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115 A agricultura familiar e as experiências de Indicações A agricultura familiar e as experiências de Indicações A agricultura familiar e as experiências de Indicações A agricultura familiar e as experiências de Indicações A agricultura familiar e as experiências de Indicações Geográficas no Brasil meridional Geográficas no Brasil meridional Geográficas no Brasil meridional Geográficas no Brasil meridional Geográficas no Brasil meridional Froehlich, José Marcos 1 ; Dullius, Paulo Roberto; Louzada, José Antônio; Maciel, Carlos Rosa 1 Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais, Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural (DEAER), Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (PPGExR). Avenida Roraima, nº 1000, Bairro Camobi, Santa Maria–RS, 97105-900. Rio Grande do Sul, Brasil. Correio eletrônico: [email protected] Recibido: 21/5/10 Aceptado: 6/9/10 Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Nas sociedades contemporâneas os mercados passaram a valorizar sobremaneira a oferta de produtos dife- renciados, tomando importância a elaboração de estratégias baseadas em referenciais de qualidade e capa- zes de produzir bens passíveis de serem reconhecidos em diversos âmbitos do consumo. Dentre estas estra- tégias, destacam-se as reivindicações de Indicações Geográficas (IG) por constituírem um meio de reconhe- cimento, proteção e divulgação da identidade do território e das especificidades locais. Porém, só recente- mente começaram a ter uso no Brasil, tendo-se por modalidades a Indicação de Procedência (IP) e a Deno- minação de Origem (DO). Neste sentido, o artigo busca abordar as potencialidades para a agricultura familiar desta estratégia de diferenciação. Para subsidiar tal reflexão, apresenta-se uma comparação analítica preli- minar das diferenças e semelhanças entre duas experiências de IGs no Brasil, que tem lugar no estado do Rio Grande do Sul: a experiência da IP do Vale dos Vinhedos e a experiência da IP Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional. O artigo finaliza com uma reflexão que especula sobre as potencialidades desta estratégia de desenvolvimento territorial envolver e beneficiar parcelas majoritárias da agricultura familiar no Brasil. Palavras-chave: desenvolvimento territorial, dispositivos de reconhecimento, denominação de origem Summary Summary Summary Summary Summary In contemporary societies, the markets began to greatly appreciate the offer of differentiated products, taking the importance of developing strategies based on benchmarks of quality and capable of producing goods that can be recognized in various areas of consumption. Among these strategies, highlight the Geographical Indica- tions (GIs), because they constitute a means of recognition, protection and disclosure of the identity of the territory and local specificities. However, only recently they started to use it in Brazil, by the Indication of Origin (IP) and Designation of Origin (DO) procedure. In this sense, the present paper seeks to address the potential for family farming of this strategy of differentiation. To sustain such reflection, it presents a preliminary analytical comparison of the differences and similarities between two experiences of IGs in Brazil, which take place in the state of Rio Grande do Sul: the IP experience in wines and sparkling wines from the Vinhedos Valley, and the IP experience of beef from Pampa Gaúcho in the Southern Campanha. The article concludes with a reflection that speculates on the potential of this strategy of territorial development to involve and benefit most of the farming families in Brazil. Key words: territorial development, recognition devices, designation of origin The Family Farming and the Experiences of Geographical The Family Farming and the Experiences of Geographical The Family Farming and the Experiences of Geographical The Family Farming and the Experiences of Geographical The Family Farming and the Experiences of Geographical Indications in Southern Brazil Indications in Southern Brazil Indications in Southern Brazil Indications in Southern Brazil Indications in Southern Brazil Agrociencia Uruguay - Volumen 14 2:115-125 - julio-diciembre 2010

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A agricultura familiar e as experiências de IndicaçõesA agricultura familiar e as experiências de IndicaçõesA agricultura familiar e as experiências de IndicaçõesA agricultura familiar e as experiências de IndicaçõesA agricultura familiar e as experiências de IndicaçõesGeográficas no Brasil meridionalGeográficas no Brasil meridionalGeográficas no Brasil meridionalGeográficas no Brasil meridionalGeográficas no Brasil meridional

Froehlich, José Marcos1; Dullius, Paulo Roberto; Louzada, José Antônio; Maciel, Carlos Rosa

1Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais, Departamento de Educação Agrícolae Extensão Rural (DEAER), Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (PPGExR).Avenida Roraima, nº 1000, Bairro Camobi, Santa Maria–RS, 97105-900.Rio Grande do Sul, Brasil. Correio eletrônico: [email protected]

Recibido: 21/5/10 Aceptado: 6/9/10

R e s u m oR e s u m oR e s u m oR e s u m oR e s u m o

Nas sociedades contemporâneas os mercados passaram a valorizar sobremaneira a oferta de produtos dife-renciados, tomando importância a elaboração de estratégias baseadas em referenciais de qualidade e capa-zes de produzir bens passíveis de serem reconhecidos em diversos âmbitos do consumo. Dentre estas estra-tégias, destacam-se as reivindicações de Indicações Geográficas (IG) por constituírem um meio de reconhe-cimento, proteção e divulgação da identidade do território e das especificidades locais. Porém, só recente-mente começaram a ter uso no Brasil, tendo-se por modalidades a Indicação de Procedência (IP) e a Deno-minação de Origem (DO). Neste sentido, o artigo busca abordar as potencialidades para a agricultura familiardesta estratégia de diferenciação. Para subsidiar tal reflexão, apresenta-se uma comparação analítica preli-minar das diferenças e semelhanças entre duas experiências de IGs no Brasil, que tem lugar no estado do RioGrande do Sul: a experiência da IP do Vale dos Vinhedos e a experiência da IP Carne do Pampa Gaúcho daCampanha Meridional. O artigo finaliza com uma reflexão que especula sobre as potencialidades desta estratégiade desenvolvimento territorial envolver e beneficiar parcelas majoritárias da agricultura familiar no Brasil.

