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OS SIMPÓSIOS DA EDITORIAL Cáritas Editorial Po N.º 05 | ABRIL 2016 A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER NA CÁRITAS DIOCESANA DE LAMEGO

A Aliança do Pensar e do Fazer na Cáritas Diocesana de Lamego

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Os simpósiOs da EditOrial

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N.º 05 | aBril 2016

A ALIANÇA DO PENSARE DO FAZERNA CÁRITAS DIOCESANA DE LAMEGO

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EDITORIAL CÁRITAS

Praça Pasteur, nº 11 ‑ 2.º, Esq.1000 ‑238 [email protected]. +351 911 597 808, fax. +351 218 454 221

ÍNDICEa aliaNça dO pENsar E dO fazEr Na cáritas diOcEsaNa dE lamEgO 3

ENtrEvista a d. aNtóNiO cOUtOBispo da diocese de lamego 4

ENtrEvista à dra. isaBEl cOstapresidente da cáritas diocesana de lamego 6

Um gENOcÍdiO dE prOXimidadEapresentação de Eugénia Quaresma 8

ENtrEvista aO prOf. dOUtOr JOsÉ paUlO lOUsadOpresidente da Escola superior de tecnologia e gestão de lamego 11

iNtErvENçÕEs dO sEmiNáriO “ENtrE mUrOs E miragENs: sEr rEfUgiadO” 13

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a aliaNça dO pENsar E dO fazEr

A ALIANÇA DO PENSARE DO FAZER NA CÁRITAS DIOCESANA DE LAMEGO

No dia 9 de março, a Editorial Cáritas aliou‑se à Cáritas Diocesana de Lamego e ao Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego (ESTGL) do Instituto Su‑perior Politécnico de Viseu (IPV), numa iniciativa subordinada ao tema “Entre Muros e Miragens: Ser Refugiado”.O simpósio, que decorreu no Teatro Ribeiro Conceição em Lamego, contou com a participação de 150 pessoas, entre alunos, docentes e profissionais da área social.Durante a sessão de abertura, o Presidente do Instituto Politécnico de Viseu reforçou “a importância da realização deste Seminário, em primeiro lugar pela pertinência e atualidade do tema em debate e em segundo lugar pelo envolvimento das instituições locais, no caso Câ‑mara Municipal e Cáritas Diocesana de Lamego”.O seminário contou com um conjunto de comunicações que foram apresentadas nos seguintes momentos: o primeiro painel do dia foi de‑dicado à questão dos refugiados na Europa, tendo sido designado “O contexto político-demográfico da Europa”; o segundo painel recaiu sobre a necessidade de conhecer e compreender a situação dos refu‑giados, de forma a corresponder com uma ação acertada – “População refugiada: conhecer para intervir”; e a última sessão foi dedicada ao acolhimento e integração dos refugiados no espaço europeu – “Aco‑lhimento e integração.

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Editorial Cáritas (EC): Em Mesa de Palavras, o blogue que o Se-nhor D. António Couto man-tém, escreveu que é “impossí-vel travar o amor”. Podemos pedir-lhe que partilhe connos-co esta sua reflexão?

d. antónio Couto (d. aC): Sim, escrevi que é «impossível travar o caminho do amor», a propó‑sito do texto do Evangelho do Domingo IV do Tempo Comum deste Ano C (Lc 4,21‑30). A pá‑gina da Escritura aberta por Je‑sus na sinagoga de Nazaré, que se cumpre HOJE nos nossos ouvidos, leva os seus conterrâ‑neos a olhar para Ele de forma enviesada e redutora, não vis‑lumbrando nele nada de divino e querendo fixá-lo ao chão de Nazaré, como «filho de José» (v. 22). Esta oposição dos seus conterrâneos de Nazaré, que o queriam matar logo ali, precipi‑tando‑o do alto da cidade (v. 29), não será, todavia, suficiente para travar a história de Jesus, como

