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TEMAS LIVRES FREE THEMES 2533 1 Departamento de Farmácia, Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão. Rua Real da Torre 255A/202, Madalena. 50610-000 Recife PE. [email protected] A automedicação e os acadêmicos da área de saúde Self-medication and health academic staff Resumo Tendo em vista que a automedicação é um problema de saúde pública mundial, este arti- go teve como objetivo avaliar o comportamento dos futuros profissionais de saúde com relação à utilização de medicamentos, particularmente, à prática da automedicação. A amostra foi compos- ta por 223 estudantes da área de saúde de uma universidade pública no município do Recife, se- lecionados por partilha proporcional a cada curso. Foram feitos questionamentos sobre o uso de me- dicamentos, nos últimos quinze dias que antece- deram à coleta de dados. 65,5% dos entrevistados confirmaram ter feito uso de medicamentos nos últimos quinze dias, 42,3% por meio de uma pres- crição médica e 57,7% através da automedicação. Os medicamentos mais utilizados foram os anal- gésicos (24,0%) e as vitaminas (18,9%) e o motivo mais apontado foi a dor (30,5%). O consumo de medicamentos entre os estudantes universitários no município do Recife é elevado, mas encontra-se dentro dos parâmetros observados por outros estu- dos. Todavia, por se tratar de profissionais da área de saúde, esperava-se que o consumo fosse menor e mais racionalizado. Palavras-chave Utilização de medicamentos, Automedicação, Acadêmicos de saúde Abstract As self-medication is a worldwide prob- lem of public health, this article had as objective to evaluate the behavior of the future health pro- fessionals with regard to the drug utilization, par- ticularly, to the self-medication practice. 223 ac- ademic students from a public university in Rec- ife City were interviewed, selected by proportional share in each course. A questionnaire on the drug utilization was applied, 15 days before the inter- view. From the 223 students, 65.5% reported drug use in the last 15 days. 42.3% used drugs through the physician’s prescription and 57.7% through the self-medication. The most used drugs were the analgesics (24.0%) and vitamins (18.9%) and the main reason was pain (30.5%). The drug uti- lization among academic students in Recife City is high but it is inside the parameter according to others analysis. However we have expected a low and more rationalized utilization. Key words Drug utilization, Self-medication, Health academic staff Daniela Silva de Aquino 1 José Augusto Cabral de Barros 2 Maria Dolores Paes da Silva 3

A automedicação e os acadêmicos da área de saúde

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Autores do artigo: Daniela Silva de Aquino, José Augusto Cabral de Barros, Maria Dolores Paes da Silva.

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1 Departamento de Farmácia,Faculdades Integradas daVitória de Santo Antão. RuaReal da Torre 255A/202,Madalena. 50610-000Recife [email protected]

A automedicação e os acadêmicos da área de saúde

Self-medication and health academic staff

Resumo Tendo em vista que a automedicação éum problema de saúde pública mundial, este arti-go teve como objetivo avaliar o comportamentodos futuros profissionais de saúde com relação àutilização de medicamentos, particularmente, àprática da automedicação. A amostra foi compos-ta por 223 estudantes da área de saúde de umauniversidade pública no município do Recife, se-lecionados por partilha proporcional a cada curso.Foram feitos questionamentos sobre o uso de me-dicamentos, nos últimos quinze dias que antece-deram à coleta de dados. 65,5% dos entrevistadosconfirmaram ter feito uso de medicamentos nosúltimos quinze dias, 42,3% por meio de uma pres-crição médica e 57,7% através da automedicação.Os medicamentos mais utilizados foram os anal-gésicos (24,0%) e as vitaminas (18,9%) e o motivomais apontado foi a dor (30,5%). O consumo demedicamentos entre os estudantes universitáriosno município do Recife é elevado, mas encontra-sedentro dos parâmetros observados por outros estu-dos. Todavia, por se tratar de profissionais da áreade saúde, esperava-se que o consumo fosse menor emais racionalizado.Palavras-chave Utilização de medicamentos,Automedicação, Acadêmicos de saúde

Abstract As self-medication is a worldwide prob-lem of public health, this article had as objectiveto evaluate the behavior of the future health pro-fessionals with regard to the drug utilization, par-ticularly, to the self-medication practice. 223 ac-ademic students from a public university in Rec-ife City were interviewed, selected by proportionalshare in each course. A questionnaire on the drugutilization was applied, 15 days before the inter-view. From the 223 students, 65.5% reported druguse in the last 15 days. 42.3% used drugs throughthe physician’s prescription and 57.7% throughthe self-medication. The most used drugs werethe analgesics (24.0%) and vitamins (18.9%) andthe main reason was pain (30.5%). The drug uti-lization among academic students in Recife Cityis high but it is inside the parameter according toothers analysis. However we have expected a lowand more rationalized utilization.Key words Drug utilization, Self-medication,Health academic staff