Palavras-chave: desenvolvimento territorial, dispositivos de reconhecimento, denominação de origem

SummarySummarySummarySummarySummary

In contemporary societies, the markets began to greatly appreciate the offer of differentiated products, takingthe importance of developing strategies based on benchmarks of quality and capable of producing goods thatcan be recognized in various areas of consumption. Among these strategies, highlight the Geographical Indica-tions (GIs), because they constitute a means of recognition, protection and disclosure of the identity of theterritory and local specificities. However, only recently they started to use it in Brazil, by the Indication of Origin(IP) and Designation of Origin (DO) procedure. In this sense, the present paper seeks to address the potentialfor family farming of this strategy of differentiation. To sustain such reflection, it presents a preliminary analyticalcomparison of the differences and similarities between two experiences of IGs in Brazil, which take place in the stateof Rio Grande do Sul: the IP experience in wines and sparkling wines from the Vinhedos Valley, and the IP experienceof beef from Pampa Gaúcho in the Southern Campanha. The article concludes with a reflection that speculates onthe potential of this strategy of territorial development to involve and benefit most of the farming families in Brazil.

Key words: territorial development, recognition devices, designation of origin

The Family Farming and the Experiences of GeographicalThe Family Farming and the Experiences of GeographicalThe Family Farming and the Experiences of GeographicalThe Family Farming and the Experiences of GeographicalThe Family Farming and the Experiences of GeographicalIndications in Southern BrazilIndications in Southern BrazilIndications in Southern BrazilIndications in Southern BrazilIndications in Southern Brazil

Agrociencia Uruguay - Volumen 14 2:115-125 - julio-diciembre 2010

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I n t r oduçãoIn t r oduçãoIn t r oduçãoIn t r oduçãoIn t r odução

As novas territorialidades representam, em umespaço geográfico, a interação sociocultural deter-minada por afinidades, presentes ou passadas, quelhe conferem uma identidade própria. Assim, talnoção tornou-se atualmente uma importante temáti-ca de estudos nas ciências sociais, bem como obje-to das políticas públicas que buscam traçar estraté-gias de desenvolvimento a partir de especificidadesterritoriais. Estas estratégias passam pela reivindi-cação articulada de um conjunto de atores sociais,que acionam e produzem em muitos casos ‘disposi-tivos de reconhecimento’. No mundo contemporâ-neo, onde o ambiente de mercado valoriza sobre-maneira a oferta de produtos diferenciados, a elabo-ração de estratégias baseadas em referenciais de qua-lidade demarcados e capazes de produzir bens passí-veis de serem reconhecidos em diversos âmbitos doconsumo, tornou-se um vetor de alto poder de agre-gação e disputa. No âmbito desta estratégia, de longadata utilizada na União Européia, como atestam as cé-lebres experiências dos vinhos franceses e dos queijositalianos, as reivindicações de Indicações Geográficassão um meio de reconhecimento, proteção e divulgaçãoda identidade do território e das especificidades locais.

Para Abramovay (2003, 2007), o território é maisdo que simples base física para as relações entre osindivíduos e empresas, na medida em que possuium tecido social, uma organização complexa feitapor laços que vão muito além de seus atributos natu-rais, representando uma trama de vínculos com raí-zes históricas, configurações políticas e identidadesque desempenham um papel ainda pouco conheci-do no próprio desenvolvimento econômico. A dimen-são territorial do desenvolvimento enfatiza o estudodas redes, convenções e instituições que permitemações cooperativas capazes de enriquecer o tecidosocial de uma determinada região. Essa abordagempermite a dinamização de áreas contradizendo asteorias que relegam ao mundo rural um papel se-cundário no desenvolvimento contemporâneo. A ru-ralidade deixa de ser uma etapa do desenvolvimen-to social a ser superada com o avanço do progressoe da urbanização, passando a ser um valor para associedades contemporâneas.

As articulações entre território, identidade, culturae mercado permitem, portanto, a interpretação deum espaço geográfico, permeado por uma identida-de construída socialmente, formando laços de proxi-midade e interdependência e possibilitando quali-dade e vantagens aos produtos e serviços locais,conferindo-lhes maior competitividade e, portanto,forma de acesso aos mercados. Diante das caracte-rísticas da sociedade contemporânea com seu ex-pressivo apreço pelo consumo de produtos e ser-viços que dialogam com histórias nostálgicas dostempos antigos ou que interajam com a «natureza»,volta-se o desenvolvimento dos territórios para a ne-cessidade de se conhecer e consolidar potenciali-dades e estratégias que contemplem as suas espe-cificidades e tipicidades histórico-culturais e natu-rais. Estas estratégias passam pela reivindicaçãoarticulada de um conjunto de atores sociais, queacionam e produzem em muitos casos ‘dispositivosde reconhecimento’. No entanto, só bem recente-mente tais dispositivos começaram a ter uso tam-bém no Brasil, onde as peculiaridades vinculadasao território podem ser reconhecidas e protegidasmediante Indicação Geográfica (IG), tendo-se pormodalidades desta a Indicação de Procedência (IP)e a Denominação de Origem (DO).

Recentemente propaladas no Brasil, são aindaincipientes as articulações, os investimentos, as rei-vindicações e, por conseguinte, as concessões deregistros de IG como um dos eixos estratégicos depromoção do desenvolvimento territorial. Configura-se, portanto, como um desafio a ser enfrentado pos-to as potencialidades da ampla diversidade bio-cul-tural do país e o diferencial de mercado que esseprocesso pode conferir. No entanto, embora sejamestratégias afeitas particularmente a territórios den-samente ocupados pela denominada agricultura fa-miliar, em razão das intensas trocas sócio-culturaise ambientais efetuadas, torna-se pertinente especu-lar sobre as razões pelas quais ainda são muitopouco utilizadas nas reivindicações que envolvemas políticas e ações a favor desta forma social deprodução no Brasil. Como apontado em literaturarecente (Dias, 2005; Niederle, 2009), existe inclusi-ve uma forte desconfiança por parte de expressivossetores e atores ligados à agricultura familiar sobre

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a capacidade das IG’s de promover o desenvolvi-mento, visualizando nelas um caráter inerentemen-te excludente voltado a favorecer grupos socio-econômicos já privilegiados (agronegócio), emfunção do tipo de mercado que permitem acessar edas condições para sua obtenção.

