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Revista Amanhã http://amanha.terra.com.br/edicoes/181/capa01.asp Edição: 181 09/02 Dez regras inusitadas para transformar a empresa numa usina de idéias Andreas Müller A catequese da gestão corporativa já criou as mais variadas teorias de administração. Desde o início da década de 1980, gurus como Michel Hammer, Peter Drucker e Alvin Toffler têm elaborado conceitos cada vez mais sofisticados. Ano após ano, as companhias têm ficado mais competitivas, produtivas e robustas. Ao mesmo tempo, contudo, elas têm deixado de lado algo que costumava ser a marca registrada dos negócios do século passado: a capacidade de inovação. São tantas as regras, métodos e padrões guiando a vida das pessoas que, hoje, muitas idéias diferentes acabam sendo encaradas como verdadeira maluquice. Principalmente se estiverem na contramão das filosofias que regem as organizações. “No Brasil, as empresas são verdadeiras reféns da literatura e das práticas organizacionais criadas pelos norte- americanos”, destaca Moysés Simantob, coordenador executivo do Fórum de Inovação da Escola de Administração de Empresas em São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV). Esse fenômeno se torna ainda mais claro nos ambientes de trabalho em que essas práticas de gestão vigoram. Diversos estudos mostram que, se muito rígidas, essas normas acabam “domesticando” o raciocínio de funcionários, gerentes e outros tipos do ecossistema empresarial. Como conseqüência, os profissionais começam a agir, pensar e ter idéias repetidas ou muito parecidas. “Existe nas organizações uma coleção de regras, rituais e filosofias não escritas que fazem você pensar mil vezes antes de tomar qualquer atitude que não esteja no papel”, acusa Fábio Steinberg, consultor de comunicação empresarial e autor do best-seller Ficções Reais (Campus, 224 páginas). Nesse caso, a única maneira de as empresas revigorarem o potencial criativo dos funcionários é dando uma boa chacoalhada na coluna-mestra de sua gestão: a cultura organizacional. Pode parecer arriscado, mas é um mal necessário num mundo em que as empresas têm cada vez mais dificuldades para se diferenciarem umas das outras. “A única maneira de você garantir um diferencial competitivo para os seus negócios é por meio da inovação. E não dá para inovar sem correr alguns riscos”, garante Steinberg. Nesta reportagem especial, AMANHÃ sugere dez iniciativas para as empresas que estão dispostas a movimentar o ambiente organizacional em busca de produtos, serviços e até mesmo técnicas de gestão inovadoras. As sugestões foram extraídas do livro Idéias Malucas Que Dão Certo, de Robert L. Sutton (Campus, 290 páginas). Professor e pesquisador da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Sutton estudou a fundo os hábitos que regem a rotina de corporações voltadas para a criatividade. Uma amostra do que ele concluiu está nas próximas páginas. A quem achar que tudo não passa de brincadeira ou “maluquice”, fica o recado: todas esas idéias, mesmo as mais inusitadas, já foram adotadas na prática por grandes empresas. Com sucesso.

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Dez regras inusitadas para transformar a empresa numa usina de idéias Andreas Müller

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Revista Amanhã http://amanha.terra.com.br/edicoes/181/capa01.asp Edição: 181 09/02

Dez regras inusitadas para transformar a empresa numa usina de idéias Andreas Müller A catequese da gestão corporativa já criou as mais variadas teorias de administração. Desde o início da década de 1980, gurus como Michel Hammer, Peter Drucker e Alvin Toffler têm elaborado conceitos cada vez mais sofisticados. Ano após ano, as companhias têm ficado mais competitivas, produtivas e robustas. Ao mesmo tempo, contudo, elas têm deixado de lado algo que costumava ser a marca registrada dos negócios do século passado: a capacidade de inovação. São tantas as regras, métodos e padrões guiando a vida das pessoas que, hoje, muitas idéias diferentes acabam sendo encaradas como verdadeira maluquice. Principalmente se estiverem na contramão das filosofias que regem as organizações. “No Brasil, as empresas são verdadeiras reféns da literatura e das práticas organizacionais criadas pelos norte-americanos”, destaca Moysés Simantob, coordenador executivo do Fórum de Inovação da Escola de Administração de Empresas em São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV). Esse fenômeno se torna ainda mais claro nos ambientes de trabalho em que essas práticas de gestão vigoram. Diversos estudos mostram que, se muito rígidas, essas normas acabam “domesticando” o raciocínio de funcionários, gerentes e outros tipos do ecossistema empresarial. Como conseqüência, os profissionais começam a agir, pensar e ter idéias repetidas ou muito parecidas. “Existe nas organizações uma coleção de regras, rituais e filosofias não escritas que fazem você pensar mil vezes antes de tomar qualquer atitude que não esteja no papel”, acusa Fábio Steinberg, consultor de comunicação empresarial e autor do best-seller Ficções Reais (Campus, 224 páginas). Nesse caso, a única maneira de as empresas revigorarem o potencial criativo dos funcionários é dando uma boa chacoalhada na coluna-mestra de sua gestão: a cultura organizacional. Pode parecer arriscado, mas é um mal necessário num mundo em que as empresas têm cada vez mais dificuldades para se diferenciarem umas das outras. “A única maneira de você garantir um diferencial competitivo para os seus negócios é por meio da inovação. E não dá para inovar sem correr alguns riscos”, garante Steinberg. Nesta reportagem especial, AMANHÃ sugere dez iniciativas para as empresas que estão dispostas a movimentar o ambiente organizacional em busca de produtos, serviços e até mesmo técnicas de gestão inovadoras. As sugestões foram extraídas do livro Idéias Malucas Que Dão Certo, de Robert L. Sutton (Campus, 290 páginas). Professor e pesquisador da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Sutton estudou a fundo os hábitos que regem a rotina de corporações voltadas para a criatividade. Uma amostra do que ele concluiu está nas próximas páginas. A quem achar que tudo não passa de brincadeira ou “maluquice”, fica o recado: todas esas idéias, mesmo as mais inusitadas, já foram adotadas na prática por grandes empresas. Com sucesso.