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Introdução

A automedicação é uma forma importante decuidados pessoais e evidências mostram que é aforma mais comum de resposta a sintomas1.Fatores diversos, como a medicalização e as es-tratégias promocionais da indústria farmacêuti-ca, podem contribuir para a efetivação de práti-cas e desejos “irracionais” de utilização de medi-camentos por indivíduos ou populações2. NoBrasil, pelo menos 35% dos medicamentos sãoadquiridos por automedicação3.

“O consumo é algo inerente ao homem”, ha-vendo uma relação entre as transformações dasociedade e o fenômeno do consumo. Sendo as-sim, o medicamento não está desvinculado des-sa característica social. Diferentemente de outrasépocas históricas, o capitalismo pós-modernoincentiva o consumo através da publicidade e daideia da substituição do “prazer vicário do tersobre o ser”4.

Na sociedade moderna, à medida que o aces-so ao consumo foi convertido no objetivo prin-cipal para o desfrute de níveis satisfatórios debem-estar, bons níveis de saúde passaram a servistos como possíveis na estreita dependência doacesso a tecnologias diagnóstico-terapêuticas. Aeficácia e a efetividade das mesmas se tornaramcada vez mais subordinadas ao grau de esmerotécnico alcançado3,5.

Este fenômeno caracteriza a medicalização euma das grandes consequências do seu incre-mento é a intensificação da dependência. As pes-soas pretendem resolver seus problemas, sejameles médicos ou não, recorrendo aos serviços ofe-recidos pelo sistema de saúde3.

Por outro lado, na tentativa de definir o con-sumo em favor de seus próprios produtos, asindústrias lançam mão de diversas práticas pro-mocionais que visam atingir o médico, o farma-cêutico, o balconista, o dono da farmácia, ospacientes e os consumidores em geral3,6,7.

A propaganda massiva e a facilidade de aces-so a medicamentos em farmácias e supermerca-dos dão a impressão de que são produtos livresde riscos. Além disso, estimulam o uso indiscri-minado, o que nem sempre resulta nos efeitosprometidos, e expõe os consumidores a reaçõesindesejadas, às reações adversas, sempre crescen-tes devido ao consumo elevado de medicamen-tos que se observa na atualidade. A crença de quea pílula seja capaz de eliminar ou, pelo menos,amenizar estes problemas é fator complementare primordial para o consumo8.

Os médicos são o principal alvo das técnicaspromocionais da indústria farmacêutica. Afinal,a escolha de um ou outro medicamento dependefundamentalmente deles e sua influência atingeaté mesmo o consumo por automedicação. Osargumentos mais utilizados são, em geral, eficá-cia, segurança, comodidade, rapidez de ação ealta tolerabilidade8.

Embora a automedicação seja uma necessi-dade, tendo inclusive uma função complementaraos sistemas de saúde, particularmente em paísespobres, é evidente que este hábito, utilizado demaneira inadequada, pode ter como consequên-cia efeitos indesejáveis, enfermidades iatrogênicase mascaramento de doenças evolutivas, represen-tando, portanto, problema a ser prevenido9.

O ideal, portanto, é utilizar o medicamentoapenas quando imprescindível e recomendadopor um profissional especializado.

Sendo assim, este estudo teve por objetivo ve-rificar o comportamento dos futuros profissio-nais de saúde com relação à utilização de medica-mentos, particularmente, à prática da automedi-cação, uma vez que deverão ser os responsáveispela orientação e educação de pacientes e popula-ção quanto ao uso correto de medicamentos.

Métodos

Foi realizado um estudo do tipo transversal com-posto por uma amostra de 223 estudantes doscursos da área de saúde de uma universidadepública do município do Recife. Utilizou-se umaamostra casual simples com partilha proporcio-nal. Para cálculo do tamanho da amostra, consi-derou-se o fato de não se conhecer o percentualda população que possuia a característica estu-dada. Assim, conforme recomendação de Arkine Colton10, utilizou-se o valor de 50%. Este pro-cedimento maximizou o tamanho da amostra,diminuindo, portanto, o erro amostral.