Em vista disto, o artigo busca justamente abordare refletir as potencialidades para a agricultura fami-liar desta estratégia de diferenciação, que busca epossibilita articular a história e o patrimônio culturale natural dos territórios. Na busca de mais elemen-tos para subsidiar tal reflexão, o trabalho tambémapresenta uma comparação analítica preliminar dasdiferenças e semelhanças entre duas experiênciasde IGs reconhecidas no país e que tem lugar noestado do Rio Grande do Sul: a experiência de IP doVale dos Vinhedos (IP VV), na Serra Gaúcha, quepossui como produtos protegidos vinhos e espuman-tes e a experiência da IP do Pampa Gaúcho da Cam-panha Meridional (IP PGCM), na região da fronteira-oeste meridional, que possui como produtos prote-gidos a carne bovina e seus derivados. A coleta eanálise dos dados buscam se situar e dar referên-cias para a linha de investigação que postula a ne-cessidade da produção da agricultura familiaravançar em direção a produtos e serviços de quali-dade diferenciada e passível de reconhecimento emmúltiplas esferas de consumo. Assim, o artigo finali-za com uma reflexão que especula, já em uma pers-pectiva sociopolítica, sobre os limites, potencialida-des e pertinências desta estratégia de desenvolvi-mento territorial envolver e beneficiar parcelas signi-ficativas da agricultura familiar no Brasil.

Materiais e métodosMateriais e métodosMateriais e métodosMateriais e métodosMateriais e métodos

Primeiramente, realizou-se um resgate do mate-rial disponível sobre a constituição das duas expe-riências de IGs do RS, tomadas como referência emseu percurso até a obtenção formal da IP. Os proce-dimentos metodológicos para coleta e sistemati-zação de dados recorreram às fontes secundárias,trabalhos acadêmicos já produzidos e informaçõesdisponibilizadas por diversos órgãos através de pu-blicações e banco de dados on-line. Utilizou-se como

técnica de pesquisa a análise de documentos, bus-cando-se compreender a trajetória e o discurso cons-truído como representação do processo que culmi-nou na obtenção da IP. A coleta de dados foi comple-mentada por visitas às regiões em foco e entrevistassemi-estruturadas com informantes-chaves repre-sentativos dos atores sociais e institucionais envolvi-dos na constituição da IP. O conjunto amostral dosentrevistados constituiu-se, inicialmente, abrangen-do em ambas as experiências o mínimo de um indi-víduo representante da entidade requerente da IP,um indivíduo representante de uma das entidadesde apoio à obtenção da IP e três indivíduos repre-sentantes dos produtores associados. No caso doVale dos Vinhedos, a entidade requerente da IP, aAPROVALE (Associação dos Produtores de VinhosFinos do Vale dos Vinhedos), permite a associaçãode outros empreendimentos ligados a diferentes se-tores que não exclusivamente ao setor vitivinícola,como hotéis e restaurantes. Portanto, além destes,foram entrevistados também alguns associados nãoprodutores de uva e vinho, para melhor compreen-der o alcance desta estratégia no âmbito do territó-rio. A partir destes atores, buscou-se então a indi-cação de outros indivíduos que tiveram uma partici-pação central no transcorrer dos respectivos proces-sos, atendendo às peculiaridades e especificidadesde cada IP, com o objetivo de levantar os principaisfatos e momentos que compuseram e compõem atrajetória de cada experiência. Neste sentido, para oestudo do caso da IP VV, realizou-se um total de 15entrevistas; e para o caso da IP PGCM, foi realizadoum total de 10 entrevistas. O número maior de entre-vistas no território demarcado pela IP VV se deveu aofato da Associação requerente da IP, a APROVALE,possuir em seu quadro de associados um númerobem superior de empreendimentos ligados a seto-res não relacionados à vitivinicultura do que o devinícolas e, portanto, potenciais atores de interessea serem entrevistados. As entrevistas foram gravadase posteriormente degravadas, sendo a partir destastranscrições realizada a sistematização das princi-pais informações de interesse e os eventuais coteja-mentos com outras fontes.

A agricultura familiar e as experiências de Indicações Geográficas

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Resultados e discussãoResultados e discussãoResultados e discussãoResultados e discussãoResultados e discussão

Indicações Geográficas no Brasil

A legislação brasileira sobre Propriedade Intelec-tual, que regulamenta as Indicações Geográficas, érelativamente recente, fruto de uma revisão da legis-lação sobre propriedade intelectual e autoral porconta da ratificação do Brasil ao acordo TRIPS (Tra-de-Related Aspects of Intellectual Property Rights),tendo passado a vigorar desde 1997. A referida Lei nº9.279 determinou então que o Instituto Nacional daPropriedade Industrial (INPI: www.inpi.gov.br) esta-belecesse as condições de registros das IGs. Por-tanto, no Brasil, o INPI é o órgão responsável que,através de suas Resoluções e Atos Normativos, defi-ne as normas de procedimentos e os formuláriosque deverão ser utilizados para o requerimento deregistro de IGs. No entanto, a partir de 2005, o Minis-tério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento(MAPA), ganhou as atribuições de fomentar, acom-panhar, certificar e controlar os produtos das IGs.

Uma IG pode ser compreendida em dois níveis: aIndicação de Procedência (IP) e a Denominação deOrigem (DO). A IP é o nome geográfico de um país,cidade, região ou localidade que se tornou conheci-do como centro de produção, fabricação ou extraçãode determinado produto ou prestação de um serviçoespecífico. Já a DO é o nome geográfico de um país,cidade, região ou uma localidade que designe pro-duto ou serviço cujas qualidades ou característicasse devam exclusivamente ao meio geográfico, in-cluídos fatores naturais e humanos.

