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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DO INSTITUTO QUALITTAS
CLINICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS
2008- 2° SEMESTRE
HEPATOPATIA ASSOCIADA AO USO CRÔNICO DE FENOBARBITAL
RELATO DE CASO
Mirela Silva Locks Momm
Itapema, outubro de 2008
ii
Mirela Silva Locks Momm
Aluna do Curso de Pós-Graduação de Clínica Médica
de Pequenos Animais
HEPATOPATIA ASSOCIADA AO USO CRÔNICO DE FENOBARBITAL
RELATO DE CASO
Trabalho monográfico de conclusão de curso de Clínica Médica de
Pequenos Animais (TCC), apresentado ao Instituto Qualittas de Pós-Graduação como
requisito parcial para a obtenção do título de pós-graduada em Clínica Médica
de Pequenos Animais, sob a orientação da Profa Soraia Souza.
Itapema, outubro 2008.
iii
HEPATOPATIA ASSOCIADA AO USO CRÔNICO DE FENOBARBITAL
RELATO DE CASO
Elaborado por Mirela Silva Locks Momm
Aluna do Curso de Clínica Médica de Pequenos Animais do
Instituto Qualittas de Pós-Graduação
Foi analisado e aprovado com grau: __________
Rio de Janeiro, _____ de_____________ de _______ -
Professor Avaliador
Itapema, outubro de 2008.
iv
Agradecimentos A meu marido Rafael e meus filhos Tiago e
Guido, que me apoiaram durante esta jornada.
Aos meus pais, por me acolherem nos finais de
semana.
A minha orientadora, Soraia Souza, que guiou
meus passos com sabedoria e paciência
v
RESUMO O fenobarbital é um fármaco amplamente utilizado na medicina veterinária para o controle da epilepsia, com ótimos resultados e baixos efeitos colaterais. Por ser um medicamento de uso crônico, é de fundamental importância a avaliação do paciente através da dosagem da concentração sérica das enzimas hepáticas alanina amino transferase (ALT ou TGP) e fosfatase alcalina (FAL), antes e durante o tratamento. Quando usado indiscriminadamente pode causar lesões permanentes ao fígado. Cabe ao médico veterinário orientar os proprietários sobre estes efeitos e utilizar estratégias terapêuticas para minimizá-los. Este trabalho tem como objetivo demonstrar, através de um relato de caso, as conseqüências do uso indevido de fenobarbital no fígado de um cão. Palavras-chave: Fenobarbital; Fígado; Cão.
vi
ABSTRACT
Phenobarbital is a medication widely used in veterinary medicine for the control of epilepsy with excellent results and low collateral effects. Because Phenobarbital is a chronic-used medication, it is utmost importance that patients’ dosage of serum concentration of alanine aminotransferase (ALT or TGP) and fosfatase alcalina (FAL) is monitored before and after treatment. This medication can cause permanent damage to the liver if used indiscriminately. It is thus the responsibility of the veterinarian to inform pet owners of these effects and use therapeutic protocols to minimize them. This work intends to demonstrate, through a concrete case-study, the consequences to a dog’s liver of the misuse of Phenobarbital.
Key-words: Phenobarbital; Liver; Dog.
vii
SUMÁRIO
Resumo ...................................................................................................................... Abstract....................................................................................................... Lista de Tabelas e Lista de Figuras........................................................................... 1 Introdução .............................................................................................................
v
vi
viii
1 2 Revisão de Literatura ............................................................................................ 2.1 Epilepsia ........................................................................................................ 2.1.1 Definição ............................................................................................ 2.1.2 Classificação ....................................................................................... 2.1.3 Causas ................................................................................................ 2.1.4 Diagnóstico ......................................................................................... 2.1.5 Tratamento .......................................................................................... 2.2 Fenobarbital ................................................................................................... 2.2.1 Efeitos adversos do fenobarbital ........................................................
2.2.2 Hepatopatia associada ao uso crônico de fenobarbital .........................
3 3 3 3 4 4 5 6 7 8
3 Relato do Caso ...................................................................................................... 10 4 Discussão .................................................................................................................
15
5 Conclusão ...............................................................................................................
