213

A ALEMANHA DE HITLER.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • Uma imperdvel leitura aos amantes da histria que queiram se aprofundar na histria do nazismo. O

    livro proporciona uma viso do perodo de domnio nazista e os acontecimentos que levaram a isso, assim

    como traz a interpretao que permite encontrar algum sentido nesse extraordinrio episdio da histria

    alem.

    Roderick Stackelberg professor de Humanidades na Universidade Gonzaga, em Spokane, estado de

    Washington nos Estados Unidos. H mais de vinte anos o professor Stackelberg ministra um curso intitulado

    "Alemanha de Hitler" nesta Universidade, e nunca encontrou qualquer deficincia de material para um curso

    que aborda esse tema, pelo contrrio, para ele a tarefa mais difcil era escolher entre os muitos livros

    eminentes que esto disponveis.

    Mesmo assim Roderick Stackelberg se sentia frustrado pela falta de um texto breve e abrangente, que

    cobrisse no apenas o perodo de 1918 a 1945, mas tambm os antecedentes, no sculo XIX e a vida depois

    de 1945, considerados por ele essenciais.

    A sua obra preenche esta lacuna ao apresentar uma breve e acurada reconstituio da experincia

    nacional-socialista de 1933 a 1945, ao mesmo tempo em que situa esse perodo num contexto histrico mais

    amplo, que se estende do sculo XIX at quase o presente.

    O livro oferece uma narrativa coerente das causas, desenvolvimento e conseqncias do nazismo,

    identificando seus antecedentes no sculo XIX e registra a histria do impacto do nazismo e seu lugar na

    memria pblica at o final do sculo XX.

    O professor Stackelberg acredita que a obra ser til por se encontrar em um nico volume no

    apenas o relato dos anos da ascenso nazista ao poder no perodo da Repblica de Weimar e do Terceiro

    Reich, mas tambm uma anlise do contexto mais amplo em que a histria do nazismo se desenrolou.

  • A Alemanha de Hitler

    Origens, Interpretaes, Legados

    RODERICK STACKELBERG

    Traduo A. B. Pinheiro de Lemos

    IMAGO

  • Ttulo Original: Hitlefs Gemany

    Copyright 1999 by Roderick Stackelberg

    Todos os direitos reservados.

    Traduo da lngua inglesa da edio publicada por Routledge, um membro do Taylor & Francs Group

    Capa.

    Judith Adler Levacov

    CIP-Brasil. Catalogaco-na-fonte

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    S773a Stackelberg, Roderick

    A Alemanha de Hitler: origens, interpretaes, legados / Roderick Stackelberg; traduo de A. B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2002.

    412 pp.

    Traduo de: Hitlefs Germany ISBN 85-312-0749-5

    1. Alemanha Histria 1933-1945. Nazismo Filosofia.

    3. Hitler, Adolf, 1889-1945. 4. Holocausto judeu (1939-1945). 5. Poltica cultural*Alemanha 1933-1945. l. Ttulo.

    01-0234. CDD -943. 6

    CDU 943"1933/1945"

    2002

    IMAGO EDITORA

    Tel.: (21) 2242-0627 Fax: (21) 2224-8359

    Rua da Quitanda, 5218 andar Centro

    20011-030 Rio de Janeiro RJ

    E-mail: [email protected]

    www.imagoeditora.com.br

    Impresso no Brasil Printed in Brazil

  • Para meus alunos na Universidade Gonzaga

    no passado, presente e futuro.

  • Sumrio

    Prefcio ........................................................................................................................................................ 14

    Introduo: Os problemas de escrever sobre o Nacional-socialismo .......................................................... 15

    Histria interpretao ............................................................................................................................ 15

    Histria poltica do passado .................................................................................................................. 15

    Controvrsias sobre o nacional-socialismo .............................................................................................. 16

    O nazismo como um movimento de direita ............................................................................................. 17

    Revolucionrio ou contra-revolucionrio? .............................................................................................. 19

    O Sonderweg alemo ............................................................................................................................... 19

    O debate da modernizao ....................................................................................................................... 20

    A historizao do nacional-socialismo .................................................................................................... 22

    1. Fascismo e a tradio conservadora ...................................................................................................... 23

    Ideologia fascista, eleitorado e condies para seu crescimento ............................................................. 23

    Antecedentes histricos ........................................................................................................................... 23

    Conservantismo monrquico ....................................................................................................................... 23

    Liberalismo .............................................................................................................................................. 24

    Socialismo ................................................................................................................................................ 24

    O espectro poltico esquerda-direita ........................................................................................................ 25

    Fascismo como movimento da extrema direita ....................................................................................... 26

    A relao do fascismo com o conservantismo tradicional ....................................................................... 27

    A relao do fascismo com o comunismo ............................................................................................... 27

    O eleitorado fascista ................................................................................................................................. 28

    Nacionalismo ........................................................................................................................................... 28

    Condies prvias para a ascenso do fascismo ...................................................................................... 29

    2. O problema da unidade alem - Absolutismo e particularismo ............................................................ 31

    O Sonderweg alemo ............................................................................................................................... 31

    Particularismo e seus efeitos .................................................................................................................... 32

    Absolutismo e seus efeitos ....................................................................................................................... 33

    A Confederao Alem ............................................................................................................................ 34

    A fracassada revoluo de 1848 .............................................................................................................. 34

    A unificao da Alemanha sob a Prssia ................................................................................................. 35

    Nacionalismo triunfa sobre liberalismo ................................................................................................... 36

    O Imprio Alemo ................................................................................................................................... 36

    3. O Imprio Alemo ................................................................................................................................ 37

    A represso da democracia, imperialismo social e a estrada para a guerra ............................................. 37

    A Poltica externa de Bismarck................................................................................................................ 37

    A poltica interna de Bismarck ................................................................................................................ 38

  • Represso do Partido Democrtico Social ............................................................................................... 38

    Industrializao alem ............................................................................................................................. 39

    Guilherme II e o "Novo Curso" ............................................................................................................... 40

    Weltpolitik ............................................................................................................................................... 40

    Imperialismo Social ................................................................................................................................. 41

    Nacionalismo radical ............................................................................................................................... 41

    As origens da Primeira Guerra Mundial .................................................................................................. 42

    4. Ideologia alem - Nacionalismo, idealismo vulgarizado e antissemitismo .......................................... 43

    A funo da ideologia .............................................................................................................................. 43

    Ideologia alem ........................................................................................................................................ 44

    O impacto da Revoluo Francesa ........................................................................................................... 45

    A idia alem de liberdade ....................................................................................................................... 45

    Idealismo alemo ..................................................................................................................................... 46

    Antissemitismo ........................................................................................................................................ 47

    Antissemitismo poltico ........................................................................................................................... 48

    Antissemitismo racial............................................................................................................................... 49

    Ideologia vlkisch .................................................................................................................................... 50

    As "Idias de 1914" ................................................................................................................................. 52

    5. A Primeira Guerra Mundial: A crise da Alemanha imperial ................................................................ 52

    Legado da guerra...................................................................................................................................... 52

    A guerra como fora unificadora ............................................................................................................. 53

    O Plano Schlieffen ................................................................................................................................... 53

    Impasse na frente ocidental ...................................................................................................................... 54

    Objetivos alemes na guerra .................................................................................................................... 54

    Guerra de submarinos irrestrita ................................................................................................................ 55

    A volta da oposio na Alemanha ........................................................................................................... 56

    O Tratado de Brest-Litovsk ..................................................................................................................... 56

    A derrota alem ........................................................................................................................................ 57

    Revoluo ................................................................................................................................................ 57

    6. A Repblica de Weimar e a fraqueza da democracia liberal ................................................................ 58

    Periodizao ............................................................................................................................................. 58

    O ataque democracia liberal .................................................................................................................. 59

    O Acordo Ebert-Groener.......................................................................................................................... 59

    A falta da reforma social fundamental ..................................................................................................... 60

    A diviso na esquerda .............................................................................................................................. 61

    O Freikorps .............................................................................................................................................. 61

    A Constituio de Weimar ....................................................................................................................... 62

    O Tratado de Versalhes ............................................................................................................................ 63

    O mito da punhalada nas costas ............................................................................................................... 64

  • O putsch de Kapp ..................................................................................................................................... 64

    Terrorismo de direita................................................................................................................................ 65