Os pedidos de reconhecimento podem ser reque-ridos por sindicatos, associações, institutos ou qual-quer outra pessoa jurídica de representatividade co-letiva, com legítimo interesse e estabelecida no res-pectivo território, como substituto processual da co-letividade que tiver direito ao uso de tal nome geo-gráfico. Outro fator interessante diz respeito à vigên-cia do Registro da IG que, segundo a Legislação,não tem prazo estabelecido para a vigência da Indi-cação Geográfica, ao contrário de outras patentes.Porém, entende-se que ela irá vigorar enquanto per-sistirem as razões pelas quais o registro foi concedi-do, inexistindo instrumento administrativo hábil aexecutar seu cancelamento neste caso.

Os dispositivos de reconhecimento, dos quais asIGs são exemplos, podem se constituir como umaimportante ferramenta para o desenvolvimento terri-torial, pois permitem que os territórios promovamseus produtos através da autenticidade da produçãoou peculiaridades ligadas à sua história, cultura outradição, estabelecendo o direito reservado aos pro-dutores estabelecidos no referido território. As IGspossuem ainda um papel importante em áreas ondehá baixos volumes de produção e escala, em função,na maioria das vezes, da tradicionalidade da pro-dução, podendo justamente ajudar a manter e des-envolver estas atividades, buscando agregar valor aesta tipicidade (Kakuta, 2006). Neste mesmo senti-do, as IGs também têm sido cogitadas para protegere agregar valor a produtos desenvolvidos por popu-lações consideradas tradicionais, indígenas e qui-lombolas, a partir da ênfase em suas identidadescalcadas em territorialidades, saberes e modos devida e produção específicos. Para além da valori-zação econômica, muitos dos bens culturais e natu-rais compartilhados por estas populações estão do-tados de valorização e configuração imateriais ouintangíveis, contemplando-se as formas de expres-são, os modos de criar, fazer e viver e as criaçõesartísticas e tecno-científicas dos diversos grupos so-ciais brasileiros (Santilli, 2006). Além disso, a litera-tura aponta também que podem ser uma ferramentade preservação da biodiversidade, do conhecimen-to regional e dos recursos naturais, e podem ofere-cer contribuições extremamente positivas para aseconomias locais e o dinamismo de cada região.

No Brasil, atualmente, existem apenas seis (06)registros de IGs, sendo todas elas correspondentesà modalidade de IP. São elas: o Vinho do Vale dosVinhedos (RS), o Café do Cerrado Mineiro (MG), aCarne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional(RS), a Cachaça de Paraty (RJ), o Couro Acabado doVale do Sinos (RS) e as Uvas de mesa e as Mangasdo Vale do Submédio São Francisco (BA e PE). Noentanto, já existem pedidos de registro para Deno-minação de Origem no país, como por exemplo, dosprodutores de arroz do litoral norte gaúcho (RS), quecorresponderia, se for aprovado o pedido, à primeiraDO brasileira. Das seis IGs reconhecidas atualmen-te no Brasil, três delas localizam-se no Estado do Rio

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Grande do Sul, no extremo meridional do país. Sãoelas a IP do Vale dos Vinhedos, que se constitui na IGpioneira no Brasil; a IP da Carne do Pampa Gaúchoda Campanha Meridional; e a IP do Couro Acabadodo Vale do Sinos.

A Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos – IP VV

A atividade vitivinícola no Brasil tem seus primór-dios relacionados ao processo de colonização por-tuguesa e espanhola, iniciados no século XVI, esta-belecendo-se em áreas pontuais nos mais diversosestados (Sousa, 1996). No entanto, no Estado do RioGrande do Sul e na Região da Serra Gaúcha, emgeral, e no Vale dos Vinhedos, em particular, a evo-lução da vitivinicultura está diretamente ligada à iden-tidade do imigrante italiano (Falcade, 1999). Dentrodesta região da Serra Gaúcha, o Vale dos Vinhedosfoi a primeira a ser ocupada pelos imigrantes italia-nos provenientes da região do Vêneto, no norte daItália, a partir de 1875, que ali se estabeleceram emregime de colonato (pequenas propriedades basea-das no trabalho familiar).

Estes descendentes de imigrantes italianos, por-tanto, constituíram uma reputação da região, desdeo final do século XIX, em relação à produção vitiviní-cola, através de um sistema peculiar de produção,baseado no trabalho familiar e em saberes, tradiçõese costumes produzidos e compartilhados ao longode diferentes gerações. Conjugado às particularida-des naturais do ambiente, esse saber-fazer compar-tilhado foi responsável por conferir o reconhecimen-to da primeira IG no Brasil. O território reconhecidopela IP VV perfaz parte de três municípios, sendoeles Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul e Garibal-di, todos situados na Metade Norte do Estado do RioGrande do Sul. A área total delimitada e protegidapela IP VV abarca 81,23 Km2 (mapas de localizaçãoe demarcação da área da IP VV podem ser visualiza-dos em www.valedosvinhedos.com.br, assim comouma série de outras informações pertinentes).

A Associação dos Produtores de Vinhos Finos doVale dos Vinhedos – APROVALE, foi criada em 1995por seis vinícolas familiares da região com o objetivode buscar a qualificação e o reconhecimento paraseus produtos. A APROVALE caracteriza-se por seruma instituição cultural, social, de pesquisa, sem

fins econômicos e possui atualmente como asso-ciados 31 vinícolas e 39 associados não produtoresde vinho (hotéis, restaurantes, lojas de artesanato,queijarias, pousadas...) que, por sua vez, são os cha-mados associados setoriais. Em 06/07/2000, a As-sociação obteve o registro do pedido de reconheci-mento de IG na categoria de IP junto ao INPI. Toda-via, somente em 19/11/2002 viria a receber a Con-cessão de Registro de reconhecimento de IG. Osprodutos vitivinícolas protegidos pela IP VV, segundodefinição estabelecida na legislação brasileira devinhos, são: vinho tinto seco, vinho branco seco, vin-ho rosado seco, vinho leve, vinho moscatel espu-mante, vinho espumante natural e vinho licoroso.

