28
CAPíTULO 1 A álgebra e topologia dos números complexos Um número complexo z pode ser considerado um par (ordenado) de números reais x, y que escrevemos na forma: (1.0.1) z = x + iy. Na representação acima, i denota a unidade imaginária, que verifica todas as usuais regras de manipulação algébrica, e a seguinte relação adicional: (1.0.2) i 2 = -1. O conjunto dos números complexos será designado por C. A relação (1.0.2) é a propriedade fundamental que permite multiplicar números complexos, o que nos leva a considerar a aritmética em C. Para além da aritmética, neste capítulo estudaremos também a topologia canónica em C, e algumas propriedades geométricas elementares relacionadas com as operações entre números complexos. 1.1. Aritmética dos números complexos A correspondência entre um número complexo z e o par de números reais (x, y) R 2 na equação (1.0.1) permite pensar no conjunto C como o plano euclideano, mais precisamente como o espaço vectorial real R 2 (de dimensão 2 sobre o corpo R). Em R 2 temos as operações de soma de dois vectores e a multiplicação de um vector (em R 2 ) por um escalar (de R). Por outro lado, em C, usando a relação fundamental (1.0.2) podemos multiplicar dois números complexos. Nesta secção estudamos as propriedades aritméticas dos números complexos. Temos as seguintes definições, notações e propriedades básicas da aritmética em C: A unidade imaginária é i, e verifica i 2 = -1. Um número complexo é z = x + iy C, onde x, y R. A parte real de z = x + iy é denotada por Rz := x. A parte imaginária de z = x + iy é denotada por Iz := y. Sendo z 1 = x 1 + iy 1 e z 2 = x 2 + iy 2 dois números complexos, a sua soma e produto são definidos por: z 1 + z 2 := (x 1 + iy 1 )+(x 2 + iy 2 )=(x 1 + x 2 )+ i (y 1 + y 2 ) , z 1 · z 2 := (x 1 + iy 1 )+(x 2 + iy 2 )=(x 1 x 2 - y 1 y 2 )+ i (x 1 y 2 + x 2 y 1 ) . O zero, também designado por origem, é o número complexo 0=0+ i0. A unidade é o número complexo 1=1+ i0. O inverso de um número complexo z = x + iy =0 é dado por: 1 z = 1 x + iy = x - iy (x + iy)(x - iy) = x - iy x 2 + y 2 7

A álgebra e topologia dos números complexosanalisecomplexa.wdfiles.com/local--files/programa/ITFC-Cap1-3.pdf · 8 1. A ÁLGEBRA E TOPOLOGIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS Há uma inclusão

  • Upload
    hakhanh

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

CAPíTULO 1

A álgebra e topologia dos números complexos

Um número complexo z pode ser considerado um par (ordenado) de números reais x, yque escrevemos na forma:

(1.0.1) z = x + iy.

Na representação acima, i denota a unidade imaginária, que verifica todas as usuais regrasde manipulação algébrica, e a seguinte relação adicional:

(1.0.2) i2 = !1.

O conjunto dos números complexos será designado por C. A relação (1.0.2) é a propriedadefundamental que permite multiplicar números complexos, o que nos leva a considerar aaritmética em C.

Para além da aritmética, neste capítulo estudaremos também a topologia canónica emC, e algumas propriedades geométricas elementares relacionadas com as operações entrenúmeros complexos.

1.1. Aritmética dos números complexos

A correspondência entre um número complexo z e o par de números reais (x, y) " R2 naequação (1.0.1) permite pensar no conjunto C como o plano euclideano, mais precisamentecomo o espaço vectorial real R2 (de dimensão 2 sobre o corpo R).

Em R2 temos as operações de soma de dois vectores e a multiplicação de um vector (emR2) por um escalar (de R). Por outro lado, em C, usando a relação fundamental (1.0.2)podemos multiplicar dois números complexos. Nesta secção estudamos as propriedadesaritméticas dos números complexos.

Temos as seguintes definições, notações e propriedades básicas da aritmética em C:

• A unidade imaginária é i, e verifica i2 = !1.• Um número complexo é z = x + iy " C, onde x, y " R.• A parte real de z = x + iy é denotada por Rz := x.• A parte imaginária de z = x + iy é denotada por Iz := y.• Sendo z1 = x1+iy1 e z2 = x2+iy2 dois números complexos, a sua soma e produto

são definidos por:

z1 + z2 := (x1 + iy1) + (x2 + iy2) = (x1 + x2) + i (y1 + y2) ,

z1 · z2 := (x1 + iy1) + (x2 + iy2) = (x1x2 ! y1y2) + i (x1y2 + x2y1) .

• O zero, também designado por origem, é o número complexo 0 = 0 + i0.• A unidade é o número complexo 1 = 1 + i0.• O inverso de um número complexo z = x + iy #= 0 é dado por:

1

z=

1

x + iy=

x ! iy

(x + iy) (x ! iy)=

x ! iy

x2 + y2

7

8 1. A ÁLGEBRA E TOPOLOGIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS

Há uma inclusão natural dos números reais nos complexos, R $ C, obtida fazendo

x " R %& x + i0 " C.

Em particular o zero e a unidade 0, 1 " C, verificam as propriedades usuais do elementoneutro da soma e da multiplicação, respectivamente. A definição do inverso, permite-nosmostrar o primeiro resultado sobre C.

Teorema 1.1. O conjunto C de todos os números complexos forma um corpo. Emparticular, todos os números complexos tem um inverso excepto o número 0.

Demonstração. Basta verificar que as operações + e · munem C da estrutura deum anel comutativo e associativo, com elemento neutro 0, e 1, respectivamente, e quese verifica a distributividade do produto relativa à soma. Deixam-se os detalhes para oleitor. !

Em vez da notação z1 · z2 para a multiplicação de dois números complexos, vamosescrever simplesmente z1z2.

1.1.1. A representação cartesiana e a representação polar: Introduzimos tam-bém os seguintes conceitos:

- Módulo de z : |z| =!

x2 + y2 = distância de z à origem.- Conjugado de z : z̄ = x ! iy

Um número complexo de módulo 1 é sempre da forma z = cos ! + i sin !.Se multiplicarmos dois números complexos de módulo 1 obtemos

(cos"+ i sin")(cos # + i sin#) = (cos" cos# ! sin" sin#) + i(cos" sin# + sin" cos #) =

= cos("+ #) + i sin("+ #)

Esta conta muito simples levou Euler a escrever

Proposição 1.2. (Fórmula de Euler) Para ! " R

ei! = cos ! + i sin !

De modo que a equação anterior fica na forma simples e intuitiva:

ei"ei# = ei("+#)

Temos então duas representações de z- Representação cartesiana: z = x + iy, x, y " R;- Representação polar de z : z = rei!, r ' 0, ! " R.

Definição 1.3. Se z #= 0, z = rei!, então ! chama-se um argumento de z. O argumentoprincipal de z é o único argumento ! que verifica ! "] ! $,$].

Um argumento de z não é único (quando z #= 0) estando definido, a menos de ummúltiplo 2$. Da mesma forma, a representação polar não é única.

Observação 1.4. Como caso particular da relação de Euler, obtemos uma eleganterelação entre as 5 constantes fundamentais de matemática:

ei$ + 1 = 0.

Esta fórmula é considerada uma das mais belas da matemática.

1.3. POLINÓMIOS E O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ÁLGEBRA 9

1.2. Noções Topológicas em C

Tal como em R2, as noções topológicas no plano complexo C podem ser definidasatravés dos conceitos de distância e de disco aberto.

Como vimos, sendo z = x + iy " C, o número real |z| representa a distância entre ze a origem 0 " C. Da mesma forma, dados dois números complexos z1, z2 " C, o número(real, não negativo)

|z1 ! z2|representa a distância entre z1 e z2.

Definição 1.5. Seja z0 " C e r um número real positivo. O disco aberto de raio r,centrado em z0 é o conjunto de números complexos que estão a uma distância de z0 inferiora r:

D (z0, r) := {z " C : |z ! z0| < r} .

Usando esta classe de conjuntos, fazemos então as definições usuais.

Definição 1.6. Um subconjunto U $ C diz-se:

• aberto, se (z0 " U, )r > 0 tal que D (z0, r) $ U.• fechado, se for o complementar de um aberto.• limitado, se )r > 0 tal que U $ D (0, R) .• compacto, se for limitado e fechado.• conexo, se não existirem abertos não vazios e disjuntos A,B $ C tais que

U = (A * U) + (B * U) .

Pela sua importância, e de acordo com a literatura usual, chamaremos região a qualquersubconjunto aberto, conexo e não vazio de C.

Por exemplo, um disco aberto e o semiplano superior são regiões em C. Como vãoaparecer com grande frequência, adoptaremos as seguintes notações:

• Disco aberto de raio r > 0 e centrado em z0 " C:

D(z0, r) := {z " C : |z ! z0| < r}

• Semiplano superior:H := {z " C : ,z > 0}

Usaremos a notação C(z0, r) para designar a circunferência de centro em z0 e raio r (ouseja, a fronteira topológica de D(z0, r)).

Observação 1.7. Quando escrevemos D(r) omitindo z0, assume-se que z0 = 0, e odisco unitário D(1) designa-se simplesmente por D.

Teorema 1.8. O conjunto dos números complexos C, com esta topologia, é topologi-camente isomorfo a R2.

1.3. Polinómios e o Teorema Fundamental da Álgebra

Tal como no caso real, os polinómios formam a classe mais simples de funções devariável complexa. Em particular, veremos que definem funções diferenciáveis em todo oplano complexo C.

Apesar da sua simplicidade, é notável verificar que permitem antever um enorme con-junto de propriedades que serão válidas para todas as funções diferenciáveis no sentidocomplexo.

10 1. A ÁLGEBRA E TOPOLOGIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS

Definição 1.9. Um polinómio de grau n é uma função p que se pode escrever na forma

p(z) = a0 + a1z + · · · + an!1zn!1 + anzn,

onde aj " C e an #= 0. Uma raíz do polinómio p é um número complexo z0, tal quep(z0) = 0. Vamos denotar por %p " N0 o grau de um polinómio não nulo p(z) " C[z].1

É fácil verificar que os polinómios podem-se somar e multiplicar, pelas regras usuais,formando assim um anel comutativo designado usualmente por C[z].

