A AÇÃO COLETIVA E SEUS INTÉRPRETES

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Artigo de ação coletiva

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  • A AO COLETIVA E SEUS INTRPRETES

    Joo Alfredo Costa de Campos Melo Jnior1

    Resumo. A inteno deste artigo mapear a produo terica e intelectual sobre ao coletiva.Para tal, sero analisadas as propostas de cinco pensadores que verteram esforos nacompreenso do tema. Aqui sero discutidas as contribuies da Escola de Chicago, emespecial a psico-sociologia e o interacionismo simblico de Hebert Blumer, as clssicasabordagens marxistas sobre ao coletiva, Claus Offe e o olhar marxista sobre os novosmodelos de ao coletiva, Charles Tilly e sua perspectiva de anlise scio-histrica sobre osmovimentos sociais e Mancur Olson e as aes coletivas a partir de uma tica racional. Enfim, oqu se pretende apresentar de modo comparado, as aproximaes e as excluses tericas eprticas desses autores contemporneos que refletem sobre as aes coletivascontemporneas.

    Palavras-chave: Ao Coletiva, Escola de Chicago, Claus Offe, Charles Tilly, Mancur Olson.

    Collective action and its interpreters

    Abstract: This article intention is to give the theorical and intellectual map production regardingcollective actions. For such, we will analyze the propositions of five thinkers who have work forthe better understanding of this question. We will discuss the contributions of the ChicagoSchool, especially psic-sociology, and Herbert Blumer symbolic interactionism; the classicalMarxists approaches on collective actions; Claus Offe and the Marxist point of view on the newmodels of collective actions; Charles Tilly and his social-historic perspective analysis aboutsocial movements; and finally Mancur Olson and collective action from a rational perspective.What we intend is to present comparatively the theorical and practical similarities and exclusionsof these contemporary authors who contribute with collective actions today.

    Key-words: Collective Action, Chicago School, Claus Offe, Charles Tilly, Mancur Olson.

    1 Doutor em Cincias Sociais pela Universidade Federal de So Carlos. Professor da PontifciaUniversidade Catlica de Minas Gerais.

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    1 IntroduoAs abordagens sobre os movimentos sociais, desenvolvidas pelas

    Cincias Sociais, so estimuladas pelas mutaes ocorridas nos grupose em seus comportamentos coletivos e cooperativos, como j diziaGeorge Hebert Mead. Para esse autor norte-americano, oriundo daEscola de Chicago, as razes que levam os seres humanos a buscarparcerias e cooperaes ao longo das geraes no podem ser expli-cadas apenas por aspectos puramente fisiolgicos. Para ele, a psicologiasocial e o interacionismo simblico conseguiram capturar os motivosque levam os humanos a cooperarem uns com os outros.

    Segundo Hebert Mead, a busca por organizaes e modelos as-sociativos acontece somente em dois casos: a) o ator individual percebeas aes e atos de outros e se identifica com elas; b) a partir disso,constri suas respostas vinculadas aquele determinado grupo. Todavia,acrescenta o autor, para que ocorra o processo de cooperao entre aspessoas, de fato, seria preciso observar dois pontos cruciais: a)compreender as formas de ao do outro; b) conseguir acomodar ocomportamento pessoal de acordo com os interesses coletivos(HAGUETTE, 2005).

    Os comportamentos coletivos podem ser classificados comoresponsveis pelas intenes dos outros envolvidos no processo de aogrupal. Tais intenes seriam transmitidas simbolicamente por gestosinterpretveis para aquele determinado grupo social (HAGUETTE,2005). So esses gestos que articulam significativamente as relaesentre diferentes pessoas, possibilitando um aprendizado social entre osgrupos.2

    Contudo, vale lembrar que a ao coletiva est ligada apenas aum campo de ao, o que quer dizer que ela vem sempre relacionada aum determinado local ou grupo de interesses que servem comocondutores para sua realizao. Assim sendo, a ao sempre se realiza apartir de situaes prprias que acabam demandando a articulao deestratgias especficas por parte dos grupos envolvidos: logo, a ao construda atravs da interpretao da situao, consistindo a vida

    2 Refletindo sobre as relaes sociais, escreve Teresa Haguette: para Mead a relao dosseres humanos entre si surge do desenvolvimento de sua habilidade de responder seusprprios gestos. Esta habilidade permite que diferentes seres humanos respondam da mesmaforma ao mesmo gesto, possibilitando a compartilhar de experincias, a incorporao entre sido comportamento. O comportamento , pois, social e no meramente uma resposta aosoutros (2005, p. 28).

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    grupal de unidades de ao desenvolvendo aes para enfrentarsituaes nas quais elas esto inseridas (HAGUETTE, 2005, p. 29).

    Os primeiros apontamentos sobre as teorias de ao coletivasurgiram nos Estados Unidos, quase em paralelo com o desenvol-vimento da Sociologia no pas. A produo intelectual sobre o assuntono ficou circunscrita s academias americanas, embora seu amadu-recimento e desenvolvimento tenham ocorrido em solo norte-ame-ricano.

    consensual admitir que a Escola Sociolgica de Chicago esuas pesquisas sobre ao coletiva e interao simblica tiveram umlongo perodo de prevalncia: do fim do sculo XIX at meados dosanos 60 do sculo XX. Porm, como admite Maria da Glria Gohn(2004), ela no foi homognea nem linear: houve diferentes fases, comnfases tericas diversas. Pelo menos cinco linhas de pesquisa podemser elencadas e todas elas possuam um ncleo aglutinador comum,qual seja: as teorias da ao social e coletiva e a tentativa decompreenso dos comportamentos coletivos3 (GOHN, 2004).

    Sendo a busca pelos comportamentos coletivos a principal metaa ser realizada, um enfoque sociopsicolgico4 era utilizado comorecurso interpretativo, enfatizando, sobretudo, aspectos relacionados saes coletivas institucionais e no-institucionais. A citao que sesegue parece contribuir para o esclarecimento da utilizao dessa meto-dologia que unificava as Cincias Sociais e a Psicologia:

    A mente concebida por Mead como um processo quese manifesta sempre que o indivduo interage consigoprprio usando smbolos significantes. Esta signifi-cncia ou sentido tambm social em sua origem [...].Da mesma forma a mente social tanto em sua ori-gem como em sua funo, pois ela surge do processosocial de comunicao (HAGUETE, 2005, p. 27).