    A ocupao francesa do Ruhr, em 1923 .................................................................................................. 66

    A grande inflao ..................................................................................................................................... 66

    O "Putsch da Cervejaria" de Hitler .......................................................................................................... 67

    Estabilidade temporariamente restaurada ................................................................................................ 68

    O Pacto de Locarno .................................................................................................................................. 69

    A mudana para a direita ......................................................................................................................... 69

    A "Revoluo Conservadora" .................................................................................................................. 70

    7. O colapso da Repblica de Weimar - A Grande Depresso ................................................................. 71

    Causas da Grande Depresso ................................................................................................................... 72

    O governo Brning e a eleio para o Reichstag em 1930 ...................................................................... 73

    O programa do Partido Nazista ................................................................................................................ 74

    O papel do antissemitismo ....................................................................................................................... 76

    A Frente Harzburg, 1931 ......................................................................................................................... 78

    8. A Consolidao Nazista No Poder ........................................................................................................ 79

    Hitler e os industriais ............................................................................................................................... 79

    As eleies presidenciais de 1932 ............................................................................................................ 79

    O golpe de Papen na Prssia .................................................................................................................... 80

    As eleies para o Reichstag em julho e novembro de 1932 ................................................................... 81

    O interldio de Schleicher ....................................................................................................................... 82

    A designao de Hitler para chanceler ..................................................................................................... 83

    Renascimento nacional ............................................................................................................................ 85

    Novas eleies ......................................................................................................................................... 85

    Represso da esquerda ............................................................................................................................. 85

    O incndio do Reichstag .......................................................................................................................... 86

    A Lei de Exceo ..................................................................................................................................... 86

    O "Dia de Potsdam" ................................................................................................................................. 87

    Gleichschaltung........................................................................................................................................ 88

    Coordenao dos governos estaduais....................................................................................................... 88

    Expurgo do servio pblico ..................................................................................................................... 89

    Os sindicatos ............................................................................................................................................ 90

    Os partidos polticos ................................................................................................................................ 90

    O sistema judicirio ................................................................................................................................. 92

    A profisso mdica .................................................................................................................................. 92

    Cultura e ideologia ................................................................................................................................... 93

    O "Putsch de Rhm " ............................................................................................................................... 93

    A SS ......................................................................................................................................................... 96

    A morte de Hindenburg ........................................................................................................................... 97

  • 9. Sociedade, cultura e o estado no Terceiro Reich, 1933-39 ................................................................... 97

    Polticas econmicas do Terceiro Reich .................................................................................................. 98

    O Plano de Quatro Anos .......................................................................................................................... 99

    A integrao do trabalho ........................................................................................................................ 100

    Polticas nazistas de bem-estar social .................................................................................................... 102

    Modernizao econmica ...................................................................................................................... 102

    Agricultura ............................................................................................................................................. 103

    O papel das mulheres ............................................................................................................................. 104

    Polticas raciais e eugnicas ................................................................................................................... 105

    Eutansia ................................................................................................................................................ 106

    Educao ................................................................................................................................................ 107

    Arte, arquitetura e literatura ................................................................................................................... 107

    Cincia ................................................................................................................................................... 109

    As Igrejas ............................................................................................................................................... 110

    O estado policrtico ............................................................................................................................... 112

    Estratgias e presses de integrao ...................................................................................................... 113

    Coao e consenso ................................................................................................................................. 114

    O mito do Fhrer .................................................................................................................................... 115

    10. Perseguio dos Judeus, 1933-39 .................................................................................................... 115

    Medidas antijudaicas depois que os nazistas alcanaram o poder ......................................................... 116

    As Leis de Nuremberg ........................................................................................................................... 116

    Escalada das medidas antijudaicas ......................................................................................................... 118

    A "arianizao" das empresas judaicas .................................................................................................. 118

    O pogrom da Reichskristallnacht ........................................................................................................... 119

    Emigrao judaica .................................................................................................................................. 121

    Papel das SS ........................................................................................................................................... 123

    11. As origens da Segunda Guerra Mundial ......................................................................................... 123

    A poltica de apaziguamento .................................................................................................................. 123

    A Frente Popular .................................................................................................................................... 124

    O fim das reparaes .............................................................................................................................. 125

    A conferncia de desarmamento de Genebra ......................................................................................... 125

    Alemanha deixa a Liga das Naes ....................................................................................................... 126

    A Unio Sovitica e a segurana coletiva .............................................................................................. 127

    Austro-fascismo ..................................................................................................................................... 127

    Retorno ao Sarre .................................................................................................................................... 128

    Remilitarizao ...................................................................................................................................... 128

    O Acordo Naval Anglo-Alemo ............................................................................................................ 129

    A invaso da Etipia .............................................................................................................................. 129

    Remilitarizao da Rennia ................................................................................................................... 129

  • A Guerra Civil na Espanha .................................................................................................................... 130

    Os Jogos Olmpicos ............................................................................................................................... 131

    O Memorando Hossbach........................................................................................................................ 132

    As quedas de Blomberg e Fritsch .......................................................................................................... 133

    O Anschluss da ustria .......................................................................................................................... 133

    A crise da Tchecoslovquia ................................................................................................................... 134

    O Acordo de Munique ........................................................................................................................... 135

    A destruio da Tchecoslovquia .......................................................................................................... 136

    A questo polonesa ................................................................................................................................ 137

    Os britnicos garantem a Polnia .......................................................................................................... 137

    O Tratado de No-Agresso Nazi-Sovitico .......................................................................................... 138

    O ataque alemo contra a Polnia .......................................................................................................... 139

    12. A Segunda Guerra Mundial - Da guerra europia guerra global, 1939-41 .................................. 141

    A campanha polonesa ............................................................................................................................ 141

    A "Guerra Falsa" .................................................................................................................................... 141

    A "Guerra do Inverno" ........................................................................................................................... 142

    A campanha escandinava ....................................................................................................................... 142

    A queda da Frana ................................................................................................................................. 143

    A Batalha da Inglaterra .......................................................................................................................... 144

    As opes militares de Hitler ................................................................................................................. 144

    A invaso italiana na Grcia .................................................................................................................. 145

    Negociaes com a Unio Sovitica ...................................................................................................... 145

    Por que Hitler atacou a Unio Sovitica? .............................................................................................. 146

    A campanha nos Blcs ......................................................................................................................... 148

    A invaso da Unio Sovitica ................................................................................................................ 149

    Polticas nazistas de ocupao ............................................................................................................... 150

    O papel americano na guerra ................................................................................................................. 151

    A declarao de guerra alem contra os Estados Unidos ...................................................................... 151

    13. A Segunda Guerra Mundial - Do triunfo derrota, 1942-45 .......................................................... 153

    A Batalha de Moscou ............................................................................................................................. 153

    Conquistas alems em 1942 ................................................................................................................... 153

    El Alamein e a invaso Aliada na frica do Norte ................................................................................ 154

    A Batalha de Stalingrado ....................................................................................................................... 154

    Derrota naval alem ............................................................................................................................... 155

    A guerra area ........................................................................................................................................ 155

    A economia alem durante a guerra ....................................................................................................... 156

    A Batalha de Kursk ................................................................................................................................ 156

    A queda de Mussolini ............................................................................................................................ 157

    O Dia D .................................................................................................................................................. 157

  • O programa alemo de foguetes ............................................................................................................ 158

    A resistncia militar alem ..................................................................................................................... 158

    Outra resistncia a Hitler ....................................................................................................................... 160

    Resistncia na Europa ocupada .............................................................................................................. 161

    A Batalha do Bulge ................................................................................................................................ 162

    A derrota da Alemanha .......................................................................................................................... 162

    Perdas ..................................................................................................................................................... 163

    14. O Holocausto ................................................................................................................................... 164

    Interpretaes intencionalistas e funcionalistas ..................................................................................... 164

    Guerra e genocdio ................................................................................................................................. 165

    Guetizao.............................................................................................................................................. 166

    Planos de repovoamento ........................................................................................................................ 167

    A gnese da "soluo final" ................................................................................................................... 168

    Os Einsatzgruppen ................................................................................................................................. 169

    Os campos de extermnio ....................................................................................................................... 170

    A Conferncia de Wannsee .................................................................................................................... 170

    "Operao Reinhardt" ............................................................................................................................ 171

    Auschwitz .............................................................................................................................................. 172

    O quanto o povo alemo sabia? ............................................................................................................. 174