também não o conseguirão fa‑zer aqueles que o perseguem, prendem, crucificam e conti‑nuam a crucificar ainda HOJE. Na verdade, como no episódio programático de Nazaré, Ele passará pelo meio deles (v. 30), como continua ainda HOJE a passar pelo meio de nós. Mas é o amor novo (agápê) que Je‑sus traz consigo que não pode ser travado nem precipitado dali abaixo, da Cruz abaixo! Na verdade, o amor de Jesus não se confina ao seu grupo de ami‑gos, a nenhum grupo de amigos, uma vez que Jesus ama todas as pessoas, inclusive os seus inimi‑gos, até aqueles que o querem matar, e o matam. Enquanto isto, Pedro diz‑se amigo de Jesus, e, em nome dessa amizade (philía), confessa estar disposto a dar a sua vida por Jesus (Jo 13,37), e pensa que também Jesus estará disposto a dar a sua vida por ele, dado que é seu amigo. Pe‑dro entra em crise e nega até conhecer Jesus (Jo 18, 17.25‑27)

quando se apercebe que, afinal, Jesus não está apenas vincula‑do a Pedro e ao seu grupo de amigos, mas se prepara para dar a sua vida por todos, até pelos seus assassinos. Há aqui um amor novo, que rebenta qual‑quer grupo de amigos, pois não cabe em círculo nenhum. Este confronto entre o amor novo de Jesus e a amizade verdadeira de Pedro reaparece no último diálogo entre os dois, nas mar‑gens do Mar da Galileia. «Simão, filho de João, tu amas-me (aga‑páô) mais…?». «Sim, Senhor, Tu sabes que eu sou teu amigo (philéô)» (Jo 21,15‑17). Quando Pedro perceber este amor novo, que não cabe em nenhum gru‑po de amigos, saltando sempre para fora, também ele saberá dar a sua vida por amor àqueles que o querem matar, e o matam. É, portanto, impossível travar o caminho do amor.

EC: Senhor D. António Couto, o encontro em Lamego, a 9 de

ENtrEvista aD. ANTÓNIO COUTOBispO da diOcEsE dE lamEgO

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Março, sobre a questão dos refugiados permitiu-nos desenvolver uma nova capacidade de aco-lhimento? Uma forma de acolhimento “quase instintiva” a partir de uma “cultura da miseri-córdia” para usar as suas palavras?

d. aC: O encontro em Lamego permitiu‑nos cer‑tamente começar a ver as coisas de uma maneira nova e diferente, mais instintiva e inclusiva, isto é, misericordiosa, comovida e compassiva. Permi‑tiu‑nos começar a ver de forma diferente. Espero que este começo tenha seguimento, cresça, flo‑resça, amadureça, e dê bons frutos. Faça surgir novos paradigmas, também no domínio da cultu‑ra e da educação, que é onde fermenta o mundo novo. Uma educação que apenas transmita os valores do grupo, em termos de códigos linguís‑ticos, étnicos, históricos, religiosos, será sempre uma educação fechada e doentia, que faz da pes‑soa parte de uma totalidade fechada ao outro, ao diferente de si. Este tipo de cultura rejeita e não reconhece o diferente, o rosto do outro. A lógica identitária é sempre totalitária. Educar para a fé, ou educar simplesmente, também não é recon‑duzir a pessoa para si mesma, numa lógica indi‑vidualista, egocêntrica e autorreferencial. Educar para a fé, ou educar simplesmente, é, antes, levar a pessoa a abrir‑se ao outro, ao diferente de si, ao acolhimento, e não ao fechamento, que nos leva a fechar‑nos dentro das fronteiras do nosso grupo de pertença. Portanto, aí estão as referên‑cias e as frequências do novo paradigma e dos velhos paradigmas: eu‑para‑o‑outro (paradigma alteritário), e não eu‑para‑mim‑mesmo (paradig‑ma individualista, narcisista e autorreferencial), nem eu‑parte‑do‑todo (paradigma identitário e totalitário).

EC: Que papel desempenha a Editorial Cáritas para o cumprimento deste objetivo, e muito em especial, no caso da diocese de Lamego?

