A ARQUITETURA POPULAR COMO TRANSIÇÃO ENTRE O VERNÁCULO E O ERUDITO

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O presente artigo nasce, em primeiro lugar, da necessidade de confrontar a realidade idealizada com o real construído, e por outro, de criar um léxico no domínio da "Arquitetura sem Arquitetos" que distinga entre esta categoria dois registos diversos. Estes consistem na arquitetura não contaminada por influências externas, por oposição àquela que, tendo herdado sinais exteriores à cultura onde é gerada, não pertence à categoria da denominada "Arquitetura Erudita".

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  • A ARQUITETURA POPULAR COMO TRANSIO ENTRE O VERNCULO E

    O ERUDITO

    Uma tentativa de definio dos diferentes contextos arquitetnicos de raiz

    no-erudita.

    Pedro Fonseca Jorge, Arquiteto

    ESG Escola Superior Gallaecia

    1. INTRODUO

    O presente artigo nasce, em primeiro lugar, da necessidade de confrontar a realidade

    idealizada com o real construdo, e por outro, de criar um lxico no domnio da

    "Arquitetura sem Arquitetos" que distinga entre esta categoria dois registos diversos.

    Estes consistem na arquitetura no contaminada por influncias externas, por

    oposio quela que, tendo herdado sinais exteriores cultura onde gerada, no

    pertence categoria da denominada "Arquitetura Erudita".

    O mote foi dado por uma investigao paralela, onde foi feito um levantamento dos

    Tipos arquitetnicos da regio de Alcobaa do ano de 1961, momento em que se

    desenrolava o trabalho de recolha e tratamento da informao que se consolidaria na

    obra "Arquitetura Popular em Portugal".

    Neste contexto, o presente artigo pretende, mais do ser assertivo no tema em debate,

    proporcionar o princpio de uma investigao mais aprofundada e sustentada do que

    os estudos precedentes1.

    Doutora Marieta D Mesquita, entretanto desaparecida, dedico a presente

    "inteno", dado o acompanhamento por ela realizado nos meus esforos precedentes

    acerca do mesmo tema, e s suas qualidades intrnsecas enquanto pessoa que fariam

    dela a companheira ideal em posteriores "aventuras".

    2. A REFERNCIA INCONTORNVEL

    O inqurito realizado arquitetura portuguesa "sem arquitetos" realizado no princpio

    dos anos 1960 ("Arquitetura Popular em Portugal"2), marcou, entre outras obras, o

    1 Fonseca Jorge, P. (2001) Alguns aspectos da evoluo da casa rural da regio de Alcobaa,

    Prova Final de Licenciatura, FAUP

    Fonseca Jorge, P. (2005) A casa rural no concelho de Alcobaa em 1961: da prtica popular

    teorizao erudita, Dissertao de Mestrado, FAUP.

  • momento em que os dogmas do Movimento Moderno comearam a ser questionados,

    atravs da introduo, por autores como Lus Barragan ou Antonio Coderch, de

    elementos da arquitetura (do) local (onde atuavam).

    sentida necessidade de referenciar a arquitetura ao seu contexto fsico e sociolgico

    corresponderam numerosos levantamentos da arquitetura dita "popular" e (ou)

    "vernacular" a nvel internacional. No contexto portugus, a obra supracitada constituiu

    a referncia para a prtica consequente da arquitetura, pela quantidade de referncias

    e modelos que apresentava.

    No entanto, uma observao, ainda que superficial, do nosso contexto construdo, na

    atualidade, leva a constatar que muitos dos Tipos presentes na obra supracitada j

    no se conseguem identificar na paisagem edificada portuguesa. A imediata ilao

    retirada desta realidade faz assumir que, tal como os autores do "Inqurito"

    presumiam, que aquele era um legado arquitetnico em desaparecimento, o que viria

    a acontecer.

    3. A (IN)CONTORNVEL REALIDADE

    A busca de referncias locais na conceptualizao da arquitetura contempornea volta

    a ser uma necessidade, no sentido em que se impe um retorno a um certo realismo

    na (re)construo da nossa paisagem arquitetnica3. O Concelho de Alcobaa,

    escassamente documentado, mesmo no "Inqurito", exigiu a consulta de outras fontes

    para alm da(s) obra(s) publicada(s).

    Os registos camarrios constituiriam uma fonte alternativa, fruto dos Licenciamentos

    que foram sendo realizados de modo a que os proprietrios obtivessem permisso

    para construir as suas habitaes. E no que diz respeito a Alcobaa, curiosamente, os

    mais antigos registos ainda existentes correspondiam a 1961, ou seja, dentro do

    intervalo em que se foi realizando a investigao patente no "Inqurito".

