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Estudo de caso sobre a atuação das empresas transnacionais Banif, GDF Suez e Santander na construção de hidrelétricas no Rio Madeira (Brasil)
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MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR
BARRAGENS – MAB
Estudo de caso sobre a atuação das empresas transnacionais Banif, GDF
Suez e Santander na construção de hidrelétricas no Rio Madeira (Brasil) e a
cumplicidade da União Européia e do Governo Brasileiro
Passo Fundo, junho de 2010
Introdução
O presente estudo de caso foi realizado com o objetivo de apresentar uma acusação
contra as empresas transnacionais envolvidas na construção do Complexo Hidroelétrico do
Rio Madeira (GDF Suez, Santander e Banif) e a União Européia (como cúmplice), perante o
TRIBUNAL PERMANENTE DE LOS PUEBLOS – TPP.
A partir do estudo realizado foi apresentada ficha à comissão organizadora do TPP,
que o selecionou para a sessão de Madrid (maio de 2010) e solicitou a elaboração da acusação
formal contra as empresas, que foi apresentada perante o Tribunal.
No TPP o caso foi apresentado pelo MAB, em conjunto com o FOBOMADE (Bolívia)
e o SETEM (Espanha) e pela Fundação Rosa Luxemburgo (apoiadora), no dia 14 de maio de
2010, tendo havido expressa manifestação do tribunal sobre o mesmo na sua sentença
divulgada em 17 de maio durante a Cumbre de los Pueblos.
O estudo divide-se em cinco partes:
- na primeira parte será apresentada dimensão do Complexo Hidrelétrico do Rio
Madeira, as obras previstas, os custos, os principais interessados e beneficiários do projeto;
- na segunda parte serão apresentados os principais impactos econômicos, sociais,
culturais e ambientais do Complexo;
- na terceira parte serão apresentadas as empresas transnacionais européias que
participam do projeto e a cumplicidade da União Européia com sua atuação no Brasil;
- na quarta parte serão apresentadas as estratégias de luta contra as empresas utilizadas
no caso, por diversos atores envolvidos;
- considerações finais, onde é apresentada uma reflexão sobre o caso.
O estudo de caso foi elaborado pelo MAB, mas o conhecimento nele reunido possui
como fonte documentos do MAB, FOBOMADE, SETEM e estudos de Gilberto Cervinski,
Luis Novoa e Leandro Scalabrin.
Destaca-se, por fim, a relevância deste estudo, uma vez que possibilitou a elaboração
de ficha de seleção e acusação formal aceita pelo TPP e apresentada em Madri. Ademais
possibilitou uma ação concreta entre organizações de quatro países (MAB, FOBOMADE,
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IRLS e SETEM) e resultou numa manifestação expressa do Tribunal contra essas
multinacionais.
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1 – Complexo Hidrelétrico Rio Madeira
1.1 O que significa o projeto chamado de “Complexo Hidrelétrico do Rio
Madeira”?
Os projetos das hidrelétricas vem sendo discutidos ha vários anos e faz parte de um
plano maior de saqueio da Amazônia.
O “Complexo” foi pensado e ganhou força, principalmente quando os Estados Unidos
elaborou um plano de dominação sobre toda América Latina. Um plano chamado de ALCA –
Área de Livre Comércio das Américas. Seu principal objetivo era garantir livre acesso para
saquear todos recursos naturais da América Latina, em especial da Amazônia.
Diante da resistência contra a ALCA, foi ganhando força um novo plano, para
beneficiar tanto as multinacionais estadunidenses, como as européias e também as brasileiras,
é o plano IIRSA. São dez grandes eixos definidos por interesses estratégicos, que podem ser
inter-oceânicos ou verticais que ligam de norte à sul da América do Sul. As hidrelétricas no
Rio Madeira são parte destes planos.
Desde setembro do ano 2.000, através de uma iniciativa do então presidente Fernando
Henrique Cardoso, o plano das hidrelétricas no Rio Madeira foi ganhando forma e força. Mais
a frente, o Governo Lula passou a assumir como um dos principais projetos de geração de
energia de seu governo. Não fica difícil perceber porque a grande parte dos partidos políticos
anda de braços dados quando o assunto é Rio Madeira. Neste caso, os projeto estão sendo
apresentado para sociedade com o nome de “Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira”.
O que significa “Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira”?
É um plano que prevê a construção de várias obras de interesse das multinacionais e dos
grandes bancos financiadores. Foram pensadas pelas grandes empresas em conjunto com os
governos. É um plano pensado especialmente no Rio Madeira, para garantir grandes lucros
para suas empresas através da construção de 04 hidrelétricas, uma grande hidrovia, várias
eclusas e uma linha de transmissão de energia até São Paulo.
A SEGUIR TODAS AS OBRAS PLANEJADAS NO RIO MADEIRA:
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a) A construção de no mínimo quatro grandes hidrelétricas:
UHE Santo Antônio: Custo de R$ 8 bilhões
UHE Jirau: Custo de R$ 8,5 bilhões.
Custo Total das 02 barragens: R$ 16,5 bilhões
Dados gerais das duas hidrelétricas
São 04 hidrelétricas de grande porte, previstas dentro do plano, com potencial total
estimado em 12.000 MW de energia. A Hidrelétrica Santo Antônio (1ª) e a Hidrelétrica Jirau
(2ª) serão totalmente em terras brasileiras; a Hidrelétrica Guajará (3ª) atingirá os dois países e
a hidrelétrica Cachuela Esperanza (4ª) será totalmente em terras bolivianas.
A hidrelétricas de Santo Antônio foi leiloada em dezembro de 2007, a UHE Jirau foi
em maio de 2008. Dados divulgados recentemente, dizem que custos totais das 02 usinas
serão de R$ 16,5 bilhões.
b) As hidrovias
Se o plano IIRSA for construído em sua totalidade, o conjunto dos projetos no Rio
Madeira vai viabilizar um acréscimo de 4.225 km de rios navegáveis a montante de Porto
Velho (entre Brasil, Bolívia e Peru).
Somente o trecho que vai de Porto Velho até Abunã, região de abrangência apenas das
duas hidrelétricas (Santo Antônio e Jirau), serão em torno de 260 km de extensão.
Se a totalidade das obras planejada no Rio Madeira for concluída, vai viabilizar uma
infra-estrutura de transporte hidroviário ao conjunto dos capitalistas que tem interesse na
dominação da Amazônia. Vai diminuir dos custos de produção das mercadorias para serem
levadas aos outros países. Conforme estudos da Eletrobrás, a soja terá uma redução em custos
de transporte na ordem de U$ 30,00 por tonelada (R$ 60,00), porque com a hidrovia, as
barcaças poderão reduzir em mais de 5.000 km as distâncias até a Ásia.
O verdadeiro interesse nas hidrovias, é para permitir a navegação de grandes barcaças,
principalmente os barcos cargueiros. Permitindo o escoamento e retirada para fora do Brasil
de diversas mercadorias, como a soja, o álcool, a celulose, o minério e a madeira através de
saídas para o Oceano Atlântico ou até mesmo pelo Oceano Pacífico.
c) Linhas de transmissão (custo total R$ 7,2 bilhões)
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O Brasil possui ao todo 87.518 km de linhas de transmissão de energia elétrica em
todo o país. Para os próximos 10 anos, está prevista a construção de mais 41.300 km.
No caso da energia das hidrelétricas do Rio Madeira, será necessário a construção de
uma grande linha de transmissão que deverá ir de Porto Velho/RO até Araraquara/SP, com
2.450 km de extensão e uma tensão média de 600 kv e mais uma linha de Araraquara/SP até
Atibaia e dali até Nova Iguaçu/RJ, com 600 km de extensão e tensão média de 500
kvconforme
Para construir essa linha de transmissão, será necessário um investimento em torno de
7,2 bilhões de reais. E para as interligações de interesse restrito, os custos ficarão na ordem de
R$ 930 milhões.
Portanto, o discurso de que a as hidrelétricas são construídas para desenvolver a região
é falso e de má fé. Quase toda energia que será produzida pelas hidrelétricas será levada para
outras regiões do Brasil, sendo que 70% será destinada para o mercado cativo de energia e
30% destinado para o 665 consumidores do mercado livre (consumidores eletrointensivos).
Esta é a lógica de um desenvolvimento desigual, onde Rondônia garantirá energia
barata para regiões economicamente mais desenvolvidas, para aqueles estados onde as
grandes empresas possuem suas indústrias consumidoras de energia, principalmente São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O leilão ocorrido em novembro de 2008 comprova que a energia não ficará n aregião,
porque será levada para São Paulo através de um enorme linha de transmissão de corrente
contínua.
d) Os Custos Totais do “Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira” ( R$ 26 bilhões)
O total do investimento que terá de ser feito para finalizar todas as obras é assustador.
São vários valores que são anunciados, mas geralmente aparece na sociedade apenas uma
parte do dinheiro que terá de ser colocado e estes valores constantemente estão sendo
alterados.
É fundamental ver o total dos custos previstos, para podermos fazer uma avaliação de um outro ponto
de vista do investimento. Principalmente levar em conta o que poderia ser feito se este dinheiro fosse investido
em obras de interesse do povo, como moradia, saneamento, reforma agrária, educação, saúde, geração de
emprego, etc.
Projetos Valor
02 Hidrelétricas(Santo Antônio e Jirau) R$ 16,5 bilhões
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Eclusas R$ 1,38 bilhões
Interligações de interesse restrito R$ 930 milhões
Linhas de Transmissão de energia R$ 7,2 bilhões
TOTAL R$ 26,01 bilhões
1.2 O que significa um investimento dessa grandeza?
a) Comparando o investimento com a população do Estado de Rondônia:
Rondônia possui 1.379.787 habitantes (IBGE 2000). Hoje, provavelmente, este número chega
a um milhão e quinhentos mil habitantes.
Comparando com o total de recursos necessários ao investimento (R$ 26 bilhões), significa
o equivalente a R$ 19.000,00 (dezenove mil) por habitante de Rondônia.
b) Comparações do investimento com a população do município de Porto Velho:
Porto Velho possui população de 380.971 pessoas residentes, estimativa de 2006.
Comparando com os R$ 26 bilhões, equivalente a R$ 68.000,00 (Sessenta e oito mil) por
habitante de Porto Velho.
3.5.2. O que poderia ser feito se investíssemos (R$ 26 bi) em benefícios ao povo?
Daria para fazer 1.300.000 (um milhão e trezentas mil) casas populares no valor de R$ 20
mil/casa, ou seja, poderia ser construído uma casa para cada habitante de Rondônia.
Daria para construir 2.500 (dois mil e quinhentos) postos de saúde com 01 médico, 02
enfermeiros e 01 dentista e 10 agentes de saúde, com capacidade de atender 4.000
pessoas/posto, funcionando durante 30 anos, gerando 35.000 empregos permanentes ao longo
dos 30 anos. .
Daria para assentar 520.000 (quinhentas e vinte mil) famílias com terra, moradia, crédito
agrícola e acompanhamento técnico.
1.3. Os interesses por trás dos projetos.... quem se beneficiará?
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1.3.1 - Quais são os interesses de quem quer construir as hidrelétricas e ser dono?
Primeiro objetivo: Lucro
Vender energia ao preço mais alto possível ao povo brasileiro e, desta forma,
obter taxas de lucro extraordinárias.
O único objetivo das empresas de energia é a obtenção de altas taxas de lucro. Sabe-se
que na maioria das barragens no Brasil, o custo real da energia fica em torno de 01 (um) a 05
(cinco) centavos/kwh. Porém esta energia chegará nas residências, e também para pequena e
média indústria e comércio, há um preço que significa um verdadeiro “roubo”, ou seja, a
tarifa média cobrada no Brasil em 2006, foi 33 (trinta e três) centavos por kwh.
Porém, não é suficiente apenas levar em conta as “tarifas médias” pois ali estão
contabilizados todos os setores consumidores. Se considerar apenas as tarifas pagas pelas
residências, veremos que de maneira geral são mais altas que a tarifa média brasileira. A
população brasileira paga acima de 50 centavos o kwh.
As hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, tem licença de funcionamento das barragens
para 30 anos. A seguir veremos os faturamentos totais que os “donos da energia” terão nos
próximos 30 anos com as duas usinas, nas áreas de geração, transmissão e distribuição de
energia.
►Faturamento na geração de energia elétrica
a) UHE SANTO ANTÔNIO
Investimento: R$ 8 bilhões
Potência: 3.150 MW
Energia firme: 2.140 MW médios (70% é igual a 1.443 MW médios)
Percentual para mercado cativo: 70% da energia
Preço de venda R$ 78,87/MWh
Venda garantida até o ano 2.041.
