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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL SP FERNANDO SALLES VALÉRIO A AUTODEFESA NOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO UBATUBA SÃO PAULO 2012

A AUTODEFESA NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES

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Direito administrativo disciplinar

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  • UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL SP

    FERNANDO SALLES VALRIO

    A AUTODEFESA NOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES DA POLCIA MILITAR

    DO ESTADO DE SO PAULO

    UBATUBA SO PAULO

    2012

  • 1

    FERNANDO SALLES VALRIO

    A AUTODEFESA NOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES MILITARES DA

    POLCIA MILITAR DO ESTADO DE SO PAULO

    Monografia apresentada Universidade

    Cruzeiro do Sul SP, como parte das

    exigncias do Curso de Ps-Graduao em

    lato sensu em Direito Militar, para obteno

    do Ttulo de Especialista em Direito Militar.

    Coordenador: Professor Ms Wagner Antonio

    Alves.

    Orientador: Professor Especialista Agnei

    Rogrio Meneguel.

    UBATUBA SO PAULO

    2012

  • 2

    SUMRIO

    1 Introduo.......................................................................................................................4

    2 Contrato social................................................................................................................4

    3 Ordlias..........................................................................................................................6

    4 A inquisio, uso da tortura e o poder do inquisidor......................................................8

    5 Inquisio, legado cultural...........................................................................................13

    5.1 Influncia da inquisio em nossas leis........................................................................15

    5.2 Lei complementar e penas restritivas de liberdade......................................................16

    5.3 Proposta de mudana no RDPM..................................................................................18

    6 Princpio do contraditrio e da ampla defesa...............................................................22

    7 Cerceamento de defesa.................................................................................................25

    7.1 Direito de permanecer calado.......................................................................................26

    7.2 Contraditrio................................................................................................................27

    7.3 A ampla defesa e procedimentos..................................................................................28

    8 A autodefesa.................................................................................................................30

    8.1 Os riscos da autodefesa................................................................................................34

    9 A hierarquia militar......................................................................................................39

    10 Procedimentos disciplinares no exclusrios da Polcia Militar de So Paulo............41

    10.1 A restrio de liberdade por transgresso disciplinar militar.......................................42

    10.2 O sistema inquisitivo no procedimento disciplinar......................................................45

    11 Concluso....................................................................................................................49

    Referncias...................................................................................................................50

  • 3

    RESUMO

    O presente estudo foi elaborado atravs de pesquisas bibliogrficas em leis,

    doutrinas e instrues disponveis em ambiente virtual e tambm fsico. Quando o homem

    optou pela vida em sociedade cedeu parte de sua liberdade para uma liberdade plena

    atravs do pacto social. Teve incio as leis positivadas, e durante os sculos XII ao XVIII a

    inquisio tinha como mtodo de extrair a confisso dos suspeitos com a tortura. Com a

    evoluo superamos as ordlias e a inquisio, o sistema processual brasileiro acusatrio,

    porm, ainda temos procedimentos inquisitivos, em estudo, o disciplinar militar. As

    sanes disciplinares nas policias militares estaduais ainda so restritivas de liberdade, de

    sorte que o CONASP - MJ orientou os estados membros e o Distrito Federal a retirarem as

    penas restritivas de liberdade de seus regulamentos. No entanto, necessitamos de alteraes

    no sistema inquisitivo disciplinar militar, pois, o presidente do procedimento disciplinar

    acumula funes de investigador, produtor de provas, acusador e julgador; o que no estudo,

    voltado aos praas da Polcia Militar do Estado de So Paulo, demonstra os riscos da

    autodefesa e tambm a suspeio do julgador na condio de comandante que pune seus

    comandados, no caso de Companhia PM, comandados diretos deste.

    PALAVRAS-CHAVE: Contraditrio. Ampla defesa. Defesa tcnica. Policial Militar.

    ABSTRACT

    The present study was developed through research in laws, doctrines and

    instructions, available in virtual and physical environments. When men decided to live in

    society, part of their previous full freedom was devoted to the social pact. The first written

    laws appeared and during the twelfth to eighteenth centuries inquisition applied torture as a

    method of extracting confession from suspects. Evolution overcomed ordeals and

    inquisition. Although being essentially an adversarial system, Brazil's penal statute has an

    inquisitive nature in several procedures, particularly in the military discipline. Disciplinary

    punishments on state military police are still freedom restrictives. CONASP - MJ directed

    States to withdraw pen alties restricting freedom from its regulations. However, we need

    changes in military discipline inquisitorial system, because the president of the board for

  • 4

    disciplinary procedures accumulates investigative functions, producing evidence and

    prosecutor and judge activities. This situation focused on soldiers of the So Paulo's

    Military Police implicates in self-defense risks. The military commander should not be

    able to punish the soldiers from a PM Company directly under his orders.

    KEYWORDS: Contradictory. Defense. Technical defense. Military Police.

    1 INTRODUO

    O presente estudo demonstra atravs de fatos histricos, de forma sintetizada, a evoluo

    do direito penal, a figura do ru como res em um sistema inquisitivo que com o passar dos

    sculos se transformou em um sistema acusatrio, porm, com um legado cultural

    inquisitivo que persiste em vigorar na atualidade, quando analisado sob o foco de se obter a

    confisso do acusado. O incio do trabalho tem a finalidade de contextualizar o leitor, em

    especial os que no tm muito contato com o Direito, das formas inquisitivas que

    perduraram do sculo XII ao XVIII, neste a cincia do direito comea uma nova etapa com

    o sistema acusatrio tendo seu marco inicial o Cdigo de Napoleo1. Por fim o legado

    cultural, alm de caractersticas inquisitivas do Cdigo de Processo Penal que ainda no foi

    reformulado, persiste na era do neo-processualismo o sistema inquisitivo administrativo,

    em especial o estudo ter foco no processo inquisitivo de natureza no exclusria na

    Polcia Militar do Estado de So Paulo, modelo semelhante era inquisitiva onde quem

    acusava, reunia provas, retirava a confisso do acusado e por fim sentenciava.

    2 CONTRATO SOCIAL

    Entre os povos primitivos cabia ao acusado a autodefesa, certo que no havia

    leis escritas, e o ofendido valia-se do uso da vingana para obter o jus puniendi, o que

    certamente favorecia o mais forte ou o mais inteligente, se o ru fosse forte sairia ileso

    independentemente se culpado ou no, se fosse fraco e inocente a condenao era certa,

    assim denota2 nas sociedades primitivas, em que a organizao estatal era ainda

    1 CODE CIVIL DES FRANAIS. Disponvel em: http://files.libertyfund.org/files/2352/CivilCode_1565_Bk.pdf, acesso em: 16 de setembro de 2012. 2AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Dos sistemas processuais penais. Disponvel em.

    http://jus.com.br/revista/texto/6948/dos-sistemas-processuais-penais, acesso em 19 de agosto de 2012, p. 1.

  • 5

    incipiente, a resposta se deu por meio da autodefesa, ou seja, o prprio sujeito do

    interesse legalmente protegido consegue, por sua atuao pessoal, que a lei seja

    respeitada. O crime era, assim, vingado pela vtima, por seus familiares ou, mesmo, por

    sua tribo. explicito nesse sistema primitivo o uso da autodefesa para no sofrer o

    interesse de punir do ofendido, bvio que no havia o devido processo legal e as falsas

    acusaes tambm poderiam ocorrer consistindo assim a autodefesa como um escudo para

    a no aplicabilidade da sano.

    A evoluo da autodefesa ocorre com as fraes evolutivas da sociedade,

    parafraseando Aguiar3, a sociedade passou de um sistema de autodefesa para o sistema de

    composio, ou seja, um acordo entre ofendido e ofensor era anudo e a lide resolvida,

    destarte no poderamos deixar de indagar a lei do mais forte, pois, o mais fraco sempre

    estaria prejudicado at mesmo na composio.

    Assim tanto a autodefesa quanto a composio no contribuam para um processo

    justo, aquela por favorecer o mais forte nas lides particulares e esta por implicar na perda

    de direito por uma das partes. Diante das injustias, o homem decide viver em sociedade,

    para tanto, cede parte de sua liberdade para ter seus direitos garantidos atravs do contrato

    social, assim define Chau:

    Para Hobbes, os homens reunidos numa multido de indivduos, pelo pacto,

    passam a constituir um corpo poltico, uma pessoa artificial criada pela ao

    humana e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivduos naturais so

    pessoas morais, que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral

    coletivo ou Estado4.

    Como bem define a professora da USP5 aps o pacto social o Estado assume papel

    primordial e passa a tutelar a jurisdio, assim soluciona os conflitos para uma maior

    estabilidade social. A soberania no entendimento de Hobbes6 pode ser representada pela

    3AGUIAR, autor j citado, p. 1.

    4 Chau, Marilena. Estado de Natureza, contrato social, Estado Civil na filosofia de Hobbes, Locke e

    Rousseau. Disponvel em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/contratualistaschaui.html, acesso em 19

    de agosto de 2012, p. 1. 5 CHAU, Marilena. Autora j citada, p. 1.

    6 CHAU, Marilena. Autora j citada, p. 1. Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de

    aristocratas ou uma assembleia democrtica. O fundamental no o nmero dos governantes, mas a

    determinao de quem possui o poder ou a soberania. Esta pertence de modo absoluto ao Estado, que, por

    meio das instituies pblicas, tem o poder para promulgar e aplicar as leis, definir e garantir a propriedade

    privada e exigir obedincia incondicional dos governados, desde que respeite dois direitos naturais

    intransferveis: o direito vida e paz, pois foi por eles que o soberano foi criado. O soberano detm a

    espada e a lei; os governados, a vida e a propriedade dos bens.

  • 6

    figura de um rei ou governante, diferentemente, sustenta Rousseau7 que soberano o povo,

    o povo tem suas vontades e anseios, os transferem para seu representante, o governante,

    assim o governo exerce a soberania de forma representativa. A figura do Estado surge

    desta forma, passa a exercer sua jurisdio e solucionar os conflitos da sociedade, sem

    aprofundarmos no tema seguimos para uma sntese das ordlias.

