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A ATUALIDADE DA LUTA PELA TERRA NO PONTAL DO
PARANAPANEMA-SP
Camila Ferracini Origuéla [email protected]
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia pela UNESP (Campus de Presidente Prudente)
Bolsista CNPq Orientador: Bernardo Mançano Fernandes Co-orientador: Carlos Alberto Feliciano
Resumo
No presente artigo, tenho como objetivo apresentar a luta pela terra no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do estado de São Paulo, no período de 2000 a 2010, e, ainda, compreender as possíveis mudanças nos processos de espacialização e, consequentemente, territorialização da luta pela terra devido, sobretudo, à expansão do agronegócio canavieiro. A atuação dos movimentos socioterritoriais em ocupações de terras e acampamentos durante a década de 1990 no Pontal do Paranapanema possibilitou a conquista de territórios, os assentamentos rurais, e a (re)criação do campesinato. Nos primeiros anos da década de 2000 a atuação, sobretudo, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi intensa na região. Já a partir de 2006 está realidade começou a mudar, o número de ocupações de terras e famílias em ocupações e acampamentos diminuiu expressivamente. O principal elemento para a explicação deste refluxo é a disputa territorial entre movimentos socioterritoriais e agronegócio. As terras antes improdutivas, atualmente estão sendo ocupadas pela produção de cana-de-açúcar e não adentram ao circuito da reforma agrária.
Palavras-chave: Luta pela Terra, Ocupações de Terras, Acampamentos, MST, Agronegócio Canavieiro.
Introdução
A questão agrária brasileira é interpretada ao longo deste trabalho como um
problema estrutural produzido pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista
na agricultura que, concomitantemente à sua expansão destrói, subordina ou (re)cria
relações de produção não capitalistas, como o trabalho familiar camponês (OLIVEIRA,
1996). O capital promove a “diferenciação econômica dos agricultores,
predominantemente do campesinato, por meio da sujeição da renda da terra ao capital”
(MARTINS, 1981, p. 175). Neste processo há a expropriação, sujeição ou resistência do
campesinato, um movimento constante de territorialização, desterritorialização e
reterritorialização da agricultura camponesa (FERNANDES, 2008). A (re)criação do
campesinato pode ocorrer por meio da compra, arrendamento ou ocupação da terra.
Esta, por sua vez, é uma forma de (re)criação construída historicamente pelos
camponeses sem-terras através dos processos de espacialização e territorialização da
luta pela terra (FERNANDES, 1996; 2000).
Partindo destes pressupostos, no presente artigo, tenho como objetivo
apresentar a atualidade da luta pela terra no Pontal do Paranapanema no período de
2000 a 2010. O principal argumento explicativo do arrefecimento do processo de luta
pela terra é o avanço territorial da produção de cana-de-açúcar. Com condições
edafoclimáticas propícias e declividade do solo acentuada, o que facilita a mecanização
da produção e colheita, o Pontal do Paranapanema é, na contemporaneidade, área de
expansão do cultivo de cana-de-açúcar no estado de São Paulo. Este cenário tem
impactado diretamente o binômio espacialização/territorialização da luta pela terra
(FERNANDES, 1996; 2000). Com o avanço do capital, por meio do agronegócio
canavieiro, propriedades devolutas e improdutivas estão adentrando ao circuito do
monocultivo da cana-de-açúcar e, em alguns casos, não podem ser desapropriadas pelo
Estado, principalmente as propriedades antes improdutivas.
A atualidade da luta pela terra não se restringe ao refluxo das ações dos
movimentos socioterritoriais, com ênfase para o MST, como veremos adiante, mas está
atrelada, também, ao perfil urbano das famílias acampadas, originárias do Norte do
Paraná e municípios do Pontal do Paranapanema; a esporacidade da vida nos
acampamentos, com famílias que trabalham ao longo do dia nos municípios ou usinas
de cana-de-açúcar da região e retonam aos acampamentos apenas a noite ou aos finais
de semana; famílias que desistem da luta e retornam ás cidades, enquanto outras
retornam aos acampamentos; famílias que participam apenas de algumas atividades do
movimento, como a ocupação da terra e/ou a manifestação.
