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Ano 5 (2019), nº 6, 1493-1522
A AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE NO 4439 E A
EDUCAÇÃO RELIGIOSA EM ESCOLAS
PÚBLICAS DE ENSINO FUNDAMENTAL NO
BRASIL1
Maurício Sullivan2
1 INTRODUÇÃO
m 02 de agosto de 2010, a Procuradoria-Geral da
República – PGR propôs Ação Direta de Incons-
titucionalidade (ADI 4439) para questionar o
acordo firmado entre o Estado brasileiro e a Santa
Sé. Tem por objeto o art. 11, §1º do Decreto n.
7107/2010 que dispõe: “O ensino religioso, católico e de outras
confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disci-
plina dos horários normais das escolas públicas de ensino fun-
damental (...)”.
Em síntese, a Procuradoria Geral da República – PGR
argumenta que apesar de não ser viável – em nome da laicidade
estatal – a adoção de uma perspectiva que impeça ou limite em
demasia o ensino religioso em escolas públicas, também não é
possível fazer uma leitura unilateral do art. 210, §1o da Consti-
tuição brasileira3 onde a escola pública acabe transformada em
um espaço de catequese e proselitismo religioso de qualquer
1 Parcialmente publicado na Revista de Investigações Constitucionais, vol. 4, n. 3,
2017, p. 145-165. 2 Mestrando em Direito e Justiça, da Linha de Pesquisa Poder, Cidadania e Desenvol-vimento no Estado Democrático de Direito, com Área de Estudo em Teoria Constitu-cional, Direitos Humanos e Instituições Democráticas do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Bolsista CNPq. 3 Art. 210, § 1o: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
E
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ordem. Defende o parquet que4:
1. A escola pública não é lugar para o ensino confessio-
nal, interconfessional ou ecumênico, pois ainda que não voltado
à promoção de uma confissão específica, existe o propósito de
“inculcar” nos alunos princípios e valores religiosos “partilha-
dos pela maioria”, no que acarretaria prejuízo a visões ateístas,
agnósticas ou de religiões “com menor poder na esfera sociopo-
lítica”.
2. Um modelo ideal de operacionalização, segundo o
qual a única forma de compatibilizar o caráter laico do estado
brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas seria com
a adoção do formato não confessional – em que o conteúdo pro-
gramático da disciplina consistisse da exposição das doutrinas,
das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes
religiões, bem como de posições não religiosas – tais como o
ateísmo e o agnosticismo – sem qualquer preferência tomada
pelo educador, os quais, por sua vez, devem ser professores re-
gulares da rede pública de ensino, e não pessoas vinculadas à
igrejas ou confissões religiosas.
Pede, para conformar a questão, que o Supremo Tribunal
Federal – STF adote a técnica da interpretação conforme a Cons-
tituição do art. 33, caput e §§ 1º e 2º da Lei 9.394/965 para as-
sentar que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser
ministrado quando de natureza não confessional.
Com relatoria do Min. Luís Roberto Barroso, foi convo-
cada audiência pública com representantes de entidades educa-
cionais e religiosas para exposição e debate do objeto da
4 A peça inicial pode ser consultada no sítio eletrônico do STF: <www.stf.jus.br>. 5 Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação
básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
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demanda. Realizada em 15 de junho de 2015, contou com posi-
cionamentos que podem ser destacados em três grandes grupos,
a saber: (i) os totalmente contrários ao ensino religioso em esco-
las públicas, entendimento manifestado por Confederação Naci-
onal dos Trabalhadores em Educação – CNTE, Confederação Is-
raelita do Brasil – CONIB, Convenção Batista Brasileira – CBB
e Federação Espírita Brasileira – FEB; (ii) os que são contrários
ao ensino de natureza confessional, que se viram representados
pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação – CON-
SED; (iii) e os que são totalmente a favor do ensino confessional
ou ecumênico, voz da Conferência Nacional dos Bispos do Bra-
sil – CNBB e da Federação das Associações Muçulmanas do
Brasil – FAMBRAS.
Julgada em 27 de setembro de 2017, o presente estudo
tem por finalidade contribuir para o debate em torno dos proble-
mas suscitados da ação, com ênfase no ensino religioso em es-
colas públicas, e, para tanto, faz uso de abordagem metodoló-
gica indutiva, onde foi possível alcançar uma regra geral a partir
do caso específico. Os argumentos levantados pela PGR na ini-
cial da ADI 4439 são problematizados com elementos da teoria
dos direitos fundamentais e o âmbito de proteção dos interesses
envolvidos em juízo, quais sejam, liberdade religiosa, estado
laico, pluralismo educacional e autonomia individual do aluno
em cursar ou não a disciplina. Para então, ao fim, atingir uma
proposta de modelo funcional para o problema em questão, e en-
frentar a decisão proferida pelo STF.
2 O DIREITO À EDUCAÇÃO E O PLURALISMO EDUCA-
CIONAL
O direito à educação é fetiche institucional desde a pri-
meira vez em que apareceu escrito no texto constitucional brasi-
leiro de 19346. Desde então pronunciado como de claro âmbito
6 Art 149: “A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela familia e pelos
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prestacional do Estado em solidariedade com a família e a soci-
edade em geral, a educação no Brasil foi objeto de grandes pro-
jetos legislativos com ideário revolucionário, e até mesmo do
mero controle militar repressivo, com o processo de sucatea-
mento do ensino público e dos marcos de lei e ordem7 – doutri-
nação militaresca que nesse particular se opunha ao ensino de
caráter emancipatório e plural.
O Estado Constitucional quando voltado a um modelo de
justiça social é de especial relevância quando do trato da mate-
rialização do direito à educação, isto pois: “cada esfera de la vida
social se ve influida em mayor o menor medida por la actividad
estatal”, no que a “existencia material de todos depende consi-
derablemente de los efectos queridos, asumidos o invitables de
la política estatal”, sendo que “facultades personales y el mérito
no bastan para el logro de los próprios objetivos existenciales”,
é necessário “apoyo estatal, a menudo de instituciones estatales
para poder realizar a la libertad constitucionalmente garantizada
de ejercer una profesión y para obtener la formación necesaria a
tal fin”8. Daí a necessidade de um sólido arcabouço constitucio-
nal que seja capaz de materializar os ditames do Estado Social e
permitir, assim, um sistema educacional minimamente bem es-
truturado e de qualidade, que permita a realização de perspectiva
subjetiva e objetiva dos direitos sociais9.