    3 ORDLIAS

    Os povos primitivos utilizavam a ordlia para saber se o acusado era inocente ou

    culpado, o acusado era submetido a certas provaes baseadas em crenas e mitos para que

    o julgador pudesse ter a certeza de sua culpabilidade. Entretanto, a ordlia consistia em

    submeter o ru a provas impossveis de realizar, como caminhar sobre brasas, aps

    caminhar sobre estas, se os ps do acusado resistissem sem queimaduras ele era

    considerado inocente, porm, ocorrendo o contrrio era considerado culpado. Outro tipo de

    prova, caminhar sobre a gua, o acusado deveria caminhar sobre a gua e caso afundasse

    era considerado culpado, a inocncia era impossvel de comprovar com estes mtodos.

    Assim define Nakajima e Zago apud Santos as ordlias ou juzos de Deus constituam a

    prova suprema usada pelos povos primitivos e semibrbaros da famlia indo-europeia, os

    povos antigos da sia e os germanos primitivos conforme ressalta Moacyr Amaral Santos

    (1949, p.19)8.

    Nesta poca acreditava-se que tudo era protegido por Deus, inclusive a vida do

    inocente, desta forma e sob a proteo de Deus, submetiam os acusados s provas

    impossveis de realizar, acreditavam que se o ru fosse inocente sairia ileso de qualquer

    prova. Sob o prisma enfocado no precisa ser um grande jurista para chegar concluso

    7 CHAU, Marilena, autora j citada, p. 1. Para Rousseau, o soberano o povo, entendido como vontade

    geral, pessoa moral, coletiva, livre e corpo poltico de cidados. Os indivduos, pelo contrato, criaram-se a si

    mesmos como povo e a este que transferem os direitos naturais para que sejam transformados em direitos

    civis. Assim sendo, o governante no o soberano, mas o representante da soberania popular. Os indivduos

    aceitam perder a liberdade civil: aceitam perder a posse natural para ganhar a individualidade civil, isto , a

    cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se fazem representar, so cidados. Enquanto se submetem s

    leis e autoridade do governante que os representa chamam-se sditos. So, pois, cidados do Estado e

    sditos das leis.

    8 NAKAJIMA, Aparecida Cristiane Reiko e ZAGO, Mrcio Ricardo da Silva. APRECIAO DAS

    PROVAS ILICITAS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Disponvel em:

    http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2069/2244, acesso em 19 de agosto de

    2012, p. 2.

  • 7

    que bastaria ser acusado para receber a condenao, salvo se invocassem algo que

    dependia da natureza, assim haveria uma pequena chance de sobrevir pela sorte a sentena

    favorvel. Algumas espcies de ordlias descritas por Nakajima e Zago9:

    Para ilustrar certas ordlias, o ilustre doutrinador Moacyr Amaral Santos

    menciona as mais conhecidas como exemplo, prova pelo fogo: teria o acusado

    que passar por duas saras, vestido com roupa encharcado em cera ou se fazia o

    acusado tocar com a lngua em ferro quente ou carregar por certa distncia uma

    barra de ferro em brasa ou se caminhar sobre ferros quentes, prova pela gua

    fervendo: consistia em o acusado de tirar um ou mais objetos dentro de uma

    caldeira de gua a ferver. O exame das mos ou dos ps era feitos trs dias aps

    e se permanecesse ileso ou quase ileso era considerado inocente. A prova gua

    fria: consistia em imergir a mo num vaso cheio de gua fria, no qual se no

    tornasse danosa, o acusado inocente. Ou atravessar um rio por diversas vezes a

    nado, quem cansasse primeiro perdia a causa. Prova pelo cadver: O acusado

    aqui em caso de assassinato, teria que passar o dedo sobre as feridas ou sobre o

    umbigo da vtima ou mesmo passar descalo sobre o cadver pronunciando um

    juramento de que era inocente e se o cadver voltasse a sangrar o acusado era

    culpado. Prova da serpente: Lanava-se o acusado no meio das serpentes e que

    elas morderiam somente o criminoso10

    .

    Portanto, de toda sorte a sociedade evoluiu e o sistema penal acompanhou a

    evoluo, ainda h muito que se aprender e evoluir na aplicao das penas. A importncia

    da condenao nos deixa atualmente diante de uma responsabilidade que no apenas do

    julgador ou do Estado, mas sim de todos ns, pois, acreditar que garantidos os direitos do

    acusado para defender-se com paridades de armas no suficiente para termos um sistema

    justo, logo, temos que pensar no que fazer com o condenado. dever do Estado e

    responsabilidade de todos resocializar o preso, inseri-lo novamente na sociedade em

    condies de igualdade aos seus semelhantes, quer atravs do respeito aos seus direitos

    fundamentais, quer atravs da educao e reinsero profissional. No basta educar e

    profissionalizar, preciso quebrar paradigmas e preconceitos a comear pelo Estado que

    dever oferecer ao preso resocializado a possibilidade de que este possa participar de

    9 Autores j citados, p. 3.

    10 Nakajima e Zago, autores j citados, p. 3.

  • 8

    concursos pblicos, pois se o Estado no admite funcionrios com antecedentes criminais,

    logo, quem admitir?

    Dessarte os efeitos da condenao impedem a reinsero daquele que cumpriu

    pena em nossa sociedade, dificilmente conseguir um emprego, assim permanecer

    excludo e muito provavelmente voltar a delinquir pela opo reduzida de reinsero no

    mercado de trabalho.

    4 A INQUISIO, USO DA TORTURA E O PODER DO INQUISIDOR

    O Santo Ofcio Portugus era um tribunal que praticava atos processuais nos quais

    os rus no tinham a mnima chance de defesa. Uma simples suspeita de que alguma

    pessoa poderia ter cometido um crime j era fato para transform-lo em culpado. Assim

    sustenta Lima11

    que o Tribunal do Santo Ofcio era muito temido, no havia distino entre

    a fase de instruo e a fase probatria. Se ocorresse qualquer denncia ou suspeita de

    qualquer natureza, o acusado j poderia ser aprisionado. Cabia ao Tribunal comprovar se o

    ru tinha culpa, pois este era presumido culpado desde o incio do processo.

    O andamento do processo era permanentemente alimentado com a incluso de

    novas acusaes, permanecendo os autos em segredo at o final12, em comparao com o

    nosso tempo uma afronta aos Direito Humanos, o ru no tinha a mnima chance de

    defesa. Assim as vontades dos acusadores prevaleciam sobre qualquer forma de Direito em

    latu senso, valendo-se principalmente do uso da tortura para extrair a confisso do ru, a

    confisso era considerada a mais verdadeira das provas, a rainha das provas, destarte pensa

    Lima:

    Outra caracterstica marcante do processo inquisitorial era a reiterada busca da

    autoacusao do ru expressada na pregao constante para que confessasse suas

    culpas e no uso da tortura como forma de extrair confisses. No se pode

    esquecer que esse estilo de processo de origem romana, conhecido como

    inquisitivo elevou a confisso categoria de rainha das provas13.

    11

    LIMA, Lana Lage da Gama. O Tribunal do Santo Ofcio da Inquisio: o suspeito culpado. Revista de

    Sociologia e Poltica N 13: 17-21 NOV. 1999. P. 17. Disponvel em:

    http://redalyc.uaemex.mx/pdf/238/23801302.pdf , acesso em 17 de agosto de 2012, p. 3. 12

    LIMA, autora citada, p. 3. 13

    LIMA, autora citada, p. 3.

  • 9

    Como a confisso era considerada a maior das provas, a inquisio a utilizava

    indiscriminadamente a tortura para extra-la, a tortura estava positivada segundo Lima14

    no

    Santo Ofcio, 1640, Livro II, Ttulo XIII, pargrafo XIII, esta previso continha no apenas

    a sua legalidade poca, mas tambm as formas e prticas em que seriam aplicadas a

    torturas para extrair a tal verdade real do ru que era torturado at que confessasse a

    verdade ou mentisse para livrar-se do suplcio da dor.

    No obsta deixar de citar Cesare Beccaria15

    que entendia ser a tortura um

    instrumento que beneficia aquele que forte, que suporta a dor e os suplcios, mas a

    maioria das pessoas no suportam os tormentos da tortura e para livrarem-se destes,

    confessam, pois a nica forma de parar o carrasco. Beccaria16

    assevera que a tortura era

    aplicada durante o processo, processo que corria em segredo, a banalizao de seu uso era

    tamanha que chegava ao cmulo de ser utilizada no s para extrair confisses, mas

    tambm para que alguma contradio da oitiva fosse corrigida ou at mesmo para que o

    suposto ru declinasse seus cmplices. O que pensar das torturas, esses suplcios secretos

    que a tirania utilizava na obscuridade das prises e que so reservados tanto ao inocente

    como ao culpado?17

    Encontramos a resposta na prpria pergunta do nosso admirvel Marqus de

    Beccaria, a tortura era reservada tanto ao inocente como ao culpado, a prtica da tortura

    muitas vezes era aplicada aos inocentes, a indagao que no pode calar, qual o pacto

    social essa sociedade fez? Permitir que qualquer um deles pudesse a qualquer momento,

    atravs do livre arbtrio e vontade dos soberanos, submet-los tortura na condio de

    inocente ou culpado. A tortura e suas consequncias como forma de se extrair a verdade da

    pessoa acusada ou suspeita, relatada com perfeio por Bonesana:

    Outra consequncia ainda muito visvel advm do uso das torturas; que o

    inocente se encontra em situao pior que a do culpado. Efetivamente, o inocente

    submetido tortura tem tudo contra si: ou ser condenado por confessar o crime

    que no cometeu, ou ser absolvido, porm aps ter passado por tormentos que

    no mereceu. O culpado, ao contrrio, tem por si um conjunto favorvel; ser

    absolvido se souber suportar a tortura com coragem, e fugir aos suplcios que

    14

    LIMA, autora citada, p. 3. 15

    BECCARIA, Cesare. Traduo: Torrieri Guimares. Dos Delitos e Das Penas. Copyrigh desta traduo:

    Editora Martin Claret Ltda. So Paulo/SP, 2000. Ttulo original: Dei Delitti e Delle Pene (1764). 16

    BECCARIA, j citado, p. 36. 17

    BECCARIA, j citado, p. 36.

  • 10

    pesavam sobre si, sofrendo uma pena muito mais leve. Desse modo, o inocente

    tem tudo a perder, o culpado apenas pode ganhar18

    .