    Os Aliados e o Holocausto ..................................................................................................................... 175

    O papel da Igreja .................................................................................................................................... 175

    15. Continuidades e novos comeos - As conseqncias do nacional-socialismo ................................ 176

    Os Julgamentos de Nuremberg .............................................................................................................. 177

    Desnazificao ....................................................................................................................................... 179

    A Guerra Fria na Alemanha ................................................................................................................... 181

    Represso do passado ............................................................................................................................ 183

    Rejeio do antissemitismo.................................................................................................................... 184

    Auslnderfeindlichkeit - Hostilidade a estrangeiros .............................................................................. 184

    Partidos radicais de direita na Repblica Federal .................................................................................. 185

    Neonazismo............................................................................................................................................ 185

    16. O debate dos historiadores - O lugar do Reich na histria e memria alems ................................ 187

    Antifascismo na Repblica Democrtica Alem ................................................................................... 187

    Pagamento de indenizaes na Repblica Federal ................................................................................ 187

    Historiografia na Repblica Federal ...................................................................................................... 188

    A era do ps-guerra ................................................................................................................................ 188

    A dcada de 1960 ................................................................................................................................... 189

    O renascimento neoconservador ............................................................................................................ 191

    Bitburg ................................................................................................................................................... 192

    A Historkerstreit ................................................................................................................................... 192

  • Historiografia conservadora na Alemanha reunificada .......................................................................... 193

    A nova direita da Alemanha .................................................................................................................. 194

    O debate continua .................................................................................................................................. 195

    Notas .......................................................................................................................................................... 196

    Bibliografia selecionada............................................................................................................................. 197

    ndice.......................................................................................................................................................... 202

    Fotografias anexadas pelo Revisor: ........................................................................................................... 211

  • Prefcio

    Este livro tem dois propsitos: primeiro, proporcionar uma narrativa acurada e relativamente

    completa do perodo de domnio nazista e dos acontecimentos que levaram a isso; e, de igual importncia,

    apresentar uma estrutura de interpretao que permita encontrar algum sentido nesse extraordinrio episdio

    na histria alem e europia. A literatura de estudo do nacional-socialismo alcanou imensas propores

    desde a queda do Terceiro Reich, h meio sculo. Meu objetivo sempre foi o de fazer com que algumas

    descobertas e as melhores percepes se tornassem acessveis para os leitores, sem distorcer as

    complexidades da causa histrica, nem excluir a contingncia, a indeterminao e a indefinio de eventos

    como os que foram experimentados pelos contemporneos que viveram ao longo desses tempos trgicos e

    turbulentos.

    Cada obra de sntese histrica essencialmente um projeto coletivo, que se baseia e desenvolvido a

    partir do trabalho e inspirao dos colegas e antecessores. Tenho mltiplas dvidas intelectuais com muitos

    colegas historiadores (e estudiosos em outros setores) para relacionar a todos. Gostaria, no entanto, de

    expressar minha gratido especial a Ann Le Bar, professora de histria na Eastern Washington University e

    a minha esposa, Sally A. Winkle, professora de alemo e diretora de Estudos Femininos na mesma

    universidade. As duas leram o original e fizeram sugestes e correes da maior importncia. Tambm

    quero agradecer a dois leitores da editora Routledge, Shelley Baranowski, da Akron University, e David F.

    Crew, da University of Texas; seus muitos comentrios e crticas proveitosos propiciaram um texto bastante

    melhor. Quaisquer deficincias que o livro ainda possa ter so de minha responsabilidade exclusiva.

    Os heris jamais enaltecidos do empreendimento acadmico so os assistentes administrativos, sem

    os quais nenhuma universidade poderia funcionar. Sou profundamente grato pelo apoio e jovial ajuda que

    venho recebendo, ao longo dos anos, de Nancy Masingale, Sandy Hank, Fawn Gass, Diana Lartz, Janet

    Cannon, Paulette Fowler e Gloria Strong. Tambm quero agradecer a meus alunos na Gonzaga University,

    cujo interesse, apreo e curiosidade intelectual criaram o incentivo para escrever este livro. A contribuio

    deles para a concluso bem-sucedida deste trabalho maior do que podem imaginar. aos meus estudantes

    no passado, presente e futuro que dedico este livro, com gratido.

    Roderick Stackelberg

    Spokane, Washington

    Novembro de 1998

  • Introduo: Os problemas de escrever sobre o Nacional-socialismo

    Qualquer novo livro sobre o nacional-socialismo, sobretudo se presume ilustrar uma histria

    abrangente, deve oferecer alguma justificativa para acrescentar outro volume s centenas de milhares de

    obras publicadas sobre esse perodo da histria, estudado de uma forma profundamente meticulosa. H mais

    de vinte anos que ensino um curso intitulado "A Alemanha de Hitler". Apesar de no haver deficincia de

    material para um curso assim (ao contrrio, a tarefa mais difcil escolher entre a infinidade de obras

    eminentes que esto disponveis), eu realmente me sentia frustrado pela falta de um texto breve, embora

    inclusivo, que cobrisse no apenas o perodo de 1918 a 1945, mas tambm os acontecimentos no sculo XIX

    e a vida depois de 1945, que considero essenciais para a plena compreenso da experincia nazista1.

    O objetivo deste livro apresentar uma breve, mas acurada reconstituio da experincia nacional-

    socialista entre 1933 e 1945, ao mesmo tempo em que situa esse perodo num contexto histrico mais

    amplo, que se estende do sculo XIX at quase o presente. Visa oferecer uma narrativa coerente das causas,

    curso e conseqncias do nazismo, identificando seus antecedentes no sculo XIX e levando a histria do

    impacto do nazismo e seu lugar na memria pblica at o final do sculo XX. Creio que til ter em um

    nico livro no apenas o relato dos anos da ascenso nazista ao poder (o perodo da Repblica de Weimar) e

    do Terceiro Reich, mas tambm uma anlise do contexto mais amplo em que a histria do nazismo se

    desenrolou.

    Histria interpretao

    Nenhum historiador, no entanto, pode justificar seu trabalho com base apenas no relato dos "fatos

    essenciais". Escrever histria obriga ao de interpret-la. Nem mesmo a viso mais positivista e

    meticulosamente objetiva da histria pode evitar a interpretao, no mnimo para uma seleo dos fatos

    considerados dignos de serem apresentados Neste livro, apresento a interpretao que creio ser a mais

    apropriada para nos ajudar a compreender esse extraordinrio fenmeno histrico.

    Em particular, espero que meu livro contribua para uma indagao fundamental em qualquer histria

    da Alemanha Nazista: como pde uma cultura nacional altamente criativa produzir um barbarismo e

    destruio sem precedentes? As primeiras histrias do Terceiro Reich tendiam a tratar o nazismo como uma

    misteriosa patologia, a encarnao de uma fora maligna que, em ltima anlise, s podia ser explicada em

    termos metafsicos, como se o demnio efetuasse uma interveno direta nos assuntos humanos. Em vista

    dos horrores sem precedentes do Holocausto e da irracionalidade das obsesses raciais nazistas, sem

    dvida compreensvel a tendncia para pensar no nazismo como carente de qualquer explicao racional. As

    condenaes morais predominavam nos relatos iniciais sobre o Terceiro Reich, como se o nazismo fosse

    exclusivamente um problema moral, o triunfo do mal sobre o bem. Por mais justificada que a condenao

    moral possa ser, considerar o nazismo apenas em termos morais ou metafsicos no proporciona uma

    explicao coerente para seu sucesso extraordinrio e popularidade excepcional.

    Histria poltica do passado

    A interpretao oferecida neste livro baseia-se na pressuposio de que a poltica proporciona a

    chave para a compreenso do nacional-socialismo. Em sua definio mais sucinta, a histria a poltica do

    passado! Sou propenso a acreditar, como Hegel, que a dialtica do desenvolvimento histrico lana foras

    umas contra as outras, cada uma se percebendo e definindo como a boa e a certa. Esse ceticismo sobre a

    utilidade analtica das categorias morais no visa absolutamente relativizar o mal do nazismo; pretende

    apenas atrair a ateno para o fato incontestvel de que entre 1933 e 1945 muitas pessoas bem-intencionadas

    na Alemanha (e em outros lugares) acharam que o nazismo era um movimento adequado e construtivo. O

    historiador deve explicar por que isso aconteceu. At a caracterstica mais abominvel do nacional-

    1 O termo "nazi", ou nazista, formado pelas duas primeiras slabas de nacional socialista, conforme a pronncia em alemo. Foi

    usado inicialmente de um modo meio depreciativo por oponentes do nacional socialismo. Neste livro, uso os termos nazista e

    nacional-socialista no mesmo sentido.

