado e global para
garantir a imparcialidade de sua matéria. Você acha que essa neutralidade que permeia
os textos jornalísticos é ilusória? Por quê?
R.: Sim, acho que essa imparcialidade é ilusória, a subjetividade vais estar sempre presente. A melhor maneira de um jornalista ser imparcial é permitir que o leitor perceba suas próprias inclinações. A melhor maneira de um jornalista petista falar com isenção sobre o PSDB, por exemplo, é assumir, diante do leitor sua opção política.
4. De que modo as matérias jornalísticas exercem influência sobre a sociedade?
R.: Recorro aqui a Marshall MacLuhan. Ele entendia os meios de comunicação como extensões do homem, como as ferramentas, os utensílios, as roupas. A questão está no fato de adaptarmos nossos corpos às extensões de que nos valemos. E não só os corpos, mas também toda aquela imaterialidade que chamamos comumente de alma, isto é, aquilo que é virtual em nossas vidas. Se MacLuhan tem razão, adaptamos nossa existência aos meios de comunicação por nós utilizados, o que significa que nossas ações acabam sendo orientadas por eles.
5. Esta pesquisa, ao confrontar as matérias sobre os mesmos assuntos publicados nos
jornais Extra e O Globo, constatou que os textos são praticamente os mesmos nos dois
veículos de comunicação da Infoglobo, mantendo, inclusive, as mesmas construções
linguísticas. Contudo, as manchetes, os subtítulos, a fotos e suas legendas são bem
126
diferentes. Que importância esses elementos têm para a construção da matéria
jornalística?
R.: As manchetes, subtítulo e fotos orientam o leitor a respeito do que ler e o valor que lhes é atribuído com os recursos gráficos e de diagramação disponíveis. Formam uma hierarquia entre os elementos para serem lidos. Assim, são decisivos na definição da importância da matéria.
6. Para Patrick Charaudeau, a situação da comunicação das mídias se inscreve em um
duplo contrato comunicativo: um de informação (centra-se na informação propriamente
dita e tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o
cidadão) e outro de captação (procura produzir um objeto de consumo segundo uma
lógica comercial: captar as massas para sobreviver à concorrência). Como você analisa
o funcionamento desse contrato virtual nos jornais O Globo e Extra?
R.: O contrato que um público celebra com um jornal atende a muitas coisas, mas principalmente ao que o grupo deseja saber. Em função das preferências do público define-se também que produtos ele pretende consumir, tornando-se público-alvo de publicidade
7. Na tentativa de comprovarmos as hipóteses que guiam esta pesquisa, pedimos que
cento e vinte pessoas comparassem as manchetes, as legendas e os subtítulos
apresentados a seguir. Como jornalista, escolha um dos caos apresentados e faça uma
breve análise da forma como os jornais veiculam a mesma notícia, considerando o
público alvo, as fotos, as diferenças de vocabulário para a formulação do texto e a
intenção de cada enunciador.
O GLOBO (06/03/09) EXTRA (06/03/09)
ADVOGADO É ASSASSINADO NA LINHA
VERMELHA
Vítima foi atingida por cinco tiros por bandidos
que estavam em moto; na Dutra, quadrilha rouba
medicamentos
EXECUTADO NA LINHA VERMELHA
Advogado foi morto com cinco tiros perto da cabine da
PM na via expressa
127
R.: Vou me ater à matéria que se vale exatamente da mesma foto de crianças dormindo no chão em um dos acessos à favela do Jacarezinho. O leitor de Extra está mais próximo da realidade de lugares como o Jacarezinho do que o de O Globo. Este fato parece-me levar à redação da matéria em ser mais agressiva em Extra do que em O Globo. No primeiro, a
legenda “Menores ficam inconscientes após se drogarem com crack” aponta o problema
do uso da droga, enquanto que em O Globo a abordagem parece ignorar a droga. Sem dúvida, não se trata de um acaso. Talvez não se tenha querido incomodar o leitor de O Globo com uma realidade tão dura, preferindo-se sugerir-lhe ignorar o problema da droga. Os dois jornais atendem às necessidades de seus leitores com as escolhas de linguagem que fazem.