    Os movimentos e as aes sociais eram compreendidos como ci-clos evolutivos, que se manifestavam, desde sua origem, atravs de

    3 Enfatizando a busca pela compreenso dos comportamentos coletivos, Haguette (2005)observa que a sociedade era analisada como um processo de inter-relao com os indivduospertencentes a ela. Alm do mais, o comportamento humano era considerado como partefundamental e necessria para manuteno da dinmica social e grupal.4 Hebert Mead (1863-1931) e, mais tarde, Hebert Blumer, em 1937, utilizaram largamente deconceitos oriundos da psicologia, adaptando-a para questes relacionadas com o meio social.Para os dois, os aspectos subjetivos do comportamento humano so partes imprescindveis daformao e manuteno do self social e de seu grupo social de origem.

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    processos comunicativos utilizados como atrativos. A procura por taisgrupos acontecia, na maioria das vezes, devido a situaes de desesperoemocional e instabilidade financeira gerados por transformaes nosprocessos produtivos e industriais. Nota-se a preocupao com ques-tes de cunho psicolgico e social, fato que justificava a utilizao demetodologias sociopsicolgicas na tentativa de alcanar as reaesindividuais dos participantes dos grupos sociais.

    Maria da Glria Gohn (2004) argumenta que os comporta-mentos e as aes coletivas eram considerados, pela abordagem tradi-cional norte-americana, oriundas de tenses e conflitos sociais. Emoutras palavras, os movimentos sociais surgiam em funo de crisesinstitucionais e debilidades sociais.5

    A autora destaca que existem pelo menos cinco grandes linhastericas de abordagem clssica que discutem os movimentos sociais ecoletivos. Ela esclarece que o agrupamento das correntes obedeceu acritrios prprios, organizados da seguinte forma: trs receberam ottulo de movimentos sociais, enquanto as duas restantes foram conce-bidas como aes coletivas (GOHN, 2004).

    A primeira teoria sobre as aes coletivas surgiu com a Escolade Chicago no incio do sculo XX, quando marcadamente pesquisassobre as cidades tiveram o seu incio e, conseqentemente, sobre osmovimentos sociais resultantes dos conflitos urbanos. A principal me-todologia utilizada era o interacionismo simblico de Hebert Blumer(GOHN, 2004).

    A segunda linha de pensamento surgiu um pouco mais tarde:entre o final dos anos 40 e o comeo dos anos de 1950. O quecaracteriza essa corrente, segundo Gohn (2004), o desenvolvimentodas teorias sobre as sociedades de massas, que concebiam os movi-mentos sociais como formas irracionais de comportamentos coletivos.

    A terceira etapa teve predominncia entre os anos de 1950,articulando classes e relaes sociais de produo. Sua inteno eracriar uma teoria que conseguisse abarcar tanto os movimentos sociaisquanto as reivindicaes partidrias (GOHN, 2004).

    5 De acordo com Gohn: a idia de anomia social estava sempre muito presente, assim como asexplicaes centradas nas reaes psicolgicas s frustraes e aos medos, e nosmecanismos de quebra de ordem social vigente. Estes elementos, aliados s ideologiashomogeneizadoras, eram precondies importantes para emergncia dos movimentos sociais(2004, p. 24).

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    A quarta corrente terica foi criada a partir de uma mescla entreas abordagens da Escola de Chicago e a teoria de ao social deParsons (GOHN, 2004). A importncia dessa concepo foi arealizao de um longo trabalho sobre as aes coletivas, quando fo-ram destacados desde os elementos mais bsicos dos comportamentossociais at as mais apuradas e refinadas formas aes coletivas. Gohn(2004) argumenta que a corrente retomou as pesquisas com as meto-dologias voltadas para a construo psicossocial, em detrimento dosvnculos entre as estrutura sociais e a poltica.

    A ltima linhagem de abordagem clssica recebe o nome deorganizacional-institucional. Apesar de ter contribudo para a desarti-culao do paradigma clssico sobre os movimentos sociais, no se so-lidificou eficazmente. Somente nos anos de 1990, novamente passa aser retomada (GOHN, 2004).

    Deste momento em diante, alguns autores e suas respectivasteorias que tm como meta de pesquisa a idia de ao coletiva, se-ro discutidos de modo mais verticalizado. Cumpre ressaltar que, paraabordar os diferentes enfoques sobre o mesmo tema, ser feita umaopo de recorte. Entretanto, no h como discutir conceitos sobre osmovimentos sociais sem antes rememorar a Escola de Chicago e ointeracionismo simblico.

    2 A Escola de Chicago e a inaugurao das teorias sobreao coletivaEscrever acerca da produo sociolgica sobre os movimentos

    sociais e suas aes coletivas sem mencionar a Escola de Chicago algoimpensado, pois foi atravs dela que a Sociologia se constituiuenquanto disciplina de talhe cientfico. Por Escola de Chicago entende-se um conjunto de trabalhos e pesquisas realizados por professores eestudantes daquela instituio de ensino. A marca indelvel da Escolaser o incremento e o incentivo pela pesquisa de campo e emprica,voltada soluo de problemas estruturais da cidade.6

    Por esse prisma, a Escola de Chicago desenvolveu metodologiasde estudo e de trabalho voltadas principalmente para uma SociologiaUrbana, que procurava desvendar os problemas que a cidade de Chi-cago enfrentava, principalmente quando se tratava de uma intensa

    6 Sobre essa forte tendncia, Alain Coulon comenta: ao contrrio, a tendncia emprica sermarcada pela insistncia dos investigadores em produzir conhecimentos teis para a soluode problemas sociais concretos (1995, p. 8).

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    imigrao que, poca, ocorria na cidade e nos Estados Unidos de ummodo em geral.

    Entre as principais contribuies trazidas pela Sociologia deChicago, talvez a mais importante, foi a inovao no trato com asfontes documentais. Os pesquisadores da instituio desenvolveramtrabalhos a partir de documentos at ento considerados pouco usuais,como cartas, fotografias, dirios pessoais, mapas, entre outras fontes depesquisa.7 Percebia-se uma forte predileo pela metodologia Qua-litativa que se fortalece principalmente aps a Segunda Grande Guerra.

    O enfoque pretendido pelas produes acadmicas resultava nareflexo acerca da interao entre o indivduo e a sociedade. Para tal,eram utilizadas pelo menos duas metodologias: o pragmatismo e ointeracionismo simblico. A primeira analisava a atividade humana esuas aes em sociedade por trs dimenses, que acreditavam in-separveis: a biolgica, a psicolgica e a tica (COULON, 1995). J asegunda metodologia buscava inserir, em cores vivas, a naturezasimblica da vida social dos seres humanos, destacando as significaessociais produzidas pelas relaes interativas dos agentes executores8

    (COULON, 1995).

    Todos os elementos articulares da Escola de Chicago concebiamo conflito social como inevitvel e natural, uma vez que era originriodo choque entre os diferentes estratos sociais e culturais (GOHN,2004). Gohn mostra que os lderes grupais no seriam os responsveispela exploso dos conflitos. Todavia, teriam uma funo impres-cindvel: organizar, da melhor forma possvel, todos os envolvidos noprocesso. Graas interveno da liderana esclarecida, surgiam osmovimentos sociais.