    Assim a tortura como prtica indiscriminada para se buscar a verdade

    proporciona, embora de forma desumana, favorecimento ao ru, pois, um culpado forte

    suportar a dor e sair livre e o inocente fraco declinar culpado para livrar-se do suplcio

    da dor e acabar condenado, de toda sorte os sofrimentos dos nossos antepassados aos

    poucos se tornam alvio para nossa gerao, contudo ainda em pleno sculo XXI,

    ocasionalmente a mdia noticia casos que aparentam serem prticas de torturas, aparentam,

    pois, nosso atual ordenamento jurdico presume a inocncia e assim cabe aos acusados em

    geral o devido processo legal, segue um exemplo:

    Integrantes da Comisso Nacional da Verdade afirmaram nesta quarta-feira (29)

    que pretendem fazer recomendaes contra a tortura praticada atualmente pelas

    corporaes policiais do pas.

    Em visita ao Par nesta quarta-feira (29), membros da comisso ouviram relatos

    de militantes dos direitos humanos sobre tortura em um presdio do Estado e

    tambm na Aeronutica.

    Aps os relatos, afirmaram que o relatrio final da comisso deve abordar a

    situao atual da tortura no Brasil19

    .

    O poder do juiz inquisitivo era muito grande, Lima20

    apud Toms Y Valiente

    assevera que esse poder nos tribunais inquisitivos era muito maior do que qualquer outra

    justia sua poca. No havia normas positivadas suficientes para o devido processo legal,

    ou quando existia era ambgua.

    Por fim, o Santo Ofcio, devido a sua legislao ineficiente e ambgua no tinha

    tempo determinado para a durao dos processos, pois, dependia do inquisidor. O

    inquisidor segundo a autora teve suas primeiras atuaes desde 1552 com o Primeiro

    Regimento do Santo Ofcio Portugus e tinha o lema misericrdia e justia.

    O inquisidor tinha o papel de aconselhar, consolar e punir os rus, devia ainda

    percorrer as prises quinzenalmente para verificar a situao dos presos e at mesmo

    aconselhar para que confessassem assim salvariam suas almas. O Regimento,

    parafraseando Lima21

    , delineava grande poder de deciso ao inquisidor. O ru denunciado

    18

    BECCARIA, j citado, p. 38 e 39. 19

    AGUIRRE TALENTO DE BELM. Comisso da Verdade far recomendaes contra tortura atual no

    pas. Disponvel em: http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2012/08/29/comissao-da-verdade-fara-

    recomendacoes-contra-tortura-atual-no-pais.jhtm, acesso em 11 de outubro de 2012. P.1. 20

    LIMA, autora citada, p. 3. 21

    LIMA, autora citada, p. 3.

  • 11

    por uma s testemunha no poderia ser preso, mas se o inquisidor entendesse que deveria

    seria encarcerado, assim procedia.

    A inquisio ou o Regime do Santo Ofcio Portugus, parafraseando Lima22

    permitia que os rus tivessem defensores, tais defensores eram indicados pelo prprio

    tribunal, os advogados no tinham acesso integral aos autos, no tinham acesso ao nome da

    vtima, local dos fatos, as circunstncias da priso, enfim, a defesa era ineficiente e os

    presos acabavam dispensando os advogados, pois a eles cabia apenas a confisso ou resistir

    tortura. Nestes tribunais os delitos so tambm pecados, e o julgamento das causas

    influenciado diretamente pelo grau de arrependimento demonstrado pelo ru23.

    Por fim, assevera a autora24

    que o Santo Ofcio Portugus tem quatro Regimentos

    Gerais, mais especificamente os dos anos de 1552, 1613, 1640 e 1774, com mudanas das

    mais variadas, dentre eles o mais completo foi o Regimento de 1640.

    Atualmente a doutrina separa ou distingue o sistema acusatrio do sistema

    inquisitivo de forma que inquisitorial seria o sistema em que as funes de acusao e de

    julgamento estariam reunidas em uma s pessoa (ou rgo), enquanto o acusatrio seria em

    tais papeis estariam reservados a pessoas (ou rgos) distintos25. Ainda o autor preconiza

    caracterstica que no sistema inquisitrio, como o juiz atua tambm na fase de

    investigao, o processo se iniciaria com a notitia criminis, seguindo-se a investigao,

    acusao e julgamento26, assim ao compararmos o sistema acusatrio com o sistema

    inquisitivo no procedimento administrativo disciplinar da Polcia Militar do Estado de So

    Paulo, procedimento este sob amparo legal do Regulamento Disciplinar da Polcia

    Militar do Estado de So Paulo27

    e regulado por norma interna da Instituio a I-16 PM28

    ,

    22

    LIMA, autora citada, p. 4. 23

    LIMA, autora citada, p. 4. 24

    LIMA, autora citada, p. 4. 25

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de processo penal / Eugnio Pacelli de Oliveira. 16. Ed. Atual. De acordo co as Leis n 12.403, 12.432, 12461, 12483 e 12529 todas de 2011, e Lei Complementar n 140, de

    8 de dezembro de 2011. So Paulo: Atlas, 2012. P. 9. 26

    OLIVEIRA, j citado, p. 10. 27

    REGULAMENTO Disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo. LEI COMPLEMENTAR N

    893, DE 09 DE MARO DE 2001. Disponvel em:

    http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei%20complementar/2001/lei%20complementar%20n.893,%

    20de%2009.03.2001.htm, acesso em 21 de agosto de 2012. 28

    I 16- PM. Instrues sobre processos administrativos da Polcia Militar do Estado de So Paulo.

    Disponvel em: http://www.cdp.polmil.sp.gov.br/e107_plugins/content/saj/doctos/I_16_PM.pdf, acesso em

    22 de agosto de 2012.

  • 12

    de acordo com entendimento da legislao comum e estudos de Oliveira29

    tal sistema est

    bastante superado em analogia com o sistema comum com bem define:

    nesse particular, pensamos que somente uma leitura constitucional do processo

    penal poder afastar ou diminuir tais inconvenientes, com a afirmao do princpio

    do juiz natural e de sua indispensvel imparcialidade. Com efeito, a igualdade das

    partes somente ser alcanada quando no se permitir mais ao juiz uma atuao

    substitutiva da funo ministerial, no s no que respeita ao oferecimento da

    acusao, mas tambm no que se refere ao nus processual de demonstrar a

    veracidade das imputaes feitas ao acusado. A iniciativa probatria do juiz deve

    limitar-se, ento, ao esclarecimento de questes ou pontos duvidosos sobre o

    material j trazido pelas partes, nos termos da nova redao do art. 156, II, do

    CPP, trazida pela Lei n 11.690/08, no se quer nenhum juiz inerte, mas apenas o

    fim do juiz investigador e acusador, de tempos, alis, j superados30

    .

    Em sntese uma pequena amostra do que foi a inquisio que ao longo do tempo

    sofreu grandes transformaes e na atualidade, especialmente em se tratando do Brasil,

    temos um sistema acusatrio judicirio formado por partes, o ru no considerado res,

    sistema de partes no qual figura o juiz como mediador, as partes formadas pelo promotor

    de justia como acusador e o defensor do acusado. A acusao parte de um princpio de

    inocncia do ru que ter todo direito ao contraditrio e ampla defesa, apenas ser

    considerado culpado depois do trnsito em julgado de sentena definitiva, sendo-lhe

    assegurados os direitos e garantias fundamentais da nossa Constituio Federal.

    Os resqucios inquisitoriais esto presentes atualmente em nosso ordenamento

    jurdico, por exemplo, a lei 11.690/0831

    que permite ao juiz determinar que se produzam

    provas antes de iniciada a ao penal. Em especial nosso estudo visa demonstrar a

    inquisio nos procedimentos administrativos na Polcia Militar do Estado de So Paulo,

    amparados pela lei complementar 893/01 SP32, tendo seu procedimento norteado pela I

    16 - PM33

    , destarte identificamos um sistema inquisitrio onde a figura do investigador,

    acusador, julgador esto presentes na Autoridade do Presidente do Procedimento

    29

    OLIVEIRA, j citado, p. 11. 30

    OLIVEIRA, j citado, p. 11. 31

    OLIVEIRA, j citado, p. 11. 32

    Regulamento Disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo, j citado. 33

    I 16 PM, j citado.

  • 13

    Disciplinar que ao final, pode absolver ou condenar, nesta opo com penas restritivas de

    liberdade.

    5 INQUISIO, LEGADO CULTURAL

    A ao da inquisio era muito temida tambm aqui no Brasil, o temor gerava um

    comportamento com pouca participao e opinies pessoais. Esse comportamento ainda

    persiste em nossa sociedade influenciando diretamente no desenvolvimento das pessoas,

    como a falta de atitudes, de participao e criao cientfica ou cultural, ou quando ocorre

    de forma tmida, assim pensa tambm Oliveira:

    O ambiente de delao que existiu durante a Inquisio no perodo colonial

    parece refletir no medo que a grande maioria do povo brasileiro tem ao ser

    solicitado a se posicionar diante de uma questo comprometedora. comum

    ouvir a resposta: no sou a favor nem contra, muito pelo contrrio! O povo

    brasileiro, em sua grande maioria, no quer ser testemunha de nada, no quer se

    responsabilizar por nenhum tipo de reivindicao nem se comprometer com

    causas sociais.34

    Essa herana influencia no s o desenvolvimento dos componentes da sociedade,

    mas tambm a estrutura e forma de governo, pois nossos representantes so pessoas da

    prpria sociedade e escolhidas pelo povo. Destarte o atraso tecnolgico e cientfico se

    pauta na falta de posicionamento dos cidados em todos os nveis e cargos da sociedade,

    comum vermos decises importantes serem proteladas em todos os poderes, o temor em

    desagradar, um legado cultural da inquisio.

    O posicionamento neutro, falta de decises firmes, o medo de incomodar, de criar,

    de ter atitudes firmes e inovadoras que esto insertos na sociedade, so resqucios do

    legado cultural inquisitivo, basta prestarmos ateno e logo notamos. Se compararmos com

    outros pases a postura social de estmulo criao completamente oposta, a exemplo da

    34

    OLIVEIRA, Edgard Otaclio da Silva. A INFLUNCIA DOS PROCESSOS INQUISITORIAIS NA

    FORMAO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO. Disponvel em:

    http://tede.est.edu.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2010-03-08T124648Z-175/Publico/oliveira_eos_tmp100.pdf,

    acesso em 20 de agosto de 2012, p. 39, 40.