17
Referências Bibliográficas .......................................................................................... 18
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Hemograma realizado em 04/06/08, no paciente Bianca, poodle, fêmea, 10 anos de idade ........................................................................................
12
Tabela 2 – Valores de referência de bioquímica sérica para caninos .........................
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Imagem ultra-sonográfica de um canino, fêmea, poodle, 10 anos de idade, apresentando poliúria e polidipsia, apatia, anorexia e vômitos. Nota-se a presença de hepatomegalia com ecotextura heterogênia difusa, com padrão micronodular compatível com hepatopatia associada ao uso crônico de fenobarbital.................................................................................................................
13
Figura 2 – Fígado de um canino, fêmea, poodle, 10 anos de idade, apresentando sinais clínicos de poliúria, polidipsia, apatia, anorexia e vômitos, submetido a uma laparotomia exploratória. Percebe-se o aspecto lesional nodular em todo o parênquima hepático, assim como hepatomegalia e vesícula biliar repleta, demonstrando lesão grave em fígado ..........................................................................
14
1
‘
1 INTRODUÇÃO
A epilepsia é uma doença relativamente comum em
cães e rara em gatos, e pode ser definida como um distúrbio paroxístico involuntário do
cérebro, geralmente manifestado como uma atividade muscular descontrolada
(KORNEGAY e LANE, 1992).
O tratamento dessas convulsões irá depender da sua
etiologia. Os anticonvulsivantes estão indicados naqueles pacientes que apresentam
epilepsia idiopática ou adquiridos, e é contra-indicado em animais que apresentam
convulsões de origem extra-craniana (NETO, 2002).
A epilepsia idiopática aparece em cerca de 0,5 a 2,3 %
de todos os cães e em 40 a 80% dos cães com atividade convulsiva ( PARENT, 2003).
O fenobarbital é o fármaco mais utilizado para o controle de epilepsia idiopática, ele
atinge rapidamente os níveis séricos, controlando cerca de 60 a 80% dos animais
quando usado como droga única. Além disso, o baixo custo e o fácil acesso à droga
colaboram para o seu amplo uso. (LECOUTER, 1998).
Alteração hepática tem sido associada ao uso
prolongado de fenobarbital, aliado ou não a outras drogas. Cerca de 14% dos cães
tratados com anticonvulsivantes por mais de seis meses apresentam hepatopatias sérias
(BUNCH, 1982).
O objetivo do tratamento será alcançado não apenas
controlando-se as convulsões, mas também tomando-se precauções para se evitar a
2
ocorrência de efeitos colaterais; por isso, a monitoração do paciente é de extrema
importância para o tratamento, acompanhamento e ajuste de doses, quando necessário
(SCHWARTZA, 1986).
O objetivo deste trabalho é verificar os procedimentos
que têm sido realizados em cães tratados cronicamente com fenobarbital, comprovar a
sua eficácia e investigar como é possível minimizar os efeitos colaterais dessa droga,
possibilitando um protocolo adequado para garantir uma boa qualidade de vida para o
paciente.
3
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Epilepsia
2.1.1 Definição
Epilepsia é uma afecção de ataques convulsivos recorrentes, independentemente
do que a ocasionou. Quando as convulsões ocorrem ininterruptamente, com mínimos
períodos de normalidade, a condição é conhecida como status epilepticus. O local da
origem das convulsões é denominado foco das convulsões (KORNEGAY e LANE,
1992).
Existe a epilepsia com recorrência de crises convulsivas de origem encefálica
primária, em que não há nenhuma anormalidade estrutural macroscópica ou
microscópica, e as de origem secundária, em que as crises convulsivas resultam de uma
encefalopatia estrutural (PARENT, 2000).
Entre 2 e 3% dos cães e 0,5 % dos gatos são epiléticos (FENNER, 1994).
2.1.2 Classificação
As convulsões são amplamente classificadas, com base nas suas características
clinicas e fisiológicas, em convulsões de origem generalizada ou de origem focal
(KORNEGAY, 1992). Na epilepsia generalizada, o paciente fica inconsciente e
predominam convulsões (crises convulsivas motoras tônico-clônicas). No caso das
4
crises focais ou parciais, o paciente permanece consciente; elas indicam encefalopatia
focal. As crises normalmente iniciam localizadas, mas em alguns casos podem
generalizar e causar alteração de consciência; a epilepsia é então chamada de parcial
complexa e a atividade motora, se ocorre, muitas vezes predomina em um lado (o lado
oposto à lesão encefálica) ( PARENT, 2000).