  • socialismo, o virulento antissemitismo, que acabou levando ao Holocausto, tinha uma terrvel lgica prpria,

    que o historiador precisa explicar.

    Toda interpretao est fadada a gerar alguma controvrsia, na medida em que apresenta uma

    perspectiva particular, que talvez nem todos partilhem. Essa perspectiva determinada pelos valores do

    historiador, em particular os valores polticos, que so em geral, mas nem sempre, os valores da sociedade

    ou do subgrupo em que vive ou com que se identifica. Se a divergncia abrange fatos bsicos, pode em geral

    ser resolvida prontamente com mais freqncia, no entanto, as divergncias entre historiadores envolvem o

    significado e a importncia desses fatos. Os mesmos fatos podem ser avaliados de maneiras muito diferentes

    por historiadores diferentes. E por isso que ainda surgem muitas questes histricas sobre as quais os

    crticos srios discordam, embora os fatos bsicos sejam conhecidos e aceitos por todos. Os historiadores em

    confronto esto genuinamente empenhados na avaliao objetiva dos fatos, o que ainda mais incontestvel

    em questes de responsabilidade histrica, especialmente porque os eventos em questo, o nacional-

    socialismo e o Holocausto, merecem uma condenao universal.2

    Controvrsias sobre o nacional-socialismo

    Apesar ou talvez por causa da condenao quase universal de Hitler e suas cortes como modelos do

    mal absoluto, as interpretaes do nacional-socialismo continuam a gerar uma vigorosa controvrsia. H

    exemplos todos os dias, nas colunas de cartas dos leitores em jornais, de esforos para desacreditar grupos

    ou movimentos ligados de alguma forma ao nazismo (ou ao Holocausto). Na dcada de 1960, estudantes

    radicais chamavam autoridades universitrias de "nazistas" ou "fascistas", porque recorriam polcia para

    reprimir suas manifestaes e o direito de livre expresso; as autoridades universitrias, por sua vez,

    chamavam os estudantes radicais de "nazistas" ou "fascistas" por rejeitarem o dilogo civilizado e adotarem

    tticas de confrontao. "nazismo ou fascismo" tornaram-se armas convenientes a serem usadas contra

    atitudes ou mtodos polticos que se deseja desacreditar.

    Quando os comunistas ligaram o fascismo3 ao capitalismo, acreditavam sinceramente que haviam

    determinado a fonte do problema. E assim procuravam, de forma deliberada, desacreditar o sistema

    capitalista. Por outro lado, o consenso ideolgico ocidental no auge da Guerra Fria, na dcada de 1950,

    virtualmente comparava a Unio Sovitica Alemanha Nazista, em termos de totalitarismo. Era uma

    tentativa deliberada de desacreditar o sistema sovitico, baseada na convico sincera de que a oposio

    sovitica e nazista democracia liberal ocidental era a caracterstica definidora de suas respectivas

    ideologias. O fato de que comunistas e fascistas tinham objetivos basicamente diferentes parecia quase

    irrelevante da perspectiva dos liberais, que prezavam a liberdade individual acima de tudo mais. Os motivos

    polticos por trs das interpretaes do nazismo so ainda mais claros no caso dos nacionalistas alemes que,

    depois da guerra, procuraram salvaguardar seu prprio conservadorismo ao efetuarem a improvvel ligao

    dos nazistas com o regime da democracia popular, que mais odiavam.

    Este livro, porm, no se dedica s controvrsias que envolvem a natureza do nacional-socialismo.

    verdade que muitas das discusses mais profundas so abordadas aqui, mas esse no o foco principal. O

    propsito maior, como j ressaltei, estabelecer um levantamento dos fatos e uma estrutura de avaliao. H

    trs controvrsias importantes, no entanto, que preciso destacar agora, a fim de esclarecer minha

    interpretao.

    A primeira delas, talvez a mais fundamental, envolve a localizao do nazismo no espectro poltico.

    Em minha interpretao, enunciada no Captulo l, o nazismo sem qualquer dvida um movimento da

    2 Um enfoque sensacionalista, moralizador e fantico prejudica grande parte da literatura popular inicial sobre o nazismo. Uma

    exceo o bestseller William L. Shirer, The Rise and Fali ofthe Third Reich: A History o/Nazi Germany, Nova Iorque: Simon

    and Schuster, 1960. 3 De acordo com a prtica convencional, eu uso o termo fascismo em caixa baixa quando me refiro ao conceito genrico, no qual esto includas

    vrias formas nacionais de fascismo, inclusive o nacional-socialismo (ou nazismo). Uso Fascismo com maiscula quando me refiro

    expressamente ao movimento italiano. O mesmo princpio aplica-se ao comunismo, que ponho em maiscula quando me refiro a um partido

    especfico.

  • direita, a extremidade conservadora do espectro. A meu ver, o nazismo uma variante radical do fascismo, o

    movimento pela regenerao nacional que surgiu em muitos pases para compensar a ameaa percebida do

    comunismo e da democracia liberal nas dcadas de 1920 e 1930. Embora uns raros historiadores situem o

    nazismo indubitavelmente na esquerda, a extremidade progressista da esquerda, muitos consideram o

    fascismo como uma mistura de esquerda e direita ou um movimento que "nem de esquerda nem de

    direita".4

    Muitos desses historiadores incluem o nazismo sob a rubrica de "totalitarismo", para indicar que se

    encontra mais prximo do comunismo do que de outras formas menos radicais de fascismo.

    Uma segunda controvrsia destacada envolve a questo do Sonderweg alemo, ou seja, o

    excepcional modo alemo. O nazismo, em ltima anlise, deve ser atribudo s "peculiaridades da histria

    alem",5 de sua cultura ou suas causas podem ser encontradas, primariamente ou na totalidade, no conjunto

    peculiar de eventos na Europa depois da Primeira Guerra Mundial? Em minha opinio, relatada nos

    Captulos 2 a 4, "o curso da histria alem" essencial para compreender as origens do nazismo e sua

    ascenso ao poder.

    Uma terceira controvrsia importante, estreitamente ligada s duas primeiras, a determinao de se

    o nazismo deve ser compreendido como uma reao contra as foras da modernidade (industrializao,

    democratizao, racionalizao, urbanizao, secularizao,6 ou como uma manifestao e radicalizao

    dessas mesmas foras. Guiava-me por trs ou pela frente ou era uma mistura ambgua das duas coisas?

    Tratarei de cada uma dessas controvrsias no momento apropriado, deixando bem clara minha posio.

    O nazismo como um movimento de direita

    A narrativa fundamental em que se baseia a histria da Alemanha Nazista o conflito entre as foras

    includas nos cabealhos de "esquerda poltica" e "direita poltica". Alguns leitores vo discordar do

    ressuscitamento de uma distino entre esquerda e direita, que muitos ps-modernistas preferem relegar

    lata de lixo da histria. Numa era em que duas das mais radicais ideologias do sculo XX, o fascismo e o

    comunismo dissolveram-se na ignomnia, a distino pode no parecer mais til. Estamos todos agora no

    centro, parece ser o argumento, e quaisquer que sejam as diferenas por ns admitidas, no podem ser

    compreendidas de uma forma proveitosa em termos de "esquerda" e "direita" com toda certeza, alguns

    crticos da distino esquerda e direita esto ativamente comprometidos com as polticas da direita. Para

    eles, a desvalorizao da distino entre esquerda e direita um meio de neutralizar o desafio reformador da

    esquerda.

    Os tempos no final do sculo XX no parecem propcios para essa iniciativa conservadora. A

    desiluso ps-moderna com o progresso moderno, para no mencionar o golpe desferido contra a esquerda

    pelo aparente eclipse do marxismo, ajudou a embaar a imagem da esquerda "progressista". Mas esses

    termos, "esquerda" e "direita", conservam sua utilidade, no apenas como instrumentos descritivos e

    analticos para os historiadores, mas tambm na poltica cotidiana. A preocupao com a preservao do

    meio ambiente, por exemplo, pode ser partilhada hoje por esquerda e direita, mas ainda h diferenas

    cruciais entre as solues da esquerda e direita, para esse e outros problemas.