  • 14

    frase que existe na parede da entrada do Teatro Municipal de Lion, na Frana: ande seus

    passos por onde ningum andou. Pense suas palavras por onde ningum pensou 35.

    comum notarmos na mdia, quando entrevistadas, a falta de posicionamento das

    pessoas, sempre ouvimos o jornalista aludir aps o silncio do entrevistado que este est

    pautado na lei do silncio36, no lei, uma ameaa imposta por criminosos, as pessoas

    no testemunham por medo. At mesmo em situaes de melhoria social, o

    posicionamento, solicitao ou mesmo apario dos cidados mnimo, esse

    comportamento no um regra geral, mas ocorre em grande frao de nossa sociedade em

    todas as camadas sociais. Nossos legisladores tambm sofrem essa influncia, nossos

    Cdigos de Processo Penal e Penal Militar possuem muito contedo inquisitivo. Assim

    define Oliveira:

    As Leis brasileiras sempre so criadas com o intuito de agradar a todos. O

    sistema de poder sempre tende a ser favorvel a todas as tendncias. Essa era

    uma condio de vida durante a Inquisio, pois era muito perigoso ter inimigos

    que poderiam promover uma denncia annima. Todos parecem ter pavor de

    serem flagrados num deslize ou cair no ridculo. O deslize sempre foi objeto de busca da inquisio.

    37

    O legado cultural que recebemos como herana da inquisio influencia nossas

    decises em todos os nveis e classes sociais, desde o mais singelo cidado at a mais alta

    autoridade do pas. As tendncias de falta de posicionamento firme, de cobrar seus direitos,

    at mesmo a corrupo, so legados que esto enraizados em nossa sociedade. Podemos

    analisar culturalmente a corrupo em nosso pas e chegar concluso que reflexo da

    inquisio, nossos antepassados no podiam cobrar seus direitos, tinham medo de serem

    perseguidos, assim a maneira que encontravam era burlar o sistema, fazer as escondidas, o

    famoso jeitinho brasileiro muito comum ouvirmos expresses populares rouba mas

    faz.

    A corrupo que se apresenta como um jeitinho brasileiro parece ter sido institucionalizada pelo povo que generaliza a prtica atravs das expresses:

    todo mundo tem um preo, ou todos que chegam ao poder tambm vai se tornar um corrupto!. Acreditamos que o jeitinho e a malandragem, to

    35

    Oliveira, autor j citado, p. 40. 36

    AGENDA Brasil. Medo do trfico do Rio impe lei do silncio em favela. Disponvel em:

    http://www.abril.com.br/noticias/brasil/medo-trafico-rio-impoe-lei-silencio-favela-506787.shtml, acesso em

    11 de outubro de 2012. P. 1. 37

    Oliveira, autor j citado, p. 41.

  • 15

    condenados em outros pases, tiveram origem na forma do ser humano dividido

    que sempre viveu tentando enganar o sistema. Parece que nasceu no Brasil um

    meio termo entre o certo e o errado38

    .

    Neste contexto, restam-nos iniciativas individuais que rompam o paradigma,

    desprezando a herana cultural inquisitiva, o que evidentemente associados a outros

    fatores, com incentivo educao, promover os desenvolvimentos social, cultural e

    econmico em nossa nao.

    5.1 INFLUNCIA INQUISITORIAL EM NOSSAS LEIS

    Embora a nossa Constituio Federal assevera em seu artigo 1 A Repblica

    Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do

    Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como

    fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana39; notamos a inquisio ainda em nosso

    ordenamento jurdico, segue nossa linha de entendimento Flores40

    :

    A recente alterao do cdigo de processo penal introduzida pela Lei n

    11.690/08 reafirma o princpio fundante do sistema inquisitivo, deixando nas

    mos do juiz a gesto da prova. Busca-se demonstrar a necessidade de se

    garantir o sistema acusatrio - pressuposto do Direito Penal da Modernidade como a melhor maneira de se garantir a imparcialidade e a estrutura dialtica do

    processo, tratando o acusado como sujeito de direitos41

    .

    Nosso estudo est voltado para os procedimentos administrativos de natureza no

    exclusria da Polcia Militar do Estado de So Paulo, entretanto, uma sntese contextual

    faz-se necessria para que o leitor melhor entenda os sistemas inquisitivo e acusatrio,

    salientando que o sistema acusatrio consiste em partes, tem um promotor que acusa, um

    juiz que julga, um defensor, ru, testemunhas e outros. O sistema acusatrio ainda respeita

    o juiz natural, que aquele que trabalha na comarca, havendo mais de um ser distribudo

    o processo por sorteio no podendo haver impedimentos pelo juiz, quer por motivos de

    38

    Oliveira, autor j citado, p. 42. 39

    CONSTITUIO FEDERAL. Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a

    colaborao de Luiz Roberto Curia, Livia Cspedes e Juliana Nicoletti. 13. Ed. atual. e ampli. So Paulo : Saraiva, 2012, p. 7. 40

    FLORES, Marcelo Marcante. Apontamentos Sobre os Sistemas Processuais e a Incompatibilidade (lgica)

    da Nova Redao do Art. 156 do Cdigo de Processo Penal com o Sistema Acusatrio. Disponvel em:

    http://www.potteremarcante.com.br/apontamentos_sobre_os_sistemas_processuais_e_a_incompatibilidade_l

    ogica_da_nova_redacao_do_art_156_do_CPP.pdf, acesso em 21 de agosto de 2012, p.1. 41

    Flores, autor j citado, p. 1.

  • 16

    foro ntimo, parentesco, amizade, inimizade entre outros, garantindo-se assim um

    julgamento justo. Flores define bem os dois sistemas:

    Portanto, o sistema acusatrio predomina naqueles pases que tem maior respeito

    pela liberdade individual, possuindo uma slida base democrtica. O sistema

    inquisitrio, por outro lado, predomina historicamente em pases onde vigora

    maior represso, caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo. O processo

    inquisitivo busca fortalecer a hegemonia estatal em detrimento dos direitos

    individuais, sendo utilizado como um instrumento de represso42

    .

    Desta forma podemos concluir que nosso sistema acusatrio para atender a

    evoluo social e cultural, deve sofrer a atualizao dos procedimentos, de forma que, na

    falta de subsdios necessrios para o julgador formar sua convico, a lei deve definir o

    procedimento, ou seja, caber ao rgo acusador pedir novas diligncias ou percias assim

    que o juiz fundamente a falta de elementos convectivos, um terceiro juiz com funo

    especfica determinaria a busca de provas ou o que mais precisar, assim o sistema

    permaneceria acusatrio tanto para a sociedade quanto para o jus puniendi do Estado.

    5.2 LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL COM PENA RESTRITIVA DE LIBERDADE

    Com respeito a Lei Complementar Estadual 893/0143

    , taxativamente possui

    sanes penais restritivas de liberdade, a Constituio Federal44

    assevera em seu art. 22.

    Compete privativamente unio legislar sobre: I direito civil, comercial, penal,

    processual, eleitoral, agrrio, martimo, aeronutico, espacial e do trabalho45, destarte

    observando as penas restritivas de liberdade impostas aos Policiais Militares do Estado de

    So Paulo, numa comparao anloga define-se como lei penal, esto dispostas, como

    relacionadas as autoridades competentes de acordo com o posto com poder de sentenciar

    at 20 dias de restrio de liberdade, asseverado em lei complementar estadual, como

    segue:

    42

    FLORES, j citado, p. 2. 43

    RDPM, j citado. 44

    Constituio Federal, Obra j citada, p.17. 45

    Constituio Federal, obra j citada, p. 17.

  • 17

    Artigo 32 - O Governador do Estado competente para aplicar todas as sanes

    disciplinares previstas neste Regulamento, cabendo s demais autoridades as

    seguintes competncias: - ao Secretrio da Segurana Pblica e ao Comandante

    Geral: todas as sanes disciplinares exceto a demisso de oficiais; II - ao

    Subcomandante da Polcia Militar: as sanes disciplinares de advertncia,

    repreenso, permanncia disciplinar, deteno e proibio do uso de uniformes

    de at os limites mximos previstos; III - aos oficiais do posto de coronel: as

    sanes disciplinares de advertncia, repreenso, permanncia disciplinar de

    at 20 (vinte) dias e deteno de at 15 (quinze) dias; IV - aos oficiais do

    posto de tenente-coronel: as sanes disciplinares de advertncia, repreenso e

    permanncia disciplinar de at 20 (vinte) dias; V - aos oficiais do posto de

    major: as sanes disciplinares de advertncia, repreenso e permanncia

    disciplinar de at 15 (quinze) dias; VI - aos oficiais do posto de capito: as

    sanes disciplinares de advertncia, repreenso e permanncia disciplinar de

    at 10 (dez) dias46

    .

    Como podemos observar na citao direta do artigo 32 do RDPM, as penas

    restritivas de liberdade podem ser aplicadas desde o comandante de uma Companhia PM,

    at o governador do Estado. Note-se que o comandante de uma Companhia PM pode

    aplicar pena restritiva de liberdade de at 10 dias. Como o artigo 22 da Constituio

    Federal47

    taxa como competncia privativa da Unio legislar sobre matria penal, no

    podemos deixar de reconhecer que o Regulamento Disciplinar da Polcia Militar do Estado

    de So Paulo uma lei complementar estadual, e prev penas restritivas de liberdade,

    constituindo flagrante desrespeito Constituio Federal.

    Contudo, sendo o Regulamento Disciplinar da Polcia Militar do Estado de So

    Paulo, uma lei complementar estadual, versa sobre direito administrativo militar, no obsta

    compararmos a sano administrativa restritiva de liberdade, com lei penal, pois como

    esto previstas no Artigo 32 do RDPM, embora com nomenclatura diferente, mas a

    permanncia restringe a liberdade do infrator, a pena deve ser aplicada com a finalidade de

    reeducar, contudo a banalizao das penas enfraquece o sistema. O excesso de leis penais

    prejudicial basicamente por dois motivos: fere o princpio do direito penal da ltima ratio

    e banaliza o prprio direito penal e com isso, o enfraquece, tirando-lhe a credibilidade48.

    A sano restritiva de liberdade deve ser a ltima alternativa do legislador para o

    controle social, a restrio de liberdade fere Princpio Constitucional,

    46

    REGULAMENTO Disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo. LEI COMPLEMENTAR N

    893, DE 09 DE MARO DE 2001. Disponvel em:

    http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei%20complementar/2001/lei%20complementar%20n.893,%

    20de%2009.03.2001.htm, acesso em 21 de agosto de 2012. 47

    Constituio Federal, obra j citada, pg 17. 48

    ROBALDO, Jos Carlos de Oliveira. Banalizao do Direito Penal. Disponvel em:

    http://www.douradosagora.com.br/noticias/opiniao/banalizacao-do-direito-penal-jose-carlos-de-oliveira-

    robaldo, acesso em: 14 de outubro de 2012.