2.1.3 Causas
Em relação à causa, as convulsões são subdivididas em
extra cranianas e intracranianas (KONEGAY, 1992; PARENT, 2000; FENNER, 1994).
Dentre as causas extra cranianas encontra-se a maioria dos distúrbios metabólicos, como
hipoglicemia, hipocalcemia, insuficiência renal aguda e encefalopatia hepática. Dentre
as causas intracranianas, encontram-se as doenças degenerativas (anóxia, acidentes
vasculares, alterações senis), as anomalias (hidrocefalia e outras alterações congênitas),
as doenças neoplásicas primárias e secundárias (gliomas, meningiomas e metástases), as
doenças inflamatórias ou infecciosas (cinomose, neosporose, toxoplasmose, erliquiose),
idiopáticas ou imunomediadas (meningoencefalites), as traumáticas e as epilepsias
primárias (idiopática ou genética) e secundarias (pós-encefalite ou cicatriz glial pós-
traumática) (PARENT, 2003).
2.1.4 Diagnóstico
O procedimento diagnóstico dos animais com
convulsões varia com a causa subjacente suspeitada (KORNEGAY, 1992). O objetivo
de um exame minucioso é discernir os ataques convulsivos com causa conhecida dos
sem causa diagnosticável. Muitos dos pacientes que tiveram uma convulsão nunca mais
5
terão uma segunda; por isso, é imperativo que o clínico inclua no protocolo um período
de tempo sem tratamento, para avaliar se o animal é realmente epilético (FENNER,
1994).
O tratamento com o animal suspeito de sofrer de
epilepsia deve iniciar-se com uma anamnese cuidadosa, seguida, se possível, de um
exame neurológico, que oferecerá ao clínico a melhor pista da presença de uma doença
estrutural. Alguns testes laboratoriais também podem ser úteis nesse caso, bem como o
pedido de um hemograma completo, de perfil bioquímico, urinálise, ácidos biliares e de
exame fecal. As radiografias cranianas podem ser úteis, se houver suspeita de
hidrocefalia, traumatismos ou tumores. Exames como eletroencefalograma (ECG),
coleta de fluido cérebro-espinhal, tomografia computadorizada (TC) e ressonância
magnética (IMG), embora de difícil acesso no país, e mais dispendiosos, podem ser
fundamentais para um diagnóstico preciso, principalmente naqueles pacientes com um
exame nervoso anormal ou com ataques convulsivos refratários (PARENT, 2002;
KONEGAY e LANE, 1992).
2.1.5 Tratamento
O principal objetivo da terapia com um animal vítima
de epilepsia é reduzir a freqüência da ocorrência dela, além de oferecer tratamento para
qualquer doença subjacente. O estado epilético consiste em uma emergência clínica;
convulsões prolongadas podem resultar em lesões cerebrais graves, decorrentes de
hipóxia, hipoglicemia, acidose láctica e edema cerebral (CHRISMAN, 1997).
Como regra, os anticonvulsivantes devem ser
considerados, quando convulsões isoladas ocorrerem mais de uma vez a cada seis
semanas, ou conjuntos de convulsões ocorrerem mais de uma vez a cada oito semanas.
6
Antes do início da terapia, o dono do animal deve ser cientificado de que a medicação
não representa uma cura, podendo ser necessária durante toda a vida do cão. Também é
importante que o proprietário esteja ciente de que convulsões ocasionais poderão
ocorrer, mesmo com a administração da medicação anticonvulsivante. Além disso,
devem ser igualmente discutidos os efeitos colaterais potenciais do medicamento a ser
usado, e seu custo. O anticonvulsivante principal para o tratamento a longo prazo das
convulsões em cães é o fenobarbital, na dose inicial de 2 mg/kg, administrada
oralmente, duas vezes por dia (KONEGAY, 1990). Nos níveis séricos apropriados (15-
40µg/kg) pode-se controlar mais de 60% dos cães epiléticos com esse fármaco; as
outras drogas parecem ser menos efetivas e possuem efeitos colaterais maiores
(FENNER, 1994). Quando o fenobarbital não for eficiente, vários outros
anticonvulsivantes podem ser usados isoladamente ou em combinação com ele
(primidona, valproato de sódio e o clonazepan). Em estudos mais recentes vários
neurologistas veterinários tiveram sucesso em casos refratários, pela suplementação de
fenobarbital com brometo de potássio (40mg/kg/dia) (KORNEGAY, 1992).
