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FACULDADE SETE DE SETEMBRO – FASETE CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM PORTUGUÊS E INGLÊS MARIA LÚCIA ALVES DE SÁ A BAHIA DENUNCIADA SOB A ÓTICA DOS CAPITÃES DA AREIA DE JORGE AMADO. PAULO AFONSO - BA DEZEMBRO/2009

a bahia denunciada sob a ótica dos capitaes da areia

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FACULDADE SETE DE SETEMBRO – FASETE

CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS

HABILITAÇÃO EM PORTUGUÊS E INGLÊS

MARIA LÚCIA ALVES DE SÁ

A BAHIA DENUNCIADA SOB A ÓTICA DOS CAPITÃES DA AREIA DE JORGE AMADO.

PAULO AFONSO - BA DEZEMBRO/2009

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MARIA LÚCIA ALVES DE SÁ

A BAHIA DENUNCIADA SOB A ÓTICA DOS CAPITÃES DA AREIA DE JORGE AMADO.

Monografia apresentada como requisito para obtenção do título de Licenciada em Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa da Faculdade Sete de Setembro - FASETE. Orientador: Professor Esp. Joseval E. De Jesus Oliveira Filho.

PAULO AFONSO - BA DEZEMBRO/2009

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MARIA LÚCIA ALVES DE SÁ

A comissão examinadora, composta pelos professores abaixo, sob a presidência do (a) primeira (a), considera a discente MARIA LÚCIA ALVES DE SÁ, APROVADA

Banca Examinadora ___________________________________________________

Professor Esp. Joseval E. de Jesus Oliveira Filho

FASETE ORIENTADOR

___________________________________________________

Professor Esp. Isa Ursole Bezerra de Brito. FASETE

Professor Esp. Kárpio Márcio de Siqueira.

PAULO AFONSO - BA DEZEMBRO/2009

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha filha, Danielle Alves, minha mãe, meu pai; por ter sido minha

fonte de inspiração para a conclusão do curso.

As minhas colegas de turma, Rosemeire, Luciana e todos aqueles que fizeram, parte do meu

aprendizado, principalmente aos professores que com dedicação transmitiram seus

conhecimentos, para que, eu almejasse a licenciatura em letras. Igualmente, ao meu orientador

Joseval, que fora meu professor de língua portuguesa e literatura no ensino médio e, que

gentilmente me fez acreditar no potencial existente dentro de mim, precisando somente de

muitos estudos e dedicações para alcançar o objetivo desejado.

Em especial dedico ao meu grande amor, Henoque José dos Santos (engenheiro agrônomo,

especialista em avaliações de imóveis rurais e perícias de engenharia), que é e, sempre será

um exemplo de vida pra mim e seus filhos, outrossim, de forma carinhosa e muita dedicação,

soube motivar minha autoestima, fazendo com que eu pudesse ser mais firme e forte nas horas

precisas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a ele em especial, Henoque José dos santos, Deus, por ter me

encorajado durante o curso e ao orientador Joseval.

As minhas irmãs, Marinalva e Helena.

Minha prima e amiga, Vânia, pela confiança e motivação.

Aos professores e colegas de turma.

Aos meus amigos que acreditaram no meu potencial.

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Nossa terra é como criança que cresceu sem pais, não tendo ninguém

para guiá-la e orientá-la. Alguns tentaram ajudá-la, mas a maioria

procurou simplesmente usá-la. Os seres humanos que receberam a

tarefa de guiar amorosamente o mundo, em vez disso o saquearam sem

qualquer consideração. (Livro A Cabana).

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RESUMO

O objetivo da pesquisa foi conhecer o autor, Jorge Amado e buscar entender através da sua obra romanesca “Capitães da Areia” as críticas políticas e a injustiça social-cultural relatada por o autor, e, é através da obra que podemos identificar a realidade do contexto sócio-cultural da Bahia, também a valorização da diversidade cultural, linguagem e religiosidade do povo baiano. A grande admiração que Jorge tinha por aqueles jovens abandonados de forma que idealiza o heroísmo no estilo Robin Hood daqueles meninos de rua, mas os problemas dos meninos transformam-nos em personagens corajosos, capitães da areia de Salvador Bahia. O trabalho foi dividido em quatro capítulos realizado por meio de pesquisas bibliográficas de autores brasileiros através de pontos e contrapontos dos autores que acompanhavam o escritor baiano, sites e artigos da internet. Palavras-chave: Capitães da Areia, Cultura social, literatura.

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ABSTRACT

The research aims to know the author “Jorge Amado” and try to understand through ris Romanesque production ”Capitães da Areia” the politics criticism and culture, social injustice report to author, and through the production that could identify the truth context social-culture of Bahia, also the diversity valuation cultural, languages, and religious the people “baiano” the biggest admiration that Jorge had for helpless younger’s of form that idealize the style heroism Hobin Hood theirs boys street, bed the problems of boys convert character courage “capitães da areia de Salvador Bahia”. The work divide for in four chapter realized for middle of bibliographics research of authors, and studious the same year that production went lanced, throught points and contre points of authors that follow the “baiano writer”. Key-words: Captain of Sand, social culture, literature.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ...................................................................................................................09

1 JORGE AMADO: VIDA, OBRA E SUA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL...11

2 HETEROGENEIDADES NA OBRA DE JORGE MADO. ............................................16

3 A BAHIA NO INÍCIO DO SÉCULO - O DETERMINISMO AFLORADO. ...............21

4 CAPITÃES DA AREIA; UMA NARRATIVA SOCIAL. ................................................25

CONSIDERAÇÕES FINAIS. .............................................................................................31

BIBLIOGAFIA

ANEXO

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INTRODUÇÃO

Os Capitães da Areia retratam a história de um grupo de menores entre sete e dezesseis anos,

abandonados por seus pais e ignorados pelos nobres, a história se passa nas ruas e nas areias

das praias de Salvador na Bahia, os meninos ocupavam seu tempo para arranjar o que comer e

o que vestir através dos furtos, pois a sociedade rejeitava e desprezava por serem meninos de

rua e terem a fama de ladrões e marginais, mas eram simples crianças que por circunstância

da vida foram obrigados a viver sozinhos, moravam no velho trapiche abandonado perto da

praia, assim como todas as moradas tinham um chefe lá também não seria diferente. Pedro

bala era o líder da turma, conhece como ninguém os cantos da cidade, suas armadilhas e

atalhos, junto aos companheiros faziam seus planos para os furtos em casas de famílias nobres

que guardavam objetos de valor. O bando tratava a sociedade com agressividade, passando os

dias mendigando, fumando restos de cigarro e chamando a atenção das pessoas com

palavrões. Os garotos praticam pequenos furtos e acabam tornando-se um problema policial

notório.

No trapiche eles eram felizes e se recusavam ir para um orfanato apesar de viverem em

situações precárias, crianças que na maioria das situações agiam como verdadeiros homens,

enfrentando os problemas, tendo consciência das penalidades, caso a policia os pegassem

praticando roubo, ocasionando sofrimento se fossem levados para o reformatório. Para a

felicidade do grupo de menores existiam duas pessoas que os entediam e sempre procuravam

ajudá-los, o padre Pedro, que levava os estudos da bíblia tentando acalmar os corações dos

jovens e dona Ana, a mãe de santo. Os personagens são em sua maioria masculinos, além de

Pedro Bala, havia o Sem Perna, Pirulito e O Professor que são os mais destacados. Ainda

temos no grupo João Grande, Volta Seca, Boa vida e Dora, esta última personagem é a única

figura feminina merecedora de destaque, pois ela passa a assumir o referencial feminino da

família, para alguns ela é uma mãe, os outro tratavam como uma irmã, e para Pedro bala uma

namorada, a qual vive uma historia de amor.

Dora era muito respeitada entre os meninos, gostava de todos e sendo que eles passaram a ser

sua família, pouco tempo depois morre de uma febre, cada um do grupo capitães da areia vão

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tomando rumos diferentes, alguns indo pra longe da cidade, outros ficam e continuam sua

vida com os furtos, Bala passa a participar de manifestos junto aos doqueiros e tempo depois

lidera as rebeliões para que não houvesse injustiça contra os pobres trabalhadores, tempo

depois o grupo de Pedro Bala já deixa de existir.