De acordo com o regulamento técnico de pro-dução da APROVALE, somente são permitidos paraa produção cultivares de Vitis viniferas, sendo elas:a)10 cultivares tintas (Cabernet sauvignon, Caber-net franc, Merlot, Tannat, Pinot noir, Gamay, Pinota-ge, Alicante bouschet, Ancelotta e Egiodola); b) 10cultivares brancas (Chardonnay, Riesling italico, Sau-vignon blanc, Semillon, Trebbiano, Pinot blanc,Gewurztraminer, Flora, Prosecco, Moscatto e Malva-sia ). Ainda pelo Regulamento da IP VV, no mínimo85% das uvas utilizadas na fabricação dos produtosprotegidos pela IP devem ser produzidas na áreadelimitada do Vale dos Vinhedos.

Diversas transformações, no território demarca-do e região, puderam ser evidenciadas após o re-conhecimento da IP VV, e até mesmo antes dele atra-vés de acentuadas ações dirigidas a esse objetivo.Falcade (2006) destaca, entre elas, a qualificaçãodos vinhos produzidos; a instalação de novas viníco-las com elevado padrão tecnológico e a diversifi-cação das atividades econômicas, como o enoturis-mo, incluindo a instalação de pousadas e hotéisgerando um aumento do número de empregos; oembelezamento do entorno das residências e viní-colas, entre outros. Segundo a APROVALE, após asua criação, o turismo no Vale dos Vinhedos ganhounovo impulso apresentando um crescimento acele-rado. Anualmente novos investimentos foram e vemsendo feitos para melhorar e ampliar a estrutura deatendimento ao visitante, oferecendo hotéis, pousa-das, restaurantes e dezenas de vinícolas para visi-tação e degustação. Além destes, outro impacto só-

A agricultura familiar e as experiências de Indicações Geográficas

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cio-econômico da IP VV, bastante relevante, foi o daelevada valorização das terras das propriedades agrí-colas que, segundo Tonietto (2006) e outros depoen-tes, tiveram um incremento na faixa de 200 a 500%no seu valor; há que se ressaltar também os cres-cente conflitos pelo uso do território, configuradosespecialmente na especulação imobiliária e na con-seqüente preocupação dos associados da APRO-VALE com a eventual descaracterização paisagísti-ca e diminuição de áreas de produção vinífera noVale dos Vinhedos.

A Indicação de Procedência Pampa Gaúcho daCampanha Meridional – IP PGCM

A IP PGCM possui como produtos protegidos acarne bovina e seus derivados e tem como seu re-querente a Associação dos Produtores de Carne doPampa Gaúcho da Campanha Meridional – APRO-PAMPA. A Associação foi criada em 2005, com o ob-jetivo de cumprir as exigências legais para registroda IG e atualmente é composta por 66 pecuaristasassociados, além de 1 frigorífico e 2 empresas dosetor de varejo. Em 08/08/2005, ela registrou o pedi-do de reconhecimento de IG na categoria de IP jun-to ao INPI, obtendo em 12/12/2006 a Concessão deRegistro de reconhecimento da referida IG.

A zona de produção da carne bovina da IP PGCMlocaliza-se dentro do Bioma Pampa, compreenden-do parte de onze municípios, sendo eles Herval, Pin-heiro Machado, Pedras Altas, Candiota, Hulha Ne-gra, Bagé, Aceguá, Dom Pedrito, Santana do Livra-mento, Lavras do Sul e São Gabriel. Esta área foidelimitada em função da caracterização botânicados campos destes municípios, chamados de cam-pos finos, do tipo e uso de solo. O cruzamento destestrês fatores delimitou a área de produção da IP PGCMperfazendo uma área total de 12.935 Km2 localizadaintegralmente na Metade Sul do Estado do Rio Gran-de do Sul (RS), conforme informações e mapa dis-poníveis em www.carnedopampagaucho.com.br.

O território delimitado para esta IG encontra-sedentro da área de maior proporção de campos natu-rais preservados do Brasil, um dos ecossistemas maisimportantes do mundo (Nabinger, 1998). Esta zonade produção caracteriza-se, ainda, por ser uma re-gião de terminação de gado no Estado do Rio Gran-

de do Sul, justamente pela qualidade botânica deseus campos. Portanto, é permitida a entrada deanimais para fazerem parte da IP de fora da região,sendo para isto exigida a permanência por um pe-ríodo de 12 meses na área delimitada pela IP. Embo-ra existam contingentes significativos de pecuaris-tas familiares, esta região caracteriza-se por gran-des propriedades de pecuaristas patronais, que seutilizam da compra de trabalho para a produção,sendo estes que compõem a quase totalidade daAPROPAMPA.

Segundo o regulamento técnico de qualidade dareferida IP, o gado apto para fornecer a carne comdestino desta IP deve proceder única e exclusiva-mente das raças Angus e Hereford ou do cruzamen-to entre elas. A alimentação autorizada para estesanimais amparados por esta IG se realiza basica-mente em pastagens nativas e pastagens nativasmelhoradas, podendo também ser terminados empastagens cultivadas de inverno, nativas ou exóticas,em regime extensivo, ou seja, os animais devempermanecer livres todo o ano. Atualmente, apenassete cortes são destinados à comercialização como selo da IP, sendo eles: a picanha, a maminha, oentrecot, o contra-filé, o filé, o vazio e a costela. Estescortes compõem o que os associados denomina-ram de «kit churrasco».