É a partir destes elementos que questionamos quem são os sujeitos que
lutam por terra na região? Quais os desdobramentos dessa esporacidade da vida nos
acampamentos para o processo de luta e conquista da terra? Estas são contradições
inerentes ao próprio processo de expansão do agronegócio canavieiro e à constante
reestruturação produtiva do capital, que ultrapassa as fronteiras cidade-campo,
redefinindo relações? A fim de contemplar estes questionamentos, o artigo está dividido
em dois tópicos. No primeiro, exponho a importância do MST e dos processos de
espacialização e territorialização da luta pela terra, estudados por Fernandes (1996;
2000); no segundo tópico, apresento o que denomino de atualidade da luta pela terra,
questionamentos e desafios.
O MST1 e os processos de espacialização e territorialização da luta pela terra
O MST, um dos principais movimentos socioterritoriais de luta pela terra e
reforma agrária, nasceu concomitantemente em diferentes estados da região Centro-Sul
do país (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul).
Conforme Stédile e Fernandes (1999), a gênese do MST pode ser explicada a partir de
três elementos específicos: a modernização agrícola, a atuação da Igreja Católica e
Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto aos sem-terras e, por fim, a redemocratização
do país após longo período de ditadura militar (1964-1985).
Ainda na década de 1970, o Brasil passou por um rápido e intenso processo de
modernização agrícola ou mecanização da agricultura. Esse processo excluiu,
expropriou ou desterritorializou inúmeras famílias camponesas, que, após perderem
suas terras e trabalho, migraram para as grandes cidades e regiões de colonização
recente, como nos estados de Mato Grosso e Rondônia, ou, ainda, resistiram em suas
regiões de origem como assalariados rurais, meeiros, arrendatários e deram início a
algumas formas isoladas de luta pela terra por meio da formação de acampamentos2.
Nesse mesmo período, o trabalho pastoral das Igrejas Católica e Luterana
contribui para com a organização dos camponeses sem-terra em torno da transformação
de suas realidades. A CPT surge em 1975 no município de Goiânia justamente com o
objetivo de articular as lutas camponesas, o que possibilitou, futuramente, a
1 Cito o exemplo do MST por ter sido este movimento estudado por Fernandes (1996; 2000) no
âmbito dos processos de espacialização e territorialização da luta pela terra. Também, por ser um dos principais movimentos socioterritoriais no Pontal do Paranapanema e pelos trabalhos de campo realizados ao longo da minha graduação em ocupações de terras e acampamentos deste movimento.
2 Ibidem, 1999.
consolidação de um único movimento, o MST. As Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) eram os espaços de socialização política onde os camponeses trocavam ideias,
experiências, refletiam e concretizavam formas de organização social. Ou seja, todo o
trabalho de articulação e organização junto à Igreja, CPT e CEBs e o contato com
diferentes experiências sociais e territoriais, além da construção cotidiana da práxis,
contribuíram com a espacialização da luta dos sem-terra. Conforme Fernandes (1996, p.
120):
Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. É o muntidimensionamento do espaço de socialização política. É "escrever" no espaço através de ações concretas como manifestações, passeatas, caminhadas, ocupações de prédios públicos, negociações, ocupações e reocupações de terras, etc. É na espacialização da luta pela terra que os trabalhadores organizados no MST conquistam a fração do território e, dessa forma, desenvolvem o processo de territorialização do MST.
Ao ocupar a terra, os camponeses sem-terra constroem espaços de luta e
resistência, os acampamentos. Estes são transformados em território através da atuação
política das famílias perante o Estado, o latifúndio e/ou a propriedade capitalista. O
processo de territorialização nada mais é do que a conquista de um território ou um
assentamento rural. A espacialização das ações do MST tem possibilitado nestes
últimos vinte e oito anos a organização e atuação do movimento em diferentes escalas,
desde a nacional, estadual, regional, e, consequentemente, a territorialização do mesmo.
No estado de São Paulo, a luta dos posseiros na Fazenda Primavera, localizada
nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência, foi fundamental para a
organização do MST e a chegada da CPT à região. Conforme Fernandes (1996),
migrantes nordestinos, mineiros e italianos se fixaram na região com esperanças de
conquistarem a posse da terra, todavia um grileiro se apresentou como dono das terras e
deu início à arrecadação da renda da terra. Com a chegada da CPT à região, os posseiros
explorados pelo grileiro começaram a frequentar os espaços de socialização política e
resistência. A organização dos sem-terras levou à vitória dos mesmos e a
desapropriação da fazenda para fins de reforma agrária pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Ainda segundo esse mesmo autor, uma área
da fazenda que havia sido destinada à Associação dos Moradores da Fazenda Primavera
estava abandonada, o que levou à ocupação da mesma por um grupo de famílias que se
auto denominaram organizadas no Movimento dos Sem Terra do Oeste do Estado de
São Paulo, dando início à atuação do MST no estado.