  • 18

    a priso ou qualquer tipo de sano penal, ainda que autorizada pelo

    ordenamento jurdico, at mesmo, pela Lei Maior, no deixa de ser agressiva ao

    ser humano, isto , um mal que atinge os direitos fundamentais. Da a afirmao

    de que o Direito Penal o "direito da ltima ratio", o que significa que, em sendo

    possvel o controle ou a tutela do bem jurdico por outro ramo do direito, no se

    deve lanar mo desse instrumento49

    .

    Portanto, uma conduta simples, como chegar atrasado, encontra guarida no

    RDPM para cercear a liberdade, pois, considerada falta grave, e comina sano

    administrativa restritiva de liberdade.

    5.3 PROPOSTA DE MUDANA NO RDPM

    O Conselho Nacional de segurana pblica do Ministrio da Justia, CONASP

    MJ, adstrito s suas atribuies reconhece que a hierarquia e disciplina so elementos

    essenciais para o controle das Polcias Militares Estaduais e do Distrito Federal, no

    entanto, preservar a hierarquia e disciplina com penas restritivas de liberdade, fere

    Princpios Constitucionais, para garantir a aplicabilidade dos mandamentos de nossa Lei

    Maior, o CONASP MJ elaborou a resoluo Recomendao 012, de 20 de abril de

    201250, solicita que os estados membros e o Distrito Federal retirem de seus regulamentos

    as sanes administrativas restritivas de liberdade.

    O CONASP MJ atravs dessa recomendao reconhece as injustias praticadas

    contra os Policiais Militares e tambm o reflexo que isso ocasiona no exerccio de suas

    funes, um policial que sofre sanes restritivas de liberdade, com a premissa de

    reeducar, aplica-lhe sempre a ultima ratio, ignorando o que a nossa Lei Maior estabelece, a

    liberdade regra e a priso a exceo. Ademais fere o princpio da igualdade, pois os

    cidados tem o devido processo legal no sistema acusatrio, sistema de partes, onde o ru

    jamais fica sem defensor e na maioria dos crimes infinitamente maiores que uma simples

    transgresso disciplinar o cidado infrator pode fazer a composio e findar o processo.

    Essa desproporcionalidade provoca um desequilbrio e no h a menor

    possibilidade de retirar comportamentos desviados da instituio, destarte acertadamente o

    Ministrio da Justia recomendou e o nosso Deputado Estadual Major Olmpio est

    49

    ROBALDO, autor j citado. 50

    Gomes,Olmpio. Moo 37, de 2012. Disponvel em:

    http://www.al.sp.gov.br/portal/site/Internet/ListaProjetos?vgnextoid=b45fa965ad37d110VgnVCM10000060

    0014acRCRD&tipo=6, acesso em 22 de agosto de 2012.

  • 19

    apelando ao governador para emendar a Constituio Estadual e corrigir este desrespeito

    nossa Lei Maior, proporcionando maiores condies de sade mental e dignidade da

    pessoa humana ao policial para que este entenda que a priso exceo e no cometa

    arbitrariedades durante o seu desempenho profissional influenciado pelos reflexos

    inquisitivos que sofre administrativamente.

    As punies administrativas restritivas de liberdade foram introduzidas nos

    regulamentos das Polcias Militares e corpos de Bombeiros militares com amparo do

    Decreto Lei 667/6951

    recepcionado em parte pela nossa Constituio Cidad, este deve ser

    alterado para que os legisladores estaduais promovam o respeito aos Direito Humanos em

    todos os nveis da sociedade, em especial queles que cuidam da sociedade. Assim

    recomenda o Ministrio da Justia:

    RECOMENDAO 012 , DE 20 DE ABRIL DE 2012. (...) Considerando o parecer elaborado pela Cmara Tcnica, Instituies Policiais do CONASP, recomenda o fim das penas privativas e restritivas de liberdade para punies de

    faltas disciplinares52

    .

    Notamos inicialmente a preocupao do Ministrio da Justia em promover uma

    polcia mais justa, quer no mbito interno quer como reflexo no mbito externo, ou seja,

    nos servios prestados, assim como forma de desfazer esse mal, o governo federal toma as

    seguintes medidas:

    1 - O Pleno do CONASP recomenda: 1.1 - ao Ministrio da Justia que adote

    junto Presidncia da Repblica e Congresso Nacional, as providncias

    necessrias reviso do Decreto-Lei 667/69, a fim de vedar a pena restritiva e

    privativa de liberdade para punies de faltas disciplinares no mbito das

    Polcias e Corpos de Bombeiros Militares, alterando o seu artigo 1853

    .

    A preocupao do Governo Federal com a dignidade da pessoa humana do

    Policial e Bombeiro Militar est explcita na citao, na qual notamos que a primeira

    providncia vem do Governo Federal propondo a alterao do artigo 18 do Decreto - Lei

    51

    DECRETO-LEI N 667, DE 2 DE JULHO DE 1969. Disponvel em:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0667.htm, acesso em 24 de agosto de 2012. 52

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada. 53

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada.

  • 20

    667/69; ademais o Artigo 18 do Decreto Lei 667/69 As Polcias Militares sero regidas

    por Regulamento Disciplinar redigido semelhana do Regulamento Disciplinar do

    Exrcito e adaptado s condies especiais de cada Corporao54. Dessarte foram

    institudas sanes disciplinares com penas restritivas de liberdade semelhana do que

    ocorre no Exrcito Brasileiro.

    A segunda providncia do CONASP MJ foi cientificar e orientar os Estados

    Membros e o Distrito Federal para que encaminhem s suas Assembleias Legislativas e

    Cmara Distrital a recomendao para alterar os regulamentos das Polcias Militares e dos

    Corpos de Bombeiros Militares, como descrito adiante:

    1.2 Aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal que adotem em seus respectivos entes federados, enviando s Assembleias Legislativas/Cmara

    Distrital, projetos de Lei alterando os regulamentos disciplinares, extinguindo a

    pena restritiva de liberdade em conformidade com o sugerido para a alterao do

    Art. 18 do Decreto Lei n 667/6955

    .

    Notamos grande preocupao para com a dignidade da pessoa humana do Policial

    Militar, tratar com dignidade aquele que ir trabalhar na preservao da ordem pblica

    fundamental, no admissvel termos um comportamento que fere a nossa Lei Maior

    dentro das Instituies Militares Estaduais e querer que estes prestem servios respeitando

    a Constituio Federal, trata-se de uma contradio desumana que poderia ser objeto de

    estudo de psiquiatras, psiclogos e cientistas sociais, pois, o policial alm de ser humano,

    antes de tudo, fruto da sociedade, apenas desempenha uma profisso de preservao da

    ordem pblica, por isso no poder ser considerado res, necessita ter todos os seus direitos

    fundamentais respeitados.

    Assim sugere o CONASP MJ que sejam retirados dos regulamentos as punies

    disciplinares com penas restritivas de liberdade, intertextualizando a frase do astronauta

    Neil Armstrong56

    , um pequeno passo para o CONASP MJ, um grande salto para os

    Policiais Militares e Bombeiros Militares Estaduais. Assevera ainda o CONASP MJ:

    2 - Sugerir que o artigo 18 do Decreto-Lei 667/69 passe a vigorar com a seguinte

    redao: Art.18 - As polcias e Corpos de Bombeiros Militares sero regidos por Regulamento Disciplinar estabelecidos em Lei Estadual especfica,

    54

    Decreto Lei 667/69, j citado, artigo 18. 55

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada. 56

    GALOPIM, NUNO. Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade. Disponvel

    em: http://www.dn.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1312455, acesso em 24 de agosto de 2012.

  • 21

    respeitadas as condies especiais de cada corporao, sendo vedada pena

    restritiva de liberdade para as punies disciplinares, e assegurada o exerccio da

    ampla defesa e o direito ao uso do contraditrio57

    .

    clara a preocupao em retirar dos regulamentos disciplinares das Polcias

    Militares Estaduais as penas restritivas de liberdade, dever tambm assegurar o direito do

    contraditrio e a ampla defesa, pois a Smula Vinculante numero 5 assevera a falta de

    defesa tcnica por advogado no processo administrativo disciplinar no ofende a

    Constituio58, esta Smula precisa ser revisada ou revogada pois, autodefesa no ampla

    defesa, apenas uma frao desta, como veremos mais adiante.

    A leitura serena e atenta dos citados artigos do RDPM [21 e 22] deixa

    induvidoso que tanto a permanncia disciplinar, quanto a deteno disciplinar so

    penas restritivas de liberdade59, assim esperamos que mudanas sejam realizadas para

    corrigir esse impasse Constitucional, e que nossos legisladores lembrem-se de que

    necessrio ser ofertar mais justia e dignidade para os Militares Estaduais, e no

    aproveitar a oportunidade de reviso e elaborar emendas que o tornem mais severo como

    ocorreu em 2001, quando da elaborao do novo regulamento que foi contemplado com

    artigos sancionadores abertos em latu senso o que deixa o militar praticamente sem defesa,

    o que tambm veremos adiante. Segue a minha linha de pensamento moo 3760

    :

    constata-se, desse modo, que at mesmo um facnora pode livrar-se do

    cumprimento de uma pena restritiva de liberdade, sendo assim curioso

    observar que os artigos 17 e 20 do RDPM estabeleam as sanes de

    permanncia disciplinar e de deteno, evidentes sanes restritivas de liberdade, destacando-se que esta ltima, sequer previu a possibilidade de uma

    sano alternativa61.

    Com este distanciamento entre os benefcios concedidos aos civis infratores da lei

    e as imposies inquisitivas muitas vezes sem defesa tcnica impostas ao Militar Estadual,

    cominando penas de restrio de liberdade e alterao na folha de comportamento, nada

    mais justo atender a recomendao do CONASP-MJ, o Deputado Estadual Major Olmpio

    prope:

    57

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada. 58

    Vade Mecum, obra j citada, p. 1811. 59

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada. 60

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada. 61

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada, p. 3.

