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ENTREVISTA PATRÍCIA ÁVILA O ESTUDO NACIONAL DE LITERACIA FOI UM TRABALHO PIONEIRO REPORTAGEM COVAS DO MONTE A UTOPIA DA SERRA DE SÃO MACÁRIO REPORTAGEM GRUPO DE TEATRO DO OPRIMIDO QUANDO A OPRESSÃO CHEGA AO PALCO Aprender AO LONGO DA VIDA a 4,00 (IVA incluído) Nº11 | DEZEMBRO 2009 | TRIMESTRAL ISSN 1645-9784 COMPREENDER O MUNDO COM AJUDA DA MATEMÁTICA

COMPREENDER O MUNDO COM AJUDA DA MATEMÁTICA

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ENTREVISTA

PATRÍCIA ÁVILAO ESTUDO NACIONAL DE LITERACIA FOI UM TRABALHO PIONEIRO

REPORTAGEM

COVAS DO MONTEA UTOPIA DA SERRADE SÃO MACÁRIO

REPORTAGEM

GRUPO DE TEATRODO OPRIMIDOQUANDO A OPRESSÃOCHEGA AO PALCO

AprenderAo longo dA vidAa 4,00 (IVA incluído)

Nº11 | DEZEMBRO 2009 | TRIMESTRAL I S S N 16 4 5 - 97 8 4

COMPREENDERO MUNDO

COM AJUDA DA MATEMÁTICA

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ReportagemA utopia da Serra de São Macário 3Entrevista Patrícia ÁvilaO estudo nacional de literacia foi um trabalho pioneiro 8Dossier Compreender e actuar no mundo com ajuda da matemática 18RepORtagem: projecto D.a.R. à Costa – tr@nsFormarteOnde 1+7 é igual a um conjunto uno 20aRtigO: alunos adultos e numeracia 23Debate:Os adultos e o ensino da matemáticatrazer a matemática para o quotidiano 28RepORtagem: Santa Casa da misericórdia de LisboaConstruir trajectórias de aprendizagem à medida 38Recursos 42Artigos Reconhecimento e Validação de Adquiridos – Complexidade e Especificidade dos Elementos em Análise 44Educação flexível e ao longo da vida na Suécia 49Reportagem Quando a opressão chega ao palco 52Livros e Net 57Notícias 58

A VIDA AO LONGO DAS APRENDIZAGENS

N o seu livro “introdução à educação permanente”, publicado em 1971 por iniciativa da Unesco, paul Lengrand defendia que uma estratégia de educação permanente (expressão abandonada em portugal nos úl-

timos anos, mas não noutros países, como é o caso da espanha) obedeceria ao seguinte imperativo: “fazer da educação um instrumento da vida, alimentado pela contribuição da vida”. Coisa aparentemente simples e óbvia, mas que en-tretanto se revelou de difícil realização, especialmente quando a educação per-manente, ou educação, e mais recentemente aprendizagem, ao Longo da Vida foi confundida com escolarização permanente ou com formalização da educação não-formal e informal. pelo contrário, afirmava o autor, a educação permanente “não é um simples prolongamento da educação tradicional”. Hoje, a questão coloca-se com renovada pertinência. De tão celebrada pela sua pre-tensa capacidade de adaptação funcional aos problemas da economia e da socie-dade, como se fosse um remédio eficaz, a aprendizagem ao Longo da Vida corre os riscos inerentes à subordinação ao paradigma escolar; até mesmo quando afirma ser uma alternativa e querer valorizar as experiências vividas pelos adultos e os seus adquiridos ao longo da vida. em muitos casos, contudo, adopta uma concepção instrumental de aprendizagem, hoje bem simbolizada por expressões centrais aos discursos políticos, como “qualificações para o crescimento económico”, “aprender para ganhar”, “padrões de utilidade”, ou “habilidades economicamente valorizáveis”. em tais casos, perde já a natureza crítica, ou “subversiva”, como lhe chamava ettore gelpi, abdicando dos propósitos de mudança social e de reinvenção democrática da sociedade, formando para a adaptação, a aquiescência e a docilidade, mesmo que seja para vencer os epicamente designados “desafios” da sociedade da informação e da economia do conhecimento. Regressa, paradoxalmente, aos seus primórdios enquanto escolarização de adultos (como no século XiX), ou integra, de novo, cam-panhas de natureza mais ou menos extensionista e endoutrinadora, ou ainda reno-vados programas de gestão de recursos humanos e de qualificação da mão-de-obra, mas não necessariamente com carácter educativo. No limite, prepara ou adapta para a vida, reforça a ordem estabelecida, mas não é um instrumento da vida orientado para a sua mudança substantiva em termos democráticos, ético-políticos, de justiça e de autonomia, por parte de cidadãos activos e conscientes.ao invés, a Vida - da educação matemática de adultos à educação comunitária, ao desenvolvimento local ou ao teatro enquanto projecto educativo, como fica uma vez mais claro neste número da “aprender ao Longo da Vida” - não se reduz a uma longa sucessão de aprendizagens úteis e eficazes, à margem do questiona-mento e do desejo de transformação, da incorporação em movimentos sociais e da participação em lutas democráticas contra a subordinação e a alienação, seja qual for o signo e a natureza destas.

Licínio C. Lima

3 APRENDER

ÍNDICE EDITORIAL

FIC HA TéCNIC A

editor: Associação “O Direito de Aprender” Director: Licínio Lima | Director adjunto: Rui Seguro Coordenador editorial: Luis LeiriaRedacção: Ana Silveira, Cristina Portella, Daniela Silveira e Guiomar Belo Marques.Fotografia: Miguel Baltazar (capa), Paulo Figueiredo | ilustrações: Luis Miguel CastroColaboraram neste número: Alberto Melo, Ana Maria Canelas, Carmen Cavaco, Jacquie Widin , Keiko Yasukawa, Klas Tallvid e Madalena Santos.Redacção: Rua do Chão da Feira, Nº11 - 2ºDto. 1100-143 Lisboaedição gráfica: Atelier Gráficos à Lapa, Rua S. Domingos à Lapa, Nº6. 1200-835 Lisboaimpressão: Prova Final Lda., Rua do 4 da infantaria, Nº27, Letra D. 1350-268 Lisboa

apReNDeR ao Longo da Vida publicação trimestral da associação”O Direito de apReNDeR” apartado 30005, 1350-999 Lisboa · telefone: 969 593 912www.direitodeaprender.com.pt e-mail: [email protected]

N.º reg. título: 124340 | NiF: 506687449 | iSSN 1645-9784 | Dep. Legal 211075/04 | tiragem: 5000 exemplaresas opiniões expressas nos textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos autores. a reprodução parcial ou total, carece de autorização prévia.

Os Projectos de Voluntariado Sénior são parcerias bilaterais entre duas instituições de educação de adultos provenientes de países diferentes que se propõem receber um financiamento

comunitário para enviar e acolher entre dois a seis voluntários, com uma idade mínima de 50 anos, durante um determinado período de tempo (3 a 8 semanas).

Trata-se de uma nova forma de mobilidade destinada aos cidadãos séniores europeus que, através da realização de intercâmbios entre instituições de origem e instituições de acolhimento, lhes permite aprender, partilhar conhecimentos e experiências, disponibilizar o seu know-how e activar uma relação de ensino-aprendizagem numa instituição localizada noutro país europeu.

Qualquer instituição que trabalhe em matéria de educação para adultos pode enviar e receber voluntários provenientes de outro país europeu para participarem activamente nas respectivas actividades de educação de adultos e para contribuírem com a sua experiência e o seu know-how para as actividades de aprendizagem que aí se desenvolvem.

Pretende-se que este intercâmbio de voluntários séniores e a respectiva partilha de experiências possam constituir

oportunidades de aprendizagem para os aprendentes adultos, para as instituições de envio e de acolhimento e para os próprios voluntários séniores.

Um projecto de voluntariado sénior possibilita igualmente o aprofundamento e o desenvolvimento das relações de cooperação entre duas instituições através do envio e do acolhimento de voluntários. Os voluntários trabalharão directamente com os aprendentes adultos, numa ou em várias áreas de interesse comum, e contribuirão assim para o processo ensino-aprendizagem nas instituições envolvidas.

Deste modo, pretende-se incrementar a aprendizagem informal mútua, o desenvolvimento de uma cooperação duradoura entre organizações com perfis semelhantes ou complementares e beneficiar as comunidades locais envolvidas através do contributo decorrente do intercâmbio de voluntários e da capitalização dos conhecimentos, competências e experiências dos cidadãos seniores.

As instituições portuguesas interessadas em participar num Projecto de Voluntariado Sénior poderão encontrar potenciais instituições parceiras no seguinte endereço de internet: http://www.seven-network.eu/site/?q=en/node/271

Projectos de Voluntariado Sénior Grundtvig

Parcerias 19 Fev 2010Projectos de aprendizagem partilhadaWorkshops Grundtvig 19 Fev 2010Experiências intensivas de aprendizagemProjectos de Voluntariado Sénior 31 Mar 2010Voluntariado sénior ao serviço da aprendizagemVisitas e Intercâmbios 6 semanas antes do início da mobilidadeConferências e visitas na área da educação de adultosCursos 15 Jan 2010 | 30 Abr 2010 | 15 Set 2010Oportunidades de formação na EuropaAssistentes / Períodos de Assistência 31 Mar 2010Trabalhar e aprender fora de portas

Porque o conhecimento não escolhe local nem idade, com o Programa GRUNDTVIG podes descobrir inúmeras actividades de cooperação europeia que promovem a melhoria dos conhecimentos e competências dos adultos.

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REPORTAGEM

AO LONGO DA VIDA 3

NO YOUTUBE, LÁ ESTÁ ELA REGISTADA EM VÍDEOS A MOSTRAR AS SUAS MILHARES DE CABRAS A SUBIR E DESCER A SERRA. MAS ESTA É APENAS UMA PARTE DA REALIDADE DE COVAS DO MONTE, UMA ALDEIA APOSTADA EM SOBREVIVER À DESERTIFICAÇÃO QUE ATINGE A REGIÃO.

A UTOPIA DA SERRA DE SÃO MACÁRIO

Texto Cristina Portella # Fotografias Paulo Figueiredo

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4 APRENDER

REPORTAGEM

A aspiração de Filipe não pareceria ter nada de especial se não soubés-semos que Covas do Monte está próxima de outras sete aldeias do

Concelho de São Pedro do Sul onde o número de habitantes pode, na maioria dos casos, ser apontado com os dedos das mãos. Pena tem 6, Serraco, 4, Cam-po Grande, 5, Deilão, 12, Borduzedo, 7, Fragozelas, 7, e Covas do Rio, 26. Covas do Monte conserva a notável cifra de 58 habitantes, segundo informações do mesmo seu Zé, presidente, há doze anos, da Junta de Freguesia que reúne as oito aldeias. Mas até quando poderá manter-se tanta gente por lá? Será inevitável para Covas do Monte o mesmo destino das aldeias vizinhas?

A origem da utopia

Contrariar esta sina tem sido a missão de alguns projectos que se instalaram no concelho há alguns anos. Um deles é o Criar Raízes, financiado pela Segurança Social através do Programa para a Inclu-são e o Desenvolvimento (Progride). A acção do Criar Raízes em Covas do Mon-te, denominada EcoAldeia, resultou na criação de um Espaço Internet, de um Eco-ponto, de uma zona para acampa-

mentos e, entre outras iniciativas, na re-cuperação de espaços tradicionais, como o lagar de azeite e os moinhos de água.

À frente do Progride em Covas do Monte está Vítor Andrade, professor do 1º ciclo, integrado, desde 1995, no Instituto das Comunidades Educativas (ICE) para intervir nas aldeias do con-celho com o Projecto Escolas Rurais. “Trabalhávamos com os professores do primeiro ciclo do ensino básico no sentido de fazer da escola um pólo de desenvolvimento local dessas aldeias e comunidades. Mas não era possível fa-zer um projecto coerente assente no pro-fessor e numa escola geridos por uma lógica muito central”, analisa Vítor. O facto, como relembra o professor, é que boa parte dessas escolas fechou, mas as comunidades, com mais ou menos ha-bitantes, continuam a existir. “O proble-ma que se colocou foi: desistimos dessas escolas e aldeias, ou fazemos uma outra dinâmica mais comunitária?”

Optou-se pela segunda hipótese. “A minha intenção é conseguir um processo de sustentabilidade para a aldeia, traba-lhando a sua dimensão e as pessoas que aí vivem num contexto real”, explica. A

população de Covas do Monte deveria, segundo o professor, usufruir de condi-ções de vida aceitáveis pelos padrões ac-tuais, mas obtidas através dos seus pró-prios recursos. “Temos campos que são férteis, temos recursos naturais como a água. Não queremos que a aldeia conti-nue desta forma, só na subsistência, não queremos aqui fazer milionários, mas que as pessoas se sintam bem.”

Vítor quer que a população da al-deia perceba que os recursos naturais que possui, se trabalhados, podem gerar mais-valias. “É uma espécie de transfor-mação cultural”, resume. “Eles têm aqui tudo, mas querem seguir um modelo que é exterior. Eles não querem o milho que tinham, eles querem cultivar o mi-lho híbrido; não querem ter o moinho a funcionar em água, mas sim o moinho eléctrico.” É um modelo de desenvolvi-mento que chega por todos os meios, mas que o professor tem a audácia de querer contrariar. “Penso que a identida-de da aldeia, o seu milho, a sua cultura, a sua maneira de fazer, tem muito mais viabilidade numa relação com o exte-rior. O contrário seria a destruição da aldeia”, prevê.

José Martins da Cruz Eiras, o seu Zé, nasceu em Covas do Monte há 58 anos, a mesma aldeia incrustada num vale da Serra de São Macário onde nasceram os seus pais, avô, bisavô, trisavô... Era também ali que ele queria criar o filho. Por isso, largou o trabalho de calceteiro em Paris, para onde tinha emigrado na década de 60, e retornou à terra natal, junto com a mulher e o filho, então com 6 anos. “Se lá ficasse, não era mais meu”. Filipe José Almeida Cruz, o filho do seu Zé, é um dos poucos jovens que ainda vivem e trabalham na aldeia. Hoje com 31 anos, ele tem a mesma opinião do pai: “Eu quero ficar aqui, se for possível, e gostaria que o meu filho fosse criado aqui”.

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Os aliados da aldeia

O projecto de Vítor Andrade tem muitos aliados, dentro, mas também fora da aldeia. Uma espécie de rede in-formal de “amigos” de Covas do Monte tem-se reforçado nos últimos anos. Dela faz parte o casal Serafim Reis Ferreira e Joaquina Reis, moradores de Areosa, em Viana do Castelo, e proprietários de uma das autocaravanas que, há quatro anos, podem ser encontradas na entrada aldeia. Com outros amigos, eles partici-param da recuperação do lagar de azeite e dos moinhos de água, da vindima, da matança do porco, do fabrico do pão e da desfolhada, algumas das actividades dos habitantes de Covas do Monte com as quais esta rede regularmente colabo-ra. “Nós ajudamos as pessoas. Hoje, elas perguntam: e o Serafim veio?”, conta ele, orgulhoso.

Entre Serafim e a aldeia, foi amor à primeira vista. “Estou noutro mundo. É o céu”, pensou ele na sua primeira visita. Aos poucos, ele e Joaquina foram con-quistando os seus habitantes. “É preciso conseguir entrar no coração das pessoas, porque elas são muito fechadas, olham

de lado para nós. Ganhar a sua confian-ça é muito importante.” Filho de lavra-dores, Serafim reproduz em Covas do Monte um pouco da rotina da sua infân-cia no campo. À noite, depois do traba-lho, todos costumam ir para a casa do seu Zé, onde ficam a conversar “coisas da aldeia”. “Eles contam muitas histórias e nós aprendemos muito com eles. Além da ajudar a comunidade aqui na terra, participar sabe-me bem”, diz Serafim.

É nesta rede de amigos que Vítor pro-cura se apoiar para demonstrar à comu-nidade de Covas do Monte a viabilida-de do seu projecto. Serafim e Joaquina, e muitos outros como eles, encontram na aldeia o que não encontram em mais quase lugar nenhum. Já estiveram esta-cionadas na aldeia 13 autocaravanas, com mais de 30 pessoas cujo objectivo era participar em alguma actividade co-munitária. “Assim, as pessoas daqui vão conseguindo construir um imaginário de futuro para a sua aldeia. Já existe um discurso diferente: há quatro anos, di-ziam sempre ‘isto aqui está para acabar’. Hoje já não se ouve mais afirmações des-se tipo. Já há qualquer coisa de diferen-te”, acredita Vítor.

Ana Adelaide, Filipe e José Pedro

“É nestes dias que o professor Vítor traz mais pessoas que a aldeia se sente com vida”, diz Ana Adelaide Costa Fi-gueiredo Cruz, de 19 anos. Ela é casada com Filipe, o filho do seu Zé, e trabalha com a mãe no restaurante arrendado à Associação dos Amigos de Covas do Monte. Há quatro meses, nasceu o filho do casal, José Pedro. Foi uma festa na al-deia. “Já não havia crianças aqui há mui-to tempo. Toda gente queria pegar nele”, relembra Ana Adelaide.

Apesar de ser uma das poucas jovens, ela só vê vantagens na aldeia onde nas-ceu. “Porque aqui é diferente da cidade, os ares são diferentes, as pessoas são mais simpáticas, posso falar com toda gente, toda gente se conhece. Há tanta coisa boa que é difícil falar. Gosto muito de viver aqui”, afirma.

Assim como Filipe, ela também pla-neia criar o filho em Covas do Monte. Planos não faltam ao casal: Filipe con-cluiu o curso de empresário agrícola em Vouzela e está à espera da sua instalação como jovem agricultor pelo Programa de Desenvolvimento Rural (Proder).

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6 APRENDER

REPORTAGEM

Depois de instalado, e já com os apoios garantidos, as terras que os seus pais possuem na aldeia passarão a ser suas. Nestas, planta-se milho, centeio, batata, feijão e couve. A maior parte do milho é para os animais: há galinhas, vacas, ovelhas, um touro e uma égua. E cabras, muitas cabras. Calcula-se que a aldeia possua mais de 2 mil cabras, pelas quais os proprietários recebem subsídios, uma das suas fontes de recursos, junto com a actividade agrícola e a reforma.

Filipe trabalha duro, de sol a sol. Mas não inveja o destino dos seus amigos, quase todos a viver em Lisboa, empre-gados na Prosegur ou na Securitas. Para além da agricultura, ele pensa dedicar-se ao turismo de habitação. “Só da agricul-tura não dá”, calcula ele. Vítor concorda: “Este tipo de agricultura não é viável, não provoca sustentabilidade. Podem dar as batatas, mas as pessoas não vêm aqui bus-car”. A solução, mais uma vez, passaria, segundo o professor, por ligar a produção agrícola à produção de bens culturais. Se o milho que os visitantes de Covas do Monte ajudarem a desfolhar for moído

Vitor Andrade

Seu Zé conta que ainda é do tempo em que não se precisava de dinheiro para viver em Covas do Monte. “A gente tinha o que comer, eram couves, feijões, presun-to... Para não comprar açúcar, deitávamos mel para açucarar o café. Não tínhamos casa do povo, não tínhamos luz para pagar, era um “petróleozito” com uma “candei-ta”. As pessoas cultivavam o linho, depois faziam camisas para os homens e os len-çóis das camas. Tínhamos as lãs das ovelhas que davam para as mantas, casacos de homens de burel. Era uma vida em que o dinheiro não era preciso.”

Isso foi assim até 1968, quando seu Zé foi para a França. No total, foram uns 15 da aldeia. Afinal, nem sempre havia couves, feijões ou presunto para todos, e alguns precisavam emigrar para garantir a sobrevivência. “Esta aldeia já teve mais de cento e tal pessoas. Os casais tinham todos 7, 8 filhos. Era uma sardinha cortada para três.” O avô materno, o sétimo da linhagem, foi para o Brasil, e “lá se orientou a vender gelo”, voltando tempos mais tarde para comprar “por 30 contos umas casas do padrinho dele”.

Hoje não é nada igual. Na aldeia, a maior parte são idosos. “Temos aí 13 velhotes com oitenta e tal anos. Não vão ao médico nem nada. Um dia morrem, coitados, porque não podem cá ficar. Tenho uma tia, que era irmã do meu pai, que já está com 96, está “ceguita”, coitada, mas está de boa saúde.” Ele reconhece que vivem um pouco “mais apertados”, mas “anda-se à vontade, e sempre há uns feijões, umas couves, uma carne de porco, vinho...” Não se vive mal naquela terra, diz seu Zé, pois não há patrões atrás deles.

A maioria das casas conservam-se de xisto, mas hoje a vida é diferente em Covas do Monte. “Temos cabras, temos vacas, temos subsídios. Antigamente não havia apoios, ninguém dava nada a ninguém”, analisa seu Zé. Mesmo assim, ele observa o desaparecimento de aldeias vizinhas com preocupação, e teme o mesmo fim para sua. “O objectivo é trazer mais gente para cá, dinamizar para ter mais vida. Penso que Covas do Monte não vai acabar. Eu trabalho para isso.”

COUVES, FEIJÕES E EMIGRAÇÃO

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AO LONGO DA VIDA 7

DOSSIER

Ana Adelaide e a mãe

em moinhos de água, a farinha resultante deste processo não será apenas mais um produto agrícola, mas um bem cultural.

Isolamento salvador

Para alojar os visitantes de Covas do Monte que não possuem autocaravanas já está em funcionamento um parque de campismo equipado com painel so-lar para aquecer a água. A moderna so-lução foi ideia de Vítor com um duplo objectivo: resolver um problema prático e, ao mesmo tempo, atrair gente para a aldeia. “Havia pessoas que não estavam directamente interessadas no milho, mas podiam estar interessadas nessas coisas das energias renováveis”, conta ele. E assim foi: “Acabei por arranjar um grupo que não tem nada a ver com de-senvolvimento local, mas que veio aqui ver o painel solar e acabou por intera-gir com a aldeia. A questão do painel solar foi muito discutida aqui no café”. O novo plano agora é fazer uma pisci-na natural, para tornar Covas do Monte um sítio agradável para passar o Verão.

Atrair para a aldeia pessoas que valo-rizem a sua originalidade pode ser uma saída para preservá-la do desaparecimen-to. Curiosamente, teria sido justamente o contrário – o isolamento mantido durante séculos e só rompido há bem pouco tem-po, ao contrário das aldeias vizinhas – o segredo da sua preservação. Esta, pelo me-nos, é a opinião de Vítor. “Este isolamen-to, este fechamento, esta organização mui-to própria, com regras muito definidas, mantiveram este grupo muito mais coeso. Há muitas pessoas daqui que emigraram e depois voltaram; não há nenhuma casa vendida, enquanto em outras aldeias co-meçou-se logo a vender o património.”

Se o isolamento a preservou, o turis-mo não deve destruí-la. “Não interessa qualquer tipo de turismo. Não gostaria que isto se tornasse num Piódão, porque aí serei eu o primeiro a ir-me embora”, adverte Vítor. Seja como for, a decisão será sempre dos moradores da aldeia.

“Mas essa decisão será tomada em base àquilo que eles já vivenciaram. E é aí que eu quero intervir: alargar-lhes o leque de opções, para quando chegar a hora de

tomar decisões eles já terem um conjunto de vivências. Penso que em um ano ou dois, no máximo, isso vai acontecer. Ou vão optar por um futuro com saída, ou vai acontecer o mesmo que aconteceu com as outras aldeias aqui à volta.”

Quando questionado sobre a sua de-dicação à aldeia, Vítor responde: “Há pessoas que gostam de ir ao café, de ir ao futebol... Eu gosto disto, não sei se tive azar ou se tive sorte. Essa é a minha uto-pia, desde sempre. Mas quando me per-guntam como vai ser isso, eu próprio não tenho respostas, vou tentando perceber o que está acontecendo, o que é possível, o que é mais viável. Eu não consigo provar a ninguém se isto tem ou não uma saída”.

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8 APRENDER

ENTREVISTA

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AO LONGO DA VIDA 9

ENTREVISTA

Entrevista de Rui Seguro # Fotografias de Miguel Baltazar

PATR

ÍCIA

Á

VIL

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Patrícia Ávila é socióloga, professora do Departamento de Métodos Quantitativos do ISCTE e investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE (CIES-ISCTE). Fez parte da equipa que realizou o Estudo Nacional de Literacia de 1996, que ainda hoje é uma referência.

O ESTUDO NACIONAL DE LITERACIA FOI UM TRABALHO PIONEIRO

Fez parte do grupo de trabalho que elaborou o estudo nacional de literacia, em 1996, estudo que teve um grande impacto. Foi quando a palavra literacia apareceu. Treze anos depois desse estudo, qual a sua visão sobre o que ele representou?

Nós, que participamos dele, continuamos a conside-rá-lo um trabalho pioneiro. Foi um grande desafio, quer teórico, quer metodológico, quer do ponto de vista da investigação. Não considero que esteja ultrapassado, ainda hoje é uma referência e mais: não voltámos a fazer nada do género. Pelo menos em termos de inves-tigação não voltámos a repetir um estudo com aquelas características e com aquela dimensão.

O que se fez no estudo nacional de literacia foi único em Portugal. Fizemos um estudo completamente na-cional, em que todos os materiais de inquirição foram construídos por nós. Foi a primeira vez que se fez um estudo com essas características para avaliar compe-tências de literacia da população adulta.

O interesse desse primeiro estudo foi que nos per-mitir mergulhar naquilo a que muitos chamavam a caixa negra, e perceber como se fazem os estudos de lite racia, como se podem avaliar as competências de literacia da população adulta, e se isso pode ou não ser feito com materiais recolhidos num determinado contexto, numa determinada sociedade que era a so-ciedade portuguesa.

Além dos Estados Unidos e do Canadá, que os fize ram logo a partir da década de 70, não há muitos outros países que tenham desenvolvido um estudo intei ramente nacional para avaliar as competências da população adulta. Representa um grande esforço.