    Os movimentos sociais no seriam, relativiza Gohn (2004),causados pelos lderes, mas pela situao de confronto que se estabe-lecia entre as camadas populares. Caberia aos lderes, catalisar as de-mandas e os clamores, transformando-os em organismos sociais queteriam a funo de equacionar os possveis atritos entre as esferassociais. Contudo, continua Gohn (2004), a funo dos lderes seriapromover as mudanas estruturais, acomodando-as organizadamente 7 Vale acrescentar, a ttulo de curiosidade, que a Histria viveu sua revoluo documental apartir de 1929, com a fundao da Escola dos Annales.8 Reafirmando a metodologia interacionista empregada pela Escola de Chicago, Gohn admiteque: deveriam ser utilizados estudos comparativos e investigaes sobre as condiesparticulares ocorridas onde se desenvolviam processos interacionistas, destacando-se aquelasrelacionadas com a participao criativa dos indivduos. O elemento da criatividade, visto comoinerente aos indivduos, era um dos pressupostos bsicos da Escola (2004, p. 27).

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    na sociedade, evitando, com isso, confrontos mais srios e proble-mticos entre os diversos grupos envolvidos. bastante ntido que aspesquisas de Chicago apontavam as lideranas populares comoinstrumentos diretos de coeso e controle dos clamores originados dosmovimentos sociais. Assim sendo, pregavam a constituio de lderespreparados para exercerem a funo que lhes era delegada pelapopulao:

    Ou seja, o lder era um instrumento bsico de um-dana, da acomodao, da reforma. Os problemas sur-giam quando os movimentos sociais no conseguiamser controlados por seus lderes, dando origem adescaminhos na direo do movimento. A soluoseria buscar, cada vez mais, formar lideranas respon-sveis (GOHN, 2004, p. 29).

    O componente educacional era fundamental em todo esseprocesso, como deixa transparecer o trecho de texto citado. Os lderesprecisariam estar preparados para os desafios que iriam encontrar aolongo da jornada. Por isso mesmo, juntamente com as instituiessociais, a educao era outro elemento prioritrio para os pesquisa-dores da Escola de Chicago.

    Entretanto, vale ressaltar que a educao concebida no se res-tringia somente aos bancos escolares: ela ia muito alm, era bastanteinformal e se difundia cotidianamente nas aes feitas em sociedade ena vida urbana (GOHN, 2004). Os conflitos seriam, acima de tudo,considerados como escolas de cidadania que permitiriam a construode aspectos voltados criatividade dos indivduos e em suas relaescom o meio social que integravam.9

    A metodologia de trabalho e pesquisa desenvolvida pela Escolade Chicago, resumindo, foi uma das responsveis pelo amadure-cimento terico e emprico de pesquisas que tinham como foco centrala idia de ao coletiva. A partir do experimento metodolgico, forne-ceu subsdios at ento pouco usuais, que enriqueceram as formu-laes sobre os movimentos e aes sociais atravs da utilizao defonte.

    9 Segundo Gohn: a criatividade e o individualismo eram coerentes com o desenvolvimento doprocesso e parte dele. Estes pressupostos tiveram grande repercusso nas polticas dedesenvolvimento comunitrio do ps-guerra e estiveram na base de vrias propostas deeducao popular da Amrica Latina nos anos 70 e 80 (2004, p. 30).

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    3 As abordagens clssicas marxistas sobre as aescoletivasEmbora o desenvolvimento de uma teoria consistente sobre os

    movimentos sociais e aes coletivas, nas suas mais variadas acepes,no tenha sido uma das preocupaes centrais de Karl Marx10, ineg-vel a sua contribuio, seja direta ou indireta, para o tema. A partir deMarx que se desenvolvem sistemticas teorias sobre os movimentossociais e suas aes coletivas.

    O Capital foi a mais expressiva obra de Marx voltada para oentendimento das questes relacionadas ao desenvolvimento capitalistano sculo XIX e suas conseqncias para a sociedade e as aescoletivas. O que fica claro, com a publicao desse clssico do pensa-mento social, a compreenso do trabalho humano como mercadoria. a partir dessa articulao que Marx explica as facetas do desenvol-vimento social capitalista. A mais-valia juntamente com o aumento notempo (mais-valia absoluta) e o aumento no ritmo do trabalho (mais-valia relativa), seriam formas de acumulao de capital impostas pelaburguesia industrial, com o claro objetivo de desarticular os movi-mentos sociais e operrios.

    As reflexes sobre o desenvolvimento capitalista e industrial,naturalmente, levaram Marx a discutir as noes de classe e prxis so-cial.11 Estes dois pontos so, com certeza, os epicentros de suas anlisessobre ao coletiva.

    Em algumas de suas obras, Marx faz aluses aos movimentossociais como provveis estopins de um projeto radical de transforma-o na estrutura da sociedade. A superao da histrica condio de ex-plorao seria realizvel pela prxis poltica que, em ltima instncia,dependia da formao da conscincia de classe e de uma ideologia ad-quirida pela vivncia e maturidade poltica. A aquisio da conscinciaclassista seria possvel pela retomada/valorizao de todas as aescoletivas, como se pode notar pela seguinte citao: 10 De fato, as aes coletivas e os movimentos sociais nunca foram umas das maiorespreocupaes do autor. Ou seja, Marx no formulou uma teoria sobre as aes coletivas e osmovimentos sociais do sculo XIX. Seu foco central de estudo foi o desenvolvimento capitalistae industrial. Sua inteno era tentar compreender os processos de acumulao e desenvol-vimento capitalista. Para tal desenvolveu em O Capital, anlises sobre a mercadoria e osefeitos sociais advindos dela.11 Prxis refere-se s aes coletivas realizadas em sociedade, de modo livre, universal,criativa. atravs da prxis, completa Marx, que o homem transforma o mundo que o rodeia ea si mesmo, diferenciando-se dos demais. Desse modo, torna-se um ser da prxis, concebidacomo o conceito central da tese marxiana (BOTTOMORE, 1993).

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    Marx defende ainda o ponto de vista de que todas asformas de luta, experincias embrionrias e particu-lares de organizao sindical devem ser recuperadas como as greves, as ligas e unies , precisamente pelosentido geral de contedo poltico e revolucionrioque indicam, no no futuro abstrato, mas no presentehistrico de seu desenvolvimento, como processonico, vivo e complexo (GOHN, 2004, p. 178).

    No obstante, no uma tarefa fcil definir precisamente oconceito de classe social para o marxismo. Nem sequer o prprio Marxse preocupou em teorizar a respeito de movimentos e classes sociais.Seus objetivos eram outros e a discusso sobre classes sociais no faziaparte de seus intentos tericos, embora retome o tema em algunsescritos esparsos.