d. aC: A Editorial Cáritas, através dos instru‑mentos e desafios culturais que pode fornecer às pessoas, pode ajudar a romper a crosta da

indiferença, do estiolamento, da anestesia, da equivalência (= vale tudo, e tudo vale o mes‑mo), e abrir novos caminhos que possibilitem às pessoas experiências de uma nova fraternidade. Já passaram anos suficientes sobre a Revolução Francesa, e todos já nos apercebemos, com os bons pensadores à cabeça (por exemplo, o filó‑sofo Jean‑Luc Marion), que a fraternidade não desabrocha da liberdade e da igualdade. Estes dois últimos valores têm sido objeto de muitas lutas, e registaram‑se progressos assinaláveis. Mas a fraternidade permanece onde estava em 1789, se é que não regrediu mesmo. E a razão é fácil. Pela fraternidade não se luta. A fraternida‑de não se conquista. A fraternidade recebe‑se! Quando nascemos já somos irmãos. Sim, a fra‑ternidade recebe‑se do amor dos nossos pais, e, em última análise, de Deus, nosso Pai. A fraterni‑dade leva‑nos, pois, para o domínio da passivida‑de e da recetividade, que são domínios avessos a uma sociedade de posse, ativa e executiva. A lição que podemos aprender com Israel, percor‑rendo o chão bíblico, é que viver, antes de ser projeto nosso, é recetividade, antes de ser ação nossa, é acolhimento, antes de ser cogito [= eu penso], é cogitor [= sou pensado], antes de ser amo [= eu amo], é amor [= sou amado], antes de ser atividade, é passividade que, como gosta de dizer Levinas, é a passividade mais passiva de toda a passividade, dado que se trata da passi‑vidade a respeito do Bem, que não se escolhe, mas que nos escolhe, e escolhendo‑nos, eleva‑nos à liberdade e à responsabilidade. Concordo outra vez com Jean-Luc Marion, quando afirma que a grande questão filosófica de hoje não é de ordem gnoseológica (como e o que podemos conhecer), mas de ordem erótico‑agápica, que nos leva a questionar sobre «o que é o amor», e, sobretudo, «se somos amados» e «se amamos». Aí está então o caminho imenso, com muitas ra‑mificações, que a Editorial Cáritas deve prosse‑guir, e ajudar outros a refletir e caminhar. Claro que ficaram algumas sementes em Lamego. Hão de desabrochar, florescer, frutificar.

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Editorial Cáritas (EC): No dia 9 de Março, no Teatro Ribeiro Conceição, a cidade de Lamego acolhe uma reflexão nacional sobre a questão dos refugia-dos. Que importância tem para a Cáritas Diocesana de Lamego este evento?

isabEl Costa (iC): Consideran‑do que os problemas que hoje afetam a sociedade, num mun‑do tão desprovido de valores, somos de parecer que o tema escolhido para o Simpósio foi o adequado. Aquando da sua seleção, em articulação com a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego e sentindo que no público em geral havia muitas dúvidas sobre a ques‑tão dos refugiados, seria mui‑to pertinente a organização de um encontro, como forma de reflexão e esclarecimento de dúvidas nas suas múltiplas ver‑tentes, inclusivamente medo e preconceito.Passou‑se da conceção à orga‑nização do evento subordinado ao tema: “Entre Muros e Mira‑gens: Ser Refugiado”, com um vasto leque de conferencistas,

cada qual com a sua visão mas todos unidos numa só voz: é necessário unir esforços para que todos os responsáveis políticos e demais instituições possam dar o seu contributo para minorar o problema des‑tas famílias que abandonam o seu país , no momento a viver uma guerra sem fim à vista. Para a Cáritas Diocesana de Lamego, a realização deste evento permitiu sensibilizar a população para o facto de que, enquanto organismo de cariz católico centrado no Co‑ração da Igreja, está atenta às problemáticas atuais e a agir em conformidade, sempre que para tal for solicitada. Devemos preocupar‑nos sempre com as pessoas, com os que mais so‑frem, não só em termos de aju‑da material mas também numa perspetiva de diálogo, sabendo ouvir e ajudando no que for possível.Nesta senda, recordo as pala‑vras sábias do papa Francisco quando diz que “a Europa não se pode dar ao luxo de perder os valores e os princípios da humanidade” e a Igreja deve ter

sempre as suas portas abertas, tendo em conta a importância do acolhimento de todos.