Alguns anos depois fizeram o IALS (International Adult Literacy Survey)...

O IALS é um estudo de âmbito internacional e, em termos metodológicos, todo o desenvolvimento é feito através de um consórcio, de um conjunto de investiga-dores que promove e desenvolve os materiais, e depois todos os países têm de os traduzir e aplicar. Esses estu dos de literacia baseiam-se na ideia de que, para se perceber qual o nível de literacia de uma população, neste caso dos adultos, é preciso avaliar directamente essas competências através de provas, de pequenos exercícios, de pequenas tarefas que simulam situa-ções do quotidiano. O IALS foi feito em 1998. Em 2000 foram divulgados os resultados finais dos 22 países participantes. O grande desafio do IALS é que a prova é exactamente a mesma para todos os países.

À semelhança do que acontece com o PISA (Programme for International Student Assessment), levanta-se o mesmo problema, o do contexto...

Acho que estes estudos têm demonstrado que resis-tem a um eventual problema do contexto. No nosso estu do nacional de literacia mostrámos isso mesmo, fizemos um estudo contextualizado, todos os materiais foram recolhidos em Portugal, eram recortes de jornais,

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10 APRENDER

ENTREVISTA

folhetos, recolhidos na sociedade portuguesa, bem contextua-lizados desse ponto de vista. Todos eles foram seleccionados pensando que as utilizações solicitadas são consideradas re-levantes para Portugal ou para um outro país nas sociedades actuais, e no momento actual das sociedades.

A transversalidade está presente, nas sociedades actuais é tão importante saber ler uma notícia de jornal aqui como num outro país qualquer, ou interpretar um horário de um autocarro, ou ler um boletim meteorológico. Estas provas têm vindo a evo-luir e surgem novas competências a ser avaliadas. Imagine utili-zar a internet para fazer pesquisa e encontrar informação sobre um determinado assunto. É o mesmo em Portugal, em Espanha, na Grécia, no Chile, no Japão, na Coreia. Acabámos por mostrar que o problema da contextualidade não se coloca porque, ao fazermos uma prova só com materiais recolhidos na sociedade portuguesa, mas inspirando-nos na metodologia e no quadro teórico que tinha sido desenvolvido nos estudos inter nacionais, chegámos exactamente aos mesmos resultados.

Pudemos comparar o IALS e o nosso estudo e chegámos às mesmas conclusões. Ou seja, a distribuição dos níveis de litera-cia a que chegámos com o estudo nacional de literacia quase se sobrepõe à distribuição dos níveis de literacia a que chegou o IALS. Isso foi muito importante. Demos um contributo impor-tante na discussão entre a contextualidade e a transversalida-de, demonstrámos que não haveria aí um problema, podíamos fazer provas nacionais se fossem construídas seguindo a mes-ma grelha teórica e metodológica, não havia razão nenhuma para que os resultados não fossem equivalentes.

A vantagem do IALS foi ser igual para todos os países, foi a possibilidade de se poder comparar os níveis de literacia.

No IALS participaram 22 países. Do sul da Europa estava só Portugal, não estava nem Espanha, nem a Grécia, nem a Itália, a França participou, mas pediu para não serem publicados os resultados.

A literacia está comparada com os níveis de escolaridade. A escola continua a ter peso?

A escola é o produtor mais importante da literacia. A variável que está na base das competências da literacia é a escola, a escolaridade, o contexto por excelência de aquisição de compe-tências em geral e das competências de literacia em particular. A variável que está mais fortemente relacionada com a literacia, em todos os países, é a escolaridade e o problema do posiciona-mento de Portugal, no que toca a literacia, era essencialmente um problema de falta de escola. A grande maioria da população adulta tinha frequentado a escola um número de anos muito re-duzido, ou tinha uma ausência total de presença na escola.

O mais preocupante é quando se diz que a maioria dos portugueses, nos contextos de trabalho, são não apenas desqualificados mas também desqualificantes.

Há alguns indícios de que isso possa estar a acontecer. Há um equilíbrio perverso - temos uma população com níveis de qualificações, de competências, baixo; e temos um tecido eco-nómico que requer qualificações, também elas baixas.

Quando se olha mais de perto para os resultados percebe-se que há pessoas que perderam competências em termos do que

seria esperado, atendendo ao grau de escolaridade. E o que se sabe é que há contextos profissionais que não são exigentes e, ao não serem exigentes, não tiram partido das competências que as pessoas possam ter.

Isto não põe em causa a necessidade das competências para as sociedades actuais, mas mostra que são necessárias dinâmicas dos dois lados, do lado da oferta e do lado da procu-ra, para que o desenvolvimento do país se dê.

Não faz sentido o discurso de que há competência em exces-so. É absolutamente ridículo. Temos de desenvolver as compe-tências dos adultos e do conjunto da população e garantir que, do ponto de vista do mercado de trabalho e do tecido económi-co, elas são aproveitadas, rentabilizadas, e que isso se traduz em mais-valias.

Apesar de ser uma crítica frequente dizer-se que o mercado de trabalho, o patronato, tem baixas qualificações...

Acredito que se passe o mesmo que no resto da sociedade: deve haver uma diversidade muito grande. Há empresas muito atentas, muitas delas a aderir em força às novas oportunida-des. Porque acreditam que podem vir, também elas, a ganhar com esse investimento na formação ao longo da vida dos seus trabalhadores; e haverá muitas outras em que essas dinâmicas ainda não estão presentes, em que essa tomada de consciên-cia ainda não ocorreu.

Houve várias pessoas com quem falei que estavam a passar por esses processos de validação de competência que diziam que aquilo era muito importante para eles, mas que não sen-tiam ainda qualquer tipo de resposta e de vantagem. Também nunca chegavam ao ponto de dizer “não valeu a pena”. Noutras dimensões da vida, a importância era inequívoca, mas diziam que no emprego não tinha mudado nada, ninguém aproveitou os novos saberes.

A propósito do que dizia há pouco, li um estudo que reflectia um pouco a má imagem que a aprendizagem ao longo da vida tinha junto dos portugueses...

A dinâmica das novas oportunidades é mesmo fundamental. O que se tem vindo a mostrar é que as pessoas que têm mais competências e as desenvolvem, e que têm níveis de qualifica-ção escolar mais elevado, são as que mais valorizam a apren-dizagem ao longo da vida. Os que têm qualificações e níveis de escolaridade mais baixos, aqueles que mais deveriam sentir na pele a necessidade de progredir, em termos de aprendizagem ao longo da vida, são os que mais se alheiam desses proces-sos.

Isso não é tendência nossa, é geral, o que significa que o fosso tende a cavar-se. Aqueles que saíram da escola mais cedo são os que vão resistir mais e desvalorizar mais os processos de aprendizagem ao longo da vida.

Falamos de literacia geral, mas depois surgem estes conceitos de literacia informática, literacia científica, literacia de tudo...

Em certo sentido, mostra a utilidade da palavra, porque tem uma origem comum, que é utilizada no sentido de as pes soas serem capazes de utilizar aquelas competências para o seu quo tidiano, para resolver tarefas práticas. Isso está presente

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e é transversal, mesmo assim acho que vale a pena distingui-las. As competências de literacia remetem muito para o suporte escrito e para a leitura, menos para a escrita e muito para a interpretação do material escrito. E essa é considerada uma competência nuclear ou fundamental nas sociedades actuais, porque permite continuar a aprender, é a competência para a aprendizagem ao longo da vida.

A maior parte das novas aprendizagens implica leitura, impli-ca contacto com material impresso, mesmo que seja num ecrã de computador, a informática não dispensa a literacia. Há uma grande discussão teórica sobre quais são as competências, se essa é a única competência-chave ou fundamental nas socie-dades actuais. E entre as muitas abordagens, muitas teorias, é consensual que, além da literacia, as competências de utiliza-ção das tecnologias da informação são, hoje em dia, muitíssimo consagradas.

Há uma aproximação entre o conceito de literacia e o de competências-chave?

A literacia é uma competência-chave. É uma das mais impor-tantes, mas as competências-chave não se esgotam na litera-cia. Quando se fala em competências-chave, há a preocupação de tentar elencar, de restringir o núcleo das competências- -chave nas sociedades actuais, a leitura, a leitura e a escrita, a matemática e o cálculo, as operações mais quantitativas, e as tecnologias da informação que hoje em dia são nucleares, saber resolver problemas através desta ferramenta, que implica a leitura mas que tem também aspectos muito específicos.

Não basta saber ler a informação, é preciso seleccionar, analisar. Por vezes deparo-me com pessoas que resolvem tudo através da pesquisa no Google, mas mesmo assim ficam admiradas, porque algumas conseguem encontrar o que se procura e outras não.

Essa é uma competência-chave nas sociedades actuais, é a competência de resolver situações quotidianas recorrendo às ferramentas informáticas, quem diz a internet, diz um processa-dor de texto, o correio electrónico, uma folha de cálculo. Nestes novos estudos internacionais de literacia, esta nova vertente está muito presente e é a grande novidade - a resolução de pro-blemas em ambientes tecnologicamente enriquecidos.

Não é apenas saber utilizar o computador, é o que se conse-gue fazer com ele, se consegue seleccionar a informação de for-ma crítica, se consegue fazer uma pesquisa, se consegue abrir vários sites e perceber quais são os mais credíveis, se consegue distinguir o tipo de informação que lá está ou não.

É uma competência ao nível da escola. A questão da literacia da informação está muito presente nas bibliotecas escolares. É fundamental que a literacia da informação seja ensinada na escola, às crianças. É também o grande desafio para os profes-sores.

Os estudos de literacia estudam os diversos níveis de complexidade do texto?Sim. Normalmente as provas que são desenhadas e pedidas às pessoas para resolver têm texto. O nível de dificuldade surge de duas formas, por um lado é a complexidade do texto, do suporte, que pode mudar em função de diferentes variáveis, e

depois há o nível de dificuldade da tarefa. É do encontro entre essas duas pontes, a pergunta e o suporte, que vem o nível de dificuldade da tarefa. A ideia é que nessas provas se consiga cobrir um espectro grande de dificuldades, desde as tarefas mais básicas às mais complexas. É o que dá uma classificação dos países em níveis das pessoas.

Um aspecto extremamente valorizado, quer nas competências quer na literacia, são as aprendizagens informais. Como são valorizadas?

A prova de que os estudos de literacia valorizam as aprendi-zagens informais é que não ficam agarrados ao níveis de quali-ficação formal que foram alcançados pelas pessoas - querem é ver o que as pessoas, de facto, aprenderam. E se houve compe-tências, conhecimentos, que foram adquiridos por via informal, eles vão ser valorizados, pontuados, porque a prova mede as competências independentemente das qualificações, não parte

de pressupostos a partir dos graus formalmente alcançados.E há uma outra dinâmica, a dos processos de educação e for-

mação ao longo da vida que estão em curso na sociedade portu-guesa, que tiram muito partido dessas aprendizagens informais. Partem das competências adquiridas ao longo da vida, muitas delas informalmente, muitas delas sem ser sequer até aí conhe-cidas ou reconhecidas pelos próprios que as desenvolveram.

Quando falava com os adultos envolvidos nesses processos, em estudos mais qualitativos que fiz nos centros de RVCC, havia uma grande parte de surpresa também do lado deles, porque o processo de reconhecimento era para o profissional de RVCC e era para o próprio adulto descobrir, em conjunto, as competên-cias que tinha desenvolvido ao longo da vida, e que ele não va-lorizava. Era um ponto de partida, e eram também trabalhadas para um patamar diferente: não é só reconhecimento, há muito trabalho e muita formação ao nível dessas competências.

Hoje em dia, nos processos de aprendizagem ao longo da vida, a aprendizagem informal tem de estar no centro dos processos, até porque as sociedades contemporâneas têm dinâmicas que favorecem e exigem, que desafiam as pessoas a desenvolver, quotidianamente, aprendizagens. Uns apanham o barco, outros não apanham. Por isso é que é preciso depois a educação formal continuar a ter o seu papel, para apoiar aqueles que, sozinhos, não conseguem ou precisam de um momento de certificação dessas competências. Todos os dias somos confrontados com

HÁ UM EQUILÍBRIO PERVERSO - TEMOS UMA POPULAÇÃO COM NÍVEIS DE QUALIFICAÇÕES, DE COMPETÊNCIAS, BAIXO; E TEMOS UM TECIDO ECONÓMICO QUE REQUER QUALIFICAÇÕES, TAMBÉM ELAS BAIXAS.

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12 APRENDER

algo de novo que aprendemos. São aprendizagens informais.Fez estudos sobre os RVCC e os Cursos EFA, entre 2001 e 2004. Entretanto passaram-se cinco anos e agora foi feita nova avaliação externa da Iniciativa Novas Oportunidades. Esteve presente como comentadora na apresentação pública desta avaliação. Sentiu uma diferença entre a realidade actual e a que conheceu entre 2001 e 2004?

Senti. Desde logo a grande diferença foi da dimensão do fenómeno. Na altura em que fiz o estudo, ninguém imaginava que, em tão poucos anos, fosse possível dar um salto quan-titativo tão grande. Na altura, era um processo limitado a um conjunto de pessoas e de profissionais, poucos sabiam o que era um Centro RVCC. Alguns tinham ouvido falar, mas era numa escala pequena e em circuito muito fechado; hoje em dia, toda a gente já ouviu falar.

Estamos a falar em 90 centros distribuídos pelo país. A quan-tidade de pessoas que nunca tinha ouvido falar em Centros de RVCC e o que eram esses processos! Nas próprias escolas, os professores não sabiam o que era, e eram muito hostis, como não se conhece, é melhor dizer que é facilitismo...

Fiquei impressionada com a mudança de escala. Ao mesmo tempo, reconheci uma grande parte das dinâmicas, dos desa-fios, das mais-valias, das dificuldades, estão lá, não senti nem que estivessem nem mais nem menos presentes.

A nível dos impactos, as pessoas continuam a valorizar as mesmas coisas e a manifestar as mesmas dificuldades - por exemplo, de transposição para o mercado de trabalho. Mas pessoal e familiarmente, a nível relacional, o processo é funda-mental e muda muito a forma de estar na vida das pessoas. Na altura tínhamos três ou quatro casos estudados e parecia-nos que isso estava a acontecer, de repente percebe-se que aconte-ceu de uma forma generalizada, o impacto social agora é muito mais evidente do que era então. Não quer dizer que não haja dificuldades. Quando se quer fazer uma mudança rápida, é mui-to mais fácil manter a qualidade e o nível de acompanhamento dos processos numa escala pequena do que quando passamos de 90 para 500.

No estudo dizia que Portugal regista a percentagem mais baixa relativa à frequência de acções de educação e formação. Pensa que continuamos a ter um grande atraso?

Nos últimos quatro, cinco anos, houve uma mudança, mas os impactos dessa mudança ainda estão por medir. Em termos das competências adquiridas precisamos de um novo estudo inter-nacional que está em curso, irá ter resultados em 2013, para tentarmos perceber se este salto de certificação e de aquisição de competências - acredito que as duas estão a competir em per-manência - não é um mero processo de certificação em que há sempre, mesmo nos processos mais rápidos, competências.

Talvez tenha havido um pendor maior para a certificação do que para qualificação.

Sim, mas o processo não é feito de forma administrativa, não é um processo de análise de papéis, só com umas declarações. Ao convidar à auto-reflexão da pessoa sobre o seu próprio pro-cesso, há uma aquisição de competências. Chamá-lo apenas certificação é redutor, porque a complexidade, a forma como ele está pensado, e bem, é mais complexa e permite ir mui-

A Literacia dos Adultos Competências-Chave na Sociedade do Conhecimento EdiçõEs CElta 2008 455 paginas

A obra A Literacia dos Adultos. Competên-cias-Chave na Socie da de do Conhecimento, resulta de um trabalho de investigação desen volvido pela autora no âmbito do Programa de Dou to ramento em Socio-logia do ISCTE. O trabalho de pesquisa decorreu entre 2001 e 2004 e centrou-se na literacia dos adultos enquanto competência-chave nas sociedades con-tem porâneas. Antes de passarmos à apresentação deste trabalho, importa salientar que o mesmo teve como pon-to de partida distante o Estudo Nacional de Literacia (a primeira pesquisa realizada em Portugal com o objectivo de avaliar as competências de literacia dos adultos) cujos primeiros resul tados foram divulgados em 1995, coorde-nado por Ana Bena vente e de cuja equipa de investigação a autora fez então parte. Analisando o trabalho editado por Patrícia Ávila, come-çamos por salientar que o mesmo procurou, globalmente, a partir de um conjunto significativo de contributos teó-ricos e empíricos relevantes, evidenciar as competências de lite racia enquanto competências-chave ou fundamen-tais nas sociedades contemporâneas, ditas do conheci-mento, da informação ou da aprendizagem. Para além da cen tra lidade atribuída à literacia, a autora através do seu trabalho contribuiu de uma forma substantiva para a com preensão das relações existentes entre literacia e ou-tras competências-chave (por exemplo no domínio das tecnologias de informação e comunicação), tendo anali-sado aprofundadamente os processos, factores e contextos que poderão ser considerados (ou não)“promotores”do desen vol vimento dessas competências ao longo da vida.Para a concretização dos objectivos a que se propunha a auto ra “percorreu”, metodologicamente falando, dois ti-pos de “caminhos”. Em primeiro lugar procedeu à aná li-se extensiva dos padrões de literacia da população portu-guesa para de seguida os comparar com os padrões iden-tificados em outros países; em segundo lugar procedeu à análise qualitativa ou aprofundada de práticas de literacia devidamente con tex tualizadas. O primeiro tipo de análise suportou-se nos dados relativos a Portugal, recolhidos no âmbito da pesquisa internacional IALS (International Adult Literacy Survey) de avaliação directa das competências de li-teracia, desenvolvida pela OCDE num estudo que abrangeu países de várias regiões do mundo. A análise qualitativa, por sua vez, reportou-se a um grupo social específico, os adultos pouco escolarizados que pretendiam melhorar os seus níveis de certificação esco lar e que nessa perspectiva se encontravam envolvidos em processos de reconhecimento, validação e certificação de competências (trabalho desen-volvido nos então denominados Centros de RVCC e que agora se denominam de Centros Novas Oportunidades).A obra que nos dá a conhecer tão vasto e aprofundado tra-

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to mais longe. Claro que pode não ser só formativo e tem um pendor de certificação, mas é também um centro formativo e as competências que se adquirem são uma marca transversal pouco valorizada.

Atendendo aos níveis de atraso tão grandes que Portugal tinha, não seria necessário um maior investimento na formação?

Sim. À partida seriam os cursos EFA, há outras ofertas for-mativas. Os processos RVCC não foram pensados para todos os adultos. Há muitos adultos que chegam aos centros e que são encaminhados para outras ofertas, porque não estão em condições de fazer um processo de RVCC.

O que é importante – acho que é algo que está surgir agora –, é que haja uma oferta em número considerável. Durante alguns anos estagnou um pouco, nomeadamente os cursos EFA.

Ainda não temos indicadores actualizados para poder dizer se mudámos de patamar, se teve impacto. Está em curso um outro projecto que é um IALS renovado, o PIAAC (Programme for the International Assessment for Adult Competencies), um pro-grama para a valorização internacional das competências dos adultos. Esse PIAAC vai ter resultados em 2013. Portugal está a participar e tem um leque de competências-chave renovados, que são as competências de literacia, de numeracia, e de reso-lução de problemas em ambientes tecnologicamente enriqueci-dos. A questão das tecnologias da informação passa ser central nesse programa e acho que o interesse desse estudo é que os dados vão ser colhidos em 2011. Já nos vai permitir ter uma ideia dos efeitos que estas medidas, neste momento em curso, têm na sociedade portuguesa.

Segundo o censo de 2001, ainda temos cerca um milhão de analfabetos. O estudo de literacia contempla todas as pessoas? Mesmo os que não conseguem ler?

Os resultados que apresenta consideram toda a população. As amostras com que trabalham são amostras representativas dos adultos de uma determinada faixa etária, normalmente dos 15 aos 64 anos ou dos 16 aos 65 e aí inclui-se toda a gente, com e sem escolaridade.

Acontece que um indivíduo que não tenha ido à escola e que não saiba ler ou escrever, provavelmente quando chegar à parte de resolver a prova irá dizer que não sabe ler nem escrever e vai ser considerado que não respondeu, não sabe responder àquelas tarefas e, provavelmente, ficará nos níveis mais baixos, mas está lá classificado. Por isso temos um peso da população no nível 1 muito elevado, que conta com essas pessoas, conta com os analfabetos, estão contemplados.

No estudo nacional de literacia incluímos um nível a que chamámos zero, onde tínhamos 10% dos adultos inquiridos. Os estudos internacionais não consideram o nível zero, juntam até ao nível 1 onde estão todas as pessoas que não têm quaisquer competências de literacia, ou têm competências baixas.

Num estudo sobre literacia em França chegou-se à surpreendente conclusão de terem níveis de literacia muito baixos, numa camada mais jovem. Isso também acontece em Portugal?

Temos os vários níveis de literacia em todas as faixas etá-

AS COMPETÊNCIAS DE LITERACIA REMETEM MUITO PARA O SUPORTE ESCRITO E PARA A LEITURA, MENOS PARA A ESCRITA E MUITO PARA A INTERPRETAÇÃO DO MATERIAL ESCRITO. E ESSA É CONSIDERADA UMA COMPETÊNCIA NUCLEAR OU FUNDAMENTAL NAS SOCIEDADES ACTUAIS, PORQUE PERMITE CONTINUAR A APRENDER, É A COMPETÊNCIA PARA A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA.

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rias, também temos jovens com níveis de literacia muito baixos. Há jovens que abandonam a escola e ainda com muitas dificul-dades. Não são a maioria, mas existem. E em França também.

Mas ficaram surpreendidos com a dimensão do fenómeno.Nível zero são muito poucos, cerca de 4%, mas no nível 1,

dos 15 aos 24 anos tínhamos, nesta altura, 25% dos jovens, o nível mais baixo.

Há jovens com problemas, continua a haver partes da popula-ção jovem com níveis de literacia abaixo do que seria desejável, tendo em conta que são os anos de escolaridade obrigatória. Mas, nos vários países, o que estes estudos têm demonstrado, de forma sistemática, é que a relação entre a literacia e a idade é inversa. Quanto maior é a idade menor é a literacia, mesmo controlando a escolaridade. Com níveis de escolaridade iguais, os mais jovens têm desempenhos mais favoráveis do que os mais velhos. Isto também desmistifica um pouco aquela ideia de que antigamente é que o ensino é que era bom.

E é a prova de que na nossa sociedade é necessária a aprendizagem ao longo da vida.

E é a prova de que alguns desaprendem. Creio que uma das razões é essa. Quando s jovens são inquiridos, estão temporal-mente mais próximos do contexto de escola, que é aquele onde essas competências são diariamente desenvolvidas e trabalha-das, e os adultos saíram da escola há muito tempo e passaram a ter formas de vida em contextos mais passivos e que reque-rem utilizações muito mais escassas e que os motivam muito menos para esse tipo de utilizações - e as competências podem regredir.

Outro aspecto relacionado com o nível de literacia é o contexto social.

As competências de literacia desenvolvem-se e põem-se em prática em contexto, no quotidiano. Esses contextos são decisi-vos, podem mobilizar, podem incentivar à utilização ou podem constranger. Há contextos em que as pessoas se inibem de ter determinadas práticas, e há outros em que tornam-nas nor-mais, desejáveis.

Uma das grandes importâncias que têm os Centros Novas Oportunidades é que são contextos que favorecem o desenvolvi-mento dessas práticas, pessoas que as perderam voltam a sentir naquele grupo de pessoas um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Pelo contrário, pessoas que até podem ter alcan çado determinados níveis de competências, de quali-ficação formal e escolar, se estão inseridas em determinados contextos em que essas competências não são valorizadas, não são habituais, podem adaptar-se aos contextos. As pessoas fun-cionam muito por referência aos contextos e às expectativas das pessoas com quem se relacionam.

A importância das redes sociais na maneira como as pes-soas aderem ou não a estes processos é decisiva. Ao longo da vida também se percebe que as pessoas, ora estão em redes que são mais favoráveis, ora estão em redes que podem ser desfavoráveis à aprendizagem. Não nos passa pela cabeça que possam existir obstáculos que venham dos relacionamentos pessoais e familiares assumidos, mas existem. A quantidade de mulheres que diz, o meu marido não vê com bons olhos que

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balho realizado encontra-se divida em três partes. Através dos quatro capítulos que integram a sua primeira parte, a autora coloca no centro da análise teórica os conceitos de literacia e de competências-chave, evidenciando, no con texto das sociedades contemporâneas, a importância assu mida pelo conhecimento, pela informação e, pela apren dizagem na vida dos indivíduos e das organizações, sendo por isso mesmo aqueles factores, entendidos como decisivos e estruturantes da vida social. A segunda parte do livro é dedicada à apresentação dos dados empíricos, mas também da análise teórica e conceptual, decorrente da exploração dos dados produzidos no âmbito da referida pesquisa internacional. Concretizando, nesta etapa, para além da explicitação e discussão de aspectos metodológi-cos relacionados, designadamente, com a avaliação directa de competências de literacia na população adulta, o perfil de literacia da população adulta portuguesa é comparado com o de outros países. Do ponto de vista teórico e con-ceptual discute-se a literacia enquanto recurso que condicio-na as trajectórias de vida e enquanto competência dependente das práticas e dos contextos de vida que favorecem o seu desen-volvimento. A terceira parte é consagrada a um aprofunda-mento analítico de questões enunciadas e explo radas nou-tras etapas do trabalho de investigação, com destaque para a análise das dinâmicas e processos que ao longo da vida influenciam (no sentido positivo ou negativo) o desenvol-vimento de competências-chave, e em particular as com-petências de literacia. Nesta última parte do livro e depois de ficarmos a conhecer numa perspectiva evolutiva (após 1974) as principais ofertas educativas dirigidas aos adultos sem a escolaridade obrigatória a autora analisa de for ma aprofundada os Cursos de Educação e Formação de Adultos (Cursos EFA) e os Processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, no âmbito dos quais é reali-zado o estudo qualitativo desenvolvido em seis Centros de RVCC. Ao contrário da análise realizada na primeira parte que incidiu nos dados recolhidos no IALS, esta centrou-se nos indivíduos, dando particular ênfase às suas histórias de vida e aos processos de RVCC em que encontravam envol-vidos. Através da realização de entrevistas aprofundadas foi possível analisar as suas tra jec tórias pessoais desde a saída da escola até à procura de um Centro de RVCC, abor-dagem metodológica que possibilitou à autora compreen-der, a partir das histórias de vida dos entrevistados, a diver-sidade de factores que condicionam e possibilitam os processos de aprendizagem ao longo da vida. A análise dos processos de RVCC con tri buiu, por um lado, para um aprofundamento da reflexão e do conhecimento, em relação aos diferentes momen tos e contextos de vida potenciadores ou inibido-res da aquisição de competências, e por outro, para o es-tudo dos efeitos que os processos de RVCC poderão ter na trans for mação e alargamento das diversas competências-chave, e em parti cular para as de literacia.Embora este não seja o lugar para uma apresentação sis te-má tica dos principais contributos teóricos e empíricos do tra balho realizado por Patrícia Ávila dada a abrangência e em simultâneo a profundidade dos seus contributos para o conhecimento sociológico disponível sobre para a pro -

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ENTREVISTA

eu faça estas coisas, é uma luta muito pessoal e com muitos obstáculos, se essas o fazem porque conseguem romper os obstáculos, haverá muitas que não conseguem rompê-los e que continuam a sentir-se constrangidas.