No primeiro capitulo será relatado à vida, obra e as participações políticas de Jorge Amado,

onde pode ser percebido o quanto o escritor Baiano torna-se uma pessoa importante para a

literatura Brasileira, política e social principalmente no nordeste e na Bahia, lugar onde

nasceu e viveu por muito tempo, inconformado com a injustiça social ele faz grave crítica

contra a administração política, revelada de forma clara na maioria de suas obras.

No capitulo seguinte será tratado à heterogeneidade na obra do autor, à importância da

linguagem na visão de alguns autores que valorizam a língua e a cultura de diferentes estados,

respeitando a maneira como as pessoas falam, seja de forma simplificada ou não levando em

consideração o sotaque de cada região, principalmente a língua crioulada que é valorizada por

Castro Alves, o poeta dos escravos. O poder que a fala tem proporcionando relações entre as

pessoas podendo expressar suas idéias e sentimentos, sem falar na escrita que é muito

importante principalmente para os autores que ao escrever proporcionam ao leitor o prazer de

conhecê-lo e aumentar ainda mais os conhecimentos literários. Mostra como os baianos são

fervorosos com a religiosidade e a valorização das rezas nos “terreiros de pai de santo”.

O terceiro capítulo trata da trajetória do desenvolvimento do século XIX ao XX que a cidade

de salvador buscava pela valorização da imagem e da cultura do povo baiano, na música,

poesia, na religião, na literatura e nas artes arquitetônicas visuais e outras culturas populares,

ganhando destaque Modernista, e as práticas de idéias liberais que foi classificado por alguns

autores como atos deterministas.

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1 JORGE AMADO: VIDA, OBRA E SUA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL

Baiano, filho de João Amado e de D. Eulália Leal, Jorge Amado de Faria, após ser

alfabetizado por sua mãe, foi estudar em Salvador, em regime de internato, no colégio

Antonio Vieira, de padres jesuítas. Passa para o regime de externato e vai morar num casarão

no Pelourinho. Emprega-se como repórter policial no Diário da Bahia. Pouco depois vai para

o jornal O Imparcial. Decidido a estudar Direito, transfere-se para o Rio de Janeiro, onde,

conhece os autores; Vinicius de Moraes, Otávio de Farias e, outros nomes importantes da

literatura. Aprovado, entre os primeiros da Faculdade de Direito da universidade do Rio de

Janeiro. Em 1931, é publicado o seu primeiro romance “O país do carnaval” pela editora

Schmidt, o livro recebe elogios dos críticos e torna-se um sucesso de público. Impressionado

com a vida dos trabalhadores da região de Pirangi, na Bahia, começou a escrever “Cacau”.

Em Maceió, conhece os autores, Graciliano Ramos, Jose Lins do Rego, Aurélio Buarque de

Holanda e Jorge de Lima. Torna-se redator chefe da revista Rio Magazine. Casa-se com

Matilde, A qual teve sua primeira filha, Eulália. Em 1934, publica o romance “Suor”, pela

Editora Ariel. Conclui o curso de Direito e lança “Jubiabá”. Publica “Mar morto”, o qual

recebe o prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras. Viaja pela America Latina

e depois vai aos Estados Unidos. Enquanto está fora, é lançado no Brasil “Capitães da Areia”.

Seus livros, considerados subversivos, são queimados em praça pública na cidade de Salvador

por determinação da sexta região Militar. Segundo os militares, foram queimados 1.694

exemplares de “O País do Carnaval”, “Cacau”, “Suor”, “Jubiabá”, “Mar Morto” e “Capitães

da Areia”. Liberto, Em 1938, passa a residir em São Paulo com Rubem Braga. Volta para

Bahia e em seguida Sergipe, onde imprime uma pequena edição do livro de poemas “A

Estrada do Mar”, distribuindo aos seus amigos. Em 1939 retorna ao Rio. Exerce intensa

atividade política, em decorrência das torturas de presos e a desarticulação do partido

comunista. Torna-se redator-chefe das revistas Dom Casmurro e Diretrizes. Viaja para o

Uruguai, também faz pesquisas sobre o tema na Argentina. Desquita-se de Matilde. Na

condição de chefe da delegação baiano, participa do I Congresso de Escritores, em São Paulo.

A luta pelo fim da ditadura, pela democratização, Jorge intensifica a atividade política nos

movimentos juntamente com o grupo do movimento comunista brasileiro, mantém fiel a sua

luta contra os opressores e contra quem provocava miséria e dor.

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A década de 1930 representou para o Brasil o fim da política do café-com-leite, que

assegurava para os paulistas e os mineiros o privilegio da alternância no poder.

A crise do café é a gota d’água na cultura de um país agrícola, é a passagem do Brasil no

processo de industrialização. Esta década será lembrada sempre por grandes instabilidades

políticas e, profundas radicalizações ideológicas, que agitariam o país com revoltas,

manifestações e tentativas de insurreição.

É uma décadas de ruptura com o passado colonial, um rompimento, entretanto, induzido e

conduzido pelas elites nacionais, inclusive as militares, que imaginam, planejam, conspiram e

pregam a reforma ao país. O poder em 1930, no estado de Pernambuco, tem depositadas suas

esperanças de mudanças personificadas pelo usineiro e revolucionário Carlos de Lima

Cavalcanti e o chefe do governo provisório, Getúlio Vargas.

Em 1937, acontece o golpe político de Getúlio Vargas, Jorge estava em Belém quando é

avisado do acontecido por seu amigo e escritor, Delcídio Jurandir. Ano em que a obra

”Capitães da Areia” de Jorge Amado foi lançada, ainda nesse mesmo época ocorre à quebra

do tradicionalismo mais arcaico, a burguesia industrial ganha massa onde as idéias novas

inspiram coisas novas, e as coisas novas inspiram novas idéias. Na literatura, Oswald de

Andrade, traduz a modernidade do período e lança o “Rei da Vela”, também O Rei da Vela reflete as condições do Brasil na década de 30, focalizando em especial São Paulo e Rio de Janeiro. É apresentado um amplo panorama da sociedade figurando várias classes sociais, suas relações e crises. Praticamente todos os setores da República velha são representados de forma direta ou indireta, como a decadente - mas ainda com status - oligarquia cafeeira da família de Heloísa, os imigrantes, o proletariado urbano e rural (os devedores na jaula), a burguesia ascendente (Abelardo I e II), os intelectuais (Pinote), o arquétipo do capitalista americano (Mr. Jones). A crise de 29, o declínio da monocultura do café, a revolução de 30, a mudança do controle econômico para as mãos americanas são os motores históricos. (LIMA, 2003).

Por conta dos manifestos, Jorge, sofre sua primeira prisão em 1936, acusado de participar do

levante ocorrido em novembro, chamado de “Intentona comunista”. Posiciona-se no tempo

como um comunista, sem a cartilha do marxismo, mas filiado ao PCB (Partido Comunista

Brasileiro) e ao presidente Luís Carlos Prestes; como um socialista preocupado com um

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Nordeste mais justo e igualitário e, de vez em quando, como um liberal, capaz de reconhecer

que a sociedade é complexa o suficiente para não tomar partido.

Mesmo com tantas lutas e manifestos a década de trinta definitivamente ainda não era de paz.

É uma década conturbada, no mundo, no Brasil, em Pernambuco. No Brasil, o comunismo e o

integralismo são um cabo de força. A idéia de implantar um regime inspirado na União

Soviética; intentona comunista de 1935, que é fracassada, sendo assim os militantes do

Partido Comunista Brasileiro (PCB), o qual Jorge Amado faz parte, são perseguidos e presos

freqüentemente. A polícia que persegue, prende e arrebenta ganha força e prestígio e, em todo

o País caça os comunistas, simpatizantes assumidos e acusados de simpatia ao comunismo.