EC: Como definiria a relação entre a Cáritas Diocesana de Lamego e o Instituto Politécni-co de Viseu? Qual a importân-cia desta proximidade para o desenvolvimento do trabalho da Cáritas?

iC: Na Escola Superior sediada em Lamego são ministrados vários cursos, entre os quais a Licenciatura em Serviço So‑cial e mestrado em Gestão de Organizações Sociais. Dadas as características específicas da Cáritas, uma parceria com a escola é sem dúvida uma mais-valia para uma aprendizagem e colaboração permanentes, tendo em vista a formação dos jovens que ali enriquecem o seu saber, sobretudo na área social. Hoje é cada vez mais im‑portante esta vertente, tendo em conta as características das zonas geográficas do interior do nosso país, tão envelhecido e tão só. A Diocese de Lame‑go não é exceção. Penso que

ENtrEvista àDRA. ISAbEL COSTAprEsidENtE da cáritas diOcEsaNa dE lamEgO

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poderemos dar um grande contributo face aos valores explícitos na missão da Cáritas, valores e ligação a projetos nacionais e internacionais.Importa referir que a parceria feita entre a Cári‑tas Portuguesa, a Cáritas Diocesana de Lamego e a escola Superior de Tenologia e Gestão de Lamego, na atribuição do Prémio Maria Augusta Lima (pessoa de vulto da Diocese que dedicou toda a sua vida aos mais desfavorecidos), com a publicação da melhor Tese de Mestrado do cur‑so da área social, veio estreitar ainda mais os laços de trabalho e colaboração com a escola nas atividades que se vierem a organizar e ou realizar, no sentido de valorização do Serviço Social, na verdadeira aceção da palavra.

EC: O Senhor D. Jorge Ortiga afirmou, há não muito tempo, que as obras da Editorial Cári-tas são fundamentais para pensarmos o agir. Podemos perguntar-lhe se concorda com esta afirmação?

iC: Pessoalmente, penso as obras da Editorial são bem ilustrativas de todas as valências que a Cáritas encerra. Olhando para os temas abor‑dados, acho que são uma mais‑valia no nosso

trabalho diário. Entre as obras publicadas, des‑tacaria as que nos levam a refletir sobre o que tem sido feito ao longo dos tempos na área so‑cial, através do exemplo que nos foi legado por personalidades que dedicaram a sua vida aos pobres, as que abordam temáticas relacionadas com a gerontologia, as que recordam o papel da Igreja enquanto instituição que difunde a men‑sagem de Cristo sobre o Amor ao Próximo e a Caridade, entre outras. No fundo, na senda do que referiu o Senhor Dom Jorge Ortiga, no nosso trabalho não nos devemos centrar só em discutir as problemáticas que nos rodeiam, mas sim procurar atuar com ponderação e de uma forma assertiva, sempre numa perspetiva de en‑quadrarmos as diferentes situações numa deter‑minada época e com desafios sempre novos. O mundo de hoje exige de nós uma nova postura, uma maior abertura à inovação e à influência das novas tecnologias, mas não devemos es‑quecer os valores e os princípios básicos que presidem à nossa formação de base, enquanto cristãos, que procuramos exercer funções de trabalho pastoral social na comunidade em que estamos inseridos.

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UM GENOCÍDIODE PROXIMIDADEaprEsENtaçÃO dE EUgÉNia QUarEsma*

O Ruanda era um país desconhe‑cido para mim, até à leitura deste livro, digamos que a primeira vez que ouvi falar do Ruanda estava muito distraída. E a primeira vez em que comecei a prestar atenção, desconhecia a sua localização no mapa. Um dia, algures pelos primei‑ros anos do III milénio, por ocasião do Dia Mundial do Refugiado. Escu‑tei o testemunho de uma mulher ruandesa que chegou a Portugal com os filhos após um longo per‑curso de fuga. Na altura era acom‑panhada por duas instituições que hoje acredito já não serem tão des‑conhecidas, CPR (Conselho Por‑tuguês para os Refugiados) e JRS (Serviço Jesuíta para os Refugiados). Lembro‑me de uma mulher que iniciou a sua partilha dizendo: «Ser refugiado é uma tragédia que chega sem avisar». Hoje estou convicta

de que a condição de refugiado re‑sulta de uma circunstância imposta que se quer e se deseja provisória. Ninguém escolhe ser refugiado ou deslocado à força.E uma outra pessoa, cujo país não consigo identificar, mas recordo que partilhava os fatores sócio complicativos para o acolhimento e integração. Eram eles ser reco‑nhecido com o estatuto de refu‑giado, ser mulher, ser negra, e ter a sua habilitação literária reco‑nhecida pelos países de destino. Não é fácil acolher quem não se conhece, mas o acolhimento é uma necessidade, e torna‑se um imperativo quando ousamos olhar, escutar sem julgar, despir‑nos de preconceitos e contribuir para tocar a ferida do outro.Após ler este livro, fiquei curiosa por ver imagens do país antes do