1.3.1. Teorema fundamental da Álgebra. O resultado mais importante sobre po-linómios de váriavel complexa é o chamado teorema fundamental da álgebra, que afirmaque qualquer polinómio não constante possui uma raíz em C.

Teorema 1.10. [Gauss] Qualquer polinómio complexo não constante tem uma raízcomplexa. Por outras palavras, dado um polinómio de grau n ' 1, p(z) = a0 + a1z + ... +anzn, existe z0 " C tal que p(z0) = 0.

Para provar este teorema vamos usar duas propriedades simples dos polinómios quetambém são válidas, como veremos mais tarde, para as funções analíticas.

1.3.2. Polinómios não constantes são ilimitados. Intuitivamente, os polinómiosnão constantes são ilimitados, facto que se verifica igualmente para os polinómios comcoeficientes reais. Mais precisamente temos:

Lema 1.11. Se p(z) = anzn +an!1zn!1 + · · ·+a1z +a0 é um polinómio de grau n > 0,então |p(z)| & - quando |z| & -.

Demonstração. Basta usar a desigualdade triangular, e o facto de que a funçãoan!1

z + · · · + a1zn!1 + a0

zn tende para zero quando z & -. Em particular, existe um R > 0

tal que |an!1

z + · · · + a1zn!1 + a0

zn | < |an|2 , sempre que |z| > R (note-se que an #= 0). Assim,

temos:

|p(z)| = |zn|"""an +

an!1

z+ · · · + a1

zn!1+

a0

zn

""" ' |zn|#|an|!

"""an!1

z+ · · · + a1

zn!1+

a0

zn

"""$'

' |zn|%|an|!

1

2|an|

&=

1

2|an||z|n para todo o z tal que |z| > R.

Isto é suficiente para concluir o pretendido. !

Este lema pode ser reescrito numa forma análoga à do teorema de Liouvile (2.10).

Corolário 1.12. Se p(z) é um polinómio limitado então ele é constante.

1.3.3. Princípios do módulo máximo e mínimo para polinómios. Os poli-nómios verificam também os princípios do módulo máximo e do módulo mínimo, outrapropriedade que embora seja simples de demonstrar, já não é tão intuitiva, dado que nãoé válida para os polinómios reais.

Definição 1.13. Seja ! uma região. Dizemos que uma função h : ! & R, tem ummáximo (resp. mínimo) local em z0 " !, se existe uma vizinhança V $ ! de z0 tal queh(z0) ' h(z) (resp. h(z0) . h(z)) para todo z " V .

Proposição 1.14. Dado um polinómio não constante p, a função h(z) := |p(z)|,h : C & R não tem máximos locais, e não tem mínimos locais em pontos z0 onde p(z0) #= 0.

1Por consistência com certos resultados, ao polinómio nulo poder-se-ia atribuir o grau !".

1.3. POLINÓMIOS E O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ÁLGEBRA 11

Demonstração. Podemos supor, sem perda de generalidade, que o máximo ou mí-nimo local é atingido em z0 = 0 (se |p(z)| tem máximo/mínimo em z0 então |p(z+z0)| temmáximo/mínimo em 0). Para provar o princípio do mínimo, supomos que p(0) = a0 #= 0,e seja

p(z) = a0 + amzm + · · · + an!1zn!1 + anzn,

onde am, 0 < m . n, é o primeiro coeficiente não nulo a seguir ao a0. O caso m = n, sendomais simples, é deixado ao leitor. Supondo m < n, dado que am+1z + · · ·+ anzn!m tendepara zero quando z & 0, existe um certo & > 0 tal que |am+1z + · · · + anzn!m| < |am|para todo z com |z| < &. Isto equivale a ter |am+1zm+1 + · · ·+anzn| < |amzm| sempre que0 < |z| < &. Em particular, tomando para z uma das m soluções da equação

amzm

a0= ! |am|

|a0|(&

2)m < 0,

temos |z| = &/2 < &, e os complexos não nulos a0 e amzm terão direcções opostas, o queimplica |a0 + amzm| = |a0|! |amzm|. Para esta escolha de z:

|p(z)| . |a0 + amzm| + |am+1zm+1 + · · · + anzn| <

< |a0 + amzm| + |amzm| = |a0|! |amzm| + |amzm|= |a0| = |p(0)|.

Assim, em qualquer vizinhança de 0, |p(z)| não atinge um mínimo, pois |a0| #= 0. Oprincípio do máximo prova-se de modo análogo, pelo que fica para o leitor. !

Como consequência destes princípios, vemos que, para qualquer polinómio não cons-tante, a função h(z) = |p(z)| não apresenta nenhum máximo em nenhuma região ! $ C,e só apresenta mínimos quando essa região contém uma ou mais raízes de p(z). Por outrolado, como consequência do teorema de Weierstrass para funções contínuas em conjuntoscompactos, temos o seguinte enunciado, cuja demonstração se deixa ao leitor (note-se queum polinómio é uma função contínua).

Corolário 1.15. Se p(z) é um polinómio não constante, e K $ C é um subconjuntocompacto, então os máximos da função h(z) = |p(z)| (restringida a K) encontram-se nafronteira 'K de K; os mínimos de h encontram-se também em 'K quando p(z) não temraízes no interior de K.

1.3.4. Demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra. Podemos agoraprovar o teorema fundamental da álgebra, que foi demonstrado por primeira vez por Gauss:

Teorema 1.16. Qualquer polinómio não constante possui pelo menos uma raíz em C.

Demonstração. Seja p(z) = a0 + a1z + · · · + anzn, an #= 0. De acordo com oLema 1.11, seja R tal que |p(z)| > |a0|, sempre que |z| ' R. Assim, se por exemploconsiderarmos o disco fechado D(R), sabemos, pelo teorema de Weierstrass que a funçãocontínua h(z) = |p(z)| : C & R, tem um mínimo em D(R). Este mínimo não está nacircunferência fronteira, porque |p(z)| > |a0| = p(0), sempre que z " C(R). Assim, omínimo estará no interior do disco, o que pelo princípio do mínimo (Proposição 1.14),implica que existe um z0, tal que p(z0) = 0. !

1.3.5. Factorização de polinómios. Outra propriedade bem conhecida dos polinó-mios é o chamado algoritmo de divisão de polinómios, ou algoritmo de Euclides. Dadosdois polinómios p(z) e q(z), verificando deg p > deg q, existem outros dois polinómios d(z)(o divisor) e r(z) (o resto), de forma a que se verifique

p(z) = d(z)q(z) + r(z).

12 1. A ÁLGEBRA E TOPOLOGIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS

Os polinómios d(z) e r(z) são únicos se impusermos que deg r < deg q. Dizemos que umpolinómio q(z) divide p(z) se o resto da divisão de p(z) por q(z) é zero.

Usando o algoritmo de divisão de polinómios, existe uma forma alternativa de escrevero Teorema Fundamental da Álgebra. Seja p(z) um polinómio de grau n > 0, que admiteum zero em z0. Então, pelo algoritmo de divisão de polinómios, podemos escrever p(z) =(z ! z0)q(z), onde q(z) é um polinómio de grau n ! 1. Assim, podemos demonstrar porindução, o seguinte resultado:

Teorema 1.17. Qualquer polinómio de grau n > 0 pode se escrever na forma:

p(z) = a(z ! z1) . . . (z ! zn),

onde z1, · · · , zn são raízes de p(z), (não necessáriamente distintas) e a " C". Em alterna-tiva podemos escrever

p(z) = a(z ! w1)n1 · · · (z ! wk)

nk

onde a " C", w1, ..., wk são as k . n raizes distintas de p e n1 + ... + nk = n.

Outra propriedade importante dos polinómios é o facto de que, dados quaisquer po-linómios p(z) e q(z), existe um polinómio (único, se insistirmos em que o coeficiente demaior grau seja igual a 1), chamado o maior divisor comum de p(z) e q(z), denotado porgcd(p, q) que verifica as seguintes propriedades.

Proposição 1.18. Seja d(z) = gcd(p(z), q(z)). Então, d(z) é o único polinómio mó-nico (coeficiente de maior grau igual a 1) que verifica: (i) d(z) divide p(z) e q(z); (2) Seh(z) divide p(z) e q(z) então h(z) divide d(z).

Exercício 1.19. Verifique a propriedade do valor médio para polinómios: Sendo p(z)um polinómio de grau n, e sendo N > n, temos:

p(z0) =1

N

N'

j=1

p(zj),

onde zj := z0 + re2!ijN . [Sugestão: Verifique esta fórmula primeiro para monómios, ie

polinómios da forma p(z) = azn, a #= 0, e mostre que a propriedade do valor médio éaditiva].

CAPíTULO 2

Diferenciabilidade: Funções Holomorfas e Funções Analíticas

Neste capítulo, vamos estudar o conceito de derivada de uma função complexa devariável complexa. Veremos que, apesar da definição de derivada ser inteiramente análogaà da derivada de uma função real de variável real, muitas das propriedades fundamentaisdas funções diferenciáveis de variável complexa não têm equivalente no caso real.

Como exemplo notável deste fenómeno, temos o teorema de Taylor, central na teoriadas funções diferenciáveis de variável complexa, segundo o qual uma função que admitederivada numa vizinhança de um ponto, tem nesse ponto derivadas de todas as ordens e acorrespondente série de Taylor tem raio de convergência positivo.

Deste modo, a teoria local das funções diferenciáveis é essencialmente a teoria dasfunções analíticas, que se resume, por sua vez, à teoria das séries de potências. Esta situaçãoestá em grande contraste com o que se passa na análise real e permite a demonstração deresultados fortes e elegantes, como o teorema de Liouville, o princípio dos zeros isolados,ou o princípio do módulo máximo, que veremos em capítulos posteriores.

Vamos aqui definir e relacionar três conceitos diferentes: diferenciabilidade, holomorfiae analiticidade. Todos eles estão ligados ao conceito de derivada de uma função f numponto do plano complexo ou num subconjunto do plano complexo.

Como sabemos, o conceito de derivada de uma função num ponto é um conceito “local”que envolve a consideração de uma vizinhança desse ponto, sendo insensível ao comporta-mento da função fora dessa vizinhança. É assim natural considerar funções definidas emconjuntos abertos e conexos. Como indicámos, um conjunto aberto, conexo e não vazioserá chamado região.