Desta forma, considerou-se o número totalde alunos que estavam matriculados em discipli-nas no Centro de Ciências da Saúde, excluindo-se aqueles com matrículas vínculo e os que ti-nham efetuado trancamentos. Posteriormente,procedeu-se à proporcionalidade, calculando opercentual que cada curso correspondia no uni-verso do centro acadêmico, e aplicou-se, então,este percentual ao valor amostral, obtendo-se aseguinte distribuição: educação física (39); enfer-magem (21); farmácia (27); fisioterapia (18); fo-noaudiologia (5); medicina (56); nutrição (16);

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odontologia (30); terapia ocupacional (11), to-talizando 223 estudantes.

As informações foram coletadas por meio deum questionário estruturado, previamente vali-dado entre alunos da mesma instituição. Os par-ticipantes foram abordados no seu centro aca-dêmico aleatoriamente e as entrevistas tiveramcontinuidade até serem completados o númerode questionários necessários a cada curso. A apli-cação dos questionários se deu no período demaio a junho de 2005, com consentimento pré-vio dos estudantes. Foram feitos questionamen-tos sobre o uso de medicamentos nos últimosquinze dias que antecederam à coleta de dados.

Considerou-se como automedicação todosaqueles medicamentos autoindicados, indicadospor parentes, amigos, balconistas ou outras pes-soas não formalmente habilitadas para prescrever.

Os dados coletados foram duplamente digi-tados no programa EpiInfo, versão 6.04, paraidentificação e correção dos erros de digitação.Os medicamentos foram classificados de acordocom o código anátomo-terapêutico-químico(ATC)11.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Co-mitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciênciasda Saúde da Universidade Federal de Pernambu-co de acordo com a Resolução no 196/96 do Con-selho Nacional de Saúde.

Resultados

O perfil dos entrevistados evidenciou que o mai-or número de participantes era do sexo feminino(61,4%). Com relação ao grupo etário, haviamaior número de participantes entre 20 e 22 anos(57,0%). 39,0% cursavam entre o quarto e o sex-to período acadêmico. O estado civil predomi-nante, em mais de 98,0% dos casos, era o soltei-ro. Pouco mais de 42,0% dos participantes apre-sentaram uma renda familiar entre seis e dez sa-lários mínimos (Tabela 1).

65,5% dos entrevistados confirmaram ter fei-to uso de medicamentos nos últimos quinze dias(Figura 1). Com relação à fonte que indicou o(s)medicamento(s), a percentagem dos que referi-ram a existência de uma prescrição médica foi de42,3% e aqueles que se automedicaram, aindaque influenciados pela mídia, por parentes, ami-gos, balconistas de farmácia, dentre outros, so-maram 57,7% das pessoas (Figura 2).

Os medicamentos mais utilizados nos últi-mos quinze dias foram os analgésicos e as vita-minas. O grupo terapêutico “analgésicos/antitér-

micos” foi citado por 24,0% das pessoas e “vita-minas/antianêmicos”, por 18,9%. Como algumaspessoas fizeram uso de mais de um medicamen-to, o n, neste caso, foi de 233 (Tabela 2).

Dentre os motivos que levaram os estudan-tes a fazerem uso de medicamentos nos últimosquinze dias, destacou-se a dor (30,5%). Imedi-

Figura 1. Frequência do uso de medicamentosnos últimos quinze dias.

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40

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80

Sim(65,5%)

Não(45,5%)

Tabela l. Perfil epidemiológico e sociodemográficoda amostra.

Característicassociodemográficas

SexoMasculinoFeminino

Grupo etário17-19 anos20-22 anos23 e + anos

Período no curso1-3 semestre4-6 semestre7 e + semestre

Estado civilSolteiroCasado

Renda familiar (SM*)Até 1 SM2 a 5 SM6 a 10 SM>10 SM

n

86137

39127

57

828754

2194

3419483

%

38.661.4

17.557.025.5

36.839.024.2

98.21.8

1.318.442.137.2

Acadêmicos

* SM = salário mínimo = R$ 300,00.

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atamente depois, surgiram a prevenção de res-friado/suplementação alimentar (12,7%) e res-friados (10,8%) (Tabela 3). Ademais, a maioria(70,8%) justificou o uso de medicamentos semreceita médica pelo conhecimento acerca do me-dicamento (uso há muito tempo, prescrição mé-dica anterior e uso frequente por toda a família).18,6% dos participantes alegaram falta de tempode ir a um médico e um número menor (10,6%)

apontou o difícil acesso ao sistema de saúde, ra-zões financeiras, comodidade e a não necessida-de de buscar cuidados médicos.