genocídio, e deparei‑me com um país verde, com pontos de atra‑ção turísticos, cujas cenários já ti‑nham servido para rodar um filme de Hollywood: Gorilas na Bruma, na altura com muito sucesso. Com o livro descobri que neste pequeno território conviveram pacificamente, por mais de dois mil anos, habitantes com caracte‑rísticas distintas os Twa, pigmeus nómadas, os hútus (agricultores), os Tutsi (administradores) e per‑cebi que o fator da colonização, busca de independência sem al‑ternativas diferentes, da vivência dominador/ dominado, pesou na desumanização e concretização da barbárie tão documentada e analisada neste livro.Busco a simplicidade das palavras para falar de uma acontecimento trágico da nossa humanidade, um

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genocídio é desde tempos imemoriais uma tragé‑dia, contudo apenas só em meados do século XX encontrámos conceitos e instrumentos capazes de classificar e punir tamanha monstruosidade.Ao contar a história do genocídio, a autora conduz‑nos pelas dificuldades de se construir e implementar a justiça neste percurso de humanização, reclamado por todos nós. E ao analisar cada passo e ao afirmar cada conquista revela como basta o empenho de um cidadão para iniciar um processo de mudança: por exemplo Raphael Lemkins, um jurista polaco, que morreu no anonimato, e permitiu a elaboração de uma proposta de lei que condena a barbárie e o vandalismo. Barbárie que «corresponde à destrui‑ção premeditada de coletividades nacionais, raciais, religiosas ou sociais e o vandalismo à “destruição de obras de arte e cultura enquanto expressão do gé‑nio particular de tais coletividades» esta definição é familiar, a barbárie e o vandalismo acontecem ainda hoje, somos testemunhas também oculares, por via dos avanços dos meios de comunicação social. Por intermédio da comunicação social tomei conheci‑mento numa notícia publicada a 5 de fevereiro 2016 que o Parlamento Europeu classificou como «geno‑cídio as atrocidade que têm vindo a ser cometidas na Síria e Iraque por motivos religiosos contra mi‑norias como os cristãos ou os Yazidis».Ao longo do livro lemos e intuímos advertências claras para os perigos que corremos no século XXI. Temos que aprender com a história «as obrigações para com a humanidade, sobrepõem‑se às obriga‑ções dos Estados» Ninguém pode alegar que estava a cumprir ordens ou a cumprir a lei. Esta consciên‑cia é fundamental para a prevenção, dissuasão e re‑pressão do crime de genocídio.A convenção para a prevenção e Repressão do crime de genocídio é uma tentativa legal de interromper a espiral de violência. Os sobreviventes e testemunhas que as abraçam e os estados que as subscrevem são os que ousam dizer e escrever NUNCA MAIS.No Ruanda a impunidade legitimou e alimentou a onda de violência. Não é por acaso que na lista dos objetivos para o desenvolvimento sustentável dos estados se encontra o funcionamento eficaz das ins‑tituições judiciais, enquanto promotoras de paz.NÃO HÁ PAZ SEM JUSTIÇA, NEM JUSTIÇA SEM PERDÃO (escrevia o Papa João Paulo II no tema da