Jorge relata que durante muitos e muitos anos, fui militante comunista, quer dizer, achava que

ali, naquela fronteira, é que poderia ser útil ao meu povo, ser útil ao Brasil, ser útil à

humanidade; de certa maneira, alguma coisa fez, certamente fui útil na luta pela paz, na luta

pela democracia no Brasil, outrossim, ele faz uma reflexão voltada para as temáticas social e

democracia. A primeira reflexão é que sem democracia não há socialismo, sem democracia, qualquer que seja o governo, marchará para uma ditadura terrível, no sentido da limitação da liberdade. Mesmo que você obtenha grandes vitórias na área social, você terá uma opressão política violenta, e isso está claro, está aí, nem mesmo os dirigentes comunistas são capazes de negar este fato, nem mesmo os albaneses. (AMADO, 1995 apud PENAZUL, 2009).

Amado diz que, o socialismo é fatal. O socialismo não depende de você, nem de mim, nem de

ninguém. O socialismo é a marcha inexorável da humanidade que marcha pra frente. Agora,

para se chegar ao socialismo verdadeiro, que o indivíduo, a sua individualidade não chega a

ser esmagada, dizendo-se que é em função do coletivo, na realidade, sendo em função dos

donos do poder. Aí, nós vamos andar muito caminho, não tenho a menor esperança de ver.

Agora, temos que lutar por isso. Porque a nossa luta caminha para isso. A luta real e

verdadeira é aquela que se faz no desejo de se obter aquilo que um dia será realidade.

Novamente Jorge, é preso, por um breve período juntamente com Caio Prado Jr. Passa a viver

em São Paulo, onde chefia a redação do Jornal Hoje, do Partido Comunista Brasileiro. Torna-

se secretário do Instituto Cultural Brasil-URSS, cujo diretor era Monteiro Lobato. É eleito,

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com 15.315 votos, deputado federal pelo PCB. Com o cancelamento, em janeiro de 1948, do

registro do Partido Comunista, o mandato de Jorge Amado é cassado. Sem assento na Câmara

Federal e tendo seus livros considerados como “material subversivo”, o escritor, ainda no mês

de janeiro, parte deixando sua companheira, Zélia, e, seu filho João Jorge.

Na Polônia, participa do Congresso Mundial de Escritores e Artistas pela paz. Logo após o

seu passeio pela Europa e União Soviética, em 1949, participou de um congresso de escritores

na Tchecoslováquia, onde sofre um acidente de avião na cidade de Frankfurt, Alemanha.

Novamente, por motivos políticos é expulso junto com sua família pelo governo francês.

Responde ao processo por mais uma obra, “o mundo da paz”, porém o juiz responsável pelo

caso arquiva o processo, dizendo que o livro é sectário e não subversivo. Com a aprovação,

nos Estados Unidos, da lei anticomunista, o escritor é proibido de entrar naquele país. Ao

voltar para o Brasil é pego de surpresa com a morte do seu amigo, Graciliano Ramos, a quem

substituiria na presidência da Associação Brasileira de Escritores.

No começo da década de 1990, Jorge Amado trabalhava em “Bóris, o Vermelho”, romance

que não chegou a concluir, quando redigiu as últimas notas de memória que compõem

“Navegação de Cabotagem”, publicado por ocasião de seus oitenta anos. Em 1992 recebeu de

uma empresa italiana a proposta de escrever um texto de ficção sobre os quinhentos anos do

descobrimento da América. Produziu a novela “A descoberta da América pelos Turcos”,

publicada no Brasil em 1994.

O objetivo de Jorge e Pablo Neruda era contribuir para a libertação do líder comunista, Álvaro

Cunhal e marcar posição contra o Salazarismo. Assume no Rio a chefia de redação do

Quinzenário Para Todos, ao lado do irmão James, de Oscar Niemeyer e Moacir de Castro,

dentre outros. Sai do Partido Comunista, porque queria voltar a escrever. “Mas na realidade

deixei de militar politicamente porque esse engajamento estava me impedindo de ser

escritor”, Amado (1995 apud PENAZUL, 2009) afirma que: Depois deixei de ser, depois achei que esta sociedade que nascia deste pensamento também oprimia o homem no sentido de sua liberdade, que desconhecia o valor do indivíduo, que negava esse valor, achando que só havia um valor no mundo, que era coletivo, sem saber entrosar estas coisas. Desde então, vem de muito tempo que passei vários anos sem escrever, fazendo pequenas tarefas para o Partido Comunista, que acho que muitas outras pessoas poderiam fazer.

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Viaja ao oriente ao lado de Zélia, Pablo e Matilde Neruda. “Terra do Sem Fim” é lançado em

quadrinhos, e continuou escrevendo muitas outras obras conhecidas. Recebe em Salvador, do

Axé Opô Afonjá, um dos mais altos títulos do candomblé, o de obá orolú. Obá, no sentido

primitivo, é um dos doze ministros de xangô.

Funda a Academia de Letras de Ilhéus. Lança na revista Senhor, do Rio de Janeiro, a novela

“A morte e a morte de Quincas Berro D’água”. Por unanimidade, é eleito, no dia 6 de abril de

1961, em primeiro escrutínio, para a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, que

pertecia Otávio Mangabeira. É eleito membro do conselho da presidência do Pen Club do

Brasil. É convidado por Juscelino Kubitschek para ser embaixador do Brasil na República

Árabe Unida; o convite é recusado. Homenagens no Rio, na Bahia e em outros estados por

seus 30 anos de atividade literária. Ano seguinte perde seu pai. Mas de mil pessoas

comparecem à primeira sessão de autógrafos de Jorge Amado em Portugal, em 1966, na

Sociedade Nacional de Belas Artes e chega aos mil autógrafos no lançamento de “Dona Flor e

seus dois maridos” na livraria Civilização Brasileira, em Salvador.

Jorge Amado vendeu os direitos de filmagem do livro “Gabriela, Cravo e Canela” para a

Metro-Goldwyn-Mayer, em 1961. Com o dinheiro, comprou um terreno em Salvador e

construiu uma casa, onde passou a morar com a família em 1963. A casa da Rua Alagoinhas,

no bairro do Rio Vermelho, era também uma espécie de centro cultural. Além de abrigar um

grande acervo de arte popular, Jorge Amado e Zélia recebiam amigos artistas e intelectuais, e

abriam as portas até para admiradores desconhecidos, de vários lugares do Brasil e do mundo.

Durante a década de 90, a filha Paloma, ao lado de Pedro Costa, reviu o texto de suas obras

completas, a fim de suprimir os erros que se acumularam aos longos dos anos e das sucessivas

edições de seus livros.

Em 1996, Jorge Amado sofreu um edema pulmonar em Paris. Na volta ao Brasil, foi

submetido a uma angioplastia. Depois, recolheu-se à casa do Rio Vermelho, com um quadro

clínico agravado pela cegueira parcial, que o deprimiu por impedi-lo de ler e escrever.

O escritor morreu em agosto de 2001, poucos dias antes de completar 89 anos. Seu corpo foi

cremado e as cinzas enterradas junto às raízes de uma velha mangueira, no jardim de sua casa,

ao lado de um banco onde costumava descansar, à tarde, em companhia de Zélia.

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2 HETEROGENEIDADE NA OBRA DE JORGE AMADO

Partindo do pressuposto de que a escrita é a representação da linguagem oral, é, portanto

viável dizer que a linguagem é um meio norteador o qual os seres humanos permitam uma

relação entre sociedades, e que através do dialogo com diversas culturas e costumes que

podem identificar a real identidade lingüística. Assim como a escrita é de extrema

importância para o meio social, a fala também não deixa de ser um fenômeno social, sendo

sua forma dinâmica e coletiva, permitindo que o falante seja espontâneo e criativo ao relatar

suas idéias e seus pensamentos. É um parâmetro que permite classificar o individuo de acordo

com a sua nacionalidade e naturalidade, sua condição econômica ou social, é freqüentemente

usado para discriminar e estigmatizar o falante. (LEITE, 2002, p.7).

Todas as camadas sociais se utilizam de um veículo comum: a língua que é um traço de interação entre os membros de uma comunidade, é uma forma ideal que impõe a todos os falantes de um mesmo grupo social. (PALHANO, 1958, p.11).