Apesar dos constrangimentos, são as mulheres que vão mais, e há um impacto tremendo sobretudo quando têm filhos em idade escolar. Quando há filhos em idade escolar muda a relação dos filhos no que toca à escola. Como são adultos que tiveram muito pouca escola, sentiam-se muito diminuídos peran te os filhos que os ultrapassavam ou estavam em patama-res muito próximos. Havia mundos à parte lá em casa, a mãe assumia que não sabia daquelas coisas, que tinha ficado para trás, e o filho tentava estudar sozinho.

E aquilo que elas relatam é uma aproximação muito grande em relação a esses dois universos, por efeito destes processos de aprendizagem ao longo da vida em que elas se vêm envol-vidas, deixam de ter vergonha de tentar ajudar, passam a ser cúmplices, os filhos ajudam a mãe, a mãe ajuda os filhos.

Isso é tremendo porque está demonstrado que são muito importantes as origens sociais dos pais para o sucesso escolar dos alunos. Provavelmente esta é uma das formas que melhor pode contribuir para o sucesso escolar nas famílias de origens sociais mais desprovidas de capitais culturais e educacionais - é trazendo-os para a escola. Dificilmente esses mundos come-çam a comunicar por si só porque há grandes clivagens, pais que nunca mexeram num computador, o filho está lá em casa com o Magalhães, como é a relação entre eles? Sempre que entram nestes processos, a vantagem é que, de repente, o com-putador é comum, passa a ser uma ferramenta familiar aos dois, descobrem em conjunto, apoiam-se mutuamente.

Sempre que havia filhos em idade escolar esta dinâmica emergia de forma muito clara e valorizada pelas mulheres, não é só a auto-estima, pode ainda não haver grande impacto no mercado de trabalho, mas nesta esfera mais privada o impacto é grande.

A questão da transferência das competências de diferentes contextos foi analisada?

Faz parte do debate teórico que está por detrás destes es-tudos. A ideia é que as tais competências fundamentais ou competências-chave, são competências que, embora só pos-sam ser utilizadas em contexto – porque são utilizadas para resolver determinada situação, perante determinado problema – ao mesmo tempo são competências transversais a múltiplos contextos. E, ao serem transversais a vários contextos – porque eu posso precisar de ler em casa, no trabalho, por causa da escola do filho –, acabam por ser transponíveis, eu não apren-do a ler só para ler em casa, ou só para resolver problemas na profissão. Estas competências são chamadas chave ou fun-damentais para as sociedades actuais, transversais aos vários contextos. Por outro lado, os contextos em que são accionadas e utilizadas multiplicam-se e generalizam-se, proliferam de algu-ma maneira. Quase todos os contextos de vida podem exigir a utilização dessas competências.

Quando se fala destes IALS, as competências são quase to-das pacíficas, porque é a literacia e a numeracia, são cálculos simples do quotidiano, não é a disciplina matemática, é a lite-racia matemática que agora chamam numeracia, são situações

do quotidiano que nos envolvem, podem ter suporte escrito ou não, ou quando vamos ao supermercado, ou quando temos de preencher um impresso, ou quando vamos na rua e olhamos para uma coisa e temos uma dúvida, são situações quotidianas que implicam cálculo. Tal como a literacia não é literatura, não são conhecimentos especializados. E também as tais competências de utilização das tecnologias da informação são transversais, o computador está no trabalho, está em casa, está por aí.

A questão da numeracia, estava a lembrar-me de um testemunho das pessoas que frequentaram os RVCC sobre a matemática para vida. Quando se falava de trocos achavam que tinham competências, mas quando abordavam a matemática escolar respondiam que não se lembravam nada dessas questões.

Nós tínhamos competências mais elevadas em numeracia do que em literatura. As competências de numeracia que aqui são medidas são elementares, porque no caso dos centros e da matemática para a vida, e do referencial de competências, há também uma preocupação formativa, não é só avaliar as com-petências do dia-a-dia e aí o que não se perde é a oportunidade para mudar um pouco de patamar.

Lembro-me de formadores de matemática para a vida que me explicaram que as pessoas utilizavam o Teorema de Pitágo-ras mas não sabiam que aquilo era o Teorema de Pitágoras. O

LEMBRO-ME DE FORMADORES QUE ME EXPLICARAM QUE AS PESSOAS UTILIZAVAM O TEOREMA DE PITÁGORAS MAS NÃO SABIAM QUE AQUILO ERA O TEOREMA DE PITÁGORAS. O INTERESSANTE É COMO PASSAR DE UMA EXPERIÊNCIA QUOTIDIANA EM QUE SE UTILIZA UM SABER, PARA UM NÍVEL DE ABSTRACÇÃO E DE CONCEPTUALIZAÇÃO DIFERENTE.

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16 APRENDER

blemática em análise, salientamos algumas das suas con-clusões:Em primeiro lugar a literacia evidencia-se como uma com-petência decisiva e fundamental para que outras com-petências-chave possam ser desenvolvidas pelos indiví-duos, dada a transversalidade assumida pela escrita nas sociedades contemporâneas. Em segundo lugar salien ta-se o facto das práticas e dos contextos de vida dos indivídu-os influenciarem significativamente a forma como depois da saída da escola os indivíduos actualizam, desenvolvem ou adquirem novas competências ao longo da vida, e, em particular, as de literacia. A centralidade dos contextos de inserção (nomeadamente o trabalho) resulta da aceleração dos processos de transformação das sociedades contempo-râneas em que os indivíduos são confrontados ao longo da vida com mudanças cada vez mais frequentes na esfera profissional, pessoal ou social. A este propósito importa salientar que os dados empíricos apresentados no estudo convergem no sentido da existência de uma relação entre o perfil de literacia dos indivíduos, o seu meio familiar de origem, o nível de formação escolar alcançado, as suas tra-jectórias socioprofissionais e as práticas quotidianas. Isto quer dizer que os indivíduos de origens sociais mais favo-recidas tendem a “sair da escola” mais tarde e munidos de maiores recursos escolares e/ou profissionais formalmente certificados o que possibilita processos de inserção socio-profissional mais “qualificantes”. Ao pres su porem o de-sempenho de actividades profissionais que os “convidam” quotidianamente ao processamento de informação escrita, contribuem para a actualização e aqui sição de novas com-petências reforçando assim a pos si bilidade e capacidade para desenvolver processos de aprendizagem ao longo da vida, sejam estas através da via não formal e informal, ou através de processos formais de requalificação.É neste contexto que as políticas educativas e sociais dirigi-das em particular aos adultos pouco escolarizados (como sejam os Cursos EFA e os processos de Reconhecimento, Vali-dação e Certificação de Competências), assumem na contem-poraneidade um papel decisivo sobretudo junto daqueles que “se movem”, social ou profissionalmente, em meios que ao invés de potenciarem o desenvolvimento e a ac-tualização de competências, impedem o seu desen vol vi-mento ou induzem mesmo a sua regressão.Terminamos realçando o contributo dado para o apro fun-damento de uma problemática tão relevante como a da li-teracia de adultos na sociedade portuguesa, já que, como tem vindo a ser demonstrado em diversas áreas do conheci-mento, os baixos níveis de certificação escolar e de literacia da maioria da população possuem forte impacto na vida dos indivíduos, das organizações e no desenvolvimento social e económico do país. Pelo rigor e clareza com que o tema é tratado consideramos a leitura atenta da obra que tão brevemente acabou de ser apresentada como incontor-nável para todos aqueles que pela sua prática profissional se encontram ligados à educação e formação de adultos.

Luísa Delgado e João Sebastião docentes da Escola Superior de Educação de Santarém

interessante daquele tipo de actividade é como passar de uma experiência quotidiana em que se utiliza um saber para um nível de abstracção e de conceptualização diferente, é isso que permite que ele seja aplicado noutras situações. Nalguns casos é isso que permite a tal transversalidade, é quando esse saber deixa de estar nesse patamar mais imediato, mais contextua-lizado e passa a ser passível de ser transponível para outros contextos. Mas nos estudos internacionais, isso é uma ques-tão mais formativa da educação de adultos, não há perguntas sobre o Teorema de Pitágoras, são cálculos matemáticos sim-ples das pessoas que não têm competências de literacia, mas no quotidiano são capazes de resolver.

Há uma desvalorização das competências das pessoas com baixo grau de literacia?

As sociedades são desiguais, e no que respeita à escolari-dade e à literacia são-no há muito tempo. E é verdade que as pessoas que não foram à escola, os analfabetos ou pessoas com competências de literacia muito baixas não deixaram de, algumas de subir na vida, de participar na sociedade, têm em-pregos, têm filhos, têm uma vida, encontraram formas alterna-tivas.

Dizemos que as competências são decisivas, mas essas pes-soas não as têm e encontraram formas alternativas de ultrapas-sar as dificuldades que foram sentindo. O que se procura cha-mar a atenção nestes estudos é que é sempre possível bater à porta do vizinho e pedir-lhe para ler a carta, ou esperar que a filha venha ao fim-de-semana e pedir-lhe para ver as contas, há sempre uma forma de resolver.

Mas o que os estudos mostram é que se perde muita autono-mia, desde logo fica-se dependente de terceiros, a questão da leitura é uma relação muito da pessoa com o texto, da pessoa com os materiais, se a pessoa não lê o material escrito e pre-cisa de ultrapassar a situação - imagine que está a ler a bula de um medicamento - ou vai cometer um erro, ou então fica dependente de terceiros.

Há uma questão de autonomia e de capacidade. E também há outro lado desvalorizado que é a da auto-estima, porque a verdade é que as pessoas se sentem diminuídas, ultrapassam, ganham competências na forma de tornear, mas não deixam de ter a percepção de que estão a tornear e que lhes falta uma competência que é essencial e que os outros detêm. Há opor-tunidades que se perdem, há coisas que não se chega a saber que acontecem, há problemas que não se conseguem resolver, com maiores ou menores consequências, há outros que se vão ultrapassando com uma grande dependência face a terceiros. Subestimar a desvantagem em que se está por não se deter essas competências não é muito sério.

Os estudos de literacia feitos, pretendem fazer um diagnóstico. Mas também apontando soluções. Apontando soluções e permitindo mergulhar e perceber melhor as dinâmicas que estão por detrás desses resultados, porque não têm só indicadores de avaliação directa dessas competências, têm um conjunto de outras variáveis, porque há um grande inquérito por questionário que é feito numa primeira parte, que permite depois tentar perceber os porquês dessa situação, permite investigar

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AO LONGO DA VIDA 17

REPORTAGEM

como se chega às várias situações, às mais favoráveis e às menos favoráveis. Porque se quer também sempre tentar agir, ou tentar perceber, quando as coisas não estão tão bem, quais as variáveis, quais são as formas de tentar contornar os problemas, e onde é que eles se localizam e quais são as razões que lhe estão na origem.

Há uma bateria de indicadores sobre, para além de todas as variáveis que se possa imaginar de caracterização socioprofis-sional e educacional, percurso escolar, profissional, trajectórias a esse nível, práticas quotidianas de contacto com informação escrita, exigências nos contextos de trabalho que possibilita de-pois que sejam feitas muitas análises para investigar melhor o que está por detrás daqueles resultados. O primeiro é retratar a situação, é o diagnóstico, interessa investigar o que está por detrás.

O estudo nacional de literacia de 96 teve impacto em termos de diagnóstico e também de apontar caminhos?

Teve um grande impacto em termos de diagnóstico. Apontar caminhos não sei. O retrato que aparece no estudo nacional de literacia é o retrato da população adulta, foi um estudo que permitiu olhar para a questão das competências na perspectiva da população adulta e não apenas dos jovens. Até aí havia já alguma coisa feita sobre os jovens a ideia não digo só em ter-mos nacionais mas internacionais, era como o jovem desinves-te quando chega a adulto, ou se adquiriram as competências ou não se adquiriram, ainda se estava num paradigma.

Aí o que contava era o grau académico.Exactamente. O que contava era o grau académico, o que o

estudo põe em cima da mesa é: esqueçam o grau académico e vejam antes o que as pessoas são capazes de fazer, inde-pendentemente do grau académico. Por um lado, trouxe uma nova forma de olhar para a questão das qualificações e das competências; e por outro lado colocou-se a questão nos adul-tos, trouxe os adultos para o centro da questão. Acho que nos vimos um pouco ao espelho, foi possível olhar para a sociedade portuguesa numa perspectiva que até aí não se olhava.

Porque quando se fala nas competências de utilização, em vez de dizermos que um grau é uma coisa que aconteceu há uns anos, tem a ver com o percurso escolar: completei ou não o 9º ano, fui ou não para a universidade e era muito visto numa perspectiva mais retrospectiva no caso dos adultos. Ali não, ali estamos a dizer: o que é que estes adultos hoje sabem e são capazes da fazer a propósito de competências que são básicas, transversais para as sociedades actuais e de resolução de pro-blemas imediatos. Vemos de uma forma muito mais próxima porque é um olhar muito mais colado à realidade do quotidiano. E, provavelmente por isso, teve o impacto que teve.

Em 2013 vamos ver…Em 1998 o IALS confirmou, não tinha passado muito tempo

de 96 para 98, os resultados estavam consolidados, estavam estáveis, também não acredito que estas coisas mudem muito depressa. Em 2013, em termos temporais, já poderão ver se há algumas evoluções, nossas e em comparação com os outros

HOJE EM DIA, NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA, A APRENDIZAGEM INFORMAL TEM DE ESTAR NO CENTRO DOS PROCESSOS, ATÉ PORQUE AS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS TÊM DINÂMICAS QUE FAVORECEM E EXIGEM, QUE DESAFIAM AS PESSOAS A DESENVOLVER, QUOTIDIANAMENTE, APRENDIZAGENS.

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DOSSIER

O mundo é escrito com várias coisas entre elas a matemática. No nosso quotidiano estamos permanentemente a lidar com conceitos matemáticos mas sem nos aper-cebermos dessa presença. Uma má relação que muitas vezes as pessoas estabelecem com esta área de saber durante o seu percurso escolar resulta na sua rejeição.Mas é importante valorizar o saber fazer das pessoas para que elas possam desen-volver métodos de aprendizagem significativa que as auxiliem a compreender as relações entre a Matemática e outras áreas do conhecimento, visando uma melhor preparação para actuar no mundo em que vivem.Esperamos, com este dossier, poder contribuir para uma melhor compreensão do papel da Matemática nas nossas vidas.

COMPREENDER E ACTUAR NO MUNDOCOM AjUDA DAMATEMÁTICA

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PROjECTO D.A.R. À COSTA – TR@NSFORMARTE

Onde 1+7 é igual a um conjunto uno

Texto Guiomar Belo Marques # Fotografias Paulo Figueiredo

Depois de concluído um RVCC de nível básico, vários elementos de um grupo do CNO da Escola Secundária Monte da Caparica não quis perder-se. Criaram, então, um sistema informal de se encontrarem e continuarem a resolver a sede de saber mais. Uma voluntária, professora de Matemática, mudou-lhes o modo de olhar o mundo e hoje fazem novas contas à vida.

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Costa, nas insta la ções do Projecto D.A.R. à Costa (Desen volvimento, Apren di-za gem e Reconhecimento), subsidiado pelo Programa Escolhas e que se dedica a acompanhar crianças e jovens sinali za dos na Costa da Caparica, bem como seus fa-miliares. Em 2007 os ele mentos do grupo são chamados, sen do-lhes pro posto que continuem, infor mal mente, com Inglês, Matemática e Portu guês.

Entretanto, entre os Verões de 2007 e 2008, ficam sem a professora Mônica, pela necessidade desta ir para Londres terminar a sua tese de doutoramento. Não se deram por vencidos. “Ficámos sem sítio, mas continuámos a encon-trar mo-nos no café, no parque de esta-cio namento, almoçávamos juntos, sem-pre em convívio”, recorda Jorge. Até que Mônica regressou, são contactados e to-dos voltam. Sem local, passam a reunir-se em casa da professora que, a páginas tantas, considerou ser indis pen sável sis-tematizar e formalizar as apren dizagens do grupo.

Entre Outubro e Dezembro, “com a ajuda do Professor Vítor Duarte Teodo-ro, arranjámos uma sala na Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova de Lisboa, onde consegui que ami-

gos professores dessem aulas”. Alexan-dre Pais, Margarida Belchior, Sal Restivo (Sociólogo da Matemática do Rensselaer Polytechnic Institute em Nova York), Ma-ria do Carmo Domi te (da Universidade de S. Paulo) e Ubi ratan d’Ambrosio, o mentor da Etno matemática, são alguns dos nomes recordados.

No final de 2008, Mônica Mesquita é convidada a tornar-se, formalmente, coor denadora do Projecto D.A.R. à Cos-ta, e a 1 de Janeiro de 2009, for man dos e Mestre recuperam uma sala no Grupo Amigos da Costa da Caparica, iniciando o ano a pintar todas as salas do projecto, bem como aquela que lhes fora destina-da. Em finais de Janeiro, aparece uma voluntária para dar inglês, a professora Fernanda Mar ques, e que acaba por ficar até Julho, acom pa nhan do-os a Londres ao já referido congresso.

Apesar das características do grupo, ao longo de dois anos cada um foi cons-truindo o seu portefólio, embora “sem corresponder totalmente ao refe ren cial do 12º ano”, explica Mônica. “Neste momento, estamos num pro cesso de avaliação relativamente às equi valências que podem transitar em termos formais, com vista à certificação do 12º ano”.

No Verão passado, Jor-ge Marques escre veu um tex to intitulado: Mate mática, Amor e Solidariedade. Come-çou por o escrever

em português, mas depois teve de o retroverter para inglês, com a ajuda da formadora desta área, para o poder apresentar em Londres, no Congresso Internacional de Adultos Aprendendo Matemática.

O desempregado Jorge jamais supu-sera que, aos 61 anos, a mais temida disci plina lhe inspirasse uma reflexão deste tipo, confessando que aprendeu “a ser mais crítico relativamente a muitas coisas e até os meus textos passaram a ser mais críticos”. À semelhança dos seus demais companheiros Mônica Mes quita, uma brasileira doutorada em Socio logia da Matemática que, através de uma ino-vadora metodologia e uma enorme dose de generosidade, não os deixou perde-rem o rumo.

Em Abril de 2006, o grupo, compos-to por oito pessoas, termina com sucesso um RVCC. Adelaide Silva, que os acom-pa nhara no Monte da Caparica na sua qualidade de directora do antigo Centro Proformar, propõe a Mônica que acom-panhe, voluntariamente, esse grupo que manifesta interesse em man ter laços e prosseguir em processo de aprendizagem. Arranjam uma sala no Grupo Amigos da

MôniCa MEsquita

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que mais facilmente dão acesso a mais complexos conceitos matemáticos.

E a pouco e pouco os horizontes foram-se alargando ao mundo. Marga-rida Matias, uma reformada de 66 anos, já dominava razoavelmente o essencial. Com o Curso Geral de Comércio, deci diu que tinha de aprofundar os seus conhe-cimentos porque tem uma filha a viver nas Caraíbas, um neto que fala fran cês e um outro de sete anos do qual possui o poder paternal. “Vim para o Dar à Costa para melhorar o Fran cês e pela Informá-tica, para poder usar o email. Trabalhei toda a vida nos Cor reios. Contabilidade e cálculo eu sempre dominei bem. Mas esta Mate mática da Vida nunca me tinha aper ce bido dela. É que, para onde nos viremos, há Matemática. Hoje vejo-a de um outro modo. Ajuda a analisar, ajuda a com pre ender. No fundo, trabalhamos muito com ela sem nos apercebermos. Há muitas pessoas sem instrução que fazem a sua vida com Matemática sem saberem”.

Maria de S. José Madeira, aos 57 anos e desempregada desde que o Diário Po-pular fechou, recorda a aula que tiveram com Sal Restivo: “Ele falou em Inglês muito deva gar e por isso conseguimos perceber praticamente tudo. Isaura Ma-tos, de 60 anos e desempregada, faz questão de afir mar que “é um privilégio estar neste grupo. Ficámos a perceber, por exemplo, que o dólar, para os ame-ricanos, vale mais do que a própria famí-lia. Regras do siste ma monetário…”

E a ida a Londres foi o “prémio” mere -cido. Mônica Mesquita fora convi dada para fazer um simpósio durante o Con-gresso. “Disse que não queria falar sobre eles, mas sim com eles. Era um congresso para pesquisadores e levantaram algumas questões relativa mente à ida dos forman-dos, mas aca bá mos por con seguir”. Foram como pude ram. Cada um dos seis que tiveram disponibilidade para ir, prepa-raram, durante vários meses, a sua comu-nicação em inglês, que apre sen taram ao Congresso. Foram um suces so. Orgulho-sos, mostram o fruto do trabalho: textos muito pessoais e simples onde revelam eloquentemente o seu saber matemático.

“O principal é a lógica da partilha do conhecimento. Cada um sabe da sua área. São mantidas pontes com todos os vínculos sociais”.

Num conjunto, a unidade é muito mais do que um. n

As virtudes da Etnomatemática no ensino de adultos

“A abordagem que sigo na prá ti ca da aula tem duas vertentes: a Etno ma te-mática, que faz uma apro xi mação à Ma-temática enquanto movi mento cul tural; e a Educação da Mate mática Crítica, que incide mais numa perspectiva de exercício político”, escla rece Mônica. “Nós temos uma semi-formatação esco lar que nos leva a pensar que a Mate mática é muito com pli cada e única. A Educação Crítica cresce e desenvolve-se principalmente num sistema crítico. Pode fazer-se um paralelismo entre o Método Paulo Freire, em termos de palavras, e este, em termos de, por exem plo, conceito numérico”.

Quando inicia o seu trabalho com este grupo, em encontros semanais, co-meça por trabalhar a ideia da exis tên-cia de “outras matemáticas, como as de algumas tribos nativas, que são muito curiosas na relação e visão do mundo com a matemática, já que para elas a uni dade, o 1, é o conjunto dos seus ele -mentos”. Ou seja, a tribo, ou grupo, no fundo, o conjunto, são, de facto, a uni-dade base. Algo perfeitamente com pre-ensível para este grupo que se assu miu a si mesmo como a unidade, muito antes mesmo de ter percebido o porquê. Mas agora já o entendeu. Assim como enten-deu uma multiplicidade de outras coisas

“Nós temos uma semi- -formatação esco lar que nos leva a pensar que a Matemática é muito complicada e única. A Educação Crítica cresce e desenvolve-se principalmente num sistema crítico.

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Alunos adultos e numeracia

Texto Keiko Yasukawa e Jacquie Widin, Universidade de Tecnologia, Sydney # Ilustração Luis Miguel Castro

Na Austrália, o discurso oficial sobre a literacia e a numeracia reflecte, fortemente, o ponto de vista de que a literacia e a numeracia são conhecimentos necessários ao melhoramento dos níveis de capacidade da força de trabalho.

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Em estudos internacionais (Schuller et al 2004), e também na Austrália (Balatti et al 2006), fo-ram expostos outros tipos de benefícios para os próprios alunos e a sua comunidade, que podem advir da sua participação na aprendizagem. Este trabalho examina um pequeno estudo de caso de

um workshop na Austrália, para ilustrar que pode haver diferen-tes benefícios que surgem do envolvimento na aprendizagem, e para defender que, apesar de a formação ser, muitas vezes, avaliada em termos de “resultados” – os produtos que os alu-nos “levam consigo” para os locais de emprego, para uma for-mação continuada ou para uma participação mais activa na sua comunidade, estão ligados ao próprio processo de apren-dizagem, durante a formação e na sala de aula: os benefícios de ser formando.

