A Actualidade Da Crítica Vicentina

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  • 8/10/2019 A Actualidade Da Crtica Vicentina

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    A Actualidade da Crtica Vicentina

    No seu tempo, o brilhante dramaturgo criticava o fidalgo, o sapateiro, o onzeneiro, a alcoviteira, o frade,

    o judeu, o corregedor e o procurador. E se Gil Vicente vivesse no nosso tempo? Quem preenche os requisitos

    para se tornar na verso moderna destas personagens quinhentistas? !esde os pol"ticos at# $s redes de

    prostitui%o, candidatos no faltam.

    As luzes da sala apagam-se. Esta cai numa escurido suave e as cortinas do palco abrem-se de par em par. L

    esto as barcas, o Anjo e o Diabo: o Auto da Barca do n!erno vai come"ar.

    #eis s$culos se passaram desde %ue &il 'icente levou ( cena este mesmo auto. )a%uele tempo, as v*timas das

    suas cr*ticas !oram o orgul+oso !idalgo, os corruptos onzeneiro e sapateiro, o mul+erengo !rade, a materialista e

    desencamin+adora alcoviteira, o corruptor judeu e os subornveis corregedor e procurador.

    Agora, passadas a revolu"o industrial, a revolu"o !rancesa e as duas grandes guerras, ou seja, depois de tantas

    mudan"as no mundo, %uem diria %ue tantas das cr*ticas %ue na%uela altura se !aziam permanecem actuais

    A sociedade portuguesa do s$culo no parece ter mudado muito: a%ui e ali ouvem-se casos de corrup"o e

    subornos /basta !alar-se em Apito Dourado e caso 0elgueiras, e logo nos saltam ( mem1ria dezenas de e2emplos

    semel+antes3, tr!ico de in!lu4ncias, materialismo obsessivo, entre muitos outros.

    &E tu viveste a teu prazer cuidando c' guarecer porque rezam l' por ti?(

    Acusado de ter pecado en%uanto vivo, e conse%uentemente estar destinado ao in!erno, o 0idalgo reage

    incredulamente, no aceita a realidade, procura a todo o custo uma solu"o para os seus problemas. 'olta-se para a

    barca do 5ara*so e e2ige embarcar por ser 60idalgo de #olar7. 8 momento $ intenso. 8 anjo recusa, sem demora,

    acusando-o de ser tirano e cruel para com os de menor condi"o social 6desprezastes os pe%uenos9 ac+ar-vos-eis

    tanto menos9%uanto mais !ostes !umoso7.

    A cr*tica parece !amiliar embora no mais +aja 0idalgos em 5ortugal.

    m sen+or na !ila de trs murmura 6#e em vez de um 0idalgo pusessem ali um ministro no destoava nada7

    ; um !acto. A educa"o, a justi"a, a sa

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    &)u roubaste, bem trinta annos, o povo, com teu mister.(

    Depois do 0idalgo, c+egam o #apateiro e o 8nzeneiro. A estas personagens esto associadas a corrup"o

    !inanceira e a !alta de $tica comercial. orna-se, por isso, di!*cil associ-las a um grupo social ou pro!issional

    espec*!ico: tais 6pecados7 acontecem em tantas situa"Ces A sociedade portuguesa est c+eia de e2emplos de

    situa"Ces semel+antes ( do #apateiro e ( do 8nzeneiro. uem no ouviu !alar de comerciantes %ue enganam os

    clientes /no s1 nos pesos e nas medidas, mas tamb$m no pre"os convenientemente arredondados em unidades

    mas &il 'icente, com a

    alcoviteira, no se !ica por a*: da sua obra pode-se tamb$m e2trair uma cr*tica ( manipula"o da verdade. Diz

    Br*sida 'az 6#anta Jrsula no converteu9 tantas cac+opas comKeu9 todas salvas pollo meu9 %ue nen+ua se perdeo7

    8bviamente manipulando os !actos, ela tenta convencer o Anjo %ue levar raparigas a prostituir-se $ uma obra santa.ranspondo para a actualidade, %uase se pode comparar Br*sida 'az aos media. )o %ue eles de!endam o

    mesmo %ue ela, mas a sua atitude $ semel+ante. uantas vezes no se acusou j a televiso, os jornais ou as revistas

    de distorcerem os !actos, levando as pessoas a acreditarem numa coisa %ue, na realidade no era bem assim

    5or !im, pode-se destacar uma terceira cr*tica %ue, nos dias de +oje, tem ainda mais peso: a cr*tica ao

    materialismo obsessivo e (s !alsas apar4ncias. Br*sida traz, com ela, para a cena, 6#eiscentos virgos posti"os9 e tr4s

    arcas de !eti"os9 %ue nam podem mais levar.7 #em comentrios.

    &Eu mu1 bem me confessei mas tudo quanto roube1 encobri ao confessor(

    Desta vez tem-se o corregedor e o procurador em cena, a representa"o da Musti"a em 5ortugal. Nepresenta"o

    %ue, de positiva, pouco tem. De !acto, a justi"a $ retratada como sendo corrupta e obscura. Ainda +oje, o

    emaran+ado legal $ de tal !orma comple2o %ue apenas %uem l+e con+ece os meandros a pode usar para obter

    justi"a. Em %uantos casos a v*tima inocente no pode !azer prova da sua boa !$, nem dirigir-se directamente ao

    tribunal, por%ue a lei l+e impCe tantas e2ig4ncias %ue s1 com recurso a um mediador /um advogado3 pode tentar

    dizer de sua justi"a E todos con+ecem o 6pre"o7 da justi"a=

    amb$m so se pode es%uecer %ue, muitas vezes, a justi"a acaba por !avorecer, no o inocente, mas a%uele %ue

    tem din+eiro para pagar a /e%uipas de3 juristas para descobrirem nas teias da Lei os preceitos mais !avorveis ou os

    vazios legais ou como, de estrat$gia em estrat$gia ou de recurso em recurso, delongar a concluso dos processos.

    O

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    2 0ociedade Vicentina e a 0ociedade 2ctual

    >uito ainda +avia a dizer nesta compara"o entre a sociedade vicentina e a sociedade actual. 0icam de parte as

    cr*ticas ao mul+erengo 0rade, ao discriminado Mudeu /%ue nem na barca do n!erno o %uiseram levar3 e ao iludido

    En!orcado.

    Depois de tudo isto, no restam d