A carne destinada ao consumo protegida pela IPPGCM procede de propriedades rurais inscritas nosregistros correspondentes do Conselho Reguladorda APROPAMPA e que, para tal, devem cumprir ascondições descritas no regulamento técnico domesmo, no que confere à alimentação, sanidadeanimal e bem-estar animal. Outros criadores destemesmo território, que não atendem às exigênciasda IP, poderão comercializar normalmente seus pro-dutos, no entanto poderão apenas mencionar o en-dereço no rótulo do produto, sem mencionar o apelogeográfico, conforme normas fixadas pela Legis-lação Brasileira.

Segundo a APROPAMPA, este território é diferen-ciado por sua excelente oferta de alimentação natu-ral, num ecossistema preservado e ligado fortemen-te à tradição, história e cultura do gaúcho, condicio-nantes de reconhecimento da região no Brasil e nomundo pela produção de bovinos, de carne e seus

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derivados. Além das características da biodiversida-de conferidas pelo bioma pampa, correspondendoa tipos de campos onde ocorrem formações cam-pestres e florestais de clima temperado, distintas deoutras formações existentes no Brasil, também fazreferência à característica onde o modo de produçãoprovém diretamente da tradição, história e culturado gaúcho riograndense, uma vez que a história daregião tradicionalmente está vinculada à pecuária,uma tradição que teve início com a colonização doBrasil, devido ao suporte que os campos naturaisofereceram para o desenvolvimento desta atividade(Silveira e Vargas, 2007).

Também se pode facilmente notar que o discur-so conservacionista em relação à biodiversidade temsido amplamente utilizado para promoção dos pro-dutos da IP PGCM, incluindo-se nesta estratégia re-centemente a vinculação a entidades preocupadascom a conservação dos campos nativos e com apreservação de aves migratórias, como atesta con-vênio da APROPAMPA com a SAVE Brasil, afiliada àBirdLife International, uma parceria global de orga-nizações não-governamentais (ONGs) voltadas aconservar as aves, seus habitats e a biodiversidadeglobal, que atua em mais de 100 países. É importan-te ressaltar, no entanto, que este território, demarca-do pela IP, localiza-se numa região onde constante-mente se conflagram disputas e conflitos no âmbitoda política de Reforma Agrária. Neste sentido, um dosentrevistados abordou a IG numa perspectiva estratégi-ca de criação de uma imagem positiva, baseada emaspectos ambientais, que amenize tais disputas ou quevenha a gerar um maior poder argumentativo em proldos proprietários de terras da região. Assim, pode-seperceber que os associados da APROPAMPA desejampassar uma imagem, com a ajuda das entidades depesquisa e de desenvolvimento local, que a pecuáriaextensiva tem uma relação direta com impactos bené-ficos sobre o meio ambiente e a preservação de umecossistema singular existente na região. Tambem Vi-trolles (2007) fez observação neste sentido.

Traçando um comparativo entre as IndicaçõesGeográficas

Diante dos dados apresentados, podemos esta-belecer alguns elementos comparativos entre estas

duas experiências, sistematizando-os através doquadro 1.

Em termos descritivos, pode-se perceber comoas IGs assumem um potencial em termos de usoem estratégias territoriais em situações geográficase histórico-culturais bem distintas, estando a IP VVna região da chamada «Serra Gaúcha» e a IP PGCMna região de campos da Campanha Meridional.Observa-se também que a IP PGCM possui umademarcação de área (12.935 km2) correspondendoa aproximadamente 160 vezes a área demarcadapela IP VV (81,23 km2), o que decorre do tipo de pro-duto e modo de produção de cada uma das IPs.

Outro fato interessante diz respeito ao tempo de-corrido para obtenção da IP, desde a data de solici-tação até a sua concessão junto ao INPI, bem comoo período transcorrido entre a criação da Associaçãorequerente até a obtenção da IP, conforme podemosobservar no quadro 1. A experiência da IP VV, por serpioneira, arcou com o ônus de ter de enfrentar umasérie de obstáculos institucionais e organizacionaissem outras referências, mas o seu reconhecimentoinfluenciou a criação e trajetória da IP PGCM (e dasdemais IGs que se seguiram). Sintomático neste senti-do é o tempo que a APROPAMPA logrou alcançar oreconhecimento de sua reivindicação de IP, praticamen-te a metade do que levou a IP VV.

Com relação à composição dos associados dasduas IPs, observamos que a APROVALE possui umaquantidade de associados em número superior aode vinícolas, composta por empreendimentos quenão estão ligados diretamente à produção ou pro-cessamento do vinho, demonstrando que o alcancede uma IG pode atingir vários setores da economiadentro do mesmo território. Todavia, este aspectonão se repete na composição de associados daAPROPAMPA, onde se percebe que os pecuaristascompõem quase a totalidade dos associados. Talfato parece estar em consonância com a perspecti-va de que há uma maior diversificação e dinami-zação da economia em territórios onde a agriculturafamiliar foi a base predominante da ocupação geo-gráfica e produção econômica, uma vez que a suadinâmica acaba por refletir diretamente também nosdemais setores da economia (Veiga, 1991; Abramo-vay, 2003).

A agricultura familiar e as experiências de Indicações Geográficas

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Características Vale dos Vinhedos Pampa Gaúcho da Campanha Meridional

Produtos Protegidos Vinho tinto seco, vinho branco seco, vinho rosado seco, vinho leve, vinho moscatel espumante, vinho espumante natural e vinho licoroso.

Carne bovina e seus derivados.

Requerente Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos – APROVALE.

Associação dos Produtores de Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional – APROPAMPA.

Ano de criação da requerente

1995 2005

Data do registro de pedido de reconhecimento junto ao INPI

06/07/2000 08/08/2005

Data de obtenção da IP

19/11/2002 12/12/2006

Tempo transcorrido entre a data de pedido de registro até a sua Concessão

2 anos, 4meses e 13 dias 1 ano, 4 meses e 4 dias

Natureza do requerente

Instituição cultural, social, de pesquisa, sem fins econômicos.

Instituição cultural, social, de pesquisa, sem fins lucrativos.

Nº. e relação dos municípios abrangidos pela IP.

(03): Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul.