2.2 Fenobarbital
Fenobarbital, ou fenobarbitona, é uma substância
barbitúrica usada como anticonvulsivante hipnótico e sedativo. Primeiramente foi
comercializada como Luminal, mas é também conhecido sob o nome de Gardenal.
O fenobarbital é um derivado do acido barbitúrico que atua no receptor GABA,
bloqueando a entrada de cálcio nas terminações pré-sinápticas, inibindo a transmissão
do neurotransmissor glutamato (RHO e SANKAR, 1999). Além de reduzir a
excitabilidade neuronal, ele também inibe a difusão do foco epilético para outras áreas
encefálicas, reduz a intensidade das convulsões e diminui sua duração e freqüência,
7
prevenindo efeitos colaterais como degeneração ou morte neuronal (ARIAS e NETO,
1999).
O fenobarbital se torna efetivo de 14 a 24 horas após
sua administração oral. A metabolização ocorre no fígado e a excreção de seus
metabólitos é feita pelos rins (YAZAR et al, 2002).
A meia-vida do fenobarbital é de 40h; por isso são
necessários aproximadamente 15 dias para se alcançarem os níveis séricos desejáveis
(14 a 45mg/l). Alguns autores recomendam, para um controle adequado, níveis séricos
>30mg/l. Na maioria dos cães um nível mais baixo de fenobarbital, de cerca de 25mg/l,
é ideal para a fase de controle inicial (FENNER, 1994). Os níveis sanguíneos acima da
faixa terapêutica, todavia, podem ser necessários em alguns animais (KORNEGAY,
1992).
2.2.1 Efeitos adversos do fenobarbital
a) Sedação
A sedação é um dos principais efeitos colaterais do fenobarbital. A maioria dos
animais desenvolve tolerância a esse efeito, ou seja, com o tempo, os neurônios se
adaptam aos efeitos sedativos, o que pode acontecer em 7 a 10 dias, não havendo
necessidade de diminuição da droga (FENNER, 1994).
b) Hiperexcitabilidade
Cerca de 40% dos cães em regime de fenobarbital desenvolvem hiperexcitabilidade
ou inquietação (FENNER, 1994).
c) Dependência
Uma suspensão súbita da droga pode precipitar ataques convulsivos, mesmo em
animais normais; por isso é preciso cuidado, ao terminar a terapia (FENNER, 1994).
8
d) Fosfatase alcalina sérica (FAS) alta induzida por fenobarbital
Ela ocorre freqüentemente; pode ser um sinal inicial de hepatotoxicidade, mas é de
menor preocupação, se a ALT estiver no seu valor normal (FENNER,1994).
e) Hepatotoxicidade
É possível ocorrer hepatotoxicidade após um tratamento crônico em níveis séricos,
na variação terapêutica entre média e superior. Ela pode ter um início insidioso e
apresentar como única anormalidade bioquímica uma diminuição da albumina
(FENNER, 1994).
f) CURY (2005) concluiu que, em filhotes, o uso prolongado de fenobarbital resultou
em distúrbios comportamentais de hiperatividade após um mês de uso, com
erupções cutâneas do tipo alérgico, hepatopatia e diminuição do valor de tiroxina
livre.
2.2.2 Hepatopatia associada ao uso crônico de fenobarbital
O fenobarbital, por ser um auto-indutor de enzimas
microssomais do sistema P-450, aumenta a sua própria metabolização e a
biotransformação de outras drogas administradas concomitantemente, sendo a
hepatotoxicidade um dos efeitos colaterais mais severos, em cães medicados
cronicamente (FORRESTER et al,1989). Além disso, os anticonvulsivantes em geral
são indutores potentes da atividade sérica da FA que ocorre de início, sem evidências
morfológicas de lesão hepática. Os aumentos na atividade da ALT (em até 4 vezes o
normal), no caso de suspeita de hepatopatia por terapia crônica com anticonvulsivantes,
são menos consistentes, mas aumentos acima desses níveis sugerem lesão hepatocelular.