    Um alerta feito por Marcelo Ridenti (2001): Marx, muitasvezes utiliza o conceito de classe social para definir diversas ediferentes formas de organizao popular. Isto , emprega o termo emsituaes que, muitas vezes, no so correspondentes.12 Em outraspalavras, o termo utilizado para designar grupos sociais no seme-lhantes que convivem em sociedade, relacionando-se e lutando porideais particulares, criando com isso relaes de conflito, explorao edominao entre os atores envolvidos (RIDENTI, 2001). Sendo assim,as classes13 podem ser visualizadas em sociedades mais desenvolvidasdo ponto de vista econmico, nas subdesenvolvidas, nas mais moder-nas, nas mais atrasadas e assim por diante.

    Edward Thompson e parte dos revisionistas ingleses percebemclasse social como uma categoria histrica, derivada de processos so-ciais e conflitivos estruturados atravs do tempo. Portanto, no possvel, segundo Thompson, teorizar sobre o conceito de classe socialcomo um fenmeno global e imutvel.

    12 Esclarece Sedi Hirano (1988) que Marx adotou o termo em diferentes momentos e sentidos:genrico-abstrato; especfico e particular. Assim comenta o autor: no primeiro so realadasas determinaes comuns e gerais pertencentes a todas as pocas, no segundo o fenmenoespecfico determinado pela produo capitalista moderna (HIRANO, 1988, p. 82).13 Vale lembrar que, seguindo a tradio do marxismo, classes sociais s existem emsociedades em que o capitalismo industrial encontra-se consolidado. Dessa maneira, duasclasses antagnicas tornam-se perceptveis: de um lado, a burguesia que investe no capital econcentra a propriedade dos meios de produo, e, do outro lado, seu contraponto, a classeproletria que obrigada a vender sua fora de trabalho, uma vez que se encontra alienada daposse dos meios de produo. Todavia, os operrios, segundo a viso clssica marxista, spodem ser considerados como classe quando se agrupam em sindicatos, associaes oupartido polticos, com o intuito de lutarem eficazmente contra a explorao burguesa.

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    Nesse sentido, Thompson (2001) discorda de Marx e de seusintrpretes estruturalistas ao mostrar que falso pensar a noo declasse social como uma categoria esttica, tanto do ponto de vistasociolgico como heurstico. O historiador ingls mostra que no possvel falar em classe social sem mencionar as pessoas ou osmltiplos grupos que dela fazem parte. Eles entram em contanto unscom os outros atravs de processos de luta que, para Thompson (2001),acontece no mbito cultural, modificando radicalmente as antigasestruturas e as antigas relaes de classes herdadas.

    Mais uma vez, tomando como referncia O Capital, Marxexpe a existncia de trs grandes categorias de classe social. Cada umadelas, a seu modo, desenvolve relaes em sociedade e diferentes for-mas de ao coletiva. Sinteticamente, as classes so divididas da se-guinte forma: capitalistas, proprietrios rurais e trabalhadores assala-riados urbanos. Rigorosamente seriam essas as nicas classes sociaispara Karl Marx.

    Observa-se, portanto, que essas trs seriam as nicas classesoriundas do desenvolvimento capitalista e industrial. Elas so, deacordo com Ruy Fausto (1987), as expresses mais tangveis da relaode classe e de produo, pois se solidificaram como agentes expressivosdessa forma de relao. No obstante, embora Marx no explicite emO Capital, existe, ainda, uma classe social margem dos trs grandesgrupos aqui mencionados: o lumpenproletariado composta normal-mente por aquelas pessoas totalmente excludas das relaes de classe,como as prostitutas, os mendigos e outros.

    Em resumo, as manifestaes de classe, refletidas em suas for-mas de ao coletiva, dependem, para Marx, sobretudo de uma prxisconstruda no interior de entidades representativas. Por sua vez, elasseriam responsveis pela construo e aquisio da conscincia coletivae individual. Ao que parece, a ao da classe operria deveria passarobrigatoriamente pela constituio de um coletivo operrio livre eigual, com o rompimento do capitalismo industrial e com as formasde explorao dele advindo.

    Enfim, a ruptura definitiva com as formas de exploraocapitalista estaria genuinamente associada ao poder de luta e mobi-lizao dos trabalhadores organizados, como demonstra Ridenti:

    O futuro poltico no estaria predeterminado paraMarx, nem seria totalmente indeterminado. Ele depen-deria de uma competio entre os possveis histricosno equivalentes, a Histria teria um sentido imanente

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    potencial, a saber, a ruptura com a explorao de clas-se, que dependeria da capacidade de luta da classe tra-balhadora, da prxis coletiva (RIDENTI, 2001, p. 28).

    A citao explicita, de certo modo, as anlises de Marx sobre osmovimentos sociais e suas formas de ao coletiva, empreendidascontra a burguesia industrial e contra o capitalismo. Apesar de no terteorizado formalmente a respeito da temtica, suas reflexes abriramcaminhos para que seus seguidores pudessem, a partir das obrasmarxianas, articular teorias relativas aos movimentos sociais e s aescoletivas.

    imprescindvel acrescentar que Marx deu uma contribuioincomparvel para o entendimento do capitalismo moderno. Todavia,as teorias marxistas deterministas sobre classe social so analiticamentemuito pobres. A clssica questo de classe em si e para si apresenta-secomo uma concepo puramente teleolgica e de pouca aplicabilidadeemprica. Tal crtica compartilhada pela Escola Marxista RevisionistaInglesa e em especial por Thompson, que argumenta da seguinte for-ma:

    Pois, se o proletariado verdadeiramente privado daconscincia de si mesmo como proletrio, ento nopode se definir assim [...]. Por meio de anlises e defi-nies similares, logramos descobrir as insuficinciasescondidas sob o uso do termo classe operria, podem-do reexamin-lo (THOMPSON, 2001, p. 275-276).

    Todavia, as anlises de Marx abriram caminho para a criao deoutras, sejam elas feitas por crticos ou por seus seguidores. Suaimportncia inegvel e inquestionvel.

    4 Claus Offe e as novas abordagens marxistas sobre asaes coletivasSeguindo as tradies clssicas da sociologia marxista, Claus

    Offe desenvolve estudos referentes crise da sociedade capitalista e dotrabalho. Esse autor alemo, assumidamente marxista, incorpora novoselementos como, por exemplo, aspectos socioculturais s suasanlises sobre a conjuntura sociopoltica no capitalismo avanado.14

    14 Referindo-se s abordagens de Offe, expe Gohn: ao contrrio de Touraine que prioriza aanlise sociocultural e de Melluci que prioriza a psicossocial , Offe prioriza a anlisepoltica, fazendo articulaes entre o campo poltico e o sociocultural (2004, p. 164).