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Tem sido assim desde a pré-história do mundo corporativo: para ser aprovado numa entrevista de emprego, basta que o candidato tenha as habilidades requeridas para preencher a vaga e um perfil psicológico parecido com o dos demais funcionários. Nada mais óbvio, já que as empresas sempre querem que o novato se adapte rapidamente ao seu código organizacional – aquela série de “pode” e “não-pode” que, implicitamente, rege o ambiente de trabalho. “As companhias tentam não correr riscos. Por isso, contratam profissionais que estejam alinhados com sua cultura interna”, explica Celso de Camargo Campos, sócio-diretor e headhunter da Transearch Consultoria, do Paraná.

Essa metodologia tradicional funciona bem nas empresas que desejam profissionais capazes de repetir suas maneiras comprovadas de pensamento e ação. Principalmente para funções em que o objetivo é fazer o trabalho sempre da mesma maneira – como a dos enfermeiros nas cirurgias, por exemplo. Mas está fora de moda nas organizações ou equipes que dependem da criatividade ou estão dispostas a inovar. “Quando o grupo tem personalidades muito homogêneas, os funcionários tendem a perder um pouco da visão crítica. Ficam incapazes de perceber coisas que, para pessoas de fora, soariam como verdadeiras esquisitices”, indica o consultor Fábio Steinberg. A saída maluca de Sutton para não cair na mesmice é fazer exatamente o contrário do que pregam os métodos de recrutamento tradicionais. Em outras palavras, contratar pessoas que, visivelmente, vão penar para absorver o código organizacional da companhia. De preferência, que tenham dificuldades de comunicação, sejam tímidos demais e nunca tenham trabalhado no cargo que está sendo disputado. “Esses dissidentes e desajustados sociais podem deixar chefes e colegas de trabalho loucos, mas aumentam a faixa do que é pensado em uma empresa”, defende Sutton, em seu livro. “É uma questão de biodiversidade da companhia”, comenta Moysés Simantob, do Fórum de Inovação da EAESP/FGV. “Ter gente estranha no negócio é uma forma de causar rupturas com o passado e criar um maior debate interno. Isso realmente pode estimular a inovação e provocar idéias diferentes”, arremata. Sutton vai ainda mais longe: aconselha empresários e gestores a contratarem profissionais dos quais ninguém goste, nem mesmo quem os selecionou. Do contrário, argumenta, é muito provável que a organização acabe recrutando imitações dos funcionários que já estão na folha de pagamentos – pecado capital imitações dos funcionários que já estão na folha de pagamentos – pecado capital para as empresas que ambicionam inovação e criatividade. “As pessoas de que você gosta geralmente são aquelas que têm as mesmas características suas”, argumenta Jerônimo de Lima, da Convergge Tecnologias de Gestão. Resumindo, aquele chato com quem ninguém tem afinidade no escritório pode ter grande utilidade para os negócios, justamente por ser diferente dos demais. Nas discussões, reuniões de brainstorming e de desenvolvimento de novos projetos, exemplifica Sutton, ele lança mão de pontos de vista controversos, servindo de contraponto ao conformismo. Faz observações irritantes, complica por detalhes que todos consideram irrisórios... E atua como uma vacina (dolorida, é verdade) contra idéias que não estejam perfeitamente explicadas e fundamentadas. Em seu livro, Sutton detalha como evitar que o escritório se transforme num reduto de clones sem nenhuma criatividade: • Se um grupo não for criativo o bastante, contrate alguém com diferentes habilidades e novas crenças sobre como fazer seu trabalho. Designe o recém-chegado para o grupo e explique a todos por que, ainda que não gostem do novato, ele será tão importante. • Se contratar pessoas que provoquem desconforto em você e nos outros, tome um cuidado adicional para sempre ouvir as idéias do contratado. E insista para que os demais funcionários tomem uma atitude semelhante. • Se você é jovem, contrate pessoas velhas. Se for velho, selecione funcionários novos. A diferença tende a provocar um desconforto saudável na equipe. Contrato de risco – O problema de se contratar pessoas de que ninguém gosta é que o ambiente de trabalho tende a se tornar um verdadeiro campo de batalhas. “A primeira reação dos funcionários diante de um profissional tão desalinhado será a de contrariedade. Diversos conflitos vão aparecer, e a equipe não conseguirá absorver esse colega”, imagina Simantob, do Fórum de Inovação da EAESP/FGV. Para evitar esse desfecho, algumas precauções devem ser tomadas. A primeira: tão logo assinar contrato com o chato, a empresa precisa comunicar os funcionários sobre as características do novo colega. Da mesma forma, tem de explicar que o ovelha-negra está chegando unicamente com o objetivo de complementar e qualificar o trabalho criativo do grupo. Esses esclarecimentos são importantes para aumentar o grau de tolerância. “Em geral, as pessoas sentem medo de mudanças. Por isso, também é importante comentar e enfatizar o que as alterações de percurso trarão de positivo para elas. Senão, a tensão pode comprometer a performance da organização “, acrescenta Almiro dos Reis Neto, diretor da consultoria FranQuality e ex-gerente de RH da rede McDonald’s. Se vale a pena correr tantos riscos, é difícil dizer. O próprio Sutton afirma: “Meu único argumento para experimentar esta idéia maluca é que ela... funciona!”.