Os sinais clínicos do uso crônico de fenobarbital são os de hepatopatia crônica e
9
incluem anorexia, letargia, perda de peso, fraqueza, polidipsia, poliúria e icterícia; a
ascite e a encefalopatia hepática são mais prováveis no caso de hepatopatia avançada.
Quando um prejuízo da inativação hepática do
fenobarbital provoca aumento dos níveis sanguíneos, a freqüência dos ataques
convulsivos pode-se reduzir ou os cães podem apresentar sinais de superdosagem. Além
dos exames bioquímicos, as radiografias são úteis para diagnosticar micro-hepatias e
hepatomegalias e as ultra-sonografias, para caracterizar adicionalmente alterações
hepáticas e para avaliar quanto a outros distúrbios hepáticos. A biópsia hepática deve
ser realizada quando possível. O achado mais consistente nos cães em terapia com
anticonvulsivos é uma hipertrofia hepatocelular do citoplasma, com aparência de vidro
moído, que ocorre devido à hiperplasia do retículo endoplasmático liso. É possível
encontrar essas alterações, sem evidências clínicas ou bioquímicas de doença hepática,
o que não justifica alteração na terapia com drogas. Pode haver achados consistentes
com cirrose hepática, caracterizados por necrose transponente, hepatite lobular,
hiperplasia nodular e fibrose ou, ainda, colestase intra-hepática, hiperplasia biliar,
vacuolização citoplasmática, desorganização das placas hepatocelulares e áreas de
necrose multifocais, caracterizando hepatopatia colestática (JOHNSON e SHERNING,
1994).
SILVA e HARTMANN (2006) concluíram em um
estudo que o uso crônico de fenobarbital está diretamente relacionado ao aumento das
áreas potencialmente pré-neoplásicas em fígado de ratos, não havendo, entretanto,
aumento no número dessas áreas. Esse assunto ainda necessita de estudos em cães e
gatos, mas requer cautela, mediante os resultados obtidos pelos autores, quanto ao uso
de fenobarbital em animais com suspeita ou com potencial genético para neoplasias
hepáticas.
10
3 RELATO DO CASO
Um canino poodle, fêmea, de nome Bianca, SRD, de 10
anos de idade, pesando 8 - 500 kg, foi atendido dia 03 de junho de 2008, na Clínica
Veterinária Bicho Travesso, localizada em Itapema, SC. A proprietária do animal
informou que ele apresentava poliúria e polidipsia, inapetência, apatia e vômitos.
Também relatou que cinco anos antes ele havia sido diagnosticado com epilepsia; que
estava sendo tratado desde então com fenobarbital e que o protocolo inicial foi de 12mg,
duas vezes ao dia, o que não se mostrou suficiente para controlar as convulsões. A dose
foi aumentada progressivamente até 200mg, duas vezes ao dia, durante
aproximadamente 3 anos. Ainda assim a cadela apresentava crises convulsivas fracas, a
cada 2 - 3 meses. Segundo a proprietária, no último ano, por conta própria, ela diminuiu
a dose para 50mg, duas vezes ao dia, e, nos dias em que o paciente apresentava
convulsões, administrava, também por conta própria, 50mg a mais na dose diária.
Naquele período de 5 anos não havia sido realizado qualquer exame para monitoração
do paciente ou para ajuste da dose.
No exame clínico o animal apresentou temperatura de
38,2ºC, desidratação leve (5%), dor na região abdominal, hálito com odor de acetona,
fraqueza e aumento do volume abdominal, principalmente do lado direito.