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    Pelo fato de apresentar uma nova viso s tradicionais abordagensmarxistas, Offe considerado um autor neomarxista ou ps-marxista.Ele avana em alguns pontos deixados de lado pela Escola deFrankfurt, principalmente no que concerne teoria crtica deHabermas (GOHN, 2004).

    Elegendo a Alemanha seu pas de origem como localprivilegiado para seus trabalhos, Claus Offe desenvolveu estudos quepriorizavam o debate sobre a decadncia do Welfare State e o desen-volvimento da crise capitalista, alm das incertezas dos partidospolticos ocidentais e autoritrios. Refletiu tambm sobre a transioque assolava a esquerda europia, assim como sobre os problemasestruturais e as perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho.Em cada uma dessas mltiplas reas de anlise, tentava incorporarfatores dialticos, materiais e simblicos. A observao de Offe parecebastante providencial:

    Um novo subjetivismo sociolgico, evidenciado emuma srie de abordagens interpretativas que represen-tam mais que um mero modismo, pesquisando o co-tidiano, analisando a vida e o espao vital, rompe evi-dentemente com a concepo de que as experinciasfeitas na esfera do trabalho e nas condies a predo-minantes possuiriam um poder de alguma forma privi-legiado na determinao da conscincia e da ao so-ciais (OFFE, 1989, p. 17).

    Caracterizando a transio capitalista como desorganizada ecomflituosa, Offe (1989) demonstra, ancorado em Habermas, que asituao do trabalhador nesse contexto mais varivel e dependentedas polticas estatais e de trabalho no campo social, e menos das arti-manhas empresariais e da automatizao e racionalizao da produoque sacrificam aquele que vive do trabalho.

    Parte de sua abordagem sobre as esferas do trabalho mostra queele normalmente constitudo por foras externas ao prprio traba-lhador, o que pode gerar dvidas quanto eficincia das anlises ma-cro-sociolgicas clssicas referentes s estruturas de formao dasclasses sociais (OFFE, 1989). O autor ainda argumenta que esse tipo depesquisa freqentemente gera limitao dos modelos de sociedadecentrados no trabalho, que so sublinhadas genericamente nasanlises que evidenciam apenas o aspecto socioeconmico. Normal-mente, comenta Offe (1989), as variveis que incidem sobre esse mo-

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    delo de estudo so inapropriadas para uma assimilao completa dassociedades industriais do Ocidente.

    Existem algumas formas de conflito e aes coletivas nassociedades industriais que ultrapassam os limites estreitos das abor-dagens tradicionais que destacam apenas os aspectos econmicos eestruturais como fim ltimo. O autor alerta que existem situaes eformas de conflitos sociais e polticos e que as aes coletivas ultra-passam as percepes estabelecidas por algumas teorias sobre otrabalho e o capital. Offe (1989) deixa claro que essas formas peculiaresde conflito ocorrem normalmente quando existe uma mescla de fren-tes de conflito referenciados pelo trabalho com conflitos no refe-renciados pelo trabalho.15

    Observando os cenrios atuais de publicao e pesquisa nascincias sociais, Offe (1989) observa que parte considervel dostrabalhos centrados nos debates sobre os modelos de ao coletiva nocapitalismo industrial e sobre a atividade remunerada nesse contextoassenta-se em bases intelectuais conservadoras.

    Segundo o autor alemo, cientistas sociais filiados ao mate-rialismo histrico ou teoria crtica mostram, de modo incisivo, queos trabalhos clssicos da Escola de Frankfurt abandonaram premedi-tadamente as anlises centradas nas estruturas, nos conflitos e nasperspectivas de desenvolvimento do trabalho social, para dedicarem-sea um espao vital a ser protegidos de usurpaes econmicas e pol-ticas (OFFE, 1989).

    Todavia, continua Offe (1989), apesar das abordagens sinaliza-rem progressos efetivos, necessrio, por outro lado, considerar osproblemas resultantes das conjunturas polticas e econmicas comoobjetos da pesquisa sociolgica. Ainda necessria, para o autor, umajustificativa intelectual sobre o deslocamento do ngulo de interesse dapesquisa sobre as aes coletivas.

    Em concomitncia com esses diferentes modelos tericos deanlises, aparecem os denominados novos movimentos sociais, queutilizam diferentes estratgias de ao coletiva. Parte considervel dosmilitantes constituda por pessoas com nvel cultural elevado, beminformadas e que no possuem histrico de militncia em outros

    15 assim que o autor mostra essas novas modalidades conflitivas e de ao coletiva: nomximo, poder-se-ia falar de uma situao mesclada, onde frentes de conflito referidas aotrabalho se cruzam com outras frentes de conflito no referenciadas ao trabalho; o que dequalquer forma ressalta o meta-conflito, no menos terica e politicamente explosivo, sobre osquais seriam ento as contradies predominantes (OFFE, 1989, p. 18).

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    movimentos polticos, mas que lutam por objetivos comuns. Assimsendo, as novas demandas sociais e aes coletivas no se restringemapenas aos ativistas; elas se fragmentaram pela sociedade como umtodo.

    No obstante, Offe (1989) revela que o comportamento dosnovos ativistas sociais pode ser classificado como extra-institucionais,uma vez que no atuam em nome de uma doutrina poltica definidacomo revolucionria. O princpio motivador da criao dos novosmovimentos sociais surgiu a partir de problemas ideolgicos encon-trados na vida cotidiana e da construo de uma identidade coletivadesses novos atores sociais, que buscavam a complementao dos seusdireitos sociais e democrticos (GOHN, 2004). Por isso mesmo,completa Offe (1989), reivindicavam junto s elites polticas dirigentesquestes que so particulares e de interesse restrito quele determinadotipo de movimento.

    Conseguindo perceber diferenas ideolgicas e estruturais entreos tipos de ao coletiva, o autor dividiu os movimentos em doisparadigmas distintos, que expressariam a concepo poltica de cadaum deles. A diviso obedeceria ao seguinte critrio: o tradicional, quese iniciou aps a Segunda Grande Guerra, e o recente, surgido a partirda dcada de 1970 (GOHN, 2004).

    O que caracterizava o primeiro momento, representado peloWelfare State, eram as polticas de promoo da seguridade social,cabendo aos atores sociais envolvidos no processo atuarem comogrupos de interesse econmico. Essa atuao poderia ser pensada deduas maneiras: internamente, nas organizaes, associaes represen-tativas ou, externamente, em intermediaes corporativistas de interes-ses grupais e na competio eleitoral entre partidos polticos (GOHN,2004).