    Havia contudo uma vontade subjacente de procurar um Tipo em especfico de

    habitao unifamiliar, que, pela observao da paisagem edificada do concelho,

    poderia constituir no Tipo rural, popular ou vernacular, da regio: uma casa retangular,

    2 Sindicato Nacional dos Arquitectos (2004) Arquitectura Popular em Portugal (4 ed.). Lisboa,

    ISBN 972-97668-7-8

    3 Fonseca Jorge, P. (2013), "Post-minimal-contextualism-critical-modernism Reality"

    [Conferncia], I Congreso Arquitectura Universidad Investigacin y Sociedad, Departament de

    Projectes Arquitectonics (ETSAB). Disponvel em: http://www.academia.edu/1751876/Post-

    minimal-contextualism-critical-modernism_Reality [02.2013]

  • com cobertura de duas guas, orientada para a estrada, e com uma entrada axial

    ladeada por duas janelas simtricas.

    Figura 1: registos fotogrficos e desenhados (do autor) do Modelo da Casa Rural da regio de

    Alcobaa, na atualidade.

    Contudo, a consulta dos Licenciamentos em Alcobaa de 1961 revelou a existncia de

    dois Tipos predominantes (divididos equitativamente pela totalidade dos

    licenciamentos), que em nada se assemelhavam aos presentes no inqurito: um deles,

    a referida casa simtrica, cuja planta se desenvolvia tambm simetricamente, com um

    hall central que distribua para um total de quatro divises, duas de cada lado, como

    num Modelo "clssico". A nica indicao de que uma destas divises poderia ter um

    uso diferenciado era, na maior parte dos casos, a indicao de uma lareira e de uma

    porta para o exterior que "revelaria" a cozinha. Havia contudo outros Modelos que

    desvirtuavam, de algum modo, esta pureza planimtrica, mantendo o registo da

    volumetria exterior.

  • Figura 2: Exemplo de Tipo recolhido durante a investigao realizada nos registos camarrios

    da Cmara Municipal de Alcobaa, correspondente a cerca de metade dos processos de

    licenciamento realizados em 1961.

    O outro Tipo era-lhe diametralmente oposto, sendo implantado perpendicularmente

    estrada, com o plano de uma das janelas mais avanado e a cobertura orientada para

    os lados. Interiormente, um corredor disposto longitudinalmente serve divises de

    diferentes dimenses, cuja rea e posio estratgica revelam o seu uso: quartos, sala

    comum, cozinha, uma distribuio Moderna pelo seu funcionalismo e hierarquizao.

  • Figura 2: Exemplo de um segundo Tipo recolhido durante a investigao realizada nos registos

    camarrios da Cmara Municipal de Alcobaa, correspondente a cerca de metade dos

    processos de licenciamento realizados em 1961.

    De referir que a informao constante nestes processos de Licenciamento era

    escassa, consistindo na planta e nos alados do Modelo, nome do requerente e

    nmero de processo, no havendo meno de implantao (apenas a localidade) ou

    tcnico responsvel pelo desenho (lembremos contudo em que este era um momento

    em que estes eram escassos em todo o pas, sendo a produo "arquitetnica" da

    altura da autoria de pouco mais do que curiosos, como se pode apreciar na (falta) de

    qualidade de alguns projetos).

    A questo fulcral, subjacente aos modelos, sua autoria e origem contextual social,

    contudo mais abrangente: estes modelos, no obstante as referncias aparentemente

    eruditas que fazem (sejam Clssicas, sejam Modernas), no so obras de Arquitetura

    no sentido Erudito, ou seja, nascidas atravs da reflexo sobre o habitar e sobre a

    forma num contexto acadmico e prtico. Consistem sim na apropriao e adaptao

    de Modelos talvez de origem erudita a hbitos e a modos de vida rurais.

  • Pertencem por isso a outra fao da arquitetura, regra geral acriticamente designada

    por Vernacular ou Popular, dada a ausncia de um autor (por oposio a comunitrio,

    entre outras caratersticas). E por isso mesmo, a questo coloca-se: a seguinte

    questo: sendo a "Arquitetura Popular em Portugal" uma recoleo de modelos ditos

    "populares", qual o porqu da ausncia dos modelos patentes nos Licenciamentos

    supracitados?

  • Figura 4: o contraste entre os modelos patentes n'"A Arquitectura Popular em Portugal" (ao

    centro, segundo desenho do autor) e os modelos recolhidos nos registos camarrios,

    realizados no mesmo momento em que os primeiros se recolhiam. Aqui cabe fazer um

  • parntesis, pois apesar de na obra supracitada se recolherem os modelos em redor de Leiria,

    os registos orais recolhidos confirmam que o mesmo modelo era passvel de encontrar em

    torno de Alcobaa.