poderes publicos, cumprindo a estes proporcional-a a brasileiros e a estrangeiros do-miciliados no paiz, de modo que possibilite efficientes factores da vida moral e eco-nomica da Nação, e desenvolva num espirito brasileiro a consciência da solidariedade humana.” 7 REGO, Antonio Carlos Pojo do. O congresso brasileiro e o regime militar: 1964-1985. Rio de Janeiro: FGV, 2008, p. 63-98. 8 BENDA, Ernst (et. al.) (orgs.). Handbuch des verfassungsrechts der bundesrepublik
deutschland. Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1994, p. 526. 9 “A perspectiva subjetiva corresponde à noção dos direitos sociais como direitos exi-gíveis em juízo, sob a forma de direitos subjetivos. A despeito das dificuldades que aí se impõem, constata-se uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido do reconhecimento de um direito subjetivo ao mínimo existencial, concebido como garantia (fundamental) das condições materiais mínimas à vida com dignidade, isto é, uma vida saudável e, portanto, com certa qualidade. (…) Já a perspectiva objetiva das
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O art. 205 da Constituição dispõe que a educação é di-
reito de todos e dever do Estado e da família, e visa o pleno de-
senvolvimento da pessoa e o preparo para o exercício da cidada-
nia, além da qualificação para o trabalho10. Também no corpo
constitucional, o art. 214 determina que legislação própria deve
estabelecer o Plano Nacional de Educação, de duração decenal,
com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em
regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e es-
tratégias de implementação para assegurar a manutenção e de-
senvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e mo-
dalidades e que tem por finalidade: (i) erradicar o analfabetismo;
(ii) universalizar o atendimento escolar; (iii) melhorar a quali-
dade do ensino; (iv) formar para o trabalho; (v) a promoção hu-
manística, científica e tecnológica do país; (vi) aplicação dos re-
cursos públicos em educação conforme proporção ao Produto
Interno Bruto do país. Para materializar o ditame constitucional,
foi estabelecido um complexo normativo (legislações ordinárias
normas de direitos sociais reflete o estreito liame desses direitos com o sistema de fins e valores constitucionais a serem respeitados e concretizados por toda a sociedade. (…) impõe ao Estado o dever de permanente realização dos direitos sociais, além de permitir às normas de direitos sociais operarem como parâmetro, tanto para a aplica-ção e interpretação do direito infraconstitucional, quanto para a criação e desenvolvi-mento de instituições, organizações e procedimentos voltados à proteção dos direitos sociais, o que inclui a garantia de um procedimento justo e eficaz que os assegure e a
vedação a medidas de cunho retrocessivo” (SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao art. 6º, caput. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (coords.). Comentários à consti-tuição do brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 533-548). 10 “O verbo educar deriva etimologicamente dos vocábulos latinos educare e educere. O primeiro remete aos processos de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano. Tem como alvo a melhor inserção individual e social. Signi-fica, neste contexto, criar, alimentar, subministrar o necessário para o aperfeiçoa-mento da personalidade. A expressão educere, de outra mão, contém sentido mais
introspectivo. Refere-se às habilidades internas ou inatas do educando. Segundo esta última concepção, a formação do educando dependerá do dinamismo com o qual ele lida com suas aptidões interiores. As duas ideias de educação equivalem a duas cor-rentes teóricas diversas. O nativismo adere às noções correlacionadas ao educere, ao passo que os empiristas filiam-se à noção de educare” (VICTOR, Rodrigo Albuquer-que de. Judicialização de políticas públicas para a educação infantil. São Paulo: Sa-raiva, 2011, p. 60).
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e planos nacionais para o desenvolvimento) que apresenta na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação o núcleo infraconstitucional
do sistema de proteção e eficácia, enquanto que o Plano Nacio-
nal de Educação funciona como princípio informativo e meta de
realização.
Em 25 de junho de 2014, a Lei nº 13.005 promulgou o
primeiro Plano Nacional de Educação decenal do Brasil, e esta-
beleceu vinte metas a serem cumpridas num plano interfederali-
zado para o aperfeiçoamento do ensino no país, todas as quais
passam a compor o núcleo mínimo de proteção do direito à edu-
cação. Destaca-se a meta nove: “elevar a taxa de alfabetização
da população de quinze anos ou mais para 93,5 por cento até
2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabe-
tismo absoluto e reduzir em 50 por cento o analfabetismo funci-
onal”11.
Ao lado do direito fundamental à saúde12, o direito à edu-
cação é também comum espaço proativo de atuação dos tribu-
nais superiores para a garantia dos efeitos constitucionalmente
delineados, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, nessa maté-
ria – para fins exemplificativos – que: é inconstitucional a co-
brança de taxa para matricula ou rematrícula no ensino superior
em universidades federais13, que resultou na edição da Súmula
Vinculante nº 12; é direito fundamental e indisponível dos cida-
dãos e por isso o dever do Estado é propiciar meios adequados
para o seu exercício, no que a omissão administrativa importa
afronta à Constituição14; é direito público subjetivo de crianças
até cinco anos de idade disporem de vagas em creches e pré-
escolas sob a tutela do poder estatal sem prévia avaliação
11 Cf. GOMES, Ana Valeska Amaral; BRITTO, Tatiana Fonseca de. Plano nacional
de educação: construção e perspectivas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2015. 12 Cf. CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Direito à saúde: paradigmas procedimentais e substanciais da constituição. São Paulo: Saraiva, 2013. 13 BRASIL. STF. RE 500.171, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13.08.2008, Plenário. DJE de 24 de out. de 2008. 14 BRASIL. STF. RE 594.018, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.06.2009. Ple-nário. DJE de 07 de ago. De 2009.
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administrativa15 meramente discricionária; é constitucional a po-
lítica de cotas raciais para acesso ao ensino superior16-17; dentre
muitos outros.
No plano internacional, diversos são os pactos, conven-
ções e tratados dos quais o Brasil é signatário que incluem a edu-
cação como direito humano de todo e qualquer indivíduo, apre-
sentado como de caráter universal, é fator indispensável para o
desenvolvimento da pessoa e do país, seja a nível social ou
mesmo científico-tecnológico. É dizer, “não há país no mundo
que não garanta, em seus textos legais, o acesso de seus cidadãos
à educação básica”, isto, pois “a educação escolar é uma dimen-
são fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para
políticas que visem à participação de todos nos espaços sociais
e políticos e à (re)inserção no mundo profissional”18.
Porém, não somente: insistir no conjunto solidário Es-
tado-sociedade-família para materialização da educação no es-
paço cívico, é meio próprio de reconhecer que há uma interliga-
ção necessária entre os sentidos constitucionalmente atribuídos
ao instituto jurídico educação. Isto é, os objetivos e princípios
informadores – preparo da pessoa para o exercício da cidadania,
pleno desenvolvimento, qualificação para o trabalho – são de or-
dem antropológica-cultural, política e profissional19, configura-
ção somente possível de obter êxito num contexto de participa-
ção solidária, no qual o Poder Público, a sociedade em geral, e a
família do cidadão estejam de mãos dadas voltados a garantir o
melhor sistema possível20 para o pleno desenvolvimento da
15 BRASIL. ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23 de ago. de 2011, Segunda Turma, DJE de 15 de set. de 2011. 16 BRASIL. STF. ADPF 186. Cópia impressa. 17 Cf. FERES JÚNIOR, João; ZONINSEIN, Jonas (orgs.). Ação afirmativa no ensino superior brasileiro. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008. 18 SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para o desenvolvimento do país. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 159. 19 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8a ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 801. 20 Cabe a ressalva: “Apesar da conotação de direito social, que assume explicitamente,
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pessoa21, capaz de abranger a maior quantidade possível de as-
pectos da vida escolar, desde a formação dos professores22, até
o comportamento do aluno23. O resultado tem impacto direto no
livre desenvolvimento da personalidade do cidadão24 e no de-
senvolvimento do país25.