Em todo este livro, a legra grega maiúscula ! designará uma região arbitrária em C.

2.1. Funções Diferenciáveis e Funções Holomorfas

Definição de função diferenciável e de função holomorfa. Começamos por de-finir diferenciabilidade de forma inteiramente análoga ao caso de funções de variável real.

Definição 2.1. Uma função f : ! $ C & C diz-se diferenciável em z0 " ! se o limite

limh#0

f(z0 + h) ! f(z0)

h

existe em C. Neste caso, o limite acima chama-se a derivada de f em z0 e denota-se porf $(z0). A função f diz-se diferenciável em ! se é diferenciável em todos os pontos z0 " !.

Exemplo 2.2. Como exemplos de funções diferenciáveis numa região, temos:

• Polinómios: p(z) = a0 + a1z + · · · + anzn, para quaisquer a0, ..., an " C é umafunção diferenciável em C;

• Funções racionais: f(z) := p(z)/q(z), onde p e q são polinómios sem raízes co-muns, é diferenciável em C \ Z, onde Z é o conjunto (finito) das raízes de q(z).

• Funções trigonométricas e exponencial: Por exemplo, sin(z), cos(z), ez são funçõesdiferenciáveis em C; f(z) := cot(z) é diferenciável em C \ {k$ : k " Z}.

13

14 2. DIFERENCIABILIDADE: FUNÇÕES HOLOMORFAS E FUNÇÕES ANALÍTICAS

• Funções inversas das anteriores: Por exemplo, arcsin(z) é diferenciável em {x+iy :x "] ! $,$[}; e log(z) é diferenciável em ! = {x + iy : y "] ! $,$[}.

• Séries de funções convergentes: qualquer série convergente num disco abertoD(z0, r), com r > 0, é holomorfa nesse mesmo disco (isto será demonstrado maisadiante).

Observação 2.3. Uma vez que a definição de função diferenciável é inteiramenteanáloga à definição usada para funções de variável real, todas as usuais regras de derivaçãoverificam-se igualmente no caso da diferenciabilidade complexa. De facto, se f(z) e g(z)são funções diferenciáveis (em z0), então:

• combinação linear: sendo a, b " C, (af + bg)(z) := a f(z) + b g(z) é diferenciávelem z0 e

(af + bg)$(z0) := a f $(z0) + b g$(z0)

• produto: (fg)(z) := f(z)g(z) é diferenciável em z0, e (fg)$(z0) = f $(z0)g(z0) +f(z0)g$(z0)

• quociente: Se g(z0) #= 0, temos que (f/g)(z) := f(z)g(z) é diferenciável em z0, e

(f/g)$(z0) =f $(z0)g(z0) ! f(z0)g$(z0)

g(z0)2.

• Regra da cadeia: Se h é diferenciável em f(z0) então

(h / f)$(z0) = h$(f(z0)) f(z0).

Esta observação serve para verificar os dois primeiros exemplos em 2.2.

Exercício 2.4. Seja n " Z um número inteiro, e defina fn(z) := zn. Mostre que aderivada de fn é dada por f $

n(z) = n zn!1. Calcule a derivada de z(1!z)2 , em todo o ponto

z0 " C \ {1}.

Os outros exemplos de funções diferenciáveis serão analisados com mais detalhe nospróximos capítulos.

Primeiras propriedades das funções holomorfas. Sendo ! uma região em C, éfácil ver que a soma e o produto de funções holomorfas são também holomorfas.

Notação. Vamos designar por H(!) o conjunto das funções holomorfas (ou diferen-ciáveis) numa região !.

De acordo com o que foi dito, é fácil verificar o seguinte.

Proposição 2.5. H(!) é um anel comutativo com identidade.

Este anel contem estritamente o anel dos polinómios.Como no caso do cálculo com variáveis reais, temos também a noção de primitivação

que é a operação inversa à diferenciação.

Definição 2.6. Seja f : ! & C uma função contínua. Dizemos que f é primitivávelem ! se existe uma função holomorfa F " H(!) tal que F $(z) = f(z) para todo o z " !.

2.1.1. Teorema de Gauss-Lucas. Vamos agora provar o teorema de Gauss-Lucasque relaciona, de uma forma interessante, a localização dos zeros de p(z) com os zeros dasua derivada. Como sabemos os polinómios são funções inteiras e a derivada do produto deduas funções é dada pela regra usual: (f(z)g(z))$ = f $(z)g(z)+ f(z)g$(z). Assim, prova-sepor indução que, para um polinómio de grau n escrito na forma p (z) = a(z!z1) . . . (z!zn),(com os pontos zi não necessariamente distintos) p$(z) é um polinómio de grau n! 1 e que

2.2. SÉRIES DE POTÊNCIAS 15

p$(z) = an'

i=1

(z ! z1) · · · (z ! zi)$ · · · (z ! zn) = a

n'

i=1

(

j %=i

(z ! zj) = p(z)

)n'

i=1

1

z ! zi

*

Recorde-se que e H = {z : ,(z) > 0} designam o semiplano superior formado peloscomplexos com parte imaginária positiva.

Lema 2.7. Se os zeros de p(z) se encontram no fecho do semiplano superior H, entãoos zeros de p$(z) também estão em H.

Demonstração. Seja p(z) = a(z ! z1) · · · (z ! zn) com zk " H(Imzk ' 0). Temos,

então:p$(z)

p(z)=

1

z ! z1+ · · ·+ 1

z ! zn. Se Imz < 0 temos Im(z!zk) = Imz! Imzk < 0, logo

Im#

1z!zk

$> 0 e portanto Im

#p"(z)p(z)

$> 0 o que implica p$(z) #= 0 para todo o z " C\H. !

O resultado anterior tem uma interessante interpretação geométrica, que se deixa comoexercício ao leitor. (Exercício ??)

Teorema 2.8. (Teorema de Gauss-Lucas): Os zeros de p$(z) estão no menor polígonoconvexo e fechado que contém os zeros de p(z).

Exercício 2.9. Prove que um polinómio não constante define uma função aberta.

2.2. Séries de Potências

De modo a definir o conceito de analiticidade, de modo análogo ao caso real, vamosprimeiro introduzir a teoria básica das séries de potências.

Séries de potências formais e convergentes. Começamos por definir série de po-tências (não negativas), que podem considerar-se como “polinómios de grau infinito”.

Definição 2.10. Uma série de potências (não negativas)1 centrada em z0 " C é qualquerexpressão da forma

&'

n=0

an(z ! z0)n = a0 + a1(z ! z0) + a2(z ! z0)

2 + ...

onde an são números complexos, chamados os coeficientes da série. Convém distinguir doiscasos fundamentalmente distintos de séries de potências: o das séries formais, em que asérie apenas converge no seu centro z0 (não podendo por isso definir uma função numaregião), e o das séries convergentes, em que a série converge para algum z " C distinto docentro.

Pretendemos agora provar que qualquer série de potências convergente define umafunção diferenciável num certo disco, o chamado disco de convergência. Comecemos porprovar a continuidade das funções definidas por séries.

1A expressão “não negativas”, lembra que o índice n toma valores em N0, e é normalmente omitida.Adiante, veremos séries de potências onde n # Z, chamadas séries de Laurent.

16 2. DIFERENCIABILIDADE: FUNÇÕES HOLOMORFAS E FUNÇÕES ANALÍTICAS

Raio e disco de convergência.

Definição 2.11. O raio de convergência da série+&

n=0 an(z ! z0)n é o número

R = sup{r " R : |an|rn é uma sucessão limitada} " [0,-]

e o disco de convergência é D(z0;R).

Observação 2.12. Note-se que R = 0 se e só se a série dada é apenas formal (convergesomente em z0). As definições de raio e disco de convergência são motivadas pelo seguinteresultado. Desta forma, a expressão série convergente vai referir-se sempre a séries cujoraio de convergência é positivo.

Teorema 2.13. (Convergência das séries) Seja+&

n=0 an(z ! z0)n uma série conver-gente com disco de convergência D(z0, R) e seja K $ D(z0;R) um subconjunto compacto.Então, a série é uniformemente convergente em K e diverge para |z ! z0| > R.

Demonstração. Uma vez que R > 0, podemos escolher reais s e r, com 0 < s <r < R de tal forma que |an|rn é uma sucessão limitada, e que K $ D(z0, s) (qualquercompacto está a uma distância não nula da fronteira C(z0, r) do disco de convergência).Assim, existe M > 0 que verifica |an|rn . M para todo n " N0. Temos então que, para nfixo,

maxz'D(z0,s)

{|an(z ! z0)n|} . |an|sn . M(

s

r)n.

Podemos agora aplicar o teste-M de Weierstrass, uma vez que+&

n=0 an(z ! z0)n é umasérie de funções majorada uniformemente pela série convergente,

M&'

n=0

#s

r

$n= M

1

1 ! sr

< -,

para conlcuir que a série é uniformemente convergente no disco compacto D(z0, s) e, por-tanto, também em K. A segunda parte é deixada para o leitor. !

Uma vez que o limite uniforme de funções contínuas é contínua, podemos concluir oseguinte.

Corolário 2.14. Se+&

n=0 an(z ! z0)n é uma série convergente e definirmos f(z) :=+&n=0 an(z ! z0)n, em D(z0, R), então f(z) é uma função contínua neste disco de conver-

gência.

Observação 2.15. Note-se que se f(z) =+&

n=0 an(z!z0)n converge em D(z0, R) entãof(z + z0) =

+&n=0 anzn converge em D(0, R) e vice-versa. De facto, a fórmula para o raio

de convergência não depende de z0. Da mesma forma, as propriedades de continuidade oudiferenciabilidade não são afectadas pela mudança de z %& z + z0 pelo que frequentemente,em demonstrações, podemos assumir, sem perda de generalidade, que z0 – o centro da série– é a origem.

Determinação do raio de convergência. Dada uma série de potências, convémdispor de fórmulas de cálculo para o seu raio de convergência.

Proposição 2.16. (Fórmula de Cauchy-Hadamard) O raio de convergência da sériepode ser calculado através de:

R =1

lim sup n!

|an|

lim inf|an|

|an+1|. R . lim sup

|an||an+1|

2.2. SÉRIES DE POTÊNCIAS 17

Demonstração. Ver Lang ... !