    4. A INTOLERVEL "MESTIAGEM" DA ARQUITETURA

    Podemos apontar um primeiro motivo, que parece bvio, baseando-nos nos

    pressupostos que a obra pretendia cumprir: fazer um registo da arquitetura popular

    que se encontrava em vias de desapario, o que no era o caso, obviamente, dos

    Tipos e Modelos em processo de Licenciamento e de Construo. A sua recorrncia

    na paisagem (mesmo para alm das fronteiras do presente estudo, atrevemo-nos a

    dizer) induzia por isso a crer que o seu perigo de desapario no fosse eminente,

    muito pelo contrrio: esta era a "arquitetura popular mais vulgar, casas sem nada a

    assinalar, iguais umas s outras"4.

    Estas consistiam nas "malfeitorias" patentes na paisagem rural, onde a pesquisa

    maioritariamente se baseou, em que foram ignoradas as importaes de uma

    arquitetura citadina, desadequadas ao seu novo contexto. Neste sentido, fcil

    identificar o referido "desconforto" dos arquitetos da altura face hibridez das solues

    com que se deparavam (assim denominadas pelas importaes formais, mas tambm

    construtivas, em que sobre modelos "populares" era aplicado o beto em detrimento

    das matrias locais).

    H por isso uma postura que, luz dos conhecimentos atuais, podemos considerar

    como tendenciosa, uma vez que ignora os modelos que no se coadunam imagem

    pretendida pelos Modernistas de nova gerao, que faziam coabitar uma postura

    romntica e ao mesmo tempo racional na procura de uma nova expresso

    arquitetnica moderna.

    Sobre estas intenes, a sua constatao no nova, mas h que frisar a intolerncia

    face s adies de elementos formais e espaciais aos modelos populares: no haver

    uma categoria que a defina, para alm de "malfeitoria"? A sua mera existncia no

    exige o seu estudo, a recoleo dos seus modelos e tipos e a sua insero num

    contexto cultural e social especfico? Por outras palavras, as nicas expresses

    arquitetnicas admissveis pertencem ao registo do Popular e do Erudito, no existindo

    nada "pelo meio" onde se estabelea uma ponte entre estes dois Tipo? Afinal de

    4 Leal, J (2011, Maio). Entre o Vernculo e o Hbrido: a partir do Inqurito Arquitectura

    Popular em Portugal, Joelho #2: Interseces: antropologia e arquitectura, Revista de cultura

    Arquitectnica, pp. 72. ISSN: 0874-6168

  • contas, se se admite que a arquitetura Moderna procurou legitimamente recuperar

    sinais populares/vernaculares para a sua prpria expresso, no ser de considerar

    que a arquitetura popular/vernacular que procurou o inverso no seja tambm digna

    de crdito?

    neste contexto que o presente artigo se desdobra numa segunda parte, em que se

    procuram contextualizar estes dois tipos de arquitetura "do povo", segundo as suas

    interaes (existentes ou no) com outros contextos sociais e culturais. E ser de

    acordo com as dissemelhanas enunciadas, mas a seguir dissecadas, que iremos

    procurar distinguir a arquitetura Vernacular da Popular.

    5. A ARQUITETURA VERNACULAR

    Conclui-se por isso que usar indiferenciadamente as designaes Vernacular e

    Popular pode consistir num erro e que a definio separada de cada um destes

    conceitos essencial para criar um lxico consistente entre estudiosos.

    O senso comum diz-nos que ambas se referem a atitudes prticas e empricas na

    construo e na definio dos espaos, tendo uma comunidade como autora, com

    formas prprias de um lugar delimitado, maioritariamente assumido como rural.

    No entanto "pertencer" a determinado local pode manifestar-se de muitas maneiras,

    tantas quantas as que definem uma edificao: o processo construtivo, a forma obtida,

    a imagem resultante e o espao antropolgico.

    5.1. A FRONTEIRA

    Originalmente, o termo "Vernacular" atribuiu-se, em lingustica, a um idioma que

    falado dentro de uma comunidade bem delimitada culturalmente. O seu oposto um

    idioma "Veicular"5, comum a vrios grupos, falado entre diversas comunidades ou

    segundo limites mais alargados.

    Esta definio de "Vernacular", quando atribuda ao campo da arquitetura, manifesta-

    se em construes imediatamente identificadas com um local, que a originou atravs

    das necessidades fsicas e sociolgicas de um grupo restrito, do uso de materiais

    circunscritos fronteira do mesmo e na sua adequao aos agentes fsicos.