    Por outra parte, o novo modelo de ao coletiva, apresentadonos anos de 1970, constitudo de uma mirade de instituies quebuscavam conquistas particulares, voltadas para suas reas de interesse.O conjunto das diferentes formas de ao coletiva recebeu o nomegenrico de novos movimentos sociais. Entre eles, pode-se lembrar dealguns, tais como: movimento de estudantes, movimento de mulheres,de homossexuais, pela liberao sexual, movimento verde, de minorias,pela paz, entre tantos (GOHN, 2004). Como dito anteriormente, osnovos movimentos sociais se constituram em espaos polticos no-

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    institucionalizados, que transbordam o Estado de Bem-Estar Social,reinventando uma nova forma de atuao.16

    Em sntese, o argumento central de Offe mostra que os novosmovimentos sociais e seus empreendimentos coletivos surgem comorespostas estruturadas dentro de uma recente ordem. Seus desejosincontidos de expresso procuram reconhecimento com interlocutoresresponsveis e credenciados a atuarem na esfera pblica e privada emnome daqueles que representam. Compartilhando a mesma idia comRichard Sennett (2006), Offe mostra que os novos movimentos sociaisfuncionam como crticos audazes do processo de modernizaoforada em pauta na cultura do novo capitalismo.

    5 A ao coletiva sob a perspectiva sociohistrica deCharles TillyCharles Tilly atualmente um dos pesquisadores mais revisi-

    tados na rea das Cincias Sociais. Sua produo acadmica passa portemas como ao coletiva, formao dos Estados Nacionais europeus,metodologia e teoria da histria, cidadania e urbanizao.

    Monsma (1996) argumenta que um dos pontos altos daproduo terica de Tilly foi o estabelecimento de conexes entre aSociologia e a Histria. Em dois estudos As sociology meetshistory (1981) e Big structures, larges processes, huge comparisons(1985) discute a importncia de aproximao entre as duas cincias.Entre os argumentos levantados por Tilly, o mais conspcuo foi mos-trar que os historiadores, especialmente os marxistas revisionistas ingle-ses, como Eric Hobsbawm, Edward Thompson, Albert Soboul e ou-tros, j utilizavam teorias e mtodos originalmente voltados s Cin-cias Sociais. A recproca entre a Sociologia e a Histria era verdadeira,dizia o autor, pois as principais teorias sobre os processos de moder-nizao, utilizadas pelos socilogos, tinham como base a Histria(MONSMA, 1996).

    Com a publicao, em 1978, do seu consagrado Frommobilization to revolution, Charles Tilly incorpora novas abordagens

    16 Sobre os novos movimentos mociais e seus valores, diz Gohn: os valores bsicosdefendidos so autonomia pessoal e identidade em oposio a formas de controlecentralizadas. Os modos de atuar so, internamente, predominncia de informalidade,espontaneidade, baixo grau de diferenciao horizontal e vertical. O uso de mtodos no-convencionais ocorre no por desconhecimento das formas convencionais, mas por neg-las oupor conhecer suas limitaes (2004, p. 167).

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    sobre os comportamentos e as aes coletivas, que se tornaram refern-cias para os estudiosos da rea. Nessa obra, Tilly procura trabalharcom as teorias sobre ao coletiva a partir das obras de Marx, Weber eDurkheim, no se restringindo somente aos trs clssicos das CinciasSociais. Ele congregou novos elementos tericos ao seu estudo. Porexemplo, para compreender como as mudanas nas estruturas sociaisafetavam as formas de ao coletiva, recorreu aos historiadoresmarxistas da escola inglesa Hobsbawm e Thompson assim como aEscola dos Annales, principalmente s concepes de longa durao deFernand Braudel.

    A preocupao central era perceber se as transformaes nasestruturas sociais afetariam as aes coletivas diminuindo seu impactojunto sociedade.17 Caso o poder de barganha dos movimentos sociaisdiminusse em consonncia com as transformaes coletivas e estru-turais, os resultados polticos visveis desses grupos seriam, certamente,o retrocesso ou a completa estagnao de suas aes. Pois bem, comesse raciocnio, Tilly classificou as mobilizaes em ofensivas e defen-sivas, dependendo do grau de comprometimento dos movimentos so-ciais executores.

    O sucesso das mobilizaes era o resultado das formas como osmovimentos sociais se organizavam. A conformao dos grupos erasistematicamente lembrada pelo autor como um importante fatorresponsvel pelo sucesso das aes coletivas. Tilly lembra que asorganizaes podem apresentar diferentes nuances: confederaes detrabalhadores, organizaes estudantis, grupos de amigos, movimentode bairro, partidos polticos e outros. Portanto, so as conexes entreos integrantes de um mesmo grupo que permitem a ao coletiva(MONSMA, 1996).

    Utilizando recursos investigativos prprios, o autor desenvolvecritrios de estudo sobre as aes coletivas, priorizando dadosquantitativos, arquivos e jornais. Porm, sua inovao acontece quandoutiliza dados quantitativos em seus estudos sobre as greves, asrebelies, os motins e outras formas de ao coletiva. O uso da meto-dologia quantitativa visava aprimorar hipteses de trabalho que noconseguiam ser respondidas pelos mtodos tradicionais. As trans-

    17 Vale lembrar que Charles Tilly concebia as mobilizaes como movimentos amplos que nose restringiam somente a rebelies ou atos terroristas. Para ele, as aes coletivas vo desdemanifestaes pacficas, marchas, a demandas pblicas. Ele conclui que as aes coletivasno so apenas movimentos polticos contrrios ordem poltica, econmica e socialestabelecida. So tambm as movimentaes de pessoas sem histrico partidrio que semanifestam por objetivos comuns.

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    formaes nas estruturas sociais e seus reflexos nos resultados das aescoletivas, as alteraes sociais com o capitalismo industrial e o signifi-cativo aumento das organizaes sociais foram mais bem compreendi-dos, para Tilly, com o uso de dados quantitativos (MONSMA, 1996).

    Outra abordagem usual nos projetos acadmicos do autor otrabalho histrico comparativo sobre as aes coletivas. Tendo comoreferncia os sculos XVIII e XIX, Tilly evidencia as alteraes nasformas de mobilizao poltica dos atores sociais. Em cada perodo, orepertrio de ao coletiva18 completamente diferente, ou seja, asmanifestaes do XIX eram mais eficientes e organizadas do que as dosculo anterior.

    Atualmente, os movimentos sociais e suas mobilizaes pregam,segundo Tilly, o desenvolvimento da autonomia social, a ampliaodos espaos sociais e polticos abertos e democrticos e por insti-tuies, de fato, representativas (GOHN, 2004). Assim, as novas formasde mobilizao popular se revestem em: protestos, greves, presses,manifestaes populares estilos de manifestaes completamente di-ferentes e inovadoras se comparadas s dos sculos XVIII e XIX.