Exemplo 2.17. (a) A série+

n!zn tem raio de convergência nulo, pelo que é uma sérieformal e por isso, não representa nunhuma função: só está definida quando z = 0, ondevale 0.

(b) A série+ zn

n! tem raio de convergência +- pelo que define uma função em todo oplano complexo. Esta função é, como sabemos, a função exponencial.

(c) Série geométrica1

1 ! z=

&'

n=0

zn = 1 + z + z2 + ..., converge para |z| < 1.

(d) sin z =&'

n=0

z2n+1

(2n + 1)!= z ! z3

3!+

z5

5!! ..., converge em C.

Naturalmente, a soma e subtracção de séries convergentes é convergente. Outra formade obter séries convergentes é efectuando produtos.

Exercício 2.18. Sejam f(z) =+

n anzn e g(z) =+

m bmzm com raios de convergência(1 e (2. Mostre que se verifica o desenvolvimento:

f(z)g(z) =&'

k=0

ckzk,

onde ck =+k

n=0 anbk!n, e que esta série converge em D(0, () com ( = min{(1, (2}.

Diferenciabilidade das séries de potências. Além de representarem funções con-tínuas, as séries de potências convergentes representam sempre funções difereciáveis norespectivo disco de convergência. Além disso, veremos adiante que estas séries são infini-tamente diferenciáveis, no disco de convergência, e que são até analíticas. Para já, fazemosuma simples observação.

Proposição 2.19. Se a série+&

n=0 an(z!z0)n tem raio de convergência R > 0, entãoa sua derivada formal (derivada termo a termo):

&'

n=0

nan(z ! z0)n!1 =

&'

n=0

(n + 1)an+1(z ! z0)n,

é uma série convergente com o mesmo disco de convergência (e portanto, raio de conver-gência R). Da mesma forma, a derivada formal de ordem k " N:

&'

n=0

(n + k) · · · (n + 1)an+k(z ! z0)n,

tem raio de convergência R.

Demonstração. Façamos o caso da primeira derivada formal, que se pode escrevercomo

&'

n=0

(n + 1)an+1(z ! z0)n =

&'

n=0

bn(z ! z0)n,

onde bn := (n + 1)an+1 para todo n " N. Sendo r o seu raio de convergência temos1

r= lim sup

n#&|bn|

1n = lim sup

n#&(n + 1)

1n |an|

1n = lim sup

n#&|an|

1n =

1

R,

devido ao facto de limn#&(n+1)1n = limx#0(1+ 1

x)x = 1. Concluimos que r = R. O casoda derivada de ordem geral k " N segue-se por iteração. !

Isto leva-nos ao seguinte enunciado.

18 2. DIFERENCIABILIDADE: FUNÇÕES HOLOMORFAS E FUNÇÕES ANALÍTICAS

Teorema 2.20. Uma série de potências convergente define uma função de classe C&

no seu disco de convergência. Mais precisamente, sendo f(z) =+&

n=0 an(z ! z0)n emD(z0, R) (R > 0) então:

f (k)(z) =&'

n=0

(n + k) · · · (n + 1)an+k(z ! z0)n,

é uma série válida em D(z0, R). Em particular, as derivadas no centro são dadas por:

f (k)(z0) = ak k!, k " N.

Demonstração. Vamos mostrar a existência e a fórmula para a primeira derivadaem qualquer ponto do disco. Podemos supor que z0 = 0, de acordo com o comentário 2.15.Fixemos w " D(0, R) e r > 0 tal que |w| < r < R. Definimos os polinómios

qn(z) := wn!1 + wn!2 z + · · · + w zn!2 + zn!1 =zn ! wn

z ! w,

para n " N. Note-se que qn(w) = nwn!1 e que |qn(z)| . n rn!1 para qualquer z " D(0, r).Podemos escrever

(2.2.1)f(z) ! f(w)

z ! w=

+&n=0 an(zn ! wn)

(z ! w)=

&'

n=0

anqn(z).

Por definição, f $(w) existe se esta última série representar uma função contínua no pontow. Isto segue, pelo teste M de Weierstrass, da convergência da série:

&'

n=0

|anqn(z)|D(0,r) .

'|an|n rn!1 < -,

sendo que a série da direita converge pela Proposição 2.19. Finalmente, a fórmula paraf $(w) segue-se substituindo qn(w) = nwn!1 em (2.2.1). !

Corolário 2.21. O desenvolvimento em série de uma função holomorfa, num dadodisco, é único. Mais precisamente, se f(z) =

+&n=0 an (z ! z0)n =

+&n=0 bn (z ! z0)n, no

disco D(z0, R), R > 0, então an = bn para todo o n " N0.

Demonstração. Sendo f(z) =+&

n=0 an (z ! z0)n, f é infinitamente diferenciável emz0 e f (k)(z0) = ak k!, pelo Teorema 2.20. De igual forma, o segundo desenvolvimentoimplica f (k)(z0) = bk k!. !

Estes resultados sugerem a seguinte definição.

Definição 2.22. Se f(z) é uma função infinitamente diferenciável em z0 a sua sériede Taylor em z0 é a seguinte série:

&'

n=0

f (n) (z0)

n!(z ! z0)

n .

Podemos resumir esta subsecção da seguinte forma:

Teorema 2.23. Uma série de potências define uma função diferenciável f(z) no res-pectivo disco de convergência. Nesse caso, a série dada coincide com a série de Taylor def(z).

2.3. FUNÇÕES ANALÍTICAS 19

Exercício 2.24. Seja f(z) =+&

n=0 an(z!z0)n convergente num disco D(z0, R). Mos-tre que f(z) é primitivável em D(z0, R) e que uma primitiva é dada, neste disco, por

F (z) =&'

n=0

an

n + 1(z ! z0)

n+1.

A pergunta natural é se, reciprocamente, dada uma função diferenciável num disco,ela se pode representar como uma série convergente nesse disco. Isto é o tema da próximasubsecção.

Propriedades das séries de potências. As séries de potências convergentes no discoD(z0, R) formam um anel. De facto, a adição usual está bem definida, e se multiplicarmosduas séries convergentes obtemos uma terceira (ver o exercício ...).

2.3. Funções Analíticas

Na secção anterior mostrámos que as séries de potências convergentes definem funçõesinfinitamente diferenciáveis. Agora vamos mostrar algo ainda mais forte: são analíticas nodisco de convergência.

Definição 2.25. Diz-se que f : !& C é analítica em z0 " !, se f coincide com umasérie de potências convergente num disco centrado em z0. Por outras palavras, se exister > 0 e uma série de potências

+&n=0 an(z ! z0)n, com raio de convergência r > 0, tal

que f(z) =+&

n=0 an(z ! z0)n para todo z " D(z0, r). Diz-se que f é analítica em ! se éanalítica em todos os pontos de !.

É fácil ver que a soma, combinações lineares, e produtos de funções analíticas, sãoanalíticas também.

Como exemplos de funções analíticas em C temos os polinómios e as funções trigono-métricas seno, cosseno e exponencial. Se q(z) não se anula num aberto U , é também fácilde provar que as funções racionais da forma p(z)

q(z) são analíticas em U .

Exemplo 2.26. A função f(z) = |z|2 não é analítica em nenhum ponto de C, emboraseja diferenciável em z = 0. Isto é uma contradição?

As séries de potências convergentes são analíticas. Pelo Teorema 2.20, umafunção analítica em !, então f " H(!) pois f(z) é diferenciável em qualquer ponto de!. De facto, esse teorema mostra que f(z) é infinitamente diferenciável em !. Um poucomais forte é o seguinte resultado.

Teorema 2.27. Se f(z) =+&

n=0 an(z ! z0)n tem disco de convergência D(z0, r), comr > 0, então f é analítica em todo o disco D(z0, r).

Demonstração. Naturalmente, f é analítica em z0, por definição. A ideia é modificara série dada para determinar o desenvolvimento em série em torno de qualquer outro pontoz1 " D(z0, r). Como acima, podemos assumir que z0 = 0 e fazemos então uma expansão

20 2. DIFERENCIABILIDADE: FUNÇÕES HOLOMORFAS E FUNÇÕES ANALÍTICAS

em torno de z1:

f(z) =&'

n=0

anzn =&'

n=0

an(z ! z1 + z1)n

=&'

n=0

an

)n'

k=0

%n

k

&zn!k1 (z ! z1)

k

*

=&'

k=0

)&'

n=k

an

%n

k

&zn!k1

*

(z ! z1)k

=&'

k=0

bk(z ! z1)k.

Nesta expansão, definimos bk :=+&

n=k an

,nk

-zn!k1 . É necessário justificar a finitude dos

bk’s bem como a troca dos dois somatórios. Se escolhermos s > 0 tal que |z1| + s < r (oque é sempre possível), temos para todo z " D(0, r),

|z1| + |z ! z1| < r,

pelo que

&'

n=0

|an|rn >&'

n=0

|an|(|z1| + |z ! z1|)n =&'

k=0

)&'

n=k

|an|%

n

k

&|z1|n!k

*

|z ! z1|k.

Assim, a série da direita é convergente, sendo obtida por reordenação dos termos numasérie absolutamente convergente, devido ao Teorema 2.13. Isto justifica que bk está bemdefinido para todo o k, e também justifica a convergência das expansões para f(z), e atroca dos somatórios, na região |z ! z1| < s. Assim, f é analítica em z1, com expansãoválida em D(z1, s). !

Para resumir os resultados desta secção, utilizamos as seguintes notações. Seja z0 " C,r > 0 e D = D(z0, r). Denotemos por S(D) o conjunto das séries de potências convergentesem D e por A(D) o conjunto das funções analíticas em D. Assim, nesta secção provámosque

S(D) $ A(D) $ H(D).

De seguida mostraremos que, de facto, estes 3 conjuntos coincidem. Iremos igualmenteprovar que, com o produto usual de séries, estas igualdades tornam-se isomorfismos deanéis.

Comecemos por mostrar que qualquer função analítica coincide com a sua série deTaylor no disco de convergência.

Proposição 2.28. Se f é analítica em D(z0, r), r > 0, então f coincide com a suasérie de Taylor, e o raio de convergência desta série é maior ou igual a r.