    Assume-se o carter de "permanncia" por parte de um grupo, por oposio

    mobilidade do mesmo para l das suas fronteiras, fsicas ou intelectuais. Como

    resultado o Tipo arquitetnico de evoluo ou sucesso lenta, pois tende a manter-

    5 Magnan, G. "Architecture Vernaculaire au Mali", http://users.swing.be/geoffroy.magnan/mali/,

    [01.2013]

  • se quase inalterado. As atualizaes de que alvo, diminutas, intercaladas mas

    inexorveis, so fruto da experincia e da prtica. Assim sendo, uma nova proposta de

    um Tipo arquitetnico ter por base uma forma antecedente, aprimorada ao longo do

    tempo, segundo um processo que designamos por "tradio".

    A ausncia de circulao de informao (porque contida dentro de uma fronteira

    restrita) contribui para esta quase permanncia, por oposio a uma troca de

    conhecimentos (construtivos, materiais e formais), que permite a substituio do Tipo,

    por oposio sua evoluo.

    A progresso limitada de saber pode dever-se a motivos socioculturais mas tambm a

    fronteiras geogrficas ou administrativas impostas comunidade. A sua

    intransponibilidade define o uso de recursos locais: matrias-primas e processos

    construtivos por estas permitidas. Estes so definidos pela simplicidade, de modo a

    serem do domnio da comunidade que os desenvolve, o que consequentemente leva a

    resultados similares em termos de forma e de adequao ao uso.

    O aparente utilitarismo da arquitetura vernacular no contradiz o uso de Signos ou

    Significantes na imagem da edificao, mas o tipo de Signos empregues partilham o

    mesmo Significado, comunitrio, por se encontrar associado a uma crena que

    comum.

    5.2. O TIPO

    Neste contexto, como podemos ligar um Tipo de edificao a um espao geogrfico

    preciso, podemos afirmar que essa regio possui um Tipo Arquitetnico Vernacular

    especfico. Por Tipo entendemos que em arquitetura, a estrutura conceptual, a

    matriz de organizao espacial que est presente, mesmo com distintas solues

    formais, num determinado conjunto de obras que se selecionaram com um objetivo

    especfico6. No entanto, o carter evolutivo do Tipo pode tambm ser definido de

    acordo com os parmetros que elegemos para produzir a seleo de Modelos para o

    estudo em causa.

    Na Arquitetura Vernacular, como foi adiantado, a Tradio um dado paralelo ao

    desenvolvimento do Tipo. No entanto, se alguma das alteraes observadas colocar

    em causa as caratersticas que definimos como fundamentais para o Tipo observado

    6 Barata Fernandes, F. (1999) Transformao e Permanncia na Habitao Portuense As

    formas da Casa na Forma da Cidade, (2 ed.), Faculdade de Arquitectura da Universidade do

    Porto, 1999

  • inicialmente, ento podemos afirmar que este foi substitudo por um novo Tipo, com

    caractersticas diferentes.

    Sendo este um processo dependente de muitos fatores, ainda que inclusos dentro de

    barreiras bem definidas, no se pode determinar a durao de determinado Tipo,

    muito embora Christian Lassure defina um intervalo de cerca de 10 a 100 anos7. A

    especificidade destes limites pode contudo ter a ver com a distino a efetuar entre

    "Vernacular" e "Popular", alvo deste artigo.

    5.3. A TRADIO

    A definio emprica de "Tradio" traduz-se em imutabilidade e estagnao, no

    poucas vezes ligada a memrias romantizadas de um passado, prximo ou longnquo.

    A Tradio admite a mudana, embora esta no seja radical porque o espao fsico e

    intelectual onde produzida (de)limitado. Deste modo no produzida uma ciso

    evidente com os valores preestabelecidos, mas quando a mudana ocorre (induzida

    pela necessidade) incorporada dentro dos valores vigentes, ao invs de os substituir.

    No existe a vontade imanente de manter algo estabelecido, apenas um conhecimento

    que evolui de acordo com o limite fsico e intelectual imposto.

    Assim sendo, Tradio um adjetivo qualitativo do tipo de relaes que se

    estabelecem entre o saber vigente e o sugerido pela necessidade. Os valores do Tipo

    que permanecem so aqueles que ainda so pertinentes, no sentido em que a sua

    utilidade no posta em causa; os que so substitudos so aqueles que j no

    correspondem s novas necessidades fsicas, mas tambm sociolgicas.

    Pode-se concluir que o uso do termo "Tradio" abusivo quando se reporta a

    acontecimentos em que a permanncia do Tipo ou de determinadas caratersticas

    deste se deve vontade de fazer subsistir uma ideia ou valor cujo sentido se encontra

    desenquadrado das necessidades vigentes. E esta uma situao que se relaciona

    com a Arquitetura Vernacular, mas tambm com outros Tipos de Arquitetura.