Total de MW negociados:
(24 horas X 365 dias X 30 anos X 1.443 MW = 379.236.145 MW)
8
Sub-Total Negociado: R$ 29.910.354.809,00 (30 bilhões)
Os outros 30% da energia (642 MW médios): R$ 120,00/MWh
(24 horas X 365 dias X 30 anos X 642 MW = 168.717.600 MW)
Sub-Total em 30 anos: (X R$ 120,00) = R$ 20.246.112.000,00 (20 bilhões)
TOTAL(30 anos): R$ 50.156.466.809,00 (50 bilhões)
(Total por hora: R$ 200 mil)
b) UHE JIRAU
Investimento: R$ 8,5 bilhões
Potência: 3.300 MW
Energia firme: 1.906 MW médios (70% é igual a 1.327 MW médios)
Energia negociada: 348.649.462,578 MWh
Preço de venda: R$ 71,40 / MWh
Venda garantida até o ano 2.042.
Total de MW negociados:
(24 horas X 365 dias X 30 anos X 1327 MW = 348.649.462 MW).
Sub-Total negociado: R$ 24.883.112.144,00
Os outros 30% da energia (570 MW médios): R$ 120,00/MWh
(24 horas X 365 dias X 30 anos X 570 MW = 149.796.000 MW)
Sub-Total em 30 anos: (X R$ 120,00) = R$ 17.975.520.000,00
TOTAL(30 anos): R$ 42.858.632.144,00 (43 bilhões)
(Total por hora: R$ 165 mil)
►Faturamento com as linhas de transmissão de energia:
Investimento: R$ 7,2 bilhões
Extensão: 2.375 quilômetros (km), Opção Corrente Contínua
Prazo das concessões de transmissão: 30 anos
Abaixo o valor da Receita Anual Permitida (RAP) para cada trecho
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a) Vencedor, Consórcio Integração Norte Brasil, composto pelas empresas Eletronorte
(24,50%), Eletrosul (24,50%), Abengoa Brasil (25,50%) e Andrade Gutierrez Part. (25,50%):
Lote A (17,3 km): R$ 44.751.600,00; Lote C (estação): R$ 144.754.800,00; Lote G (2375
km): R$ 173.922.000,00
Sub-total: R$ 363.428.400,00/Ano
b) Cymi Holding S/A (Abengoa Espanhola): Lote B (602 km): R$ 35.447.808,00; Lote E (30
km) : R$ 15.463.152,00.
Sub-total: R$ 50.910.960,00/ano
c) Consórcio Madeira Transmissão, formado pelas empresas Cteep/Colômbia (51%), Furnas
(24,5%) e Chesf (24,5%): Lote D (2375 km): R$ 176.249.000,00; Lote F (estação): R$
151.788.396,00
Sub-total: R$ 328.037.396,00/ano
Receita Anual Permitida TOTAL: R$ 742.376.756,00/anoTOTAL (em 30 anos): R$ 22.271.302.680,00 (22 bilhões)
(Total por hora: R$ 85 mil)
► Faturamento na Distribuição de Energia Elétrica
Total de MW: (379.236.145 MW + 348.649.462 MW) = 727.885.607 MW
Preço médio de venda sem impostos: R$ 258,00/MW (menos 78,00 do leilão) = 180,00)
TOTAL GERAL (30 anos): R$ 131.019.409.260,00 (131 bilhões)
(Total por hora: R$ 500 mil)
TOTAL (geração, transmissão e distribuição): R$ 246 bilhões em 30 anos
(Total por hora: 950 mil reais)
Além disso, o discurso por parte das empresas e dos governos, tem sido de que as
barragens geram “desenvolvimento regional”, pois os estados e municípios recebem
compensações financeiras (Royalts). Não passa de uma grande farsa.
Cabe ressaltar que do total a ser faturado somente retornarão aos cofres públicos é
uma parte muito pequena. Em torno de R$ 11,4 milhões por mês, sendo que R$ 4,5
milhões/mês é a parte que cabe ao estado de Rondônia e mais 4,5 milhões de reais por mês
10
aos municípios atingidos. Então, o total de recursos que são retornados, na forma de
compensação financeira, aos cofres públicos durante os 30 anos é o equivalente a R$ 04
bilhões, enquanto que o total faturado pelas empresas “donas da energia” durante o mesmo
período será de R$ 246 bilhões. É por isso que precisamos fazer a pergunta: Energia para que?
E para quem?
Segundo objetivo
Gerar energia elétrica a preço de custo para si mesmo, ou seja, para as suas indústrias
(de alumínio, siderurgia, celulose, papel, cimento, ferro-ligas, petroquímica) e para os
grandes supermercados (shoppings).
A distribuição de energia elétrica no Brasil está organizada de uma forma que permite
a máxima exploração dos mais pobres e ao mesmo tempo privilegia os mais ricos (os grandes
consumidores). Está dividido em dois grupos de consumidores, os “cativos” e os
“consumidores livres”.
Os consumidores cativos, são a totalidade das residências e quase a totalidade da
pequena e média indústria e comércio.
Os consumidores livres são aqueles que conseguem comprovar que consomem em um
determinado momento mais de 3.000 quilowatt e, com isso, eles obtém o direito de negociar
livremente com as geradoras o preço da energia através de contratos que podem ser de curto,
médio e longo prazo(mais de 20 anos). Na prática, é a chamada indústria eletrointensiva e o
grande comércio. Existe no Brasil, 665 consumidores livres e consomem sozinhos quase 30%
da eletricidade. Estas indústrias estão localizadas em grande parte em São Paulo, Minas
Gerais e algumas na região de minérios na Amazônia.
Como nos países ricos está em falta de energia e, ao mesmo tempo, a grande parte dos
minérios se encontra na Amazônia, estas indústrias estão sendo fechadas lá e estão sendo
transferidas ao Brasil. Mas para isso, precisam de energia muito barata, em grande quantidade
para conseguir tirar os minérios brasileiros e poder levar para fora do país já de forma mais
beneficiada e muito lucrativa.
Como nos países centrais há falta de energia, a indústria eletrointensiva vem sendo
fechada lá, inclusive proibidas de funcionar em alguns países, e estão sendo transferida para
regiões onde possui boas condições de energia e minérios
11
A principal característica dessa indústria é:
a) Exige grandes quantidades de energia;
b) Precisam de energia subsidiada (baixo custo);
c) É uma indústria automatizada, que geram poucos empregos;
d) Altamente poluidora do meio ambiente e;
e) A maior parte é para exportação aos países centrais.
Como o Brasil, e principalmente a região amazônica, possui energia de baixo custo e
grandes reservas de minério, fica evidente que os 30% da energia das hidrelétricas do Rio
Madeira terão como destino as eletrointensivas. Vejamos no gráfico as diferenças de tarifas
pagas na energia elétrica:
Terceiro objetivo
Colocar os principais recursos naturais sob domínio e a serviço das multinacionais e ou
de grandes empresas nacionais, principalmente a energia, a água, a biodiversidade e os
minérios.
As grandes empresas internacionais, em sua “divisão do planeta”, determinaram que o
papel principal da América Latina deva ser a exportação de matéria prima, principalmente
agrícola, mineral e energética. O capital internacional tem em sua agenda um plano de
controle dos recursos naturais estratégicos (água, energia, minerais e
biodiversidade/sementes), ou seja, o foco do capital está voltado em grande parte para o
domínio do campo.
12
Comparação de Tarifa
-
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
50,00
Vo
tora
ntim
Alc
oa
(A
lum
ar)
Va
le R
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sid
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0 k
wh
No caso da energia, as multinacionais querem dominar os rios para construir as usinas
para poder utilizar a energia ao preço de custo aos grandes consumidores, como indústrias de
papel e celulose, supermercados (shoppings) e mineradoras (principalmente de alumínio, ferro
e aço). E querem controlar as melhores terras, para produzir o álcool de cana, para substituir a
gasolina e o biodiesel produzido através das plantas oleaginosas (como a soja) para substituir
o óleo diesel, e bem provável, que num período próximo a produção de álcool de celulose .
Em seguida, carregam em grandes barcaças e levam estes produtos para uso em seus países.
Quarto objetivo
Fazer com que o povo brasileiro pague todos investimentos e, no final das contas,
as empresas privadas ficam de donos das barragens.
As multinacionais não querem correr risco nenhum de colocar seu próprio dinheiro
nestes investimentos. Por isso, querem que o povo de cada país arque com os custos dos
investimentos.
No caso brasileiro, colocam os governos (federal, estaduais e municipais) para
convencer a população de que estes projetos serão para desenvolver a região e o país; colocam
as empresas estatais (Furnas, Eletronorte, etc) para financiar parte das obras e, principalmente,
para passar uma visão de que são obras de utilidade pública.
A maior parte do financiamento das obras do Complexo, será com o dinheiro do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que é um banco público
e lida com o dinheiro arrecadado do povo brasileiro.
O BNDES já anunciou que poderá financiar até 75% dos custos das obras, sendo que
em alguns itens o financiamento pode chegar até 85% do valor necessário. O restante dos
recursos sairão de alguma Estatal (Furnas) e o que faltar, aí sim, poderá ser recursos das
empresas privadas. Quer dizer: eles ficam de donos das hidrelétricas sem colocar quase nada
de dinheiro!
Significa que existe bilhões de reais do povo brasileiro a serviço das multinacionais e
ao mesmo tempo não existe dinheiro para investimento em saúde, emprego, escolas,
universidades, transporte, reforma agrária, moradias, etc.
Significa, que o povo brasileiro - através da sua conta de energia, através do BNDES
(dinheiro público) e através das empresas estatais de energia é quem pagará a conta de todo
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financiamento, enquanto que as empresas privadas ficarão com as hidrelétricas e com os
lucros.
Quinto objetivo
Ganhar muito dinheiro com a venda de turbinas, máquinas e equipamentos
As turbinas e grande parte das máquinas e equipamentos que se utilizam na construção
das barragens eram fabricadas fora do Brasil ou por empresas não brasileiras, principalmente
alemãs, francesas e estadunidenses, por grandes multinacionais.
As indústrias de turbinas e equipamentos de energia, são indústrias que em seus países
não tem mais para onde vender. Por isso, aliadas aos demais interessados, pressionam e
obrigam os governos de nosso país para incentivar a construção de barragens e assim
encontrar uma forma de continuar com seus negócios lucrativos.
Além disso, são mercadorias muito caras, até mesmo quando não são superfaturadas.
E a grande parte do dinheiro investido numa obra dessa natureza, na verdade acaba indo nos
bolsos das multinacionais para fora do país. Para se ter uma idéia, estima-se que somente na
compra das 88 turbinas serão gastos R$ 5 bilhões, e é bem provável que as multinacionais
Siemens, da Alemanha, Alstom da França, ou General Eletric dos EUA sejam os principais
fornecedores.
Sexto objetivo
Garantir uma infraestrutura de transporte que permita o saqueio dos recursos
naturais, de forma barata e rápida
Faz parte deste plano a construção de grandes hidrovias, rodovias, ferrovias,
alcoodutos, aeroportos e portos, tudo direcionado para fora do país.
Estas obras são planejadas para diminuir o custo de transporte até os países centrais,
necessário às suas indústrias e também para viabilizar acesso até as regiões onde se
concentram os bens naturais mais importantes da América Latina. Ajudará a diminuir os
custos de produção das mercadorias, principalmente matéria prima, que se saqueiam do nosso
país. Permitindo assim, altas taxas de mais-valia (lucro) nas indústrias dos países
desenvolvidos.
14
Nesta lógica, querem fazer com que o Rio Madeira e os lagos das hidrelétricas se
tornem navegáveis para grandes barcaças de interesse das multinacionais, para que assim
possam retirar todas as riquezas naturais da Amazônia e levá-las de forma mais fácil e mais
barata possível aos seus países. Além disso, com as hidrovias, o monocultivo da soja, da cana-
de-açúcar e do eucalipto tende a avançar de forma mais rápida para dentro da Amazônia e
conseqüentemente a destruição de suas florestas.
Sétimo objetivo
Controle direto sobre os rios e os lagos para ter o controle da água
A crise ambiental cada vez maior e a contaminação das águas nos países ricos e
desenvolvidos, indicam que nos próximos anos a disputa, a nível mundial, pelo controle das
águas potáveis estará no centro, já que nos países industrializados (Estados Unidos, Europa,
Japão, etc) suas águas estão praticamente contaminadas.
Para estes países, a alternativa passa ser o controle das águas nos países que existe em
abundância, porque a água é fundamental à indústria, à agricultura e à vida humana.
De toda água do mundo, apenas 3% é água doce, o resto é salgada. A América do Sul
passa ser a região mais disputada, porque ali se concentram as maiores reservas de água doce
do planeta Terra. As duas maiores bacias hidrográficas do planeta estão em nosso território: a
Bacia Amazônica e a Bacia do Prata. São as duas maiores vazões hidrográficas da face da
Terra.
De toda água doce do mundo, a Amazônia concentra 20%. A vazão média da bacia
Amazônica é de 212.000 m³/segundo. Vale lembrar que o Rio Madeira é um dos principais
afluentes da Bacia Amazônica e dali para frente, não fica difícil de imaginar o porque de tanto
interesse das multinacionais em construir as hidrelétricas no Madeira. A resistência e a luta
das comunidades ribeirinhas, se torna de importância estratégica, quando o tema é a defesa
dos rios e das águas.
Oitavo objetivo
Interesse na construção da barragem e fornecimento de materiais (cimento, ferro,...).