Na Constituição brasileira, o Estado Social de típica
prestação pública fundado num modelo marxista solidário (art.
6º) convive com a livre iniciativa enquanto fundamento da or-
dem econômica (art. 170), é também o espaço em que a propri-
edade é garantida (art. 5º, XXII) mediante o cumprimento da
função social (art. 5º, XXIII), onde a proteção ao meio ambiente
equilibrado (art. 225, caput) divide espaço com o desenvolvi-
mento nacional (art. 3º, II), dentre tantas outras contradições ide-
ológicas aparentes. Tal configuração só é possível porque o Bra-
sil é estruturado e fundado como uma República federativa de
ordem pluralística (art. 1º, V), no sentido de permitir uma plura-
lidade de concepções políticas que buscam respaldo constituci-
onal na representação de seus interesses26, bem como em visões
o direito à educação deve também ser reconhecido em seu caráter ou dimensão de uma clássica liberdade pública. E este é o motivo pelo qual se tem falado, até aqui, de direito fundamental à educação e acesso, e não de liberdade de acesso e de liberdade de aprender, evitando a confusão de conteúdos e dimensões” (TAVARES, André Ra-mos. Curso de direito constitucional. 10a ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 878). 21 “A consecução prática dos objetivos da educação, só se realizará em um sistema
educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) con-cretize o direito ao ensino, informado por princípios com ele coerentes, que, realmente foram acolhidos pela Constituição (...)” (SILVA, José Afonso da. Comentário con-textual à constituição. 8a ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 801). 22 Cf. GATTI, Bernardette Angelina et. at. (orgs.) Por uma política nacional de for-mação de professores. São Paulo: UNESP, 2013. 23 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogy of freedom: ethics, democracy, and civic courage. Nova York: Rowman & Littlefield, 1998. 24 Cf. GUEDES, Maurício Sullivan Balhe. Direito à igualdade e livre desenvolvimento da personalidade: construindo a democracia de triplo vértice. Revista Direito Público, Porto Alegre, vol. 10, nº 56, mar./abr. de 2014, p. 210-227. 25 Cf. SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para o desenvolvi-mento do país. São Paulo: Saraiva, 2010. 26 “Na sua origem – e durante muito tempo – o significado da expressão “pluralismo político” veiculava ideia absolutamente distinta da que hoje possui. Se se entende o
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diversas de mundo político-institucional ou de caminhos dife-
rentes para alcançar um bem comum público.
A proposital confusão ideológica do texto constitucional
reflete de modo perceptível na estruturação do direito à educa-
ção quando estabelece o pluralismo de ideias e concepções pe-
dagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas27
como princípio norteador do ensino (art. 206, III): O princípio do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas
está compreendido no princípio da liberdade de ensinar e di-vulgar o pensamento, visto que a ideia mesma de liberdade im-
plica o respeito à diversidade de pensamento. São diversos os
aspectos que envolvem o princípio do pluralismo, desde o re-
conhecimento das diferenças regionais e sociais, disposto no
art. 3º da Constituição, passando pelas garantias do ensino re-
ligioso facultativo e das línguas indígenas maternas no ensino
fundamental, constantes do art. 210, § 1º e 2º da Constituição,
e pelo ensino da História do Brasil a partir das contribuições
das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasi-
leiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia
(...)28.
pluralismo político como a manutenção da divergência e do conflito, inerentes à na-tureza democrática das sociedades que assim se reivindicam, o pluralismo fortalecia a ideia da fragmentação de poder. Em outras palavras, por pluralismo entendia-se a diversidade de poderes, de comandos ou mesmo de sistemas jurídicos, podendo ou não conviver em esferas de maior ou menor abrangência territorial (…). Materiali-zando sua condição democrática e dirigente, a racionalidade da Constituição Federal
de 1988 refere-se internamente ao pluralismo político não somente como princípio fundamental, materializando-o, porém, nos seus arts. 5º e 17, quando estes explicitam a liberdade de manifestação do pensamento, bem como as exigências para a formação dos agrupamentos político-partidários, atores primeiros da representação e pluralismo políticos (...)” (LIMA, Martonio Mont'alverne Barreto. Comentário ao art. 1º, V. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (coords.). Comentários à constituição do brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 135-136). 27 “A existência de instituições públicas e privadas de ensino também revela uma pers-
pectiva pluralista, pois, por mais que as escolas privadas estejam sob fiscalização do Poder Público, elas podem, dentro do marco constitucional, desenvolver e inovar no tocante a métodos de ensino e propostas pedagógicas, assim como quanto à aborda-gem do ensino e da pesquisa que realizam” (MALISKA, Marcos Augusto. Comentá-rio ao art. 206, III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (coords.). Comentários à constituição do brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1966-1968). 28 MALISKA, Marcos Augusto. Comentário ao art. 206, III. In: CANOTILHO, J. J.
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Para além disso, o pluralismo pode ser ideológico que
“designa a variedade de crenças, de concepções éticas e de va-
lores que os indivíduos ou os grupos têm por fundamentais”29, e
institucional que se refere ao desenvolvimento das autonomias
individuais e o “reconhecimento dos direitos das 'formações so-
ciais', quais sejam, a família, as confissões religiosas, comuni-
dades de trabalho, a escola, etc.”30. Ao consagrar tal modelo: A Constituição opta, pois, pela sociedade pluralista, que res-
peita a pessoa e sua liberdade, em lugar de uma sociedade mo-nista, que mutila os seres e engendra as ortodoxias opressivas.
O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de
uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos soci-
ais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma socie-
dade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de
interesses contraditórios e antinômicos. O problema do plura-
lismo está, precisamente, em construir o equilíbrio entre as ten-
sões múltiplas, e por vezes contraditórias; em conciliar a soci-
abilidade e o particularismo; em administrar os antagonismos
e evitar divisões irredutíveis (…). De tudo isso se deduz a im-
portância de ter a Constituição conjugado a concepção de uma sociedade pluralista com as de uma sociedade livre, justa, fra-
terna e solidária (preâmbulo e art. 3º, I), pois, se o pluralismo
é uma concepção liberal, o solidarismo, de fundo socialista,
aponta para uma realidade humanista de fundo igualitário, que
supõe a superação dos conflitos, e, assim, fundamenta a inte-
gração social, que evita antagonismos irredutíveis que des-
troem o princípio pluralista. Forma-se, assim, uma sociedade
integrada (…). Se tais pressupostos faltarem, o pluralismo re-
sultará desastroso e não se manifestará como um princípio de-
mocrático31.