É na literatura que pode ocorrer uma descrição perfeita dos grandes escritores brasileiros,

porque a linguagem é, para o autor, um elemento expressivo do retrato social, do ambiente e

dos personagens, e o principal foco literário trabalhado é o regionalismo. Não são pregadas

apenas as descrições geográficas e culturais na escrita romanesca de Jorge, mas sim uma

narrativa que busca a valorização de um povo marginalizado. Nas obras de Jorge Amado é

visto claramente o valor merecido por os nordestinos que sofrem com a discriminação e, por

viver da agricultura buscam através da plantação cacaueira a sobrevivência, onde muitas das

vezes seu suor não tem importância para aqueles que não sabem como é difícil a vida de um

trabalhador rural. Vejam abaixo o que Amado diz sobre os políticos que valorizam essa gente.

Cada vez eu acredito menos nessa gente, cada vez estou mais perto do povo, do povo mais pobre, do povo mais miserável, explorado e oprimido. Cada vez, eu procuro mais anti-herói... Os vagabundos, as prostitutas, os bêbados. (ALTAMAN, 2001, p.54)

Jorge Amado representa o regionalismo baiano da zona rural do cacau e da zona urbana de

Salvador. Sua grande preocupação foi fixar tipos marginalizados, para, através deles, analisar

todos os vazados numa linguagem que retrata o falar do povo. E por esses motivos Jorge

recebeu vários elogios de grandes escritores e de países diversos, como do escritor português,

Jose Saramago, que destaca as obras amadianas por ser um retrato real do seu país, onde

muitos estrangeiros descobriram através dos livros de Jorge a valorização cultural, racial e

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social da Bahia. Observamos o que Saramago, escritor português diz a respeito de Amado e

das suas obras.

Durante muitos anos Jorge Amado quis e soube ser a voz, o sentido e a alegria do Brasil. A generalizada e estereotipada visão de que o Brasil seria reduzível à soma mecânica das populações brancas, negras, mulatas e índias, perspectiva essa que, em todo caso, já vinha sendo progressivamente corrigida, ainda que de maneira desigual, pelas dinâmicas do desenvolvimento nos múltiplos sectores e atividades sociais do país, recebeu, com a obra de Jorge Amado, o mais solene e ao mesmo tempo aprazível desmentido. Não que o autor tenha passado a vida inteiro sendo um só. Não. Havia o Jorge Amado político, o sexual, o religioso e o pitoresco. Só para citarmos alguns. No entanto, sua personalidade era tão forte que ele parecia estar escrevendo uma só história durante todo o tempo, em cada, quem procurou acabou encontrando. (AMADO,2008, p 7).

Toda via, vendo a realidade em que os trabalhadores viviam, sua obra descrevia a vida, a

simplicidade lingüística daquela gente que tinha uma maneira simplificada de se expressar

verbalmente, de forma popular e de fácil compreensão, cada um com seu estilo verbal e

coloquial, estampado no rosto o sofrimento causado por um dia de sol e de luta pela

sobrevivência. O objetivo de Amado é construir um retrato singular daquilo que ele concebe

como sendo o povo brasileiro, seja pra mostrar a realidade da região do cacau, seja do sertão

ou a vida popular da cidade do salvador para a valorização dos costumes, linguagens, dramas,

alegrias, sua civilização, sua esperança. E, é por intermédio das obras amadianas, sua luta

incessante que ele tenta acabar com o preconceito racial, cultural das forças opressoras contra

os marginalizados, pode ser visto claramente no romance “Os Capitães da Areia”. Tavares

enfatiza na citação abaixo a realidade lingüística nas obras amadianas.

Pra compreendermos a realidade lingüística das classes subalternas descritas na obra amadiana. Devemos, fundamentarmo-nos a partir de dois pressupostos: a linguagem informal e crua. Era palavras conhecidas de todo o mundo, dessas não usadas abertamente, mas apareciam no entrecho, reproduzindo o léxico das suas personagens e a ousadia para por à rotina, como fizeram Chaucer, Shakespeare, Rebelais. Gil Vicente retratou fielmente os costumes e a linguagem do povo, deram expressão literária ao falar popular em que o povo é a fonte de tudo. (TAVARES, 1982, p 189).

A linguagem é um modo de falar do sujeito, e ele nasce da necessidade em que o ser humano

tem de se expressar, proteger-se, reunir-se, das emoções, do medo, da dor, do choro, da fome,

do prazer, compaixão e da felicidade. Na obra capitães da areia, Jorge retrata os fatores sócio-

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político-culturais, através das palavras em que se expressa na obra, provocando discutições

entre políticos.

Segundo Marilena Chauí: Aristóteles diz que a linguagem é um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para comunicação entre pessoas e para expressão de idéias, valores e sentimentos, e que ela esta sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nossos pensamentos e sentimentos, acompanhando-nos em toda nossa vida. Ela não é um simples acompanhamento do nosso pensamento, “mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento”. “E o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de geração a geração”. (CHAUÍ, 2005, p.172).

É na obra que o escritor aproveita para mostrar as brutais diferenças de classe social, e a má

distribuição de renda e, o efeito da marginalidade contra crianças abandonadas e adolescentes

discriminados por um sistema social perverso que acha não tem culpa alguma por o que está

acontecendo ainda hoje com as crianças de rua por conta de uma administração incompetente

dos partidos políticos.

Na obra de Chamoiseu (1988 apud OLIVEIRA e SOUZA, 2003, p39), a lingüística ocupa um

lugar de destaque e a coexistência de duas línguas, o francês língua de prestigio, escrita e, o

crioulo, e de tradição oral usando uma estilística baseada na oralidade. Jorge prefere a

linguagem coloquial, fazendo apelo a diálogos em língua popular, pra ele a obra só tem

sentido real se a palavra escrita seja exatamente a mesma falada, mesmo com erros

gramaticais levando em consideração suas crenças religiosas e costumes.

Com o povo aprendi tudo quanto sei, dele me alimentei e, se meus são os defeitos da obra realizada, do povo são as qualidades porventura nela existentes. Porque, se uma virtude possui, foi a de me acercar do povo, de misturar-me com ele, viver sua vida, integrar-me em sua realidade. (AMADO, 1981, p12)

Para a literatura brasileira o candomblé é visto como cerimônia de cura para males do coração

ou do corpo, embora seja considerado como magia, na obra “Jubiabá”, curas milagrosas são

realizadas e paixões avassaladoras são também trabalhadas no terreiro do candomblé por pai

de santo.

As religiões afro-brasileiras ainda carregam os efeitos de sua interação com outras tradições religiosas, especialmente o catolicismo. Os Orixás, Vodus e Inquices, foram justapostos com santos católicos e o interior dos terreiros possuía numerosos elementos católicos, incluindo estátuas de santos, enquanto os objetos religiosos africanos eram escondidos. As religiões afro-

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brasileiras eram proibidas, e os terreiros eram freqüentemente visitados pela policia. Por isso seus participantes deviam sempre buscar caminhos para fortalecer a aparência católica dos orixás e dos terreiros. O sincretismo se tornou assim estratégia de sobrevivência por um longo período (XANGOSOL, 2007).

O culto afro-brasileiro acompanha quase toda a História do Brasil sob as várias formas e suas

diferentes origens. O mito foi inserido no trato da literatura comparada, na segunda metade do

século XX, O romance sofreu múltiplas metamorfoses e assim passou a ser usada uma nova

linguagem o que segundo Harss (1966 apud OLIVEIRA e SOUZA, 2003, p.46)

como se apresentam, porém, para o leitor americano, os da realidade e do mito, quando se considera a obra de escritores do porte do brasileiro Jorge Amado ou do colombiano Gabriel Garcia Márquez, em cujos romances a realidade se desvela através de freqüente transposição poética, como afirma Márquez a respeito de sua própria criação?

Nas suas obras as crenças populares foram escritas com muito cuidado, ele mesmo iniciava

suas praticas nos terreiros baianos, os rituais destinados a cultuar os santos protetores e afastar

os espíritos do mal, as práticas do candomblé, às superstições e benzeduras fervorosas das

rezadoras contra o mau olhado. Vejamos como era rezada por elas a Benzedura.