Contrate chatos

Trabalhe com pessoas estranhas ou das quais você não gosta

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As organizações que ainda não estão preparadas para encarar chatos e desajustados podem recorrer a outra forma de fomentar a inovação: recrutar profissionais que, embora sociáveis, pareçam inúteis. Nesse caso, recomenda-se buscar um advogado para preencher uma vaga no departamento de recursos humanos, por exemplo. Ou ainda um engenheiro, caso a função seja na equipe de criação de uma agência de propaganda. Embora pareça mais uma insanidade, buscar profissionais que parecem não ter serventia nos departamentos onde vão atuar é algo perfeitamente seguro. A própria contratação pode ser temporária, apenas para estimular novas idéias sobre um determinado projeto ou mudança que esteja em curso. “A principal razão para se contratar pessoas desnecessárias é que elas trazem idéias que fazem falta à empresa. Elas trazem novas perspectivas, um desdém com relação ao dogma aceito”, argumenta Sutton. Muitas empresas já adotam práticas bastante parecidas com essa. A que está mais em voga, atualmente, é a das equipes multidisciplinares – em que funcionários de diferentes áreas da companhia (já contratados) são convocados para debater e resolver, em grupo, um determinado problema. “A variedade de estilos e habilidades estimula a criatividade”, define Márcia Neuding, sócia da consultoria Neuding e especialista em gestão de pessoas pelo Grupo IBC do Brasil, que promove palestras para empresários. Um exemplo prático de como essa interação pode ter final feliz aconteceu na catarinense Oxford, uma das maiores fabricantes de cerâmicas de mesa e cozinha do país. Recentemente, um dos gerentes da empresa voltou de uma viagem ao Nordeste com uma idéia brilhante para um novo produto. “Enquanto descansava em um bar à beira-mar, ele percebeu que o vento espalhava as cinzas dos cigarros sobre a mesa. Aí pensou em criar um cinzeiro mais alto, especialmente para ser usado em estabelecimentos que ficam na orla”, relata Walther Biselli Jr., presidente da Oxford. Detalhe: o gerente era do setor de serviços e manutenção, que tem pouca ou nenhuma relação com o de desenvolvimento de produtos da indústria. “Temos uma política que nos permite opinar em áreas que não são nossas”, explica Biselli Jr.

Os fracassos em grande quantidade são parte inseparável de qualquer trabalho criativo. Estimule os erros como forma de atingir o sucesso

Diante disso, fica fácil perceber que a convivência com profissionais de ofícios diferentes é um tanto saudável para os departamentos que desejam inovar. O que vale é a troca de conhecimentos. “Numa equipe, o importante é que haja a combinação certa de habilidades para enfrentar os desafios”, prega Jon Katzenbach, no livro Equipes de Alta Performance (Campus, 213 páginas). A moral da história é que, não raro, as habilidades que faltam em determinado grupo estão, justamente, em profissionais de outras áreas – que, de tão diferentes, realmente parecem não ter serventia. Uma dica para encontrar os “inúteis” certos é entrevistar candidatos a emprego que pareçam interessantes, mas que tenham uma formação que não está relacionada com que a empresa faz. “Pergunte como eles podem ajudar: você poderá ter uma surpresa agradável”, garante Sutton.