Só é possível crer na manutenção de uma sociedade
Gomes et. al. (coords.). Comentários à constituição do brasil. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 1966-1968. 29 BURDEAU, Georges. Traité de science politique. 2a ed. t. VIII. Paris: LGDJ, 1977, p. 144. 30 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8a ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 803. 31 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8a ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 803-804.
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plural dentro de um sistema constitucional capaz de materializar
a educação enquanto direito fundamental igualmente pluralista,
que forme um ser político qualificado em todas as esferas possí-
veis de realização da vida pública e privada – ao fim de ordenar
o caos ideológico típico de um modelo democrático crítico32,
aberto, livre e, portanto, laico.
3 A LAICIDADE ESTATAL COMO PRESSUPOSTO DE
EXISTÊNCIA DO PLURALISMO EDUCACIONAL
A liberdade religiosa como ponto de partida e manuten-
ção de todo sistema jurídico de natureza laica é fruto do estado
liberal (burguês)33, e é um dos componentes do mito do Di-
reito34. Propor constitucionalmente uma organização estatal sem
32 Conforme Zagrebelsky: “A democracia crítica quer tirar o povo da pacifidade e também da mera reatividade. Quer fazer dele uma força ativa, capaz de iniciativa e, portanto, de projetos políticos elaborados por si mesmo. Em resumo: quer um povo
que seja sujeito da política, não objeto ou instrumento (…). A autoridade do povo, na democracia crítica, não depende de supostas qualidades sobre-humanas, como a oni-potência e a infalibilidade. Depende, ao contrário, da razão exatamente oposta, ou seja, admitir que o povo de maneira geral e todos os homens são necessariamente limitados e falíveis (…). Para a democracia crítica nada é mais insensato que a divi-nização do povo expressa pela máxima Vox populi, vox dei, uma verdadeira forma de idolatria política. Essa grosseira teologia democrática condiz com as concepções triunfais e acríticas do poder do povo, as quais, como já vimos, são apenas adulações
interesseiras” (A crucificação e a democracia. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 131-135). 33 Cuida-se do “primeiro Estado jurídico” que “alcançou sua experimentação histórica na Revolução Francesa”. “A burguesa formulou os princípios filosóficos de sua re-volta social (…) [e] nada mais fez do que generalizá-los doutrinariamente como ideais comuns a todos os componentes do corpo social. Mas no momento em que apodera do controle político da sociedade, a burguesia já não se interessa em manter na prática a universalidade daqueles princípios como apanágio de todos os homens. Só de ma-neira formal os sustenta, uma vez que no plano de aplicação política eles se conser-
vam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe. Foi essa a contradi-ção mais profunda na dialética do Estado Moderno” (BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 11a ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 42). 34 “O Estado de Direito implica uma confiança absoluta depositada no direito, a crença nas virtudes da dogmática jurídica para atingir os objetivos que se lhe atribui, em fazer prevalecer os valores aos quais se está vinculado: é pela transformação em direitos subjetivos que serão preservadas as liberdades (…). O Estado de Direito se assenta
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religião oficial35 e ir além ao declarar a liberdade de crença (e
descrença)36, implica em congregar os cidadãos a um projeto de
estado sem privilégios por força do mero credo de um grupo de
pessoas, ainda que majoritário no seio da sociedade37. Já se foi
o tempo em que eram exigidos certificados de catolicidade para
o exercício da advocacia ou de qualquer outra profissão38.
Ainda no mesmo sentido, a escolha do constituinte origi-
nário brasileiro é justificada pois: A religião é um dos fenômenos que dificulta a internacionali-
zação do direito, especialmente nos hard cases diretamente li-
gados aos direitos humanos, como no caso do aborto e da eu-
tanásia, por terem relação com os domínios da vida. Vários são
os mecanismos ou formas de internacionalização do direito,
mas em qualquer delas se verifica que, quando o tema que se
pretende internacionalizar se relaciona de forma mais direta
com a religião, há uma dificuldade maior no processo39.
A religião é fenômeno que aproxima somente aqueles
que compartilham de uma crença determinada, do contrário,
assim no fetichismo da regra: a norma jurídica tende a ser tomada como a própria realidade, capaz de fazer advir o que enuncia (…). Essa confiança depositada no Di-reito não é somente de ordem racional (…) e é precisamente nesse ponto que o mito vem substituir a realidade, dando ao Estado de Direito todo o seu alcance: o Estado de Direito não se reduz, de fato, a uma construção racional, a um desenho formal, mas ele se apoia sobre um investimento afetivo; e é essa mística que faz com que ele não seja somente um artifício, uma fórmula mistificadora, mas sim uma coerção efetiva, tanto para os destinatários quanto para os produtores da norma” (CHEVALLIER, Jac-
ques. L'etat de droit. 5a ed. Paris: Montchrestien, 2010, p. 52-53). 35 A Constituição brasileira determina: Art. 19 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subven-ciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de in-teresse público. 36 É o que faz a Constituição brasileira: Art. 5o, VI – É inviolável a liberdade de cons-ciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garan-
tida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. 37 O que neste sentido significa dizer que a liberdade religiosa pode ser tratada como um direito fundamental de natureza contramajoritária. 38 Cf. VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015, p. 28. 39 DINIZ, Geilza Fátima Cavalcante. Direitos humanos e liberdade religiosa. Brasília: Senado Federal, 2014, p. 210.
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provoca o desacordo moral razoável40, tensão paradoxal, sem
resolução que possa pender para um dos lados conflitantes, daí
a necessidade de afastá-la do espaço público, o que visa manter
um mínimo razoável de harmonia e liberdade conforme a moral
individual dentro do âmbito de conformação da juridicidade pú-
blica41, o que Waldron designaria como um desacordo filosófico
sobre o bem em uma sociedade pluralística42.