O GLOBO (10/03/09) EXTRA (10/03/09)
DEMISSÃO EM MASSA ABRE CRISE NO
ROCHA FARIA
Estado monta esquema emergencial sem
determinar prazo para suprir déficit de
médicos obstetras no hospital
GRÁVIDAS ENFRENTAM O CAOS NO ROCHA
FARIA
Demissão em massa abre crise na unidade
O GLOBO (22/03/09) EXTRA (22/03/09)
UM PROJETO PARA LIVRAR AS CRIANÇAS
DO CRACK
Prefeitura leva para abrigo menores usuários da
droga que vivem nos acessos do Jacarezinho e de
Manguinhos
Crianças dormem num dos acessos à Favela do
Jacarezinho
CRACOLÂNDIA NA ZONA NORTE
Projeto tenta salvar crianças que se drogam à luz
do dia nos acessos do Jacarezinho e de
Manguinhos
Menores ficam inconscientes após se drogarem
com crack
128
ANEXO 2
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS COM OS ALUNOS
a) A mesma história? Música “Desce”, de Arnaldo Antunes
b) “Várias maneiras formas de contar a mesma história: o caso Chapeuzinho
Vermelho”
c) Proposta de análise de parte do corpus desta pesquisa
129
Nova Friburgo, de de 2011
Aluno(a)
Ano turma
Professor(a)
nº
Ass. Responsável
Obs.:
Humanização: processo de encontro e convivência com o outro
A MESMA HISTÓRIA?
Ouça as duas versões, compostas por Arnaldo Antunes, para a música “Desce”. A mudança na melodia
causa alguma mudança na interpretação? Justifique detalhadamente sua resposta.
DESCE
desce do trono, rainha
desce do seu pedestal
de que te vale a riqueza sozinha,
enquanto é carnaval?
desce do sono, princesa
deixa o seu cetro rolar
de que adianta haver tanta beleza
se não se pode tocar?
hoje você vai ser minha
desce do cartão postal
não é o altar que te faz mais divina
deus também desce do céu
desce das suas alturas
desce da nuvem, meu bem
por que não deixa de tanta frescura
e vem para a rua também?
130
Nova Friburgo, de de 2011
Aluno(a)
Ano turma
Professor(a)
nº
Ass. Responsável
Obs.:
Humanização: processo de encontro e convivência com o outro
VÁRIAS MANEIRA DE CONTAR A MESMA HISTÓRIA: O CASO CHAPEUZINHO
VERMELHO
JORNAL NACIONAL (William Bonner): „Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem…‟.
(Fátima Bernardes): „… mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia‟.
PROGRAMA DA HEBE
(Hebe Camargo): „… que gracinha gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi
retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?‟
BRASIL URGENTE (Datena): „… onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades? ! A menina ia para
a casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva…
Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo
de lobo, não.‟
DISCOVERY CHANNEL Os Caçadores de Mitos simulam uma pessoa sendo engolida viva e tentando sobreviver em seguida.
REVISTA VEJA Lula sabia das intenções do lobo.
SUPERINTERESSANTE Lobo mau! Mito ou verdade ?
REVISTA ISTO É Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.
REVISTA TI TI TI Lenhador e Chapeuzinho flagrados em clima romântico em jantar no Rio.
REVISTA CLÁUDIA Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.
REVISTA NOVA
Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.
REVISTA SAÚDE O lobo não era mau! Os verdadeiros vilões eram os doces que Chapeuzinho levava.
REVISTA ANA MARIA 20 receitas imperdíveis de doces que agradam vovós e netinhas.
REVISTA CARAS (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte.)
Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho(15) fala a CARAS: „Até ser devorada,eu não dava valor
para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa‟