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C M Y K C M Y K E d i t o r a : Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 19 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quarta-feira, 14 de outubro de 2009 Pesquisadora da USP e do Instituto Butantan descobre, no veneno de uma cobra muito comum no Brasil, uma substância que promete ajudar a reduzir a pressão arterial sem os efeitos colaterais comuns aos medicamentos atuais A ajuda da jararaca U ma pesquisa do Instituto de Quí- mica da Universidade de São Pau- lo (USP) pode revolucionar o con- trole da hipertensão arterial, mal que atinge pelo menos 30 milhões de bra- sileiros e 600 milhões de pessoas em todo o mundo. O estudo feito por Claudiana La- meu, que também é pesquisadora do Insti- tuto Butantan, de São Paulo, encontrou no veneno da cobra jararaca, presente em boa parte do Brasil, um novo tipo de peptídio potencializador de bradicinina (BPP) — substância capaz de controlar a hiperten- são arterial —, que teria a vantagem de não apresentar efeitos colaterais. Os atuais medicamentos disponíveis no mercado já são baseados em BPPs, mas agem na inibição de uma substância co- nhecida como enzima conversora de an- giotensina (ECA) — ou seja, atuam na di- minuição de substâncias causadoras do aumento da pressão arterial. Em contra- partida, a diminuição dessas substâncias causa uma elevação da frequência cardía- ca, o que dificulta o tratamento de muitos pacientes. Já o peptídio descoberto por Claudiana tem uma ação completamente diferente, e mais eficaz. Ele age nos barorreceptores, agentes que regulam a pressão, impedindo por exemplo, que ela caia bruscamente quando nos levantamos, ou suba exces- sivamente quando praticamos exercí- cios. Com a ação do peptídio estudado pela farmacêutica paulista, esses baror- receptores ficam mais sensíveis, contro- lando com mais eficácia as variações na pressão arterial. A principal vantagem em relação aos medicamentos atuais está em uma apa- rente ausência de efeitos colaterais, como a elevação da frequência cardíaca. “Ainda não conhecemos de fato quais seriam as contraindicações. No entanto, por ser uma molécula endobiótica e agir em doses muito baixas, acreditamos que reações ad- versas sejam mínimas”, explica Claudiana. Testes A pesquisa foi realizada com dois gru- pos de ratos. Um, formado por animais hi- pertensos, o outro por animais saudáveis. Ambos receberam as mesmas quantidades do BPP de jararaca. No grupo hipertenso, os animais tiveram suas pressões regula- das, sem o desenvolvimento de qualquer reação adversa, o que comprova a eficácia da ação da substância. Já no grupo saudável, nada aconteceu, o que sugere que a substância age apenas na regulação do funcionamento dos baror- receptores, não interferindo em outras funções do organismo dos animais. “Os re- sultados foram muito positivos, pois essas moléculas foram capazes de diminuir a pressão arterial somente de ratos doentes e corrigir problemas inerentes à hiperten- são”, comemora a pesquisadora. A substância estudada por Claudiana não é encontrada apenas no veneno do réptil — também está presente no sistema nervoso e no baço do animal. “O interes- sante é que, se o veneno está presente tam- bém em outros tecidos importantes da ja- raraca, como o cérebro, por exemplo, isso é um sinal de que ele tem algum papel fisio- lógico importante para ela”, comenta. A próxima fase das pesquisas é verificar a eficácia da substância na hipertensão ar- terial de seres humanos. Ainda não existe, porém, previsão para a inovação chegar às farmácias e aos hospitais. “Já fui procurada por algumas indústrias farmacêuticas, que, pelo potencial das moléculas, ficaram muito interessadas em prosseguir com os estudos em seres humanos, mas para isso muito dinheiro precisa ser investido, por se tratar de uma inovação radical”, com- pleta Claudiana.

A Ajuda da Jararaca

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Page 1: A Ajuda da Jararaca

C M Y K C M YK

Editora: Ana Paula Macedo [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

19 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pesquisadora da USP e do Instituto Butantan descobre, no veneno de uma cobra muito comum no Brasil, uma substância que promete ajudar a reduzir a pressão arterial sem os efeitos colaterais comuns aos medicamentos atuais

A ajuda da

jararacaU

ma pesquisa do Instituto de Quí-mica da Universidade de São Pau-lo (USP) pode revolucionar o con-trole da hipertensão arterial, mal

que atinge pelo menos 30 milhões de bra-sileiros e 600 milhões de pessoas em todo omundo. O estudo feito por Claudiana La-meu, que também é pesquisadora do Insti-tuto Butantan, de São Paulo, encontrou noveneno da cobra jararaca, presente em boaparte do Brasil, um novo tipo de peptídiopotencializador de bradicinina (BPP) —substância capaz de controlar a hiperten-são arterial —, que teria a vantagem de nãoapresentar efeitos colaterais.

Os atuais medicamentos disponíveis nomercado já são baseados em BPPs, masagem na inibição de uma substância co-nhecida como enzima conversora de an-giotensina (ECA) — ou seja, atuam na di-minuição de substâncias causadoras doaumento da pressão arterial. Em contra-partida, a diminuição dessas substânciascausa uma elevação da frequência cardía-ca, o que dificulta o tratamento de muitospacientes.

Já o peptídio descoberto por Claudianatem uma ação completamente diferente, emais eficaz. Ele age nos barorreceptores,agentes que regulam a pressão, impedindo

por exemplo, que ela caia bruscamentequando nos levantamos, ou suba exces-sivamente quando praticamos exercí-cios. Com a ação do peptídio estudadopela farmacêutica paulista, esses baror-receptores ficam mais sensíveis, contro-lando com mais eficácia as variações napressão arterial.

A principal vantagem em relação aosmedicamentos atuais está em uma apa-rente ausência de efeitos colaterais, comoa elevação da frequência cardíaca. “Aindanão conhecemos de fato quais seriam ascontraindicações. No entanto, por ser umamolécula endobiótica e agir em dosesmuito baixas, acreditamos que reações ad-versas sejam mínimas”, explica Claudiana.

Testes

A pesquisa foi realizada com dois gru-pos de ratos. Um, formado por animais hi-pertensos, o outro por animais saudáveis.Ambos receberam as mesmas quantidadesdo BPP de jararaca. No grupo hipertenso,os animais tiveram suas pressões regula-das, sem o desenvolvimento de qualquerreação adversa, o que comprova a eficáciada ação da substância.

Já no grupo saudável, nada aconteceu,

o que sugere que a substância age apenasna regulação do funcionamento dos baror-receptores, não interferindo em outrasfunções do organismo dos animais. “Os re-sultados foram muito positivos, pois essasmoléculas foram capazes de diminuir apressão arterial somente de ratos doentese corrigir problemas inerentes à hiperten-são”, comemora a pesquisadora.

A substância estudada por Claudiananão é encontrada apenas no veneno doréptil — também está presente no sistemanervoso e no baço do animal. “O interes-sante é que, se o veneno está presente tam-bém em outros tecidos importantes da ja-raraca, como o cérebro, por exemplo, isso éum sinal de que ele tem algum papel fisio-lógico importante para ela”, comenta.

A próxima fase das pesquisas é verificara eficácia da substância na hipertensão ar-terial de seres humanos. Ainda não existe,porém, previsão para a inovação chegar àsfarmácias e aos hospitais. “Já fui procuradapor algumas indústrias farmacêuticas,que, pelo potencial das moléculas, ficarammuito interessadas em prosseguir com osestudos em seres humanos, mas para issomuito dinheiro precisa ser investido, porse tratar de uma inovação radical”, com-pleta Claudiana.