A questão central é que “religious beliefs aren’t reasona-
ble, [they] are categorical, it’s not a matter of being reasona-
ble”43, e por tal motivo, a acomodação da crença religiosa no
espaço público – seja por meio da produção legislativa ou da
argumentação jurídica – é de problemática severa para fins de
preservação da razão pública44, vez a dificuldade de
40 Cf. FREITAS, Joana Teixeira de Mello. O desacordo moral razoável na sociedade plural do estado democrático de direito. Revista USCS, ano X, n. 17, jul./dez. de 2009, p. 39-51. 41 Sobre o desacordo moral razoável e o papel da Corte Constitucional defronte tal circunstância, afirma Luís Roberto Barroso: “Pessoas bem-intencionadas e esclareci-
das, em relação a múltiplas matérias, pensam de maneira radicalmente contrária, sem conciliação possível. Cláusulas Constitucionais como direito à vida, dignidade da pes-soa humana ou igualdade dão margens a construções hermenêuticas distintas, por ve-zes contrapostas, de acordo com a pré-compreensão do intérprete. Esse fenômeno se revela em questões que são controvertidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, como, por exemplo, interrupção da gestação, pesquisa com células-tronco embrioná-rias, eutanásia/ortotanásia, uniões homoafetivas, em meio a muitas outras. Nessas ma-térias, como regra geral, o papel do direito e do estado deve ser o de assegurar que
cada pessoa possa viver sua autonomia da vontade e suas crenças” (O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da juris-dição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 261). 42 WALDRON, Jeremy. Law and desagreement. New York: Oxford University Press, 2004, p. 149-150. 43 U.S. Supreme Court. Justice Scalia. Case Holt v Hobbs, 574 U.S., 2015, p. 05. 44 Ao contrário do que a expressão “razão pública” possa sugerir, o sentido é extraído do pensamento de Alexy (e não de Rawls): “A regra geral de fundamentação está
numa relação muito estreita com as condições ideais da situação ideal de fala. Quem fundamenta algo admite aceitar o outro, ao menos no que se refere à fundamentação, como interlocutor com os mesmos direitos que ele, e admite não exercer pessoalmente coerção nem apoiar-se na coerção exercida por outros. Também, pretende poder de-fender sua asserção frente a qualquer um. Os jogos de linguagem em que não se ad-mite cumprir pelo menos estas exigências não podem ser considerados fundamenta-ções (...). As exigências de igualdade de direitos, universalidade, e ausência de
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universalização quando dentro de uma sociedade pluralística (de
conflito ideológico).
A preocupação com o fenômeno religioso foi introduzida
– no plano constitucional – em larga escala em textos do século
XIX45, onde era possível notar um padrão franco-americano de
separação total entre Estado e Igreja46 que se opunha ao modelo
espanhol (que ainda era fortemente influenciado pela história in-
quisitiva47) de Estado confessional48, que hodiernamente
coerção podem-se formular com três regras (...): (i) Quem pode falar, pode tomar parte no discurso; (ii) todos podem problematizar e introduzir qualquer asserção no discurso – todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades; (iii) não se pode im-
pedir a nenhum falante de exercer seus direitos estabelecidos em (i) e (ii) mediante coerção existente dentro ou fora do discurso” (Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 132-133). 45 É bem verdade que a Constituição americana de 1787 já apresentava preocupação com a liberdade religiosa e a secularização do Estado, é o texto da primeira emenda – “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the
right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances” – e no mesmo sentido, na França, a Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen de 1789 – art. 10: “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pú-blica estabelecida pela lei” – preocupação que se seguiu com a Déclaration des droits de l'homme et du citoyen de 1793 e na Déclaration des droits et des devoirs de l'ho-mme et du citoyen de 1795. 46 Modelo parcialmente seguido pela Constituição brasileira de 1891: Art. 72 - A
Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos ter-mos seguintes: (...) § 3º Todos os individuos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, ob-servadas as disposições do direito commum. (...) § 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos. (...) § 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomatica do Brasil junto á Santa Sé não implica vio-
lação deste principio. 47 Cf. VIDAL-ROBERT, Jordi. Long-run effects of the Spanish inquisition. Working Paper Series, Conventry: University of Warwick, n. 192, p. 01-59. 48 “La confesionalidad del Estado, consagrada en el artículo 12 de la Constitución de 1812, ha planteado problemas de interpretación dada la aparente incongruência con el carácter rupturista y liberal del texto gaditano. Por una parte, suscitaba la cuestión de la intelerancia religiosa, aunque este concepto, en el mundo hispano de los inicios del
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apresenta raízes profundas no constitucionalismo italiano, em
especial na forma de diálogo entre Igreja e Estado, mesmo que
formalmente separados49.
Iniciado ao final do Século XVII50, a contínua expansão
do processo de secularização da Europa levou a Corte Europeia
de Direitos Humanos – com competência para preservar a nor-
matividade da Convenção Europeia de Direitos Humanos – a se
manifestar a respeito da temática visando a melhor delimitação
entre os espaços de influência da religião, no que restou claro
que51: (...) freedom of thought, conscience and religion, which went
hand in hand with pluralism, was one of the foundations of a
“democratic society” and that in its religious dimension that
freedom was an essential part of any believer’s identity, as well
as being a precious asset for atheists, agnostics, sceptics and
the unconcerned. It had already held that freedom to manifest
one’s religious beliefs included an individual’s right not to re-
veal his faith or his religious beliefs and not to be obliged to act or refrain from acting in such a way that it was possible to
conclude that he did or did not have such beliefs – and all the
siglo XIX, no fue el mismo que en el mundo anglosajón debido principalmente a la existência de una comunidad católica hispana monolítica desde el siglo XVI. Para que se diese tolerância tenía que existir una conciencia de pluralidad. Además, en los ini-cios del liberalismo, intolerância significó desunión, ilegitimidad y guerra civil. La tolerancia religiosa no se planteaba realmente como un problema pues el exclusivismo
católico parecía natural y perfectamente compatible con el constitucionalismo y las políticas liberales (...) (MANSO, Ana Isabel Gozález. Tolerancia religiosa y modelo de iglesia en españa en la primera mitad del siglo XIX. Historia Constitucional, n. 15, Oviedo: 2014, p. 113-153). 49 Cf. ARGIOLAS, Davide. A liberdade religiosa em itália: vinho novo em odres ve-lhos. Espaço Jurídico Journal Of Law, Chapecó, vol. 15, n. 02, p. 363-386, jul./dez. 2014. 50 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. 35a ed. São Paulo-Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2015, p. 341. 51 São diversos os casos que envolvem a temática que estão sob a jurisdição da corte, dentre eles destacam-se: Ouardiri v. Switzerland, 28 june, 2011; Sinan Isik v. Turkey, 2 feb., 2010; Wasmuth v. Germany, 17 feb, 2011; Alexandridis v. Greece, 21 feb., 2008; kokkinakis v. Greece, 25 may, 1993; Hasan and Chaush v. Bulgaria, 26 oct., 2000; Jehovah’s Witnesses of Moscow v. Russia, 10 jun. 2010; Fracesco Sessa v. Italy, 3 april, 2012; dentre outros.
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more so when aptitude to exercise certain functions was at
stake. In this case, the Court held that there had been a violation
of Article 9 of the Convention, finding that requiring the appli-
cants to reveal their religious convictions in order to be allowed
to make a solemn declaration had interfered with their freedom
of religion, and that the interference was neither justified nor
proportionate to the aim pursued. The Court also held that there
had been a violation of Article 13 (right to an effective remedy) of the Convention52.