    5.4. TERMOS AUSENTES

    Face aos valores associados arquitetura Vernacular acima apontados, existem

    outros parmetros que tambm lhe so atribudos, mas de forma errnea. A noo de

    "Primitivo" uma dessas caratersticas, mas pode dizer-se que esta ideia

    preconcebida nasce de uma comparao direta e imediata com a sociedade ocidental.

    Face a esta, existem comunidades que possuem modos de vida considerados, por

    7 Lassure, C. (1993) Larchitecture vernaculaire de la France, in Larchitecture vernaculaire, 17

    http://www.pierreseche.com/VAFrance.html, [01.2013]

  • comparao, como ancestrais ou rudimentares. Mas Distncia Temporal, Fronteira,

    Tipo e Tradio no implicam necessariamente um passado distante, muito embora a

    Imagem da Arquitetura Vernacular assim o sugira; as matrias a que recorre

    encontram-se em desuso nas sociedades mais evoludas, nestas substitudas por

    produtos industrializados que cruzam fronteiras.

    No entanto, a restrio de materiais construtivos por alguns posta em causa, como

    Amos Ropoport8, que admite que alguns processos construtivos em srie so

    aplicados na Arquitetura Vernacular, no desvirtuando o Tipo e mantendo a

    simplicidade na sua aplicao que permite que todos os membros da comunidade

    tenham capacidade de lhe fazer uso. No entanto a definio de "produo em srie"

    ser abordada adiante, no contexto da Arquitetura Popular, pelo que veremos em que

    categoria podemos "arrumar" Ropoport.

    A "Ruralidade" outro dos fatores comummente associado ao Vernacular, mas este

    admite outras envolventes menos bvias, dado que esta apenas um dos exemplos

    dos diferentes contextos urbanos que existe. A cidade por excelncia um local de

    troca, de comunicao, e consequentemente, de substituio tipolgica. Admite

    contudo em certos contextos bem preservados a identificao da mesma atravs da

    sua imagem, da sua forma e pelos seus processos de construo: um Tipo que lhe

    especfico. Este contudo mais facilmente identificvel num contexto rural (mesmo

    sob a forma de um aglomerado urbano) porque a evoluo mais lenta e a

    substituio tipolgica mais rara. Cria-se a imagem estereotipada do Vernacular como

    Primitivo, no sentido em que a permanncia se associa Tradio. Mas, como foi

    adiantado, Tradio admite Evoluo, ainda que com diferentes celeridades: por isso

    errado confundir uma evoluo lenta com permanncia ou estagnao.

    6. A ARQUITETURA POPULAR

    Neste caso, onde se insere a designao de "Popular"? No h na generalidade dos

    trabalhos consultados a necessidade de produzir uma diferenciao entre Vernacular

    e Popular, porque provavelmente parte da produo arquitetnica "sem arquitetos"

    realizada a partir do Inqurito "Arquitetura Popular em Portugal" no foi ainda

    considerada. Martins Barata9 socorre-se da mesma designao, sendo que Jos

    8 Ropoport, A. (1972) Vivienda e Cultura, Barcelona, Gustavo Gili, 1972

    9 Barata, M. (1989) Arquitectura Popular Portuguesa. Edio da Direco de Relaes

    Internacionais de Filatelia dos Correios e Telecomunicaes de Portugal, 1998, ISBN 972-

    9127-03-4

  • Manuel Fernandes e Maria de Lurdes Janeiro10 designam a arquitetura Saloia por

    Verncula.

    Jane Pieplow11 das raras autoras a procurar uma distino entre os dois termos em

    debate, em que refere que no Popular no possvel identificar uma nica fonte, e de

    um perodo especfico, o que indica a ausncia de Tradio, uma vez que esta torna

    difcil a datao de um modelo Vernacular. Ao mesmo tempo, a autora refere

    implicitamente a existncia de modas no domnio dos Tipos que so adotados, o que

    nos remete novamente para o domnio do Erudito.

    Atendendo s caractersticas acima avanadas ser de concluir que muitos dos

    Modelos presentes no "Inqurito" pertenam na verdade ao domnio do Vernacular, e

    no do Popular. Principalmente porque, como foi defendido na primeira parte do artigo,

    as obras presentes no levantamento corresponderam a critrios especficos de

    eleio, de modo a defender uma ideia predeterminada, que exclua, por exemplo os

    Tipos e os Modelos recolhidos nos Licenciamentos da Cmara de Alcobaa de 1961.