(11): Herval, Pinheiro Machado, Pedras Altas, Candiota, Hulha Negra, Bagé, Aceguá, Dom Pedrito, Santana do Livramento, Lavras do Sul e São Gabriel.

Área protegida pela IP 81,23 Km2 12.935 Km2

Localização no Estado do RS

“Metade Norte”- “Serra Gaúcha” “Metade Sul”- “Campanha Meridional”

Composição dos associados da requerente

- 31 Vinícolas - 66 pecuaristas - 1 frigorífico - 2 empresas do setor de varejo. - 39 associados não produtores de

vinho (hotéis, restaurantes, artesanatos, pousadas...).

Raças ou variedades permitidas para produção

Somente cultivares Vitis viniferas (10 cultivares de viníferas tintas e 10 de brancas).

Somente raças Angus e Hereford ou cruzas entre elas.

Quadro 1. Comparativo entre as Indicações de Procedência Vale dos Vinhedos e Carne do Pampa Gaúchoda Campanha Meridional-RS (2009).

Froehlich, M.; Dullius, R.; Louzada, A.; Maciel, R.

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Neste sentido, em termos mais interpretativos, ainvestigação parece apontar que a experiência daIP VV aproxima-se do que pode ser considerado umaestratégia de desenvolvimento territorial, posto queos objetivos econômicos levaram à criação de ummarketing territorial de projeção para o exterior, con-seguindo atrair um fluxo crescente de turistas ao lu-gar e os objetivos sociais levaram à (re)construção epromoção da identidade territorial na comunidadelocal, com o sentido de reforçar o sentido de comu-nidade, aumentar a confiança dos atores no valoreconômico da cultura local, atuando positivamenteno conjunto da economia territorial.

Embora se possa perceber no caso da experiên-cia da IP VV - após a institucionalização da IG – quea ação da APROVALE ficou bastante restrita à repre-sentação mercadológica e setorial dos atores envol-vidos e que são recorrentes a predominância de umaóptica individualista nas vinícolas, bem como a assi-metria de poder e dos benefícios econômicos den-tro da associação e entre os demais atores do terri-tório; ainda assim se pode visualizar um processo dedesenvolvimento territorial em que as conexões demúltiplas redes (intra e inter-território) criam umadinâmica informativa e sociotécnica que repercutenão só na cadeia produtiva, mas em amplos setoresdo território.

No que toca à experiência da IP PGCM, pode-sedizer que também em contextos do capitalismo peri-férico o mundo das commodities começa a incorpo-rar a pressão por pautar-se em outros valores, princi-palmente vinculados à noção de biodiversidade,derivando formas de qualificação diferenciadas quese fundam na valorização da origem. Todavia, o quea análise presente nesta pesquisa aponta é que estaexperiência parece não ter alcançado elementossuficientes que indiquem estar viabilizando um pro-cesso de desenvolvimento territorial a partir da estra-tégia das IGs, dado o seu caráter ainda eminente-mente setorial, com alcance demasiado restrito emtermos sociais e econômicos no âmbito do território.

As Indicações Geográficas e a Agricultura Familiar

Levando em conta que a agricultura familiar noBrasil está segmentada em três estratos, sendo es-tes: (i) a agricultura familiar consolidada e integrada

ao mercado; (ii) agricultura familiar em transição;(iii) a agricultura familiar periférica ou de subsistên-cia (FAO/INCRA, 1996); e considerando que as re-ferências para este trabalho partiram do postuladode que a produção da agricultura familiar deveavançar em direção a produtos e serviços de quali-dade diferenciada e passível de reconhecimento emmúltiplas esferas de consumo, convém fazer algu-mas considerações, mesmo que preliminares, so-bre as potencialidades das IGs promoverem alter-nativas viáveis de agregação de renda e melhoria daqualidade de vida para esta forma social de produçãono Brasil.

A parcela da agricultura familiar consolidada eintegrada ao mercado tem uma maior estabilidadena produção e mesmo com percalços, tem sido ca-paz de reproduzir-se socialmente; ademais, estámais afeita a formas de organização tanto dos pro-dutores quanto da produção. Portanto, considera-mos que é o segmento em melhores condições parareivindicar algum dispositivo de reconhecimento paraseus produtos e/ou serviços, bem como em melho-res condições de realizar investimentos e arcar comos possíveis custos imediatos que tais estratégiaspossam vir a requisitar. Todavia, suas entidades re-presentativas (tanto sindicais quanto associativas)têm amplo papel a cumprir no sentido de serem maisproativas e buscarem fomentar junto a suas basesinformações que possam conduzir a associaçõespor reivindicações de qualidade e eventualmente àproteção em IGs para seus produtos. E assim, domesmo modo, os atores envolvidos com a formu-lação e implementação de políticas públicas paraeste segmento.

No que tange à parcela da agricultura familiar quese encontra ‘em transição’, papel fundamental deveser exercido pelos órgãos de assistência técnica eextensão rural e das próprias organizações repre-sentativas das categorias da agricultura familiar (taiscomo a Federação dos Trabalhadores na Agricultu-ra Familiar (FETRAF), Movimento dos PequenosAgricultores (MPA) e Confederação Nacional dosTrabalhadores na Agricultura (CONTAG), no senti-do de fornecer apoio e suporte técnico-financeiro epolítico, para possíveis reivindicações às suas de-mandas mais prementes, uma vez que, estando na

A agricultura familiar e as experiências de Indicações Geográficas

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«faixa de transição» estão muito suscetíveis a qual-quer ação empreendida, seja para a sua consoli-dação quanto para a deterioração de suas condiçõeseconômicas e de produção. No horizonte de longoprazo, uma vez estabelecidas condições mínimasde produção, há margem para se pensar em estra-tégias de diferenciação de qualidade, a partir dasquais a abordagem das IGs pode ser cogitada comoalternativa de reconhecimento de seus produtos edos seus respectivos territórios. Para tanto se requerque os agentes sociopolíticos e o corpo técnico en-volvido com este segmento tenham mais interesse edisposição de buscar informações de caráter técni-co-científico, institucional e organizacional para fo-mentar ações neste sentido.