15
As empresas de cimento e de construção são as principais interessadas nessa área. A
grande parte das empresas privadas nacionais do setor de energia, se tornaram gigantes a
partir dos mega-projetos hidrelétricos da ditadura militar, onde estas empresas eram as
principais beneficiadas.
As multinacionais, Votorantim, Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e
Queiroz Galvão são empresas que se beneficiaram deste ramo e atualmente muitas se
tornaram parte do grupo de empresas hegemônico que controlam o setor elétrico brasileiro.
Tanto o fornecimento de cimento, de ferro num único contrato, sem precisar
preocupar-se com concorrentes, como a própria engenharia e construção da obra, representa
um volume de dinheiro bastante grande, e no caso das hidrelétricas do Rio Madeira, também
acabarão sendo canalizados para fora da região.
1.3.2 – Quem são os grandes interessados nas hidrelétricas? As multinacionais
O setor elétrico brasileiro, está organizado com mecanismos e lógica de
funcionamento do “capital financeiro”, organizado em um grande “monopólio” privado do
capital internacional, numa “fusão de grande bancos e indústria” mas dominado pelo capital
financeiro.
Podemos dizer que os “donos da energia” são grandes bancos (Santander, Bradesco,
Citigroup, Votorantim, ...), grandes empresas energéticas mundiais (Suez, AES, Duke,
Endesa, General Eléctric, Votorantim, ...), grandes empresas mineradoras e metalúrgicas
mundiais (Alcoa, BHP Billiton, CVRD, Votorantim, Gerdau, Siemens, General Motors,
Alstom, ...), grandes empreiteiras (Camargo Correa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz
Galvão, ...), e grandes empresas do agronegócio (Aracruz, Klabin, Amaggi, Bunge
Fertilizantes, Stora Enso, ...). Estes bloco de capitalistas internacionais e alguns brasileiros
formam uma forte aliança em torno de três grandes blocos de capital: o capital financeiro,
capital minero-metalurgico-energético e o capital agro-negócio. Poderíamos dizer que os
“donos da energia” são os grandes bancos internacionais e as multinacionais.
1.3.2.1. Os ‘Donos’ da Hidrelétrica Santo Antônio:
As empresas que receberam a UHE Santo Antônio é o grupo “Madeira Energia
S.A.”(MESA) formado pelas seguintes empresas: Odebrecht (17,6%), Construtora Norberto
16
Odebrecht (1%), Andrade Gutierrez (12,4%), Cemig (10%), Furnas (39%) e fundo de
investimento Santander/Banif (20%). Vejamos o esquema:
1.3.2.2. Os ‘Donos’ da Hidrelétrica Jirau:
Enquanto que a hidrelétrica de Jirau, as empresas são a Suez (50,1%), Camargo Corrêa
(9,9%), Eletrosul (20%) e Chesf (20%):
A questão central, é que as obras do Rio Madeira não foram pensadas para beneficiar
nem ao povo brasileiro, nem ao povo de Rondônia, nem ao povo dos municípios atingidos e,
muito menos para as famílias e comunidades afetadas diretamente pelo lago.
Para analisar quem são os verdadeiros interessados, não basta analisar apenas quem
são os proprietários de uma usina, é preciso analisar a totalidade do modelo energético. É
preciso entender quem são os donos, na geração de energia, na transmissão, na distribuição de
energia, quem vai consumir esta energia, como é consumida esta energia, quais são as tarifas
pagas em cada setor, qual é o destino das mercadorias produzidas com tal energia, entre
17
outras. Veremos então, que o capital financeiro, o capital minero-metalurgico-energético e o
capital agro-negócio são os principais beneficiados, enquanto o povo brasileiro é que paga a
conta para sustentar tal modelo.
1.3.2.3. Quem são as multinacionais que ganham com as hidrelétricas?
GDF Suez-Tractebel S.A.– da França e Bélgica
É uma das dez maiores empresas de energia do mundo e a quarta maior empresa do
mundo na exploração de negócios com água. Em setembro de 2007, ocorreu a fusão da Suez-
Tractebel com a estatal francesa GDF, criando assim a GDF Suez-Tractebel S.A. Seu negócio
concentra-se na exploração de água, gás, energia e saneamento. Seu principal objetivo é criar
um grande monopólio mundial da água e da energia elétrica.
A fusão deu origem a terceira maior corporação mundial de energia (de gás, água e
tratamento de resíduos.
Gás De France era uma estatal do Governo Francês. Suez, é uma multinacional da
França que atuava com negócios restritos à água e ao tratamento de resíduos. Tractebel, é uma
empresa de origem belga, criada em 1986 a partir de uma fusão entre as empresas Tractionel e
a Electrobel. O “novo” grupo tem 34% das ações controladas pelo governo da França e o
restante é controle privado de empresários franceses e belgas.
A empresa possui em todo mundo mais de 60.000 MW de capacidade instalada.
A Suez-Tractebel Energia é uma das maiores empresas privada de geração de energia
elétrica no Brasil, possui em torno de 7.100 MW instalados.
Entrou no Brasil em 1998 através das privatizações. Ela praticamente saqueou os
brasileiros. Durante os últimos 40 anos, com muito esforço, o povo brasileiro criou a Eletrosul
(estatal). A Eletrosul tinha em seu patrimônio as melhores hidrelétricas do Brasil, porque
geravam bastante energia e com baixo custo de produção. Foi exatamente a melhor parte da
Eletrosul que a Tracbebel colocou a mão. Ela adquiriu 06 hidrelétricas e 05 termoelétricas
por U$ 801 milhões ( algo em torno de 1,4 bilhões de reais), porém se a Eletrosul tivesse que
reconstruir novamente aquilo que a Suez-Tractebel recebeu, hoje teríamos que gastar
aproximadamente R$ 13 bilhões (algo em torno de 10 vezes mais do que foi pago).
Em todo o Brasil a Suez-Tractebel tem 904 funcionários (2007). Deste total, 85
trabalhadores estão no Paraná; em Goiás possui apenas 15 (na hidrelétrica de Cana Brava) e
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no Rio Grande do Sul ao todo possui apenas 149 funcionários (em 03 hidrelétricas – Passo
Fundo, Ita e Machadinho e nas termelétricas), os demais ficam em Santa Catarina, onde
possui sua sede. Também desempregou muitos trabalhadores, de 1998 até 2004 ela demitiu
aproximadamente 400 trabalhadores.
Em 2007, a Tractebel Brasil teve receita líquida de R$ 3,04 bilhões, sendo seu lucro
no ano foi de R$ 1,05 bilhões, o maior desde que está no Brasil.
Odebrecht S.A. – Brasil
Empresa com sede em Salvador, Bahia. É considerada a décima maior empresa
privada no Brasil. Atua principalmente na área de engenharia e construção civil, indústria
química e petroquímica. Atua praticamente em todos países da América do Sul. Controla
praticamente 20 empresas, entre elas a construtora Norberto Odebrecht, a Braskem e a ETH
Bioenergia S.A (que possui grupos japoneses como sócios).
Seu crescimento sempre esteve associado com obras públicas de governos federais e
estaduais, com obras de estatais (praticamente todas) e parcerias com grandes empresas
multinacionais comoVale e Suez. Teve enorme crescimento durante os anos 70, período do
governo da ditadura militar. Também se beneficiou das privatizações.
Foi responsável, juntamente com a Eletronorte e Furnas, pela construção das
hidrelétricas de Samuel/RO e UHE de Manso/MT. Esta ultima, causando um dos maiores
escândalos político, social e ambiental.
A Odebrecht faz parte do consórcio que recebeu a UHE Santo Antônio/RO, mas isso
não quer dizer que ela deva ser a empresa majoritária no controle das ações. É bem provável
que junto a ela estejam as maiores multinacionais do mundo, entre eles o Banco Santander.
Recentemente, a Odebrecht foi expulsa do Equador, por acusação de corrupção
e também por ter construído uma hidrelétrica deixando erros na construção colocando em
risco a usina.
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD, atual VALE) – dos EUA e Brasil
Segundo a revista Exame, a Vale é o terceiro maior grupo privado atuando no Brasil,
atuando em 13 estados brasileiros e em 32 países nos cinco continentes.
Cerca de 65% de sua produção é enviado para fora do país. Nos primeiros 6 meses do
ano 2007, seu lucro foi de R$ 10,7 bilhões. A maior parte do lucro é enviada para fora do país
na forma de remessa de lucro.
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Até 1997 era uma empresa pública, do povo brasileiro, mas acabou sendo privatizada
de forma fraudulenta. O Bradesco (através do Bradesplan e Bradespar), a CSN, o Opportunity
e varios grupos estrangeiros são os principais acionistas da Vale.
A Vale foi privatizada em 1997 por R$ 3,3 bilhões, quando na verdade seu patrimônio
era avaliado na época em R$ 92 bilhões, ou seja, foi entregue por um valor 28 vezes mais
baixo do que ela valia.
É a segunda maior empresa de minérios do mundo e a maior produtora de minério de
ferro do mundo. Detém cerca de 240 mil quilômetros quadrados de área para exploração de
minério e possui as maiores reservas de níquel do planeta. É grande produtora de cobre,
carvão, alumínio, potássio, caulim, manganês, e ferroligas. Possui autorização de exploração
por tempo indeterminados em 23 milhões de hectares de subsolo (área equivalente aos
territórios de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba e Rio Grande do Norte).
É a maior consumidora de energia do Brasil. Em 2005 consumiu, sozinha, 4,4% de
toda energia elétrica, cerca de 16.900.000 MWh, algo em torno de 2.000 MWh médios. São
estes os motivos que estão levando a empresa a deter sua própria geração de energia. Até o
momento, possui participação em 08 usinas hidrelétricas, com potência total de 2.509 MW.
A Vale é dona da empresa de alumínio Albrás, no Pará, e semelhante ao caso da
Alumar, recebeu energia altamente subsidiada durante 20 anos, ao preço médio de 10,50 a
13,00 dólares o megawatt-hora. Em abril de 2004, durante o então presidente da Eletronorte e
posterior ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, o contrato para fornecimento de 800
MWh médios foi renovado ao preço médio de U$ 18,00 por megawatt-hora (algo em torno de
R$ 53,00).
Nos primeiros 6 meses de 2007 a Vale teve lucro de R$ 10,7 bilhões.
Votorantim - de São Paulo/Brasil
O Grupo Votorantin é da família Ermírio de Morais. Atua em vários ramos da
indústria – na geração e distribuição de energia, em
fábricas de Alumínio, Níquel, Cobre, Cimento,
Ferro-liga, Papel e Celulose, agroindústria (suco de
laranja) e química. Também é dono do Banco
Votorantin (9º maior banco). Na área do cimento é
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uma das 10 maiores empresas do mundo. No caso da Votorantim Celulose e Papel (VCP),
terceira maior do Brasil, exporta cerca de 90% e parte da matéria-prima é proveniente de 155
mil hectares de eucalipto, além disso detém 28% da Aracruz Celulose e possui sociedade com
o grupo Suzano.
Na geração de energia, a Votorantim é dona da CPFL Energia S/A, uma holging
responsável pela geração, distribuição e comercialização de energia. A CPFL Energia, possui
como acionista majoritário o grupo VBC Energia S/A (Votoramtim com 50%, Camargo
Corrêa e Bradespar), além do BNDESPar, Previ, Bonaire e recentemente a IFC-International
Finance Corporation, membro do Banco Mundial.
Na área geração de energia, possui 31 hidrelétricas com aproximadamente 2.000 MW
controlados pela Votorantim. Na distribuição, é dona de empresas como a CPFL em São
Paulo e a RGE no Rio Grande do Sul, as quais atendem a 5,7 milhões de clientes.
Suas indústrias da área dos metais (alumínio, zinco, níquel, aço), da área de papel e
celulose, da área do cimento e da área da química (nitrocelulose, ...) quase todas estão
localizadas nos estados de São Paulo e de Minas Gerais. Suas indústrias consome cerca de 4%
de toda energia elétrica do Brasil.
AES Corporation – Estados Unidos
Empresa criada por ex-funcionários federais estadunidenses em 1981. Apesar de ser
relativamente “nova”, possui enorme histórico de corrupção, inclusive com governos. Em
1995, já havia se tornado uma corporação global, a “The Global Power Company”.
Atualmente gera e distribui energia elétrica em 27 países, com mais de 45.000 megawatts de
capacidade instalada.
No Brasil, tornou-se dona de geração, 10 hidrelétricas (2.650 MW) e de distribuição
em SP (Eletropaulo), RJ (parte da Ligth), MG (parte da Cemig) e RS (AES Sul), através da
privatização. Os recursos para compra destas das estatais na época, foram do BNDES através
de filiais da AES via empresas instaladas nas ilhas Caiyman, um paraíso fiscal. Mais tarde, a
empresa negou a dívida ao BNDES. A Eltrotropaulo, a Cemig e a Ligth são as três maiores
distribuidoras de energia elétrica do Brasil, respectivamente. A primeira, inclusive, é a maior
distribuidora da América Latina.