    J estes ltimos falham em cumprir certos critrios do "Vernacular", ao mesmo tempo

    que definem novos contedos.

    E porqu "Popular", se uma designao que de certa maneira se instalou no lxico

    dos estudiosos da "arquitetura sem arquiteto", com o mesmo valor de "Vernacular"?

    Atendendo ao significado geral de "Popular" deparamo-nos com Relativo ou

    pertencente ao povo; Que usado ou comum entre o povo; Que do agrado do povo.

    Vulgar, notrio; Democrtico"12, sendo o "Povo" o "Conjunto dos habitantes de uma

    nao ou de uma localidade"13.

    Se o intervalo geogrfico no claro nas definies citadas, podemos no entanto focar

    a nossa ateno no facto do Popular ser do agrado do povo, comum entre este e

    democrtico. Ou seja, depende de uma escolha, realizada sem oposio de terceiros

    (democrtica), o que implica a existncia de mais do que um registo, o que

    10

    Fernandes, J. M. & Janeiro, M. L. Arquitectura Verncula na Regio Saloia, enquadramento

    na rea Atlntica, , 1 ed, Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa, 1991, ISBN 972-566-130-3

    11 Pieplow, J. (2006: Maio) All-american family houses: Fallons architectural styles, in Focus,

    Vol.11, http://www.ccmoseum.org/InFocus/Architecture/architecture1.htm, [05.2006]

    12 "Popular" (2012), In Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa, Priberam Informtica, S.A.

    http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=popular [01.2013] 13

    "Povo" (2012), In Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa, Priberam Informtica, S.A.

    http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=povo [01.2013]

  • particularmente importante se atendermos que Vernacular se atribui tambm ao que

    fala e que escreve sem mescla de estrangeirismos14.

    6.1. A IMPORTAO DO SABER

    Aplicando estas definies Arquitetura encontramos assim dois campos bem

    definidos onde se desenvolvem os Tipos a cada um pertencente. Face definio de

    "estrangeirismos", esta no pode ser diretamente relacionada com uma fronteira

    poltica, por vezes voltil e incapaz de conter a expresso cultural de um povo. O que

    "estrangeiro" ser pois assumido como aquilo que estranho cultura vernacular de

    determinado local.

    Referindo-nos existncia de fronteiras, teremos de encarar este tipo de limites como

    possuidores de duas faces, cujo trespasse corresponde a consequncia para ambas.

    A troca de informao inevitvel, seja entre culturas (e arquiteturas) vernaculares, ou

    vernaculares e eruditas ou populares. Podemos dizer que qualquer uma das faes

    "em jogo" no permanece imune s influncias do seu oposto, mas para o Vernacular

    mais complexo ser insensvel inovao e originalidade existente nas "importaes"

    (quanto ao Erudito poder absorver dados da arquitetura Vernacular e Popular, esse

    pode e deve ser tema para um artigo completamente aparte).

    Abre-se deste modo caminho para a presena de "estrangeirismos" no seio da

    Arquitetura Vernacular, que justificam a mudana de Tipo para Arquitetura Popular, em

    que no caso concreto dos Modelos estudados provm de uma Arquitetura Erudita.

    Pode deste modo estabelecer-se uma relao de causa/efeito, e principalmente, de

    sucesso, em que Vernacular e Popular se assumem como momentos de um percurso

    histrico de limites variveis consoante regio, cultura, fronteiras, etc. Existe, por parte

    de alguns autores, a tentativa de datar estes momentos, como Joo Vieira Caldas que

    assume o perodo ps-1800 como o momento em que a fronteira entre o Popular e o

    Erudito se dilui15, sendo que entre 1550 e 1800 a arquitetura se faz de constantes.

    O contexto em que Vieira Caldas se move (estuda um misto entre a casa saloia e o

    solar onde as fronteiras entre o rural e o erudito so tnues16) regista um momento

    14

    Almeida Costa, J. e Sampaio e Melo. A (coordenao), "Vernacular." Dicionrio da Lngua

    Portuguesa, Porto Editora,1979, 5 ed.

    15 Caldas, J. V. (1999), A casa rural nos arredores de Lisboa no sc. XVIII, Faculdade de

    Arquitectura da Universidade do Porto, 1999, ISBN 972-9483-31-0

    16 Leal, J (2011, Maio). Entre o Vernculo e o Hbrido: a partir do Inqurito Arquitectura

    Popular em Portugal, Joelho #2: Interseces: antropologia e arquitectura, Revista de cultura

    Arquitectnica, pp. 68. ISSN: 0874-6168

  • preciso: o do Tipo que alvo de estudo na sua publicao. Mas no constitui um

    exemplo que possa ser alargado a todas as manifestaes do Popular.