    4 Esse o ttulo de um livro de Zeev Sternhell, Neither Right nor Left: Fascist Ideology in France, trad. para o ingls por David

    Maisel, Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1986. 5 Esse o ttulo de um livro dos principais crticos da tese do Sonderweg, David Blackbourn e Geoff Eley, The Peculiarities of

    Geman History: Bourgeois Society and Politics In Nineteenth-Centtiry Germany, Oxford: Oxford University Press, 1984. 6 A secularizao de uma sociedade pode ser entendida, em um sentido literal, como um processo pelo qual a religio deixa de ser

    o aspecto cultural agregador, transferindo para uma das outras atividades desta mesma sociedade este fator coercitivo e

    identificador. Ela faz com que tal objeto de anlise j no esteja mais determinado diretamente pela religio.

  • Qual a natureza dessas diferenas?7 A diferena essencial entre esquerda e direita est na atitude

    em relao igualdade humana como um ideal social. Quanto mais uma pessoa julga que a igualdade

    absoluta entre todas as pessoas uma condio desejvel, mais para a esquerda estar situada no espectro

    ideolgico. Quanto mais uma pessoa considera que a desigualdade inevitvel ou at desejvel, mais para a

    direita estar situada. Nos pontos mais extremados desse espectro esto as pessoas ou movimentos capazes

    de qualquer coisa para alcanarem seu ideal utpico: na esquerda, a utopia igualitria, em que os fracos e os

    fortes partilham igualmente os benefcios de sua sociedade; na direita, o desigualitarismo e antiutopia, em

    que os fortes recebem os benefcios que lhes so devidos em virtude de sua superioridade natural, enquanto

    os fracos, por mais insidiosamente que sejam definidos, so dispensveis, privados e excludos.

    Embora os movimentos de esquerda, historicamente, tenham defendido a emancipao do governo

    opressivo como meio para alcanar maior igualdade, enquanto os movimentos de direita pregam as formas

    hierrquicas tradicionais de autoridade, a distino entre esquerda e direita no equivalente distino

    entre liberdade e autoridade. De fato, a extrema esquerda favorece os meios autoritrios como o caminho

    ideal para se criar uma sociedade igualitria. Os regimes comunistas do sculo XX tm demonstrado que

    objetivos igualitrios e meios autoritrios no se excluem mutuamente. Por outro lado, alguns movimentos

    libertrios, propondo uma liberdade individual total, pertencem direita do espectro, porque seu supremo

    objetivo a sociedade em que a desigualdade encarada como inevitvel e aceita de forma calorosa.

    Parte da confuso esquerda ou direita hoje decorrente do fato de que os "conservadores"

    americanos se opem ao "governo grande" (e os "liberais" de nossos dias so defendidos como defensores

    do governo grande). A defesa da liberdade individual pelos conservadores parece situ-los junto aos

    defensores da emancipao na esquerda, mas os objetivos so diferentes; e, em ltima anlise, so os

    objetivos que se tornam decisivos para a localizao no contnuo esquerda-direita. O objetivo dos

    conservadores nas sociedades liberais de hoje restringir o poder do governo para promover uma igualdade

    maior, atravs dos programas de assistncia social e outros meios. Ao procurarem limitar os poderes sociais

    (no os militares) do governo e defender o laissez-faire, os atuais conservadores americanos so na verdade

    liberais antiquados, mais prximos dos liberais do sculo XIX do que dos conservadores desse mesmo

    perodo na Europa continental, que defendiam o estado monrquico forte. a essa ltima tradio

    conservadora que o nazismo e o fascismo so relacionados no Captulo 1.

    Nas sociedades liberais, como os Estados Unidos ou a Europa Ocidental, hoje em dia, a maioria das

    pessoas, inclusive muitas que se intitulam conservadoras, situam-se em algum ponto prximo do centro do

    espectro poltico. So a favor da liberdade pessoal e da igualdade social. Infelizmente, em algum momento,

    claro, esses dois valores devem conflitar. Aqueles que optam pela igualdade se descobrem mais para a

    esquerda do que aqueles que optam pela liberdade custa da igualdade. As distines entre esquerda e

    direita, como no podia deixar de ser, so de modelos do tipo ideal, teis para a anlise. No correspondem

    necessariamente, em todos os detalhes, a uma realidade contraditria, em que as pessoas podem defender

    uma posio de esquerda em uma questo e ter uma opinio de direita em outro problema.

    Obviamente, a distino esquerdo-direita tambm muito diferente da distino entre moderado e

    extremista. H moderados e extremistas nos dois lados da divisria. Os extremistas so sempre autoritrios,

    intolerantes e coletivistas, em geral propensos a fraude e violncia. Essas caractersticas no so monoplios

    da esquerda ou da direita, mas sim marcas registradas dos dois extremos. Os extremistas no podem permitir

    o desvio de ou a oposio ao seu ideal desejado quer seja igualitrio ou desigualitrio que a liberdade

    individual acarretaria. E desejam impor seu ideal a todos os outros. Se no procurassem fazer isso, no

    seriam considerados extremistas.

    O sculo XX tem sido um sculo de extremos. O comunismo na esquerda e o fascismo na direita

    partilham muitas caractersticas. Na teoria do totalitarismo, que readquiriu uma vida nova na dcada de

    7 Para uma anlise recente e correta da igualdade como o critrio determinante para a distino esquerda-direita, ver Norberto

    Bobbio, Left and Right: The Signiftcance of a Political Distinction, trad. para o ingls por Allan Cameron, Chicago: Uniyersityj

    Chicago Press, 1996.

  • 1990, so tratados como essencialmente iguais. Os ideais procurados, no entanto, so fundamentalmente

    opostos. Os comunistas, em ltima anlise, queriam criar uma utopia igualitria que abrangesse o mundo

    inteiro; os fascistas procuravam uma utopia baseada na igualdade natural e desejvel entre pessoas, naes e

    raas. Os comunistas tendiam a atrair as pessoas que tinham alguma coisa a ganhar de uma igualdade maior

    (da seu apelo para os trabalhadores carentes de bens), enquanto que o fascismo tendia a atrair mais as

    pessoas que tinham alguma coisa a perder com a implementao rigorosa do princpio igualitrio (da seu

    apelo desproporcional para as classes mdias, inclusive trabalhadores donos de propriedades). Em suas

    polticas sociais, o comunismo vitimava os ricos, os bem-sucedidos e as classes mais altas, de uma forma

    desproporcional; o fascismo vitimava os pobres, os "desajustados" e os que eram considerados raas

    "inferiores", de uma forma desproporcional. Os defensores de cada sistema encaravam os adeptos do outro

    sistema como seus piores inimigos, lutando contra eles com unhas e dentes.

    Revolucionrio ou contra-revolucionrio?

    Alguns leitores vo questionar o uso do termo "contra-revolucionrios" (em vez de simplesmente

    "revolucionrios) para descrever os movimentos fascistas, inclusive o nazismo. A ligao com a tradio

    conservadora europia continental (diferente do conservantismo em sociedades liberais, como Estados

    Unidos e Inglaterra) , em minha opinio, crucial para uma compreenso do fascismo e da fora do fascismo

    na Alemanha. Mas isso no significa que o fascismo, em particular sua variante alem (nazista), no tivesse

    algumas caractersticas nitidamente anticonservadoras. Como deixo claro no Captulo l, essas caractersticas

    podem ser mais bem compreendidas como uma radicalizao de mtodos, muitos dos quais adotados

    deliberadamente das prticas do inimigo comunista (violncia, propaganda, terror, tcnicas de mobilizao

    de massa, etc.). Os fascistas tomavam emprestadas tcnicas da esquerda para melhor combater a esquerda. A

    distino esquerdo-direita, no entanto, definida por objetivos fundamentais, que no caso da esquerda

    promover a igualdade, e pelo lado da direita impedi-la, em parte pela negao da existncia ou importncia

    da desigualdade dentro do grupo racial ou nacional, ao mesmo tempo em que as questes da igualdade so

    subordinadas ao objetivo mais importante da regenerao nacional.