Qual a importância do corte de cabelo para o desempenho de um profissional? E da estatura? Por mais irrelevante que pareçam, respostas a questões como essas são cuidadosamente avaliadas em entrevistas de emprego. Uma pesquisa do Grupo Catho revela, por exemplo, que 73% dos executivos brasileiros torcem o nariz para candidatos que estão acima do peso. Em compensação, 55% preferem contratar profissionais que têm cabelos curtos. E 25% dizem preferir aspirantes mulheres que não usam maquiagem. Isso apenas comprova o que diversos outros estudos já acusaram: as entrevistas, na verdade, são uma maneira pouco objetiva e extremamente ineficaz de selecionar novos funcionários. Há, no entanto, um benefício pouco conhecido que as entrevistas de emprego oferecem às empresas: a de fomentar a criatividade e a inovação. Com as perguntas certas, o entrevistador consegue arrancar idéias surpreendentes dos candidatos – e de graça. “Algumas empresas que precisam de profissionais para determinado projeto transformam a entrevista de seleção numa verdadeira consulta”, relata Nair de Almeida, consultora da Estratégia RH, em Porto Alegre. O contato com os candidatos, que estão dispostos a mostrar tudo que sabem, é capaz de motivar inovações que dificilmente os funcionários já contratados pela companhia conseguiriam gerar. “No que diz respeito a fontes para geração de idéias, inspiração, estímulo e observação, conversar e estar com outras pessoas são métodos imbatíveis”, endossa Jordan Ayan, no livro AHA! – Dez Idéias para Libertar Seu Espírito Criativo e Encontrar Grandes Idéias (Negócio Editora, 285 páginas).

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No Brasil, algumas empresas de ponta adotam uma metodologia bastante semelhante para garimpar idéias e, de quebra, selecionar novos funcionários e executivos. A técnica consiste em reunir os cinco melhores candidatos e expor a eles (sem que saibam) certos problemas que realmente precisam ser resolvidos. “Se o objetivo é encontrar novas maneiras de atacar suas dificuldades internas, a organização não só pode como deve fazer isso”, comenta Celso Campos, da Transearch. Abaixo, algumas das perguntas que não devem faltar numa entrevista de emprego cujo objetivo seja o de buscar idéias, segundo Sutton: • O que você aprendeu sobre nossa empresa que poderia me surpreender? • Quais você acha que são as tendências mais importantes em nosso mercado? O que é inovador, o que você vê acontecendo no futuro, e por quê? • Que tecnologias, práticas comerciais e modelos de negócios interessantes estão sendo utilizados na sua empresa atual? • Na sua opinião, quem são nossos maiores concorrentes agora? E quem serão nossos maiores concorrentes no futuro? Um cuidado especial precisa ser tomado quanto ao lado ético das perguntas. Dependendo do caso, o pobre do entrevistado pode se sentir forçado a revelar informações sigilosas sobre as empresas em que já trabalhou – caso seja questionado sobre elas. “As pessoas querem conversar sobre as coisas ótimas que conhecem, mas não sabem, não lembram ou não se importam com o que não deveriam dizer”, alerta o autor das idéias malucas.

Provoque brigas e discussões em torno de novas idéias. A competição estimula as pessoas a falarem mais, o que motiva a criatividade

O caminho mais eficiente e ético para fazer os candidatos desembucharem tudo o que sabem é adotar a tática dos psiquiatras freudianos. Ou seja, falar o mínimo necessário – ou não falar. O silêncio incomodará o aspirante ao cargo de tal forma que ele tentará falar o máximo possível. “Apenas não se zangue com o entrevistado só porque falar é mais divertido do que ouvir”, ressalva Sutton. Com a palavra, John Kotter, da Harvard Business Scholl: “Culturas (organizacionais) têm conseqüências poderosas. Elas podem permitir que um grupo assuma uma ação rápida e coordenada contra um concorrente ou a favor de um consumidor. Mas também são capazes de levar pessoas inteligentes a caminhar, todas juntas, para a beira do abismo”. O alerta do professor Kotter serve para os muitos empresários que entoam o mantra da cultura orga-nizacional sólida. Se muito enraizada na rotina dos funcionários, essa cultura pode servir de justificativa para que ninguém busque a inovação. Hábitos, práticas e até cargos que deveriam ser extintos acabam se perpetuando em nome dessa rígida personalidade interna da companhia. “O resultado é que as pessoas deixam de dar o melhor que podem à organização. Para cumprir todas as regras e cerimoniais, começam a agir como se estivessem numa espécie de piloto automático”, detalha o consultor Fábio Steinberg. É como na anedota dos dois executivos, ambos com um chapéu ridículo na cabeça. Quando um deles comenta sobre o chapéu, o outro responde: “Também não sei como começou, só sei que ele faz parte da nossa cultura empresarial”. O problema é que, hoje, as empresas não têm mais espaço nem dinheiro para protagonizar esse tipo de burocracia. Principalmente se pretendem inovar ou estimular a criatividade de seus funcionários. “Não podemos mais ficar no feijão-com-arroz. Ou inovamos e nos mantemos à frente dos concorrentes, ou eles vão copiar os nossos produtos e nos deixar sem nenhum diferencial competitivo no mercado”, testemunha Marcelo Pimenta, diretor e um dos fundadores da Conectt Marketing Interativo. Por isso, é desejável que alguém, volta-e-meia, dê uma sacolejada nas estruturas hierárquicas da organização. Em outras palavras, que desafie ordens dos superiores, hábitos de colegas de escritório e, até mesmo, as tradicionais normas da casa. Tudo, claro, sob a bandeira da inovação. “Já trabalhei em muitas empresas. Em todas elas, deu para perceber claramente que um grande número de líderes, às vezes, só atrapalha”, conta a consultora Márcia Neuding, do IBC. Isso ocorre porque, em geral, gerentes e diretores estão