    Na presente tentativa de definio de "Popular", com base no estudo tipolgico da

    casa rural do Concelho de Alcobaa no ano de 1961, admite-se uma maior

    especializao a nvel da construo: novos materiais que substituem os locais, e

    tcnicas mais elaboradas para os trabalhar.

    Figura 5: A justaposio de elementos decorativos trabalhados sobre elementos tectnicos

    comuns (ombreiras, padieiras) a revelar a introduo de sinais eruditos sobre um modelo que,

    pela soluo espacial, j revela importao e cruzamento de saberes. De referir que este

    desenho, nas casas que possuam semelhante processo decorativo, era corrente, fazendo

    deste um elementos fabricado "em srie".

  • Contudo, na maior parte dos casos, importao dos Signos de uma arquitetura

    Erudita corresponde apenas uma pretenso esttica (despida de Significado) que se

    pretende associada a um escalo social em particular. Este tipo de associao para

    com culturas externas ao contexto geogrfico do Vernacular seria tambm identificado

    nas Casas dos Emigrantes, cuja aluso arquitetura francesa (tambm ela Popular)

    consistiria no desligar dos seus inquilinos das condies de misria que haviam

    deixado no seu pas: a esta encontrava-se associada a imagem da arquitetura

    vernacular do seu entorno17.

    6.2. O TIPO E AS SUAS VARIANTES

    A diversidade tipolgica encontra-se na base da distino entre o Vernacular e o

    Popular, uma vez que na primeira a tradio funciona como entidade reguladora,

    ligada conteno imposta pelas fronteiras: apenas um Tipo arquitetnico permitido.

    Desaparecida essa condicionante, a arquitetura sem "arquiteto" torna-se livre para

    adotar novos Tipos, mas tambm para os fazer variar, de acordo com as necessidades

    topolgicas morfolgicas e climatricas prprias da regio que importa o Tipo.

    Deste modo argumenta-se que a arquitetura, no espao geogrfico e temporal

    estudado, no sendo Vernacular, tambm no Erudita, uma vez que a referncia,

    clssica, no usada academicamente, mas sim de forma crtica, no modo como as

    ampliaes, de carter prtico e utilitrio, se vo adicionando e adequando

    topografia.

    Os Modelos recolhidos, que foram licenciados de acordo com o seu Mdulo Inicial,

    (sendo as adies posteriores "ilegais") possuam numerosas similitudes a nvel

    exterior, havendo uma srie de constantes: forma retangular, cobertura de duas guas

    orientada para a fachada principal, composio simtrica do alado, etc. No entanto,

    dentro deste Tipo foi possvel identificar Subtipos de acordo com a sua organizao

    espacial, distinta entre os Modelos. Assim, neste registo, o da Arquitetura Popular,

    podemos admitir que, ao contrrio do que Francisco Barata defendia, o Tipo pode ser

    tambm definido por outras constantes que no meramente a "matriz espacial", uma

    vez que o presente estudo tipolgico se procedeu inicialmente atravs de constantes

    ligadas ao seu aspeto fsico.

    17

    Leal, J (2011, Maio). Entre o Vernculo e o Hbrido: a partir do Inqurito Arquitectura

    Popular em Portugal, Joelho #2: Interseces: antropologia e arquitectura, Revista de cultura

    Arquitectnica, pp. 12. ISSN: 0874-6168

  • Figura 6: Alguns exemplos de Modelos recolhidos nos registos camarrios que embora

    pertencendo a um Tipo similar, constituem a nvel das suas caratersticas decorativas ou

    espaciais com que variantes de um Tipo Base.

    6.3. FUSO ENTRE TRADIO E INOVAO

    De um modo geral podemos associar Tradio Arquitetura Vernacular, e a Inovao

    Arquitetura Erudita. Assim sendo, em que fao se encontra a Arquitetura Popular?

    Apesar de j no exercer o seu efeito regulador, a Tradio permanece, patente na

    adequao (contnua) do Tipo a usos e costumes enraizados na cultura local e aos

    meios de subsistncia possveis. A Inovao, no estudo tipolgico efetuado, consiste

    na importao de um Tipo cuja imagem dos elementos mais constantes.

    Na distribuio dos espaos internos (varivel) ou na relao que estabelece com os

    acessos pblicos pode influir na relao social entre os prprios moradores, e entre

    estes e a comunidade. Mas em relao subsistncia da comunidade, no

    implicativa, uma vez que o Tipo importado faz parte de um organismo que composto

    por elementos anexos dedicados s culturas ou criao de animais, mesmo que estes

    no se encontrem nos licenciamentos camarrios.