IntroduçãoDesde o final dos anos 90, tem havido uma crítica cres-

cen te, no campo da literacia e da numeracia para adultos, na Austrália, a de que as políticas do governo, que apoiam os programas de literacia e de numeracia, estão demasiado con-centrados nos resultados a nível de capital humano (McHugh 2007; Sanguinetti 2007). Alguns investigadores come çaram a examinar medidas que podem ser usadas para avaliar os resul-tados de capital social da aprendizagem de adultos como for-ma de abrir caminho a outros tipos de benefícios, que podem ser trazidos para as vidas dos adultos através do envolvimento na aprendizagem da literacia e da numeracia. O estudo do Rei-no Unido, de Schuller et al (2004), documenta as vantagens alargadas da aprendizagem, de que beneficiou um conjunto de adultos, através da participação na aprendizagem. O estudo analisa estes benefícios em três tipos de capital: capital hu-mano; capital de identidade; e capital social, e mostra como podem existir ganhos para os alunos adultos nos três tipos de capital. Este trabalho irá descrever um pequeno estudo de caso, de uma turma de numeracia para adultos, numa facul-dade de educação de adultos em Sydney, na Austrália e, deste estudo, iremos defender que, para alguns grupos de alunos, os benefícios da aprendizagem estão no facto de serem alunos, e não devem ser unicamente avaliados em termos de resultados no final do curso.

Visto através da lente da teoria do capital humano, o objec-

ti vo da educação é a produção de qualificações, capa ci da des e conhecimentos, que irão aumentar o número de traba lha-do res qualificados que, por sua vez, irão aumentar a pro du -tividade e a riqueza nacionais. A lógica desta teoria pode e é desafiada, mas, no entanto, não restam dúvidas de que o aumen to a empregabilidade e/ou o acesso a uma continua-ção da educação sã o os motivos pelos quais muitos adultos dão início à aprendizagem da literacia e da numeracia. Na verdade, uma das principais razões porque foram constituídas unidades de literacia e de numeracia (ou Educação Básica de Adultos) nas faculdades de Educação Técnica e Continuada da Austrália (TAFE) foi para dar apoio aos alunos de ofícios e outros cursos voca cionais.

Estudos tais como o de Coulombe, Tremblay e Marchand (2004) e o de Cameron e Cameron (2006), defendem os bene-fícios económicos directos que advêm do aumento dos níveis de literacia e de numeracia dos adultos. Na Austrália, o estudo de Gleeson (2005) mostrou que os adultos com baixas capaci-dades de numeracia têm mais probabilidades de desemprego ou de empregos com baixos salários. Mas, quando recebem formação em numeracia, é provável que con sigam acesso a empregos com melhores remunerações. No entanto, a ênfa-se da ligação entre literacia e numeracia e a empregabilidade pode esconder os outros benefícios da apren dizagem. Num estudo sobre alunos com o inglês como segun da língua, na TAFE, Balatti, Black e Falk (2006) encon traram evi dências de que o capital social dos alunos aumentava através do apoio da literacia e da numeracia, que obtinham através dos seus cursos vocacionais. Definiram capital social como as mudan-ças nas “relações dos alunos com as pessoas” e concluíram que os alunos analisados indicaram que as suas redes sociais se expandiram e melhoraram; sentiram que o seu bem-estar socioeconómico melhorou; e viram um impacto posi tivo nos seus ambientes sociais, de aprendizagem e de traba lho.

No Reino Unido, o estudo de Schuller et al (2004) reve-lou uma combinação de três tipos de capital, que aumentava com o envolvimento dos adultos na aprendizagem: o capital humano, o capital social e o capital de identidade. O capi-tal de identidade está ligado à individualidade de cada um, e consiste em factores tais como a auto-estima, auto-con fiança, motivação, e capacidade de traçar objectivos. Não defen dem haver uma delimitação clara entre os três capitais, e represen-

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tam a sua interconectividade e influências mútuas através do seguinte diagrama:

Por exemplo, a capacidade de uma pessoa estabelecer metas pode aumentar, se tiver sucesso no seu actual objectivo de com-pletar uma formação. Por outro lado, a sensação de exclusão por parte da comunidade ou da sociedade alargada pode di-minuir a confiança da pessoa em fazer parte dos estu dos numa grande instituição pública de educação. Esta teoria pode ser usada para defender que não há nada de errado com as políti-cas educativas que se concentram de forma quase exclusiva no aumento do capital humano, porque exis tirão benefícios pa-ralelos para o capital de identidade e para o capital social. No entanto, este argumento não refere que os benefícios paralelos seriam apenas sentidos pelas pessoas que tenham suficientes re-cursos pessoais, em termos de auto-confiança, de apoio familiar ou comunitário, e o capital cultural que as ajudaria a negociar as regras e normas do ambiente de aprendizagem. Em todas as sociedades, há pes soas que não têm estes recursos. O grupo de alunos de numeracia descrito neste trabalho ilustra pessoas desta última categoria, e a aprendizagem que tiveram com a sua professora, Ann.

Conhecer os alunosA turma aqui descrita é um de quatro estudos de caso num

projecto de investigação, que examinou as práticas de ensino de professores de adultos experientes, a nível de língua, de lite-racia e de numeracia (Widin, Yasukawa e Chodkiewitz 2007). Os professores foram nomeados por líderes da sua comuni-dade profissional e foram entrevistados pelos inves ti ga dores antes da observação das suas aulas. O estudo de caso des crito neste trabalho debruça-se sobre um grupo de seis alunos adul-tos, num workshop de numeracia, num programa TAFE de Edu-cação Básica de Adultos. A professora Ann descreve os forman-dos como alunos com

baixas capacidades de literacia, bem como com baixas capa ci-dades de numeracia. A sua compreensão de conceitos básicos, em geral, é muito baixa… os seus conceitos de numeracia são muito baixos. São alunos dependentes, que não são capazes, neste momento, de uma aprendizagem independente.

Os alunos vinham de meios culturais e linguísticos diver-

sos. Alguns tinham falhas na sua aprendizagem, devido a per-turbações na sua formação; alguns tinham pequenas inca pa-cidades de aprendizagem.

No dia em que a turma foi observada, a professora Ann esteve cinco a dez minutos fora da sala de aula, onde os alunos aguardavam. Perguntou a cada um dos alunos com tinha sido o seu fim-de-semana, mostrando interesse no que cada aluno tinha feito. A aula em si enquadrava-se numa série sobre me-didas. Na sessão anterior, a turma tinha aprendido a medir o tempo. No início da aula, foram revistas as horas em relógios digitais, versus relógios analógicos; as vinte e quatro horas; e conceitos de “am” e “pm”. Durante esta revisão, um dos alu-nos mostrou um relógio, que explicou ter sido um presente do pai. A professora deixou o aluno falar da história por detrás do relógio, e o significado pessoal que este tinha, incluindo o

seu plano de o oferecer ao filho, quando este fosse mais velho. Ann escutou com interesse e afirmação, e depois aproximou-se de cada um dos outros alunos, para que também pudessem falar sobre os relógios que estavam a usar.

Mais tarde, a lição passou ao tópico da medida de com -primentos e alturas. Houve um brainstorm feito pela tur ma, sobre conceitos e linguagem acerca da medida de com pri-mentos. Em seguida, Ann questionou os alunos sobre as dife rentes formas que conhecem para medir comprimentos, como, por exemplo, utilizar partes do corpo para calcular um metro, ou a relação entre medidas – por exemplo, um aluno deu a informação de que o quádruplo da medida do períme-

CAPITAL DE IDENTIDADE

CAPITAL HUMANO

Auto-conceito

Planos/ objectivos

Divertimento

Motivação para aprender

Atitudes e valores (ex: confiança)

CapacidadesSaúde Família

Amigos/redesConhecimentoParticipação cívica

CAPITAL SOCIAL

Figura 1: “Conceptualização dos benefícios alargados da aprendizagem” (Schuller et al, 2004, p. 13)

Na Austrália, o estudo de Gleeson (2005) mostrou que os adultos com baixas capacidades de numeracia têm mais probabilidades de desemprego ou de empregos com baixos salários.

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tro do pescoço é igual à medida da cintura. Ann questionou os alunos sobre a sua utilização de medidas, dirigindo, numa ocasião, uma questão a um dos alunos, que informou que uti-lizou medições de comprimentos no curso de horticultura em que participou.

Num outro momento da lição, a estratégia de ensino de Ann pode ser vista como “boas práticas básicas” de construção a partir daquilo que os alunos sabem. Este é um princípio fun-damental da educação de adultos (ver, por exemplo, Knowles 1998, Jarvis 2004, Rogers 2007) e das teorias socio culturais do ensino da numeracia (ver, por exemplo, example Benn1997, Swain, Newmarch e Gormley 2007, Safford-Ramus 2008). Para muitos educadores experientes de adultos, partir e refor-çar os conhecimentos dos alunos é quase “um dado adquiri-do”, como forma de facilitar a aprendizagem efectiva. A eficá-cia desta abordagem para gerar um envolvimento entusiasta e efectivo com a aprendizagem da matemática é evidente entre os alunos de Ann, que disseram:

Aprendi muito mais com a escrita, os mapas e essas coisas… Adoro tudo o que tenha a ver com mapas, e sou muito bom a fazer medições… (Bob, aluno)Gostei muito da matemática, é muito útil… é bom saber somar e gerir dinheiro… (Raymond, aluno)As medições foram muito boas e interessantes, porque temos de as usar em muitas coisas diferentes (Tony, aluno)

Estabelecer ligações com as experiências dos alunos tam-bém os ajuda a ver o valor e o objectivo da aprendizagem da nume racia. Isto é notório nas respostas da aluna Carmen:

Entrevistador: Qual o significado que a aprendizagem da nume racia, dos números e da matemática tem na sua vida? Em que é importante?

Carmen: Em tudo, é muito importante em tudo.Entrevistador: Porquê?Carmen: Porque preciso sempre, na minha vida diária.Entrevistador: Na sua vida diária?Carmen: Sim, na minha vida diária. Preciso para todo o lado

onde vou, para ir às compras, para tudo.

De igual modo, um outro benefício, talvez mais forte-mente evidente, é a sensação dos alunos de serem valorizados como indivíduos, e as formas em que a sala de aula se torna um ambiente socialmente coeso e interligado para estes alu-nos. Quando questionados sobre a significância desta forma-ção, os alunos comentaram que se sentiam confortáveis com os colegas e com a professora. Um dos alunos disse:

Os meus colegas são muito simpáticos e boas pessoas. Desde que venho a esta aula, conheci estas pessoas, o que é muito bom para mim. Estou aqui há cerca de três meses, mas estou muito melhor na leitura e na escrita. Sei que estas pessoas são minhas amigas. Quando venho para a escola, estou feliz. É muito bom. Muito bom. (Jaswara, aluno)

Para Jaswara, existem benefícios em ser “apenas” um aluno desta turma. Embora ele vá obter qualificações e capacidades

que o levarão a um emprego, a afirmação da sua identidade entre os colegas e a professora, num novo país e num novo ambiente cultural, é significativa. A afirmação que Jaswara sentiu, como resultado de ser aluno, foi vista de formas dife-rentes entre os outros alunos da turma. Esta afirmação não é acidental.

Subjacente às práticas de ensino de Ann está uma crença muito clara e fortemente interiorizada do seu papel como pro-fessora de numeracia para adultos:

A questão principal é conhecer os meus alunos, saber e compreender os seus passados… Acho que uma das coisas mais importantes que está subjacente ao ensino que pratico é o facto de que estou a ensinar alunos, e não a ensinar o programa. Se eu adoptar esse ponto de vista com os alunos, tudo se enquadra no seu lugar… Estou mesmo interessada nos meus alunos, e mostro-lhes isso. Quando vêem que eu, ou o seu professor, está interessado neles, que gosto deles como pessoas, e que não me limito a entrar na sala para despejar matéria e voltar a sair, que quero mesmo interagir com os meus alunos e ajudá-los ao máximo na sua aprendizagem, esse é o aspecto principal.

O que nos diz um pequeno estudo de caso como este?

O estudo apresentado neste trabalho é um pequeníssimo estudo de caso, que não é, necessariamente, a turma de nu-meracia para adultos mais “típica” da Austrália. Mas essa é a questão. Nesta turma, os alunos são tratados e respeitados pela professora, como indivíduos únicos. Através disto, apren-dem não só a matemática e a perceber o valor do que estão a aprender para as suas vidas fora da sala de aula, mas também desenvolvem uma confiança e um sentido de objectivo como alunos numa sala de aula. Nem todos os alunos da turma de Ann serão capazes de obter e manter um emprego; o resultado de capital humano da aprendizagem da numeracia pode fugir a alguns destes membros. Poderá haver ou não uma mudança notória no seu bem-estar externo social e económico, depois do final da formação. Mas há uma notória sensação de bem-estar nesta turma – a de estar envolvido na aprendizagem, com a professora e com os outros alunos.

Embora os discursos dominantes sobre a avaliação dos programas se concentrem nos “resultados”, este estudo de caso é uma lembrança de que os benefícios, para muitos alu-nos, podem ser experienciados durante a formação, porque estão envolvidos num processo de aprendizagem no qual po-dem ter sido mal sucedidos ou excluídos em fases anteriores das suas vidas. A forte ênfase em resultados, particularmente nos resultados de capital humano, pode dar aos professores a impressão de que o seu único objectivo é “produzir” resulta-dos que os alunos possam levar consigo no final da formação, pondo de parte o capital social e de identidade que pode ser desenvolvido quando os alunos estão no processo de apren-dizagem, e o significado que tal facto pode ter para eles. Por sua vez, isto sugere a importância de um professor ter um forte ponto de vista filosófico internalizado sobre o objectivo “mo-ral” do ensino, tal como o da professora Ann, neste estudo de caso. n

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Os adultos e o ensino da MatemáticaTrazer a matemática para o quotidiano

DEBATE

Debate moderado por Rui Seguro # Fotografias de Miguel Baltazar

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O que são as competências matemáticas e para é que as pessoas necessitam dessas competências, nos dias que correm? Se pensarmos num estudo de literacia feito há mais de dez anos, eram exigidas umas competências, neste momento são outras...

RogéRio Roque AmARo – A minha par -ticipação neste debate decorre de duas posições e de dois tipos de experiência que gostava de explicitar à partida e que condicionam as respostas.

Uma, como economista e professor de economia. É interessante ver que, histo ricamente, a economia se baseava na filosofia moral; depois, a partir de meados do séc. XIX, a matemática to-mou conta da economia e a economia tornou-se quase um ramo da matemáti-ca, exagerando os modelos econométri-cos. A explicação das coisas económicas é importante; mas não responde àquilo que são as questões da compreensão da vida, das actividades e das perguntas que ocorrem no dia-a-dia, do ponto de vista económico.

Outro lado é o facto de eu trabalhar com bairros sociais, com comunidades desfavorecidas e de me aperceber da relação difícil que existe nesses contex-tos, com a matemática. Curiosamente veri fiquo também que há nesse tipo de situações – e também porque traba-lho com a comunidade cigana, por exem plo – uma relação muito curio-sa, muito inventiva, com a matemática útil, a matemática da feira, das vendas. Este é o meu ponto de vista, de profes-sor e investigador de economia, de eco-nomista, mas também de actor, na luta contra a pobreza e contra a exclusão so-cial do desenvolvimento local.

Penso que as competências que hoje seriam mais importantes, em termos da matemática, para a vida das pessoas, de-pendem do tipo de aplicação que vamos fazer. Mas têm de ser competências de matemática enraizadas na resolução de problemas concretos.

Dou um exemplo: os jovens dos bair-ros sociais com quem trabalho. A aborda-gem da geometria tornou-se fácil quando eles perceberam que, na fuga à polícia, quando roubam qualquer coisa, acabam por optar intuitivamente pela melhor opção geométrica, sem nunca a terem

O debate desta edição da Aprender ao Longo da Vida é sobre a Matemática na educação e formação de adultos. Tema complexo que foi o ponto de partida de uma rica troca de opiniões entre João Filipe Matos, José Baeta Oliveira e Rogério Roque Amaro. Eles protagonizaram uma viagem às “encruzilhadas entre emoção e dedução, entre raciocínio e emoção, entre razão e emoção, entre objectividade e subjectividade, entre escolas, saber escolar e saber da vida, entre os que pensam a matemática nos gabinetes e os que têm de a aplicar” como sintetizaria, no final, João Filipe Matos.

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explorado. Explicar-lhes isto com geome-tria torna-se muito mais entendível, as coisas passam a ter muito mais sentido na resolução de problemas concretos...

Um outro exemplo que me ocorre, um programa de matemática para per-ceber como é que se pode subir a uma palmeira para apanhar as sementes para o óleo de palma. Nestes dois casos foi possível tirar a matemática do paradig-ma da abstracção irracional e do racio-nalismo tota lizante que dominou a idade moderna, um período histórico de 200 anos que fez da matemática algo tão abstracto, tão longe da vida que as pessoas têm sempre em relação a ela uma grande indiferença; para a maioria das pessoas, as competências matemáti-cas que interessam são as que podem ser traduzidas na compreensão da vida real, e que por isso têm de ser enraizadas, o que significa trazer a matemática para o quotidiano e sobretudo cruzar na com-preensão da matemática a razão com a emoção, com os sentimentos.

Estava há pouco a falar de palavras estranhas, uma que descobri foi matofobia, fobia à matemática.

José BAetA oliveiRA – Esse receio é recor-rente quando se fala de matemática com adultos e até jovens, é a ideia de que a matemática é extremamente difícil e ina-cessível, porque exige trabalho, compre-ensão, repetição. No entanto, as pessoas foram-se habituando a ter algumas com-petências utilitárias da matemática sem pensar que estão a falar de matemática, resolvem problemas concretos da vida pessoal, social, profissional, e usam a matemática, mas não com a linguagem escolar da matemática.

Muitas vezes deparamo-nos com pes-soas que não lidam com a matemática mas uti lizam determinados equipamen-tos, tec nologias, que lhe resolvem os pro-blemas. Quando se fala de percentagens, muitas pessoas vão logo à máquina e fa-zem ali o desconto; o conceito de percen-ta gem não lhe passa pela cabeça. São in-capazes de ter uma ideia da grandeza do desconto numa determinada quantidade, num determinado valor, no entanto uma máquina de calcular resolve logo.

Estou a pensar também nos topó-grafos e nos agrimensores, como se chamava antigamente. Têm noções de

trigonometria, mas não fazem raciocí-nios do ponto de vista trigonométrico, usam as máquinas que lhes dão os re-sultados. Se lhe formos perguntar sobre o seno, o sentido do seno, o sentido do coseno, não saberão talvez falar nisso; mas sabem utilizar, embora não tenham o conceito que está por trás.

Muitas vezes pergunta-se se isto é uma coisa boa ou má, e eu já me tenho posto a raciocinar, porque os meus conceitos ma-temáticos vêm um bocado do utilitaris-mo, mas também da compreensão e da organização do raciocínio. Outras estru-turas indicam até que a matemática nos a juda a resolver problemas que não têm números. Para resolver um problema de matemática, preciso da informação sufi-ciente, preciso de três dados para saber um quarto, se não tiver os três dados não consigo resolver. Há aqui duas compe-tências matemáticas, há a competência racional da matemática, mas há também a competência utilitária, o saber utilizar instrumentos que me permitam resolver os problemas. E a questão da matemática, hoje em dia, para a população em geral, é uma questão de resolução de pro blemas, de uma natureza ou de outra. Como é que os resolvem? Ou pelo raciocínio ou pela utilização tecnológica.

Parece um divórcio: de um lado uma matemática abstracta, ligada a académicos, e de outro uma matemática utilitária, do dia a dia. São opostas, ou são conciliáveis?

João Filipe mAtos – Embora se reconheça que há um sentido utilitário na matemá-tica que se ensina na escola e em todos os cursos de adultos, apenas me conven-ço mais que esse sentido utilitário é cada vez menos importante.

A tecnologia encarrega-se de fazer e eu não preciso de perceber muito o que se passa lá por trás. Preciso é de ter uma noção, ter um ponto de vista crítico so-bre o que está a acontecer, mas o que o cidadão precisa essencialmente é de um ponto de vista matemático sobre as coi-sas; e isso os cursos, quer os de adultos quer a escola regular não estão a dar. Quando nos dão uma promoção, leve três pague dois, nós reagimos como es-tando a fazer-nos um desconto. O con-ceito de proporcionalidade que não nos ocorre está lá, pensamos proporcional-

RogéRio RoquE aMaRo

Economista, doutorado em “Analyse et planification du développement” da Université des Sciences Sociales de Grenoble (França), com equivalência a doutoramento em Economia em Portugal. Actualmente é Professor Associado do ISCTE, no Departamento de Economia, e em diversos mestrados. É consultor do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), da OIT (Organização Internacional do Trabalho), para as áreas de Desenvolvimento e Economia Social e SolidáriaTem desenvolvido e apoiado vários projectos de intervenção comunitária e Economia Solidária em várias zonas do país, no meio urbano e no meio rural, incluindo as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e nos PALOP, em particular em Cabo Verde, na Guiné-Bissau e em Moçambique.

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mente e portanto estão a fazer-nos um desconto. É este ponto de vista crítico, mais do que aquela matemática mais escolar que, em termos básicos, é neces-sária, mas que em termos utilitários os pessoas cada vez utilizam menos.

Literacia matemática é ler o mundo com a matemática e depois, ler e escrever o mundo com a matemática. O mundo é escrito com várias coisas mas uma de-las, muito forte, é a matemática. Os mo-delos económicos, que obedecem, es-sencialmente, a regras matemáticas, são a grande componente, mas todo o nosso mundo é escrito com elementos da ma-temática. Não é com a matemática esco-lar que se está a ensinar na escola e que se está a ensinar nos cursos de formação de adultos. Sendo elementos básicos ne-cessários, falta o ponto de vista crítico e a ideia do pensar matematicamente. E não é uma questão dos jovens ou uma questão dos adultos que não foram à escola, é uma questão nossa. Nós não temos um ponto de vista matemático, crítico, sobre toda a nossa vida diária, falta-nos imenso esse ponto de vista.

Ainda sou do tempo que quando se ia à mercearia, o produto era pesado, as contas eram feitas no papel. Mas nos dias de hoje tudo é automático. Basta ler o código de barras, e já nem os trocos é preciso fazer. De que tipo de matemática é que as pessoas precisam neste momento no seu quotidiano?

João Filipe mAtos – A matemática que en-sinamos na escola regular e nos cursos de formação de adultos é uma matemática escolarizada que tem uma fun ção de de-senvolvimento percentual, de raciocínio, mas tem uma função utilitá ria também, e escapa-nos muito a dimensão crítica.

Acho que é uma outra dimensão da mate mática, porque nas comunida-des de matemáticos há muitos que têm uma perspectiva crítica sobre aquilo que desen volvem. Na última década, isso acentuou-se com a Guerra do Ira-que, quando apareceram movimentos, sobre tudo dos países anglo-saxónicos, que puseram em causa como é que a produção matemática e os modelos que desenvolvem têm permitido criar uma variedade enorme de armamento. É um ponto de vista muito crítico sobre isso, sabem eles até melhor que eu que

uma percentagem mui to substancial de financiamento da investigação matemá-tica é feita por agên cias ligadas aos com-plexos industriais-militares. Não se trata de ser outra mate mática, trata-se de ser um ponto de vista crítico sobre aquilo que se faz com a matemática.

RogéRio Roque AmARo – A matemá-tica pode ter várias utilidades ou várias utilizações. Eu diria que há quatro fun-ções que a matemática pode desempe-nhar, mas que não se concretizam nos diferentes cidadãos e nas diferentes situ-ações da mesma maneira.

A matemática permite-nos organizar o raciocino de determinada maneira, e isso pode ser importante para o exercí-cio da maneira de pensar as coisas. Ela pode dar-nos, não só através deste racio-cínio como também através de alguns instrumentos e modelos, uma capacida-de de leitura do mundo e da realidade. A matemática ajuda, não nos dá a leitura total da realidade, mas dá-nos uma lei-tura sistematizada, sob a forma de mo-delos, de estatísticas ou de outro tipo de representações que não encontramos noutras formas de expressão. E que são importantes para completar essa leitura, em termos de sistematização.

Em terceiro lugar, a matemática pode ajudar-nos a reforçar o espírito crítico. Claro que isto está subjacente à leitura, mas eu sublinhava isto num ponto pró-prio, na medida em que ela nos for útil para ancorar interpretações. Isso é ver-dade se a matemática não for enviesada como um valor em si próprio absoluto, mas for um pilar de interpretação, ou seja, servir para nós sistematizarmos as interpretações que fazemos.

É importante que isso nos sirva tam-bém de espírito crítico. Em relação ao resultado das eleições, é importante que a lei tura daquelas percentagens não seja feita em absoluto, mas sim no que elas podem significar em termos do peso da abstenção, em termos das subidas e das descidas, em termos do que isso implica de responsabilidades para os Partidos. Aquelas percentagens podem servir-nos de interpretação crítica e não de leitura simplesmente descritiva – é a diferença entre descrever e interpretar, e por isso distingo o espírito crítico da leitura, que pode ser uma primeira fase meramente descritiva.

Em quarto lugar, na prática da fun-

José BaEta

José Francisco Baeta Monteiro de Oliveira: É economista, Professor Profissionalizado, Formador e Formador da Formação Contínua de Professores.Professor/Formador nas áreas de Economia/Sociologia, Administração/Contabilidade, Matemática/Estatística e Cidadania nos Ensinos Secundário e Profissional e na Educação e Formação de Adultos.É técnico/profissional de RVC, Reconhecimento e Validação de Competências, no Centro Novas Oportunidades da Escola Secundária de Amora

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ção de resolução de problemas. Não penso que a resolução de problemas com a matemá tica esteja completamen-te inscrita na utilização de elementos tecnológicos, por que há muitos proble-mas que temos de resolver sem recurso à capacidade tecno lógica. Bem sei que mesmo numa feira podemos encontrar ciganos a fazer contas com máquinas, mas a maior parte deles revolve esse pro-blema com cálculo mental.