    A explicao para as mudanas de atitude dos movimentossociais e do repertrio das aes coletivas estaria ligada ao desenvolvi-mento capitalista e industrial, como basilar na citao:

    Tilly vincula as mudanas nos repertrios de aocoletiva aos processos a longo prazo e em grandeescala de mudana social, em especial o desenvolvi-mento do capitalismo nos Estados nacionais. Essesprocessos alteram de modo fundamental o contexto dacontestao popular e, portanto, o contedo dosrepertrios de ao coletiva (MONSMA, 1996, p. 20).

    Em resumo, Charles Tilly delineia claramente em seus trabalhosas transformaes ocorridas nas aes coletivas ao longo do tempo,mostrando a contnua mudana de postura dos atores sociais. Emoutras palavras, houve o deslocamento do foco das mobilizaes detrabalhos locais para as greves e os protestos nacionais e de conflitosilegais para aes sociais toleradas (MONSMA, 1996).

    18 Esclarecendo o significado de repertrio de ao coletiva, comenta Monsma: um repertrio uma espcie de caixa de ferramentas cultural de que as pessoas servem para fazerreivindicaes coletivas (1996, p. 19).

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    6 A ao coletiva sob a perspectiva de Mancur OlsonMancur Olson foi um dos grandes responsveis pelas mudanas

    interpretativas que as cincias sociais norte-americanas vivenciaram nosanos de 1960, com a criao de uma nova corrente interpretativadenominada teoria da mobilizao de recursos19 (GOHN, 2004). Oargumento desenvolvido contra a sociologia interacionista clssicanorte-americana mostrava a fragilidade terica das explicaes pelocampo psicolgico, bem como rejeitava conscientemente as explicaesconstrudas ao abrigo dos comportamentos coletivos dos grupossociais. Em outras palavras, Olson e sua teoria da mobilizao derecursos no concebiam uma identidade coletiva irracional das aescoletivas, como queria o interacionismo simblico.

    De acordo com essa produo terica, as explicaes oriundasda Escola de Chicago eram superficiais e inconsistentes para explicaras motivaes iniciais que desembocavam nas aes coletivas. Ou seja,no concordava com o realce dado pela Escola aos sentimentosindividualizados que moviam as aes em grupo, como observa Gohn:a nova teoria enquadrou as aes coletivas em explicaes compor-tamentalistas organizacionais, rejeitando portanto a nfase anteriordada pelo paradigma clssico aos sentimentos, descontentamentos equebras de normas, todos de origem pessoal (2004, p. 50).

    No entanto, a grande inovao trazida por Olson foi enquadraros movimentos sociais em grupos de interesses. Esse sentimento seria,talvez, a mola propulsora para organizao e/ou estruturao dos mo-vimentos sociais o principal motivo para as mobilizaes. Assimsendo, as aes coletivas, no seu sentido mais polissmico, transfor-mavam-se em moedas de troca para os atores envolvidos no proces-so, pois, como bem lembra Olson, a idia de se promover quaisquermanifestaes grupais precedida de clculos racionalmente elabo-rados com o intuito de vislumbrar os possveis ganhos e benefcios queo ato pode proporcionar.

    O modelo de anlise pensado pelo autor pode ser classificadocomo utilitarista, uma vez que procurava, como fim, a realizao deseus objetivos, fato que implicaria em decises morais, polticas eeconmicas para o indivduo participante. Essa era uma lgica comple-tamente racional, na qual os envolvidos estariam em constante intera-o dentro do grupo. 19 Gohn (2004) observa que a teoria da mobilizao de recursos (MR) comeou discordando erejeitando a tradicional concepo norte-americana dos movimentos sociais que associavatodas as frustraes grupais a condies materiais e culturais dos envolvidos.

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    Fica ntido que Olson no trabalha com a noo de movimen-tos sociais, mas sim com as pessoas que formam grupos de interesses,que, cada vez mais, atraam outras pessoas que buscavam ganhos econquistas atravs dos grupos de interesse. Todavia, alerta o autor em sua polmica, mas importante e necessria obra A lgica da aocoletiva quanto maior e diferente o grupo, mais fcil de organizaros interesses coletivos; quanto menor o grupo, mais difcil fica suaorganizao.

    Os lderes seriam os responsveis pelas conquistas dos grupos.Atuariam como administradores dos interesses dos participantes,convertendo-os em aquisies para aqueles que apostassem na pro-moo coletiva e pessoal. O sucesso das organizaes, pela tica deOlson, dependeria, invariavelmente, de sua formao hierrquica. Agraduao social deveria ser respeitada, sendo que os lderes seriam osnicos e verdadeiros guias, responsveis pelas mobilizaes populares epelas aes coletivas. As conquistas e as derrotas tambm deveriam sercreditadas aos comandantes.20

    Por outro lado, as lideranas deveriam agir energicamente,coagindo os membros de seu grupo para que, racionalmente, bus-cassem os resultados almejados pelo coletivo. Vale ressaltar que asformas de coero no so necessariamente ostensivas ou violentas: emalguns casos elas se travestem de incentivos21, financeiros ou no, aosmembros do grupo para que cumpram as determinaes propostaspara a consecuo das metas iniciais.

    Portanto, o autor avalia que grande parte dos integrantes degrupos de interesses no ir, em hiptese alguma, promover objetivoscomuns por livre vontade. preciso algum tipo de convencimento:fsico ou financeiro. Admite que a coero seja necessria at parasituaes em que exista unanimidade, dentro do grupo, sobre os cami-nhos a serem percorridos para atingir o objetivo proposto (OLSON,1999).

    O autor destaca que no verdadeira a noo de que osmembros de um determinado grupo de interesses iro agir racional-mente para atingir aquele determinado objetivo. Afirma Olson quenem todos os filiados correriam em unssono e voluntariamente pelo 20 Para Gohn: os movimentos que teriam sucesso seriam aqueles que possussem atributos deuma organizao formal e hierrquica. Seus lderes eram seus organizadores: profissionais comdedicao integral ao trabalho e a capacidade para mobilizao efetiva de suportes externos(2004, p. 52).21 Para Olson, os incentivos dados individualmente aos componentes do grupo deveriam serganhos parte daqueles que seriam conquistados, caso a mobilizao tivesse pleno xito.

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    bem comum. Para o autor, os sindicatos, enquanto associaes cole-tivas, so os exemplos vivos.