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mais preocupados em zelar pelo planejamento estratégico e pela cultura interna da companhia. Assim, qualquer idéia que pareça desgarrada das metas sacramentadas pela alta cúpula tende a ser imediatamente vetada. O caso mais ilustre é o da 3M, hoje reconhecida mundialmente por ter a inovação como espinha dorsal de sua filosofia corporativa. Um dos funcionários, conhecido como Drew, resolveu desenvolver um produto que, ele acreditava, poderia se tornar revolucionário. Ao saber disso, o CEO da corporação ordenou que Drew abandonasse o projeto, insistindo que jamais funcionaria. Ignorando a ordem, o subordinado continuou a elaborar a idéia por conta própria. Dias depois, concluiu seu invento: a fita adesiva, um dos produtos mais vendidos pela 3M em toda a história. Outro exemplo clássico é o de Ricardo Semler, que costuma repetir em entrevistas à imprensa que seu papel como presidente da Semco é o de desobstruir o caminho para que novas idéias floresçam entre os funcionários.

De qualquer forma, duas questões importantes devem ser observadas antes de se peitar superiores e colegas de trabalho. Uma é conferir se o chefe, gerente, diretor etc está disposto a tolerar a rebeldia. “É preciso que o líder tenha a mente aberta para esse tipo de desacordo”, revela Almiro dos Reis Neto, da FranQuality. Outra é certificar-se de que o motim pode mesmo trazer vantagens para os negócios – como no caso da 3M. “O que interessa para as empresas é se as mudanças são capazes de gerar resultados”, resume Francisco Britto, sócio e consultor da B Consultoria, de São Paulo. Outras dicas de Sutton para que as rusgas entre chefes e subordinados resultem em novas e valiosas idéias: • Contrate pessoas ousadas e dê a elas autoridade para ignorar, sobrepujar ou demitir veteranos que se meterem em seu caminho. • Faça uma “socialização invertida”: impeça que os novatos aprendam com os veteranos. Em vez disso, peça aos recém-chegados para que ensinem suas novas idéias a funcionários mais antigos na casa. • Incentive as pessoas a desafiar a autoridade: se os funcionários apenas conversarem e fizerem o que seus chefes esperam, pedem ou mandam, a tendência é de que poucas idéias sejam discutidas e experimentadas. • Abra espaço: assim como Ricardo Semler, dê chance, tempo e recursos para empregados que desejam trabalhar em projetos “de estimação”. E tente não perguntar como isso tudo está sendo utilizado.