    Classificar o nazismo a variante mais radical do fascismo como um movimento revolucionrio faz

    sentido em termos de seus mtodos, violentos e radicais, mas ofusca o fato de que os nacionais socialistas

    usavam esses mtodos para prevenir o socialismo (a eliminao da propriedade particular nos meios de

    produo), em vez de promov-lo (apesar do proposital uso enganador de "socialista" no nome do partido).

    o motivo pelo qual prefiro o termo "contra-revolucionrio", porque alude ao objetivo fascista bsico de

    evitar uma transformao total das relaes de propriedade, ao mesmo tempo em que reconhece a natureza

    extremista do projeto fascista e a extenso da transformao que ocorreu sob os regimes de direita.

    O Sonderweg alemo

    No Captulo l, trato de questes que os estudiosos vm discutindo h dcadas: o que o fascismo;

    ser o nazismo uma forma de modelo fascista, e como o fascismo (nazismo) relaciona-se com os outros

    grandes movimentos polticos dos ltimos dois sculos? Duas outras questes tambm tm gerado muito

    debate histrico: por que uma forma particularmente radical de fascismo subiu ao poder na Alemanha, e

    como possvel que isso tenha ocorrido num pas com uma cultura to alta, com uma tecnologia avanada e

    uma longa e orgulhosa tradio histrica? Analiso essas questes nos Captulos 2 a 5, que tratam dos

    antecedentes histricos da unificao alem em 1871, os imprios bismarckiano e guilhermino, a ideologia

    alem, e a Primeira Guerra Mundial.

    Assim, voltando ao sculo XIX em busca de explicaes para a ascenso e triunfo do nazismo,

    apio-me na chamada tese de Sonderweg8, a noo de que o desenvolvimento antidemocrtico da Alemanha

    foi bem diferente dos modelos do resto da Europa Ocidental, e que essa diferena ajuda a explicar muitos

    eventos posteriores, inclusive a Primeira Guerra Mundial e a suscetibilidade alem direita radical. Seus

    crticos negam que o desenvolvimento alemo tenha sido muito diverso do modelo britnico ou que essas

    8 Sonderweg - caminho especial.

  • diferenas possam explicar o triunfo do fascismo. As crticas ao Sonderweg alemo vm tanto da direita

    quanto da esquerda. Na direita, os conservadores alemes esperam, ao negarem qualquer "desvio" no

    desenvolvimento histrico, recuperar o passado pr-nazista da Alemanha, promovendo dessa forma o

    orgulho nacional, to abalado pela dbcle nazista. Na esquerda, os historiadores britnicos, em particular,

    rejeitam uma interpretao que, ao procurar as razes do nazismo apenas nas instituies "atrasadas" e na

    ideologia do desvio na Alemanha, subestima o potencial para o fascismo em sociedades capitalistas liberais.9

    Os Captulos 2 a 5 procuram explicar por que o conflito entre esquerda e direita foi to intenso na

    Alemanha, e por que a direita demonstrou ser to forte. No uma tentativa de escrever uma histria ampla

    da Alemanha no sculo XIX, dos imprios de Bismarck ou de Guilherme ou da Primeira Guerra Mundial.

    De forma bastante consciente, focalizam os aspectos da histria alem que podem proporcionar indicaes

    para a eventual ascenso e triunfo do nazismo. Isso no significa que eu acredito que a ascenso e o triunfo

    do nazismo eram inevitveis ou o resultado obrigatrio do desenvolvimento histrico alemo. A histria

    contingente e no tem conseqncias determinadas. H sempre muitos resultados possveis, em qualquer

    momento determinado. Historiadores do sculo XIX protestaram, com toda razo, pelo tratamento da

    Alemanha no sculo XIX como um mero estgio preliminar para a ascenso do nazismo. Escrever a histria

    do sculo XIX apenas sob a perspectiva do triunfo posterior do nazismo no pode fazer justia

    contingncia e complexidade dos eventos ocorridos. Mesmo assim, continuo a acreditar que o

    desenvolvimento histrico da Alemanha oferece percepes que podem ajudar a entender e explicar a

    experincia nazista. O reconhecimento de continuidades essencial para compreender a histria alem.

    O passado do sculo XIX, claro, no pode oferecer qualquer coisa mais do que uma explicao

    parcial para o triunfo do nazismo na dcada de 1930. Muito mais importantes foram os acontecimentos nos

    anos entre as guerras, descritos nos Captulos 6 e 7. Sob esse aspecto, estou de pleno acordo com os crticos

    do Sonderweg, que apontam a Revoluo Bolchevique na Rssia, a derrota na Guerra de 1914-18, os

    conflitos polticos da Repblica de Weimar e a crise do capitalismo na Grande Depresso como muito mais

    significativos para o triunfo do nazismo do que o precrio desenvolvimento poltico da Alemanha. De

    qualquer forma, o desenvolvimento anterior da Alemanha no com certeza irrelevante para os eventos

    catastrficos do sculo XX por isso que dedico tanto espao neste livro "pr-histria" do nazismo.

    O debate da modernizao

    Uma das questes mais discutidas na historiografia do nacional-socialismo se o regime nazista foi

    um movimento antimoderno ou um movimento de modernizao. Esse debate se sobrepe em parte

    controvrsia do Sonderweg, em que a modernidade alem no sculo XIX, em relao Europa Ocidental,

    foi uma questo das mais discutidas.

    Mas at mesmo os proponentes do "desenvolvimento aberrante" da Alemanha nunca negaram que a

    economia alem era bastante eficiente, dinmica e avanada. Foi o fracasso da liberalizao poltica alem

    em acompanhar o ritmo da liberalizao econmica que os defensores do Sonderweg consideraram a

    diferena fundamental no desenvolvimento da Alemanha em comparao com Inglaterra, Frana ou Estados

    Unidos.

    Os proponentes do Sonderweg, que consideravam o fracasso alemo em adotar caractersticas

    cruciais da modernidade, por exemplo, o liberalismo poltico e a democracia como a falha decisiva no

    desenvolvimento nacional, tendiam a encarar o nazismo como a culminao lgica dessa rejeio

    progressista. H muitas evidncias de antimodernidade na ideologia nazista de "sangue e solo", que

    idealizava um estilo de vida agrrio com homogeneidade racial. Isso era ameaado pela urbanizao,

    mobilidade social, industrializao, ascenso de um movimento trabalhista organizado e explorao

    comercial insidiosamente atribuda influncia judaica. J no sculo XIX os polticos e publicistas da direita

    radical conseguem seu maior apoio de grupos como os mestres artesos, enfrentando o declnio econmico

    9 Para uma anlise recente do Sonderweg, ver Reinhard Khnl, "The German Sondenveg Reconsidered: Continuities and

    Discontinuities in Modern German History", em Reinhard Alter e Peter Monteath, eds., Rewriting the German Past: History and

    Identity in the New Germany, Atlantic Highlands, New Jersey: Humanities Press, 1997, pp. 115-28.

  • por causa do crescimento das grandes empresas. Os nazistas tambm atraram muito os angustiados da

    "velha" Mittelstand10

    , a classe em situao econmica difcil dos pequenos proprietrios (camponeses,

    artistas, modestos comerciantes), que procuravam proteo contra a concorrncia das grandes empresas,

    idealizando um passado em que formavam o principal grupo produtor.

    Essa viso do nazismo como uma reao modernidade passou, no entanto, a sofrer uma

    contestao, cada vez maior, de historiadores que apontam as bvias caractersticas modernas de um regime

    que desenvolveu, nos estgios iniciais da Segunda Guerra Mundial, a mais formidvel fora militar do

    mundo. Ningum pode duvidar da qualidade moderna e eficiente dos armamentos do Terceiro Reich,

    inclusive sua tecnologia espacial pioneira. Mesmo assim, a rejeio nazista da "fsica judaica" pode ter

    contribudo para o fracasso do desenvolvimento de armas nucleares (ver Captulo 9). Os nazistas tambm

    procuraram aproveitar a mais avanada tecnologia de mdia, para propagar seus objetivos ideolgicos,

    essencialmente arcaicos. Jeffrey Herf criou a noo de modernismo reacionrio para designar essa

    combinao peculiar de caractersticas modernas e antimodernas no nacional-socialismo.