Foram realizados hemograma, TGP ou ALT, FAL,
uréia, creatinina, exame de urina e glicose. O hemograma revelou uma anemia não
11
regenerativa normocítica normocrômica e um leucograma de stress. As plaquetas se
encontravam normais (Tabela 1) e as enzimas hepáticas estavam bastante aumentadas
(TGP/ALT= 583U/L; FAL=692U/L), indicando lesão hepática grave. A uréia estava
aumentada (77mg/dl), enquanto a creatinina apresentava-se normal (1,1mg/dl). O exame
de glicose revelou glicemia de 372mg/dl. Os valores de referência encontram-se abaixo
(Tabela 2). A suspeita de diabete melittus cetoacidótica foi comprovada pelo exame de
urina, que acusou presença de glicose (+++) e de corpos cetônicos (++). Esse exame
também constatou a presença de proteínas (+) e cilindros granulosos (++), indicando
uma possível lesão em túbulos renais.
De posse dessas informações, o clínico sugeriu iniciar a
administração de insulinoterapia, fluidoterapia agressiva, analgésicos e opióides para
dor, antibióticos, anti-eméticos e protetores de mucosa. Também sugeriu uma
ultrassonografia, realizada dois dias depois da primeira consulta. As imagens ultra-
sonográficas (Figura I) revelaram hepatomegalia com ecotextura heterogenia difusa,
com padrão micronodular. O veterinário observou ainda, no lado direito do fígado do
canino, um achado circunscrito sugestivo de neoplasia e alterações no estômago,
sugestivas de gastrite.
Apesar do tratamento e do controle da glicemia, o
animal não apresentou melhora nos cinco dias que se seguiram. O vômito e a anorexia
persistiram, piorando muito seu quadro.
No dia 10 de junho o médico veterinário, juntamente
com a proprietária da cadela, decidiu pela realização da laparotomia exploratória, como
última tentativa de tratamento. Ele observou que o fígado apresentava lesões nodulares
por todo o parênquima (Figura II) e hepatomegalia, além de uma vesícula biliar repleta.
Confirmada a gravidade do caso, a pequena chance de recuperação de Bianca, e levando
12
em consideração a pouca qualidade de vida que ela estava tendo, o clínico optou, com a
aprovação da proprietária, pela eutanásia naquele mesmo dia.
Uma amostra do fígado foi enviada para o Laboratório
de Patologia Animal da Universidade Federal de Santa Maria, para exame
histopatológico. O exame revelou degeneração hepatocelular micro e macrovacuolar
multifocal a coalescente acentuada, que são lesões degenerativas hepáticas compatíveis
com a suspeita clínica de hepatopatia causada pela administração crônica de
fenobarbital, uma vez que essa droga induz intensamente a hiperplasia de vários
sistemas enzimáticos do retículo endoplasmático liso.
Tabela 1 – Hemograma realizado em 04/06/08, no paciente Bianca, Poodle, fêmea, 10
anos de idade
SÉRIE VERMELHA
Hemácias 4.96 Milh/mm3 Hemoglobina 10.7 g/dl Hematócrito 33.8 % V.G.M. 68 u 3 H.G.M. 21.6 Pg C.H.G.M 31.7 %
SÉRIE BRANCA % mm3
Leucócitos 14200 Bastonetes 3 426 Segmentados 91 12922 Eosinófilos 0 0 Basófilos 0 0 Linfócitos 5 710 Monócitos 1 142 Linfócitos atípicos 0 0 Plaquetas 254000
13
Tabela 2 – Valores de referência de bioquímica sérica para caninos TGP/ALT 10-70,0 U/L UREIA 20-50 mg/dl CREATININA 0,2-1,5 mg/dl FOSFATASE ALCALINA/ALP 20-156 U/L GLICOSE 60-180 mg/dl
Fonte: Central de Exames Laboratório Clinico
Figura 1 – Imagem ultra-sonográfica de um canino, fêmea,pPoodle, 10 anos de idade, apresentando poliúria e polidipsia, apatia, anorexia e vômitos. Nota-se presença de hepatomegalia com ecotextura heterogênia difusa, com padrão micronodular compatível com hepatopatia associada ao uso crônico de fenobarbital.
14
Figura 2 – Fígado de um canino, fêmea, poodle, 10 anos de idade, apresentando sinais clínicos de poliúria, polidipsia, apatia, anorexia e vômitos, submetido a uma laparotomia exploratória. Percebe-se o aspecto lesional nodular em todo o parênquima hepático, assim como hepatomegalia e vesícula biliar repleta, demonstrando lesão grave em fígado.