Em maio deste ano, AMANHÃ publicou uma reportagem com o sugestivo título “Não fuja das brigas”. O texto ensinava que, se bem administrados, os conflitos no local de trabalho podem ajudar a firmar relacionamentos entre os funcionários e motivar mudanças nas empresas. Em seu livro, Sutton endossa esse ponto de vista. “Um corpo de pesquisa cada vez maior sugere que conflitos por idéias são bons, especialmente para grupos e organizações que executam trabalho criativo.” Sendo assim, estimular algumas desavenças entre os funcionários parece uma idéia razoável? Pois acredite: vez ou outra, é sim. Principalmente quando o objetivo é potencializar a criatividade do grupo. “Se houver maturidade e respeito, esses conflitos entre os funcionários serão bem-vindos, pois vão gerar novas idéias”, diz Cristiane Gonçalvez, gerente de assessoria em gestão de recursos humanos da KPMG. Segundo ela, essa espécie de “competição respeitosa” faz com que as pessoas tentem aprimorar as suas idéias e a dos próprios colegas, o que qualifica os processos de inovação. “Às vezes, eu provoco alguns conflitos na minha equipe”, confessa Jorge Dias Souza, gerente de treinamento de recursos humanos do Banco Sulamérica. Quando alguém apresenta uma opinião que parece mal explicada, Souza retruca: “É mentira” ou “Duvido que isso dê certo” – só para testar a habilidade da pessoa em defender a idéia. A tensão causada pela desconfiança ajuda a detectar os pontos fortes e fracos daquilo que o funcionário está dizendo. “A situação fica tão estressante que a pessoa fala o que vem à cabeça. É exatamente o contrário de uma ocasião normal, em que a tendência costuma ser a de filtrar algumas informações negativas – e que têm extrema importância”, justifica ele. Obviamente, Souza toma todos os cuidados possíveis antes de recorrer a essa estratégia. Uma delas é a de desafiar apenas os funcionários que já demonstraram maturidade para encarar as intimidações. Outra, a de aceitar numa boa a verdadeira verborragia que alguns deles utilizam como “contra-ataque” nesses casos. Por fim, o executivo procura manter a discussão sempre voltada para um único objetivo: o de trazer resultados para a organização. “O conflito precisa ser construtivo. Ou seja, deve ficar restrito ao campo das idéias. Não se deve deixar as pessoas levarem o debate para o lado pessoal”, enfatiza. Caso contrário, as rivalidades pessoais da equipe assumirão dimensões desastrosas, com direito a fofocas, intrigas e outras picuinhas. “Isso cria tensões capazes de destruir o ambiente de trabalho”, diz Cristiane, da KPMG. Sabe-se também que a técnica da “briga construtiva” está fadada ao fracasso se a equipe não tiver uma grande dose de bom humor na bagagem. A capacidade de brincar, dizem os especialistas, absorve a tensão dos confrontos e atua como ingrediente fundamental para o raciocínio criativo do grupo. “Brincar leva pessoas a um estado mental que contém muitos elementos necessários à criatividade – curiosidade, imaginação, experimentação, fantasia, especulação ou, até mesmo, inversão de papéis e espanto”, aponta Jordan Ayan, no já mencionado livro AHA!. Um estudo da Harvard Business School, não por acaso chamado “Como equipes de gerenciamento podem brigar positivamente”, comprova essa tese. A pesquisa observou diversos times de gerentes em empresas de tecnologia da informação dos Estados Unidos. Conclusão: os mais eficazes eram os que aproveitavam o potencial criativo dos conflitos junto com uma generosa pitada de alto-astral. Em uma dessas equipes, por exemplo, as pessoas contavam piadas e faziam brincadeiras sempre que o debate ficava mais

Idéias no ringue

Encontre pessoas felizes e faça com que elas briguem entre si

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acalorado. Assim, alegravam o ambiente e impediam que os desacordos se transformassem numa confusão mais séria. Às empresas que buscam inovações, basta seguir o exemplo.

A biografia de grandes inventores revela uma característica comum. Todos, sem exceção, fracassaram incontáveis vezes antes de concretizar suas idéias revolucionárias. A chave de seu sucesso foi simplesmente a perseverança. A cada equívoco, eles aperfeiçoavam suas geringonças até que elas funcionassem perfeitamente. “Fracasso é a oportunidade de começar de novo, de modo mais inteligente”, dizia Henry Ford. Da mesma forma, as empresas que desejam criar produtos e serviços inovadores precisam estar preparadas para experimentar muitas idéias furadas. Afinal, os erros são parte inseparável de qualquer esforço de inovação. E é por isso que premiar os equívocos pode ser um caminho valioso para perpetuar a criatividade na companhia. “Se o objetivo é garantir que as pessoas continuem sempre gerando novas idéias, o fracasso também precisa ser recompensado”, reivindica Sutton. Isso não quer dizer que as organizações precisam reservar parte de seu orçamento para bonificar os funcionários que nunca dão uma dentro. “O prêmio pode ser apenas um reconhecimento simbólico para as pessoas que se esforçam em usar sua criatividade no trabalho”, sugere a consultora Márcia Neuding, especialista em gestão de pessoas. Algumas empresas se tornaram célebres por adotar práticas desse tipo. Uma delas é a norte-americana Intel. Já na década de 80, a companhia fazia “balanços de criatividade”, nos quais contabilizava as idéias que haviam dado errado durante o ano. Se o número fosse muito pequeno, a equipe recebia uma punição. “Para eles, deveria haver sempre um grande fluxo de idéias equivocadas”, comenta Sergio Lozinsky, consultor da PriceWaterhouseCoopers. Dessa maneira, a empresa se certificava de que os funcionários estavam verdadeiramente ativos na busca pela inovação. “A grande quantidade de erros lhes dava a certeza de que o número de acertos também havia sido grande”, comenta Lozinsky.