Benzedura contra o mau olhado

Com um rosário na mão, faz-se a seguinte oração: Jesus que é o santo nome de Jesus, onde o está o santo nome de Jesus não entram mal nenhum. Eu te benzo criatura do olhado se for na cabeça a senhora da cabeça e se for na cara a senhora de santa clara e se for nos braços o senhor de são marcos e se for nas costas as senhoras das verônicas e se for no corpo o meu senhor Jesus cristo que tem o poder todo. Santa Ana pariu a virgem, meu senhor Jesus e assim com isso é verdade assim este olhado daqui tirado para as ondas do mar, seja lançado para onde não ouça galos nem galinhas cantar, em louvor de deus e da virgem Maria Padre Nosso e Ave Maria. Depois, ainda com o rosário na mão, reza-se uma Salve Rainha. Diz-se nove vezes. Põe-se numa tigelinha água e três ou cinco gotas de azeite e dois pauzinhos em cruz. Se o azeite espalhar é porque temos olhado.( BENZEDURA, 2009, p 12).

Segundo Alfredo Bosi (2001) o Brasil egresso do puro colonialismo mantém as colunas do

poder agrário, ou seja, latifúndio, o escravismo e a economia de exportação. De maneira

critica Aluízio Azevedo mostra em o Cortiço a mistura de raças e o cotidiano e à realidade da

habitação coletiva. Personagens que vivem num mundo de traições sórdidas, violências

sexuais, relacionamento e homossexual e exploração no trabalho, os mais que se destacam são

as lavadeiras que lavar roupas para sobreviver. A citação abaixo mostra como era sofrida a

vida das lavadeiras que moravam no cortiço.

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A labutação continuava. As lavadeiras tinham já ido almoçar e tinham voltado de novo para o trabalho. Agora estavam todas de chapéu de palha, apesar das toldas que se armaram. Um calor de cáustico mordia-lhes os toutiços em brasa de cintilantes de suor. Um estado febril apoderava-se delas naqueles rescaldos; aquela digestão feita ao sol fermentava-lhes o sangue. A Machona alterava com uma preta que fora reclamar um par de meias e destrocar uma camisa; a Augusta, muito mole sobre a sua tábua de lavar, parecia derreter-se como um sebo; a Leocádia largava de vez em quando a roupa e o sabão para coçar as comichões do quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço; a Bruxa monologava, resmungando numa insistência de idiotas, ao lado da Marciana que com o seu tipo de mulata velha, um cachimbo ao canto da boca, cantava toadas monótonas do sertão: “Maricas tá marimbando, Maricas tá marimbando, Na passagem do riacho, Maricas tá marimbando” (AZEVEDO, 1997, p.52).

Na obra Tenda dos Milagres, nas cenas do enterro de Pedro Archanjo que é descrito como

Ojuobá ou olhos de xangô no cemitério católico mostra os rituais fúnebres africanos que a

cidade elogia o espetáculo e param para ouvir o canto. Observe como eram velados os mortos

na cena abaixo.

Prossegue o enterro, subindo a ladeira: três passos em frente, dois passos atrás, passos de dança ao som do cântico sagrado, o caixão erguido à altura dos ombros dos obás: Iku Logan ta ewê. No meio da encosta, o professor Azevedo toma de uma alça do esquife, fáceis lhe foram os passos traziam-os na misturas do sangue chegam finalmente à porta do cemitério. Obás e ogans de costas como ordena a obrigação, entram o caixão de Ojuobá, ao lado do jazigo, em meios às flores e ao pranto, calam-se os atabaques, cessam a dança e a cantiga. (AMADO, 1998, p 32).

Percebe que a um entrelaçamento entre as idéias dos respectivos autores em valorizar a vida e

a cultura religiosa de um povo pobre e oprimido pela desvalorização da sua origem, sabendo

que todo ser humano tem o direito de viver com dignidade e ser respeitados por todos. E

como é mestiça a cultura baiana. Jorge afirma esta questão na citação.

É mestiça a face do povo brasileiro e é mestiça a sua cultura. De repente se transforma e ri, seu riso alto, claro e bom, sua infinita e livre gargalhada: pensa na cara do professor Argolo, na do autor Fontes, dois luminares, dois sabedores que da vida nada sabem. São mestiças a nossa face e a vossa face: mestiça a nossa cultura, mas a vossa é importada, é merda em pó. Iam morrer de congestão. Seu riso acendeu a aurora e iluminou a terra da Bahia (AMADO, 1998, p.132).

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3 A BAHIA NO INÍCIO DO SECULO- O DETERMINISMO AFLORADO

Antonio Risério comenta que as lideranças políticas baianas não estavam e sintonia com a

política de Getúlio Vargas: “A política econômica do Estado brasileiro, a partir da Revolução

de 1930, passou a dar prioridade a atividades que estavam fora do universo econômico da

burguesia baiana. Vejamos o que ele diz sobre a evolução da Bahia no século XIX ao XX.

Se a cidade da Bahia fora, na passagem do século XVIII para o século XIX, reduzida de centro do Brasil Colônia a uma função meramente regional, o que aconteceu, na passagem do século XIX para o século XX, foi a desfiguração até mesmo dessa função regional, com Recife assumindo o comando das operações nordestinas e a expansão dos cacauais no eixo Ilhéus-Itabuna. As décadas de 20 e 40 do século que está findando balizam a depressão mais profunda. A Bahia simplesmente perdera a oportunidade histórica da primeira fase significativa da modernização nacional. Quanto mais o Brasil conhecia inovações, mais ficava exposto o enraizamento das estruturas da sociedade baiana no passado colonial. (RISÉRIO, 1993, p.165).

No final do século XIX, o centro de Salvador caracterizava o urbanismo colonial. Já no inicio

do século XX, Salvador assim como outras capitais brasileiras, participava do programa de

construção da República pelas reformas de Pereira Passos no Rio de Janeiro. As elites

achavam que era preciso modernizar o antigo e principal centro do Brasil colonial para o

melhoramento da cidade, preservando a antiga estrutura urbana, alargando as vias principais

dos bairros nobres. Buscando uma revalorização da sua condição de elementos urbanos

extraordinários construindo monumentos arquitetônicos, foram construídos importantes e

luxuosos palacetes na cidade e reforma de edifícios públicos como o palácio da aclamação

monumento colonial construído nos limites de um jardim, no caso do instituto histórico e

geográfico, construindo em um terreno de perímetro irregular e a maior preocupação era com

a cenografia urbana, explorou-se a topografia como também as particularidades do urbanismo

colonial, a irregularidade das ruas e suas pequenas larguras, a composição arquitetônica

transmite uma mensagem política, econômica e social, uma cidade de belas artes.

No inicio do século XX as atividades produtivas eram do porto, na Bahia não existia sinal de

progresso na área da industrialização. Salvador era o maior centro do país de apoio às rotas do

Oriente e a de grande centro de exportação de açúcar. Estas duas atividades iriam contribuir

para a formação de uma população mestiça de portugueses e escravos africanos, importados

em grande escala para o cultivo da cana. Declarado Patrimônio Histórico da Humanidade pela

UNESCO em 1986, o bairro do Pelourinho que no século XVII era lugar das barbaridades

onde os escravos eram castigados pelos senhores de engenho e hoje é o conjunto mais valioso

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da arquitetura colonial brasileira, no século XIX era visitado pela nobreza, mas depois da

queda da produção do açúcar o pelourinho declina, atualmente é o centro cultural e artístico

da cidade. A Bahia buscou investiu e investe na imagem da cultura do povo baiano, na

música, poesia, na literatura, nas artes visuais e outras culturas populares assim ganhando

destaque Modernista, valorizando seus costumes, o ambiente rural e urbano, a música, a

historia da literatura. Também conhecida como “baía de todos os santos”, ela deslizava em

ritmo lento, sereno, pacato e poético, Miguez (2000, p. 33), diz que na Bahia a estética do

Modernismo e os valores propagados a partir da Semana de Arte Moderna de 1922 custaram a

chegar e salienta que:

Em Salvador, a dinâmica do Modernismo - inscrita em símbolos como “máquina”, “eletricidade”, “fábrica” e “arranha-céus” - vai ser recebida com um sentido diferente da febre de remodelação urbana que provocou importantes transformações na cidade nas primeiras décadas do século e antecedeu a industrialização baiana que só chegaria a partir dos anos 50. Antes que buscar na velocidade modernista um mecanismo de compensação para o atraso e a modorra de sua vida insular, Salvador vai fincar pé nas tradições do seu orgulho quatrocentão, mantendo-se como um bastião do conservadorismo literário. Suas elites dirigentes vão defender a cultura oficial do ataque perpetrado pelos códigos de anarquia e destruição do movimento Modernista.