    O debate da modernizao, como tantas outras controvrsias histricas, tambm tem implicaes

    polticas. Durante a Guerra Fria, adeptos do modelo totalitarista descreveram o fascismo como uma

    "ditadura desenvolvimentista", a fim de tornar mais plausvel a comparao com o comunismo. Um ataque

    mais formidvel noo do nazismo como antimoderno foi desfechado nas dcadas de 1980 e 1990, sob a

    influncia da desiluso ps-moderna com a exaltao da racionalidade humana pelo Iluminismo do sculo

    XVIII. As promessas exageradas de progresso formuladas pelo Iluminismo provaram ser vazias, luz das

    terrveis catstrofes do sculo XX. Segundo os crticos ps-modernos, os efeitos homogeneizadores do

    racionalismo iluminista, com sua alegao de verdade universal e marginalizao inevitvel do "outro" no-

    conformista, contriburam para a destrutividade do nazismo e o advento do Holocausto. Por essa

    perspectiva, proposta de forma mais persuasiva pelo historiador alemo Detlev Pukert, o nazismo no foi

    antimoderno tanto quanto foi a personificao das "patologias e distores da modernidade" e o resultado da

    "crise da modernidade clssica".

    Essa interpretao reala os aspectos tecnocrticos "modernos" do regime nazista e liga

    sugestivamente o Holocausto e outras atrocidades nazistas a esquemas eugnicos "cientficos". Contudo,

    subestima demais as caractersticas nitidamente antimodernas da Repblica de Weimar e da Alemanha

    Nazista. Isso talvez seja demonstrado de forma mais expressiva pela difuso do antissemitismo, que est

    ligado, em termos histricos, oposio aos efeitos sociais da modernizao. Embora seja importante

    compreender a "lgica" do racismo e antissemitismo nazista, um exagero considervel defini-los como

    expresses patolgicas do racionalismo iluminista e do moderno pensamento cientfico. No resta a menor

    dvida de que o uso da razo a servio do poder tem sido um legado odioso e no intencional do

    Iluminismo; muito mais fundamental, no entanto, so os valores progressistas da liberdade e igualdade a que

    o Iluminismo deu origem. na oposio a esses valores "modernos" e progressistas, sem minha opinio,

    que se devem procurar as razes do nacional-socialismo.

    Ao apontar as caractersticas modernas do programa nazista, Peukert no tencionava absolutamente

    oferecer razes atenuantes para os crimes nazistas. Se ele tinha algum motivo adicional, era o de advertir

    contra a complacncia de presumir que as sociedades industriais modernas so imunes aos barbarismos,

    convenientemente atribuveis a resqucios atvicos do passado (o que aconteceu com o nazismo, de forma

    equivocada, na opinio de Peukert). As possibilidades de desculpas relacionadas com o debate da

    modernizao, no entanto, no passaram despercebidas dos revisionistas conservadores alemes, que nas

    dcadas de 1980 e 1990 deliberadamente realaram as caractersticas modernas do domnio nazista para

    mostrar o regime pelo seu melhor lado.

    Os deplorveis esforos para promover polticas conservadoras, "normalizando" a histria do

    nazismo e "relativizando" os crimes nazistas, levaram chamada Historikerstreit, um furioso debate entre

    historiadores alemes, que o assunto do Captulo 16.

    10

    Mittelstand refere-se a pequenas e mdias empresas em pases de lngua alem, especialmente na Alemanha , ustria e Sua .

  • A historizao do nacional-socialismo

    Os revisionistas neoconservadores procuraram aproveitar uma necessidade geralmente percebida

    pelo que veio a ser chamado, de forma um tanto canhestra, de "historizao" do nacional-socialismo. O

    chamado para a "historizao" foi lanado pela primeira vez num artigo, citado com freqncia, do

    historiador alemo Martin Broszat, em 1985. Broszat deplorava o fato de que os historiadores muitas vezes

    deixavam de examinar o passado nazista com a mesma objetividade emprica e sobriedade com que

    investigavam outros perodos histricos. A repulsa moral levava-os a encarar a experincia nazista como

    uma histria parte, o que impedia seus esforos de compreender os processos histricos a longo prazo em

    ao no Terceiro Reich.

    Numerosos estudos regionais e locais, alm de monografias especializadas, revelaram as

    complexidades e contradies do regime nacional socialista. Mas as anlises amplas do perodo continuaram

    a sofrer uma tendncia para demonizar o regime nazista de uma maneira que obscurecia a posio do

    perodo na histria alem, e pouco contribua para a explicao histrica. Longe de procurar reabilitar o

    regime nazista ou atenuar a condenao moral de Hitler e suas coortes, Broszat esperava neutralizar o perigo

    de que as denncias superficiais e estereotipadas se tornassem clichs vazios, sem fora moral ou contedo

    histrico. Ele achava que apenas a reconstituio histrica autntica poderia aumentar nossa sensibilidade

    para as implicaes e lies morais da era nazista.

    Esse projeto tornou-se ainda mais urgente, ainda mais impregnado de armadilhas em potencial, na

    esteira do movimento na Alemanha, comeando com o chamado Historikerstreit de 1986-87, visando

    "normalizar" a experincia nazista e livr-la do estigma de criminalidade extraordinria. Esse revisionismo

    est bastante vinculado ao historiador Ernst Nolte11

    , cujo propsito confesso reinterpretar o nacional-

    socialismo sob uma luz mais positiva. Se a estratgia tradicional dos conservadores alemes no ps-guerra

    foi a de minimizar o nacional-socialismo como um acidente histrico, uma aberrao deplorvel, mas atpica

    e marginal na continuidade da histria alem, a viso de Nolte representava um desvio novo e ousado do

    constrangimento conservador anterior. Para Nolte, o nacional-socialismo era uma reao justificada, embora

    excessivamente radical, ameaa maior do comunismo sovitico. O colapso do comunismo significava, para

    Nolte, que pelo menos a "essncia racional" do nacional-socialismo fora justificada pela histria. O

    nacional-socialismo era a nica alternativa racional ao comunismo, alegou ele, um movimento que precedia

    o fascismo e o superava em sua inteno destrutiva. E em parte para neutralizar tal tipo de revisionismo

    analisado em mais detalhes no Captulo 16 que este trabalho foi escrito. Procura combinar interpretao e

    anlise do nazismo com uma narrativa razoavelmente completa dos eventos mais importantes do Terceiro

    Reich e da Segunda Guerra Mundial. A maior parte do livro, os Captulos 8 a 14, trata dos anos de 1933 a

    1945. Os dois ltimos captulos discorrem sobre as conseqncias do nazismo e o que os alemes chamam

    de Vergangenheitsbewltigung, a tentativa de expiar ou absorver o passado nazista.

    O principal propsito deste livro por o Terceiro Reich no contexto da histria alem, numa

    estrutura de interpretao que faa com que os extraordinrios acontecimentos desse perodo se tornem

    compreensveis para os no-especialistas, mas sem comprometer os padres rigorosos do estudo histrico.

    Espero que ajude a proporcionar sentido a um passado em que a direita radical alem enlouqueceu. Espero

    tambm que ajuda a prevenir novos episdios de predomnio da direita radical, em circunstncias diferentes

    e em lugares diferentes, com todas as conseqncias destrutivas que isso acarretaria.

    11

    Dr. Ernst Nolte, professor emrito de Histria na renomada Universidade Livre de Berlim. Melhor conhecido por seu aclamado

    estudo do fenmeno do fascismo - publicado em ingls como As Trs Faces do Fascismo - Nolte o autor de numerosos livros e

    artigos acadmicos. Sem ser estranho controvrsia, foi o professor Nolte que provocou o debate intelectual furioso durante o

    final dos anos 1980 sobre o legado de Hitler e do Nacional Socialismo Alemo, conhecido como a "controvrsia dos

    historiadores", ou Historikerstreit.

  • 1. Fascismo e a tradio conservadora

    Ideologia fascista, eleitorado e condies para seu crescimento

    O nacional-socialismo pode ser mais bem compreendido como uma forma radical e tipicamente

    alem de fascismo, um movimento e uma ideologia que conquistaram milhes de adeptos em muitos pases

    europeus na era das duas guerras mundiais do sculo XX. O termo "fascismo foi usado pela primeira vez no

    incio de 19 3 9 pelo ex-socialista Benito Mussolini, que deixara o Partido Socialista italiano em protesto

    contra sua poltica antiguerra, na Primeira Guerra Mundial. O nome derivava do "fasces", o feixe de varas e

    um machado que simbolizava a unidade e poder do imprio Romano. Mussolini transformou seu Partido

    Fascista Nacional numa organizao nacionalista militante, que atacava a "fraqueza" da democracia liberal.