    A adoo do Tipo faz parte do referido processo de adoo de uma imagem

    consonante com uma vida ou escalo social a que se pretende aceder (ainda que

    antes se tenha referido o processo s "casas de emigrantes".

  • No estudo de caso em que nos debruamos a Inovao diz respeito introduo de

    uma nova Imagem, em detrimento da compreenso do seu simbolismo. Por outro lado,

    outro tipo de Inovao, face que associamos no Erudito. Trata-se de "introduzir

    novidades em", ao invs de "renovar; inventar; criar"18 (tendo sempre presente que no

    domnio exclusivo do Erudito a troca tambm uma constante).

    6.4. OUTROS TERMOS

    Conclui-se assim que existe uma diferena entre os termos apresentados e os Tipos

    de Arquitetura apresentados, mais evidente no que diz respeito ao Vernacular e o

    Erudito, mas mais subtil no que diz respeito ao Vernacular e ao Popular. Esta subtileza

    deve-se ao facto da Arquitetura Popular nascer a partir da Vernacular, embora com a

    adio de elementos Eruditos (muito embora, repita-se, o cruzamento de duas culturas

    vernaculares tambm resultam numa popular, porque existe cruzamento de fronteiras

    e inovao).

    Se assumirmos que o Vernacular ambiciona determinados sinais Eruditos, podemos

    verificar que o oposto tambm pode ser verdade: que o Arquiteto pode recolher

    determinados aspetos funcionais e formais da Arquitetura Vernacular no definir de

    Modelos de Arquitetura Erudita (Moderna ou Contempornea).

    O denominado "Contextualismo Crtico", por Keneth Frampton19, talvez a imagem

    mais fiel deste "Movimento", que segundo o prprio se iniciou com a reviso dos

    dogmas do Movimento Moderno. Nomeadamente atravs de elementos da arquitetura

    vernacular nas propostas de Coderch ou Barragan (incluindo-se neste contexto lvaro

    Siza atravs de uma leitura cuidada do local, paralelamente importao de sinais

    populares, por exemplo). Mais uma vez, o lugar a este tipo de reflexo exigiria por si

    s outro artigo.

    7. CONCLUSO

    A necessidade do presente estudo manifesta-se na vontade de criar um lxico na

    disciplina da Arquitetura que permita, ao investigador ou ao praticante, obter uma srie

    de significados comuns, plenamente discriminados, para que o dilogo na disciplina

    seja coerente. Ou seja, para que ao estabelecer um raciocnio terico, os termos a que

    se recorre possuam o mesmo significado de autor para autor.

    18

    "Erudito" (2012), In Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa, Priberam Informtica, S.A.

    Disponvel em: http://www.priberam.pt/dlpo/ [01.2013]

    19 Frampton, K. (1996), Historia critica de la arquitectura moderna. Editorial Gustavo Gili, S.A.

    ISBN 84-252-1628-1

  • Semelhante processo no pode ser destitudo de uma certa abstrao na definio

    destes mesmos conceitos, uma vez que o Vernacular no seu estado mais "puro", ou

    seja, destitudo de toda e qualquer influncia, ter ocorrido num passado j distante,

    ou na atualidade, em jeito de piada, numa tribo perdida da Amaznia.

    Frampton, na sua definio de Regionalismo Crtico entende o conceito de cultura

    local ou nacional como algo de abstrato ou paradoxal "porque todas as civilizaes

    parecem ter nascido de uma fertilizao cruzada, sendo que a paisagem local deve

    sem dvida resultar da ciso do regional com a cultura universal". Apesar de tudo

    Frampton no nega a existncia do Vernacular, pois no explicita a origem da

    civilizao que fertiliza a "expresso local" (implicitamente reconhece um "incio").

    Tal no torna o esforo de categorizar e classificar inglrio, pois tal faz parte da

    necessidade de esquematizao que se encontra na gnese da aprendizagem e da

    comunicao. Num contexto em que o abstracionismo se encontra em crise e se

    procuram expresses formais mais figurativas, torna-se importante construir o lxico a

    que se ir recorrer em busca de referncias ideolgicas e formais. A ideia de passado

    encontra-se muito ligada a esta ideia de referncia, que resulta na vontade de fazer

    "pertencer" a arquitetura a determinado local.

    Esforos tm sido feitos para identificar Tipos e Modelos (Como n'Arquitetura Popular

    em Portugal), mas indesmentvel que, na atualidade, o nosso passado o presente

    daqueles que realizaram o estudo em causa. E aquilo que possumos como referncia

    de uma expresso "local" poder j no ser a Arquitetura Vernacular ento recolhida,

    mas sim a Popular decorrente de uma sociedade cada vez mais isolada.