    O elemento coercitivo preponderante e totalmente lcito parao crescimento de um sindicato, assegura Olson (1999). Segundo oautor, no possvel que trabalhadores dispersos e no-organizadoscriem um sindicato de base nacional. Por outro lado, um sindicatopequeno e bem estruturado possui enormes chances de se tornargrande. A explicao, ressalta Olson (1999), encontra-se no poder decoero que as entidades exercem sobre seus filiados. Muitas vezes elapode adquirir contornos de violncia, sobretudo nos perodos deexpanso dos sindicatos para o mbito nacional (OLSON, 1999).

    Almejando novas filiaes, os sindicatos utilizam diferentesestratgias de atrao de novos membros, entre elas a afiliaocompulsria e os investimentos no trabalhador. Ao que parece, asmetas foram alcanadas satisfatoriamente num primeiro momento:22

    os sindicatos tiveram um expressivo aumento de sua base de filiados. Aaquisio de novos membros, alm de fortalecer economicamente osindicato, promoveu, tambm, um ganho poltico extremamenteconsistente, revelado no infindvel aumento do nmero de grevesvitoriosas nos Estados Unidos.

    O autor observa que a afiliao compulsria essencial para amanuteno dos sindicatos enquanto instituies duradouras e est-veis, e qualquer meno contrria seria falaciosa e inconsciente. As cr-ticas so feitas, na maioria dos casos, por economistas profissionais,que fazem erroneamente associao com negcios privados e comuns(OLSON, 1999). A argumentao construda no sentindo de mostrarque a empresa deve, por obrigao, agradar a seus clientes, se quisercontinuar atuando no segmento. O sindicato, por sua vez, deveriaseguir o mesmo padro de conduta, pois somente assim conseguiriasatisfazer seus membros mais exigentes. A busca incessante do lucrono uma exclusividade do mundo empresarial: estimulante tambmpara os trabalhadores. Por isso mesmo, a imposio de normatizaesjurdicas pelo direito do trabalho poderia causar a morte dossindicatos trabalhistas (OLSON, 1999). A relao bem simples:

    22 Para Olson, o sindicalismo norte-americano fez seu maior e mais duradouro avano parauma escala nacional entre 1897 e 1904. Naquele perodo, o nmero de trabalhadoressindicalizados aumentou de 447 mil para 2,072 milhes [...]. E essa foi uma poca deconsidervel prosperidade [...]. Os notveis ganhos dos sindicatos em quadros de membrosnesse perodo estiveram, alm do mais, intimamente relacionados com a evoluo da afiliaocompulsria (1999, p. 91).

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    Um trabalhador racional no ir contribuir volunta-riamente para um (grande) sindicato que proveja umabenfeitoria coletiva, visto que ele sozinho no irfortalecer perceptivelmente o sindicato e visto que iriadesfrutar das vantagens das conquistas de qualquersindicato tanto se o apoiasse quanto se no o fizesse(OLSON, 1999, p. 102).

    Levantando mais uma vez a bandeira do sindicalismo compul-srio, o autor mostra que enganosa a premissa que esse tipo de pol-tica sindical no respeita a liberdade individual de seus filiados; pelocontrrio. O que existe uma confuso conceitual que associa a faltade liberdade individual com a coero utilizada na busca e manu-teno de servios de carter coletivo. No h a, enfatiza o autor, ne-nhuma infrao de direitos do sindicalizado. Finalizando, Olson(1999) acredita que a crena j convencional e petrificada de que ossindicatos e as associaes de trabalhadores no podem utilizar estra-tgias coercitivas totalmente inadequada quando se trata da distribui-o de benefcios coletivos e no coletivos.

    Ao cotejar essa seleo de autores23, buscou-se evidenciar comoum mesmo objeto pode ganhar interpretaes diversas quando apre-ciado por prismas tericos que assumem conotaes prprias. ocaso, por exemplo, da produo norte-americana representada aqui pe-las teorias clssicas e interacionistas da Escola de Chicago, pela socio-logia histrica de Charles Tilly e pela teoria da Mobilizao de Recur-sos de Olson. Noutra vertente, tem-se a Escola Europia, em especial acorrente alem de Claus Offe e a de Karl Marx.

    Ao se eleger as aes coletivas sindicais como tema central destapesquisa, especificamente aquelas denominadas de sindicato cidado efuso sindical, realizadas pelo Sindicato dos Eletricitrios de MinasGerais (Sindieletro), optou-se por abordar, num primeiro momento, aconstruo dos paradigmas responsveis pela orientao dos estudosvinculados ao mundo do trabalho e a mobilizao dos atores sociais.

    Assim, como significativo e imprescindvel critrio para estudaro movimento sindical e suas respostas ao atual cenrio, foi necessrio,neste primeiro momento, elaborar tticas que complementassem satis- 23 sabido que toda seleo excludente. Dessa forma, muitos estudiosos que se dedicam aotema no foram contemplados, o que no quer dizer que seus trabalhos sobre ao coletiva emobilizao social no sejam importantes, pelo contrrio. A escolha desses nomes (Escola deChicago, Karl Marx, Claus Offe, Charles Tilly e Mancur Olson) ocorreu por representaremdiferentes vises sobre o mesmo tema inclusive do ponto de vista geogrfico que, emalguns casos, so at mesmo contraditrias.

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    fatoriamente, enriquecendo o debate sobre as relaes trabalhistas esindicais na atualidade. Em outras palavras, no possvel conceber omovimento sindical, internacional ou nacional, sem mencionar suaslutas e aes em prol da categoria a qual representa. Portanto, osindicalismo o palco privilegiado das aes coletivas e mobilizaesclassistas, da a necessidade de se apresentar algumas anlises sobre osmovimentos sociais e suas aes coletivas. O estudo sobre os movi-mentos sindicais no ficaria completo, e muito menos consistente,caso no fossem contempladas as teorias sobre ao coletiva.

    A opo por trabalhar com autores que discutem a ao coletivanas suas mltiplas facetas aparece como base para esta pesquisa,principalmente no que se refere s duas propostas de ao coletivapensadas pelo Sindieletro: sindicalismo cidado e fuso de sindicatos.Cada um desses fenmenos analisado empiricamente de acordo comas teorias e seus respectivos autores, facilitando, dessa forma, acompreenso das respostas organizadas pelo Sindicato dos Eletri-citrios de Minas Gerais.

    As teorias sobre ao coletiva contribuem para pensar o campode pesquisa a partir de diferentes ticas que, em determinadosmomentos, se completam, formando um arcabouo terico e concei-tual interessante, colaborando para o amadurecimento do campo depesquisa. Por outro lado, evidente que foram feitas opes preferen-ciais com a inteno de acurar ainda mais a observao dos fenmenosempricos. Tais escolhas serviram de referncia para o desenvolvimentodeste trabalho.

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    Joo Alfredo Costa de Campos Melo JniorE-mail: [email protected]

    Artigo recebido em maio/2007.Aprovado em agosto/2007.