Estas quatro funções que referi, que podem obviamente ter uma relação en-tre si, não são utilizadas da mesma ma-neira pelos cidadãos. Enquanto eu pos-so deleitar-me com a primeira e com a terceira, com o exercício do raciocínio, não creio que isso possa ser muito uti-lizado pelos jovens, se calhar de forma implícita sim, de forma explícita não. Para eles é muito mais importante que isso os ajude a resolver os problemas, é mais a função utilitária. E por isso a ma-temática tem de ser muito virada para aí, mas é muito importante que a esco-la lhes acrescente a leitura e o espírito crítico, mas que o faça de forma indu-tiva, não de forma dedutiva. Ou seja, a partir dos problemas vamos reconstituir o exercício da matemática no espírito crítico. O que tem acontecido até agora nas escolas é o contrário, é o exercício da abstracção e depois, se sobra tempo, está a resolução de problemas, quando as pessoas já se desligaram de ouvir o professor.

Há ainda um aspecto curioso que é a questão emotiva da matemática, a mate-mática como emoção. Por exemplo, por-que gosto mais do 3 ou do 7 e que con-sequências isso tem na maneira como utilizo a matemática para, por exem-plo, escolher o totoloto. E há também um aspec to interessante, curioso, que é a questão sentimental da matemática, o fetiche dos números.

José BAetA oliveiRA – A literacia, como leitura do mundo com a matemática, é um dos conceitos importantes, quanto a mim a questão da matemática está pre-cisamente aí, porque é uma linguagem que nos permite ler e comunicar, uma linguagem internacional que, sem saber chinês ou jugoslavo, ou outra língua qualquer, posso emitir, transmitir e tro-car impressões sobre medidas, quantida-des, números, relações com indivíduos

de outras línguas, utilizando a mesma linguagem, a linguagem matemática, desde que lidemos ambos com essa lin-guagem.

Na minha relação com a formação de adultos, é-me muito requerida a questão de verificar as suas competências de uso da matemática no seu dia-a-dia, na vida. Já fui formador e trabalho muito com a matemática para a vida no processo de re-conhecimento e validação de competên-cias. E essa matemática que me requerem é fundamentalmente a matemática prática, utilitária, mas eu não me permito, a mim próprio, deixar passar as pessoas por mim sem lhes transmitir outra ideia da mate-mática, a matemática como raciocínio, como estrutura lógica. Muitas vezes pego na questão pela leitura do mundo da me-dida, as unidades de medida são, na vida das pessoas, extremamente importantes, quer os pesos, quer os volumes, quer as áreas, e como são utilizadas, a medida e as unidades de medida, porque é que se fala de metros quadrados e não de metros lineares, quando se fala do espaço das re-sidências, das áreas, muitas vezes não se fala na altura, fala-se apenas na superfície do chão e a partir daí os pintores, os cons-trutores, têm tabelas para dizer que quan-tidade de tinta precisam para pintar uma sala com determinada superfície.

Nesta utilização das técnicas de re-solução de problemas de natureza mate-mática há uma coisa que as pessoas têm de saber – e aí está de facto a competên-cia matemática: é a escolha da operação, se é para fazer isso têm de usar a máqui-na de calcular, não vou fazer contas de dividir de cabeça, mas tenho de saber se vou fazer uma conta de dividir, se de multiplicar, se faço ambas, uma a seguir à outra, se misturo somas e subtracções no meio disso.

E aí está, de certo modo, aquilo que os chama, os puxa para o raciocínio ma-temático para saber a lógica, que opera-ção vou usar, tenho primeiro de escolher a operação ou operações que tenho de usar, a raiz quadrada, utilizar potências, saber o que vou fazer. E chamo a aten-ção para a estrutura lógica do raciocínio, têm de escolher quais as operações para as quais vão necessitar da máquina de calcular.

Quanto à transmissão dos conheci-mentos matemáticos, também sou de opinião que, embora alguns alunos jo-

João FilipE Matos

Licenciado em Matemática pela FCUL, doutorado e agregado em Educação pela Universidade de Lisboa, é Professor Associado com Agregação no Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.Coordena o Programa de Investigação o Aprender 2006-2012: Matemática, Tecnologia e Sociedade, e do Projecto WebLabs (2002-2005), lecciona diversas disciplinas do Mestrado em Educação na FCUL, no Instituto de Educação da Universidade Católica Portuguesa e no Inter-University Institute of Macau. Coordena o Grupo de Trabalho em Aplicações e Modelação da Associação de Professores de Matemática, é membro e Secretário do International Committe do International Group for the Psychology of Mathematics Education, do Executive Committee do ICTMA (International Community for the Teaching of Mathematical Modelling and Applications) e do International Committee do MES (Mathematics Education and Society). Colabora na formação de professores na Escola Portuguesa de Moçambique.

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vens tenham apetência pelo abstracto, na maior parte dos casos, as pessoas, na resolução de problemas, deverão partir, do particular para o geral, então encon-tramos a regra para resolver esse tipo de problemas, independentemente de ser de geometria, de matemática ou até de qualquer tipo de leitura. Depois de estabelecida a regra através da sucessão de casos particulares com alguma iden-tidade, com alguma semelhança, regres-samos e então partimos de novo para o particular; e quando algum problema daqueles nos surge já temos a regra e a maneira de poder resolvê-lo. A matemá-tica utilitária tem de ter por trás o sen-tido crítico; e esse sentido crítico está, precisamente, nalgum gosto ou nalgu-ma formação que é dada às pessoas, na escola, nas formações profissionais, na actividade profissional. Tem de haver também esta componente.

De um lado há uma matemática pura, conotada com rigor, exigência, e depois há matemática para a vida que é associada a facilitismo e a simplicidade. São duas realidades antagónicas que se opõem?

RogéRio Roque AmARo – A estatística dá-nos uma visão da realidade, uma visão dos modelos estatísticos da matemática. Mas esta é uma visão, há outras, e temos aque-la ideia de que em Portugal cada família come um frango e meio por semana, mas é uma visão muito limitada, dependendo da situação. Neste caso, claramente, tem sempre que ver com o objectivo em rela-ção ao qual dou esse elemento, neste caso estatístico – um frango e meio por sema-na. A matemática escolar, dá sempre, aos jovens, aos adultos, uma visão parcial do mundo, as coisas são assim, a proporcio-nalidade é assim e não há outros mode-los, é assim que funciona.

Isso deriva de toda a nossa forma-ção matemática, a escolar, mas também noutros ambientes, ser muito pobre. O próprio ambiente, o nosso mundo social é muito pobre em termos matemáticos. É muito rico em termos da nossa língua materna – as crianças, os jovens, na esco-la, fora da escola, são sistematicamente imersos num ambiente em que ler e es-crever é óptimo, já nem se dá conta de como está imerso em ambientes em que a leitura é, culturalmente, um ingredien-

te fortíssimo. Esses mesmos ambientes fortíssimos

não são aqueles ricos em matemática, são pobres, não se fala matemática.

O conceito de rigor na matemática aparece muito associado a todas as ciên-cias ditas exactas e é importante não con-fundir o rigor com outras coisas, como a exi gência que tudo o que é educação em mate mática, e em muitas outras áreas, deve ter; e muito menos contrapor o rigor ao facilitismo, não tem rigorosamente nada uma coisa que ver com a outra.

O facilitismo é a ideia de que se exi-ge menos hoje na escola do que se exigia, mas está por provar que assim seja, tenho um bocado de dificuldade de aceitar uma comparação do mundo actual com o mundo de há 40, 50 anos, porque acho que se está a comparar coisas que não são comparáveis, e preocupa-me muito mais pensar o futuro, pensar nestas crian ças que estão hoje na escola e que daqui a 15, 20 anos vão ter empregos que nós nem imaginamos, nem sabemos o que serão. Que formação matemática é preciso dar aos jovens, às crianças e aos adultos para que daqui a alguns anos se tornem cida-dãos de corpo inteiro? Esse é que é o gran-de desafio, mais do que olhar para trás.

É importante explicitar o lugar que a matemática teve, o paradigma científi-co da modernidade, ou seja, aquele que resultou do surgimento, nos últimos 200 anos, basicamente da crise euro-peia marcada pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa, e sobretudo da passagem de um visão teocêntrica do mundo para uma visão antropocêntrica. Esta passagem histórica é fundamental, porque traz a inteligência e a razão para o centro dos processos explicativos do mundo e interpretativos da realidade. Para se libertar das influências divinas, o antropocentrismo teve de dizer que a pessoa humana não precisa dos deuses porque tem uma capacidade própria de se organizar, de pensar e de decidir o que está certo, e isso é a sua inteligência, a sua capacidade de raciocinar.

Isso introduziu uma sociedade ex-cessivamente racionalista que é a socie-dade europeia, desvalorizando outras componentes do conhecimento e do contacto com a realidade como são as emoções e os sentimentos, e no fundo tentando fazer dois em um com essa hi-per-valorização da razão – por um lado,

RogéRio RoquE aMaRo

O facilitismo é a ideia de que se exige menos hoje na escola do que se exigia; mas está por provar que assim seja, tenho um bo cado de dificuldade de aceitar uma comparação do mundo actual com o mundo de há 40, 50 anos, porque acho que se está a comparar coisas que não são comparáveis.

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prescin dir da religião, desde que a razão permita encontrar critérios de bem e de mal, de correcto e incorrecto, de verdade que antes a religião dava; e, em segundo lugar, decidir que o ser humano é racio-nal e superior aos outros seres vivos que são irracionais, o que determinou uma atitude cultural e científica em relação à natureza – e estamos agora a pagar custos elevadíssimos do ponto de vista ambiental.

Esta hiper-valorização da razão é uma das notas mais importantes da matriz científica dos últimos 200 anos. O tipo de ensino de matemática que desenvol-vemos nos últimos 200 anos é o resulta-do disto. Desta hiper-valorização resul-taram várias coisas, primeiro a ideia de que a matemática era a expressão cientí-fica do raciocínio, por natureza a ciência do rigor – a matemática das equações, dos números, não há sentimentos, há objectividade, a suposta objectividade. A presunção da objectividade é um factor fundamental de conhecimento, levou a esta confusão do rigor e da matemática como a ciência de referência, isto já vem do Newton, século XVII, mas atravessou estes últimos 300 anos e traduziu-se naquilo que eu chamaria uma ditadura da matemática, do conhecimento cientí-fico e da pedagogia.

Muitas vezes o que fazemos é loca-lizar os números para interpretar a rea-lidade, como se eles fossem, em si pró-prios, a leitura da realidade. E não são, são um instrumento que ajuda à leitura. Eu dou um exemplo disso: é verdade que ter estado hoje 25º é mais que ter estado ontem 20º, mas também é ver-dade que eu posso ter sentido mais calor ontem do que hoje e isso ser um dado importante para o meu conhecimento, no sentido de uma verdadeira análise. Se eu, apesar de tudo, não sentia mais frio, isso tem a ver com outros factores, não apenas o termómetro, é um elemento de conhecimento mais importante para a decisão que eu vou tomar em relação a agasalhar-me ou não e portanto correr o risco de contrair uma doença ou não.

O termómetro é importante, mas não é o único instrumento de leitura, e isso é muito importante na utilização dos núme ros, porque muitas vezes a tal ditadura da matemática fez com que a leitura da realidade se resumisse à des-crição de números, ou seja, subiu 10%,

subiu 5%; OK, mas por que é que subiu? O que significa essa subida ou descida?

Há aqui uma crítica ao papel da matemática que depois se tornou uma ciência elitista, só os inteligentes é que lá chegam e depois há uma esperança que os não-inteligentes possam chegar a algum conhecimento de matemática, que os pobres dos professores na escola tentam ensinar.

Este predomínio da visão dedutiva da realidade, não dando quase expressão nenhuma à visão indutiva, está a mudar. Estamos a entrar num paradigma cien-tífico onde precisamente a matemática vai ter um papel fundamental, mas um papel revisto, em função destas coisas. Ou seja, é importante que combinemos objectividade com subjectividade do conhecimento, no conhecimento é tão importante o subjectivo como o objec-tivo – a investigação, a academia têm de perceber isto, têm de deixar entrar a subjectividade para dentro das suas salas de aulas e de investigação; e para isso é importante que a subjectividade não fique à solta, e aí a matemática tem um novo papel, que é ajudar a relativizar a subjectividade, perdendo o domínio ex-clusivo do rigor pela objectividade.

Há aqui um jogo importante. Tem de ser expressa na escola esta matemá-tica combinada com o conhecimento subjectivo, com o conhecimento que os actores nos transportam para as escolas. É importante para interpretar a indução, para a objectividade que é importante para inter pretar a subjectividade. O novo desa fio da matemática não lhe reduz a impor tância, mas retira-a da ditadura e do elitismo a que ela estava ancorada no para digma anterior.

Não quer dizer que é mais ou menos exigente, podemos ter números certos das eleições, mas a exigência não pas-sa só por aí, passa por saber interpretar todos os factores explicativos à volta, e o que aqueles números querem dizer – essa é que é a exigência. Não é a mate-mática por si só que nos dá a exigência, ela pode ajudar, mas são precisos outros elementos de interpretação.

José BAetA oliveiRA – Para reforçar a ques-tão aqui do objectivo e do subjectivo, da razão e da emoção, digo muitas vezes que a medida do tempo não é apenas o reló-gio, e digo que é mais longo um minuto

João FilipE Matos

Todo o nosso mundo é escrito com elementos da matemática. Não é com a matemática escolar que se está a ensinar na escola, e que se está a ensinar nos cursos de formação de adultos. Sendo elementos básicos necessários, falta o ponto de vista crítico e a ideia do pensar matematicamente.

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de espera do que um ano que passou. Isto é uma questão antiga que não tira nada ao rigor e à quantidade e à medição do tempo. Mas, do ponto de vista do senti-mento, assim como a questão do frio e do calor, é importante para cada um saber como se relaciona com as temperaturas. De facto, o tira teimas é a medida, a inter-pretação da medida, cada um vai fazê-la à sua maneira, há sempre quem carregue este misto da razão e da emoção, contra-riando o mito da razão pura.

João Filipe mAtos – As coisas estão a mu-dar em termos globais, em termos de desenvolvimento curricular. Mesmo em termos de educação de adultos estamos muito agarrados à tradição e àquela lei que é preciso aprender as contas. Essa dificuldade de avançar para outros ca-minhos não existe só em Portugal, é um bocado por toda a parte. E há pessoas que reclamam que é preciso que a ma-temática tenha, a todos os níveis, uma dimensão social, política, ética.

É muito difícil convencer o sistema es-colar a integrar esse tipo de preocupação, não é porque isso é perigoso e vai subver-ter o mundo, é difícil até do ponto de vista das pessoas, dos professores. Como é que se diz a um professor: “vai agora dar aqui uma dimensão política e ética e social na matemática que ensina”? É complicado, o professor tem de ter uma preparação e uma cultura. Quando se diz: “deve haver uma dimensão social, política, ética”, está bem, mas calma lá, isto é exigente.

Gostava de colocar uma questão: num estudo recente de Patrícia Ávi-la sobre a literacia nos Centros Novas Oportunidades, ela diz, em relação à numeracia, que muitos formadores se queixam que o referencial de matemáti-ca está demasiado escolarizado. E passa a citar um formador que diz: “as pessoas têm de perceber equações, e as pessoas dizem – ‘ah, isso não sei fazer, acabei o percurso escolar há algum tempo’”. Há uma capacidade para as pessoas fazerem algum reconhecimento, mesmo com al-guma dificuldade, de quais são as suas competências de matemática no seu dia-a-dia, mas depois há uma vertente esco-lar com uma maior barreira. Em relação à literacia, as pessoas vão tendo alguma capacidade de comunicação, mas quan-do chegam à numeracia, há uma maior rejeição.

José BAetA oliveiRA – Sim, o referencial de matemática para a vida corresponde ao referencial do ensino básico, uma preocupação de contemplar alguns sec-tores da matemática que é dada até ao 9º ano, porque no ensino secundário não há um referencial autónomo da matemática, ela está integrada nas ciên-cias e tecnologia. Mas no ensino básico tem de facto a matemática para a vida, e houve o cuidado, na reformulação do referencial, de incluir algumas designa-ções que vêm no ensino básico da ma-temática para se dizer que há alguma equiparação.

Para mim, que não sou académico da matemática, sou um estudioso, um utilizador, as equações têm duas ver-tentes – a de equacionar o problema, colocá-lo, e há a técnica da resolução das equações – o que as pessoas normal-mente não sabem porque já andaram na escola há muito tempo, ou porque não passaram por isso, mas saberão, na sua vida, na sua postura perante a matemática, perante o raciocínio, equa-cionar o problema. Sabem perguntar o que querem saber e que dados precisam para resolver. Podem não saber depois a técnica da resolução das equações, mas sabem equacionar o problema e sabem encontrar, às vezes, soluções de resolu-ção que não passam pela técnica. Têm outras técnicas para resolver adição de fracções que não aquelas da redução ao denominador comum, vão à procura do resultado em termos decimais e depois lá conseguem somar e adicionar.

Muitas vezes no referencial aparece a refe rência ao Teorema de Pitágoras, e muitas pessoas, nalgumas actividades profissionais, utilizam os dados do Teo-rema de Pitágoras sem saberem quem é o Pitágoras, nunca terão ouvido falar, mas usam as relações, os trios pitagóricos. Para fazer medições de esquadria, utili-zam essas relações, não sabem é que isso vem de Pitágoras. A questão de algumas designações escolarizadas no referencial tem a ver com as críticas que foram fei-tas de que havia facilitismo na apreciação dos saberes matemáticos, porque não tinham lá as designações equivalentes à matemática do 8º e 9º ano.

João Filipe mAtos – Sou muito críti-co em relação ao referencial do básico, José BaEta

A matemática ajuda-nos a resolver problemas que não têm números. Para resolver um problema de matemática, preciso da informação suficiente, preciso de três dados para saber um quarto, se não tiver os três dados não consigo resolver; de igual modo, quando tenho um problema pessoal, de opinião, de decisão, também tenho de ter a informação suficiente para poder resolver. Se não a tiver, não tenho opinião, não consigo resolvê-lo, dou um palpite, nem sequer uma estimativa é.

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acho que mais do que reformulado, ele tem de ser reinventado, porque é um re-ferencial sem acção, os técnicos põem-no em acção reconhecendo poucas coi-sas nos adultos.

A questão é: o que é a competência matemática para o cidadão? Não está feito o referencial, parece que há algu-ma indicação, mas o problema é que o referencial quer dar “uma equivalência ao básico”, e enquanto essa ideia estiver presente não se consegue fugir. Claro que os adultos que vão para a formação com base no que fizeram desenvolvem-se. Essa rejeição obriga a tirar a ideia que um adulto que obtém o reconhecimen-to naquela área, com formação, sem for-mação, é equivalente e vai poder dialo-gar com um aluno que acabou o 9º ano. Essa lógica não pode existir, é preciso reinventar.

Nos cursos EFA parte-se do conhecimento, do quotidiano da matemática, e daí para modelos que se aplicam no dia-a-dia; a partir daí, apercebem-se da matemática escondida, do que está por trás da aplicação que usam. Se as pessoas no seu dia-a-dia conseguem desenvencilhar-se sem a tal matemática abstracta, por que é que ela é precisa?

João Filipe mAtos – Quem diz que é preciso é o referencial? Não quero ser dema siado radical, mas uma grande per-centagem do que está não é preciso. Não quer dizer que não tenha um papel for-mativo, mas se calhar outra coisa teria o mesmo papel. A questão do referencial, em particular o do básico, é que a estru-tura do referencial é a estrutura da mate-mática escolar, e isso é um erro básico.

Porque não se organiza um referen-cial em que haja uma dimensão impor-tante da formação da pessoa, a modula-ção matemática que implica ser capaz de reconhecer modelos – e aí é preciso que a pessoa saiba rudimentos de equações, é preciso reconhecer e formular mode-los, aperfeiçoá-los, é uma competência difícil de reconhecer pelos adultos, eles não falam de equações, mas percebem, tomam consciência de que estão a traba-lhar com modelos mais informais.

A representação matemática é essen-cial, a representação matemática noutra vertente, noutra dimensão da compe-

tência mate mática, a leitura e a escrita, a interpretação matemática. E há uma di-mensão importantíssima, evidente: não se pode deixar de ter uma dimensão ope-rativa na matemática. A parte operativa é a única que é trabalhada neste referencial presente, equações, os números racionais e irracionais, que não deixam de ter algu-ma importância. Mas se aquilo é o centro de gravidade, se é o que estrutura tudo, eu diria, a uma boa percentagem dos adul-tos não lhes vai servir para nada. Estou a ser muito pessimista, peço desculpa.

RogéRio Roque AmARo – Estou de acor-do. Houve alguma tentativa de trazer a matemática escolar para alguma realida-de prática e a ideia da matemática para a vida é isso. Mas o referencial de parti-da não foi a vida, mas sim o referencial esco lar, e esse é que é o erro de base.

Era capaz de ser um exercício interes-sante quase que fazer tábua rasa disto e tentar, através de uma amostra significa-tiva da diversidade das pessoas das diver-sas escolaridades com que nos podemos confrontar nestes ensinos alternativos, tentar perceber em que situações con-cretas as pessoas tiveram de usar algum raciocínio, alguma representação mate-mática, que problemas não conseguem resolver por não terem esses instrumen-tos ou essa capacidade de raciocínio.

Este exercício era capaz de ser inte-ressante e daria com certeza algumas coisas engra çadas. As pistas que o João Filipe deu já são um pouco balizadoras disso, mas podia ser curioso – e até na diversidade cultural e étnica, porque provavelmente os problemas e as repre-sentações que as pessoas fazem são de natureza diferente e isso não é tido em conta, porque há uma uniformização, uma homogeneização que ignora essa distinção.

Na minha opinião, partiríamos de uma situação em que a matemática foi instrumento de exclusão social, por-que acentuou a distinção nesta base da lógica escolar e abstraccionista entre os inteligentes e os burros, o que acen-tuou formas de exclusão social. Até por razões das condições de vida, do meio envolvente, a capacidade de ter apoios, a matemática contribuía para esse reforço da exclusão social. E podemos fazer da matemática, como de outras áreas de en-sino, factor de inclusão social. Mas isso

implica partir das pessoas, das suas ca-racterísticas, da sua diversidade.

Parte-se sempre do princípio que a matemática está nas nossas profissões, mas um estudo prova que as profissões, em vez de ensinar, reduzem, limitam só a uns conhecimentos muito reduzidos e mecanizam determinadas situações e não vão contribuir para o aumento dos conhecimentos matemáticos.

José BAetA – Depende não só das profis-sões mas também das pessoas, de como elas se relacionam com a matemática. Tenho um caso de experiência no ensino recorrente. Havia uma formanda que era exímia em fazer cálculos de pesos, me-didas e preços relativamente aos bolos que vendia no mercado, e fazia contas de cabeça, batia tudo certo. Se lhe per-guntassem o mesmo tipo de problema, o mesmo tipo de relação de quantidades e preços com outra coisa qualquer que não fossem os bolos, não trabalhava.

Há determinados ritmos e determi-nadas adaptações à matemática que são questão de tabelas ou técnica de racio-cínio apenas para aquele efeito, não há uma transposição para outras situações. Varia um bocado das pessoas, da sua educação, do ambiente em que cresce-ram, das relações que têm e como enca-ram as relações da matemática, se traba-lham raciocínios abstractos, se chegaram aí ou se ficaram apenas pelo utilitarismo local e presente. Há outras pessoas com determinadas actividades que transpor-tam para outras dimensões da matemá-tica e interpretam outros problemas de natureza matemática que não aquela do seu dia-a-dia profissional.

Alguns companheiros meus sindica-listas eram electricistas, serralheiros, sol-dadores. Cada um sabia das contas e dos exercícios de matemática que teria de fazer para a sua actividade profissional, mas quando entrávamos no campo sin-dical e das comissões de trabalhadores, esses raciocínios teriam de ser transporta-dos para o campo social, para a distinção entre a reivindicação puramente salarial e a reivindicação social. Tínhamos de cal-cular o que era mais importante, se subir três ou quatro contos no salário ou obter medidas sociais por parte da entidade patronal nos viessem beneficiar mais do

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que o aumento de salário. Por exemplo, passar a ter cantina em vez das senhas de refeição fora da empresa, passar a ter o apoio às crianças, filhas dos trabalha-dores, em vez de terem algum subsídio para pagar as creches fora daqui, e que vantagens isso traria do ponto de vista da produtividade, o descanso das mães por terem as crianças por perto.

RogéRio Roque AmARo – Acho que em todas as áreas profissionais é bom que se automatizem muitos dos processos, não se pense muito no que se está a passar. Em todos os níveis, todos fazemos algu-ma coisa de forma muito automática. A ideia do cálculo mental é óptima, pode ter havido uma fase inicial de alguma dificuldade, mas foi automatizada. Isso é excelente. Tenho a noção – mas é pre-ciso fazer um levantamento – que, numa variedade muito grande de profissões, a quantidade de matemática necessária é extremamente reduzida e acho que não é por essa via que é importante a forma-ção matemática do cidadão, não é para a sua área profissional, porque aí haverá uma formação profissional que o garan-te. É mais pela questão do cidadão que tenha alguma competência matemática em termos de pensamento, e o cálculo será muito importante, mas não é essa a questão, tem de ter um ponto de vista matemático sobre as coisas, que é útil sobretudo se eu coloco no ponto de vis-ta crítico.

João Filipe mAtos – Gostava de sublinhar a encruzilhada em que acho que temos de colocar a matemática. É tendo em conta o que foi a acumulação do saber matemático, da investigação da mate-mática e do pensamento matemático até agora, que devemos questioná-lo com o que são hoje as interrogações novas, do século XXI, as novas perspectivas, do ponto de vista científico e do ponto de vista da construção do conhecimento, o papel da subjectividade, as emoções, também a importância da construção indutiva como contraponto e comple-mento à construção dedutiva, também a importância destas novas experiências do ensino da matemática que embora tenham tentado aplicar o referencial es-colar acabaram, na prática, por ser con-frontadas com novas realidades e com novas interrogações. As pessoas que têm

protagonizado esse processo deviam ter um papel fundamental nesse questiona-mento e nessas interrogações. Também a importância das pessoas, dos adultos que voltaram a questionar-se e que en-traram neste processo de aprendizagem de adultos e perceber como viram esta nova matemática, ou esta tentativa de uma nova matemática.