  • 22

    A ASSEMBLIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SO PAULO apela ao

    Excelentssimo Senhor Governador do Estado, a fim de que, em conformidade

    com a Recomendao n 012, de 20/04/2012, do Conselho Nacional de

    Segurana Pblica do Ministrio da Justia - CONASP/MJ, envie a esta Casa de

    Leis mensagem contendo projeto de lei complementar visando a alterao de

    disposies do Regulamento Disciplinar da Polcia Militar (RDPM), institudo

    pela Lei Complementar n 893, de 09/03/2001, retirando-lhe as atuais penas

    restritivas de liberdade aplicadas como punies disciplinares pelo cometimento

    de transgresses das normas legais e regulamentares da Instituio militar

    estadual. Sala das Sesses, em 9-5-201262

    .

    Destarte concluo, as mudanas esto ocorrendo aos poucos, com grande

    satisfao que teremos um tratamento digno aos nossos policiais, pois como alhures na

    moo, infratores comuns tm suas penas restritivas de liberdades suspensas ou

    substitudas por servios comunidade, o que uma dicotomia desleal e injusta para com

    aqueles que lutam pela paz social.

    6 O PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA AMPLA DEFESA

    Embora seja um procedimento disciplinar administrativo, os procedimentos de

    natureza no exclusria da Polcia Militar do Estado de So Paulo prev de acordo com a

    infrao administrativa praticada, sanes com penas restritivas de liberdade. Assim no

    podemos deixar ou permitir que a liberdade de um policial seja cerceada por falta do

    contraditrio e da ampla defesa. Assevera o artigo 5 da Constituio Federal caput:

    Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se

    aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito

    vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

    LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

    geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a

    ela inerentes63

    .

    Acertadamente a nossa Constituio garante o direito ao contraditrio e a ampla

    defesa, esses princpios foram absorvidos da Declarao Universal dos Direitos Humanos64

    em seu artigo 10, nmero 1:

    62

    CONASP MJ apud Moo 37, j citada, p. 3. 63

    Constituio Federal, obra j citada, p. 7 e 10. 64

    DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela resoluo 217

    A (III) da Assembleia Geral das Naes Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponvel em:

    http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm, acesso em 25 de agosto de 2012.

  • 23

    1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida

    inocente at que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em

    julgamento pblico no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias

    necessrias sua defesa65

    .

    Assim o direito administrativo militar, quando da acusao de um militar pela

    prtica de uma transgresso, ao menor indcio presume-se culpado o ru, pois, a autoridade

    acusa-o de ter cometido tal fato, e de forma inquisitiva aquele que acusa ir reunir provas,

    apreciar contestar ou refutar as provas ou pedidos que sero alegados pelo ru, a denncia

    j est feita no momento que oficializa com a expresso acuso, e depois de reunidos os

    elementos e prazos sentenciar o militar.

    A nossa Constituio incorporou pactos de Direitos Humanos Internacionais, mas

    com uma caracterstica mais evoluda e garantindo assim com maior amplitude os direitos

    fundamentais dos acusados em geral. Alexandre de Moraes66

    atribui essa evoluo

    justamente porque a Constituio menciona expressamente ao devido processo legal67 o

    que garante aos acusados em geral maiores garantias e efetivao de seus direitos,

    compactua desse pensamente o autor citado acima:

    O devido processo legal configura dupla proteo ao indivduo, atuando tanto no

    mbito material de proteo ao direito de liberdade, quanto no mbito formal, ao

    assegurar-lhe paridade total de condies com o Estado-persecutor e plenitude de

    defesa (direito a defesa tcnica, publicidade do processo, citao, de

    produo ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos

    recursos, deciso imutvel, reviso criminal)68

    .

    Como exposto, o devido processo legal tem uma base slida fulcrada no

    contraditrio e a ampla defesa, no admitindo as excees aos procedimentos

    administrativos, principalmente os, in casu, por possurem como sanso, penas restritivas

    de liberdade, o que coaduna respeitarmos os direitos fundamentais da pessoa humana, pois,

    o militar do Estado como alhures no res, assim devem ter garantidos os seus direitos

    como os acusados em geral.

    Quando a Constituio menciona o devido processo legal, entenda-se cumprir

    todos os ritos, ou seja, alm do contraditrio e a ampla defesa, fica obrigada a autoridade

    65

    DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, obra j citada. 66

    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional / Alexandre de Moraes. 28. Ed. So Paulo : Atlas 2012, p. 111. 67

    MORAES, Alexandre de. J citado, p. 111. 68

    MORAES, Alexandre de. J citado, p. 111.

  • 24

    informar ao acusado o direito de permanecer calado, de aconselhar-se com um advogado,

    de constituir defensor tcnico, pois, o que assevera a Smula Vinculante nmero 569

    ,

    contradiz alhures, porque a autodefesa apenas uma frao da ampla defesa, o que

    notrio e explcito queles que fazem uma interpretao hermenutica, pois, a Lei maior

    assevera o direito ao devido processo legal, ao contraditrio e a ampla defesa, sendo esta

    inquestionavelmente elaborada por profissional habilitado, a ampla defesa jamais poder

    ser entendida como sinnimo da autodefesa elaborada pelo prprio militar, pois este no

    tem conhecimento tcnico para elabor-la, comunga desse pensamento o Promotor

    Bechara70

    .

    A ampla defesa, por sua vez, abriga em seu contedo o direito a autodefesa, o direito a

    defesa tcnica e o direito a prova, que o direito de se defender provando. O direito a

    autodefesa abrange o direito a audincia ou de ser ouvido, o direito de presena nos atos

    processuais, o direito ao silncio e o direito de se entrevistar com o advogado. J o direito

    a defesa tcnica engloba tanto a defesa exercida pelo defensor constitudo, como a

    exercida pelo defensor dativo e o defensor ad hoc71.

    notria a necessidade da substituio do sistema inquisitivo nos procedimentos

    militares de natureza no exclusria pelo sistema acusatrio, pois aquele sistema incorre

    em impedimentos pela suspeio quer por amizade, quer por antipatia ente outros motivos,

    tambm entende o sistema acusatrio como garantidor do cumprimento do devido processo

    legal o Promotor Bechara:

    O mais importante princpio do sistema acusatrio (separao orgnica entre o rgo

    acusador e o rgo julgador), tambm conhecido pelo nome de princpio da

    bilateralidade da audincia, consiste, em resumo, na possibilidade das partes, em

    igualdade de condies, praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do

    juiz. Atinge, tambm, a necessidade de cientificao da parte contrria, dos atos

    praticados por uma delas, por isso chamado, pelos doutos, como o princpio que

    consagra o binmio: cincia e participao72.

    Assim no sistema inquisitivo no h bilateralidade das partes, o acusador o

    julgador, ficando este adstrito ao ru, quer por trabalhar com ele, quer por deix-lo sob

    69

    Smulas Vinculantes, Vade Mecum, obra j citada, p. 1811.

    70 BECHARA, autor j citado, p. 1.

    71 BECHARA, autor j citado, p. 1.

    72 BECHARA, autor j citado, p. 1.

  • 25

    suas vistas no servio interno. Portanto, a suspeio fato, no h dvida do impedimento

    daquele que comanda diretamente o policial, pois, embora quem julgue seja a autoridade e

    in tese est despida da condio pessoal, de toda sorte ao acus-lo, julg-lo e sentenci-lo,

    o princpio do juiz natural est ferido, no h imparcialidade, assim o devido processo

    legal est prejudicado.

    7 CERCEAMENTO DE DEFESA

    O cerceamento de defesa ocorre quando o acusado privado dos seus direitos,

    analisamos in casu as possibilidades de a administrao militar cometer cerceamentos de

    defesa quando da elaborao de procedimentos de natureza no exclusria. Como

    salientado no ttulo anterior, o devido processo legal, o contraditrio e a ampla defesa

    formam uma trade importantssima na defesa do acusado. Qualquer descumprimento ou

    inobservncia de algum dos elementos constituintes da triarquia importa no cerceamento

    da defesa e na consequente anulao da sentena final, analisado sob o enfoque legal do

    sistema inquisitivo administrativo, o ltimo recurso dever ser encaminhado ao TJMSP. O

    descumprimento do devido processo legal denota violao dos Princpios garantidos pela

    Carta Magna, especialmente em seu artigo 5, XXXV - a lei no excluir da apreciao do

    Poder Judicirio leso ou ameaa a direito73, assim se algum direito fundamental for

    desrespeitado, como alhures, o militar dever recorrer ao judicirio.

    No estudo estamos adstritos ao Direito Administrativo Militar Estadual, de toda

    sorte o litigante prejudicado, especificamente o militar estadual, ter depois de esgotadas as

    vias administrativas, se ratificada em todas as instncias hierrquicas e sobrevir a

    condenao, poder recorrer ao judicirio, em especial a Segunda Auditoria do Tribunal de

    Justia Militar do Estado de So Paulo74

    , para anlise de vcios, no caber ao magistrado

    apreciao do mrito.

    73

    CONSTITUIO FEDERAL, Vade Mecum, obra j citada, p. 9. 74

    CONSTITUIO FEDERAL, Vade Mecum, obra j citada, P. 47.

  • 26

    7.1 DIREITO DE PERMANECER CALADO

    O Estado Democrtico de Direito atual no coaduna com o autoritarismo, dessarte

    os processos necessitam de uma base de sustentao Constitucional. As legislaes

    infraconstitucionais ou aquelas que derivam de leis estaduais ou Federal, tendo fora de

    normas ou regimentos internos de algumas instituies, precisam antes se ser aplicadas,

    principalmente as que foram elaboradas antes da Constituio atual, a anlise quanto sua

    recepo.

    Nosso sistema judicial penal o acusatrio, formado por partes e um terceiro

    imparcial, o Juiz, assim o magistrado precisa ter caractersticas imparciais e ser um juiz

    verossimilhante sociedade em que atua. Sua atuao na audincia far-se- pela conduo

    e articulao do pleito e decidir com fundamentao. Entende desta forma tambm o

    processualista Pacelli:

    Atingindo um dos grandes pilares do processo penal antigo, qual seja, o dogma da verdade real, o direito ao silncio, ou a garantia contra a autoincriminao,

    no s permite que o acusado ou aprisionado permanea em silncio durante

    toda a investigao e mesmo em juzo, como impede que ele seja compelido compulsoriamente, portanto a produzir ou a contribuir com a formao da prova contrria ao seu interesse

    75.