Demonstração. Observe-se que no decorrer da demonstração da Proposição 2.19provou-se que a derivada da série f(z) =

+&n=0 an(z ! z0)n se pode escrever como f $(z) =+&

n=0 ann(z!z0)n!1, série que tem o mesmo raio de convergência que f(z). Note-se aindaque f(z0) = a0, f $(z0) = a1 e derivando mais uma vez f

""

(z) =+&

n=0 ann(n ! 1)(z !z0)n!2 logo f

""

(z0) = 2a2. Continuando desta forma obtemos a seguinte proposição cujademonstração é deixada ao leitor. !

2.4. O TEOREMA DE TAYLOR 21

Exemplo 2.29. Seja f : R & R dada por:

f(x) =

.e!

1x2 , x > 0

0, x . 0.

É fácil de verificar que f é infinitamente diferenciável em R, e que no ponto x = 0, todasas derivadas de f se anulam. Assim, a sua série de Taylor é zero. Portanto, f não coincidecom a sua série de Taylor em nenhuma vizinhança da origem. Esta “patologia” podeentender-se, do ponto de vista da análise complexa, verificando simplesmente que a funçãof(z) = e!

1z2 não é holomorfa em z = 0 (mais precisamente, não se pode extender de forma

a ser holomorfa em z = 0).

2.4. O Teorema de Taylor

Na secção 2.2 mostrámos que as séries convergentes definem funções holomorfas nodisco de convergência. De acordo com a secção anterior, podemos então dizer que as fun-ções analíticas são holomorfas. Nesta secção vamos mostrar que, reciprocamente qualquerfunção holomorfa é analítica, o que significa que pode ser representada por uma sérieconvergente que é precisamente a sua série de Taylor.

Embora seja uma propriedade de diferenciabilidade, este forte resultado, que não temcorrespondência para funções reais, só admite demonstrações que envolvem cálculo integral.Faremos aqui uma demonstração que envolve apenas integrais ao longo de circunferênciasem C e que se baseia na propriedade do valor médio para as funções holomorfas.

2.4.1. A propriedade do valor médio. Um polinómio verifica a propriedade dovalor médio (ver o exercício ...). Mais geralmente, esta é uma propriedade que qualquerfunção holomorfa satisfaz, se considerarmos que estamos a deixar o número de pontos irpara infinito.

Como sabemos, média dos valores da função f(z), calculados nos pontos num polígonoregular em redor de um dado ponto z0 é a expressão:

1

N

N'

j=1

f(zj),

onde zj = z0 + re!ijN , j = 1, · · · ,N . Fazendo o limite quando N tende infinito, deveríamos

obter:1

2$

ˆ 2$

0f(z0 + reit)dt.

A prova do Teorema de Taylor envolve estes integrais, fáceis de parametrizar, pelo queapenas teremos que usar resultados elementares da teoria do integral de Riemann emintervalos compactos de R.

Comecemos por verificar que, de facto, as funções analíticas verificam a propriedadedo valor médio.

Proposição 2.30. Seja f(z) =+&

n=0 an(z ! z0)n, válida no disco D(z0, R). Então:

1

2$i

˛

|z!z0|=r

f(z)

z ! z0dz = a0 = f(z0),

para todo o r "]0, R[.

22 2. DIFERENCIABILIDADE: FUNÇÕES HOLOMORFAS E FUNÇÕES ANALÍTICAS

Demonstração. Como este é um integral de Riemann, de uma função contínua numintervalo compacto, e a série converge uniformemente, podemos trocar a série com o integrale obter:

1

2$i

˛

|z!z0|=r

f(z)

z ! z0dz =

1

2$i

˛

|z!z0|=r

&'

n=0

an(z!z0)n!1dz =

1

2$i

˛

|z!z0|=r

a0(z!z0)!1dz = a0,

uma vez que¸

|z!z0|=r(z ! z0)mdz = 0 para qualquer m ' 0. !

A demonstração do Teorema de Taylor pode dividir-se em duas partes: qualquer fun-ção holomorfa verifica a propriedade do valor médio, e qualquer função que verifique apropriedade do valor médio é analítica.

2.4.2. Analiticidade das funções holomorfas.

Teorema 2.31. Se f : ! & C é holomorfa em !, então f verifica a propriedade dovalor médio em !.

Demonstração. Seja f diferenciável em z0 " !. Para provar que f é analítica emz0 podemos supor novamente que z0 = 0 " !. Seja r "]0, R[, onde R > 0 é tal que o discoD(0, R) está contido em !. Vamos definir, para z " D(0, r) fixo, a função g : [0, 1] & C

através da expressão seguinte.

g(s) =

ˆ 2$

0

f,(1 ! s)z + sreit

-! f(z)

reit ! zreitdt.

A função integranda é diferenciável em s e t " [0, 2$], por hipótese. Logo g é uma funçãodiferenciável em [0, 1] e, para s #= 0:

g$(s) =

ˆ 2$

0f $

,(1 ! s)z + )reit

-reitdt =

ˆ 2$

0F $

s(t)dt = Fs(2$) ! Fs(0) = 0,

onde Fs(t) = 1sif

,(1 ! s)z + sreit

-para s #= 0 (aqui usa-se o facto de que f é diferenciável,

através da regra da cadeia). Como g(0) = 0, e g$(s) = 0 para s #= 0, conclui-se que g(s) 0 0no intervalo s " [0, 1]. Assim g(1) = 0 o que implica:

(2.4.1)ˆ 2$

0f(reit)

reit

reit ! zdt = f(z)

ˆ 2$

0

reit

reit ! zdt.

O quociente em ambos os membros pode-se desenvolver em série geométrica

reit

reit ! z=

1

1 ! zreit

=&'

n=0

zn

(reit)n,

válida porque |z| < r. No lado direito, o integral não depende da função f(z), e temos:ˆ 2$

0

reit

reit ! zdt =

ˆ 2$

0

&'

n=0

zn

(reit)ndt

=&'

n=0

zn

ˆ 2$

0

dt

(reit)n= 2$f(z).

Assim, a equação 2.4.1 dá-nos a propriedade do valor médio:

1

2$

ˆ 2$

0

f(w)

w ! zdw = f(z).

!

2.4. O TEOREMA DE TAYLOR 23

2.4.3. O teorema de Taylor. Os resultados anteriores podem assim ser resumidosno seguinte enunciado, o célebre Teorema de Taylor. Note-se que sendo ! um aberto emC, o seu complemento é um fechado C := C \ !. Assim, se C é não vazio, a distância deum ponto z0 " ! a C tem um mínimo global (sendo a distância uma função contínua numcompacto não vazio da forma D(z0, R) * C). Essa distância define o maior disco abertoD(z0, R) contido em !.

Teorema 2.32. [Taylor] Seja f diferenciável numa região !, z0 " ! e seja D(z0, R)o maior disco aberto contido em !. Então f é analítica em D(z0, R). Alem disso, f(z)coincide com a sua série de Taylor, em D(z0, R),

f(z) =&'

n=0

f (n) (z0)

n!(z ! z0)

n .

Em particular, o raio de convergência desta série é R. Temos também a seguinte repre-sentação integral das derivadas de f :

f (n)(z0) =n!

2$

ˆ 2$

0

f(reit + z0)

(reit)ndt, ( com n ' 0 e r "]0, R[).

Demonstração. O teorema anterior garante a propriedade do valor médio. Assim,temos:

&'

n=0

%ˆ 2$

0

f(reit)

(reit)ndt

&zn =

ˆ 2$

0

&'

n=0

f(reit)zn

(reit)ndt =

ˆ 2$

0f(reit)

reit

reit ! zdt =

= f(z)

ˆ 2$

0

reit

reit ! zdt = f(z)

ˆ 2$

0

&'

n=0

zn

(reit)ndt =

= f(z)&'

n=0

zn

ˆ 2$

0

dt

(reit)n= 2$f(z).

Aqui, a troca do integral com o somatório é justificada pelo facto de f ser limitada em[0, 2$] e todas as funções f(reit)(reit)!n serem integráveis neste intervalo. Como o últmointegral é nulo para n > 0 e é igual a 2$ se n = 0, a última série reduz-se ao primeirotermo: f(z)2$. Concluimos, portanto que f é analítica pois para z " D(0, r):

f(z) =&'

n=0

anzn em que an =1

2$

ˆ 2$

0

f(reit)

(reit)ndt.

!

Note-se que este resultado não tem análogo no caso de funções diferenciáveis de umavariável real. Estes 2 últimos teoremas completam as identificações prometidas, isto é,temos:

S(D) = A(D) = H(D),

para qualquer disco D = D(z0, r).

2.4.4. Fórmulas de Cauchy. As fórmulas para as derivadas podem escrever-se naforma

f (n)(z0) =n!

2$i

˛

|z!z0|=r

f(z)

(z ! z0)n+1dz

Em particular, para n = 0 obtemos:

24 2. DIFERENCIABILIDADE: FUNÇÕES HOLOMORFAS E FUNÇÕES ANALÍTICAS

f(z0) =1

2$

ˆ 2$

0f(reit + z0)dt =

1

2$i

˛

|z!z0|=r

f(z)

zdz

o que mostra que o valor de uma função holomorfa depende somente dos seus valores numacircunferência z0 + reit contida na sua região de holomorfia.

2.4.5. Desigualdades de Cauchy.

Corolário 2.33. Se f " H(!) e D(z0, R) $ !, então

"""f (n)(z0)""" .

n!

RnMR

onde MR = maxt'[0,2$]

""f(z0 + Reit)"".

Demonstração. O resultado segue da estimativa:"""f (n)(z0)

""" =n!

2$

""""

ˆ 2$

0

f(Reit + z0)

(Reit)ndt

"""" .n!

2$Rn

ˆ 2$

0

""f(Reit + z0)"" dt

. n!

2$Rn2$MR =

n!

RnMR.

!

Finalizamos esta subsecção com uma consequência importante do Teorema de Taylor,que manifesta clara diferença em relação à análise real.

2.4.6. O teorema de Liouville. A primeira é o teorema de Liouville, sem dúvidaum resultado que contraria a intuição adquirida com funções de variável real.

Definição 2.34. Uma função f : C & C diz-se inteira se é holomorfa em todo C, istoé, se f " H(C).

Teorema 2.35. (Liouville): Uma função inteira e limitada é constante.

Demonstração. Por hipótese f " H(C) e |f | . M . Pelas desigualdades de Cau-chy, temos

""f (n)(0)"" . n!