Há aqui um grande inventário a fa-zer, uma grande encruzilhada a questio-nar e julgo que devemos ter a coragem de o fazer e depois acrescentar uma ou-tra coisa de que não falamos ainda, que é a necessidade de interdisciplinarizar a matemática, de articular as pontes com outras disciplinas, não no sentido da matemática como instrumento para as outras, mas no sentido bilateral, a ma-temática também ser questionada pelas outras, ser enriquecida pelas outras e permitir que haja um diálogo efectivo do ponto de vista do conhecimento e do ponto de vista da resolução de proble-mas práticos.

É nestas encruzilhadas entre emoção e dedução, entre raciocínio e emoção, entre razão e emoção, entre objectivi-dade e subjectividade, entre escolas e saber escolar, e saber da vida, entre os que pensam a matemática nos gabinetes e os que têm de a aplicar, que estão no terreno destas novas tentativas de levar a matemática à vida das pessoas, entre os que ensinam e os que aprendem, que eu acho que todos aprendem e todos ensi-nam, todos são aprendentes. n

A matemática foi fundamentalmente instrumento de exclusão social, porque acentuou a distinção nesta base da lógica escolar e abstraccionista entre os inteligentes e os burros, o que acentuou formas de exclusão social. Podemos fazer da matemática factor de inclusão social. Mas isso implica partir das pessoas, das suas características, da sua diversidade.

RogéRio RoquE aMaRo

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38 APRENDER

DOSSIER

Construir trajectórias de aprendizagem à medida

SAntA CASA dA MISERICóRdIA dE LISbOA

Debate moderado por Guiomar Belo Marques # Fotografias de Miguel Baltazar

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AO LONGO DA VIDA 39

COM 32 ANOS, ISABEL PEDRO, antiga copeira, ajudante de cozinha e empregada de limpeza, há já algum tempo que não consegue traba-lho. Um primeiro ciclo incompleto com uma maternidade de permeio não ajudaram esta mulher que aprendeu, nos meandros de “uma vida muito complicada”, a perceber, no quotidiano, o que são os números nega tivos, mesmo quando ainda deles não tinha consciência. Chama-

va-lhes, pragmaticamente, dívidas. Tinha de fazer alguma coisa para resolver a situação. “Fui à Misericórdia, fiz as

provas de selecção e ia com algum medo do Português, porque sempre achei que era onde tinha mais dificuldade. Chumbei a Matemática”. O léxico de Isabel mantém-se cativo do ensino formal. Na verdade, aquilo que ela pretendia era fazer uma certifica-ção de Nível II, atra vés de formação profissional, mas as suas competências em Mate-mática eram clara mente deficitárias. Propuseram-lhe, então, uma formação intensiva nesta área para poder, posteriormente, fazer um Projecto Saber+.

Valeu a pena passar os meses quentes do Verão às voltas com a álgebra. “Fui cha-mada para fazer o B1 com dois módu los de Cozinha (uma das áreas pro fis sionais contempladas pelas ofertas de Educação e Formação de Adultos do Centro da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa), um de Animação e Lazer e um de Saúde. Agora estou a fazer o B2, que acabo em Janeiro”, explica, com uma satisfação indesmen-tível. O mais curioso é que esta mulher – que entusiasmadamente traçou para si o caminho do estudo, afirmando que “depois quero inscrever-me de novo para fazer Cozinha no B3 e fico com uma carteira profissional mais o 9ºAno, e com isso posso ter uma grande carreira, porque ainda sou nova, vou trabalhar e, mais tarde, quero fazer o 12º ano com o curso de Chefe de Cozinha” – sempre gostou de Matemática. E, talvez por isso, nem se tenha apercebido de que, mais do que o Português, era aí que residia a grande dificuldade. O seu défice eram as contas de dividir, provavelmen-te aquelas de que jamais sentiu falta, determinantes que eram as de somar e subtrair. Mas agora já sabe e está contente por saber.

“Com aquela injecção que levei de Matemática ficou mais fácil. Relembrei-me de muita coisa que já não sabia. Agora sei as medidas, o que é muito importante na cozinha, as proporções… E isto não só é importante na vida pro fis sional como na minha vida pessoal, em casa. A Alexandra explica de uma maneira muito completa.

A partir de estratégias adequadas a cada formando, Alexandra Velez vai conduzindo uma vasta frota a bons portos. Experiente e dedicada, esta professora/formadora de Matemática desvela-se em encontrar sistemas que, sem desvirtuar um referencial nem sempre fácil de aplicar, ajudem a multiplicar competências, subtraindo medos e dificuldades. O resultado é positivo.

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DOSSIER

alExandRa vElEz

Passámos a perceber coisas que inicial-mente não percebíamos. Agora, no B2, as coisas são mais complicadas, e eu acho que quanto mais complicado me-lhor, porque a gente esforça-se mais”.

Já para Isabel Fernandes, que jamais gostara da disciplina, o curso reve lou-se uma verdadeira surpresa. Com 43 anos, desempregada e um 9º ano inacabado na juventude, decidiu tentar a certifica-ção, fazendo um B3 com formação na área de Geriatria. “Aprendi a gostar de mate mática neste curso. Matemática da vida todos nós sabemos fazer, princi-palmente quando o dinheiro é tão cur-to quanto o é nos tempos que correm, mas mais do que isso… Na apresenta-ção disse logo que era um zero à esquer-da a matemática, mas agora entendo realmente o que é um zero à esquerda”, afirma, brincando com as palavras.

Também para esta Isabel o mérito é totalmente da professora, já que o seu modo de explicar torna “tudo mais fácil. O teorema de Pitágoras, por exemplo, já o percebo perfeitamente e consigo entender a importância dele”. Mas não só, já que atribui, igualmente, grande importância às equações, cujos enuncia-dos “sabia fazer, mas depois não conse-

guia resolver”, porque se socorre delas quando faz contas ao dinheiro, o que é agora muito mais fácil. “Se formos a ver, tudo é matemática desde que nascemos. Toda a nossa vida gira em torno de nú-meros: os aniversários, a medicação, até as quantidades dos géneros alimentares. Agora deixou de ser um bicho de sete ca-beças”, conclui.

Equacionar metodologias

“Não existe continuidade no refe-ren cial, e esse é o problema”, con sidera Alexandra Velez, a formadora desta área. Entre os quatro módulos dos cursos mo-delares B2, o busílis reside, segundo esta incansável mestra, no facto de o tempo ser limitado e não existir continuidade em termos de pensamento matemático. Por isso, deci diu dar o módulo D, aque-le que vai mais ao encontro do raciocí-nio da disciplina, um pouco através dos outros três: A – Interpretar, organizar, ana lisar e comunicar informação utili-zan do processos e procedimentos mate -máticos (no fundo, Estatística); B – Usar a matemática para analisar e resolver problemas e situações pro ble máticas (usar medidas padrão); C – Compre-

ender e usar conexões mate máticas em contextos de vida (raciocínio da propor-cionalidade).

Dividindo-se entre os diferentes níveis de formação, explica que aqui-lo que difere os cursos modelares, de equi valência B2, dos EFA, B3, é o facto de nos primeiros se trabalhar uma Área Projecto e nos segundos Temas de Vida. “Trabalhamos um tema de vida para 15 meses, porque os cursos têm essa du-ração. Agora, por exemplo, estamos a trabalhar ‘Diz-me como era’, que tem a ver com as memórias do passado pro-jec tadas no futuro”. Mas, queixa-se, na sua área “isto pode ser muito redutor e acabamos demasiado na estatística. As pessoas que aqui chegam vêm indi ca das pelo CNO e muitas apenas pos suem a 4ª classe, com experiências pro fissionais muito redutoras, porque traba lharam, essencialmente, em cafés e refeitórios. Em geral, são pessoas com uma noção da proporcionalidade fan tás tica, mas muito circunscrita à cozinha. Sabem a proporcionalidade entre os carregamen-tos do telemóvel e as mensagens ou cha-madas que podem fazer, mas se eu trans-puser isso para as regras de proporcio-nalidade torna-se uma confusão. Uma

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regra de três simples que, no essencial, sabem fazer, quando explicada não rela-cionam. Rela ti vamente a questões reali-zadas com noções espaciais, percebe-se que sabem o que são áreas. Fizemos um trabalho que consistia em equipar um lar e, embora não fossem capazes de fa-zer uma planta com as mobílias, tinham noção das áreas e daquilo que cabe em cada espaço”.

Segundo Alexandra Velez, há uma diferença considerável na capacidade de raciocínio matemático entre os B1 e os B2. Para resolver esta dificuldade tenta que “a matemática deles seja relaciona-da com a escolar. No fundo, dar esta úl-tima apoiando-me na matemática para a vida que eles possuem. Prefiro andar mais à volta daquilo que eles sabem. Procuro fazer muitos exercícios de pro-por cionalidade directa, mas não de pro-por cionalidade indirecta, porque acho que lhes serve de pouco para a sua vida. Mas atenção, o referencial também tem virtudes. É bom haver um guião”.

Mediadora do curso modelar B2, Isabel Rodrigues tem consciência das dificuldades. “Durante a forma ção pro-curamos metodologias acti vas, por que consideramos que corres pon dem a uma

preocupação de permitir que sejam res-peitados os diferentes ritmos de cada um”, esclarece. “Há, diga mos, uma ne-gociação entre aqui lo que são as expec-tativas que as pes soas trazem, as que nós temos e aquilo que é o referencial. Nos cursos modu lares vamos procurando adaptar as ofertas formativas de acordo com as recomendações que o CNO nos dá”. No mínimo, cada curso deve ter dez pessoas e no máximo quinze, o que, para Isabel Rodrigues, é excessivo, quando se pretender acompanhar cada um dos formandos de modo específico. Na sua opinião, os cursos EFA têm a vantagem da duração e de oferecerem certificação e formação profissional.

Quando as pessoas ali chegam, depois de se inscreverem, fazem uma ava liação de diagnóstico que “passa muito pelas competências escolares e pelas apetências profissionais”, adian-ta a mediadora. Há uma triagem e, por fim, uma entrevista final individual. “Quando a resposta do adulto é nega-tiva, procuramos resolver a situação de modo personalizado, na ten ta tiva de encontrar soluções espe cí ficas para essa pessoa”, prossegue, exem pli ficando com o percurso de Isabel Pedro. “Os adul tos

não podem fazer um B3 sem terem o 6º ano, portanto têm de fazer a formação modular certificada para resol verem as competências que lhes faltam. Em geral, a Língua Portuguesa, na Linguagem e Comunicação, é a área na qual as pesso-as mais dificuldade têm. E é importante, até para a matemática. A maioria das pessoas não tem consciência das suas dificuldades, até devido ao meio em que se movimentam. Mas a mate má tica é, também, uma área na qual as pessoas têm muitas dificuldades. Quan do sabe-mos que os adultos vão estar nas quatro unidades (A, B, C e D) pro cu ramos que eles se confundam. No B2 trabalhamos por projectos, o que permite o desenvol-vimento de outras com petências através da interdis ci pli naridade”.

Para atingir os seus objectivos, Alexan dra Velez puxa pela imaginação e arranja estratégias variadas. No caso da geometria, por exemplo, encontrou a divertida solução dos origamis, porque o mais importante é que os conceitos matemáticos sejam apreendidos. O que, em geral, acaba por ser conseguido, no respeito pelos tempos e velocidades de cada um. n

isaBEl RodRiguEs

“Durante a forma ção procuramos metodologias acti vas, por que consideramos que corres pon dem a uma preocupação de permitir que sejam respeitados os diferentes ritmos de cada um”

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DOSSIER

ALM - Adult Learning MathematicsSítio internacional (em língua inglesa) para investigadores e práticos sobre a problemática do ensino e da aprendizagem da matemática por adultos. Uma das vertentes fortes deste sítio é a edição da revista (ALM Journal) cujos artigos pode ler online os textos das várias conferências.www.alm-online.net/

OVAE - Mathematics in Adult Education and LiteracySecção do sítio oficial (dos Estados Unidos da América) da Educação Vo-cacional e de Adultos dedicado à Matemática na Educação e Literacia dos Adultos. Aqui encontra duas secções a que vale a pena dedicar alguma atenção – Investigação e Avaliação e as Ligações Adicionais onde encontra ligações para sítios de recursos para alunos e para professores assim como para foruns de diálogo entre profissionais ou até para colocar dúvidas de matemática.www.ed.gov/about/offices/list/ovae/pi/AdultEd/math.html

NumeraciaUm número especial dedicado à matemática, editado pela revista «Focus on Basics - Connecting Research and Practice» do National Center for the Study of Adult Learning and Literacy (NCSALL) - Vol 9, nº A, Maio de 2008.www.ncsall.net/fileadmin/resources/fob/2008/fob_9a.pdf

Rec

ur

sos

Recolha e texto Madalena Santos

Nesta secção sugerimos um conjunto de recursos disponíveis na net que podem ser úteis para quem se interessa pela aprendizagem da matemática ao longo da vida (de natureza formal ou informal). São alguns exemplos de sítios onde se podem encontrar recursos para pensar ou para planear actividades de aprendizagem para diferentes contextos. Algumas das ligações apontam para sítios com uma grande diversidade de recursos, outras direccionam-se para secções ou documentos mais específicos.As sugestões aqui apresentadas incluem ligações para:– sítios com material de natureza

teórica ou que descreve e analisa experiências do terreno;

– teses ou estudos relativos à problemática da aprendizagem da matemática por adultos;

– sítios com recursos que permitem fazer experiências matemáticas online que podem ajudar a compreender conceitos matemáticos, a consolidar conhecimentos ou a analisar fenómenos.

1.Sítios com suportes teóricos e descrição e análise de experiências no terreno

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European Network for Motivational Mathematics for Adults (EMMA)Portal orientado para as dificuldades com a numeracia nos adul-tos em que encontra vários recursos interessantes (na secção Mate-rials). Pode aceder-se em várias línguas mas não em português.www.statvoks.no/emma/index.htm

Adult Literacy ResourcePortal da Austrália, dedicado à literacia no âmbito da educação dos adultos, com várias secções dirigidas à questão da numera-cia.www.adultliteracyresource.edu.au/

Radical MathSítio dedicado a formas de integrar as questões da justiça social no curriculum da matemática onde têm acesso a textos, guias e materiais para suporte de trabalho.www.radicalmath.org/

Pode consultar ainda:

Matemáticas experimentaiswww.experiencingmaths.org/

Matemática Hojewww.matematicahoje.com.br/telas/autor/artigos/

APLICAÇÕES INTERACTIVAS (APPLETS)

Há sítios onde se encontram applets que permitem explorar conceitos matemáticos através da experimentação. Em geral estão divididos em secções por temas matemáticos (números, geometria, álgebra, estatística...) e existe indicação do nível de ensino. A adequação ao nível de ensino é essenciclamente con-ceptual ao nível do domínio dos temas matemáticos, não sen-do demasiado infantilizante pelo que podem ser usados para os adultos. Existem também recursos de apoio aos professores e, por vezes, sugestões de como utilizar os applets. Trabalhar com os applets é, em geral, de aprendizagem bastante simples mas pode ser útil verificar se é necessário elaborar algum ma-terial de orientação a fornecer ao aluno. Necessitam em geral que esteja instalado nos computadores a aplicação JAVA.Interactive (Shodor) - em inglês.www.shodor.org/interactivate/ National Library of Virtual Manipulativeshttp://nlvm.usu.edu/

2. 3.Teses ou estudos sobre a aprendizagem da matemática por adultos

recursos para actividades de aprendizagem matemática

A modelagem matemática como alternativa de ensino e aprendizagem da geometria na educação de jovens e adultosRosalda Lopes de Oliveira, 2004.Tese de mestrado apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.Além de uma reflexão teórica, esta tese apresenta um conjunto de propostas de actividades desenvolvidas com os alunos e analisa o desenvolvimento dessas mesmas actividades. Utili-zou-se a Modelagem Matemática como forma de valorizar o saber fazer dos alunos tendo-se verificado que, nesse contexto, eles desenvolviam métodos de aprendizagem significativa que os auxiliaram a construir relações da Matemática com outras áreas do conhecimento e dentro da própria Matemática.bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1313

Currículo, etnomatemática e educação popular: um estudo em um assentamento do movimento sem terraGelsa Knijnik.Artigo da Revista Currículo sem fronteiras, vol 3, nº1, Jan/jun 2003. Neste artigo descreve-se e analisa-se a terceira etapa de uma pes-quisa realizada num assentamento do Movimento Sem-Terra do Rio Grande do Sul, tendo como foco principal as conexões entre a Educação Popular e a vertente da Educação Matemática denomi-nada Etnomatemática. Este ensaio, especificamente, foca-se nas repercussões de um projeto pedagógico centrado numa das ativi-dades produtivas da comunidade (cultivo de alface), examinadas através das inter-relações estabelecidas pelos diferentes actores so-ciais envolvidos no processo: professora de Matemática e alunos da 7ª série da escola do assentamento, famílias assentadas e o agrónomo que realiza o acompanhamento técnico. As inspira-ções teóricas do trabalho baseiam-se na literatura relativa à Edu-cação Popular e à Etnomatemática.www.curriculosemfronteiras.org/vol3iss1articles/gelsa.pdf

Pode consultar ainda:

Educação Matemática: Formação de Alfabetizadores de Jovens e Adultos, Maria Auxiliadora Antunes dos Santos, 2004, Brasília.www.ufmg.br/congrext/Educa/Educa73.pdf

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ARTIGO

Nas últimas duas décadas surgiram, no âmbito internacional e europeu políticas e práticas que permitiram a revalorização epistemológica da experiência, reconhecendo o seu potencial formativo.

RECONHECIMENTO E VALIDAÇÃO DE ADQUIRIDOS COMPLEXIDADE E ESPECIFICIDADE DOS ELEMENTOS EM ANÁLISETexto Carmen Cavaco, Instituto de Educação da Universidade de Lisboa # Ilustrações Luis Miguel Castro

As políticas e práticas de reconhecimento e valida-ção de adquiridos experienciais fundamentam-se, no essencial, em duas ideias-chave: por um lado, partem do pressuposto que as pessoas aprendem através da experiência, por outro lado,

consideram importante permitir a visibilidade social desses ad-quiridos. Estas duas ideias, aparentemente simples, estão na base de alguns elementos de complexidade das práticas de re-conhecimento e validação de adquiridos e têm um conjunto de implicações na organização e funcionamento dos dispositivos.

As práticas de reconhecimento e validação de adquiridos, assentes na correspondência entre os saberes experienciais e os referenciais de competências, são muito recentes e marcadas por uma enorme complexidade. Estas práticas encontram-se numa fase de construção, tornando-se imprescindível reflectir sobre um conjunto de questões. O que sabemos sobre a natureza deste tipo de processo? O que sabemos fazer? Que riscos estão associados a este processo? Como podemos evoluir neste domínio? Como refere Jobert (2005) “é frequente encontrar pessoas que não estão angustiadas e constrangidas pela complexidade deste projecto” (p.12), tanto por parte dos políticos que definem as orientações, quanto por parte dos técnicos que as põem em prática e dos adultos candidatos à realização do processo. Atendendo ao carácter recente e complexo destas práticas sociais seria de pre-

ver que o período actual fosse marcado, essencialmente, por dúvi das, inquietações, experimentações e reflexões e não por modelos de acção estabilizados e estandardizados.

Alguns obstáculos, dificuldades e dúvidas inerentes às práticas de reconhecimento e validação de adquiridos, com os quais se confrontam diariamente os vários actores, resultam, em grande medida, da complexidade e especificidade dos elementos em análise – a experiência e os adquiridos expe rien­ciais. As políticas e práticas de reconhecimento e validação dos adquiridos experienciais contribuíram para que a questão da experiência irrompesse no domínio público. Em resultado dessa situação, ocorre a tendência de familiarização com o termo experiência e a sua posterior naturalização, o que diminui, entre outros aspectos, a capacidade de análise crítica neste domínio. A experiência é uma palavra corrente, algo familiar, todos pen-sam saber no que consiste. Porém, nas situações em que a expe riência e os adquiridos experienciais se assumem como objectos de estudo, essa familiaridade pode funcionar como um obstáculo à compreensão das suas especificidades e à per-cepção da complexidade desta tarefa. Neste texto pretende-se realizar uma reflexão em torno da experiência e da formação experiencial, para colocar em evidência alguns elementos de complexidade subjacentes ao processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais.

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Experiência — amplitude do conceito

Definir experiência é uma tarefa difícil devido ao seu carácter difuso. A experiência refere-se aos factos, acontecimentos e actividades vividos por alguém, “quando a pessoa é capaz de os enunciar enquanto tais e por relação aos seus efeitos” (Aubret e Gilbert, 2003, p.208). A amplitude do conceito resulta do facto da experiência se confundir com a presença do sujeito no mundo, nas constantes interacções com o meio e consigo próprio, e “mesmo os não-factos, as não-acções, as não-comu nicações são também experiências” (Vermersch, 1991, p.275), ou seja, não se passa nada que não seja experiência. A experiência apresenta um carácter dinâmico, é questionada e alterada em função das novas situações vivenciais, o que per mite a evolução do indivíduo e dá origem a um processo de formação ao longo da vida.

Neste sentido, pode dizer-se que a experiência compreende as formas de pensar, de agir e sentir mas também as vias inexploradas e os potenciais inactivos. Estes elementos revelam o carácter difuso da experiência e permitem, desde logo, com pre-ender a origem de alguns elementos de complexidade na análise dos adquiridos experienciais. O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais implica a identificação, descrição e reflexão sobre os acontecimentos ocorridos nos vários tempos e espaços da vida, que possam ter despoletado alte rações nos quadros de pensamento e acção dos adultos. Num mecanismo desta natureza, a temporalidade associada à realização do processo é determinante para a rememoração, a descrição de situações e a análise dos adquiridos experienciais, tornando-se evidente que a duração do processo dificilmente é compatível com tempos curtos, pré-definidos e pouco flexíveis.

A experiência assume dois sentidos, um de orientação para

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46 APRENDER

ARTIGO

o futuro, outro para acções passadas. No primeiro sentido, a experiência é uma tentativa, um ensaio, um pôr em prova, cujo resultado se pode esperar, embora tenha sempre uma dimen são imprevisível. No segundo sentido, a prova tem lugar e o sujeito obtém experiência nessa questão, tornando-se um perito, alguém que adquiriu conhecimento num determinado domínio. No primeiro sentido, a experiência resulta do contacto com algo de novo para a pessoa, o que provoca a ruptura no curso habitual das coisas. No segundo sentido, a experiência é compreendida como algo constituído, estabilizado e estruturado como quadro de pensamento e de acção. A experiência incor-pora uma dimensão de processo, no primeiro sentido, e uma dimensão de resultado, expressa no segundo sentido. A expe-riên cia, enquanto processo, corresponde a um conjunto de condições, de situações, de acontecimentos que se sucedem numa certa ordem e é esse processo que permite construir a experiência como um produto. A experiência enquanto produto corresponde ao conjunto de modos de ser, de pensar e de fazer resultantes das vivências tidas ao longo da vida.

A distinção da experiência enquanto processo e produto é clara, mas a relação entre as duas componentes é dialéctica, o que torna difícil perceber os seus contornos. A experiência ao ocorrer numa relação dialéctica entre processo e produto assu me-se como algo não linear. A experiência não é linear na progressão, nem biunívoca, no sentido. A experiência pode resultar de uma situação pontual e muito breve ou de um acontecimento dilatado no tempo. O resultado da experiência ocorre segundo uma lógica temporal difícil de antecipar “pode ser logo visível ou ficar latente e manifestar-se muito tempo depois” (Mayen, 2005, p.6). Por outro lado, uma mesma situação não origina necessariamente o mesmo resultado, em pessoas diferentes. A experiência resulta da influência recíproca das condições objectivas do contextos e das condições subjectivas do sujeito que a vive. As vias exploradas dão origem a processos e a resultados, mas também há vias sem saída e vias passíveis

de serem percorridas mas que não são ensaiadas. Estas últi-mas ficam latentes e podem emergir a qualquer momento, depen dendo do contexto e das condições subjectivas do sujei-to. Trata-se de um processo que não-linear, que não pode ser descrito e analisado com base numa suposta linearidade, o que exige o recurso a metodologias e instrumentos inovadores, que respeitem a especificidade destes mecanismos.

Da experiência à formação experiencial

A formação experiencial resulta do contacto directo com os acontecimentos, da possibilidade de agir e de reflectir sobre a acção. A formação experiencial ocorre através de um contacto directo entre o sujeito e o objecto, que origina, geral-mente, uma acção e resulta num saber real com aplicação na vida do aprendente. Neste caso, não há a mediação dos for-ma dores, mas sim a atribuição de sentido e a apropriação das situações vividas, quer na relação com os outros, com o contexto envolvente ou na relação consigo próprio. O processo de formação experiencial caracteriza-se pelo papel activo que o sujeito assume e pela sua capacidade de experimentar e de reflectir sobre as situações e acontecimentos que ocorrem no seu dia-a-dia.

A formação experiencial é interminável por natureza porque a aprendizagem é imprescindível para a vida. A capacidade de aprender dos indivíduos resulta da necessidade de responder aos desafios e imprevistos que a vida quotidiana coloca. A forma-ção experiencial decorre num determinado contexto e conduz a uma tomada de consciência de si, da sua relação com os outros e com o contexto, o que pode desencadear acções susceptíveis de alterar os esquemas de pensamento e acção previamente estabelecidos. A aprendizagem provoca, normalmente, uma tensão e ruptura com os quadros de referência consolidados pelo sujeito, em resultado de vivências anteriores.