No plano internacional, o Pacto sobre Direitos Econômi-
cos, Sociais e Culturais estabelece que: Art. 13: 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o
direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a edu-
cação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito
pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam
ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a
participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover
as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
E vai além ao determinar a autonomia laica dos estudan-
tes e do poder familiar: Art. 13: 1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-
se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos
tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas da-
quelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam
aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo
Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber edu-
cação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas pró-
prias convicções.
O plano normativo acima parece integrar, por força do
art. 5o § 2o da Constituição53, os direitos e garantias fundamen-
tais – norma materialmente constitucional – e que deve
52 ECHR. Case Dimitras v. Greece. Judgement of june 3rd, 2013. 53 Art. 5o, § 2o – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados inter-nacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
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funcionar, in casu, como um desdobramento/complemento ló-
gico do art. 210, § 1o54, no que a leitura do dispositivo deve cons-
tar da seguinte forma: A disciplina “religião” no ensino funda-
mental de escolas públicas é matéria de matrícula facultativa,
sendo direito dos pais (e dever do estado) verem os filhos rece-
berem educação (também) conforme a sua própria convicção
religiosa, dentro de um conteúdo mínimo previamente fixado
pela autoridade competente.
Tal configuração somente é possível de existir no Estado
laico:
1. Isto pois, existe interesse jurídico dos pais na melhor
formação possível para os filhos, dentro daquilo que é constitu-
cionalmente delineado. Ou seja, podem (e devem) exigir do Po-
der Público que seja ofertada a disciplina ensino religioso – a
qual será de matrícula facultada – que no seu conteúdo obriga-
toriamente terá ensinamentos, visões de mundo, posições ideo-
lógicas e construções intelectuais conforme a crença dos pais.
Por se tratar de aluno do ensino fundamental, não há o que cogi-
tar em exercício especial de direito fundamental à liberdade de
escolha quanto a cursar ou não a disciplina, repousando neste
particular ao ato de vontade dos pais, ao menos prima facie. O
direito subjetivo do aluno, neste plano, é receber um ensino de
natureza plural, conforme os ditames constitucionais.
2. É de se perceber que a complexidade dos grupos soci-
ais existentes no Brasil permite com que sejam compartilhados,
vivenciados e experimentados no dia a dia fragmentos culturais
de diversas congregações religiosas, no que o sentimento religi-
oso será diversificado conforme a visão de mundo desenvolvida
no seio de cada família, fazendo com que seja virtualmente im-
possível que pais de formações diferentes e em momentos dis-
tintos da vida (dentre outras peculiaridades) concordem quanto
a ensinamentos, visões de mundo, posições ideológicas e cons-
truções intelectuais as quais, no plano religioso, devam ser
54 V. Nota de rodapé n. 03.
_1510________RJLB, Ano 5 (2019), nº 6
apreendidas por todas as pessoas que cursam o ensino funda-
mental.
3. Daí a necessidade de um plano pedagógico que seja
capaz de abraçar os mais diversos ensinamentos de tal ordem do
conhecimento, vez que o direcionamento a uma só doutrina da
religião, além de ferir o plano constitucional por apresentar o
pensamento de mão única, é atentatório ao direito subjetivo dos
pais (em permitir com que os filhos recebam educação conforme
a sua própria convicção religiosa) e das crianças (em receber um
ensino de natureza pluralística), o que faria com que o Estado
descumprisse com o seu dever. Não cabe ao Estado, portanto,
interferir de tal forma, vez que abalaria a dignidade das pessoas
enquanto autonomia individual para beneficiar uma ou outra re-
ligião no plano da mera doutrinação escolar, que se difere, pois,
da sala de aula plural, ideologicamente caótica.
4 AUTONOMIA INDIVIDUAL COMO EXPRESSÃO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Com razão em parte, aponta o Min. Barroso que, “após a
Segunda Grande Guerra, a dignidade tornou-se um dos grandes
consensos éticos do mundo ocidental, materializado em declara-
ções de direitos, convenções internacionais e constituições”55.
De fato, a dignidade da pessoa humana aparece consagrada em
diversas declarações e convenções internacionais de direitos56.
55 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os con-ceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212-213 56 Por exemplo, Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 1), Declaração dos
Direitos dos Povos Indígenas (art. 15, 1), Declaração sobre Educação e Formação em Direitos Humanos (art. 5o, 1), Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 1), Convenção Internacional de Proteção das Pessoas contra o Desa-parecimento Forçado (art. 19, 2), Convenção Internacional sobre os Direitos da Cri-ança (art. 28, 2), Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (preâmbulo), Convenção Internacional sobre a Elimina-ção de Todas as Formas de Discriminação Racial (preâmbulo), dentre outras.
RJLB, Ano 5 (2019), nº 6________1511_
Porém, a utilização do termo não aparece somente em textos
constitucionais ocidentais. Ao contrário, são diversas as consti-
tuições que, mundo afora, expressam a preocupação em preser-
var o entendimento do que esteja caracterizado como dignidade,
elevando tal conceito ao patamar jurídico-constitucional57. A
proteção à dignidade da pessoa humana é o fundamento ético
mínimo de validade compartilhado por quase todos os ordena-
mentos jurídicos constitucionalmente organizados no pós-Se-
gunda Guerra, por isso mesmo, integra o núcleo do constitucio-
nalismo contemporâneo58.
Existe um consenso mínimo de que o conceito jurídico
de dignidade humana apresentaria três status categóricos: (1) to-
dos os seres humanos apresentam um valor intrínseco (caracte-
rística interna); (2) o valor intrínseco de cada um deve ser reco-
nhecido e respeitado pelos demais (característica externa); (3) o
Estado deve existir para a satisfação do indivíduo (característica
dos estado-limitado)59. Cuida-se de afirmar a existência de um
entendimento consolidado na doutrina de que a dignidade da
pessoa humana é constituída pelos elementos: ontológico, que
reconhece o valor intrínseco do ser humano; relacional-compor-
tamental que impõe a conduta de reconhecimento e respeito aos
seres humanos uns para com os outros; e estatal, que vincula o
Estado a ter o mesmo respeito e consideração pela dignidade de
todos os seres humanos.
Na doutrina brasileira, Ingo Sarlet60 conceitua da
57 São exemplos as Constituições do Afeganistão (art. 24), China (art. 38), Azerbaijão (art. 13, III), Iraque (art. 37, 1o, a), Irã (art. 2o, 6), Bahrein (art. 18), Cazaquistão (art. 45), Paquistão (art. 14), Kuwait (art. 29), Tailândia (section 4), Arménia (art. 13), Turquia (art.17), Suécia (art. 2º), Finlândia (art.1º), Suíça (art. 7º), Montenegro (art. 25), Polônia (art. 30), Romênia (art. 1º, 3), Rússia (art. 7º), Sérvia (art. 19), Japão (art.