Rn M , mas f " H(D(0, R)) para todo R > 0. Logo pode-mos fazer R tão grande quanto quisermos o que implica f (n)(0) = 0 (n ' 1. Como

f(z) =+&

n=0f(n)(0)

n! zn ,(z " C, concluimos que f(z) = f(0), (z " C. !

Em conclusão, neste capítulo definimos funções diferenciáveis, holomorfas e analíticas,e mostrámos que estas noções são equivalentes em qualquer região do plano complexo. Emparticular, podemos ver os elementos do anel H(!) como funções ou como séries, de acordocom as necessidades. Vimos também alguns exemplos de funções diferenciáveis (nalgumaregião) e relacionámos raio de convergência com domínio de diferenciabilidade.

Começamos com as séries de Laurent e classificação de singularidades isoladas.

CAPíTULO 3

Funções Meromorfas e a Esfera de Riemann

Neste capítulo, vamos definir e estudar as funções meromorfas. Esta é uma classe defunções muito importante, e consiste nas funções numa dada região ! que são holomorfasem todos os pontos de ! à excepção de um conjunto discreto de singularidades, que sãotodas pólos.

Um exemplo fundamental de funções meromorfas consiste nas funções racionais, quesão quocientes de funções polinomiais. Assim, começaremos pelo estudo dos polinómios ede algumas das suas propriedades algébricas.

3.1. Séries de Laurent e Singularidades Isoladas

Tal como as funções polinomiais se generalizam para séries de potências, as funçõesracionais têm uma generalização: as séries de Laurent.

Definição de série de Laurent. Como vimos, uma série de potências convergenteestá naturalmente associada a um disco, o seu disco de convergência. Mais geralmente,a uma série de Laurent convergente podemos naturalmente associadar um anel, comoveremos.

Definição 3.1. Seja z0 " C e r1 < r2 " [0,-]. Um anel centrado em z0 e de raios r1 er2 é o conjunto

A(z0; r1, r2) = {z " C : r1 < |z ! z0| < r2}.

Como casos particulares temos A(z0; 0, r), que é um disco perfurado, também denotadopor D"(z0, r) = {z " C : 0 < |z ! z0| < r} e A(0, 0,-) = C".

Definição 3.2. Uma série de Laurent centrada em z0 é uma série da forma:+&'

n=!&

an(z ! z0)n =

&'

n=0

an(z ! z0)n +

&'

n=1

a!n

(z ! z0)n.

Assim, uma série de Laurent é a soma da sua parte regular+&

n=0 an(z ! z0)n com a suaparte principal

+&n=1

a!n

(z!z0)n . Como anteriormente, convém distinguir o caso das séries de

Laurent formais, em que a região de convergência é no máximo um ponto, do caso contrário,que serão chamadas séries de Laurent convergentes.

Convergência das séries de Laurent.

Teorema 3.3. Seja++&

n=!& an(z ! z0)n uma série de Laurent convergente. Então,existem r1 < r2 " [0,+-] tais que a série é uniformemente convergente em A(z0; r1, r2)e diverge em C \ A(z0; r1, r2). Além disso, esta série define uma função diferenciável noanel A(z0; r1, r2).

Demonstração. De acordo com o Teorema 2.13, a parte regular+&

n=0 an(z ! z0)n

converge num certo disco D(z0, r2) com r2 "]0,+-]. Por outro lado, a parte principal+&n=1

a!n

(z!z0)n é uma série de potências positivas na variável w = 1z!z0

. Logo, converge

quando w " D(0, 1r1

) para certo r1 "]0,+-], ou seja, para |w| < 1r1

que equivale a |z!z0| >

25

26 3. FUNÇÕES MEROMORFAS E A ESFERA DE RIEMANN

r1, o complemento de um disco fechado no plano z. Uma vez que a soma das duas partesconverge para algum valor de z, temos que r2 > r1. Assim, a série dada converge naintersecção das duas regiões, isto é, para r1 < |z ! z0| < r2. A demonstração que a sériedefine uma função diferenciável é análoga ao caso analítico. !

Tal como no caso das séries de potências não negativas, o recíproco também se verifica.

Teorema 3.4. Dada uma função f(z) diferenciável num anel A(z0; r1, r2), existe umasérie de Laurent centrada em z0,

++&n=!& an(z ! z0)n, tal que

f(z) =+&'

n=!&

an(z ! z0)n, em A(z0; r1, r2).

Alem disso, temos:

an =1

2$i

˛

|z!z0|=r

f(z)

(z ! z0)n+1dz,

para qualquer r " [r1, r2].

Singularidades isoladas.

Definição 3.5. Seja f uma função diferenciável num disco perfurado D"(z0, r) cen-trado em z0. Então diz-se que f tem uma singularidade isolada em z0 ou que z0 é umasingularidade isolada de f .

Classificação das singularidades isoladas. O teorema das singularidades de Rie-mann é o passo essencial para a classificação de singularidades.

3.1.1. O teorema da remoção das singularidades de Riemann.

Teorema 3.6. Seja ! uma região, z0 " ! uma singularidade isolada de f(z). Se f éholomorfa e limitada em !! {z0} então f pode ser extendida a uma função holomorfa emtoda a região !.

Demonstração. Podemos assumir que z0 = 0 " ! e escrevemos f(z) =+&

n=!& anzn

de acordo com o Teorema de representação em série de Laurent, num certo disco D. Comof(z) é limitada em D a função g(z) = zf(z) tem limite igual a zero quando z & 0. Assim,g é contínua em todo !. Isto significa que a função h(z) = z2f(z) = zg(z) é holomorfa em! porque, sendo naturalmente holomorfa em !! {z0} temos que h$(0) = limz#0

zg(z)!0z =

limz#0 g(z) = 0. Uma vez que h(0) = h$(0) = 0, podemos escrever

h(z) = z2f(z) =&'

n=!&

anzn+2 = a0z2 + a1z

3 + · · · ,

sendo esta uma uma série convergente em D. Ou seja, os an com índice negativo anulam-se e f(z) = a0 + a1z + a2z2 + · · · em D, o que implica que f é holomorfa também emz = 0. !

Se uma função f(z) é holomorfa num disco perfurado D"(z0, r), podemos escrever asua série de Laurent na seguinte forma:

f(z) =&'

n=0

an(z ! z0)n +

&'

n=1

bn

(z ! z0)n,

onde+&

n=1bn

(z!z0)n é a sua parte principal.

Definição 3.7. A singularidade z0 é chamada:

3.2. FUNÇÕES MEROMORFAS 27

• Removível se a parte principal é 0,• Pólo de ordem m, se a parte principal é

+mn=1

bn

(z!z0)n , com bm #= 0,• Essencial, se a parte principal não é uma série finita, ou seja, se para qualquer

N > 0 existe m > N com bm #= 0.Note-se que a definição de singularidade removível é consistente com o teorema das singu-laridades removíveis de Riemann.

Os pólos e as singularidades essenciais têm comportamentos fundamentalmente distin-tos. Mais precisamente, consideremos f " H(D"(z0, r)) e a seguinte função auxiliar, paran ' 0 inteiro, *n(z) = (z ! z0)nf(z). Assim, temos o seguinte resultado de classificação:

Teorema 3.8. Seja f diferenciável num disco perfurado D"(z0, r), e *n(z) a famíliade funções definidas acima, n = 0, 1, 2, ... . Então, temos:

(1) z0 é uma singularidade removível se e só se limz#z0 *0(z) existe,(2) z0 é um pólo de ordem n se e só se limz#z0 *n(z) existe e é não nulo,(3) z0 é uma singularidade essencial se e só se limz#z0 *n(z) não existe para nenhum

n " N.

Demonstração. ... !

3.2. Funções Meromorfas

Seja ! uma região de C, isto é, um subconjunto aberto, conexo e não vazio de C.

Definição 3.9. Uma função f diz-se meromorfa em ! se f é holomorfa em ! à excepçãode singularidades isoladas que são todas pólos ou singularidades removíveis de f . Maisprecisamente, f é meromorfa em ! se existe um subconjunto discreto de !, denotado porPf e chamado o conjunto de pólos de f , e tal que f " H(! \ Pf ) e z " Pf se e só se z éum pólo de f . Usamos a notação M(!) para indicar o conjunto das funções meromorfasna região !.

Recorde que S é um subconjunto discreto de ! se para cada ponto z0 " S, existe umdisco centrado em z0, D = D(z0, r) suficientemente pequeno, de tal forma que S*D = {z0},ou seja S * D"(z0, r) é vazio.

Observação 3.10. (1) Todas as singularidades de uma função meromorfa são isoladas,uma vez que os pólos são singularidades isoladas.(2) É evidente que se f é holomorfa em ! então é holomorfa em ! \ S para qualquersubconjunto discreto S $ !. Mas neste caso, as singularidades em S são todas removíveis.Assim, consideramos sempre que Pf consiste sempre em pólos (e ignoramos as singularida-des removíveis) porque assumimos que extendemos f de forma a estar definida em todasas singularidades removíveis.(3) Se f é meromorfa num conjunto compacto K, isto é, f " M(!) para certa região !que contém K, então Pf é um conjunto finito. Isto decorre do facto que um subconjuntodiscreto de um conjunto compacto é finito.

Exemplo 3.11. (1) Qualquer função holomorfa em ! é meromorfa em ! (Aqui Pf é oconjunto vazio).

(2) Para qualquer z0 " C, a função dada por f(z) = 1(z!z0)n , para n " N, é holomorfa

em C \ {z0}. Uma vez que z0 é um pólo de ordem n, temos que f(z) é meromorfa em C,isto é f " M(C).

(3) Se f(z) = 1p(z) onde p(z) é um polinómio não identicamente nulo é meromorfa em

C, e holomorfa se e só se p(z) é não constante. Aqui Pf coincide com o conjunto das raízesde p(z).

28 3. FUNÇÕES MEROMORFAS E A ESFERA DE RIEMANN

3.2.1. O corpo das funções meromorfas. O conjunto das funções meromorfasnuma região ! denota-se por M(!). Pelo exemplo (1) acima, temos H(!) $ M(!).