Antes mesmos do processo de espacialização do MST na região do Pontal do
Paranapanema, os conflitos por terra já eram intensos. Conforme Fernandes (1996),
uma das lutas pela terra mais antigas nessa porção do estado é a dos posseiros da
Reserva Florestal Lagoa São Paulo, no município de Presidente Epitácio, com o grileiro
Zé Dico. A grilagem de terras é, historicamente, um dos principais motores da luta pela
terra no Pontal, elemento que até os dias de hoje impulsiona os movimentos
socioterritoriais a questionarem a legitimidade da posse da terra. A primeira ocupação
de terra organizada pelo MST ocorreu no dia 14 de julho de 1990, na fazenda Nova
Pontal, no distrito de Rosa (FERNANDES, op. cit.), e desde então, principalmente na
década de 1990 e início de 2000, a atuação do movimento em ocupações de terras,
acampamentos e assentamentos rurais foi intensa.
No Pontal do Paranapanema, ao longo da década de 1990 ocorreram 380
ocupações de terras, com a participação de 62.105 famílias sem-terras; em relação às
áreas obtidas, foram 79 assentamentos rurais e 4.085 famílias assentadas (ver tabela 1).
Pode-se notar que, o número total de famílias em ocupações de terras é extremamente
maior que de famílias assentadas, o que nos permite interpretar que, apesar dos
processos de espacialização e territorialização serem imprescindíveis para a luta pela
terra, as conquistas dos movimentos socioterritoriais são pequenas diante do público
que povoava e ainda povoa os acampamentos.
Tabela 1 - Pontal do Paranapanema - Número de Ocupações de Terras e Assentamentos
Rurais - 1990-1999
Ano Ocupações
de Terras
Número de
Famílias
Assentamentos Rurais
Obtidos
Número de
Famílias
1990 1 800 1 49 1991 5 870 1 36 1992 12 2.850 1 65 1993 27 1.800 1 87 1994 45 3.180 1 37
1995 50 19.135 10 646 1996 64 12.861 23 1.017 1997 51 7.783 18 786 1998 87 9.637 19 1.069 1999 38 3.189 4 293
Total 380 62.105 79 4.085
Na década de 2000, além do MST, outros movimentos atuaram e ainda atuam na
luta pela terra na região (ver quadro 1). Alguns destes movimentos socioterritoriais,
inclusive, são discensões do MST. O processo de fragmentação de movimentos ou
discensão ocorre normalmente quando algumas famílias discordam da forma de
organização ou política do movimento e acabam por formar outro movimento. O MST
da Base, liderado por José Rainha Junior, é um exemplo deste processo (SOBREIRO
FILHO, 2010).
Quadro 1- Pontal do Paranapanema - Movimentos Socioterritoriais em Ocupações de Terra - 2000-2010.
Ano Movimentos Socioterritoriais
2000 3 - FETRAF, MBUQT, MST
2001 1 – MST
2002 3 - MAST, MCST, MST
2003 4 - MAST, MNF, MST, MTSTCB
2004 7 - ARST, MAST, MPT, MST, MTB, MTV, MUST
2005 4 - MAST, MST, MLT, MUB
2006 5 - MAST, MBUQT, MLST, MST, Unidos pela Terra
2007 8 - CONTAG, CTV, CUT, FERAESP, MAST, MST, MTB, UNITERRA
2008 11 - CONTAG, FETRAF, MAST, MST, MST da Base*, MLST, MTB,
MTST, MTRSTB, UNITERRA, VIA CAMPESINA
2009 11 - CONTAG, CUT, FERAESP, FETRAF, MAST, MLST, MLT, MST,
MST da Base*, MTST, UNITERRA
2010 4 - MLT, MST, MST da Base, MTST
Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2011.
Ao comparar os processos de espacialização e territorialização da luta pela terra
nas décadas de 1990 e 2000, nota-se que o número de ocupações de terras se manteve,
diferente do número de novos acampamentos e assentamentos rurais, que diminuíram
significativamente. No gráfico 1 é possível analisar os números de ocupações de terras e
assentamentos rurais obtidos. Da mesma forma em que no gráfico 2 é possível
relacionar o número de famílias que participaram das ações dos movimentos
socioterritoriais e as que foram assentadas.