1.3.3 Os Bancos também estão envolvidos
21
O Brasil é o país que permite que os bancos usufruam das taxas de juro mais altas do
mundo, fazendo da área financeira o mais rentável. Os bancos lideram a lista dos mais
rentáveis. Em 2007, 21 instituições tiveram um lucro de R$ 28,7 bilhões.
É este setor que de fato manda nos governos através da política econômica e ao
mesmo tempo com todo este dinheiro os bancos de capital privado geralmente acabam
tornando-se proprietários das multinacionais.
No caso das barragens, os bancos privados tem interesse de ter parte na propriedade
das obras e geralmente são, porque a energia elétrica, após os bancos, é o setor de maior
rentabilidade para as empresas.
Tanto nas obras do Rio Madeira, quanto no conjunto do setor elétrico os principais
bancos interessados em financiar ou até mesmo tornar-se proprietários são:
Santander - Espanha
É o nono maior bando do mundo e o maior na zona do Euro e com grande presença na
América Latina. Possui mais de 66 milhões de clientes e atua em mais de 40 países. No Brasil
entrou em 1997, e adquiriu seis grandes bancos, entre eles o Banespa. Hoje, é considerado o
segundo maior banco privado atuando no Brasil, perdendo apenas ao Bradesco.
Recentemente, o Banco Santander, adotou a estratégia de fazer parte dos consórcios
em hidrelétricas no Brasil. Na UHE Santo Antônio, no Rio Medeira, formou um fundo e
adquiriu 20% do consórcio vencedor.
Banco Bradesco - Brasil
É o maior banco privado do Brasil, com 35 milhões de clientes. Em 2007, teve lucro
de R$ 8 bilhões. Possui como presidente do banco Marcio Cypriano e como presidente do
conselho e presidente da Fundação Bradesco, Lázaro de Mello Brandão.
O controle do Banco pertence a Cia Cidade de Deus (47%) e a Fundação Bradesco
(17%). A Cia Cidade de Deus é uma holding e seu capital pertence a Cia Nova Cidade de
Deus (42%), Fundação Bradesco (32%) e Família Aguiar (25%). Cidade de Deus, também é o
nome do complexo, no município de Osasco/SP, onde funciona a matriz do Bradesco
O Bradesco é um dos principais controladores da Companhia Vale do Rio Doce e está
sendo acusado de ter fraudado o leilão de privatização da Vale. Além disso, adquiriu vários
bancos estaduais através das privatizações.O Banco Bradesco é sócio de várias barragens no
Brasil através de uma parceria em um grupo chamado VBC Energia S/A.
22
O Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento(BID)
São dois bancos que foram criados com a prioridade de financiar os países chamados
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Porém, quem mais manda nestes bancos é os
Estados Unidos e é evidente que coloca pressão a favor das multinacionais estadunidenses.
Estes bancos quando financiam um projeto, ao mesmo tempo indicam quais
multinacionais devem passar a ganhar o direito sobre a obra financiada. Ou seja, empresta
mas ao mesmo tempo impõe o que eles querem.
No caso do BID, ele foi criado com objetivo de financiar e promover o avanço das
multinacionais dentro da América Latina e Caribe. É um dos maiores bancos regional e mais
antigo. Foi criado logo após a segunda guerra mundial. Apesar de ser um banco formado por
vários governos, sempre foi controlado por seu maior acionista, que é os Estados Unidos.
Para se ter uma idéia, o BID financiou a barragem de Cana Brava em Goiás, porém ele
exigiu que não se gastasse mais de R$ 5.400,00 de indenização por família. O resultado foi
que grande parte das famílias está lutando até hoje para tentar recuperar os direitos que foram
negados.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
É um banco público, do povo brasileiro, controlado pelo Governo Federal. Quase a
totalidade dos recursos utilizados pelo banco é do Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT e
do PIS-PASEP. Nos últimos anos passou a priorizar o financiamento de grandes empresas e
mega projetos. Nos primeiros três anos do governo Lula, o BNDES desembolsou R$ 122
bilhões. O BNDES é o controlador do BNDES Participações S/A, conhecido como
BNDESPar. O BNDES empresta dinheiro ou em muitos casos participa do capital delas como
é o caso da AES – “Brasiliana” (53,85%), Klabin (20,56%), Tractebel (5,6%), etc. Também o
banco recebe dinheiro de outros bancos internacionais, como BIB, BM, bancos estatais
europeus, japonês e estadunidense, recursos que em 2004 somaram R$ 10 bilhões e fazem
parte de acordos em que estes bancos estrangeiros apóiam investimentos de seu interesse aqui
no Brasil.
Nos últimos anos o BNDES tirou como prioridade o financiamento de hidrelétricas,
aeroportos, gasodutos, indústrias de celulose, de álcool, principalmente as obras do plano
IIRSA. O BNDES está autorizado a financiar 75% do investimento total das obras do Rio
Madeira, no entanto em alguns itens o percentual pode chegar até 85%, com prazo de 20 anos
para pagamento do empréstimo.
23
Recentemente, abril de 2008, o BNDES autorizou o maior empréstimo de sua história.
São R$ 7,3 bilhões destinados à companhia VALE. Deste total, 80% indexados em dólar e
20% em TJLP, com 10 anos para pagar. A VALE afirmou que 80% do dinheiro será
investidos em projetos para exportações.
Mas muitos podem se perguntar: por que um banco público financia 75% dos custos
de projetos que somente beneficia as multinacionais? É simples: atualmente quem manda no
BNDES é o governo brasileiro, mas quem manda no governo são os bancos privados e as
multinacionais. E por isso fazem o governo financiar obras desse tipo. Além disso, as
multinacionais financiam as campanhas eleitorais da maioria dos políticos (presidentes,
deputados, senadores, governadores, prefeitos), que acabam ficando de rabo preso, e em
troca, as multinacionais indicam as pessoas mais importantes para lidar com a política
econômica, ou seja, para lidar com o dinheiro arrecadado do povo.
1.3.4 - Grupos interessados em fornecer máquinas e equipamentos
A Alstom (Francesa), atua em mais de 70 países com faturamento superior a 14
bilhões de euros. No Brasil, a Alstom Brasil, tem como presidente o mineiro, Aluísio
Vasconcelos. Este indivíduo foi presidente de Furnas e depois da Eletrobrás durante o
primeiro mandato do Governo Lula, foi neste período, através de Furnas, que a idéia das
hidrelétricas no Rio Madeira chegaram ao Ministério de Minas e Energia. Sem parecer
estranho, um dia após o leilão da UHE Santo Antônio, foi anunciado que a Alstom é sócia da
UHE e possui garantias de fornecimento de no mínimo 22 turbinas. No entanto, com mesma
grandeza e importância, poderíamos citar a Voith-Siemens (Alemanha), a General Electric
(Estados Unidos) a qual iniciou sua atuação no Brasil na década de 20 através da AMFORB, a
VA Tech, entre outras.
24
1.3.5 - Grupos interessados na construção civil
As principais empresas interessadas e que atuam nas várias regiões do Brasil, grande
parte são brasileiras. Geralmente acabam programando o início da construção de uma obra
com o término de outra, motivo pelo qual grande parte dos empregos gerados acabam sendo
ocupados por trabalhadores de outras regiões. Ou seja, ocorre apenas uma transferência de
trabalhadores de uma barragem já finalizada para outra que está iniciando.
As maiores empresas que atuam na construção de hidrelétricas é a Construtora
Norberto Odebrecht, a Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Alusa e a
Cchahin, sendo as duas primeiras as principais.
1.3.6- Grupos interessados em exportar soja, álcool e madeira (agronegócio)
A construção das obras no Rio Madeira interessa também ao agro-negócio, grandes
empresas que estão destruindo a floresta amazônica para produzir soja, eucalipto e cana em
terras da Amazônia.
O avanço do plantio da soja, por exemplo, na região amazônica traz várias
conseqüências: a) Destruição da floresta e poluição dos rios; b) Desemprego – os pequenos
agricultores estão sendo expulsos pelos plantadores de soja e estão se obrigando a migrar para
as periferias das cidades; c) Toda soja é para atender os interesses dos países ricos,
principalmente os Estados Unidos, a Europa e a China.
Um dos principais interessados nas obras seriam os plantadores de soja,
principalmente o atual Governador do Mato Grosso, família Maggi, maior produtor de soja do
Brasil. Com as hidrovias estes latifundiários teriam uma redução de custo no frete de mais de
R$ 60,00 por tonelada de soja.
A própria Odebrecht tem grande interesse na região, pois em sua estratégia para os
próximos 10 anos, pretende tornar-se líder no ramo do álcool e do açúcar, na produção,
logística e comercialização através da ETH Bioenergia, braço de agroenergia da Odebrecht,
que pretende investir R$ 05 bilhões nos próximos 08 anos.
1.3.7 - Grupos interessados na corrupção, em especial eleitoral
A corrupção tanto de governos, parlamentares, funcionários do Estado ou até mesmo
de empresários intermediários é parte dos mecanismos predominantes das multinacionais,
para conseguir seus objetivos. As multinacionais corrompem e subornam de muitas formas:
mediante subornos diretos a responsáveis políticos; dando posições na empresa à
25
funcionários, a familiares e a amigos ou conhecidos; viagens pagas, sociedades; convites
para universidades de prestígio e bolsas de estudo para os filhos, etc.
No caso da corrupção eleitoral, a maior parte dos partidos políticos apóiam seus
projetos porque são as mesmas empresas que financiam suas campanhas eleitorais. Recebem
dinheiro para campanhas e com esse dinheiro conseguem eleger-se, em compensação, ficam
de rabo preso com as mesmas empresas, necessitando atender aos seus interesses.
1.4. Como as empresas atuam para obter apoio da população
O único objetivo das empresas é um só: Lucro. Quando vem se instalar em uma região
querem extrair muito lucro. Para isso, precisam apropriar-se das riquezas naturais mais
estratégicas e explorar o povo.
Para garantir este lucro, em taxas mais altas possíveis, no menor tempo possível, com
o menor risco e por muitos anos, as empresas elaboram uma estratégia de dominação sobre
toda região (ou território) em que vão instalar seus planos.
A estratégia adotada pelas empresas geralmente é a mesma. Tentam esconder que a
riqueza dos empresários vem da exploração sobre o povo e sobre a natureza.
As empresas e os governos não entram em debate se deve ou não ser construída a
hidrelétrica ou para que e para quem será a energia. Toda estratégia é colocada para que a
população que habitam nesta região “DIGAM SIM” da forma mais obediente possível.
Antes de iniciar as obras fazem muita propaganda e promessas de “coisas boas” que a
obra pode trazer para região. Utilizam diferentes formas e práticas: TV, rádios, jornais,
informativos, estudos técnicos, governos, seminários, reuniões, uso do sistema S(Sebrae,
Senai), universidades, pesquisadores, escolas, empresas e falsas organizações, etc. Para
convencer e fazer com que a população aceite, apóie e até defenda seus projetos de
exploração. Isso tem feito muita gente ficar do lado das empresas sem sequer saber o que está
em jogo.
Os chamados “donos da energia” querem e usam o Estado e os governos (federal,
estaduais e municipais) para servir aos seus interesses: garantir o máximo de lucro para suas
empresas e ao mesmo tempo ajudar a desorganizar e controlar o povo.
A retirada das famílias e remoção das comunidades pelas empresas, tudo é feito para
gastar o mínimo possível, pois menos custo significa mais lucro para as empresas. Inclusive a
situação dos trabalhadores de dentro das obras é de super-exploração.
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As pessoas e entidades que, num primeiro momento, são envolvidas no processo de
legitimação de obra, depois são abandonadas pelas empresas. Em diversos lugares do Brasil
as situações são as mesmas, depois que a barragem já está instalada e gerando energia, as
empresas se retiram da região, encerram contratos e convênios, enganando o povo e as
entidades. A seguir apresentaremos alguns exemplos que ocorrem com freqüência em regiões
de construção de hidrelétricas:
a. Em primeiro lugar, os verdadeiros interessados geralmente nunca aparecem com seus
verdadeiros nomes na região. Tudo isso é para evitar que a população saiba que essas
empresas, em sua grande maioria, são empresas estrangeiras. No entanto, criam e utilizam
nomes como se fossem da região, como se fosse máscaras, geralmente para passar a
impressão que é empresa da região. Isso confunde muita gente.
b. Fazem um discurso de duplo caráter: ou cheio de promessas ou de ameaças. No caso das
promessas geralmente são muito otimistas - como se estivessem preocupados com a
população da região - promessas direcionadas para o povo da região, para fazer com que esta
população fique do lado deles e com isso eles possam tomar e dominar aquilo que querem (o
Rio Madeira, a Energia, a água, os minérios e o dinheiro público, etc). Já o discurso de
ameaças serve para ameaçar aquela população, fazendo ela adquirir um sentimento de culpa
caso ela questionar as obras. Vejamos abaixo algumas formas de promessas e ou de ameaças:
Dizem que as obras serão para “geração de empregos”, e quem não concorda é porque
não quer gerar empregos.