    Desta forma notamos que o Cdigo de Processo Penal Militar em seu Art. 305,

    assevera que antes de iniciar o interrogatrio, o juiz observar ao acusado que, embora no

    esteja obrigado a responder s perguntas que lhe forem formuladas, o seu silncio poder

    ser interpretado em prejuzo da prpria defesa76, no foi recepcionado pela Constituio

    de 1988, pois, o juiz cientificar que o silncio implica em prejuzo a sua prpria defesa.

    Observar as normas constitucionais no s reflete o respeito a uma sociedade evoluda,

    como tambm, neste caso, o seu descumprimento, tratando-se de policial estadual, ter

    reflexos inquisitrios na sua atuao profissional, ou seja, poder condicion-lo a ser um

    policial inquiridor que no respeitar os direitos fundamentais dos cidados. Assim como o

    CPPM permanece quase imutvel desde a sua publicao anterior atual Constituio, no

    75 OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Autor j citado, p. 41.

    76 CDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. DECRETO-LEI N 1.002, DE 21 DE OUTUBRO DE

    1969. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1002.htm, acesso em 30 de agosto

    de 2012.

  • 27

    h que ouvidar ter contedos no recepcionados pela lei maior, apenas como uma pequena

    demonstrao segue uma pequena alterao do CPP ao tema em questo:

    O direito ao silncio deflui de regra constitucional prevista no art. 5, LXIII, da

    CF, e implicou a imediata revogao (implcita, por incompatibilidade) daquilo

    que dispunham o art. 186 (posteriormente revigorado pela Lei n 10.792/03) e o

    art. 198 do CPP, pela simples e bastante razo de no se poder atribuir qualquer

    forma de sano a que esteja no exerccio de um direito a ele assegurado em

    Lei77

    .

    De sorte que o CPP foi atualizado, porm o artigo 305 do CPPM est em

    dissonncia com a atual Constituio, e devemos ficar atentos quanto s normas internas,

    utilizadas para padronizar os procedimentos disciplinares de natureza no exclusria, como

    analisaremos posteriormente.

    7.2 O CONTRADITRIO

    Embora o procedimento administrativo de natureza no exclusria na Polcia

    Militar do Estado de So Paulo, seja um reflexo de uma sociedade totalitarista, ou seja,

    inquisitivo, onde o Presidente do Procedimento Disciplinar acumula os cargos de acusador

    (Promotor de Justia), investigador, julgador (aquele que aplicar a sano disciplinar

    restritiva de liberdade em caso de condenao e ter ainda todas as prerrogativas de um

    Juiz de Direito).

    Quando mencionamos o princpio do contraditrio como a garantia de

    participao no processo como meio de permitir a contribuio das partes para a formao

    do convencimento do juiz e, assim, para o provimento final almejado78. Notem que o

    autor refere-se contribuio das partes, mas no procedimento administrativo, no h

    partes, apenas a figura do inquisidor e o ru. Assim o acusado como sujeito hipossuficiente

    no tm paridades de armas contra o inquisidor, permanecendo o acusado como a parte

    mais fraca do procedimento e vulnervel a uma condenao, pois como alhures um

    procedimento inquisitivo e o presidente acumula vrias funes.

    Embora nos procedimentos administrativos aduzam a existncia do contraditrio,

    este na prtica no existe, basta uma pequena reflexo para entendermos que a paridade de

    77

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Autor j citado, p. 41. 78

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Autor j citado, p. 43.

  • 28

    armas faz parte do contraditrio, no procedimento alhures no existem partes, portanto, o

    acusado est em plena desvantagem e praticamente sem armas, a tudo isso, acrescento a

    subordinao, o medo que o acusado tem de contrariar seu superior hierrquico e a

    suspeio ftica, fatos que o colocam em uma condio hipossuficiente.

    7.3 A AMPLA DEFESA E PROCEDIMENTO

    A ampla defesa difere do contraditrio por este estar limitado participao, ou

    seja, a garantia de a parte poder impugnar no processo penal, sobretudo a defesa toda

    e qualquer alegao contrria a seu interesse, sem, todavia, maiores indagaes acerca da

    correta efetividade com que se exerce aludida impugnao79.

    Como aduzido, importantssimo que o militar no procedimento administrativo

    constitua um defensor, pois a ampla defesa tem requisitos, embora o estudo seja de

    procedimento administrativo, no obsta salientar que este pode cercear a liberdade do

    policial por um perodo de at 20 dias, portanto, pacfico o meu entendimento de acordo

    com o doutrinador Pacelli:

    O interrogatrio meio de defesa includo na denominada autodefesa, que consiste no desenvolvimento de qualquer ato ou forma de atuao em prol dos

    interesses da defesa, razo pela qual indispensvel a presena de um defensor

    para o ato. Naturalmente, a partir da Lei 11.719/08, que instituiu a concentrao

    dos atos instrutrios, a defesa sempre estar presente ao interrogatrio, j que se

    realiza aps a inquirio das testemunhas e peritos, na mesma audincia. Isso,

    como regra, claro80

    .

    Embora o que se estuda aqui, no seja a lei comum, mas o prprio Cdigo de

    Processo Penal Militar assevera em seu artigo 3:

    Art. 3. Os casos omissos neste Cdigo sero supridos: a) pela legislao de

    processo penal comum, quando aplicvel ao caso concreto e sem prejuzo da

    ndole do processo penal militar; b) pela jurisprudncia; c) pelos usos e costumes

    militares; d) pelos princpios gerais de Direito; e) pela analogia81

    .

    79

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Autor j citado, p. 44. 80

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Autor j citado, p. 45. 81

    CDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, lei j citada.

  • 29

    A regulamentao dos procedimentos para apurao de transgresso disciplinar

    feita pela I -16 PM82

    , no entanto no podemos deixar de analisar os cdigos de processo

    comum e militar, pois, na falta de amparo legal, em face das instrues e procedimentos

    das atribuies da I 16 PM, o processo nortear-se- pela lei comum, jurisprudncia, usos

    e costumes, princpios gerais de Direito ou a analogia.

    Assim o processo [] como um conjunto de atos preordenados a um fim, ou seja,

    a atividade exercida pelo juiz no exerccio da Jurisdio, sendo o procedimento seu aspecto

    puramente formal, o rito a ser impresso83. O procedimento tem que seguir um caminho,

    seguir um rito, implica a sua formalidade na sua validade:

    O procedimento no atividade que se esgota no cumprimento de um nico ato,

    mas requer toda uma srie de atos de uma srie de normas que os disciplinam,

    em conexo entre elas, regendo a sequncia de seu desenvolvimento. Por isso se

    fala em procedimento como sequncia de normas, de atos e de posies

    subjetivas84

    .

    Qualquer falha no procedimento implica em sua nulidade, o procedimento um

    ato contnuo, tem uma sequncia e a perfeita observncia dos atos e posies subjetivas

    dos atos antecedentes condio de possibilidade validade dos subsequentes85, logo,

    qualquer ato viciado no procedimento administrativo implica na nulidade dos atos que

    viro na sequncia e a nulidade do processo como um todo.

    Alm, da forma procedimental, o Presidente do Procedimento deve observar

    analogicamente, quando da sua convico pela sentena condenatria, o previsto na parte

    geral do Cdigo Penal:

    Artigo 59. O juiz, atendendo culpabilidade, aos antecedentes, conduta social,

    personalidade do agente, aos motivos, s circunstncias e consequncias do

    crime, bem como ao comportamento da vtima, estabelecer, conforme seja

    necessrio e suficiente para reprovao e preveno do crime: I as penas aplicveis dentre as cominadas; II a quantidade de pena aplicvel, dentro dos limites previstos; III o regime inicial de cumprimento da pena privativa de

    82

    I - 16 PM. INSTRUES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DA POLCIA MILITAR.

    Disponvel em: http://www.cdp.polmil.sp.gov.br/e107_plugins/content/saj/doctos/I_16_PM.pdf, acesso em

    30 de agosto de 2012. 83

    ROSA, Alexandre de Morais, SILVEIRA FILHO, Sylvio Loureno, apud JARDIM, Afrnio da Silva. Para

    um processo penal democrtico crtica metstase do sistema de controle social. Ed. Lumen Juris, 2008, p. 69. 84

    ROSA e Silveira Filho, apud Aroldo Plnio Gonalves, obra j citada, p. 74. 85

    ROSA e Silveira Filho, obra j citada, p. 75.

  • 30

    liberdade; IV a substituio da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espcie de pena, se cabvel

    86.

    Esses critrios devem ser observados, no direito administrativo militar, as normas

    da I 16 - PM87, como positivados nos artigos 61, 62, 63, 64, 65 e 66 do Cdigo Penal88,

    ou artigo 69 e seguintes do Cdigo Penal Militar89

    , para s ento com a devida

    fundamentao proferir a sentena administrativa com restrio de liberdade ao policial

    acusado.

    A no conformidade como alhures, implica em nulidade procedimental, assim

    esgotados os recursos administrativos, permanecendo a sentena condenatria, caber

    ainda recurso Segunda Auditoria do Tribunal de Justia Militar de So Paulo, de sorte

    que no ser analisado o mrito, mas eventuais vcios no procedimento, atos que praticados

    durante o procedimento e que constatado neste ltimo recurso importar na nulidade do

    procedimento como um todo.

    Portanto, a ampla defesa um conjunto de procedimentos, sendo a autodefesa

    uma frao daquela, e deve estar presente nos procedimentos administrativos de natureza

    no exclusria. Por sua vez este deve respeitar todos os ritos procedimentais taxados na I

    16 PM90

    , observando o Presidente do Procedimento alguma afronta Constitucional, dever

    utilizando-se desde outras normas at a analogia para sanar qualquer atentado contra o que

    dispe a Constituio Federal para no incorrer em abuso ou vcios que traro nulidades ao

    processo.

    8 A AUTODEFESA EXERCIDA PELO POLICIAL ACUSADO

    A autodefesa nos procedimentos administrativos, a meu ver, uma das maiores

    afrontas ao Direito Constitucional. A Constituio Federal prev em seu artigo 5, inciso

    LIV, ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal91, o

    devido processo legal como Princpio Constitucional, garante a todos, sem exceo, pois o

    86

    CDIGO PENAL. Vade Mecum, obra j citada, p. 515. 87

    I - 16 PM. INSTRUES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DA POLCIA MILITAR. J

    citada. 88

    CDIGO PENAL. Vade Mecum, obra j citada, p. 515 e 516. 89

    CDIGO PENAL MILITAR. DECRETO-LEI N 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. Disponvel

    em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm, acesso em: 15 de outubro de 2012. 90

    I - 16 PM. INSTRUES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DA POLCIA MILITAR. J citada. 91

    CONSTITUIO FEDERAL, Vade Mecum, obra j citada, p. 10.