    Seu alvo principal, no entanto, era o movimento socialista internacional, revigorado e radicalizado pela

    revoluo bolchevique na Rssia, ao final de 917. Movimentos similares ao Fascismo italiano surgiram por

    toda a Europa nos anos subseqentes, em particular na Alemanha, Espanha, Portugal, Romnia, Hungria e

    Crocia, mas tambm na Polnia, em outros pases da Europa Ocidental, e at nos Estados Unidos, onde as

    idias fascistas, porm, nunca se tornaram predominantes. Como eram inevitveis, os movimentos fascistas

    diferiam uns dos outros, porque cada um se dedicava ao renascimento de sua cultura nacional especfica.

    Assim, os fascistas italianos evocavam a glria da antiga Roma, enquanto os nazistas alemes enalteciam o

    esplendor do imprio Hohenstaufen medieval, alm do passado mtico das tribos nrdicas que primeiro se

    instalaram no norte da Europa. Mas todos os movimentos fascistas partilhavam determinados mtodos,

    convices e valores polticos, assim como inimigos comuns.

    Antecedentes histricos

    Embora o fascismo fosse um movimento do sculo XX, que se desenvolveu nas circunstncias

    especficas da Europa depois da Primeira Guerra Mundial, suas razes podem ser encontradas no sculo

    XIX. Para compreender o fascismo, importante examinar sua genealogia e antecedentes histricos. Podem

    ser traados at a grande Revoluo Francesa, que comeou em 1789. Dessa extraordinria convulso

    surgiram as trs principais ideologias polticas, que consideravam a Revoluo de maneiras diferentes, e

    competiram pelo poder e domnio em pases europeus nos sculos XIX e XX. Essas ideologias, apesar de

    no serem absolutamente monolticas ou inalterveis, podem ser designadas como conservadoras (ou

    monarquistas), liberais e socialistas. A fora de cada ideologia diferia bastante de um pas para outro, assim

    como sua unidade interna. Em alguns pases, as divergncias sobre prioridades polticas especficas levaram

    formao de mais de um partido poltico dentro de cada setor ideolgico. Embora esses movimentos

    ideolgicos e seus programas polticos mudassem ao longo do tempo (o que explica o fato de os termos

    "conservador", "liberal" e "socialista" causarem tanta confuso hoje em dia), cada um aderia a certos

    objetivos e valores fundamentais, que o punham em conflito com as outras duas ideologias.

    Conservantismo monrquico

    O termo "conservador" agora usado amide num sentido geral, para descrever um estilo poltico

    cauteloso. O "conservantismo" como a designao para um amplia movimento ideolgico, na Europa

    continental do sculo XIX, no entanto, significa mais do que apenas uma atitude cautelosa em relao

    mudana poltica; representa uma doutrina poltica substantiva e um conjunto de valores que poucos

    conservadores atuais partilham. Os conservadores europeus do sculoXIX consideravam a Revoluo

    Francesa com averso e desdm. Na Frana, os conservadores procuravam reverter as mudanas acarretadas

    pela Revoluo e restaurar o ancien regime (o sistema monrquico pr-revolucionrio). Em outros pases, os

    conservadores procuravam preservar a ordem antiga contra a investida das idias revolucionrias. Os

    conservadores eram favorveis a uma forte monarquia hereditria, privilgios aristocrticos (direitos

    especiais para grupos de elite) e uma Igreja consolidada (isto , apoiada pelo estado). Acreditavam numa

    ordem natural de desgnio divino de autoridade e subordinao. Desejavam um estado forte que moldasse o

    carter e usasse a censura e a vigilncia para defender padres morais e religiosos intemporais. Ao contrrio

    dos conservadores americanos e britnicos de hoje, que defendem uma economia de mercado livre, os

    conservadores europeus continentais do sculo XIX preferiam uma economia organizada e regulamentada

  • para aumentar o poder estatal. Prezavam a unidade, autoridade, ordem, hierarquia, dever e disciplina, para o

    que um monarca poderoso proporcionava as melhores garantias. O principal apoio para o conservantismo

    monrquico vinha dos aristocratas e das elites sem ttulos, que se Beneficiavam ou esperavam se beneficiar

    de seus papis num sistema monrquico. Mas o conservantismo tambm contava com o apoio de populaes rurais, desconfiadas de mudanas em prticas tradicionais ou de desafios aos costumes

    estabelecidos.

    Liberalismo

    Os liberais, por outro lado, apoiavam o clamor dos revolucionrios franceses pela liberdade

    individual e a imposio de limitaes ao poder arbitrrio do estado monrquico. Em termos histricos, o

    liberalismo definido por trs grandes compromissos: o compromisso com as liberdades civis ou direitos

    humanos, inclusive a liberdade de expresso, liberdade da imprensa e liberdade de culto; compromisso com

    uma forma de governo constitucional & representativa (o que acarretava uma separao de poderes e um

    legislativo eleito); e compromisso com a propriedade particular e a livre atividade econmica. A Inglaterra

    desenvolveu um sistema liberal depois da derrota do absolutismo Stuart no final do sculo XVII. Os Estados

    Unidos jamais conheceram qualquer outro sistema (um dos motivos pelos quais muitos americanos tem

    dificuldade para compreender o conservantismo monrquico europeu e o sistema de privilgio aristocrtico).

    Na Frana, as instituies liberais s surgiram depois da Revoluo. Na Alemanha, o movimento liberal foi

    muito mais fraco. com isso, o conservantismo monrquico era mais forte do que no resto da Europa

    Ocidental, por motivos que sero examinados com mais detalhes no Captulo 2.

    At mesmo na Frana, a luta dos liberais contra a monarquia absoluta no foi definitivamente

    acertada na grande Revoluo, j que os conservadores tentaram salvar e restaurar tanto do sistema

    absolutista quanto parecia vivel nas diferentes condies ps-revolucionrias. A restaurao conservadora

    depois da derrubada de Napoleo, em 1815, prolongou a luta pelo sculo XIX, levando s renovadas

    erupes revolucionrias em 1830 e 1848. O liberalismo definia-se originalmente por sua oposio ao

    arrogante estado monrquico, que levara John Locke a enunciar seu famoso princpio liberal: "O melhor

    governo aquele que governa menos". Para os primeiros liberais, a funo exclusiva do estado era a

    proteo da vida, liberdade e propriedade (ou, nas palavras de Thomas Jefferson, "a busca da felicidade").

    Os liberais defendiam os direitos individuais, um estado secular (no-religioso), igualdade de oportunidades

    para todos os cidados e igualdade perante a lei. Procuravam substituir o sistema absolutista de privilgios

    baseado no nascimento por um sistema de oportunidade baseado no talento ou mrito. Acreditavam na

    possibilidade do progresso mais do que isso, em sua inevitabilidade tanto social quanto tecnolgico, atravs

    do uso da razo humana. O liberalismo extraa seu principal apoio da classe mdia em ascenso, formada

    pelos pequenos negociantes e profissionais especializados (abourgeoisie), em suma, pessoas de nascimento

    "comum", mas muitas vezes com uma grande riqueza e propriedades considerveis, que se irritavam com a

    falta de liberdade e representao poltica nas monarquias absolutistas.

    Socialismo

    Em meados e para o final do sculo XIX, medida que o progresso da industrializao levava ao

    rpido crescimento de uma nova classe trabalhadora industrial, muitos autoconsiderados liberais passaram a

    ver o socialismo e a extenso dos direitos democrticos s classes trabalhadoras como urna ameaa maior a

    seus interesses do que o absolutismo monrquico enfraquecido. O movimento socialista foi a terceira grande

    ideologia do sculo XIX. Suas origens modernas podem ser localizadas na fase radical da Revoluo

    Francesa. Para os socialistas, a igualdade, ainda mais do que a liberdade, tornou-se o ideal revolucionrio

    predominante. Foi em parte como uma reao s presses socialistas que muitos pases, inclusive os Estados

    Unidos, acabaram promovendo mudanas que transformaram liberdade de livre mercado no sistema liberal

    moderno, s vezes conhecido como "estado do bem-estar social" (um dos motivos pelos quais o termo

    "liberal" est hoje associado, nos Estados Unidos, ao apoio ao estado de bem-estar social, enquanto os

    partidrios dos princpios de livre mercado do sculo XIX so em geral