Foi pela poesia que o Modernismo chegou à Bahia. Jorge Amado ganhou destaque como

representantes da poesia moderna que então foram surgindo os nomes de Sosígenes Costa,

Hélio Simões, Carvalho Filho, Alves Ribeiro, Eurico Alves e Bráulio de Abreu, mas só em

1928 que o modernismo ficou marcado na Bahia quando surgiu em salvador o grupo Arco e

Flexa. Segundo Ludwig (1977, p.14 apud BARBOSA, 2009, p.8) existem outros grupos que

promoveram transformações na literatura baiana, observamos a citação abaixo.

Os finais da década de 20 atuavam três grupos literários na Bahia: Távola, Arco e Flexa e Academia dos Rebeldes, grupos esses que desejavam uma literatura de raízes populares. Compunham o grupo Arco e Flexa inicialmente: Pinto de Aguiar, Hélio Simões, Carvalho Filho, José Queirós Júnior e outros, que sob a orientação de Carlos Chiacchio fundaram em 1928 a revista Arco e Flexa. Mantinham ligações com o grupo Távola (Roberto Correia, Arthur de Salles, J. da Silva Cimpos, Castelar Sampaio e outros), e com outro grupo formado posteriormente: A Academia dos Rebeldes (Edison Carneiro, Pinheiro Viegas, Sosígenes Costa, Alves Ribeiro e Jorge Amado).

A literatura na Bahia sofre total transformação, mas as artes visuais continuaram na mais

completa estagnação. Ela vigorava em salvador na metade do século XX, os artistas que se

destacavam mais eram o pintor Presciliano Silva, o escultor Pasquale de Chirico e o pintor

José Tertuliano Guimarães, mas a Bahia só passou a conhecer as transformações quando

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Otavio Mangabeira assumiu na política como o primeiro governador que apoiava e

incentivava à cultura do povo baiano favorecendo o modernismo na Bahia. Segundo Jorge

Amado, a influência modernista também se fez sentir na Bahia em 1927, ou seja, cinco anos

após a Semana de Arte Moderna, fato que, para o escritor.

Não significa demasiado atraso se levarmos em conta que na época Rio e São Paulo, então as capitais da cultura, dominantes, absolutas, ficavam extremamente distantes da província (o resto do Brasil), os meios de comunicação eram lentos, as idéias viajavam devagar, demoravam a chegar da Europa ao Rio e São Paulo e ainda mais a atingir a Bahia (AMADO, 1996, p.52 apud NOGUEIRA, 2009, p.5).

Na metade do século XIX, a sociedade passa a ter atitudes voltadas para os materialistas e

cientificistas exposta pela ciência como uma explicação para os problemas da humanidade, os

atos praticados na época levou os brasileiros a disseminar as idéias liberais, sócio-política e

anarquista. Para a literatura, o homem como expressão do seu tempo, tornando-se analista. O

determinismo parte do principio, da vontade e da escolha da sociedade, partindo a existir a

liberdade onde o individuo começa a fazer tudo o que considera certo, esse comportamento

humano é constituído por três fatores: genética, meio e momento. A determinação dos seus

atos pertence à força de certas causas, externa e interna. Para os que crêem no livre-arbítrio. O

determinismo constitui um principio da ciência experimental que se fundamenta pela

possibilidade da busca das relações constantes entre os fenômenos naturais, é o principio da

causalidade que une cada acontecimento, essa doutrina assevera que todos os acontecimentos,

incorporam vontades e escolhas humanas. Para Auguste Comte (WIKIPEDIA, 2009) a tarefa

a ser cumprida deveria, portanto, ser a instauração do espírito positivo na organização das

estruturas sociais e políticas, para isso, seria necessária uma nova elite científico-industrial,

capaz de formular os fundamentos positivos da sociedade, pra Comte (ano+bibliografia) o

positivismo exerce larga influencia nos mais variados círculos, procurando valorizar as

ciências naturais e suas aplicações práticas, o positivismo teve impulso, graças ao

desenvolvimento dos problemas econômico-sociais com uma base positiva, naturalista,

materialista.

O Termo determinismo foi utilizado pela primeira vez por Hippolyte Taine (WIKIPÉDIA,

2009) para denominar uma visão que apresente o ser humano como produto do meio em que

se encontra, da herança (cultural, social, biológica) recebida e das condições históricas

características do momento em que vive, e procurou fundar a sociologia, fazendo estudos

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científicos sobre a totalidade humana, envolvendo o afetivo, intelectual e prática, individual e

coletiva.

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4 CAPITÃES DA AREIA; UMA NARRATIVA SOCIAL

Jorge Amado narra o romance, Capitães da Areia dividindo em três partes, Cartas à Redação as quais informavam a cidade baiana das aventuras dos capitães da areia e eram publicadas no

jornal A Tarde, nas paginas policiais, que descreviam os furtos praticados por os meninos

abandonados. A redação ficou surpresa ao receber uma carta do padre José Pedro, cujo título

era “será verdade?” onde relatava sobre a realidade do reformatório, lugar para onde as

crianças eram levadas e maltratadas por policiais e que todas as malvadezas daquele lugar só

transformariam em jovens perversos e insensatos e ao serem soltos certamente sairão mais

perversos e aprontando nas ruas de salvador.

Eu tenho ido lá levar às crianças o consolo da religião e as encontro pouco dispostas a aceitá-lo devido naturalmente ao ódio que estão acumulando naqueles jovens corações tão dignos de piedade. O que tenho visto senhor redator, daria um volume. (AMADO, 2002, p.12).

Jorge começa o romance fazendo a descrição de um velho Trapiche abandonado que ficava

em frente ao porto, que antes de ser morada dos capitães da areia era um ponto onde os

veleiros carregados ficavam. Restava apenas uma construção velha e invadida por ratos e

malandros mendigos, logo os capitães da areia vieram tomar posse do trapiche, era lá o

refugio de muitas crianças de rua. Foi nele que Jorge iniciou seu romance de forma que o

leitor possa entender o porquê daquelas crianças que tinha bons corações praticavam atos de

perversidade barbarizando toda população.

Antigamente, aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragorosas, ora vinham se bater mansamente. A água passava por baixo da ponte sob a quais muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela de lua. Desta ponte saíram inúmeros veleiros carregados, alguns eram enormes e pintados de estranhas cores, para a aventura das travessias marítimas. Aqui vinham encher os porões e atracavam nesta ponte de tábuas, hoje comidas. Antigamente diante do trapiche se estendia o mistério do mar-oceano, as noites diante dele eram de um verde escuro, quase negra, daquela cor misteriosa que é a cor do mar à noite. (AMADO, 2002, p.19).

Pedro bala, apresentado pelo narrador como um jovem loiro que tinha um corte no rosto e de

apenas quinze anos, era o chefe do bando, respeitado por todos que habitavam o trapiche,

engajado no grupo dos capitães da areia por ser órfão de pai e abandonado por sua mãe, a

cada dia vai se destacando com seus atos e por ter o poder de liderança, assim o leitor pode

acompanhar e analisar de perto os movimentos do líder do grupo comandando de maneira

compreensiva para que não arborescessem os outros que faziam parte da equipe de bala.

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Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi desta época que a cidade começou a ouvir falar nos capitães da areia, crianças abandonadas que viviam do furto. Nunca ninguém soube o número exato de meninos que assim viviam. Eram bem uns cem e destas mais de quarenta dormiam nas ruínas do velho trapiche. Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas. (AMADO, 2002, p.21).

Assim como Pedro Bala foi introduzido no romance o narrador vai escrevendo cada

personagem e suas características físicas, vocações religiosas e o dom de cada garoto. Amado

revela também nas cenas as intimidades entre elas. Aproveita para ilustrar o cotidiano e a vida

viciosa daqueles pobres meninos. Assim, por exemplo, tomamos conhecimento das

conquistas de Gato que era o mais bonito e elegante da turma, muito esperto, sua diversão

alem dos roubos era se envolver com as prostitutas da cidade. Já o Sem-Pernas é totalmente

diferente, é pequeno tem uma das suas pernas menor, além de agressivo e individualista. Era

quem penetrava nas casas de família fingindo ser um pobre órfão com o objetivo de descobrir

os lugares onde ficavam os objetos de valor para que seus parceiros depois fossem assaltar. O

Sem-Pernas, talvez o mais carente de todo o grupo, sentia-se angustiado devido à falta de

carinho.