Anteriormente, vimos que H(!) é um anel, com a operações usuais de soma e produtode funções. Também em M(!) podemos somar, subtrair e multiplicar funções. Alémdisso, dadas duas funções meromorfas f, g " M(!), sendo g(z) não indenticamente nula,o quociente f(z)/g(z) é uma função meromorfa em !.

Proposição 3.12. Seja ! $ C uma região. M(!) é um corpo que contém o anelH(!).

Demonstração. Basta ver o caso do quociente f/g, com f, g " M(!) e com g #= 0.Neste caso, basta verificar que, quando f e g são representados por séries de Laurent,válida num certo disco perfurado, então podemos escrever f(z)/g(z) também como sériede Laurent, válida num certo disco perfurado, eventualmente menor que o inicial, mascertamente não vazio. !

3.2.2. Definição de ordem de um ponto.

Definição 3.13. Seja f uma função meromorfa (não identicamente nula) em ! ez0 " !. A ordem de f em z0, que se denota por ordz0(f), é o índice do primeiro termonão nulo da expansão em série de Laurent num disco perfurado em torno de z0. Maisprecisamente se f(z) =

+k(m ak(z ! z0)k é a expansão referida, onde am #= 0, então

ordz0(f) := m " Z.

Proposição 3.14. Seja f " M(!), z0 " ! e k = ordz0f . Temos:(1) k > 0 se e só se f é holomorfa em z0 e f(z0) = 0(2) k = 0 se e só se f é holomorfa em z0 e f(z0) #= 0(3) k < 0 se e só se z0 é pólo de f de ordem !k.

Demonstração. Exercício. !

Proposição 3.15. Sejam f, g " M(!) e z0 " !. Então:(1) ordz0(fg) = ordz0(f) + ordz0(f)(2) ordz0(f ± g) ' min{ordz0(f), ordz0(g)}(3) Se g não é a função nula, então 1

g " M(!) e ordz0(fg ) = ordz0(f) ! ordz0(f)

Demonstração. (1) e (2) Exercícios. O (3) convém mostrar... !

3.3. Funções Racionais

3.3.1. Definição de função racional. Vamos agora considerar as funções mais sim-ples a seguir aos polinómios.

Definição 3.16. Uma função racional é o quociente de dois polinómios em que odenominador não é o polinómio identicamente nulo. Assim, uma função racional é daforma

f(z) =p(z)

q(z)

onde q tem grau ' 0 1. Note-se que f não define unicamente p e q, pois podemos multiplicarp e q pelo mesmo polinómio não nulo, obtendo a mesma função racional. Assim, sem perdade generalidade, e salvo expressa menção em contrário, assumiremos sempre que f é umafracção irredutível, ou seja, p e q não contém raizes em comum.

1Como mencionado antes, convenciona-se que o polinómio nulo tem grau !1.

3.3. FUNÇÕES RACIONAIS 29

Uma vez que o conjunto dos zeros de q(z) é finito, este forma um subconjunto discretode C. Desta forma, temos.

Proposição 3.17. Uma função racional é uma função meromorfa em todo o planocomplexo.

Demonstração. De facto, as singularidades de f(z) = p(z)/q(z) são as raizes de q,um conjunto finito, e qualquer uma delas é um pólo de f , como facilmente se verifica. !

3.3.2. Polinómios e funções racionais. Naturalmente os polinómios, sendo funçõesinteiras, são casos muito particulares de funções racionais. Reciprocamente, é igualmentefácil de verificar que uma função racional f(z) = p(z)/q(z) escrita na forma irredutível, éholomorfa se e só se q(z) é constante, ou seja se e só se é um polinómio.

Lema 3.18. Uma função racional é holomorfa em C (ie, não tem singularidades) se esó se é um polinómio.

Demonstração. Exercício. !

3.3.3. Definição de Função racional própria e simples.

Definição 3.19. Uma função racional própria é uma função racional p(z)/q(z) em que%p < %q. Uma função racional simples é uma função racional própria da forma p(z)/(z!z0)k,para certos z0 " C e k " N (%p < k), ou seja, uma função racional própria que é holomorfaem C excepto num único ponto. Por vezes, usam-se também as expressões fracção própriae fracção simples, respectivamente.

Lema 3.20. (1) Se f(z) é uma fracção própria, então |f(z)| & 0 quando |z| & +-.(2) Se f1(z) e f2(z) são fracções próprias, então f1(z)f2(z) e f1(z)±f2(z) também são

fracções próprias.

Demonstração. Exercício. !

3.3.4. Decomposição das funções racionais. As funções racionais podem decompor-se usando o algoritmo de divisão dos polinómios.

Proposição 3.21. Qualquer função racional se pode escrever como a soma de umpolinómio e de uma função racional própria.

Demonstração. Algoritmo de divisão de polinómios. !

3.3.5. Decomposição das funções racionais próprias. Um resultado muito im-portante, que permite a simplificação de muitos problemas que envolvem funções racionaisé o da decomposição em fracções simples.

Proposição 3.22. Seja f(z) = q(z)p(z) uma função racional própria e seja p(z) = (z !

z1)k1 · · · (z!zl)kl a decomposição do denominador em factores (sem perda de generalidade).Então podemos escrever f(z) como soma de funções racionais simples

f(z) =q1(z)

(z ! z1)k1+ · · · + ql(z)

(z ! zl)kl.

Assim, para cada j = 1, ..., l o grau de qj é estritamente inferior a kj . Em particular,qj(z)

(z!zj)kj

é a parte principal de f(z) num disco perfurado em torno de zj .

30 3. FUNÇÕES MEROMORFAS E A ESFERA DE RIEMANN

Demonstração. Há duas demonstrações que vale a pena apresentar: uma é pura-mente algébrica e outra usa a análise complexa. Primeiro, vejamos a demonstração algé-brica para o caso de p(z) com duas raízes distintas. O caso geral é análogo. Assim, sejap(z) = (z!z1)k1(z!z2)k2 , deg p = k1 +k2, em que z1 e z2 são pontos distintos de C e q(z)um polinómio de grau < deg p. Como z1 #= z2, os polinómios (z!z1)k1 e (z!z2)k2 têm gcdigual a 1, pelo que, aplicando a identidade de Bézout (ver Apêndice) existem polinómiosq1(z) e q2(z) tais que

(3.3.1) q1(z)(z ! z2)k2 + q2(z)(z ! z1)

k1 = q(z).

Uma vez que q(z) não tem raízes em comum com p(z), zj não é raíz de qj(z), j = 1, 2.Dividindo por p(z) obtemos uma soma de fracções irredutíveis:

(3.3.2)q(z)

p(z)=

q1(z)

(z ! z1)k1+

q2(z)

(z ! z2)k2.

Note-se, no entanto, que os polinómios q1(z) e q2(z) que satisfazem a Equação (3.3.1) nãosão únicos, podendo-se efectuar as substituições seguintes, para qualquer polinómio r(z):

q1(z) %& q1(z) + r(z)(z ! z1)k1

q2(z) %& q2(z) ! r(z)(z ! z2)k2

Desta forma, tomando o resto da divisão de q1 por (z ! z1)k1 , podemos assumir que temosuma solução da Equação (3.3.1) com deg q1 < k1. Finalmente, como deg q < deg p, temosna Equação (3.3.2) duas fracções próprias, pelo que a terceira também o é (ver o Lemma3.20(2)).

Façamos agora a demonstração analítica, que identifica imediatamente cada termo coma parte principal correspondente. Uma vez que nenhum das raízes z1, ..., zl de p(z) é raízde q(z), vemos que ordzjf = !kj, pelo que podemos escrever a parte principal de f(z) em

torno de zj como qj(z)

(z!zj)kj

. Seja

h(z) = f(z) ! q1(z)

(z ! z1)kj! · · ·! ql(z)

(z ! zl)kl.

É fácil de ver que h(z) é holomorfa em todos os pontos (nos pontos zj tem singularidadesremovíveis) pelo que é inteira. Por outro lado, h(z) é uma fracção própria, pois é somade fracções próprias. Mas uma fracção própria que é holomorfa tem que ser zero, como severifica facilmente. !

Exemplo 3.23. Represente em frações simples

z2

(z2 + 4)(z ! 3)

O seguinte enunciado resume o essencial dos resultados nesta secção.

Teorema 3.24. Qualquer função racional própria q(z)/p(z) se pode escrever comoa soma de fracções simples. Cada uma destas fracções simples é a parte principal dodesenvolvimento em série de Laurent em torno de uma das raízes de p(z).

3.4. A esfera de Riemann

Há uma interpretação geométrica do conceito de função meromorfa que torna estadefinição mais natural. Para isso, introduzimos a esfera de Riemann.

3.4. A ESFERA DE RIEMANN 31

3.4.1. A esfera de Riemann.

Definição 3.25. A esfera de Riemann é o conjunto C& = C + {-} com a topologiaem que uma base para as vizinhanças de - são os complementos de D(0, R). Usando anotação D(-, r) = C \ D(0, 1

r ), podemos então dizer, como habitualmente, que ! $ C& éaberto se e só se para todo o ponto z0 " ! existe R > 0 tal que D(z0, R) $ !.

Observação 3.26. Com esta definição, a noção de continuidade pode explicar-se daseguinte forma. Uma função f : ! & C& é contínua em z0 se f é contínua no aberto! \ f!1(-) e se limz#z0 |f(z0)| = - sempre que f(z0) = -.

3.4.2. Equivalência entre funções meromorfas e funções com valores na es-fera de Riemann.

Proposição 3.27. Uma função meromorfa f em ! define uma função contínua !&C&, ao atribuirmos f(z) := - para todo z " Pf . Reciprocamente, uma função contínuaf : ! & C& com f " H(! \ f!1(-)) e f!1(-) discreto em !, define uma funçãomeromorfa em !, com Pf = f!1(-).

Demonstração. Exercício. !

3.4.3. Funções meromorfas no infinito. Como vimos, as funções racionais sãomeromorfas em C. Uma vez que as fracções próprias tendem para 0 no infinito, é naturalextender o domínio deste tipo de funções para conter o ponto do infinito na esfera deRiemann.

Definição 3.28. Seja f holomorfa numa região do tipo {z " C : |z| > R}. Diz-se quef tem uma singularidade removível, um pólo de ordem k ou uma singularidade essencialem - se a função g(z) := f(1

z ) tem uma singularidade removível, um pólo de ordem k ouuma singularidade essencial, respectivamente, em 0.