Dizem que farão “aproveitamento da mão de obra local”. Para iludir o povo
desenvolvem cursos de “qualificação técnica”, criando uma falsa esperança na
população.
Dizem que quem não concorda com a obra são os que “retardam o progresso e o
desenvolvimento da região e do país”.
Ameaçam a população com o discurso de que “caso as hidrelétricas não forem
construídas faltará energia ao povo”, criando a falsa idéia de um apagão.
Dizem que com a hidrelétrica vai ajudar a diminuir o preço da energia ao povo.
Dizem que a hidroeletricidade é a energia mais limpa e vai ajudar para preservação do
meio ambiente, etc.
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c. Financiam pequenos projetinhos para comunidades e bairros. É uma forma de passar um
mel na boca, para evitar que as famílias fiquem contra seus interesses. Tem um ditado que
diz: “primeiro mandam balas de mel, para depois mandar balas de chumbo”.
d. Financiam campanhas de Governadores, deputados, prefeitos e vereadores para deixá-los
de ‘rabo preso’.
e. Financiam reformas do judiciário: reforma de prédios do fórum, delegacias, para fazer com
que o judiciário fique também de rabo preso e na hora de ter que tomar decisões importantes
sejam tomadas contra o povo e a favor dos interesses deles. Também para depois poderem
utilizar a polícia para reprimir a população.
f. Compram os meios de comunicação, fazendo com que os jornais, rádios e TVs divulguem
somente aquilo que é de interesse destas empresas. Escondem verdades, manipulam a
população, divulgam informações distorcidas, etc.
g. Criam falsas organizações, como associações, comissões, comitês, fóruns, etc - que se
dizem que representam os interesses do povo, mas na verdade são financiadas pelas empresas
para fazer trabalho sujo, para acalmar o povo, para dividir o povo ou para desviar a atenção
das famílias para assuntos menos importantes. É muito comum fazerem pequenos projetinhos,
uns ali, outros lá, para conquistarem o apoio das famílias e fazer com que elas passem a
defender as empresas e fazer muita propaganda nas vizinhanças, para iludir as demais famílias
de que a vez delas também vai chegar. Quando na verdade logo ali a frente, todos se darão
conta que foi uma grande armadilha para dominá-los.
h. Buscam comprar líderes comunitários, presidentes de associações, de sindicatos, de
cooperativas, nas mais diferentes formas: dando dinheiro, dando estrutura, financiando
pequenos projetos, convidando em eventos, para faze-los não só ficar de rabo preso como
fazer com que saiam discursando em favor das empresas.
i. Compram estudiosos, muitos professores, setores das universidades, através de projetos
financiados em forma de ‘parcerias’. Na verdade é uma forma de fazer estas pessoas trabalhar
a serviço dos interesses destas multinacionais. Tem um ditado que diz: “Quem paga a banda,
28
escolhe a música”, e neste caso como as empresas é que financiam estas pessoas, elas dizem
o que elas devem dizer e o que não podem dizer.
j. Fazem cursos de “qualificação técnica” para ganhar a simpatia da população e passar para
sociedade uma visão de que haverá emprego em abundância, que eles estão interessados em
resolver os problemas do povo, que querem ajudar os mais necessitados, etc. Mas na verdade
é uma grande armadilha, que a população deve ter muito cuidado para não cair nela, porque
eles possuem um único interesse na região: ter muito lucro e levar este lucro para a empresa
em seu país de origem.
l. Procuram não gastar com os problemas sociais e ambientais causados pelas obras. Mas
quando não conseguem fazer isso, procuram gastar o mínimo possível para sobrar o máximo
de lucro. Portanto, quem acaba perdendo é a população, principalmente os atingidos pelo
lago, porque acabam ficando sem os direitos e ficam pior de vida do que estavam lá na
barranca do rio – estas famílias quando saem, na grande maioria acaba ficando sem terra, sem
água e sem rio, sem trabalho e sem casa para morar – obrigando-se a ir morar nos lugares
mais pobre das cidades
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2 – Os impactos sociais, ambientais, culturais e econômicos, e os
Direitos humanos violados no Brasil e na Bolívia
2.1. O Rio Madeira compreende os estados brasileiros do Mato Grosso, Rondônia,
Acre e Amazonas, e ainda o território boliviano e peruano. É o segundo maior rio da
Amazônia, considerado um tesouro de biodiversidade, abrigando mais de 750 espécies de
peixes, 800 de aves, e várias outras, muitas ameaçadas, outras tantas desconhecidas. Sua bacia
cobre cerca de um quarto da Amazônia brasileira e abrange uma área de 1,5 milhão de km2,
respondendo por cerca de 15% do volume de água e 50% de todo o sedimento transportado
pelo amazonas para o Oceano Atlântico (que regula toda a dinâmica biológica das grandes
áreas alagadas de várzea ao longo dos rios Madeira e Amazonas).
2.2. As UHE’s Santo Antônio e JIRAU, antes mesmo de estarem concluídas, já estão
causando os seguintes impactos – que implicam na violação de Direitos humanos - e/ou irão
causar, quando do início de sua operação:
- explosão demográfica da região de Porto Velho com a migração de cerca de
100.000 pessoas em busca de trabalho, proporcionando uma desordenada expansão urbana,
aumenta da criminalidade, do tráfico de drogas e da prostituição, sem que haja equivalência
de medidas compensatórias e mitigatórias previstas e as necessárias, que garantissem a
ampliação da oferta de serviços públicos e de empregos qualificados e duradouros.O Distrito
de Jaci-Paraná no começo de 2008 tinha em torno de 4 mil habitantes, atualmente é habitado
por 15 mil pessoas, a maioria vinculada à construção da Usina de Jirau. O distrito, situado
entre as duas construções, se configura como um caso de permanente calamidade pública,
situação encoberta pelos Consórcios e omitida pelos órgãos públicos.
- Multiplicação dos vetores de malária e dengue e da incidência de doenças
infecto-contagiosas, parasitárias e especialmente sexualmente transmissíveis,
especialmente nas áreas de ocupação urbana mais recente de forma desordenada.
-Manifestação de fatores contaminantes por mercúrio com a formação dos lagos
artificiais em conseqüência do alagamento permanente dos igarapés e tributários do alto e
médio Madeira;
- Vulnerabilização ainda maior dos territórios indígenas situados no entorno do
Alto Madeira - incluindo povos indígenas isolados, sobre os quais não há sequer
procedimentos de reconhecimento iniciados - pelo avanço da especulação fundiária, da
grilagem, de atividades minerais e madeireiras clandestinas sobre suas imediações, atividades
30
que automaticamente se emparelharam com investimentos direcionados para a construção das
duas UHE;
- Inviabilização econômica progressiva de milhares e familias ribeirinhas e
camponesas que compunham sua renda/modo de vida com o extrativismo tradicional dos
ciclos naturais vinculados à dinâmica sazonal do rio Madeira (pesca, coleta de castanha e
frutos de palmáceas, plantio de hortaliças e leguminosas nas ribeiras do rio). A apropriação
privada dos recursos naturais do Rio Madeira, convertido em “aproveitamento” hidrelétrico e
o alagamento de terras constitui saqueio de um bem comum.
- Destruição do meio ambiente, flora e fauna de uma sub-região Floresta
Amazônica marcada pela sua peculiaridade e, portanto, biodiversidade. Trata-se de uma
região limite entre a Floresta e a vertente oriental dos Andes, região que, portanto, recebe a
primeira e mais densa carga de seus sedimentos pela via hídrica, sendo o Madeira o rio que
mais disponibiliza sedimentos para o conjunto da bacia Amazônica. Os dois barramentos
impedem e/ou alteram de forma irreversível essa dinâmica hidro-sedimentológica, que por sua
vez sustenta variadas cadeias alimentares inter-espécies, grande parte delas endêmicas.
- Injustiça ambiental e agravamento da pobreza, pois (i) as áreas diretamente
afetadas e as áreas de influência direta e indireta são maiores do que as diagnosticadas; (ii) os
estudos subdimensionam ou negam impactos potenciais; (iii) os mecanismos de mitigação são
frágeis; (iv) os impactos diretos e indiretos se estendem a outras regiões brasileiras e a países
vizinhos (Bolívia e Peru), mas não foram contemplados no Estudo de Impacto Ambiental; (v)
grandes projetos hidrelétricos como esses estão a serviço de plataformas de exportação
(Celulose, alumínio, aços básicos) altamente poluidoras e concentradoras de renda.
- Alterações na qualidade da água e do regime fluvial do ambiente alteração
lótico (águas correntes) para lêntico (águas lentas), com reflexos na fauna aquática e
propiciando condições favoráveis para a proliferação de vetores das doenças relacionadas ao
meio hídrico;
- Interferências em sítios arqueológicos, com inundação e perda da maior parte dos
vestígios da permanência milenar de povos originários no trecho encaichoeirado do rio
Madeira. Perda de patrimônio cultural, com a inundação de extensas porções da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré.
2.3. Em relação à Bolívia, ainda que o projeto esteja no Brasil, o efeito social,
econômico e ambiental negativos, e em conseqüência violadores de direitos humanos, é
31
transfronteriço, afetando o Departamento de Pando principalmente (norte amazônico da
Bolívia), isto devido à instalação das UHE’s nas águas internacionais do rio Madeira.
Em referência aos danos transfronteiriços, a construção das represas geram riscos a
comunidades indígenas campesinas bolivianas, com efeitos negativos no exercício e gozo dos
direitos humanos ambientais, econômicos, culturais e sociais. Considerando os impactos de
caudal, as comunidades bolivianas indígenas e campesinas ribeirinhas estão sujeitas aos
seguintes riscos:
- Inundação de terras de cultivo estacional;
- Perda de condições de vida da castanheira (fruto base da economia dos indígenas e
campesinos amazônicos do Departamento de Pando);
- Perda de terras de pastoreio;
- Impacto na flora e fauna nativa, aparição de pragas;
- Impedimento do trânsito natural de peixes;
- Perda de ambientes para aves;
- Eliminação de barreiras naturais para los delfines de rio (espécie endêmica de
Pando e Beni);
- Perda de pesca regional e afetação direta ao desove;
- Menor velocidade de águas, menor oxigenação e aumento de temperatura;
- Aumento da malária, contaminação por mercúrio, febre amarela, dengue e
leishmaniose.
- Expulsão e migração de povos indígenas e campesinos, de terrenos com processo
de titulação consolidados.
2.4 – As principais vítimas dos empreendimentos no Brasil são as populações
desalojadas forçadamente pela obra, ribeirinhos, assentados da reforma agrária, os povos
indígenas, a população migrante para trabalhar na obra que ficará desempregada após à
mesma.
No caso da Bolívia, as vitimas diretas são aproximadamente 112 comunidades
ribeirinhas dos rios: Madera, Madre de Dios, Beni, Orthon, Negro e Mamoré, entre indígenas
e comunidades campesinas, das quais se destaca um grupo de população indígena em
isolamento voluntário (Pacahuara).
A humanidade também é vítima do projeto, pois conforme as conclusões da
Comissão Mundial de Barragens (2000), se constatou que este tipo de mega-infraestrutura ,
tais como as represas de Santo Antonio e Jirau, produzem gases do efeito estufa. Por tanto
32
falamos de um projeto que contribuirá para o aumento do aquecimento global.
2.5 – Os impactos descritos, causados pela implantação das duas UHE’s, agravados
pelo não dimensionamento do impacto das obras no território Boliviano, violam:
- O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assinado em 19 de dezembro de 1966
e promulgado no Brasil por meio do decreto 592, em 6 de julho de 1992.
- O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais assinado e em vigor na
mesma data que o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, tendo sido promulgado pelo decreto
591;
- A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) assinada em 22 de
novembro de 1969 e promulgada no Brasil por meio do decreto 678 de 6 de novembro de
1992.
- O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) assinado em 17 de
novembro de 1998 e promulgado pelo Decreto 3321 de 30 de dezembro de 1999.
- A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e
Tribais assinada em 27 de junho de 1989, entrou em vigor no Brasil em 25 de julho de 2003 e
promulgada por meio do decreto 5051 de 19 de abril de 2004.
- A Constituição Federal Brasileira.
33
3 – Empresas Transnacionais envolvidas na construção do Complexo
Hidrelétrico Rio Madeira e a cumplicidade da União Européia
3.1 – Em todos os impactos citados e violações de Direitos Humanos causados pela
construção da UHE de Santo Antônio e Jirau, a responsabilidade das empresas transnacionais
envolvidas é direta, pois:
- o banco espanhol Santander detinha até janeiro de 2010, 10% das ações do
Consorcio Santo Antonio Energia que está construindo a UHE Santo Antonio,
assim como o Banco português Banif detêm 10% das ações deste consorcio.
- a franco-belga GDF-SUEZ detêm 50,10% das ações do Consórcio Energia
Sustentável do Brasil que está construindo a UHE Jirau. Frise-se que o Estado
Francês é detentor de 35% das ações da GDF-Suez.