Para o segmento da agricultura familiar classifi-cado como periférico ou de subsistência, e que re-presenta cerca da metade dos estabelecimentosagrícolas familiares do Brasil, acreditamos que asestratégias de produtos de qualidade diferenciada(como expresso nas IGs) não são pertinentes atual-mente enquanto produtores diretos. Esta parcelacorresponde, atualmente, ao maior desafio para aspolíticas públicas e órgãos de assistência técnica eextensão rural, no que diz respeito a sua permanên-cia dentro do segmento familiar da agricultura, poisse debatem na busca ainda de condições básicaspara a sua reprodução social. As necessidades des-ta categoria estão frequentemente relacionadas àescassez dos próprios fatores de produção, sendo aorganização destas famílias um condicionante parasua própria sobrevivência. Cabe aqui, portanto, umasérie de ações e de forma conjunta e integrada, tan-to no âmbito governamental, quanto das várias enti-dades ligadas ao setor da agricultura familiar, nabusca de vislumbrar e concertar as melhores e prio-ritárias estratégias para alçar este grupo social acondições de vida mais dignas. Todavia, se pensar-mos em termos de estratégia de desenvolvimentoterritorial estes agricultores poderiam se beneficiarde uma IG reconhecida no âmbito de seu território,pois esta IG pode projetar positivamente a imagemdeste dado território, repercutindo eventuais dinamis-mos sócio-econômicos para além do clube de atoresenvolvidos no reconhecimento da IG. Uma abordagemneste sentido é analisada por Pecqueur (2006).

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

As constatações e considerações explanadasneste trabalho não convergem para corroborar asposições precipitadas que afirmam as IG’s consti-tuírem um mecanismo excludente que, em virtudedas condições para sua obtenção e do tipo de mer-cado que permitem acessar, estariam adequadasexclusivamente para determinados grupos do agro-negócio patronal; portanto, não poderiam se consti-tuir como estratégias eficazes de desenvolvimento.Embora se possa constatar nas experiências estu-dadas elementos que parecem dar razão às posiçõescríticas sobre a capacidade das IG’s em promover odesenvolvimento territorial, como o baixo grau deorganização dos produtores, as assimetrias na dis-tribuição de renda e valor agregado ao longo da ca-deia produtiva, o baixo protagonismo dos produtoresde matéria-prima comparativamente aos estabele-cimentos de processamento, a baixa sinergia entreos atores territoriais, a excessiva restrição estabele-cida por determinados regulamentos, as dificulda-des de adequação dos produtores familiares à legis-lação, o baixo grau de elaboração dos produtos e afalta de canais de comercialização; no caso brasi-leiro, com tão poucas e recentes experiências nestesentido e, por conseguinte, pouca reflexão e debateacumulados, parece-nos ainda cedo para afir-mações tão cabais e fatalistas a respeito. Ademais,parece-nos também que há muito boas potenciali-dades neste âmbito para, pelo menos, metade dopúblico da agricultura familiar, o que corresponde auma parcela muito significativa em termos de popu-lação rural no Brasil.

Diante da segmentação do mercado de alimen-tos e da elevação no padrão de qualidade, acredita-mos que a estratégia de diferenciação dos produtosbaseados na tipicidade e qualidade, afirmados pelaidentidade, tornou-se e permanece um importantevetor de desenvolvimento territorial. Todavia, estecenário requer novas políticas públicas territoriaiscontrárias às ações que padronizam os produtos fun-damentando-se na legislação sanitária. Políticas quevalorizem os dispositivos de reconhecimento da pro-dução diversificada e de alta qualidade, possibilitan-do agregação de renda aos pequenos produtores

Froehlich, M.; Dullius, R.; Louzada, A.; Maciel, R.

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com dificuldades de competir no setor de alimentoscom a produção em larga escala. A rigor, a possibili-dade de êxito de estratégias de formatação e uso dedispositivos de reconhecimento ainda necessitamda articulação entre conhecimentos e ações capa-zes de ajudar a promover melhores processos dedesenvolvimento territorial no país, vinculados à sig-nificativa participação da agricultura familiar e desuas condições socioculturais e ambientais, bemcomo a necessidade de sua organização identitáriadentro dos territórios.

Com base nas experiências analisadas, pode-sedizer que as estratégias de uso de dispositivos dereconhecimento conferem aos bens, serviços e pro-dutos agroalimentares de base territorial maior com-petitividade e até mesmo a possibilidade de inserçãodiferenciada no âmbito do mercado, pois podemcorresponder às características de segmentação doconsumo tão presentes na atualidade, e decorrentedisto produzir conjuntura favorável ao desenvolvimen-to territorial. No entanto, embora sejam estratégiasafeitas particularmente a territórios densamente ocu-pados pela denominada agricultura familiar, em ra-zão das intensas trocas sócio-culturais e ambientaisefetuadas, cabe certamente estudos sobre as razõespelas quais ainda são muito pouco utilizadas nasreivindicações que envolvem as políticas e ações afavor desta forma social de produção no Brasil; umavez que, no âmbito das entidades representativas dasmesmas (FETRAF, MPA, CONTAG), não se apre-senta nem se cogita esta estratégia em suas pautasde discussões. Em linha de continuidade, podemosdizer que se configura como temática relevante deinvestigação futura saber se os fatores que levamtais entidades a não cogitarem tais estratégias parao desenvolvimento dos seus respectivos territóriosse devem a aspectos mercadológicos, político-ideo-lógicos ou de outra natureza.

Agradec imentosAgradec imentosAgradec imentosAgradec imentosAgradec imentos

Os autores agradecem o apoio do Conselho Na-cional de Pesquisa(CNPq), Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)e Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do RioGrande do Sul (FAPERGS) a este trabalho.

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A agricultura familiar e as experiências de Indicações Geográficas