Gráfico 1 - Relação Entre o Número de Ocupações de Terras e Assentamentos Rurais - 2000-2010.
Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012.
Gráfico 2 - Relação Entre o Número de Famílias em Ocupações de Terras e Famílias Assentadas - 2000-2010.
Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012.
2117
32
8
40
46
70
4237
50
12
0
20
40
60
80
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Ocupações de Terras Assentamentos Rurais
0
2000
4000
6000
8000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010Famílias em Ocupações Famílias Assentadas
O número de assentamentos rurais obtidos é extremamente incipiente quando
comparado ao número de ações dos movimentos socioterritoriais. A partir deste cenário
é possível interpretar que, o processo de espacialização é imprescindível para o processo
de territorialização, todavia ambos não acontecem com a mesma intensidade.
forma que o número de fa
confrontados com a quantidade de famílias que ocuparam terras. O processo de
conquista da terra é longo e árduo, e não necessariamente contempla todas as famílias
acampadas, o que, em alguns casos, leva à desistência
terra.
Os poucos assentamentos rurais obtidos ao longo desta década, em sua maioria,
provém de políticas de reconhecimento (ver gráfico 3), em detrimento da política de
desapropriação, que desconcentra a propriedade da terra.
compreensão de que a reforma agrária está em descenso na região
prioridades do Estado.
Gráfico 3- Políticas de Obtenção de Assentamentos Rurais
Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012.
Ao longo das duas últimas décadas, o processo de luta pela terra tem sido
fundamental para a conquista de assentamentos rurais na região, entretanto está política
não contempla todas as famílias em ocupações de terras ou acampamentos.
Desapropriação20%
O número de assentamentos rurais obtidos é extremamente incipiente quando
comparado ao número de ações dos movimentos socioterritoriais. A partir deste cenário
é possível interpretar que, o processo de espacialização é imprescindível para o processo
ritorialização, todavia ambos não acontecem com a mesma intensidade.
forma que o número de famílias assentadas ainda é extremamente pequeno quando
a quantidade de famílias que ocuparam terras. O processo de
ngo e árduo, e não necessariamente contempla todas as famílias
acampadas, o que, em alguns casos, leva à desistência ou fragmentação
Os poucos assentamentos rurais obtidos ao longo desta década, em sua maioria,
reconhecimento (ver gráfico 3), em detrimento da política de
desapropriação, que desconcentra a propriedade da terra. Esta informação permite a
compreensão de que a reforma agrária está em descenso na região e não é uma das
Políticas de Obtenção de Assentamentos Rurais - 2000-
Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), 2012.
Ao longo das duas últimas décadas, o processo de luta pela terra tem sido
fundamental para a conquista de assentamentos rurais na região, entretanto está política
não contempla todas as famílias em ocupações de terras ou acampamentos.
Reconhecimento73%
Desapropriação20%
Doação4%
NI3%
O número de assentamentos rurais obtidos é extremamente incipiente quando
comparado ao número de ações dos movimentos socioterritoriais. A partir deste cenário
é possível interpretar que, o processo de espacialização é imprescindível para o processo
ritorialização, todavia ambos não acontecem com a mesma intensidade. Da mesma
amente pequeno quando
a quantidade de famílias que ocuparam terras. O processo de
ngo e árduo, e não necessariamente contempla todas as famílias
ou fragmentação da luta pela
Os poucos assentamentos rurais obtidos ao longo desta década, em sua maioria,
reconhecimento (ver gráfico 3), em detrimento da política de
nformação permite a
e não é uma das
-2009.
Ao longo das duas últimas décadas, o processo de luta pela terra tem sido
fundamental para a conquista de assentamentos rurais na região, entretanto está política
não contempla todas as famílias em ocupações de terras ou acampamentos. A atuação
do Estado frente à política de assentamentos rurais é, também, fundamental para
compreensão da atualidade da luta pela terra, bem como a expansão do agronegócio
canavieiro, conforme será apresentado no próximo tópico.
A atualidade e os desafios frente o avanço do agronegócio canavieiro
O agronegócio ascendeu como o modo de produção ou o sistema de produção
hegemônico no campo brasileiro, principalmente na região Centro-Sul, nas décadas de
1990 e, principalmente, 2000. É caracterizado como um sistema complexo que
compreende não só a agricultura, mas a indústria, o mercado e as finanças
(FERNANDES e WELCH, 2008), que concentra e centraliza a produção agrícola
mundial em apenas algumas grandes empresas transnacionais. A concentração se deve
ao processo de aglutinação de diferentes empresas e a centralização é quando uma
mesma empresa controla todos os setores da produção (STÉDILE, 2008, p. 51).