Discussão

O medicamento enquanto símbolo de saúde, atémesmo na medida em que o usuário leigo nãotem idéia de como ele funciona no organismo, éa possibilidade mágica com a qual a ciência, porintermédio da tecnologia, tornou acessível estedesejo de consumi-lo, através de uma pílula oualgumas gotas, sob a forma de prevenção, re-missão e triunfo definitivo (na cura), reprodu-zindo no dia a dia (no controle) sobre o cortejode males do corpo e da alma que afetam o ho-mem e sobre as “carências” ou limitações ine-rentes à condição humana: medicamentos geriá-tricos contra a perda da memória, vitaminas con-tra a calvície, etc.12.

Verificando-se a utilização de medicamentosnos últimos quinze dias que antecederam à en-trevista, 65,5% dos entrevistados confirmaramo uso. Resultados semelhantes foram encontra-dos em estudos realizados no sul do Brasil13,14.Parece que as pessoas precisam consumir parasentir-se bem, preencher seus vazios, e o medica-mento aparece aqui como outros bens de consu-mo, como se não apresentasse riscos e pudesseser consumido livremente.

Nossos achados apontam que, entre aquelesque consumiram medicamentos nos últimosquinze dias, 42,3% o fizeram através da prescri-ção médica e 57,7% através da automedicação,

Figura 2. Fonte de indicação dos medicamentos.

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60

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Automedicação(57,7%)

Uso de prescriçãomédica

(42,3%)

Tabela 2. Medicamentos mais utilizados pelosentrevistados nos últimos quinze dias.

Medicamento*

Vitamina/antianêmicoAnalgésico/antitérmicoAINE/antirreumáticoAntibiótico/antimicótico/antiviral/antiparasitário de uso sistêmicoPreparações para tosse e resfriadoAntibiótico/antimicótico/corticóidede uso tópicoAntiasmático/descongestionanteAntidepressivo/ansiolítico/anticonvulsivanteAntiespasmódicoOutros**

Total

n

44561816

1110

89

754

233

%

18.924.0

7.76.9

4.74.3

3.43.9

3.023.2100.0

Acadêmicos

* Foi utilizada a classificação ATC, proposta pela OMS.** Agrupou hormônio sexual, outros hormônios,miorrelaxante, expectorante, anti-histamínico/ corticóide deuso sistêmico, antiácido/antiúlcera, anorexígeno,betabloqueador, antiglicêmico.

Tabela 3. Motivos mais citados pelos entrevistadospara o uso de medicamentos nos últimos quinzedias.

Sintoma

DorPrevenção/suplementaçãoResfriadoProblemas com a gargantaFebreOutros*

Total

n

652723

91079

213

%

30.512.710.8

4.24.7

37.1100.0

Saúde

* Agrupou anticoncepção, acne, tosse, alergia, estresse, gastrite,diarréia e problemas musculares.

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sendo maior no grupo feminino (66,5%). Istopode ser explicado em parte pela maior exposi-ção das mulheres à medicalização em todas asfases de sua vida, maior procura por cuidadosmédicos e campanhas educativas mais direcio-nadas a elas. Simões et al.15, avaliando as caracte-rísticas do consumo de medicamentos na popu-lação urbana de Araraquara (SP), verificaram que42,1% dos medicamentos utilizados foram ad-quiridos sem prescrição médica.

Os analgésicos lideraram a preferência dosentrevistados (24,0%). Arrais et al.9 e Bertoldi etal.14 também apresentaram os analgésicos comoos medicamentos mais utilizados em seus estu-dos com resultados próximos ao nosso, 21,6% e26,6%, respectivamente. A segunda classe tera-pêutica mais utilizada pela população em estudoforam as vitaminas (18,9%). Outros estudosapresentaram resultados bastante inferiores, compercentagens variando de 5,0% a 7,7%9,13-15. Al-guns fatores como o fácil acesso aos medicamen-tos e a propaganda em massa, especialmente dasvitaminas, que tendem a associá-las à beleza, jo-vialidade, vigor físico, aliados à curiosidade, co-modidade e busca pelo alívio imediato dos sin-tomas, contribuem bastante para a prática daautomedicação.