João Jose, o Professor, era um garoto magro, inteligente e calmo, o único que sabia ler e

escrever no grupo, ele planejava os roubos dos Capitães da Areia. Gostava muito de tinturas e

se divertia com as cores.

Gostava de saber coisas e era ele quem, muitas noites, contava aos outros, histórias de aventureiros, de homens do mar, de personagens heróicos e lendários, historias que faziam aqueles olhos vivos se espicharem para o mar ou para as misteriosas ladeiras da cidade, numa ânsia de aventuras e de heroísmo. (AMADO, 2002, p.24).

João Grande era negro, alto, forte e considerado o burro do grupo, mas em compensação o

defensor dos meninos pequenos. Figura importante no grupo porque realizava os mais

audaciosos furtos ao lado de Bala.

Antônio, magro e muito alto, Pirulito tinha a cara seca, olhos fundos, boca rasgada e pouco

risonha. Dentre o grupo apenas ele tinha vocação religiosa, apesar de pertencer aos Capitães

da Areia. Parou de roubar, para sobreviver vendia jornais, seu destino foi ajudar o padre José

Pedro que defendia os meninos abandonados numa paróquia distante.

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O que ele queria era felicidade, era alegria, era fugir de toda aquela miséria, de toda aquela desgraça que os cercava e os estrangulava. Havia, é verdade, a grande liberdade das ruas. Mas havia também o abandono de qualquer carinho, a falta de todas as palavras boas. Pirulito buscava isso no céu, nos quadros de santo, nas flores murchas que trazia para nossa senhora das sete dores, como um namorado romântico dos bairros chiques da cidade traz para aquela a quem ama com intenção de casamento. (AMADO, 2002, p.30).

Mulato troncudo e feio, Boa Vida era o mais malandro do grupo, sabia tocar violão, também

participava dos principais roubos do grupo, vivia correndo pelos morros da cidade compondo

samba. Um mulato sertanejo, afilhado de Lampião que odiava a polícia. O destino de Volta Seca foi ir

para o sertão na rabada de um trem, até entrar no grupo de Lampião e virar um cangaceiro destinado.

O Sem-Pernas recuou e a sua angústia cresceu. Todos procuravam um carinho, qualquer coisa fora daquela vida: O professor naqueles livros que lia a noite toda, o Gato na cama de uma mulher da vida que lhe dava dinheiro, Pirulito na oração que a transfigurava, Barandão e Almiro no amor na areia do cais. O Sem-Pernas sentia que uma angústia o tomava e que era impossível dormir. (AMADO, 2002, p.39).

Já a segunda parte da narração é mais longa, relata a história de amor que surge quando Dora

torna-se a primeira "Capitã da Areia”. Noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos.

Tinha treze para quatorze anos, Dora era a única mulher do grupo e se adaptou bem a ele. Era

uma menina muito simples, dócil, bonita, simpática e meiga. Conquistou facilmente o grupo

com seus cabelos lisos. Seus pais haviam morrido de alastrine e ela ficou sozinha no mundo

com seu irmão pequeno. Encontrou João Grande e o Professor que a chamaram para morar no

Trapiche, e logo ela já era considerada por todos como uma mãe, irmã e para Bala uma noiva.

Pedro bala pensava em Dora. No cabelo loiro que caía no pescoço, nos olhares dela. Era bonita, era igual uma noiva. Noiva... Nem podia pensar nisso. Não queria que os outros do grupo se sentissem com direito de pensar em safadezas com ela. E se ele dissesse a Dora que ela era como uma noiva para ele, outro poderia se julgar no direito de também dizer. E então não haveria mais lei nem direito entre os capitães da areia. Pedro bala se recorda de que é o chefe... (AMADO, 2002, p.179).

O Querido de Deus era um grande capoeirista da Bahia, respeitado por eles, sempre ensina

sua arte para alguns deles e exerce grande influência sobre os garotos. Padre José Pedro de

origem humilde, discriminado por não possuir a cultura nem a erudição dos colegas,

demonstra uma crença religiosa sincera. Por isso, assume a missão de levar conforto espiritual

às crianças abandonadas da cidade, das quais os Capitães da Areia são o grande expoente.

Mãe de Santo D. Aninha. Envolviam-se no candomblé, capoeira e respeitava a igreja.

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O padre José Pedro, enquanto esperava sua paróquia, se dedicara aos meninos abandonados. Não podia dizer que os resultados tivessem sido grandes. Mas era preciso compreender que ele estava fazendo uma experiência, que muitas vezes tinha que voltar atrás. Fazia pouco tempo que o padre captara de toda confiança dos meninos. Estes já o tratavam como amigo, mesmo quando não levavam a sério como sacerdote. O padre tivera de passar por cima de muita coisa para conseguir a confiança dos capitães da areia. (AMADO, 2002, p.140).

Apesar da idade, os capitães da areia vivem cheios de ilusões mostrando traços infantis, chega

à cidade um carrossel da frança, encantador com suas luzes de diversas cores levando

divertimentos e alegrias por todo nordeste. Os meninos ao ver cores brilhando, cavalos dando

voltas, musicas de uma velha pianola e muitos animais, se apaixonaram por tudo aquilo. O

narrador mostra através da fala, o quanto os leitores possam perceber o quanto são carentes da

convivência familiar e a precoce infância e, o leitor perceba em cada olhar dos meninos que

deseja apenas poder brincar e conhecer todos os brinquedos do parquinho de diversões.

Então eles foram como crianças, gozaram daquela felicidade que nunca havia gozado na sua meninice de filhos de camponês: montar e rodar num cavalo de madeira de um carrossel, onde havia música de uma pianola e onde as luzes eram de todas as cores: azuis, verdes, amarelas, roxas e vermelhas como o sangue que sai do corpo dos assassinados. (AMADO, 2002, p.56).

A Bahia é conhecida como a terra de todos os santos por causa da mistura de religiões, e, é ela

que o escritor baiano Jorge Amado escolhe como cenário para suas obras romanescas,

levando em consideração sua paixão pela cidade em que viveu por muito tempo. A obra

capitães da areia é um dos mais apanhados romances de Jorge amado, que tem uma grande

admiração pelos meninos de rua, que guardavam consigo a esperança de conseguir dinheiro e

comida. Ele se preocupa em mostrar detalhes da convivência entre eles. Em os Capitães da

Areia o escritor explora a cidade de Salvador como cenário, para mostrar a realidade que

aqueles meninos abandonados viviam, através dos personagens cujos classificados pela

sociedade baiana como vagabundos. Amado, escolhe a cidade alta onde ali concentrava a

maioria das pessoas que tinha condições financeiras e, era lá que na maioria das vezes os

garotos buscavam pela sua sobrevivência por meio de furtos.

Desde aquela tarde em que seu pai, um carroceiro gigantesco, foi pego por um caminhão quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua, João Grande não voltou à pequena casa do morro. Na sua frente estava a cidade misteriosa, e ele partiu para conquistá-la. A cidade da Bahia, negra e religiosa, é quase tão misteriosa como verde mar. Por isso João Grande não voltou mais. Engajou com nove anos nos capitães da areia (AMADO, 2002, p.22).

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As ruas de Salvador em que os capitães andavam e aprontavam barbaridades mostram aos

leitores as cenas dramáticas da pobreza, isso o leva de encontro com os meninos abandonados

da cidade. Amado preocupa-se em mostrar em detalhes cada lugar que os meninos andavam e

o que faziam, narrando minuciosamente os acontecimentos.

O narrador, mesmo distante mostra cada ato seja aqueles que aterrorizam ou até mesmo os

que demonstrem carinho realizado por eles, a obra é narrado de forma tão nítida que para o

leitor, Jorge vive cada personagem, sentindo, a dor, quando são surrados por policias, tristeza,

quando não conseguem saciar a fome que muitas vezes não os deixam dormir, amargura, em

saber que não tem o carinho materno, o abandono e alegria.

Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, uma mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um animal perseguido por outros mais fortes (AMADO, 2002, p.31).

Para os personagens, a busca pela sobrevivência impulsionava para os furtos, a cada ação

realizada com sucesso despertava ainda mais a ânsia de procurar fazer de forma que tudo

pudesse correr bem, era através dos planos feitos pelo professor, que eles praticavam furtos e

que muitas das vezes não ocorria como o planejado deixando-os furiosos e entristecidos. A

terceira parte é decorrida sobre Canção da Bahia, Canção da Liberdade, após casar-se com

Bala, Dora morre de uma grande febre, essa tão inesperada partida de Dora.

Consequentemente é mostrado como os garotos se dispersaram, descrevendo o destino

daqueles pobres meninos. O triste e lamentável fim do Sem-Perna que ficou com medo de ser

capturado pela polícia, a qual tanto odiava, ao se jogar como trapezista acaba se arrebentando

na montanha.

A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos atabaques que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes, onde vão os condutores e motorneiros grevistas. Uma voz que vem do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros dos navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira, que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de Don’Aninha, na noite que a polícia levou

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Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. Que vem do reformatório e do orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se atirando do elevador para não se entregar: Que vem no trem da Leste Brasileiro, através do sertão, do grupo de Lampião pedindo justiça para os sertanejos. Que vem de Alberto, o estudante pedindo escolas e liberdade para a cultura. Que vem dos quadros de Professor, onde meninos esfarrapados lutam naquela exposição da rua Chile. Que vem de Boa-Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões, dos sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade: companheiro (AMADO, 2002, p.253).

O Professor vai para o Rio de Janeiro tornando-se um pintor de sucesso. Já o Gato tornou-se

malandro de primeira linha. Pirulito que gostaria tanto de servir a Deus e gostava de ajudar o

pare Pedro acaba tornando-se frade. O padre sonhava em ter uma paróquia só pra ele e

finalmente consegue uma no interior, onde ajuda os sertanejos. Volta Seca encontra seu

padrinho Lampião e segue sua vida como um cangaceiro matava os saldados que passassem

na sua frente, mas acaba sendo capturado e condenado.

Contava como as vilas saqueadas há algum tempo vinham notando entre o bando de Lampião uma criança de uns dezesseis anos, que levava o nome de Volta Seca. Apesar da sua idade, o jovem cangaceiro se fizera temido em todo sertão como um dos cruéis do grupo. Constava que seu fuzil tinha trinta e cinco marcas. E cada marca num fuzil de cangaceiro representa um homem morto (AMADO, 2002, p.241).

João grande que gostava tanto do mar torna-se marinheiro. Por se dá tão bem na capoeira

Querido de Deus não deixa sua vida de capoeirista. Bala abandona a liderança e passa ser

líder de um grupo de choque para ajudar os doqueiros tornando-se revolucionário comunista.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho monográfico buscou-se mostrar, através da obra romanesca Capitães da Areia

do escritor baiano Jorge Amado apresentando a realidade existente até os dias de hoje sobre a

problemática da marginalização de menores onde o papel da elite é se preocupar com o seu

bem estar e o poder econômico, tratando os meninos abandonados como delinqüentes,

desvalorizando a cultura baiana.

É por esse e outros motivos que o escrito escolhe a cidade baiana para narrar a história dos

meninos de rua explorando suas criticas política e cultural.

Denuncia problemas sociais como a questão do menor abandonado e das diferenças de classe

social, gerando discriminação, marginalidade, prostituição, miséria, pobreza, abandono,

infelicidade, entre outras problemáticas na sociedade que não se posiciona para buscar

soluções que possam solucionar a miséria dessas crianças condenadas a viver do furto,

todavia, atualmente,a situação crítica do país remete a uma realidade por varias injustiça

sociais, levando o cidadão brasileiro à se comportar como mendigos.

Essas críticas mostram que as obras de Amado fazem parte de um populismo literário, é o

caso de os Capitães da Areia, Bosi (2001, p.331) afirma que é uma mistura de equívocos e

será por certo uma arte revolucionária. Jorge traz na obra de maneira clara os problemas do

povo brasileiro misturando crença religiosa, ideologia, a cultura popular contra qualquer

opressão e preconceito tais como o candomblé e o falar popular. Nas cenas do livro é

constante o desprezo das autoridades para com a pobreza até mesmo a imprensa que ao em

vez de defender os garotos transmitia informações acusando-os de delinqüentes. Trecho da

carta do secretário do chefe de polícia à redação do jornal A Tarde (AMADO, 2002, p.7).

Tendo chegado ao conhecimento do Dr. Chefe de Polícia ao local publicada ontem na segunda edição desse jornal sobre as atividades dos “Capitães da Areia”, bando de crianças delinqüentes, e o assalto levado a efeito por este mesmo bando na residência do comendador José Ferreira, o Dr. Chefe de Polícia se apressa a comunicar à direção deste jornal que a solução do problema compete antes ao juiz de menores que à polícia. A polícia neste caso deve agir em obediência a um pedido do Dr. Juiz de Menores. Mas que, no entanto, vai tomar sérias providências para que semelhantes atentados não se repitam e para que os autores do de anteontem sejam presos para sofrerem o castigo merecido.

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Talvez esse romance seja um dos mais apreciados pelos leitores nordestinos, por tratar de uma

temática real representando a vida sofrida e a luta pela sobrevivência, por meio da

personagem, padre Pedro e das suas atitudes, o escritor procura mostrar como deveria ser o

papel da igreja na sociedade procurando ajudar os pobres, moradores de rua e os problemas

sociais, muito mais que isso, uma questão de amor ao próximo, mas a igreja só se preocupava

em tirar proveito da classe alta para se manter, apenas o padre procurou ajudar os meninos de

rua e os mais pobres. Supervaloriza a humanidade das crianças, ironiza a ganância e o

egoísmo das classes dominantes.

Outro aspecto importante na obra é a figura da mulher na vida dos capitães da areia, a

personagem Dora, se integra ao grupo, trazendo, com a presença feminina, carinho para as

crianças, cumprindo o papel de mãe que elas não tiveram. Veja como o personagem, Gato via

em Dora sua mãe, que cuidaria dele e dos seus colegas do grupo com carinho e amor.

A mão de Dora o toca de novo. Agora a sensação é diferente. Não é mais um arrepio de desejo. É aquela sensação de carinho bom, de segurança que lhe davam as mãos de sua mãe. Dora está por detrás dele, ele não vê. Imagina então que é sua mãe que voltou. Gato está pequenino de novo, vestido com um camisolão de bulgariana e nas brincadeiras pelas ladeiras do morro o rompe todo. E sua mãe vem, faz com que ele se sente na sua frente e suas mãos ágeis manejam a agulha, de quando em vez o tocam e lhe dão aquela sensação de felicidade absoluta. Nenhum desejo. Somente felicidade. Ela voltou, remenda as camisas do Gato. Uma vontade de deitar no colo de Dora e deixar que ela cante para ele dormir, como quando era pequenino. Se recordar que ainda é uma criança (AMADO, 2002, p.169).

A obra denuncia o abuso do poder publico e inconformados com as leis sociais, onde os

donos do dinheiro, de bens materiais e das forças policiais, as classes dominantes desprezam e

exploram as classes menos favorecidas sem que, contudo, isso implique possibilidade de

felicidade ou de realização pessoal.

A desigualdade social tem causado o crescimento de crianças e jovens sem preparação para a

vida e muitos deles não conseguem oportunidades e acabam se tornando marginais ou

desocupados, às vezes não porque querem, mas sim por não sobrarem alternativas é o caso

dos capitães da areia. Outro fator que agrava essa situação é a violência que cresce a cada dia

no Brasil.

A Bahia alegre e de diversas sabedorias de um povo apaixonado por sua cultura religiosa onde

a fé não se expressa pela auto-glorificação, mas de lutar e conseguir realizar o esperado com

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dignidade sem prejudicar ninguém. A obra nos permite uma leitura simplória do cenário de

salvador e do cotidiano daqueles jovens, principalmente pela importância de Jorge Amado

para a literatura brasileira e sua forte ligação cultura baiana.

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ANEXOS

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Livro

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Jorge Amado

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Fundação Casa Jorge Amado