Empresas multinacionais controlam e são controladas na contemporaneidade
pelo capital financeiro. Conforme Stédile (2010), este tipo de capital controla a
agricultura mundial por meio de mecanismos como: a) a compra de ações de médias e
grandes empresas que atuam em diferentes setores relacionais á agricultura,
concentrando em apenas uma ou poucas empresas a produção e comercialização
agrícola; b) o processo de dolarização da economia, com taxas de câmbio favoráveis à
compra de empresas nacionais por empresas transnacionais e o domínio dos mercados
produtores e comércio dos produtos agrícolas; c) as regras de livre comércio impostas
pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do
Comércio (OMC), que normatizam todo o comércio de produtos agrícolas em benefício
das empresas transnacionais; d) o crédito bancário permitiu a expansão desse modelo de
produção e organização da agricultura; e) por último, o abandono de políticas públicas
de proteção ao mercado agrícola nacional e camponês pelos países periféricos e a
inserção de políticas neoliberais contribuíram com o avanço do agronegócio.
Empresas como estas estão, recentemente, produzindo agrocombustíveis por
meio de matérias-primas como a cana-de-açúcar. Os denominados agrocombustíveis são
considerados um fonte alternativa, renovável e “limpa” de energia, que está em plena
ascensão no Brasil, país com clima tropical e extensão territorial significativa para este
tipo de cultivo.
Além das mudanças na matriz energética global, outro elemento que explica o
avanço do agronegócio canavieiro é a economia brasileira. A exportação de
commodities contribui para com a geração de superávits primário e, consequentemente,
saldos positivos à balança comercial. Conforme Delgado (2010, p. 93), a crise de
liquidez internacional no final de 1998 comprometeu a economia brasileira e provocou
fuga de capital e mudanças no regime cambial. “Dessa época em diante, a política do
ajuste externo se altera. Recorre-se forçosamente aos empréstimos do FMI em três
sucessivas operações de socorro, em 1999, 2001 e 2003”. Ainda segundo esse mesmo
autor, em resposta à crise, a política externa adotada pelo governo federal foi a geração
de saldos de comércio exterior para suprir o déficit da conta-corrente. Para isto, o setor
agrícola deveria produzir e exportar cada vez mais.
Ainda nesse mesmo período, mais precisamente a partir de 2003, a produção de
automóveis Flex Fuel, movidos à gasolina e/ou álcool, contribuiu com o aumento da
fabricação de etanol. De 2003 a 2009 foram comercializados 9.603.630 milhões de
carros Flex Fuel, em contraposição a 3. 928.363 carros movidos apenas à gasolina,
segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores - Brasil /
ANFAVEA. Por fim, outro elemento que contribui com a expansão da produção de
cana-de-açúcar é a recente crise financeira. Com o intuito de dinamizar a economia
nacional - produção agrícola e industrial - e estimular o consumo da população em um
período de recessão econômica internacional, o governo federal diminuiu o IPI de
automóveis Flex Fuel, fomentando com isso as vendas desse tipo de veículo.
Consequentemente, o consumo de etanol também aumenta, bem como a produção dos
primeiro e segundo setores econômicos.
No Pontal do Paranapanema, a intensa territorialização da produção de cana-de-
açúcar teve início em meados de 2000. No mapa 1 é possível observar os municípios em
que este processo é mais expressivo nos últimos dez anos e a localização das usinas e
destilarias em funcionamento na região.
Com o avanço do capital através da produção de cana-de-açúcar, terras antes
improdutivas são arrendadas ou incorporadas ao circuito do agronegócio, dificultando a
questionamento da improdutividade da terra, que segundo a Constituição Federal de
1988 deve cumprir com sua função social. O enfrentamento entre agronegócio e
movimento socioterritoriais é cada vez mais frequente na região, principalmente quando
terras devolutas, que deveriam ser destinadas à reforma agrária por serem do Estado,
estão sendo regularizadas3, permitindo a expansão da produção de cana-de-açúcar sobre
essas propriedades.