3.2 – A participação de SANTANDER e BANIF se concretizava através de um
Fundo de Inversão de Participação (FIP) criado em 2007, que representava 20% do total do
Consorcio Santo Antonio Energia. De acordo com Banktrack (2009), Santander não só era
um sócio a mais, senão teve um papel destacado no processo de conformação do consórcio:
assessorou a criação da estrutura financeira e coordenou o grupo de bancos - Santander,
Bradesco, Unibanco, BES Investimento do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do
Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia (Project Finance 2009) - que co-financiam a
represa junto com o BNDES. Em abril de 2009 (oito meses depois do início da construção da
obra), Santander vendeu a metade de sua participação a um fundo de inversão chamado FI-
FGTS. Posteriormente, em janeiro de 2010, Santander vendeu ao mesmo fundo o restante dos
5% que mantinha, mas o Banif seguiu conservando seus 10% iniciais. Isto significa que na
atualidade o banco espanhol já não participa diretamente aportando recursos, porém segue
liderando o grupo de bancos que financiam o projeto, como “Banco-Agente”, pelo que
mantém responsabilidades na construção de Santo Antonio.
3.3 – Todas empresas citadas são responsáveis pela ocultação dos impactos do
projeto em águas transnacionais. A América do Sul não conta com regulação regional sobre
normas mínimas de relações e inversões em águas transfronteiriças e fronteiriças. As
empresas possuem suas sedes em países que possuem legislações estatais e regionais bastante
exigentes e rigorosas. Consideramos que normas como as European Directive on Strategic
Environmental Assessment (SEA) ou as diretrizes do Tratado de Amsterdam de 1999, ou o
34
Convenio de HELSINKI, são instrumentos que determinam um dever em projetos de
construção como os do Complexo do Rio Madeira.
3.4 - Os acionistas e proprietários das empresas denunciadas têm se omitido de suas
responsabilidades no que tange ao respeito aos Direitos Humanos, procurando, na maioria dos
casos, ocultar sua participação nas violações, camuflando-se atrás dos “consórcios”
concessionários das obras.
3.5 - Perfil das Empresas Transnacionais
3.5.1 - GDF Suez S. A.
país de origem: sediada na França, foi formada pela fusão da Gaz de France –
GDF (Francesa) - e Tractebel-Suez (Belga) em 22 de julho de 2008.
propriedade: as ações da GDF SUEZ são negociadas nas bolsas de valores de
Bruxelas, Luxemburgo e Paris. O Estado Francês é proprietário de 35% das
ações da GDF Suez.
subsidiárias envolvidas no caso: a GDF-Suez Energy Latin America
Participações Ltda. é a empresa subsidiária da GDF Suez na América Latina.
A subsidiária é proprietária no Brasil da Tractebel Energia. A empresa
Tractebel é a acionista majoritária (50,10%) do Consórcio Energia Sustentável
do Brasil – proprietário da UHE JIRAU.
Mercado: Segunda maior empresa de energia do mundo; maior empresa
privada da Europa na área de serviços públicos; primeiro no ranking mundial
em GNL (Gás Natural Liquefeito), o maior comprador europeu de gás natural e
o segundo maior operador da rede de transmissão e distribuição de gás natural
da Europa. Faturamento anual do grupo é de R$184,3 bilhões e lucro líquido
de R$ 13,9 bilhões em 2007. No Brasil o grupo controla a Tractebel Energia,
maior geradora privada de eletricidade, e quarta maior em capacidade instalada
de geração do País, distribuída em 16 usinas hidrelétricas e termelétricas.
trabalhadores: o grupo atua em mais de cem países e emprega 200.000
trabalhadores.
Responsabilidade social: a empresa afirma respeitar princípios da
responsabilidade social, ambiental e cultural. Afirma que a preservação do
meio ambiente é um dos seus valores e possui um código e um comitê de ética.
35
3.5.2 - Banco Santander S.A.
país de origem: Espanha
propriedade: possui três milhões de acionistas (84,63% europeus).
Subsidiarias envolvidas no caso: Banco Santander (Brasil) SA, acionista do
Consórcio Santo Antônio Energia SA (até janeiro de 2010)
Cota de mercado: é a maior instituição financeira da zona do euro por
capitalização em bolsa. No Brasil, é o terceiro maior banco privado.
trabalhadores: emprega 170.000 trabalhadores em todo o mundo, destacando-
se: Espanha, Alemanha, Itália e países nórdicos, Portugal, Reino Unido,
América Latina, EEUU.
Responsabilidade social: a empresa afirma respeitar princípios da
responsabilidade social “mediante una voluntad de liderazgo, creando riqueza
y empleo e impulsando el desarrollo de la sociedad y del entorno”.
3.5.3 - BANIF SGPS SA - Banco Internacional do Funchal
país de origem: Portugal
propriedade: suas ações são negociadas na Euronext
subsidiárias envolvidas no caso: Banif Banco de Investimento (Brasil) S.A.,
acionista (10%) do Consórcio Santo Antônio Energia SA
Cota de mercado: é uma das 400 marcas financeiras mais valiosas do mundo,
seu capital social é de 490.000.000 (quatrocentos e noventa milhões de Euros)
trabalhadores: emprega 4.600 trabalhadores em 50 sociedades, distribuídas por
14 diferentes países em 4 continentes.
Responsabilidade social: a empresa afirma ser promotora do bem-estar social e
ambiental, do desenvolvimento sustentável e da proteção e gestão do ambiente.
3.6 – O papel da UE e dos Estados (França, Espanha, Portugal e Brasil) no caso
A UE, França, Portugal e Espanha, através de empréstimos concedidos por seus
bancos centrais, influenciaram a privatização do setor energético brasileiro, na
internacionalização do setor bancário e na alteração da legislação nacional em favor das
empresas transnacionais.
36
Os países de origem das empresas (Espanha, Bélgica, França e Portugal)
contribuíram com recursos de seus Bancos Centrais, emprestados ao Brasil através do FMI,
condicionando tais empréstimos a modificações políticas e legislativas no país, que
permitissem a realização de investimentos de suas empresas no país, garantissem os mesmos e
a remessa de lucros ao exterior.
O Brasil firmou acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em novembro
de 1998 (governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso – 1994-2002), com prazo de 36
meses, envolvendo a liberação de recursos próxima a US$ 41 bilhões, sendo US$ 14,5 bi
emprestados por bancos centrais de países industrializados, US$ 18 bi do FMI e US$ 9 bi
provenientes do Banco Mundial (BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID). O Ministro da Fazenda à época, Pedro Malan, ressaltou a disponibilização de recursos
para o acordó e a “cooperação de um número extremamente expressivo de países,
praticamente todos os países da União Européia, tal como constituída hoje”.
A “anticooperação” de praticamente todos os países da União Européia, tal como
constituída em 1998, disponibilizando recursos para os empréstimos concedidos pelo FMI ao
Brasil, que ocorreu não apenas no acordo citado, mas também em acordos anteriores, foi
condicionada a implantação no Brasil das medidas recomendadas pelo “Consenso de
Washington”, entre as quais se destaca a privatização de empresas estatais e a eliminação de
restrições ao investimento direto de fundos e empresas estrangeiras, medidas que
beneficiaram diretamente as empresas denunciadas.
No “memorando de política econômica” enviada ao FMI em 13-11-19981, o governo
brasileiro ressaltou que “durante os últimos anos […] executou um dos programas de
privatização mais ambiciosos do mundo. Envolveu tanto o governo federal como os estaduais;
abrangeu os mais variados setores como telecomunicações energia portos ferrovias mineração
siderurgia transportes urbanos e instituições financeiras e tem sido bem sucedido na atração
de participação substancial por parte de investidores estrangeiros” e que “em 1999 […] As
companhias a serem privatizadas compreendem a maioria das companhias estatais no setor
energético – geração e distribuição de energia – alguns dos bancos estaduais remanescentes
como o Banespa”.
As empresas denunciadas beneficiaram-se diretamente destas medidas, sendo que a
Tractebel Energia (atualmente GDF-SUEZ) ingressou no mercado brasileiro em 1998, quando
1 Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/fmimpe01.asp>. Acesso em 06 mar. 2010.
37
participou de uma destas privatizações e adquiriu a empresa pública de geração de energia
elétrica GERASUL (com capacidade instalada para gerar 3.719MW).
O BANIF e o SANTANDER se instalaram no Brasil a partir das medidas
liberalizantes do governo brasileiro, que passaram a permitir que o capital estrangeiro
adquirisse bancos estatais nas privatizações num primeiro momento, e depois, que
participasse como acionista majoritário em qualquer instituição do sistema financeiro, o que
era proibido até então.
O Banco Santander por sua vez adquiriu o Banespa (banco estatal) em 2000,
vencendo o leilão de privatização do mesmo.
O BANIF e o Santander também foram beneficiados emenda constitucional n. 40,
que modificou a constituição federal brasileira, em 2003, alterando o artigo que limitava a
taxa de juros bancários em 12% ao ano. O Brasil é um dos países com as mais altas taxas de
juros do mundo.
Além disso, França e Portugal (além da Alemanha, Reino Unido e Suíça), entre 1994
e 1999, firmaram acordos de garantia de investimentos com o Brasil, assinados pelo
Presidente Fernando Henrique Cardoso e remetidos ao Congresso Nacional para ratificação.
Em 2002, antes da ratificação dos TLCs, o Presidente Lula os retirou do Congresso, sob a
alegação de que até o momento a sua não aprovação não afastava investidores estrangeiros, o
que é verdadeiro, porque as alterações legislativas feitas tornam desnecessários os TLCS.
3.7 – O papel do governo brasileiro
De modo geral, o governo brasileiro efetuou diversas modificações legislativas que
possibilitaram as empresas denunciadas se instalarem no país. A principal delas foi a mudança
na Constituição Federal suprimindo a distinção entre empresa de capital nacional e
estrangeiro. Além disto foi aprovada lei que autorizou a privatização de empresas estatais via
concessões e outra que eliminou o limite da participação do capital estrangeiro no processo de
privatização.
Estas medidas permitiram que a Tractebel (posteriormente denominada GDF-SUEZ)
participasse da privatização do setor elétrico brasileiro, adquirindo a empresa estatal
GERASUL no ano de 1998. Ainda neste caso, outra lei passou a permitir que as empresas
“auto-produtoras” de energía elétrica, as que produzem para venda no “mercado livre” de
energía (caso da Tractebel), utilizassem do mecanismo de DESAPROPRIAÇÃO por interesse
38
público, durante a construção de UHE’s, mecanismo que desaloja forçadamente as populações
atingidas pelas obras.
No caso do sistema bancário, o ingresso do SANTANDER e do BANIF no mercado
brasileiro, só foi possível devido à autorizações do Banco Central e do Governo Brasileiro,
que alteraram as normas que limitavam investimentos estrangeiros no sistema financeiro.
O governo brasileiro também assegurou os investimentos destas empresas através de
acordos de investimento assinados com Alemanha, França, Portugal, Reino Unido e Suíça,
entre 1994-1999. Em 2002, no governo Lula, os acordos foram retirados do congreso sem
terem sido aprovados, mas a privatização parcial do sistema elétrico e bancário brasileiro, já
havia se concretizado.
As mudanças na legislação nacional foram mais importantes que os próprios acordos
de investimentos (não ratificados pelo Congresso) na garantia das inversões realizadas pelas
empresas.
Naquilo que é mais específico do caso das usinas, o governo Brasileiro, ao negar que
as duas obras causarão impactos sociais e ambientais na Bolívia, o que demandaria um acordo
entre os dois países para a construção das mesmas, aumentando seus custos e o tempo de
construção, tem as beneficiado no plano do direito internacional.
No caso mais específico da UHE Jirau, o governo permitiu que a empresa mudasse o
projeto da obra previsto no edital do leilão da usina, o que é vedado pela legislação brasileira,
e também, concedeu uma “licença ambiental parcial”, única desta espécie concedida em todo
país e inexistente em nossa legislação, medida que possibilitou a aprovação de financiamento
da obra junto ao BNDES.
Por outro lado, não houve nenhuma medida legislativa, no sentido de definir o
conceito legal de população atingida por barragem, os direitos das populações desalojadas e
afetadas pelas UHE’s ou no sentido de criar um órgão estatal responsável pela promoção das
indenizações, deixando o poder de realizar todos estes atos, nas mãos dos investidores, sendo
esta a principal causa de violações de Direitos humanos na construção de Barragens no Brasil
e de impunidade das empresas.
3.8 - Financiamento público das Empresas Transnacionais
O banco público BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social de
Brasil), em coerência com seu papel crescente dentro de IIRSA, é o principal organismo
39
financiador do Complexo Madeira, com uma contribuição de 65% do custo total da represa de
Santo Antonio, e de 68,5% de Jirau, ademais de haver prometido financiar uma parte da
inversão necessária para construir a futura linha de transmissão entre os 2.450 km. que
separam as cidades de Porto Velho (Rondônia) e Araraquara (São Paulo) (Banktrack 2009).