Desta forma, podemos extender a noção de função meromorfa a este tipo de funções.

Definição 3.29. Uma função f diz-se meromorfa no infinito se a função g(z) := f(1/z)é meromorfa no ponto z = 0. Analogamente, a ordem de f no infinito define-se comoord&f = ord0g. Uma função f diz-se meromorfa na esfera de Riemann se é meromorfa emC e é meromorfa também no ponto - " C&.

Podemos ver que as funções racionais, sendo funções meromorfas em C, podem considerar-se, de forma natural, como aplicações da esfera de Riemann em si mesma.

Lema 3.30. Uma função racional é meromorfa em C&.

Demonstração. Exercício (use a Proposição 3.27). !

3.4.4. Funções meromorfas na esfera de Riemann. Vamos agora classificar asfunções meromorfas em C&. Para isso, o seguinte resultado topológico é fundamental.

Lema 3.31. A esfera de Riemann é um conjunto compacto.

Demonstração. Exercício. !

A compacidade da esfera de Riemann permite mostrar o recíproco do Lema 3.30.

Proposição 3.32. Qualquer função meromorfa em C& é uma função racional.

Demonstração. Exercício. !

32 3. FUNÇÕES MEROMORFAS E A ESFERA DE RIEMANN

3.4.5. Projecção estereográfica. A esfera de Riemann pode ser obtida de três for-mas distintas, todas elas relevantes. Anteriormente, definimos a esfera de Riemann comoC& = C + {-} dando uma topologia a este conjunto.

Podemos caracterizá-la como a esfera usual em R3, à qual demos uma noção de estru-tura complexa.

Lema 3.33. A aplicação + : S2 & C& é um homeomorfismo.

3.4.6. A recta projectiva. Podemos também caracterizar a esfera de Riemann comoo espaço dos subespaços vectoriais de dimensão 1 em C2, ou seja, como a “recta projectivacomplexa”.

Lema 3.34. A aplicação , : CP1 & C& é um homeomorfismo (biholomorfismo).

3.5. Transformações de Möbius

3.5.1. Definição de transformação de Möbius.

Definição 3.35. Uma transformação de Möbius é uma função racional da formaT (z) = az+b

cz+d com ad ! bc #= 0.

Note-se que a condição ad! bc #= 0 é equivalente à condição de que pelo menos um dospolinómios az + b e cz +d é não constante, e que não têm nenhuma raíz em comum. Destaforma, uma transformação de Möbius é uma função holomorfa em todo o plano complexo,à excepção do ponto z0 = !d

c . No entanto, é fácil extender esta função a uma aplicaçãoT : C& & C&, que denotamos com a mesma letra, não havendo perigo de confusão. Paraesta extensão, definimos T (!d

c ) = - e T (-) = ac , onde se pode convencionar, de forma

não ambígua, que quando c = 0, temos dc = a

c = -.As seguintes poropriedades são úteis na caracterização destas transformações.

Proposição 3.36. Uma transformação de Möbius é uma aplicação bijectiva e contínuada esfera de Riemann nela própria.

Demonstração. A fórmula para a transformação inversa é fácilmente obtida atravésde

w =az + b

cz + d12 z =

1

ad ! bc

dz ! b

!cz + a.

Para a bijectividade, resta provar que isto é ainda uma função de C& para si próprio, o quese deixa ao leitor. A contínuidade em C \ {!d

c} é clara. Neste ponto e em -, o resultadosegue dada a topologia que colocámos em C&. !

Como vimos, a fórmula da transformação inversa é bastante simples no caso em quead ! bc = 1. Assim, quando escrevemos T (z) = az+b

cz+d com ad ! bc = 1, dizemos que Testá escrita na forma normalizada. Multiplicando numerador e denominador pelo mesmocoeficiente apropriado, vemos que qualquer transformação de Möbius se pode escrever naforma normalizada.

Proposição 3.37. Uma transformação de Möbius é uma aplicação conforme de C&

em C&.

Demonstração. Uma vez mais, para pontos de C\{!dc} o resultado segue da fórmula

da derivada:T $(z) =

ad ! bc

(cz + d)2#= 0.

Nos restantes pontos é também fácil verificar, mediante definição apropriada de aplicaçãoconforme (ver exercício ). !

Denotamos o conjunto das aplicações de Möbius por Mob e vamos agora caracterizá-lo.

3.5. TRANSFORMAÇÕES DE MÖBIUS 33

3.5.2. O grupo das transformações de Möbius. Seja GL(2, C) o grupo das matri-zes 23 2 invertíveis de entradas complexas, e SL(2, C) o subgrupo das matrizes invertíveisque têm determinante igual a 1. Seja

A =

%a bc d

&" GL(2, C),

e seja -A a transformação de Möbius dada por -A(z) = az+bcz+d .

Teorema 3.38. O conjunto das transformações de Möbius forma um grupo, isomorfoa PSL(2, C) (ou PGL(2, C)) que é, por definição, o quociente de SL(2, C) pelo seu centro.

Demonstração. Consideremos a aplicação - definida em SL(2, C), por -(A) := -A,para A " SL(2, C). Podemos provar que - : SL(2, C) & Mob é sobrejectiva, que é umhomomorfismo de grupos e que o seu núcleo é

ker(-) = ±I

onde I é a matriz identidade. Assim, pelo teorema do isomorfismo em grupos, temos queMob = SL(2, C)/ ± I grupo este que é, por definição PSL(2, C). !

3.5.3. Acção de Mob na esfera de Riemann. Este grupo actua na esfera de Rie-mann, C& de forma natural. Podemos ver que esta acção preserva a união das rectas comas circunferências do plano.

Definição 3.39. Uma circunferência de C& é uma circunferência em C ou uma rectaem C + {-}.

Assim, uma circunferência de C& é um conjunto compacto, sendo um conjunto fechadoem C&.

Proposição 3.40. A imagem de uma circunferência de C& por uma transformaçãode Möbius é novamente uma circunferência de C&.

Demonstração. Basta provar que qq transformação de Möbius é a composição detransformações de 3 tipos: translacções, dilatações e inversão. Todas estas preservamcircunferências de C&.

Supor c = 0. Então T (z) = az+bd . Supor c #= 0. Então, T (z) = az+b

cz+d =acz+ b

c

z+ dc

= #

z+ dc

+",

pela decomposição em fracções simples (de facto, " = ac e # = bc!ad

c2 #= 0). !

3.5.4. Pontos fixos. Qualquer transformação de Möbius não trivial tem apenas 1 ou2 pontos fixos.

Teorema 3.41. Seja T (z) = az+bcz+d uma tranformação de Möbius distinta da identidade,

escrita na forma normalizada. Então T tem um ponto fixo, caso a+d = ±2, ou dois pontosfixos, no caso contrário.

Demonstração. Segue directamente da resolução da equação quadrática az+bcz+d = z,

pela fórmula resolvente. !

3.5.5. Tripla transitividade. Este resultado permite mostrar que a acção de Mobem C& é transitiva, e além disso, uma transformação de Möbius é completamente deter-minada pela acção em triplos de pontos distintos.

Proposição 3.42. Dados três pontos distintos da esfera de Riemann, z1, z2, z3, existeuma única transformação de Möbius que envia z1 em -, z2 em 0 e z3 em 1.

34 3. FUNÇÕES MEROMORFAS E A ESFERA DE RIEMANN

Demonstração. Essa transformação de Möbius é dada por T (z) = z1!z3z2!z3

z2!zz1!z =

[z1, z2; z3, z] = [z3z1

z2z]. Para ver que só há uma transformação que fixa -, 0 e 1, usa-se

o facto de que 3 pontos determinam T . !

Teorema 3.43. A acção de Mob em C& é 3-transitiva; isto é, dados dois triplos(z1, z2, z3) e (w1, w2, w3) de pontos distintos (zi #= zj e wi #= wj, sempre que i #= j "{1, 2, 3}) existe uma única transformação de Möbius M(z) tal que M(z1) = w1, M(z2) =w2 e M(z3) = w3.

Demonstração. É imediato da Proposição. !

3.5.6. A razão cruzada.

Definição 3.44. A razão cruzada dos complexos z1, z2, z3, z4 é o número [z1, z2; z3, z4] =z1!z3z2!z3

z2!z4z1!z4

. É fácil de ver que a razão cruzada está bem definida sempre que z1, z2 e z3

são pontos distintos em C& (mas z4 pode ser igual a um desses três pontos).

Proposição 3.45. A razão cruzada é invariante pelas tranformações de Möbius.

Demonstração. Façamos a demonstração para T (z) = az + b " Mob. Assim,

[T (z1), T (z2);T (z3), T (z4)] =T (z1) ! T (z3)

T (z2) ! T (z3)

T (z2) ! T (z4)

T (z1) ! T (z4)=

z1 ! z3

z2 ! z3

z2 ! z4

z1 ! z4= [z1, z2; z3, z4].

Para J(z) = 1/z, temos

[J(z1), J(z2);J(z3), J(z4)] =1z1

! 1z3

1z2

! 1z3

1z2

! 1z4

1z1

! 1z4

=z3 ! z1

z3 ! z2

z4 ! z2

z4 ! z1= [z1, z2; z3, z4].

Como qualquer transformação de Möbius é composição destas, o resultado segue. !

3.5.7. Famílias interesantes de transformações de Möbius.

Lema 3.46. As transformações de Möbius que preservam apenas o - são da formaT (z) = az+b com a #= 0. As transformações que preservam 0 e - são da forma T (z) = )zcom ) #= 0.

Demonstração. Fácil. !

Proposição 3.47. As transformações de Möbius que preservam o “equador da esferade Riemann”, isto é R& := R+{-}, são da forma f(z) = az+b

cz+d com a, b, c, d reais (e claro,ad ! bc #= 0).

Demonstração. Seja f(z) = az+bcz+d uma transformação de Möbius com coeficientes

a, b, c, d reais. Então f(x) " R& para qualquer x " R, e f(-) = ac " R&, donde f preserva

R&. Reciprocamente, se f preserva R&, também f!1 preserva R& (pela bijectividade),pelo que existem x1, x2, x3 " R& distintos tais que f(x1) = -, f(x2) = 0, f(x3) = 1.Assim, usando a razão cruzada, f tem coeficientes reais. !