Lute pela inovação: desafie chefes que interferirem em projetos promissores

Um bom motivo para seguir o exemplo da Intel é que, geralmente, é muito difícil dizer quais idéias terão sucesso e quais fracassarão. A única evidência de que um trabalho criativo está sendo bem conduzido geralmente se resume à quantidade de idéias, boas ou ruins, que brotam da equipe. Por isso, as empresas que buscam a inovação precisam eliminar de seus quadros as pessoas que não estão agindo nesse sentido. “A inação é o pior fracasso, talvez o único fracasso que mereça ser punido”, ensina Sutton. Vale lembrar, no entanto, que a receita de premiar o fracasso não se aplica a qualquer organização. Ela serve apenas para equipes em que a inovação é um estilo de vida – e nas quais o erro é tolerável. “Existe uma série de atividades comerciais, de produção e de distribuição que precisam ser feitas sempre com a máxima eficiência possível. Aí não existe espaço para equívocos”, pondera Lozinsky.

Seria uma tragédia, por exemplo, se as empresas de aviação recompensassem o fracasso de seus pilotos.

O poder da fé

Pense algo impraticável, e convença a si mesmo de que o sucesso é garantido

Pense ridículo

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Muitas corporações fazem exames meticulosos de mercado antes de lançar qualquer novo produto. A história, porém, já mostrou que é muito difícil antecipar quando algo será um fiasco ou um sucesso de vendas. Em 1946, um dos chefões da Twentieth Century Fox fez uma previsão que poucos tiveram tutano para contestar: “A televisão não será capaz de se segurar no mercado depois de seis meses. As pessoas logo ficarão cansadas de olhar para uma caixa de madeira toda noite”. Também é famosa a história do guru da IBM que, por volta dos anos 70, vislumbrou espaço para apenas seis computadores no então recém-nascido mercado mundial de informática. Certo é que, ainda hoje, não existe maneira melhor de se definir o potencial de uma nova idéia senão pela confiança depositada nela. Na indústria farmacêutica, isso é conhecido como “efeito placebo”. Pacientes que, sem saber, tomam pílulas de açúcar e apresentam quase os mesmos níveis de melhora que pessoas tratadas com remédios verdadeiros. Da mesma maneira, existem evidências avassaladoras de que o pensamento positivo motiva e até viabiliza novos projetos e empreendimentos. De acordo com Sutton, as empresas podem tirar proveito desse fenômeno para testar idéias e produtos inovadores. “Se a pessoa acredita que uma iniciativa vai dar certo, ela supera impasses e busca soluções para que realmente a idéia funcione”, diz Mauro Carboni, assessor de negócios da MoacyrSchukster & Consultores Associados, que faz intermediações entre investidores e novos empreendimentos em Porto Alegre. A regra também funciona no sentido inverso. “Muitas vezes, vemos negócios promissores deixarem de existir apenas por falta de confiança do empreendedor”, revela. Para evitar que a falta de confiança estrague planos de grande potencial para a empresa, os líderes organizacionais podem tomar certas atitudes: apoiar malucos, hereges e sonhadores, especialmente se eles forem loucamente otimistas quanto às suas idéias. se decidirem apoiar um projeto arriscado, devem convencer a si mesmos de que o sucesso é certo. Se não conseguirem, substituir a si mesmos por pessoas mais otimistas contratar pessoas otimistas e que tenham a capacidade de contagiar os outros com esse pensamento positivo.

Fica a ressalva de Sutton: “Otimismo não significa ignorar ou negar empecilhos. Significa vê-los como eventos temporários que podem ensinar lições cruciais sobre como se chegar ao sucesso”.