No caso de Santo Antonio, aproximadamente a metade do financiamento provêem
de fundos próprios de BNDES e a outra metade está co-financiada pelo seguinte grupo de
bancos: Bradesco, Unibanco, BES Investimento do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco
do Brasil, Banco do Nordeste y Banco da Amazônia. Até janeiro de 2010, o Banco Santander
participava diretamente no consorcio. Depois da venda de sua participação acionária de 5%,
mantém ainda hoje o papel de “Banco-Agente”, que implica liderar o grupo de entidades
bancárias no projeto. No caso da represa de Jirau, aproximadamente um terço provêem de
co-financiação com outro grupo de bancos: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
Bradesco BBI, Unibanco y Banco do Nordeste do Brasil.
BNDES, não obstante, não é o único banco público de desenvolvimento nacional,
que apóia o projeto. Em efeito, também se encontram os bancos brasileiros: Banco da
Amazônia (sendo muito controvertida uma parte de seu apoio, já que o obtêm do FNO -
Fundo Constitucional do Norte-, que teoricamente só pode financiar Pequenas Centrais
Hidrelétricas) e o Banco do Nordeste. Ambos financiam empréstimos a Santo Antonio y Jirau
respectivamente. Por outro lado, instituições financeiras internacionais como o Banco
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) também estão intervindo,
ainda que de forma mais indireta, no projeto (Wiziak y Brito 2008).
Recentemente apareceu um novo ator no financiamento de Santo Antonio, um fundo
público de inversão chamado FI-FGTS2 que comprou as cotas do banco Santander.
3.9 – Omissão das embaixadas européias no Brasil no cumprimento das
diretrizes da União Européia sobre defensores de direitos humanos
As estratégias do governo brasileiro e das empresas para legitimar suas ações no
processo de implantação das UHE’s são múltiplas e articuladas. A primeira delas foi o
fracionamento das obras do complexo energético do Rio Madeira para facilitar a obtenção das
licenças ambientais legais e a negociação de apoio político às mesmas.
2 O FI-FGTS é um fundo de inversão em infra-estrutura criado com recursos do FGTS -Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
40
A publicidade é outra arma utilizada, onde as empresas vendem as idéias de que os
impactos provocados podem ser reduzidos por meio de medidas mitigatórias e compensatórias
e de que o objetivo das mesmas é promover o desenvolvimento social da região e gerar
empregos. Os meios de Comunicação apresentam ainda os defensores de Direitos humanos
como obstáculos ao desenvolvimento e a geração de emprego.
A cooptação de lideranças e da população é outra estratégia dos grupos envolvidos,
através da geração de empregos e da realização de obras e investimentos que seriam
responsabilidade do Poder Público.
A criminalização também tem sido uma estratégia utilizada contra o movimiento
social. As empresas já propuseram ações judiciais contra o Movimento de Atingidos por
Barragens, visando impedir a realização de protestos e exigindo o pagamento de multas no
caso deles ocorrerem. A polícia militar reprime os protestos dos movimentos sociais e a
Polícia Federal deportou seis bolivianos, manifestantes e líderes do Movimiento Social en
Defensa de la Cuenca del rio Madera que participavam de um ato público no Brasil, dos
quais se destaca a deportação de Manuel Lima, que é peticionario ante a Comision
Interamericana de Derechos Humanos contra o governo brasileiro (solicitando medida
cautelar para impedir as UHEs).
A postura destas empresas européias que acionam os órgãos de repressão estatal
contra defensores de Direitos humanos afronta as diretrizes da União Européia para a proteção
de defensores de Direitos Humanos adotadas em junho de 2004. Estas diretrizes constituem
um guia para todas as instituições da UE e países membros da UE, inclusive as delegações da
UE e as embaixadas dos países membros em terceiros países. As diretrizes são um
instrumento prático para guiar as ações e atenção da UE a respeito de defensores de direitos
humanos em todos os países, porém as delegações da UE e as embaixadas da França, Espanha
e Portugal, nada tem feito em relação a estas empresas que criminalizam defensores de
Direitos humanos e pressionam o governo brasileiro para que faça o mesmo.
41
4 – Estratégias de luta contra as ETNS utilizadas no caso
4.1 – Organização da população e ações concretas de mobilização e protesto (de
brasileiros e bolivianos)
Desde o processo de concessão e licenciamento ambiental do projeto (antes do início
das obras) a estratégia de resistência do Movimento dos Atingidos por Barragens foi a de
realizar atividades de formação, mobilização e realização de protestos contra as obras e pela
plena reparação dos impactos das mesmas.
O leilão da Usina Hidrelétrica Jirau (ocorrido em 19-5-2008) foi denunciado pelo
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) como mais um episódio da entrega do
patrimônio nacional aos interesses das grandes empresas, tal como aconteceu no processo de
privatização das estatais brasileiras, com um agravante: além do investimento público na
construção, possibilita o saqueio dos recursos naturais da Amazônia através da criação de
hidrovias para o transporte da madeira (muitas vezes ilegal) e de minérios, além de criar um
corredor para o escoamento da soja que vem sendo produzida na região amazônica. Se não
bastasse, a construção de Jirau abre definitivamente a fronteira amazônica para a construção
de grandes empreendimentos energéticos, seja para a construção de novas usinas hidrelétricas,
ou para a plantação de cana-de-açúcar e produção do etanol, agravando a destruição da
floresta.
O MAB denunciou o custo total das obras previstas para o Complexo Madeira (R$ 43
bilhões), equivalente a R$ 113 mil para cada habitante da capital do estado de Rondônia
(Porto Velho ocupa o 1498° lugar no ranking nacional do Índice de Desenvolvimento
Humano - IDH-M 2000).
A partir de setembro de 2008, com o início das obras da hidrelétrica de Santo
Antônio, os ribeirinhos que viviam na margem esquerda do rio começaram a ser expulsos de
suas casas de maneira desrespeitosa. O MAB denunciou as indenizações injustas e a forte
pressão psicológica a que estão submetidos estes ribeirinhos. Em dezembro de 2008 as
empresas foram multadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis) em R$ 7,7 milhões pela morte de 11 toneladas de peixe, em
conseqüência das obras.
Em 2009, após o início da construção das obras, o MAB realizou uma séria de
assembléias com a população atingida para denunciar a violação de direitos humanos. Nos
42
dias 21 e 22-01-09, na capital Porto Velho (RO), cerca de 700 atingidos por barragens e
militantes de movimentos sociais se reunirão em assembléia com o objetivo de buscar
soluções para os problemas causados pelas barragens do Rio Madeira.
Às vésperas do Dia Internacional de Luta Contra as Barragens (março de 2009), a
segunda assembléia do Movimento dos Atingidos por Barragens, que acontecia em Porto
Velho, foi reprimida pela Polícia. Os atingidos/as se dirigiram ao Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), em uma manifestação pacífica, animada por cantos em
defesa dos direitos dos povos atingidos e por mensagens como “barragens para quê e para
quem?” e “água e energia não são mercadorias”.
Mulheres e homens de várias idades percorreram 5 km para chegar ao Incra e
ocuparam as instalações da instituição pública reivindicando seus direitos. Acompanhava a
manifestação dos ribeirinhos um grupo de representantes da Bolívia, país que também será
atingido pela construção das barragens no Rio Madeira.
A polícia federal reprimiu o protesto. Doze policiais federais fortemente armados
com metralhadoras e gases lacrimogêneos entraram no recinto para prender seis bolivianos
que se encontravam no café do Incra. Eles foram escoltados até a Polícia Federal, para serem
deportados. Está atitude não desanimou os manifestantes que, apesar do atropelo, concluíram
o ato pacificamente.
Esta experiência é uma mostra da luta sem fronteiras pelos direitos dos mais
desprotegidos, neste caso os atingidos por um mega projeto financiado pelo agronegócio e
pelas transnacionais. Também se revela a relação direta entre a luta sem fronteiras pelos
direitos humanos e a repressão sem fronteiras. Os interesses que são defendidos pelo
capitalismo são os mesmos em todo lugar e têm as mesmas expressões repressivas. A luta dos
povos atingidos continuam frente a contínua violação dos direitos humanos, em todas as suas
formas.
No mês de agosto de 2009 o MAB-RO organizou um acampamento com mais de 500
famílias ribeirinhas, nas cercanias do canteiro de obras de Santo Antonio. No dia 11, por volta
das 20 horas, um pelotão da Polícia Militar cruzou seus veículos no meio da pista em frente às
barracas dos acampados e desceram com armamento pesado em punho, cerca de 30 policiais.
Junto deles, dois oficiais de justiça, trouxeram uma intimação para dois dirigentes do MAB,
do Poder Judiciário que concedeu uma decisão liminar na ação de interdito proibitório
43
interposto pelo Consórcio Santo Antônio Energia, com o seguinte teor: "proíbo os requeridos
de bloquear a entrada do canteiro de obras da Usina de Santo Antônio, sob pena de multa
diária de R$ 1.0000,00 (hum mil reais) para o caso de descumprimento desta liminar, bem
como reintegração e manutenção de posse a ser cumprida imediatamente pela polícia e
pelos oficiais de justiça de plantão no caso de haver invasão."
O consórcio já havia ingressado com outra ação em setembro de 2008, onde havia
obtido um interdito proibitório, contra o seminário do MAB realizado em São Domingos,
2km acima do canteiro de Santo Antônio.
Na ação as empresas alegam que com o acampamento há uma situação de
constrangimento, presente e potencial, do acesso ao canteiro de obras, quando os integrantes
do MAB estavam numa via pública, na calçada de um cemitério municipal, acolhidos de todas
as formas pela comunidade de Santo Antônio, sem terem obstruído o acesso ao canteiro, que
se dá por outra via acesso, através da Br 364/Vila Princesa. O MAB reivindicava uma
audiência com o Consórcio.
Em relação ainda a postura das empresas de criminalização dos movimentos sociais,
cabe destacar a informação divulgada em meios de comunicação de Porto Velho no sentido de
que a Camargo Correa (construtora da obra) contratou uma empresa para fazer a segurança do
canteiro de obras, principalmente para espionar os operários e os atingidos pela usina. Há
indícios que foram contratados ex-coronéis, da época da ditadura militar, que possuem
histórico de espionar e elaborar dossiês de lideranças e até preparar atos contra trabalhadores.
Levantamentos recentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal
apontaram que um dos arapongas atuou como orientador dos fazendeiros e pistoleiros no caso
de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, inclusive colocando um
carro-bomba em frente à sede da Polícia Federal e orientando para a colocação de minas
explosivas na estrada de acesso à terra indígena. O MPF também alega ligações e
responsabilidade direta aos ataques em aldeias.
As pessoas, trabalhadores e atingidos, descontentes com as injustiças praticadas pela
empresa são “fotografados, filmados e possivelmente grampeados”. A realidade é que estes
arapongas trabalham para o consórcio dono de Jirau (ENERSUS), responsável por adotar tal
política de tratamento aos operários e atingidos.
4.2 – Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente
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O MAB é entidade membro da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos
Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA - capítulo brasileiro da PIDHDD –
Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento), que
mantém o projeto de relatores nacionais de DH, tendo conseguido que a missão de 2007 da
relatoria do DH ao meio ambiente fosse o caso do Rio Madeira.
A Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente recomendou que o
Governo Federal anulasse a licença prévia concedida para a construção das usinas
hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. O relatório preliminar,
que também recomendou a anulação do leilão para construção da usina Santo Antônio, foi
apresentado em 23 de abril de 2008 a diversos órgãos do governo em Brasília (Ministério de
Minas e Energia, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente, FUNAI).
O relatório da missão aponta ilegalidades e desrespeito aos direitos humanos
fundamentais ocorridos durante o licenciamento das usinas. Dentre estes, a exclusão da bacia
do Madeira dos estudos sobre impactos ambientais. Com isso, não foram avaliados os
impactos que a obra pode causar a outros estados brasileiros e ao território boliviano.
O relatório também destaca que não foram feitas análises sobre alternativas de
produção energética de menor impacto. Além disso, o direito à saúde foi desrespeitado, por
conta do risco de contaminação de mercúrio e de proliferação de malária que podem aumentar
com o empreendimento.
A violação dos direitos indígenas foi uma das questões destacadas pela Relatoria. O
documento preliminar lembra que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) da obra apontam
para o possível aumento de conflitos e invasões em territórios indígenas. Segundo o EIA,
1089 indígenas de sete terras serão afetados. Uma das críticas lembradas no relatório é que a
análise apenas diagnosticou a situação das terras, mas não aprofundou a discussão dos
impactos. Além disso, o EIA não considerou a situação dos povos sem contato que podem ser
afetados. Devem viver na área atingida pela obra 3 ou 4 grupos sem contato.
Também foi lembrado que ainda no processo de licenciamento, o direito dos povos
indígenas à consulta prévia bem informada foi desrespeitado. A Convenção n.169 da
Organização Internacional do Trabalho recomenda a forma de consultar os povos, que não foi
obedecida.
Para preparar o documento preliminar, a Relatoria esteve em Rondônia entre 15 e 19
de novembro de 2007. Neste período, a relatora Marijane Lisboa se reuniu com ribeirinhos
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que podem ser afetados pela obra, com organizações indigenistas, com comunidades afetadas
por outras hidrelétricas construídas na região e com órgãos públicos estaduais, federais e
municipais. Ela também se encontrou com uma delegação de camponeses e indígenas
bolivianos que temem os danos que as futuras represas podem levar às suas terras.