Com relação aos motivos que levaram aspessoas a utilizarem medicamentos nos últimosquinze dias que precederam a coleta de dados, anossa pesquisa apontou a dor como o motivomais citado (30,5%), especialmente cefaléia, do-res musculares e dismenorréia, seguido da pre-venção de resfriados/suplementação alimentar,(12,7%) e resfriados (10,8%). No estudo de Ar-rais et al.9, todas as expressões clínicas de dorsomaram 24,2% dos motivos que geraram a au-tomedicação.

O uso rotineiro de analgésicos e vitaminasconstitui uma prática que parece dever-se à ideiade que se tratam de produtos inofensivos. Inclu-sive com relação às vitaminas, muitos estudan-tes não as viam como medicamentos, pois nega-vam o uso das mesmas, e, no entanto, relatavamfazer uso de vitaminas duas ou mais vezes porsemana ou mesmo diariamente. Portanto, fica oalerta, o mesmo medicamento que alivia os sin-tomas, traz algum conforto e cura, também mata.

Verifica-se também o uso de antibióticos, queembora devessem ser dispensados com apresen-tação de receita médica, são vendidos livremente.O seu uso de forma inadequada tem contribuídomaciçamente para o mecanismo de resistênciabacteriana em todo o mundo, sendo, portanto,um problema de saúde pública mundial.

É ainda preocupante o uso de substâncias devenda controlada como os anorexígenos, anti-depressivos e ansiolíticos. No caso dos anorexí-genos, não se conhece exatamente seu mecanis-mo de ação como supressores de apetite. Julga-se que o efeito principal destes fármacos é sobreo centro de controle do apetite no hipotálamo;isso resulta na redução da fome por alteração docontrole químico da transmissão do impulsonervoso. Devem ser utilizados apenas como ad-juvantes no tratamento da obesidade16. Mas, naprática, não é isso que vem ocorrendo, pois essesprodutos têm sido empregados como tratamentoprimário para promover a perda de peso, nabusca do corpo perfeito.

Com relação ao uso de ansiolíticos e antide-pressivos, constatou-se ser o estresse o motivoapontado pela maioria dos estudantes para usodos mesmos. Ora, tem-se aqui um típico proble-ma da sociedade moderna, em que a “solução”foi buscada na “pílula”. Não seria mais adequa-do diminuir o ritmo das atividades, dedicar maistempo ao lazer e ao descanso? Há que se conside-rar que não é uma tarefa fácil; no entanto, aindaque lentamente, as pessoas devem tentar pro-mover as mudanças, não recorrendo, de pronto,à solução mais rápida: “o medicamento”.

Conclusões

O consumo de medicamentos entre os estudan-tes universitários no município do Recife é eleva-do, mas encontra-se dentro dos parâmetros ob-servados por outros estudos. Todavia, por se tra-tar de futuros profissionais da área de saúde,esperava-se que o consumo fosse menor e maisracionalizado. Mas, parece que é justamente essemaior conhecimento que os predispõe ao uso deforma inadequada.

Fica difícil, portanto, esperar que estes uni-versitários, especialmente os estudantes de medi-cina e farmácia, orientem seus pacientes quantoao uso correto dos medicamentos, se eles própri-os parecem não ter consciência dos riscos. Ouseja, desta forma, não representam agentes mul-tiplicadores de cunho educativo, quanto ao usoracional de medicamentos, mas sim, parece queestamos diante de futuros profissionais coniven-tes com a prática da automedicação e do uso in-correto dos medicamentos. Porém, os estudantesnão são de todo culpados; além da herança cultu-ral que trazem consigo, as instituições de ensinopouco têm feito nas suas formações para que elespossam assumir o papel de acolhedores e orien-

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Colaboradores

DS Aquino trabalhou na concepção do projetode estudo, coleta, organização do banco de da-dos, análise e interpretação dos resultados e re-dação do artigo. JAC Barros atuou na revisãocrítica e discussão dos resultados. MDP Silva sub-sidiou na metodologia, análise e interpretaçãodos resultados.

tadores de seus pacientes. Para reverter este qua-dro, faz-se necessário a incorporação de práticaseducativas quanto ao uso correto dos medica-mentos, riscos, benefícios, superdosagem, intoxi-cações, reações adversas, gastos para o sistema desaúde decorrentes de internações devido a pro-blemas relacionados a medicamentos. Só assim,espera-se que a população possa receber cuida-dos de saúde de qualidade de profissionais com-petentes e preocupados em preservar a sua saúde.

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Artigo apresentado em 18/06/2007Aprovado em 07/05/2008

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