  • 31

    artigo inicia com a palavra ningum, logo o policial militar algum, e no poder ter a

    sua liberdade cerceada sem o devido processo legal.

    Entendemos como devido processo legal aquele que est amparado por uma lei

    que dirija seu procedimento, a sua forma, sejam garantidos a ampla defesa, o contraditrio

    e respeitados todos os Princpios Constitucionais. A autodefesa uma parte da ampla

    defesa que se compe como um todo quando acrescentado a ela a defesa tcnica realizada

    por advogado. No coaduno com a autodefesa elaborada pelo acusado leigo e sem

    conhecimento especfico para realiz-la, salvo se o acusado for bacharel em Direito.

    Logo, o Regulamento Disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo92

    ,

    assemelha-se com o Cdigo Penal93

    , pois, tem penas restritivas de liberdade que podero

    ser aplicadas at um limite mximo de 20 dias, notem, nem mesmo facnoras, agressores

    entre outros criminosos condenados tero a sua liberdade cerceada por pena semelhante,

    muitos crimes so resolvidos pela transao penal e no ocorre o cerceamento da liberdade

    do ru. Destarte o policial militar vive em um mundo autoritrio em contraposio com o

    Estado Democrtico de Direito, o que certamente produzir efeitos extrainstitucionais

    quando da sua atuao com o pblico civil no exerccio do policiamento. Compactua do

    nosso entendimento quanto ao procedimento disciplinar com penas restritivas de liberdade

    Niemann:

    E se no bastasse apenas o argumento da equiparao entre procedimentos

    judiciais e disciplinares, lembramos que quando no procedimento disciplinar a

    conduta do agente enseja atos considerados de improbidade administrativa e de

    natureza penal, est revelada a complexidade do procedimento em face de

    exigncia de conhecimentos especficos que ultrapassam a possibilidade de

    autodefesa. Nessa hiptese, tendo o processo corrido sem a assistncia de um

    advogado, demonstra-se flagrante afronta ao princpio constitucional da ampla

    defesa94.

    Os conhecimentos especficos dos policiais para elaborar a autodefesa no so

    suficientes para um processo democrtico com base nos Princpios Constitucionais. A

    autodefesa como alhures uma frao da ampla defesa no suficiente para o equilbrio e a

    paridade de armas entre o jus puniendi do Estado e o acusado hipossuficiente.

    92

    CDIGO PENAL. Vade Mecum, obra j citada. 93

    CDIGO PENAL. Vade Mecum, obra j citada. 94

    NIEMANN, Marcos Antonio Botelho. Processo administrativo disciplinar e a autodefesa. Disponvel

    em: http://jus.com.br/revista/texto/12652/processo-administrativo-disciplinar-e-a-autodefesa, acesso em 31

    de agosto de 2012, p. 1.

  • 32

    Ademais a prpria Constituio Federal em seu artigo 133 assevera o advogado

    indispensvel administrao da justia, sendo inviolvel por seus atos e manifestaes no

    exerccio da profisso, nos limites da lei95, artigo que deu sustentao jurdica para a

    elaborao do Estatuto Da Ordem Dos Advogados do Brasil, Lei nmero 8.906 / 199496

    ,

    sendo inviolvel em seus atos promover uma defesa tcnica sem medo de represlias, ao

    contrrio como ocorre com os policiais que tm medo de contradizer nos autos por

    questes hierrquicas.

    A Smula 343 do Superior Tribunal de Justia assevera que obrigatria a

    presena de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar97, a

    Smula tem fora jurisprudencial e de Direito quando um colegiado reiteradamente decide

    de maneira semelhante ou idntica sobre determinado assunto. De entendimento

    semelhante sobre jurisprudncia bem ilustra o Professor Joo Francisco da Mota Jnior

    apud DE PLCIDO E SILVA extensivamente assim se diz para designar o conjunto de

    decises acerca de um mesmo assunto ou a coleo de decises de um tribunal98.

    Evidente que a Smula 343 do Superior Tribunal de Justia foi superada pela

    Smula Vinculante do Superior Tribunal Federal. A Smula Vinculante, fonte do Direito,

    foi introduzida em nosso sistema jurdico com a Emenda Constitucional nmero 45 de

    200499

    , citado sistema com modelo romano-germnico aos poucos caminha para o sistema

    de costumes, o nosso sistema jurdico est muito prximo do common Law, isto

    decorre das smulas, smulas vinculantes e decises de repercusso geral100, assim

    explicita a doutrina:

    A EC n 45 no adotou o clssico stare decisis, nem tampouco transformou

    nosso sistema de civil Law em common law , porm permitiu ao Supremo

    Tribunal Federal de ofcio ou por provocao, mediante deciso de dois teros

    95

    CONSTITUIO FEDERAL, Vade Mecum, obra j citada, p 49. 96

    ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Vade Mecum / obra coletiva de autoria

    da Editora Saraiva com a colaborao de Luiz Roberto Curia, Livia Cspedes e Juliana Nicoletti. J

    citado. 97

    SMULAS DO STJ, Vade Mecum, obra j citada, p. 1821. 98

    JUNIOR, Joo Francisco da Mota. A EXIGNCIA DE ADVOGADO NO PROCESSO

    ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR A nova Smula 343 do STJ e seus reflexos. Disponvel em:

    http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32607-39867-1-PB.pdf, acesso em 31 de agosto de

    2012, p. 2. 99

    CONSTITUIO FEDERAL, Vade Mecum, obra j citada, p 108. 100

    VALRIO, Fernando Salles. BINDEL, Srgio Carlos Ricardo. O Direito Fundamental da Razovel

    durao do Processo. Valrio e Bindel apud Barbosa. Disponvel em:

    http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=8137, acesso em: 15 de outubro de 2012, P. 9.

  • 33

    dos seus membros, aps reiteradas decises sobre matria constitucional, aprovar

    smula que, a partir de sua publicao na imprensa oficial, ter efeito vinculante

    em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica

    direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder

    sua reviso ou cancelamento, na forma estabelecida em lei101

    .

    Como bem define Alexandre de Moraes, renomado Constitucionalista, as Smulas

    Vinculantes aps a publicao tero efeitos vinculantes nos demais rgos do judicirio e

    em especial, em nossa administrao pblica estadual. Contudo, prevendo algum equvoco

    na elaborao das smulas vinculantes, dois anos aps e Emenda Constitucional nmero

    45, publica-se a lei 11.417/06102

    que regula a edio, reviso e cancelamento das smulas

    vinculantes.

    Especificamente ao direito administrativo militar, a smula vinculante nmero 5,

    precisa urgentemente ser revista, pois fere Princpios Fundamentais da Constituio,

    especialmente por no fazer resalvas no direito administrativo militar, que contra o modelo

    democrtico de direito, ainda persiste em aplicar sano disciplinar administrativa com

    restrio de liberdade. Assim a falta de advogado no processo administrativo militar com

    sano restritiva de liberdade fere a Constituio, alis, fere Princpios Constitucionais

    como alhures.

    O Supremo Tribunal Federal o guardio da Constituio Federal, qualquer

    controle de constitucionalidade ter que ser reportado a esta Corte, coaduna de meu

    pensamento Alexandre de Moraes103

    quando explicita que a funo precpua do Supremo

    Tribunal Federal de Corte de Constitucionalidade, com a finalidade de realizar o controle

    concentrado de constitucionalidade no Direito Brasileiro104, assim a smula vinculante

    nmero 5 dever ser revista pela Corte e ressalvada no mnimo, obrigando a presena de

    advogado nos procedimentos administrativos das Polcias Militares Estaduais,

    procedimentos que tem sanes administrativas restritivas de liberdade, portanto, o

    segundo maior princpio constitucional e adicionando a falta do devido processo legal.

    Destarte o policial militar jamais dever realizar sua autodefesa sob pena de

    autoincriminao, isso ocorrer na maioria dos casos como alhures, pois, a autodefesa

    101

    MORAES, autor j citado, p. 828. 102

    MORAES, autor j citado, p. 828. 103

    Moraes, autor j citado. 104

    Moraes, autor j citado, p. 574.

  • 34

    apenas uma frao da ampla defesa, porm, a administrao est amparada pela smula

    vinculante nmero 5, enquanto esta no for revisada, qualquer condenao por sano

    administrativa restritiva de liberdade no poder ser questionada pela falta da ampla

    defesa, pois, autodefesa apenas parte da ampla defesa, a falta de defesa tcnica promove

    a injustia pela diferena de paridades de armas, de um lado o jus puniendi do Estado e do

    outro o acusado hipossuficiente de conhecimentos tcnicos e recursos monetrios para

    elaborar sua autodefesa.

    8.1 OS RISCOS DA AUTODEFESA

    A autodefesa como alhures comporta apenas uma frao da ampla defesa, assim

    regido pelo Regulamento Disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo, RDPM105

    ,

    os policiais que realizam a sua prpria defesa, denominada autodefesa, considerada legal

    por fora da Smula Vinculante nmero 5106

    , exercem, portanto apenas uma frao da

    ampla defesa, assim descreve o Promotor Bechara:

    A ampla defesa, por sua vez, abriga em seu contedo o direito a autodefesa, o

    direito a defesa tcnica e o direito a prova, que o direito de se defender

    provando. O direito a autodefesa abrange o direito a audincia ou de ser ouvido,

    o direito de presena nos atos processuais, o direito ao silncio e o direito de se

    entrevistar com o advogado. J o direito a defesa tcnica engloba tanto a defesa

    exercida pelo defensor constitudo, como a exercida pelo defensor dativo e o

    defensor ad hoc107

    .

    Como bem define o autor supra, a autodefesa implica em um procedimento

    voluntrio do policial, no proibido por lei, tem guarida pela smula vinculante nmero 5,

    porm, conveniente que todos policiais que respondem a procedimentos disciplinares

    administrativos, tenham conscincia de que a autodefesa um risco para a sua liberdade. A

    autodefesa abriga em seu bojo apenas uma frao da ampla defesa, sem o conhecimento

    tcnico, o policial acaba condenado e perde a sua liberdade, princpio fundamental