4.3 – Articulação nacional e internacional
O caso do Rio Madeira por causar a destruição da floresta Amazônica e envolver
impactos transfronteiriços em dois países (Brasil e Bolívia), possibilitou a internacionalização
da luta.
O MAB lançou uma campanha internacional de denúncia contra estas UHE’s e
estabeleceu parcerias e articulações com inúmeras entidades do Brasil e do Exterior.
Em relação a Bolívia, a articulação ocorre com o FOBOMADE (Foro Boliviano de
Medio Ambiente e Desarrollo). Desta articulação resultaram inúmeros encontros da
população atingida dos dois países e protestos conjuntos, num dos quais, realizado no Brasil,
os companheiros bolivianos que participavam acabaram deportados do país.
Em relação a Europa, a articulação ocorre com o SETEM (Espanha), que realizou
uma campanha contra o Santander, que acabou resultando na saída do Banco do projeto
(como acionista).
4.4 – Campanha na Espanha contra o Banco Santander
O SETEM realizou uma campanha de mobilizações e denúncia da participação do
SANTANDER no Projeto Madeira. Uma das atividades da campanha foi a tentativa de de
criar contradições entre os acionistas e a Diretoria do Banco, obtendo direito de voz na
Assembléia anual de 2008, através de representação de grupos de acionistas minoritários.
Segue abaixo intervenção que protocolei no ato de minha fala na Junta.
Nesta assembléia houve a participação de Luis Novoa, apoiador do MAB, realizando
uma intervenção denunciando o projeto. Na ocasião o próprio Presidente do Banco respondeu
à manifestação (em geral são diretores que respondem) acenando para possibilidade de
revisão da participação do Banco no projeto ou do projeto em si, o que acabou se
concretizando aproximadamente dois anos depois (2010).
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Na ocasião a manifestação do presidente foi a seguinte: "’Señores ecologistas, se
acogen sus palabras con mucho interés, nuestro equipo en Brasil se reunirá en breve con
ustedes, me ocupo personalmente de ello’, enfatizó Botín cuando le tocó responder a las
preguntas.”(EL PAIS) Para o MAB e o SETEM ficou claro que o Santander tinha forte
interesse em consolidar sua posição no Brasil (1/4 de seus rendimentos foram obtidos aqui) e
por isso estavam preocupados com sua imagem.
Desta forma, a saída do SANTANDER do projeto criou um precedente que poderia ter
aberto um flanco no Projeto e adiciona um elemento a mais de questionamento do BNDES,
pois até mesmo um Banco privado mostra-se mais aberto a escutar o contraditório ao invés de
fechar questão. O flanco acabou não se concretizando porque o governo brasileiro acabou
integralizando a cota do Santander através do FI-FGTS.
4.5 – Medida Cautelar na Comissão Interamericana de DH
Os povos do norte amazônico boliviano através do FOBOMADE ingressaram com
pedido de medidas cautelares junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 7 de
dezembro de 2007, contra o Brasil, tendo em vista que não se consultou adequadamente as
populações afetadas no Brasil e na Bolívia sobre a construção da hidrelétrica e nem lhes
permitiu participar na tomada de decisões a respeito desse projeto, bem como, não foi
avaliada a extensão de impactos diretos da UHE a outros países, tendo em vista a
sobrelevação do nível d´água e possível interferência nos países da Bolívia e Peru, afetando a
produtividade da atividade pesqueira, viabilidade populacional de espécies e proliferação da
malária. As medidas cautelares ainda não foram concedidas, aguardando o processo a defesa a
ser apresentada pelo Governo Brasileiro, para posterior designação de audiência sobre o
mesmo ou julgamento.
4.6 – Denúncia no CDDPH (Brasil)
O MAB apresentou denúncia do Caso do Rio Madeira a Comissão Especial da
resolução 06-2006, do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – órgão
do estado brasileiro para investigar denúncias de violações de direitos humanos). A comissão
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foi criada para investigar denúncias de violações de DH na construção de hidrelétricas.
Todavia, como as obras ainda não haviam iniciado, estando apenas na fase de licença
ambiental (2007), a denúncia não foi aceita e o caso não foi investigado.
4.7 – Ações judiciais do Ministério Público Estadual (MPE) e do Ministério
Público Federal (MPF) na Justiça Brasileira
O MPF com alguma ajuda dos movimentos sociais ingressou em 2008 com uma Ação
Civil Pública pedindo anulação do licenciamento das Usinas Jirau e Santo Antonio,
basicamente com dois argumentos:
1) ausência da linha de transmissão no licenciamento das usinas, o que é um contrasenso pois
estas, na enorme escala de sua geração (meia Itaipu) só tem sentido econômico como
fornecedoras para o centro-sul.
2) Ausência de consultas prévias específicas e formais às populações tradicionais como reza a
convenção 169 e decreto 6040/07.
Depois do licenciamento, ocorreu o leilão da obra, que a concedeu as empresas já
citadas. O Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal ingressaram com Ações
Civis Públicas, questionando os estudos ambientais realizados, suas deficiências, as mudanças
ocorridas no projeto da UHE Jirau após o leilão, a não realização de estudos de impacto na
Bolívia e adoção de medidas compensadoras, e requereram a suspensão das obras.
Em 2010 a Justiça Federal deu decisão favorável ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em três ações ajuizadas pelo
Ministério Público Federal ligadas à construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no
Rio Madeira, em Rondônia. Os pedidos foram julgados improcedentes e com isso está
mantido o licenciamento ambiental concedido pelo Ibama. As ações ajuizadas pelo MPF eram
contra o Ibama e as Centrais Elétricas S/A. O intuito era proibir a realização de novas
audiências públicas referentes à construção das hidrelétricas, anular o processo de
licenciamento ambiental e requerer a realização de um novo estudo ambiental sobre as linhas
de transmissão.
4.8 – Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembléia Legislativa de
Rondônia
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A Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia criou uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI das Hidrelétricas), em 2009, para investigar as duas usinas, sendo que seus
trabalhos ainda estão sendo desenvolvidos, com a requisição de documentos junto aos
consórcios e órgãos ambientais, oitiva de testemunhas e representantes das empresas.
4.9 – Greve dos trabalhadores que constroem as usinas
Os trabalhadores que estão construindo as usinas hidrelétricas do rio Madeira
paralisaram as obras, pelo menos por quatro vezes (em 2009), realizando greves por melhorias
das condições de trabalho e aumento salarial. Em 2010, aproximadamente 10.000 pessoas
trabalham nas obras.
Os trabalhadores reivindicavam a elaboração de uma nova convenção coletiva de
trabalho, melhores condições de trabalho, transporte, tempo de jornada, alimentação,
segurança e saúde, com um aumento salarial de 10%.
Ainda há denuncias de assédio moral contra os trabalhadores. "Há denúncias de que,
no canteiro de Santo Antônio, a polícia ambiental do Estado age como segurança particular da
concessionária", exemplificou Machado.
As empresas construtoras negavam os pedidos devido a situação de crise econômica
mundial, isto quando a obra recebe mais de R$ 1,5 bilhão em financiamentos subsidiados com
recurso do FGTS, ou seja, dos trabalhadores.
Em junho de 2010 ocorreu nova paralisação dos trabalhadores da Usina de Santo
Antônio, numa situação de grande revolta.
4.10 – Tribunal Permanente dos Povos
O MAB, SETEM e FOBOMADO, com apoio do IRLS (Instituto Rosa Luxemburgo),
apresentaram acusação contra as empresas transnacionais envolvidas na construção do
Complexo Hidroelétrico do Rio Madeira (GDF Suez, Santander e Banif) e a União Européia
(como cúmplice), perante o TRIBUNAL PERMANENTE DE LOS PUEBLOS – TPP.
A partir do estudo realizado foi apresentada ficha à comissão organizadora do TPP,
que o selecionou para a sessão de Madrid (maio de 2010) e solicitou a elaboração da acusação
formal contra as empresas, que foi apresentada perante o Tribunal.
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No TPP o caso foi apresentado pelo MAB, em conjunto com o FOBOMADE (Bolívia)
e o SETEM (Espanha) e pela Fundação Rosa Luxemburgo (apoiadora), no dia 14 de maio de
2010, tendo havido expressa manifestação do tribunal sobre o mesmo na sua sentença
divulgada em 17 de maio durante a Cumbre de los Pueblos.
As empresas transnacionais Santander (Espanha), Banif (Portugal) e GDF-Suez
(França e Bélgica), integrantes dos consórcios que estão construindo as UHE’s Santo Antônio
e Jirau, no Rio Madeira, foram denunciadas e condenadas pelo IV Tribunal Permanente dos
Povos, realizado em Madrid, de 13 a 17 de maio deste ano.
O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), o FOBOMADE (Bolívia) e o
SETEM (Espanha), baseados nas ações do Ministério Público Federal e Estadual, na medida
cautelar que tramita na Corte Interamericana de Direitos e nos impactos que já estão
ocorrendo durante a construção das obras, denunciaram as obras como um Ecocídio, em
conseqüência da destruição do Rio Madeira, da Amazônia e de recursos vitais para os povos
ribeirinhos e indígenas.
Na sentença proferida, o Tribunal condenou a atitude do Santander, do Banif e da
GDF-SUEZ, pelas “graves, claras e persistentes violações dos princípios, normas, convênios e
pactos internacionais que protegem os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais das pessoas”.
O Tribunal reconheceu também a cumplicidade da União Européia pela geração de
graves impactos negativos sobre a qualidade de vida das comunidades atingidas pelas usinas
hidrelétricas e pela privação de recursos básicos necessários para uma vida digna, que em
alguns casos podem ser considerados crimes contra a humanidade.
Por fim, a sentença também condenou a atitude da França, Portugal, Espanha e
Bélgica, membros da União Européia onde as empresas denunciadas têm as suas sedes, pela
suas políticas de apoio incondicional as mesmas através de diversos meios analisados,
fazendo destes estados, cúmplices das violações de direitos humanos que as empresas
cometem.
A condenação do Tribunal Permanente dos Povos é ética, moral, popular e política. A
iniciativa, do Grupo Enlazando Alternativas, não tem caráter vinculante e impositivo.
Contudo, isso não exclui a possibilidade de realizar litígios em tribunais nacionais e
internacionais.
O Tribunal Popular Permanente é um órgão estatutário da Fundação Internacional
Lélio e Lisli Basso Issoco (Itália), criado em junho de 1979 e é historicamente ligado ao
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Tribunal Russell I e II, que julgaram os crimes da guerra do Vietnã e das Ditaduras Latino
Americanas. O Tribunal se fundamenta no "direito dos povos" e nas suas necessidades. A
sentença será enviada para os principais organismos internacionais de Direitos Humanos da
ONU e da Comunidade Européia.
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Considerações finais
O caso do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, é um dos casos envolvendo
empresas transnacionais que enfrentou maior resistência à sua implantação:
- mobilização popular no Brasil e na Bolívia;
- ações judiciais no Brasil;
- denúncia na Comissão Interamericana;
- greve de trabalhadores;
- intervenção na assembléia de acionistas do Santander;
- condenação do TPP.
Porém, assim como é um dos casos onde ocorreu maior reação, também é um caso
onde o capital e as ETN’s mais tiveram força, principalmente com o apoio do Governo
Federal (Brasil), omissão do Governo Boliviano, apoio do Governo Estadual e local (Porto
Velho) e cooptação de segmentos do campo popular. O principal elemento de força das ETNs
é o aporte de bilhões de reais que representam as obras e os milhares de empregos gerados,
secundados pelo apoio da mídia, a repressão policial e a conivência do poder Judiciário.
Inúmeras ações judiciais foram propostas, no nível nacional e internacional, sem
qualquer resultado. Inúmeras greves e protestos foram realizados, sendo ora reprimidos, ora
resultando vitórias parciais dos trabalhadores e movimento social (negociação de direitos).
Todos estes elementos reforçam a convicção da assimetria existente entre o poder
(econômico e legal) que possuem as transnacionais, e aquele que possuem os trabalhadores e
movimentos sociais. Revelam ainda a segmentação das lutas entre trabalhadores (da obra) e
movimento social (atingido pela obra), que deveriam somar forças contra inimigo comum.
Um passo a frente que o caso representa é a aliança internacional dos atingidos do
Brasil e da Bolívia, com ações conjuntas, bem como, a aliança entre povos do sul (Brasil) e do
norte (Espanha), com uma pequena grande vitória que foi o constrangimento ao Banco
Santander, que acabou resultando na sua retirada dos projetos como acionista.
Por fim, a participação e a denúncia do caso no TPP permitiram visibilizar à
cumplicidade da União Européia e do Governo Brasileiro nas violações de direitos humanos,
assim como, a condenação formal do Tribunal servirá para os trabalhadores e movimentos
sociais continuarem realizando suas mobilizações contra as empresas que até então, apesar de
demandadas nos tribunais brasileiros e interamericanos, não possuíam nenhuma condenação
material ou moral de seus crimes.
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