15
4 DISCUSSÃO
A administração crônica de fenobarbital causa inibição
da mitose do hepatócito, porém sem qualquer citototoxidade (SILVA e HARTMANN,
2006). Em doses altas (concentração sérica > 40mg/ml), o fenobarbital, sozinho ou
associado a outro anticonvulsivante, pode induzir moléstia hepática grave e, por isso,
esse protocolo deve ser evitado (HARDY, 1992).
Segundo FENNER (1994), para se detectarem
evidências de danos hepáticos deve-se monitorar rotineiramente as enzimas hepáticas
(FAL e ALT séricas), a bilirrubina sérica total, o colesterol, a albumina e os níveis de
fenobarbital, em pelo menos, 6 a 12 meses, em todos os cães em terapia crônica com
anticonvulsivantes. Caso existam evidências bioquímicas e histopatológicas de
hepatopatia deve-se, se possível, interromper ou modificar a terapia com fenobarbital.
KORNEGAY e LANE (1992) recomendam ajustar-se a
dose em intervalos de 2 semanas, para que seja atingido o nível sérico entre 15 e 45
mg/ml. Já AMARAL e LARSSON (2006) concluíram em seus estudos que, por causa
da ampla variação na meia-vida do fenobarbital (13-131hs), as colheitas com propósito
de monitoração sejam realizadas quatro semanas após o início do tratamento ou a cada
ajuste de dose; neste caso, o equilíbrio dinâmico seria obtido em 100% dos animais. A
colheita do material para monitoração pode ser realizada em qualquer horário entre 8 e
12 horas após a administração do fenobarbital, ou imediatamente antes dela. No caso de
suspeita de intoxicação, deve-se optar por duas coletas: a primeira entre 8 e 12 horas
16
após a sua administração matutina, ou imediatamente antes da sua administração
noturna, e a segunda, de 2 a 4 horas após sua administração.
É necessário, portanto, evitar danos hepáticos para o
paciente, realizando-se testes de concentração de fenobarbital. Segundo estudo de
AFONSO et al (2003), a mensuração da concentração sérica de fenobarbital mostrou
grande variação nos valores obtidos, independentemente da dose ministrada,
comprovando-se que há grande variabilidade na distribuição desse fármaco entre os
animais. Ou seja, cães que recebem doses altas de fenobarbital podem estar com a
concentração sérica dentro dos limites desejáveis, enquanto cães que recebem doses
baixas podem apresentar concentração acima de 40 mg/ml, ocorrendo risco de lesão
hepática.
A concentração sérica de fenobarbital deve ser usada
como guia para a modificação do tratamento, ao invés do critério clínico (BOOTHE,
1998, LECOUTER, 1998).
O presente relato de caso nos revela a importância da
comunicação médico veterinário/proprietário de animal, sendo a ausência dessa
comunicação, em minha opinião, e neste caso em particular, a causa principal do
insucesso do tratamento e do óbito precoce do paciente. Como clínicos, devemos
sempre procurar esclarecer ao máximo todas as dúvidas que o proprietário possa ter,
orientando-o de forma a que ele entenda que a epilepsia é uma condição crônica e que o
retorno periódico do paciente à clínica e a realização de exames complementares são
cruciais para o sucesso do tratamento e para o bem-estar do animal.
17
5 CONCLUSÃO
O fenobarbital é o agente antiepilético mais seguro e
efetivo para cães e deve ser a primeira droga escolhida, na ocorrência dessa afecção.
Vimos, contudo, por meio deste relato de caso, que o fenobarbital também pode
danificar a saúde dos animais tratados, se o clínico não seguir um protocolo adequado
ao paciente. É preciso que o exame de concentração sérica de fenobarbital se torne
rotina para o clínico e para o proprietário do animal tratado com essa droga; com isso
podemos prevenir efeitos colaterais, administrando-a dentro de intervalos adequados e
na dose recomendada, controlando efetivamente as convulsões, evitando troca de
medicação ou associações medicamentosas desnecessárias.
As convulsões, freqüentemente, não poderão ser
completamente eliminadas; a maioria dos animais afetados, contudo, pode ter uma vida
completamente normal e longa, caso lhe seja administrada uma medicação
anticonvulsivante apropriada, na dose e freqüência corretas.
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