A formação experiencial resulta de um processo complexo de acção e de reflexão sobre a acção mas também de análise, problematização e questionamento dos saberes previamente adquiridos. No final deste processo, o sujeito elaborou um novo saber, resultante de uma ruptura com a sua experiência anterior, experimentou novas racionalidades para encontrar uma inteli-gi bilidade até então desconhecida. As novas experiências são assimiladas às experiências do passado e transformadas em novos esquemas de acção e pensamento. As experiências que um indivíduo possui não podem ser isoladas umas das outras, elas constituem uma unidade coerente. Verifica-se uma articulação e um ajustamento recíproco entre as vivências do passado e do presente, o que permite ao indivíduo elaborar esque mas de intervenção e construir um todo harmonioso com as suas experiências de vida, que estão sempre preparadas para ser complementadas e substituídas, caso se verifique pertinente. Esta dinâmica deixa evidente que a aprendizagem experiencial é um mecanismo permanente e contínuo, o que é uma potencialidade mas, em simultâneo, dificulta o estudo do processo e dos seus resultados, que não se dão a conhecer sem um enorme esforço de distanciamento e análise.

A experiência em construção no presente resulta, por um lado, da mobilização de aspectos referentes às vivências ante-riores e, por outro, influencia a qualidade das experiências

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futu ras. Isto é, “situações diferentes sucedem-se umas às outras, porém, devido ao princípio da continuidade levamos sempre algo da anterior para a seguinte” (Dewey, 1960, p.51). A continuidade que caracteriza a experiência origina dificuldades na formalização dos saberes decorrentes da acção, porque estes saberes derivam de uma sucessão de situações e são difíceis de delimitar no espaço e no tempo. Os saberes decorrentes da acção resultam de situações que se interrelacionam, o que torna difícil a explicitação dos mesmos, sem que se perca o seu sentido e riqueza. O princípio da continuidade, referido por Dewey, é um elemento determinante para que as experiências possam ser formativas, todavia, essa característica da formação experiencial tem um conjunto de implicações na narração da experiência de vida e na análise dos adquiridos.

A aprendizagem não é uma resposta mecânica à esti mu-la ção do contexto, depende, essencialmente, da iniciativa do sujeito, da sua autonomia e liberdade para intervir. Vivências seme lhantes não dão, necessariamente, lugar ao mesmo tipo de experiências, nem se traduzem nos mesmos resultados. A análise do percurso de vida funciona como uma referência para se captarem os adquiridos experienciais, mas por si só não é suficiente, tornando-se necessário um enfoque sobre os resultados desse percurso. A formação experiencial resulta das experiências vividas, mas depende bastante da forma como cada pessoa se apropria dessas experiências, daí a importância do processo de reconhecimento e validação de adquiridos não se limitar unicamente à análise do percurso de vida dos adultos, tornando-se indispensável uma reflexão sobre o sentido das experiências vividas e a explicitação dos adquiridos experienciais pelo próprio adulto. Os processos de formação experienciais são sempre únicos, por isso não é correcto proceder-se a extrapolações de uma situação para outra, nem de uma pessoa para outra, ainda que os percursos sejam idênticos.

A experiência apresenta um potencial formativo mas não é por si só formativa. A experiência tanto pode potenciar a formação, como funcionar como um obstáculo ao desenvolvimento de outras experiências. Através da interpretação do vivido é possível compreender se as experiências resultaram em aprendizagens, ou se pelo contrário, não passaram de vivências, sem que se tenha concretizado o seu potencial formativo. Perceber se se realizaram aprendizagens não conscientes ou se a experiência não resultou em aprendizagem, torna-se uma tarefa bastante difícil e morosa, quer para o adulto, quer para as equipas res-pon sáveis pelo reconhecimento e validação de adquiridos.

A experiência é indissociável dos elementos cognitivos e emotivos, o que se reflecte no processo de reconhecimento e validação de adquiridos. A emoção faz parte da essência da experiência. A experiência é constituída por acontecimentos, aos quais a pessoa atribui um valor positivo ou negativo. O sentido atribuído à experiência é fortemente marcado pelas emoções que lhe estão associadas e pelo valor que a pessoa lhe atribui, o que tem uma enorme influência na (re)elaboração da experiência. A realização do processo de reconhecimento de adquiridos, ao centrar-se numa reflexão e análise sobre a experiência e os adquiridos experienciais, envolve processo emotivos que, por vezes, podem ser difíceis de gerir pelo adulto e pela equipa técnica. A (re)elaboração da experiência

está inevitavelmente associada ao sentido positivo e negativo dos acontecimentos marcantes, por isso as emoções são uma presença constante e influenciam todo o processo. As emoções e sentimentos são elementos incorporados nos processos de formação experiencial, o que reforça a importância das práticas de reconhecimento e validação de adquiridos se orien-tarem numa perspectiva humanista, de valorização e res peito pelo adulto, e confirma a importância do processo de acom-panhamento do adulto.

CONCLUSÃO

A formação experiencial resulta de uma grande diversidade de factores e é um processo complexo, o que tem um conjunto de implicações nas práticas de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Estas práticas sociais em emergência são marcadas pela complexidade que caracteriza os elementos em análise – a experiência e a formação experiencial – e pela natureza do próprio processo, que incide na necessidade de se estabelecerem articulações entre saberes decorrentes da acção e saberes académicas. Como se pode depreender, a complexidade inerente ao processo de reconhecimento de adquiridos não se coaduna com respostas simples, nomea da-mente, no que se refere à organização e funcionamento dos dispositivos, às metodologias e aos instrumentos.

O percurso de formação experiencial de cada adulto é único, por isso a preparação técnica e a disponibilidade das equipas são elementos determinantes para que pos sam adaptar as metodologias e os instrumentos à sua especi fici-dade. O acompanhamento dos adultos, por parte de técnicos qualificados, e a duração do processo são também domínios-chave no reconhecimento e validação de adquiridos. Quando não assumidos, analisados e debatidos os elementos de complexidade destas novas práticas sociais dificilmente são asseguradas as condições necessárias para a realização de um processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais coerente e consistente. Neste caso, facilmente o processo perde a dimensão formativa e é orientado para a dimensão certificativa, tornando-se assim necessário reco-nhe cer que os resultados são escassos ou nulos, quer para os adultos envolvidos quer para a sociedade em que estão inte-grados. n

BIBLIOGRAFIA

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DEWEY, John (1960). Experiencia y Educacion (7ª edição). Buenos Aires: Editorial

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AO LONGO DA VIDA 49

ARTIGO

Na Suécia, a educação formal de adultos é orga-ni zada por cada município. Tudo começou em 1968, para benefício de adultos a quem faltava o equivalente à educação básica ou secun dária, a fim de dar a todos uma “segunda

oportunidade” no sistema escolar e universitário.Hoje, a educação de adultos é financiada, em parte, pelo

governo central, e em parte pelos municípios.Nem a educação formal nem a educação universitária para

adultos têm natureza comercial, pois são gratuitas, quer para a população activa, quer para desempregados.

Tanto as pessoas empregadas como as pessoas desem-pre gadas podem solicitar subsídios de estudo (empréstimo + bolsa, num total de cerca de 650€ por mês para estudos a

Na Suécia toda a população activa tem o direito a deixar o seu emprego, sem o perder, por um período que pode durar alguns anos, no caso de querer participar em educação de adultos formal ou universitária. Este texto dá um panorama abrangente da educação de adultos naquele país.

EDUCAÇÃO FLEXÍVEL E AO LONGO DA VIDA NA SUéCIATexto: Klas Tallvid, Director Executivo e Reitor, CFL (Centro de Apren di zagem Flexível), Söderhamn, Suécia. E-mail:: [email protected]ção: Daniela Silveira

tempo inteiro). Se tiverem um baixo nível de educação formal, também podem obter uma bolsa superior, até 100% do valor do subsídio.

Existe um Decreto-Lei na Suécia que estabelece o direito de toda a população activa a deixar o seu emprego, sem o perder, por um período que pode durar alguns anos, no caso de querer participar em educação de adultos formal ou universitária.

Os pais e mães, que frequentam programas de educação de adultos, ou programas universitários, podem deixar os seus filhos em centros municipais de cuidados infantis, nos períodos de trabalho escolar.

Hoje, a educação formal de adultos sueca inclui: Educação básica de adultos, Nível secundário superior, Educação de adultos para deficientes mentais (Särvux) e Sueco para imigrantes.

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50 APRENDER

ARTIGO

Educação básica de adultosA educação básica de adultos corresponde a nove anos

do ensino básico obrigatório. Os alunos decidem o seu próprio ritmo de progresso; os estudos podem ser combinados com o emprego ou uma experiência laboral. A educação básica de adultos pode conferir qualificações correspondentes aos nove anos do ensino básico obrigatório. O certificado final de curso, atribuído aos adultos, contém as notas de aprovação em quatro disciplinas nucleares:

– Sueco, ou sueco como segunda língua– Inglês– Matemática– Formação cívicaNeste certificado, podem incluir-se outros cursos e disci-

plinas, como a Informática. O município tem o dever de oferecer uma educação básica para adultos a todas as pessoas que não tenham obtido o certificado de conclusão do ensino básico obrigatório.

Nível secundário superiorO nível secundário superior para adultos e o nível secundário

superior para jovens partilham os mesmos programas e o mesmo currículo. A educação de adultos é equivalente ao nível secundário superior para jovens, embora os cursos não sejam idênticos. As qualificações dos alunos adultos têm de ser ade-qua damente complementadas, para as elevar ao mesmo nível das dos jovens. No entanto, as disciplinas oferecidas podem diferir das disciplinas das escolas secundárias regulares, no que diz respeito a importância relativa, conteúdo e âmbito.

Os próprios estudantes é que determinam o número e a combinação das disciplinas, bem como o seu ritmo individual de progresso. Muitos estudantes optam por uma ou duas dis-ci plinas apenas. São também oferecidos, no nível secundário superior, vários programas de formação profissional. O mais comum é um programa de formação para o sector de cuidados de saúde, oferecido por quase todos os municípios suecos. Podem existir outros programas de formação profissional, em função das necessidades dos mercados regionais de emprego.

SärvuxA missão da educação de adultos para deficientes mentais

consiste em suplementar a educação prévia destes alunos, de acordo com os seus estudos anteriores, experiência e capacidades.

SFIO ensino da língua sueca para imigrantes visa transmitir

conhe cimentos da língua e da sociedade suecas. Os municípios são obrigados a oferecer o SFI a todos os imigrantes adultos recém-chegados. Os estudos podem ser organizados de forma diversa, nos diferentes municípios.

EDUCAçÃO NÃO FORMAL

Formação para o mercado de empregoA formação para o mercado de emprego é um instrumento

de política activa de emprego, cujos objectivos principais são a educação profissional inicial ou a formação contínua para desem-

pregados. O Parlamento sueco transfere ver bas para a Comissão Nacional do Mercado de Trabalho (Arbets för me dlin gen), a qual, por sua vez, distribui os fundos pelas comis sões provinciais de trabalho e pelos centros de emprego, para que adquiram cursos de formação às empresas municipais de edu ca ção de adultos ou a empresas de formação de natureza comer cial.

Formação empresarial e desenvolvimento de competênciasMuitos empregadores têm extensos programas de formação

para os seus assalariados. A formação deste tipo, no seio da empresa, pode envolver praticamente tudo, desde a formação profissional prática até estudos teóricos extensivos. Pode ser levada a cabo em associação com universidades e institutos, como formação municipal subcontratada ou formação para o mercado de emprego ou ainda através de empresas de formação comerciais.

Educação popularOs círculos de estudo são a forma mais típica de educação

popular, na Suécia. Um pequeno grupo de pessoas reúne-se regularmente, durante um período de tempo, em regra, uma vez por semana, para estudar um certo assunto (geralmente, um hobby ou tópico cultural) ou tema, ou para participar numa actividade cultural. O círculo é composto por cinco a doze participantes, sendo um deles o líder. Geralmente, os participantes pagam uma pequena taxa de participação.

Outra parte importante da educação popular na Suécia é representada pelas escolas superiores populares (Folk High Schools). São instituições residenciais que oferecem programas de formação sobre assuntos culturais, tais como cinema, teatro, arte, media e muitos mais, muitas vezes em articulação com a educação básica de adultos.

Grande parte da educação popular é feita em estreita coope-ração entre os movimentos populares e outras orga niza ções de fins não lucrativos (sindicatos, organizações políticas ou religiosas), quer sejam membros das associações de estudo, quer sejam organizações responsáveis pelas escolas superiores popu lares.

CFL (Centro de Aprendizagem Flexível), município de Söderhamn – um exemplo local

O CFL (Centro de Aprendizagem Flexível), www.cfl.soderhamn.se, é um centro que organiza todo o tipo de educação de adultos e educação a distância, no município de Söderhamn, uma cidade costeira com 26.000 habitantes, no norte rural da Suécia. O CFL tem cerca de 60 funcionários a tempo inteiro e 1100 estudantes em estudos a tempo inteiro ou parcial, e em vários níveis, desde a educação básica até à educação de nível universitário (cursos e programas a distância).

Uma parte importante do CFL é a Unidade de Orientação. A Orientação Profissional é oferecida a custo zero a todas as pessoas. Todos os novos alunos elaboram um plano de acção individual. A Unidade de Orientação também é responsável por organizar programas individuais de formação profissional, em cooperação com os locais de trabalho. É uma forma altamente popular e económica de realizar formação profissional para adultos, que o CFL tenta desenvolver cada vez mais. Uma

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inves tigação sobre os métodos de aprendizagem aberta e a dis-tân cia, que utilizam as novas tecnologias – e-learning – e novos métodos pedagógicos.

O CFL é também membro da rede NITUS (http://www.nitus.org), uma organização sem fins lucrativos, que providencia por todo o país aprendizagem a distância de nível universitário e de outros níveis de ensino, através de centros locais de aprendizagem.

O CFL coordenou muitos projectos-piloto, quer a nível da União Europeia (no âmbito do Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida), quer à escala nacional, com vários projectos cofinanciados pelo Fundo Social Europeu. Eis alguns exemplos:

Projecto “EuroguideVAL” www.euroguideval.org (sobre APL / validação e orientação profissional).

Projecto “Guidance Merger” www.guidancemerger.org (como organizar orientação para pessoas empregadas).

Também cooperou com organizações em Portugal, em especial com o Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ), em Oeiras, num projecto intitulado Eurotrainer www.eurotrainer.org.

O CFL é um dos cinco centros de educação de adultos selec cionados entre as “melhores práticas” na Europa pelo estudo “Desenvolver centros locais de aprendizagem (2006, Investigação de políticas / Universidade de Leiden / ESREA)”, por iniciativa da Comissão Europeia (Direcção-Geral de Edu-cação e Cultura).

O CFL é também o Centro Nacional UNESCO/UNEVOC para a Suécia www.unevoc.unesco.org.

Futuro?Usamos a expressão “os 3M” (motor, ponto de encontro

(“meeting point”) e mediador) para descrever o papel que o CFL Söderhamn quer desempenhar no futuro:

Motor: para o crescimento económico local, por ser uma organização flexível, que lança novos projectos e acções, assim como dá apoio a outras organizações, inspirando todos os cidadãos da região a inserir-se na Aprendizagem ao Longo da Vida.

Ponto de encontro: para ser o espaço usado pelas pessoas para se reunirem, um local onde pessoas de todos os contextos sociais, religiosos e étnicos se reúnam e estudem a vários níveis, onde imigrantes conheçam estudantes universitários, onde desempregados conheçam empregados, onde os mais velhos conheçam os mais novos. Pretende ser também um local de reunião para todo o tipo de actividades de aprendizagem, conferências e seminários.

Mediador: para ser o mediador entre empresas locais, centros de emprego e vários tipos de entidades formadoras, para servir como mediador entre a oferta e a procura de educação de adultos no que diz respeito ao mercado local de emprego, para ser um “balcão único” para todas as pessoas que necessitam de informação e apoio sobre qualquer questão relacionada com educação de adultos, formação interna nas empresas e outras.

O CFL quer desenvolver mais o seu trabalho com a vali da ção APL, formação profissional baseada no local de trabalho, apren-dizagem aberta e a distância e também graças à cooperação internacional com organizações noutros países. n

Grande parte da educação popular é feita em estreita coope ração entre os movimentos populares e outras orga niza ções de fins não lucrativos (sindicatos, organizações políticas ou religiosas), quer sejam membros das associações de estudo, quer sejam organizações responsáveis pelas escolas superiores popu lares.

outra tarefa importante da Unidade de Orientação é apoiar os processos de validação de APL (acreditação de aprendizagens anteriores / competências profissionais). Isto também é feito em cooperação com os locais de trabalho, sempre que necessário.

O CFL também foi encarregado pelo governo de se tornar uma entidade formadora a nível nacional, no âmbito do novo nível pós-secundário de formação profissional para adultos, introduzido este ano na Suécia. A Universidade Nacional VET, www.yhmyndigheten.se, vai substituir todos os outros programas avançados de formação profissional, que existem hoje na Suécia. No Outono de 2009, o CFL deu início a três programas avançados de formação profissional (pós-secundária): técnicos de turbinas eólicas em meio marítimo (um programa de dois anos), cuidados avançados de saúde (um programa de um ano) e um certificado internacional de soldadura (um programa de um ano) – todos sem custos para os participantes.

O CFL tem uma cooperação estreita com as PMEs (pequenas e médias empresas), na região, e também com o Centro de Emprego local, tentando desenvolver programas de educação e de formação que correspondam às necessidades do mercado local de emprego.

O CFL é membro da rede de ensino a distância Halsinge­Utbildning (educação halsinge), www.halsingeutbildning.nu.

Nesta Rede, cooperam seis municípios da região em torno da educação para adultos, a diferentes níveis, através do uso da Aprendizagem Aberta e a Distância (a plataforma utilizada é a First Class). A cooperação no seio da HalsingeUtbildning permite aos seis municípios oferecer, dentro da região, um vasto leque de cursos, que cada município, por si só, não conseguiria oferecer. A cooperação também se concentra no desenvolvimento e na

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QUANDO A OPRESSÃO CHEGA AO PALCOA fórmula não é nova – será até, reconhecem os seus promotores, vista por algumas pessoas como um tanto fora de moda –, mas o Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa continua a coleccionar bons resultados na sua intervenção junto a jovens, mulheres, idosos, pessoas com deficiência mental... Afinal, em pleno século XXI, ainda existem os oprimidos de quem nos falava o dramaturgo brasileiro Augusto Boal, nos longínquos anos 60.

Será possível mudar a sociedade fazendo teatro? “É pos sível, e é obrigação de todos os cidadãos, mudar tudo aquilo que achem que não está correcto, que podia ser melhor, com o qual não concordem”, res-ponde-nos Gisella Mendoza, presidente do Grupo

de Teatro do Oprimido de Lisboa (GTO LX). Assim como outros grupos espalhados pelo mundo, este também utiliza a meto-dologia desenvolvida por Augusto Boal para promover inter-venção social junto a bairros estigmatizados, como a Cova da Moura ou o Zambujal, populações marginalizadas, como a dos idosos e a dos doentes mentais, ou vítimas de violência, como as mulhe res.

“Na situação que vivemos neste país e em toda a Europa é obrigatório mudar esta sociedade, e começar por nós, com os grupos com os quais nós trabalhamos, com as comunida-des nos quais esses grupos estão inseridos, pelos grupos dos quais eles, enquanto homens e mulheres, fazem parte”, acres-centa Gisella. “Temos até ferramentas de mobilização de mas-sas, como o teatro popular, o teatro de intervenção, o teatro do oprimido.” Gisella explica que o objectivo do teatro do oprimido é movimentar o povo, mostrar às pessoas que se identificam com os papéis de oprimido ou de opressor que também podem alterar a situação criticada em palco. “Não é só usar o teatro

para mostrar aos outros que há um problema, mas procurar, em conjunto com o público, formas de o solucionar.”

É aí que entra em acção uma das técnicas do teatro do oprimido, o teatro fórum, quando os espectadores passam a intervir, dirigidos por um orientador, o “coringa”, no sentido de propor soluções para os problemas dramatizados no palco. Do local onde é apresentado o espectáculo, que pode ser a rua, a sala polivalente do Moinho da Juventude, na Cova da Moura, uma colectividade ou mesmo uma sala formal de teatro, o deba-te prossegue para dentro das casas dos espectadores. “Sabe-mos disso porque os jovens contam-nos que nas comunidades, nos bairros, as pessoas dizem: eu estive a pensar e acho que se deveria fazer isso ou aquilo. Há pessoas que me param na rua para dar ideias sobre o que mudar no espectáculo.”

A experiência da Cova da MouraUm dos projectos mais antigos do GTO LX começou em

2006 na Cova da Moura, o mediático bairro da Amadora, asso-ciado geralmente a rusgas policiais, conflitos entre gangs e tráfi-co de droga. “Os jovens de origem africana com os quais temos trabalhado até agora mais aprofundadamente entendem-se como um grupo de jovens à parte, e isso é uma bolha que eles constroem para se proteger – eu não sei realmente o que eu

Texto Cristina Portella # Fotografias Paulo Figueiredo

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sou: se sou português ou não, mas dá-me jeito o papel [Bilhete de Identidade]; se sou cabo-verdiano, mas nunca lá fui, e toda gente manda-me para a minha terra”, conta Gisella.

“Eu não sou jovem”, prossegue ela, “não moro naquele bairro, mas tenho uma ferramenta que me permite questio-nar, e aquilo que nós fazemos com o nosso trabalho é colocar um espelho e as possibilidades, ou seja, eles começam a ver, come çam a pensar porque é que as coisas acontecem, porque é que vivem onde vivem, porque têm as oportunidades que têm, porque é que não têm outras, porque é que são sempre eles, porque é que são os jovens...”

O jovem de nacionalidade cabo-verdiana, apesar de ter nas-cido em Portugal, Reginaldo Spínola é um dos nove actuais inte-grantes do DRK – Grupo de Teatro Fórum da Cova da Moura e do Zambujal, formado pelo GTO LX. Ele contou-nos que a sua aproximação ao grupo foi casual. “Não, nunca pensei que eu fosse ser actor e participar numa peça de teatro. Eu pensava que ser actor era paneleirice. Gostava de ser futebolista ou uma coisa assim que ganhasse muito dinheiro. Mas, olha, não deu”, conta ele, divertido.

Reginaldo mudou de ideias quando passou a fazer teatro fó-rum, e a “ter consciência dos meus direitos e deveres na socieda-de”. “Comecei a gostar depois da minha primeira apresentação.

Foi muito diferente de tudo que já fiz porque recebi palmas dos portugueses, dos africanos, nós tomamos consciência de que fi-zemos um bom trabalho ali e que as pessoas gostaram.” Depois desta primeira apresentação vieram várias outras, inclusive uma no Teatro da Comuna, em Lisboa, com a terceira peça criada pelo DRK, “InTerEsse”, em Julho de 2009.

Numa sala cheia, oito jovens negros reproduziram o quoti-diano de milhares de outros que vivem nos bairros pobres da periferia das grandes cidades do país. A alegria, os namoricos e as brincadeiras comuns a toda a juventude, mesclavam-se com a convivência quotidiana com o preconceito, a exclusão, a falta de emprego, o tráfico de drogas e, também, a vontade de acabar com tudo aquilo. Reginaldo e Gisella actuaram como coringas, a dirigir um participado debate. “Esta é a nossa rea-lidade, e nós improvisamos muito sobre a nossa realidade. Se vem uma pessoa intervir comigo, eu sei o que hei de dizer. Mas já me confrontei com situações que nunca me tinham posto e eu fiquei de pé atrás e cedi um bocadinho”, conta ele.

No início, os amigos de Reginaldo na Cova da Moura rejei-taram a iniciativa. “Eles diziam: o que estás lá a fazer? Não vai dar resultado. Mas quando nos apresentamos ao bairro eles gostaram, porque apontamos um problema, e esse problema acontece com todos do bairro. Eles identificaram-se.” Questio-

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54 APRENDER

REPORTAGEM

“Eles dizem: antigamente, eu tinha uma vida boa. Ia para a escola ou ia trabalhar, depois chegava em casa e ia curtir. Agora, vejo uma injustiça, uma coisa com a qual não concordo e fico a pensar, não consigo desligar. É engraçado que eles digam isso porque esse é o nosso objectivo, formar um pensamento crítico”, avalia Gisella.

nado sobre se conseguem transformar a sociedade com o tea-tro, o jovem é taxativo: “Conseguimos, sim. O objectivo é esse. Entrar em palco e resolver o problema já é uma mudança na sociedade”.

Todos podem actuarE quais são os requisitos para entrar em palco? Magda No-

vais, formadora em teatro fórum, cita Augusto Boal para dar uma resposta: “Uma das coisas importantes que o Boal dizia é que qualquer pessoa pode ser actor, e pode-se fazer teatro em qualquer sítio, inclusive dentro dos teatros”. “Às vezes”, prosse-gue ela, “as pessoas falam baixo porque nunca lhes foi dada a oportunidade de falar. E, de repente, as pessoas têm essa oportunidade e isso mete medo. Então há esta necessidade de incentivar: vocês têm direito a ter voz, têm direito a falar, falem, falem mais alto. As pessoas que aqui estão vieram para vos ouvir, para vos ver.”

Magda, que concluiu licenciatura em formação de actores e encenadores, enfatiza que para fazer teatro do oprimido ser actor é importante, mas não o essencial. “O que nós queremos provocar é a participação do público. Esta coisa da técnica tam-bém tem a ver com a tomada de consciência: eu mereço, eu sou capaz, eu tenho coisas para dizer.” Ela explica que há duas vertentes na aprendizagem do teatro fórum. Uma é ensinar a técnica, isto é, a metodologia da construção de uma peça de teatro e noções importantes para estar em palco, como a voz e a postura. “Depois há a outra parte que é promover a partici-pação das pessoas e dar-lhes a voz que muitas vezes elas não

tiveram. Faz parte da nossa formação fazer com que as pessoas falem sobre si, mostrem os problemas, reflictam, tomem consci-ência de quem são e do que é que acontece à volta delas.”