24), Holanda (art. 11), África do Sul (art. 10), dentre outras. 58 GUEDES, Maurício Sullivan Balhe. A constituição do plano político ao normativo: base teórica para a construção do neoconstitucionalismo. Revista do Instituto do Di-reito Brasileiro, Lisboa, ano 03, n. 06, 2014. 59 MCCRUDDEN, Christopher. Human dignity and judicial interpretation of human rights. The European Journal of International Law, vol. 19, n. 04, 2008. 60 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais
_1512________RJLB, Ano 5 (2019), nº 6
seguinte maneira: (...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrín-
seca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Es-
tado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo
de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desu-
mano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria
existência e da vida em comunhão com os demais seres huma-
nos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram
a rede da vida.
Também dentro dessa concepção, leciona o Min. Bar-
roso61 que: Para finalidades jurídicas, a dignidade da pessoa humana pode
ser dividida em três componentes: valor intrínseco, que se re-fere ao status especial do ser humano no mundo; autonomia,
que expressa o direito de cada pessoa, como um ser moral e
como um indivíduo livre e igual, tomar decisões e perseguir o
seu próprio ideal de vida boa; e valor comunitário, convencio-
nalmente definido como a interferência social e estatal legítima
na determinação dos limites da autonomia pessoal.
O valor intrínseco da pessoa humana vincula os particu-
lares, o Estado e o próprio indivíduo a reconhecer e proteger um
status diferenciado na convivência social. É uma espécie de di-
reito-dever de tratamento e consideração para consigo e perante
aos demais. A autonomia precisa ser entendida enquanto ação
ou omissão de autodeterminação pessoal que não possa causar
prejuízo à bem jurídico alheio, em conformidade com os ditames
constitucionais e a legislação pertinente. Valor comunitário ex-
pressa um dever da máquina estatal de legislar o mínimo possí-
vel na esfera íntima das pessoas, conforme os ditames de pro-
porcionalidade e razoabilidade, em adequação aos direitos
na constituição federal de 1988. 9a ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 73. 61 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 112.
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fundamentais e bens jurídicos relevantes de proteção. O valor
comunitário limita a autonomia individual na mesma proporção
em que esta limita o primeiro. A relação é circular. Quanto maior
for a expressão comunitária, menor será a liberdade do cidadão
nas ações em conformidade com o ordenamento jurídico62.
Essas considerações são especialmente relevantes no es-
tudo dos chamados casos controversos, que envolvem a ingerên-
cia estatal no âmbito íntimo das pessoas, onde o “papel adequado
do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir
que os indivíduos realizem escolhas autônomas”63-64. Daí o que
leva Glensy a dizer que “the right to dignity best reflects, more
than any other right, the essence of being human”65, vez que
comporta no núcleo de proteção aspectos caracterizadores da
62 GUEDES, Maurício Sullivan Balhe; LOURENÇO, Cristina Sílvia Alves. A digni-dade da pessoa humana em processos criminais no stf: valor intrínseco, autonomia e valor comunitário. In: CONPEDI (Org.). Direito Penal, Processo Penal e Constitui-ção I. Florianópolis: CONPEDI, 2014, v. 1, p. 80-101. 63 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 102. 64 Neste sentido, a ADPF 54 é a mais emblemática manifestação do Supremo Tribunal Federal pró autonomia individual diante uma proibição estatal, quando a Corte: “Sub-linhou que o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especifi-camente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. No ponto, relembrou que não haveria colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito aparente. [...]
Ressurtiu que a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalos não se coadunaria com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autono-mia, da liberdade, da privacidade e da saúde” (BRASIL. Informativo 661. out. de 2012). Julgado em 12 de abril 2012, o STF aplicou a técnica da interpretação conforme a Constituição aos arts. 124, 126 e 128 do Código Penal, para fins de afastar a inter-pretação que poderia levar à criminalização da conduta de antecipação da gestação na hipótese de feto com anencefalia. Caso onde a autonomia limitou o valor comunitário
do indivíduo. Se na análise do valor intrínseco a jurisprudência do STF demonstra a compreensão de que a dignidade da pessoa humana seria um direito fundamental au-tônomo, quando em questão a autonomia e o valor comunitário, a interpretação parece admitir ponderação de bens, aproximando-se de uma configuração principiológica ao fundamento da República brasileira. 65 GLENSY, Rex D. The right to dignity. Columbia Human Rights Law Review, 2011, p. 65-142.
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pessoa humana – projetos de vida, sonhos, realizações, etc.
Neste sentido, a dignidade humana leva a um círculo de cons-
tante interação entre os valores intrínseco e comunitário e a au-
tonomia individual de forma a completar a razão e o alcance do
instituto jurídico.
Com tais considerações, é possível notar que a disponi-
bilidade do ensino religioso de nível fundamental em escolas pú-
blicas é expressão da autonomia dos pais e dos alunos, vez que
o conteúdo da disciplina deve ser capaz de transmitir – em al-
guma medida – a livre crença religiosa dos pais educada no seio
familiar para os filhos. A matrícula facultativa, parece, nesse
caso, uma forma de controle externo do ensino ministrado em
escolas públicas, isto é, não confiando no plano de ensino da
matéria, podem os pais optar pela não matrícula do filho.
O ensino ou não da disciplina reflete na apreensão de co-
nhecimento do aluno, e tem, portanto, resultado no valor intrín-
seco – vez que a religião atua na forma como o ser humano se
percebe no mundo – e comunitário – pois atua também de modo
a interferir no comportamento/convívio da pessoa no mundo –
da pessoa humana. Porém, a questão central reside na influência
que o problema pode exercer na dignidade enquanto autonomia
– que significa, prima facie tomar decisões conforme suas expe-
riências e convicções plenas de vida, aspecto este fortemente de-
terminado pela religião que a pessoa tem para si.
Caso o Estado não seja capaz de ofertar um ensino de
natureza plural, contendo os mais diversos valores da maior
quantidade de religiões existentes, melhor não ofertar a disci-
plina, visto que o direcionamento a uma ou outra religião pode-
ria atuar de modo a conduzir a crença do aluno para doutrina
determinada, o que teria reflexo direto na autonomia individual
que nesta configuração restaria violada por ação – pela oferta de
somente uma visão de mundo na disciplina ensino religioso – e
omissão – ao não fornecer uma pluralidade de doutrinas da reli-
gião – do próprio Estado.