mensagem para dia mundial da paz de 1 de janeiro de 2002)A manipulação daquele povo, pode equipara‑se à manipulação da opinião pública, a que estamos sujei‑tos. Somos vulneráveis, às polarizações partidárias, às ideologias e propagandas xenófobas. Se não esti‑vermos atentos, e ainda assim estamos sempre su‑jeitos a que o medo nos bloqueie e paralise, ou faça retroceder gestos de fraternidade ou solidariedade.Escutámos, no livro, a denúncia que recai sobre os países colonizadores, o fracasso da intervenção in‑ternacional, a tentativa de redenção, a tentativa de implementação da justiça e a contribuição da justiça tradicional neste processo de reconciliação.Permitam‑me que assinale com o círculo vermelho, os capítulos II e III, são chocantes e um verdadeiro exame à nossa indiferença. Para além de caracterizar a população ruandesa e o modo como se organizava, num dado período da história surgem povos um povo que vêm habitar estas terras e que alimentam as diferenças e as ten‑sões, no pior sentido «seguindo a lógica de dividir para reinar os belgas alteram a organização do Esta‑do ruandês, adaptando‑a às necessidades de poder colonizador…p.59»O impacto das colónias na história de um povo, e efeitos nefastos de caminhar para a independência, sob um regime colonial que favorecia um grupo mi‑noritário em detrimento de outro grupo, são alguns dos degraus que permitiram chegar à solução final, eliminar a minoria Tutsi. A autora apresenta‑nos as razões, geográficas, económicas, políticas, culturais e demográficas aliadas a uma cultura de impunidade. Já em cima referida.O período entre 1959 (revolução hútu) e 1994 (ge‑nocídio), foi um tempo de perseguições e massacres aos Tutsi, interpretados pela comunidade interna‑cional como guerras civis.No IV capítulo uma vez registado o fracasso das organizações internacionais, e a subsequente tenta‑tiva de reabilitar‑se, a ONU teve que enfrentar as legítimas reservas do povo ruandês; pois apuradas as falhas, o veredicto foi culpada por omissão, pois por erro de análise, centraram‑se apenas na questão da guerra civil, e não atuaram de uma forma eficaz. Importa dizer que esta comunidade internacional que se ausenta para mais tarde regressar, numa

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tentativa de contribuir, para a restauração da justiça carece de mecanismos de interculturalidade, que ti‑veram que existir no Ruanda pós genocídio.Quero com isto fazer a transição para o capítulo do pós genocídio em que importou articular modelos ocidentais de justiça com modelos africanos, tra‑go‑vos as gacaca (um modelo de justiça mais com‑preensível dos ruandeses) ou Justiça na Relva.Realço este aspeto para reforçar a importância das construções conjuntas e transnacionais. Recons‑truir localmente com o povo, valorizando a sabedo‑ria própria da cultura.Após a leitura deste livro interrogamo‑nos e vamos percebendo como é possível perder a essência do que nos humaniza … o conceito Ubuntu (doutrina Sul Africana) que resumindo fala‑nos da essência do ser humano, conduz‑nos a esta interrogação: Onde está a nossa humanidade?«Uma pessoa ubuntu, usa a sua força em prol dos outros – dos fracos, dos pobres e dos doentes – e que não se aproveita de ninguém. De facto essa pes‑soa trata aos outros como gostaria de ser tratada. Partilha o seu valor com os demais, e daí resulta o reconhecimento da humanidade que nos habita e permanece indestrinçavelmente ligada aos outros.Sou humano porque pertenço. UMA PESSOA SÓ É efetivamente alguém ATRAVÉS DE OUTRAS PES‑SOAS. Toda a humanidade está interligada.» pode ler‑se na introdução do Livro Fé ‑ Palavras do Arce‑bispo Desmond Tutu.«Um genocídio não é um acontecimento isolado, inscreve‑se numa história e na História, é o culminar de um processo que excede os limites temporais e geográficos da eliminação física das vítimas.A desumanização do outro – é a causa e consequên‑cia de uma narrativa enraizada no passado que se vai desenrolando e o vai relegando simultaneamente à categoria de ser inferior, e de inimigo mortal.Visto à distância, o genocídio surge como um acon‑tecimento chocante, inesperado, excecional e im‑pensável.» pg.23À luz desta experiência e deste livro vale a pena pensar e dar a volta a isto.Entre muros e miragens existe o sonho, o desejo e a necessidade de ser pessoa reconhecida e valorizada

na sua dignidade independentemente do espaço em que se encontre.Entre muros e miragens encontra‑se e constrói‑se o sonho, o desejo e a necessidade de ser tratado como pessoa neste mundo que visto do espaço não tem fronteiras.O planeta é um bem comum e temos que caminhar para justa distribuição dos recursos, pela dignifica‑ção da pessoa, da família e de povos. Esta verdade constrói‑se no cuidado das nossas re‑lações interpessoais e interinstitucionais. Um genocídio de proximidade combate‑se com re‑lações de verdadeira proximidade acolhimento, cor‑reção fraterna, diálogo, festa... Com todos os nossos sentidos caminhemos na construção de uma só fa‑mília humana.