“Há uma coisa que repetimos muito: não fazemos interven-ções artísticas, nós fazemos intervenções sociais profundas nas pessoas com as quais trabalhamos e nas comunidades. Ou seja, nós criamos exemplos positivos da comunidade para a comunidade”, complementa Gisella. Esses exemplos, as peças, são criadas pelos próprios grupos, com base na sua experiên-cia. Há um caso que Gisella gosta de contar: um dia, um jovem do DRK, junto com outros colegas, tentou, em vão tomar um táxi; três taxistas, que estavam com seus carros parados, ao perceberem que o grupo de jovens negros caminhava em sua direcção, partiram imediatamente. Revoltados, os jovens mani-festaram a seguir o desejo de fazer alguma coisa para mudar esta situação.

“Eles dizem: antigamente, eu tinha uma vida boa. Ia para a escola ou ia trabalhar, depois chegava em casa e ia curtir. Agora, vejo uma injustiça, uma coisa com a qual não concordo e fico a pensar, não consigo desligar. É engraçado que eles digam isso porque esse é o nosso objectivo, formar um pensamento crítico”, avalia Gisella. “Cada vez mais jovens estão conscientes de que a violência não é o melhor caminho, que só leva a que os outros reforcem o preconceito: está a ver, é preto e é da Cova da Moura. Eles entenderam que, se continuassem a agir como vinham agindo há tempos, isso não ia levar a lado nenhum, iam continuar nesse círculo vicioso que interessa a muita gente, para que eles não tentem entrar nos outros círculos.”

Depois dos “entas”O GTO faz intervenções em diferentes bairros e com diferen-

tes públicos, com o objectivo de criar multiplicadores, isto é, gru-pos que reproduzam a metodologia do teatro fórum e formem, por sua vez, outros grupos. “Primeiro, é preciso que as pessoas entendam que é possível fazer uma intervenção comunitária utilizando o teatro. Em segundo lugar, que é possível fazer essa intervenção com o teatro do oprimido”, refere Gisella. Ela conta que há muita resistência ao nome “oprimido”. “Ninguém gosta desse nome, porque não é chique, não fica bem, as Câmaras não querem dar dinheiro para os oprimidos, ‘porque não temos oprimidos’”, ironiza.

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REPORTAGEM

Como é impossível criar Grupos de Teatro do Oprimido em todos os lugares que querem fazer teatro fórum, o GTO LX procura criar aquilo que chama de multiplicadores, isto é, grupos que irão reproduzir a mesma metodologia a partir de uma formação inicial. Para ajudar neste trabalho, o GTO LX também criou um “Guia de implementação da técnica do teatro fórum como ferramenta de promoção do empowerment comunitário”, uma espécie de kit para formadores. O primeiro dos três fascículos que compõem o kit, o “Passo a passo”, “pretende ser um instrumento de fácil e rápida consulta, que forneça uma linha orientadora clara e objectiva de como utilizar o Teatro Fórum como técnica de intervenção social, em termos de trabalho comunitário”. O guia divide-se em 12 etapas, correspondentes aos diferentes passos que devem ser dados para implementar a metodologia, desde a formação inicial da equipa técnica à formação avançada dos beneficiários.O segundo fascículo, “Narrativa de uma prática”, seria o “resultado de dois anos de aplicação experimental no terreno de uma metodologia de intervenção social inovadora, nos territórios designados para o Projecto DiverCidade”. No âmbito deste projecto, destinado a combater práticas de xenofobia e racismo por parte de organizações, serviços e empresas, procurou-se testar o Teatro Fórum junto de populações imigrantes e seus descendentes. Além de relatar a história das intervenções, o fascículo deixa alertas e recomendações para os que pretenderem replicar o trabalho. No fascículo “Anexos” estão desde o Manual do Coringa, com a definição do seu papel no teatro

fórum, exercícios práticos para a realização da actividade, além de inúmeras dicas de procedimento, até roteiros para a formação inicial parra agentes privilegiados e públicos alvo. Mas, atenção, este guia não deve ser encarado como um manual a ser ministrado a pessoas que não sabem nada. Gisella Mendoza explica: “Faz parte da própria metodologia aquilo que o Paulo Freire também diz, na pedagogia do oprimido, que é: o aluno que aprende não é que não saiba nada, mas ele sabe melhor do que nós dos seus próprios problemas, dos problemas das suas comunidades, da realidade que vive todos os dias. O nosso objectivo é que, através disso, ele possa apreender a estrutura daquilo que nós estamos a fazer com ele. Por exemplo, com o grupo da Cova da Moura e do Zambujal, nós trabalhamos ao longo de dois anos, e em algum momento fizemos uma pausa e falamos: conte-nos lá como é que a gente chegou até aqui, e são eles, sozinhos, que vão para trás e descrevem como tudo começou”.Com essa consciência do que foi feito, os formandos conseguem encontrar no manual a estrutura feita pela experiência. “Então, com essa noção, eles podem e devem, e este é um dos nossos grandes objectivos, agir enquanto formadores. É isso que nós pretendemos, a formação dos multiplicadores, especialmente dos públicos.” n

mAnuAl do teAtRo do opRimido

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56 APRENDER

REPORTAGEM

o papel do opressor, ele começa a dizer: tu ouves vozes? Mas tu estás maluco!”

Década de 60

Em busca de recursos que sustentem todo este trabalho, o GTO LX presta formação inicial, intermédia e avançada para técnicos, responsáveis e públicos; faz intervenção contínua com grupos de idosos e doentes mentais; e cria espectáculos próprios ou junto com os grupos, para serem vendidos. Esta é a forma de manter a sua autonomia, tão necessária, segundo Gisella. “Quando fazemos as nossas intervenções, o nosso tra-balho questiona o trabalho dos outros. Por isso, quanto mais autónomos formos, mais poderemos fazer o nosso trabalho. Eu não faço parte de uma rede que diz o que eu posso ou não fa-lar. Por exemplo, nós fazemos uma intervenção com os doentes mentais, e eles começam a falar das suas famílias, do centro que os acolhe ou dos médicos. Se eu estivesse na rede dos médicos ou fôssemos financiados pela Roche não se poderia falar de certas coisas. Essa é a autonomia que nós entendemos que é preciso.”

Uma autonomia reivindicada pelo fundador do Teatro do Oprimido, Augusto Boal, e indispensável para que os oprimidos não sejam constrangidos a calar-se sobre verdades inconve-nientes. “Em 2009, ninguém fala em oprimido, principalmente na Europa, mas quando tu trabalhas com jovens, com idosos, com mulheres vítimas de violência, com qualquer pessoa que tenha coragem de falar das suas opressões, das suas injustiças ou dos seus problemas, entendes porque essa metodologia é tão actual quanto nos ano 60.”

Para Gisela, as opressões mudaram um pouco, mas na es-sência continuam igual. “O Teatro do Oprimido é extremamente actual, não com as mesmas palavras de antigamente, mas com palavras muito parecidas.” n

A metodologia do teatro do oprimido, insiste Gisella, é tão universal porque as opressões continuam a ser universais. “Po-demos trabalhar com qualquer grupo, com homens ou mulhe-res, não interessa o género, com qualquer tipo de idade, com qualquer grupo que queira usar o teatro para discutir as suas questões.” Entre os grupos de teatro fórum formados por ido-sos existentes em Portugal, há o “Depois dos Entas”, do Centro Social e Cultural da Casa do Povo de Fajã de Baixo, em Ponta Delgada, criado em 2008, e o “Tudo menos caspa”, do Bairro da Picheleira, resultado de uma parceria entre o GTO LX e os Médicos do Mundo.

Sofia Correia, assistente social da Casa do Povo de Fajã de Baixo, contou-nos a sua experiência com o grupo “Depois dos Entas”. Para ela, o mais importante é a participação dos ido-sos a relatar, na primeira pessoa, os problemas a que estão expostos nas suas casas. “É fundamental que eles dêem o seu testemunho.” Foi com base nessa experiência que criaram a peça “Reflexos”, a história de uma idosa oprimida pelo marido que acaba por trazer a amante, bem mais jovem, para dentro da sua casa. “Nos Açores há muito essa cultura da mulher depen-dente do marido, da mulher submissa, da mulher humilhada, que depende do marido, tanto emocionalmente como financei-ramente, e acaba por ser maltratada”, comenta. “Queremos encaminhá-los a questionar-se: por que eu, idosa, mesmo com 80 anos, não posso reconhecer que errei e agora queria mudar as coisas”, diz Gisella.

Romper com o fatalismo evidente em expressões como “foi o destino” ou “foi porque Deus quis”, tão presentes nas con-versas dos idosos, é também o objectivo do trabalho do GTO LX realizado com os doentes mentais. Com o Grupo de Teatro Fórum “Às vezes a gente esquece-se”, são feitos exercício para estimulá-los a falar dos seus problemas. “Eles têm consciência, basta um fazer uma queixa e os outros já confirmam, sim é ver-dade. Na peça dos doentes mentais, quando um deles assume

“Quando fazemos as nossas intervenções, o nosso trabalho questiona o trabalho dos outros. Por isso, quanto mais autónomos formos, mais poderemos fazer o nosso trabalho.

Reginaldo Spínola e Gisella Mendoza Sofia Correia Magda Novais

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LIVROS

NET

Apresente obra, reedição modificada de uma publicação de 1988, resulta de uma pesquisa efectuada para uma tese de

doutoramento realizada em bairros periféricos de cidade de Ribeirão Preto, com adultos não-alfabetizados.

Ele representa um esforço, sem dúvida bastante datado, no sentido de desfazer a visão etnocêntrica tradicional que as Ciências Humanas apresentam sobre aquelas que não dominam a escrita.

A autora pretende demonstrar que, nas sociedades letradas modernas, outros conhecimentos competem com a instrução

formalizada, veiculada pela escolarização e com o conhecimento abstracto que advém do uso da escrita, em situações que substituem a língua oral.

Ao contrário da visão tradicional que afirma a superioridade da língua escrita sobre a oral, este livro defende que a aquisição da escrita produz um apagamento do sujeito que sente, substituindo-o pelo sujeito que escreve.

É sobre esta questão que a presente obra pretende falar: o que se perde quando uma simbolização de segunda ordem (a escrita) predomina sobre a de primeira ordem (a oralidade). AC

Adultos Não-Alfabetizados em uma Sociedade LetradaLeda Verdiani Tfouni, 2006Cortez Editora, 149 pp

Mais conhecida em língua inglesa como International Council for Adult Education

ou ICAE, é uma organização que visa apoiar e facilitar programas e actividades de Educação de Adultos por todo o mundo. Constitui uma parceria global de aprendentes e educadores, assim como das respectivas organizações e outras entidades que promovam aprendizagens para pessoas adultas como instrumento para uma participação informada dos cidadãos e para o desenvolvimento sustentável. O CIEA ou ICAE vê na educação-formação ao longo da vida uma componente indispensável para que os cidadãos possam dar contributos criativos às suas comunidades e vivam em sociedades independentes e democráticas.

Esta organização considera que não se pode falar de Educação de Adultos ou de Aprendizagem ao Longo da Vida sem ligar estes termos aos objectivos da justiça social, económica

e política, à igualdade de género, ao direito universal a aprender e a viver em harmonia com o ambiente, ao respeito pelos direitos humanos, ao reconhecimento da diversidade cultural, à paz e ao envolvimento de um número crescente de mulheres e homens nas decisões que afectam as suas vidas.

O Conselho foi criado em 1973 e a sua primeira sede foi em Toronto, Canadá. Entre 1979 e 1991, teve como Secretário-Geral Budd Hall (ver entrevista na Aprender ao Longo da Vida, nº 4, de Maio de 2005). O seu actual Presidente é Paul Bélanger (Canadá) e tem como Secretária-Geral, Celita Eccher (Uruguai).

O ICAE é administrado por um Comité Executivo de 9 membros, eleitos de 4 em 4 anos pela Assembleia-Geral. Está presente nos diferentes continentes através de organizações regionais.

O ICAE reúne todos os anos em diferentes pontos do globo e, mais espaçadamente, organiza uma Assembleia Mundial da Educação de

Adultos. A primeira foi em Dar es Salam, em 1976, seguindo-se Buenos Aires (1985), Bangkok (1990), Cairo (1995), Ocho Rios (2001) e Nairobi (2007).

O Conselho Internacional de Educação de Adultos patrocina três prémios anuais: o Prémio J. Roby Kidd, o Prémio Nita Barrow e o Prémio Nabila Breir.

Este sítio da internet contém informação e opiniões relevantes e actualizadas sobre a Educação de Adultos no mundo. Recentemente, o ICAE organizou um “debate virtual” sobre o tema “A Educação de Adultos num contexto de crise múltipla”, apresentado por Paul Bélanger, que contou com muitos contributos oriundos de diferentes países - Uruguai, Palestina, Brasil, Equador, Bolívia, Índia, Espanha, África do Sul, Reino Unido e Portugal – assim como de várias ONG.

O site também edita um boletim electrónico de informação geral, “Voices Rising”, acessível em [email protected]

AM

O CONSELHO INTERNACIONAL DE EDUCAçÃO DE ADULTOS – ICAEwww.icae2.org

AO LONGO DA VIDA 57

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58 APRENDER

REPORTAGEMNOTícIAS

O Programa de Educação Financeira Montepio foi pensado para crianças, jovens e adultos e pretende ajudar a prevenir o sobreendividamento, estimular a poupança e apoiar as famílias na organização

financeiraFoi para complementar a aposta centenária do Montepio na

promoção de comportamentos de poupança, na prevenção de eventualidades e no apoio à qualidade de vida dos cidadãos-consumidores, mas também para ajudar a responder às dificuldades resultantes da actual conjuntura de crise, que, o Montepio criou programas de Educação Financeira dirigidos a crianças, jovens e adultos e implementados em parceria com a ANJAF – Associação Nacional de Jovens para a Acção Familiar, com a Mathnasium – Ginásio de Matemática, a Associação Crescer a Cores, a Biblioteca Municipal de Faro, a Associação Ninho dos Pequenitos, o Museu da Criança e o grupo Auchan, que se associou ao programa disponibilizando as suas instalações para a dinamização das visitas de campo.

“Poupar e Investir” é o lema do programa dedicado aos adultos, a partir do qual estes terão oportunidade de promover a melhoria do seu bem-estar e da sua qualidade de vida financeira trabalhando competências que lhes permitam conhecer os riscos e as oportunidades existentes, tornarem-se aptos a fazer escolhas informadas e a saberem onde recorrer em caso de necessidade. Ensinar a criar e a cumprir um orçamento familiar, a saber poupar quando se organizam as férias e muitas outras dicas para reduzir custos, são algumas das missões e ideias abordadas neste projecto.A Dona Poupança

Já para as crianças, o lema é “Tostão a Tostão se Chega ao Milhão” e os objectivos são divulgar conceitos como: o que é o dinheiro, para que serve, de onde vem, como se deve gastar e como se deve poupar.

Ao longo da formação, as crianças contactarão, também, com conceitos como mutualismo e poupança, visitarão um supermercado para aprenderem a distinguir o essencial do supérfluo e um Balcão Montepio, onde conhecerão o funcionamento de uma instituição financeira e experimentarão a utilização de um Multibanco que lhes permitirá perceber melhor que “o dinheiro não sai da parede”.

No final da formação, as crianças vão poder brincar ao “Jogo da Gestão” e conhecer a personagem principal, uma formiga chamada D. Poupança, que explica que poupar é tão importante, que deve ser levado a sério!

Para saber mais sobre o Programa de Educação Financeira contacte o e-mail: [email protected]

Workshops Grundtvig

Os Workshops Grundtvig constituem outra nova acção no âmbito do programa sectorial Grundtvig, que tem por objectivo a criação de experiências intensivas de aprendizagem (entre

5 e 10 dias) numa área de interesse comum1, e destinam-se a aprendentes adultos provenientes de diferentes países.

Pretende-se possibilitar aos aprendentes adultos uma oportunidade de aprendizagem multinacional, relevante para o seu desenvolvimento pessoal e para as suas necessidades de aprendizagem, sendo os aprendentes convidados a partilhar activamente com outros as suas competências e perspectivas.

Pode organizar um Workshop qualquer instituição de educação para adultos que se proponha acolher entre 10 e 20 aprendentes adultos de diferentes países e que pretenda promover um momento de aprendizagem formal, não formal ou informal numa determinada área temática.

A instituição organizadora do Workshop receberá um financiamento para os custos inerentes à organização do mesmo, bem como os custos inerentes à participação dos aprendentes estrangeiros.

Por sua vez os aprendentes portugueses que desejem participar em Workshops que se realizem no estrangeiro podem consultar o Catálogo com os Workshops disponíveis no seguinte endereço de internet:

http://www.proalv.pt/np4/148.html Para mais informações sobre o Programa Sectorial

Grundtvig, consulte www.proalv.pt

1 De notar que não são consideradas elegíveis actividades de formação destinadas a educadores de adultos, actividades de formação profissional nem actividades de lazer ou turismo.

BOAS PRÁTICAS MONTEPIOPrograma de Educação FinanceiraEnsinar a Poupar e a Investir

58 APRENDER

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ReportagemA utopia da Serra de São Macário 3Entrevista Patrícia ÁvilaO estudo nacional de literacia foi um trabalho pioneiro 8Dossier Compreender e actuar no mundo com ajuda da matemática 18RepORtagem: projecto D.a.R. à Costa – tr@nsFormarteOnde 1+7 é igual a um conjunto uno 20aRtigO: alunos adultos e numeracia 23Debate:Os adultos e o ensino da matemáticatrazer a matemática para o quotidiano 28RepORtagem: Santa Casa da misericórdia de LisboaConstruir trajectórias de aprendizagem à medida 38Recursos 42Artigos Reconhecimento e Validação de Adquiridos – Complexidade e Especificidade dos Elementos em Análise 44Educação flexível e ao longo da vida na Suécia 49Reportagem Quando a opressão chega ao palco 52Livros e Net 57Notícias 58

A VIDA AO LONGO DAS APRENDIZAGENS

N o seu livro “introdução à educação permanente”, publicado em 1971 por iniciativa da Unesco, paul Lengrand defendia que uma estratégia de educação permanente (expressão abandonada em portugal nos úl-

timos anos, mas não noutros países, como é o caso da espanha) obedeceria ao seguinte imperativo: “fazer da educação um instrumento da vida, alimentado pela contribuição da vida”. Coisa aparentemente simples e óbvia, mas que en-tretanto se revelou de difícil realização, especialmente quando a educação per-manente, ou educação, e mais recentemente aprendizagem, ao Longo da Vida foi confundida com escolarização permanente ou com formalização da educação não-formal e informal. pelo contrário, afirmava o autor, a educação permanente “não é um simples prolongamento da educação tradicional”. Hoje, a questão coloca-se com renovada pertinência. De tão celebrada pela sua pre-tensa capacidade de adaptação funcional aos problemas da economia e da socie-dade, como se fosse um remédio eficaz, a aprendizagem ao Longo da Vida corre os riscos inerentes à subordinação ao paradigma escolar; até mesmo quando afirma ser uma alternativa e querer valorizar as experiências vividas pelos adultos e os seus adquiridos ao longo da vida. em muitos casos, contudo, adopta uma concepção instrumental de aprendizagem, hoje bem simbolizada por expressões centrais aos discursos políticos, como “qualificações para o crescimento económico”, “aprender para ganhar”, “padrões de utilidade”, ou “habilidades economicamente valorizáveis”. em tais casos, perde já a natureza crítica, ou “subversiva”, como lhe chamava ettore gelpi, abdicando dos propósitos de mudança social e de reinvenção democrática da sociedade, formando para a adaptação, a aquiescência e a docilidade, mesmo que seja para vencer os epicamente designados “desafios” da sociedade da informação e da economia do conhecimento. Regressa, paradoxalmente, aos seus primórdios enquanto escolarização de adultos (como no século XiX), ou integra, de novo, cam-panhas de natureza mais ou menos extensionista e endoutrinadora, ou ainda reno-vados programas de gestão de recursos humanos e de qualificação da mão-de-obra, mas não necessariamente com carácter educativo. No limite, prepara ou adapta para a vida, reforça a ordem estabelecida, mas não é um instrumento da vida orientado para a sua mudança substantiva em termos democráticos, ético-políticos, de justiça e de autonomia, por parte de cidadãos activos e conscientes.ao invés, a Vida - da educação matemática de adultos à educação comunitária, ao desenvolvimento local ou ao teatro enquanto projecto educativo, como fica uma vez mais claro neste número da “aprender ao Longo da Vida” - não se reduz a uma longa sucessão de aprendizagens úteis e eficazes, à margem do questiona-mento e do desejo de transformação, da incorporação em movimentos sociais e da participação em lutas democráticas contra a subordinação e a alienação, seja qual for o signo e a natureza destas.

Licínio C. Lima

3 APRENDER

ÍNDICE EDITORIAL

FIC HA TéCNIC A

editor: Associação “O Direito de Aprender” Director: Licínio Lima | Director adjunto: Rui Seguro Coordenador editorial: Luis LeiriaRedacção: Ana Silveira, Cristina Portella, Daniela Silveira e Guiomar Belo Marques.Fotografia: Miguel Baltazar (capa), Paulo Figueiredo | ilustrações: Luis Miguel CastroColaboraram neste número: Alberto Melo, Ana Maria Canelas, Carmen Cavaco, Jacquie Widin , Keiko Yasukawa, Klas Tallvid e Madalena Santos.Redacção: Rua do Chão da Feira, Nº11 - 2ºDto. 1100-143 Lisboaedição gráfica: Atelier Gráficos à Lapa, Rua S. Domingos à Lapa, Nº6. 1200-835 Lisboaimpressão: Prova Final Lda., Rua do 4 da infantaria, Nº27, Letra D. 1350-268 Lisboa

apReNDeR ao Longo da Vida publicação trimestral da associação”O Direito de apReNDeR” apartado 30005, 1350-999 Lisboa · telefone: 969 593 912www.direitodeaprender.com.pt e-mail: [email protected]

N.º reg. título: 124340 | NiF: 506687449 | iSSN 1645-9784 | Dep. Legal 211075/04 | tiragem: 5000 exemplaresas opiniões expressas nos textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos autores. a reprodução parcial ou total, carece de autorização prévia.

Os Projectos de Voluntariado Sénior são parcerias bilaterais entre duas instituições de educação de adultos provenientes de países diferentes que se propõem receber um financiamento

comunitário para enviar e acolher entre dois a seis voluntários, com uma idade mínima de 50 anos, durante um determinado período de tempo (3 a 8 semanas).

Trata-se de uma nova forma de mobilidade destinada aos cidadãos séniores europeus que, através da realização de intercâmbios entre instituições de origem e instituições de acolhimento, lhes permite aprender, partilhar conhecimentos e experiências, disponibilizar o seu know-how e activar uma relação de ensino-aprendizagem numa instituição localizada noutro país europeu.

Qualquer instituição que trabalhe em matéria de educação para adultos pode enviar e receber voluntários provenientes de outro país europeu para participarem activamente nas respectivas actividades de educação de adultos e para contribuírem com a sua experiência e o seu know-how para as actividades de aprendizagem que aí se desenvolvem.

Pretende-se que este intercâmbio de voluntários séniores e a respectiva partilha de experiências possam constituir

oportunidades de aprendizagem para os aprendentes adultos, para as instituições de envio e de acolhimento e para os próprios voluntários séniores.

Um projecto de voluntariado sénior possibilita igualmente o aprofundamento e o desenvolvimento das relações de cooperação entre duas instituições através do envio e do acolhimento de voluntários. Os voluntários trabalharão directamente com os aprendentes adultos, numa ou em várias áreas de interesse comum, e contribuirão assim para o processo ensino-aprendizagem nas instituições envolvidas.

Deste modo, pretende-se incrementar a aprendizagem informal mútua, o desenvolvimento de uma cooperação duradoura entre organizações com perfis semelhantes ou complementares e beneficiar as comunidades locais envolvidas através do contributo decorrente do intercâmbio de voluntários e da capitalização dos conhecimentos, competências e experiências dos cidadãos seniores.

As instituições portuguesas interessadas em participar num Projecto de Voluntariado Sénior poderão encontrar potenciais instituições parceiras no seguinte endereço de internet: http://www.seven-network.eu/site/?q=en/node/271

Projectos de Voluntariado Sénior Grundtvig

Parcerias 19 Fev 2010Projectos de aprendizagem partilhadaWorkshops Grundtvig 19 Fev 2010Experiências intensivas de aprendizagemProjectos de Voluntariado Sénior 31 Mar 2010Voluntariado sénior ao serviço da aprendizagemVisitas e Intercâmbios 6 semanas antes do início da mobilidadeConferências e visitas na área da educação de adultosCursos 15 Jan 2010 | 30 Abr 2010 | 15 Set 2010Oportunidades de formação na EuropaAssistentes / Períodos de Assistência 31 Mar 2010Trabalhar e aprender fora de portas

Porque o conhecimento não escolhe local nem idade, com o Programa GRUNDTVIG podes descobrir inúmeras actividades de cooperação europeia que promovem a melhoria dos conhecimentos e competências dos adultos.

Se tens vontade de levar o teu conhecimento mais além, vai a www.proalv.pt e descobre tudo sobre as acções GRUNDTVIG geridas pela Agência Nacional PROALV.

VAI MAIS ALÉM

ACÇÕES | Prazos de CandidaturaVAI MAIS ALÉM NO TEU CONHECIMENTO

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ENTREVISTA

PATRÍCIA ÁVILAO ESTUDO NACIONAL DE LITERACIA FOI UM TRABALHO PIONEIRO

REPORTAGEM

COVAS DO MONTEA UTOPIA DA SERRADE SÃO MACÁRIO

REPORTAGEM

GRUPO DE TEATRODO OPRIMIDOQUANDO A OPRESSÃOCHEGA AO PALCO

AprenderAo longo dA vidAa 4,00 (IVA incluído)

Nº11 | DEZEMBRO 2009 | TRIMESTRAL I S S N 16 4 5 - 97 8 4

COMPREENDERO MUNDO

COM AJUDA DA MATEMÁTICA