RJLB, Ano 5 (2019), nº 6________1515_
5 A DECISÃO
Quando do julgamento da ADI 4439, o Supremo Tribu-
nal Federal brasileiro entendeu pelo seguinte, tal como consta da
ementa: ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS. CON-
TEÚDO CONFESSIONAL E MATRÍCULA FACULTA-
TIVA. RESPEITO AO BINÔMIO LAICIDADE DO ES-
TADO/LIBERDADE RELIGIOSA. IGUALDADE DE
ACESSO E TRATAMENTO A TODAS AS CONFISSÕES
RELIGIOSAS. CONFORMIDADE COM ART. 210, §1°, DO
TEXTO CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONALIDADE
DO ARTIGO 33, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI DE DIRETRI-ZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL E DO ESTA-
TUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
PROMULGADO PELO DECRETO 7.107/2010. AÇÃO DI-
RETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. A relação entre o Es-
tado e as religiões, histórica, jurídica e culturalmente, é um dos
mais importantes temas estruturais do Estado. A interpretação
da Carta Magna brasileira, que, mantendo a nossa tradição re-
publicana de ampla liberdade religiosa, consagrou a inviolabi-
lidade de crença e cultos religiosos, deve ser realizada em sua
dupla acepção: (a) proteger o indivíduo e as diversas confissões
religiosas de quaisquer intervenções ou mandamentos estatais; (b) assegurar a laicidade do Estado, prevendo total liberdade
de atuação estatal em relação aos dogmas e princípios religio-
sos. 2. A interdependência e complementariedade das noções
de Estado Laico e Liberdade de Crença e de Culto são premis-
sas básicas para a interpretação do ensino religioso de matrí-
cula facultativa previsto na Constituição Federal, pois a maté-
ria alcança a própria liberdade de expressão de pensamento sob
a luz da tolerância e diversidade de opiniões. 3. A liberdade de
expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma so-
ciedade democrática e compreende não somente as informa-
ções consideradas como inofensivas, indiferentes ou favorá-
veis, mas também as que possam causar transtornos, resistên-cia, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe base-
ada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos po-
líticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do
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espírito aberto ao diálogo. 4. A singularidade da previsão cons-
titucional de ensino religioso, de matrícula facultativa, obser-
vado o binômio Laicidade do Estado (CF, art. 19, I)/Consagra-
ção da Liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI), implica regulamen-
tação integral do cumprimento do preceito constitucional pre-
visto no artigo 210, §1º, autorizando à rede pública o ofereci-
mento, em igualdade de condições (CF, art. 5º, caput), de en-
sino confessional das diversas crenças. 5. A Constituição Fe-deral garante aos alunos, que expressa e voluntariamente se
matriculem, o pleno exercício de seu direito subjetivo ao en-
sino religioso como disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os
princípios de sua confissão religiosa e baseada nos dogmas da
fé, inconfundível com outros ramos do conhecimento cientí-
fico, como história, filosofia ou ciência das religiões. 6. O
binômio Laicidade do Estado/Consagração da Liberdade reli-
giosa está presente na medida em que o texto constitucional (a)
expressamente garante a voluntariedade da matrícula para o en-
sino religioso, consagrando, inclusive o dever do Estado de ab-
soluto respeito aos agnósticos e ateus; (b) implicitamente im-pede que o Poder Público crie de modo artificial seu próprio
ensino religioso, com um determinado conteúdo estatal para a
disciplina; bem como proíbe o favorecimento ou hierarquiza-
ção de interpretações bíblicas e religiosas de um ou mais gru-
pos em detrimento dos demais. 7. Ação direta julgada impro-
cedente, declarando-se a constitucionalidade dos artigos 33,
caput e §§ 1º e 2º, da Lei 9.394/1996, e do art. 11, § 1º, do
Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a
Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no
Brasil, e afirmando-se a constitucionalidade do ensino religi-
oso confessional como disciplina facultativa dos horários nor-mais das escolas públicas de ensino fundamental.
Por 6 votos a 5, em maioria apertada, a corte afirmou a
constitucionalidade da oferta de ensino religioso de natureza
confessional – ou seja, vinculado às mais diversas religiões pre-
gadas pelos alunos. A questão que não quer calar: como ou de
que forma a escola pública será capaz de oferecer uma educação
pluralística para fins de formação da criança e do adolescente
respeitando cada credo individual? Ao que parece, conforme já
fora acima argumentado, a corte falhou em perceber a
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dificuldade operacional contida do cerne da questão – a ausência
de logística viável para as instituições públicas quanto ao ofere-
cimento da disciplina, e o fato de o acordo registrar tão somente
a participação da Santa Sé, inexistindo articulações de tipo se-
melhante de outras religiões, o que, ao fim, gera uma relação de
privilégio a quem chegou primeiro, e, com isso, viola os precei-
tos fundamentais do direito à educação e liberdade religiosa,
além de causar séria posição oposta à figura do que deve ser um
estado laico.
6 POR UMA PROPOSTA DE CONCLUSÃO
O presente estudo cuidou de temática extremamente sen-
sível no âmbito jurídico brasileiro, a liberdade religiosa não so-
mente integra o corpo dos direitos e garantias fundamentais da
Constituição – como também costuma aflorar sentimentos e
emoções incompatíveis com o caráter acadêmico da pesquisa.
Dentro desse universo de inúmeras variáveis possíveis, o traba-
lho se concentrou no problema “ensino religioso em escolas pú-
blicas” tendo por parâmetro os argumentos suscitados pela Pro-
curadoria Geral da República na Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade nº 4439, e teceu algumas considerações em torno do
que fora decidido pela corte.
Ao longo da jornada, foi possível demonstrar que a con-
figuração do direito fundamental à educação apresenta no seu
cerne o pluralismo. Tal conceito possui diversas concepções
doutrinárias e desdobramentos sociais, no que concerne ao sis-
tema educacional, implica num conjunto de visões de mundo
que devem obrigatoriamente estar contidas no plano de ensino,
no que veda a expressão de uma única forma de pensar.
Ao reconhecer que o ser humano não poderia restar preso
a uma só ideologia, filosofia ou visão de mundo, foi instituído
no Brasil – por escolha política – o “respeito à liberdade e apreço
à tolerância” como um dos princípios estruturantes (art. 3º, IV
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da Lei 9.394/96) de uma educação plural. Nesse contexto, a lai-
cidade aparece como limite a interferência estatal no âmbito da
intimidade-autonomia da pessoa, daí a necessidade de um ensino
religioso não-confessional. Na ausência de um plano pedagógico
que comporte um ensino plural, não há o que falar na possibili-
dade de oferta da disciplina: a sala de aula não pode ser meio de
pregação ou doutrinação, é, ao contrário, espaço da liberdade
criativa e da autonomia do indivíduo.
O Supremo Tribunal Federal ao decidir pela possibili-
dade de oferta da disciplina com vinculação confessional, não
registrou preocupações maiores quanto a capacidade de organi-
zação das demais ordenações religiosas com o estado brasileiro,
além de desconsiderar que estaria concedendo um privilégio à
Santa Sé, única de acordo firmado pela via do Decreto. Não so-
mente, criou um sério problema operacional para as escolas pú-
blicas de nível fundamental, incapazes de oferecer a disciplina
de forma laica, plural.
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