*Diretora da Obra Católica Portuguesa das Migrações

Livro: Um Genocídio de Proximidade

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Editorial Cáritas (EC): Como definiria esta relação entre o Instituto Politécnico de Viseu, e muito em especial a Escola Su-perior de Tecnologia e Gestão de Lamego, e a Cáritas? Qual a importância para a região?

José Paulo lousado (JPl) – A ESTGL, como estabelecimento de ensino superior cuja oferta formativa inclui diversas áreas, designadamente a de Serviço Social, reconhece na parceria com a Cáritas uma importante plataforma para a implementa‑ção de projetos de índole so‑cial, em que os alunos da escola podem participar ativamente, quer em contexto de trabalho – estágio – quer na vertente do voluntariado, tendo já sido rea‑lizadas várias iniciativas conjun‑tas. Em relação à região, gosta‑mos de acreditar que beneficia desta parceria primordialmente por duas vias: por um lado, pela natureza solidária das interven‑ções dinamizadas que, pela pro‑ximidade existente, possibilitam prestar apoio e gerar respostas

de forma quase imediata e di‑recionada a diferentes situações de emergência social que nos vão chegando, nomeadamente por via da realização de cam‑panhas de recolha de bens ali‑mentares, vestuário, material escolar, entre outros; por outro lado, pelo impacto gerado com a criação de sinergias entre gru‑pos de trabalho da ESTGL e os grupos sócio caritativos ligados à Cáritas, como foi o caso do Simpósio que recentemente organizámos em torno de uma questão social tão importan‑te como é a da integração de população migrante e refugiada. Atendendo a que a Diocese se estende por um vasto territó‑rio, acreditamos que a nossa parceria transporta a marca ESTGL para outros locais, mos‑trando que a Escola não se con‑fina a “quatro paredes” e encara sua responsabilidade social com muita seriedade: acolhendo; partilhando; sendo solidária; contribuindo de forma mais in‑cisiva para a formação e ação ética e civicamente responsável

dos estudantes, futuros cida‑dãos. Neste campo todos tere‑mos certamente muito a ganhar, mas principalmente a aprender, num conceito que, hoje, nos de‑fine no campo social – ensinar hoje, aprender amanhã – repre‑sentando uma inversão do con‑ceito tradicional para enfatizar a centralidade da aprendizagem contínua, com as lições de vida, com a capacidade de sofrimen‑to e de resiliência, de quem so‑fre as agruras da vida e as con‑segue contornar.

EC: Que importância atribui à preocupação da Editorial Cári-tas com o fomentar da inves-tigação - através da publicação da melhor tese de mestrado - sobre as grandes figuras trans-formadoras da ordem social no último século em Portugal?

JPl: O mestrado em Gestão de Organizações Sociais, na sua primeira edição atualmente, vê nesta iniciativa de publicação da melhor tese, por parte da Edito‑rial Cáritas, uma oportunidade

ENtrEvista aOPROF. DOUTORjOSé PAULO LOUSADOprEsidENtE da EscOla sUpEriOr dE tEcNOlOgia E gEstÃO dE lamEgO

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de ostentar a excelência do ensino e da produ‑ção científica existente fora dos grandes centros, tradicionalmente perspetivados como redutos da ciência. As regiões do interior são particularmente colocadas para segundo plano nas grandes opções e projetos. A prová-lo está a dificuldade com que se debatem para fixar capital humano de qualidade e para captar investimento, obstáculo que lhes cer‑ceia de forma muito significativa a possibilidade de alcançar os níveis de produção de conhecimento e investigação científica que existem nas regiões do litoral. Ao estimular a investigação sobre as gran‑des figuras transformadoras da ordem social do século XX, a Editorial Cáritas está não somente a promover o espírito de investigação sobre capital humano, mas também a incentivar os nossos es‑tudantes a olharem para as pessoas, não pelo seu valor material, mas acima de tudo pelo seu espírito e intervenção altruísta, pautados pelo “fazer bem aos outros”, evitando que caiam no esquecimento.

EC: Qual a relevância das publicações da Edito-rial Cáritas para o mundo universitário?