O MST, por exemplo, tem diminuído suas ações, ocupações de terras, e
direcionado estas a propriedades específicas como estratégia para continuar atuando na
região. Tem, também, realizado trabalhos de base nos municípios da região e de outros
estados, como o Paraná, a fim de aumentar o contingente de sem-terras nas ocupações,
apesar disso o número de novos assentamentos rurais continua diminuindo. Ainda
assim, a vida nos acampamentos é extremamente esporádica, com famílias que retornam
aos acampamentos somente aos finais de semana ou para participarem de ações do
movimento. Os sujeitos da luta pela terra são heterogêneos, provém das cidades e do
campo, possuem empregos formais e informais, acampam, ocupam terras e cortam
cana-de-açúcar para as usinas da região, são vítimas do desenvolvimento destrutivo do
modo capitalista de produção. Um exemplo disto é o acampamento do MST, Dorcelina
Folador, localizado no município de Sandovalina, no qual ao longo da semana
encontramos poucas famílias acampadas ou quase nenhum (ver foto 1).
Foto 1: Acampamento Dorcelina Folador, município de Sandovalina. Fonte: Trabalho de campo, 2012.
3 A regularização da grilagem de terras na região do Pontal do Paranapanema irá beneficiar 31
mil propriedades com até 450 hectares, ou seja, 90% das terras. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,sp-aprova-regularizacao-fundiaria-de-propriedades-na-regiao-do-pontal,854135,0.htm
O constante processo de reestruturação produtiva do capital no campo e,
principalmente, nas cidades flexibiliza e precariza empregos formais e informais, o que
contribui com o retorno, de certa forma, destas famílias ao campo por meio do processo
de luta pela terra (THOMAZ JUNIOR, 2003). Todavia e devido à esporacidade e ao vai
e vem da vida nos acampamentos, um espaço de luta e resistência, processos de
socialização política são prejudicados. Um exemplo disso são os encontros regionais do
MST, no qual poucas famílias, sobretudo, acampadas participam. Os mesmos sujeitos
que ocupam terras e formam acampamentos contribuem e, ao mesmo tempo, dificultam
a atuação dos movimentos socioterritoriais.
Esta é a atualidade da luta pela terra no Pontal do Paranapanema, a disputa
territorial entre movimentos socioterritoriais e agronegócio canavieiro que devido à sua
territorialização dificulta os processos de espacialização e territorialização da luta pela
terra; o perfil urbano das famílias que lutam pela terra, famílias desempregadas,
terceirizadas, informais ou no corte da cana-de-açúcar; a esporacidade da vida nos
acampamentos e os desdobramentos disto no processo de socialização política e
organização dos movimentos que atuam no campo.
Apesar de todas essas dificuldades, os movimentos socioterritoriais são na
contemporaneidade a principal forma de organização e atuação política e espacial contra
o sistema hegemônico do capital e o modelo de desenvolvimento agrícola do
agronegócio. Compreender e questionar algumas das dificuldades enfrentadas pelos
movimentos socioterritoriais frente à expansão do capital e aos desdobramentos desta
não é uma crítica por si só, mas uma forma de contribuir com essa discussão junto aos
pesquisadores interessados pelo tema e aos próprios movimentos que lutam por terra e
reforma agrária, sobretudo o MST. Apreender o movimento da realidade e a atualidade
de processos de luta por terra e território é fundamental quando objetivamos a superação
do modo de produção capitalista.
Considerações finais
É através da espacialização da luta pela terra que os movimentos socioterritoriais
conquistam assentamentos rurais, há uma relação entre esses dois processos, como
estudado por Fernandes (1996; 2000). A expansão do agronegócio sobre latifúndios tem
dificultado este processo, a disputa por terras ocorre entre sem-terras acampados em
beiras de estradas e empresas transnacionais ou usinas de cana-de-açúcar. A
improdutividade foi substituída pela alta produtividade com o cultivo de matérias-
primas que permitem a produção de commodities para exportação. Compreender está
realidade de disputas torna-se fundamental quando partimos da ideia de que a luta pela
terra através de ocupações proporciona a conquista do território e a (re)criação do
camponês.
Interpreto que a atualidade da luta pela terra é composta pelos seguintes
elementos: expansão do agronegócio canavieiro e dificuldades de espacialização e
territorialização da luta pela terra; organização da luta pela terra frente o perfil urbano
das famílias acampadas e a esporacidade da vida nos acampamentos; e, por fim, os
desdobramentos de ambos os elementos citados para com o processo de socialização
política das famílias acampadas.
Referências bibliográficas
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