JPl: A Editorial Cáritas é, sem dúvida, um parcei‑ro com muito potencial para as instituições de

ensino superior universitário e politécnico, uma vez que através da sua atividade de divulgação e publicação, pode gerar‑se e transferir‑se conhe‑cimento e instigar-se à reflexão e investigação de temas de enfoque social, muitas vezes pre‑teridos por outro tipo de publicações. As lições aprendidas com a publicação de testemunhos e de boas práticas, principalmente de âmbito social e caritativo, são de extrema importância para o mundo académico, servindo como casos de estudo que dão rosto e traduzem uma rea‑lidade muitas das vezes difícil de transportar e perspetivar em contextos puramente académi‑cos. Ao abordar as questões sociais da atuali‑dade, nomeadamente as migrações, os refugia‑dos, a pobreza, a fome, apenas para mencionar algumas, salientando o papel das instituições de solidariedade social, das ações de voluntariado e de cada um de nós, enquanto pessoa humana e agente de transformação sociocultural, a Edito‑rial está indubitavelmente a contribuir para criar um espaço público de reflexão por via da leitura que propicia. Um espaço que se deseja profícuo na formação da pessoa humana, na verdadeira aceção das palavras.

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INTERVENÇÕES DO SEMINÁRIO “ENTRE MUROS E MIRAGENS:SER REFUGIADO”

a UNiÃO EUrOpEia E a prOBlEmática das migraçÕEsPaula Marques dos Santos*

Na sua comunicação, Paula Mar‑ques Santos apresentou uma análi‑se acerca do impacto das migrações no processo de integração euro‑peia, onde procurou evidenciar não só as políticas já existentes acerca da temática, mas também analisar a necessária evolução das políticas sociais comunitárias para fazer face ao fenómeno dos refugiados.

*Instituto Politécnico de Viseu – Escola Superior de Tecnologia e Gestão de La‑mego / CEPESE / CI&DETSPara ter acesso a esta apresenta‑ção, consulte: https://goo.gl/sj6BB2

cONHEcEr para iNtEgrar: rEspEitaNdO dirEitOs E dEvErEs dE cidadaNiaAna Paula Teixeira Marques

Durante a sua intervenção, Ana Paula Marques explicitou de

forma clara a sustentação do Instituto da Segurança Social, instituição que representou, no Protocolo de Cooperação em matéria de apoio a refugiados e candidatos de asilo, enquanto estratégia nacional. Focou‑se so‑bretudo no lado da intervenção prática e efetiva junto de pessoas com estatuto de refugiados e que são já residentes no Distrito de Viseu.Para ter acesso a esta apresen‑tação, consulte: https://goo.gl/DtSRsH

mEdEstUJuliana Santos

A Associação MEDesTU sur‑ge da cooperação portuguesa e uma sérvia em 2013. Um exem‑plo prático do que pode resultar de um espírito de cooperação e interajuda. Uma associação juve‑nil que está ao alcance de qual‑quer e que tem o objetivo de dar a conhecer o Mundo Árabe e

Islâmica, pensando a capacitação dos jovens.MED remete para o Mediterrâ‑neo, e “esTU” para uma lingua‑gem mais juvenil.Para ter acesso a esta apre‑sentação, consulte: https://goo.gl/9aWnGT

(da esquerda para a direita: Olga Glumac e

Juliana Santos)

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TÍTULOS PUBLICADOS

O PENSAMENTO SOCIAL

O Amor que Transforma o Mundo – Teologia da Caridade

Moralidade Pessoal na História

Humanizar a Sociedade

Entre Possibilidades e Limites

Cristãos Pensadores do Social

Caminhos para uma vida solidária

Maritain e Bento XVI: Sobre a Modernidade e o Relativismo

Cuidar do Outro

Pobreza e Relações Humanas

Dar‑se de Verdade: Para um desenvolvimento Solidário

A Consciência Social da Igreja Católica

AS PERSONALIDADES E AS SUAS OBRAS

Cónego José M. Serrazina

Protecção Social e (re)educação de Menores

Criminalidade, Geração e Educação de Menores

Teresa de Saldanha – A obra sócio‑educativa

Cartas de Ozanam

Um Intelectual ao Serviço dos Pobres

OS TEMAS SOCIAS

Gerontologia/Gerontagogia: Animação Sociocultural em Idosos

Perspectivas sobre o Envelhecimento Ativo

Serviço Social e Desemprego de Longa Duração

Rendimento Social de Inserção

Crimes e Criminosos no norte de Portugal

O SOCIAL GLOBAL

Um Genocídio de Proximidade

Procissão dos Passos: Uma vivência no Bairro Alto