Parece maluquice (e talvez seja), mas agir de forma burra pode ser um passo bastante inteligente na construção de uma empresa inovadora. A receita serve principalmente para as companhias que utilizam sessões de brainstorming para desenvolver novos projetos, produtos e serviços. Embora motivem uma verdadeira panacéia criativa, essas reuniões nem sempre garantem que a idéia escolhida seja, de fato, a mais inovadora. Isso ocorre porque os funcionários sempre impõem certa censura ao potencial criativo dos colegas, mesmo que de forma involuntária. Exemplos típicos ocorrem durante o próprio encontro de brainstorming. Enquanto algumas sugestões são recebidas em silêncio pelo grupo, outras suscitam comentários entusiasmados, como: “Puxa, essa foi legal!”. “O resultado é que as pessoas vêem esses encontros como competições de status. Superficialmente, podem parecer divertidas, mas são reuniões onde os vencedores ganham respeito de seus colegas, e os perdedores não”, detalha Robert Sutton. Ao estimular a equipe a ter as idéias mais burras, ridículas e impraticáveis que conseguirem imaginar, evita-se que o grupo adote essa postura anticriativa. Com aval para fazer sugestões de péssima qualidade, os funcionários tendem a se sentir menos pressionados – o que é essencial para que consigam inovar. “Em geral, as pessoas são bastante criativas. Por isso, é importante trabalhar o ambiente para que elas se sintam bastante à vontade para expor suas idéias”, recomenda Mônica Latorre, psicóloga e sócia da consultoria GAP. Naturalmente, o material reunido nesse brainstorming às avessas não deve ser desperdiçado. De acordo com Sutton, uma maneira de aproveitar as idéias obtidas é “revertê-las” e, com isso, desenvolver alguns conceitos-chave. Se a reunião é para imaginar um novo produto, por exemplo, deve-se pedir que a equipe pense naquilo que seria o maior fiasco de vendas da história da empresa. Por meio desse exercício, o pessoal conseguirá definir exatamente o que a organização precisa evitar no caso de uma nova empreitada no mercado. Conforme o caso, as idéias absurdas também podem ser aplicadas na prática. Recentemente, uma empresa norte-americana de brinquedos passou a vender “rochas de estimação” – que, na prática, eram nada mais que pedras. “Mais de um milhão de “rochas de estimação” foram vendidas nos Estados Unidos, em poucos meses, a US$ 3,95 cada”, lembra Sutton. Acredite: a ignorância é uma bênção em processos criativos. De acordo com Sutton, as pessoas que não sabem como as coisas “deveriam funcionar” estão menos suscetíveis à autocensura. Seu pensamento voa mais alto. “Pessoas ignorantes não sabem o que deveriam ver ou ignorar. Por isso, encaram até mesmo idéias antigas de maneiras que os especialistas, muitas vezes, sequer haviam pensado”, aponta. Elas são como as crianças. Volta-e-meia, os pimpolhos assombram os pais com desenhos, brincadeiras e idéias de uma originalidade tremenda. Há uma explicação bastante simples para isso. “O raciocínio das crianças, ao contrário dos adultos, ainda não foi domado pelas crenças e ideologias que regem o mundo”, esclarece Mônica Latorre, da GAP Consultoria. Isso não quer dizer que as empresas devam montar equipes infantis para estimular a criatividade – muito embora isso já tenha sido experimentado, com sucesso, por algumas indústrias de brinquedos. Quer dizer, isso sim, que as companhias deveriam dar menos ouvidos aos “adultos” – especialistas, PhDs, gurus etc – em times nos quais a criatividade é o core-

Imagine algo que pareça impraticável – e planeje como concretizá-lo

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business. “Hoje em dia, quase todo o mundo tem um MBA. É algo tão comum que, muitas vezes, esses executivos já não oferecem qualquer diferencial competitivo à organização”, detona Moysés Simantob, do Fórum de Inovação da FGV. “Particularmente, prefiro estimular meus funcionários a fazerem cursos de filosofia, semiótica, artes etc”, acrescenta. Uma maneira de turbinar a inovação por meio dessa ingenuidade criativa é contratar novatos, jovens e trainees que jamais lidaram com o problema que está sendo debatido e sequer tenham experiência nas áreas relacionadas a ele. Foi assim, por exemplo, que o adolescente Michel Faraday acabou se juntando à equipe de engenheiros com os quais, mais tarde, inventaria o motor elétrico. Ele trabalhava de encadernador de livros quando um pesquisador, por pura simpatia, resolveu contratá-lo como assistente de laboratório. “Curiosamente, seu limitado grau de instrução acabou se revelando uma grande vantagem”, conta David Bodanis, no livro E=mc2 (Ediouro, 327 páginas). Enquanto os estudantes de ciência acreditavam que as forças eletromagnéticas atuavam em linha reta, Faraday supunha que elas formavam em círculo em torno dos ímãs – isso por influência de um grupo religioso do qual participava, que pregava o poder das formas circulares. Ao testar a improvável teoria na prática, Faraday não só comprovou suas idéias como concebeu uma das mais importantes engenhocas da era industrial. Outra boa pedida para quem busca soluções novas é pedir que novatos, adolescentes ou mesmo crianças reflitam sobre alguns problemas que a companhia costuma enfrentar. “Esses jovens podem ser especialmente valiosos para essa tarefa”, garante Sutton. No mínimo, a iniciativa renderá bons momentos de diversão.

O Brasil encantou o mundo na Copa de 1970. Com um esquema fortemente escorado nas habilidades individuais, como os dribles assombrosos de Pelé e a velocidade de Jairzinho, o time verde-amarelo conquistou a taça de maneira incontestável. Já em 1982, com uma organização tática bastante parecida e jogadores tão habilidosos quanto os de 70, a seleção protagonizou um verdadeiro fiasco no campeonato. Qual a explicação?

Dê ouvidos a pessoas estranhas ou das quais você não gosta. Suas opiniões diferentes são um prato cheio para as inovações

A tese mais aceita é de que o Brasil cometeu um erro fatal – que, aliás, é muito comum no mundo corporativo: o de perpetuar estratégias que deram certo no passado, na esperança de que continuem dando certo no futuro. De acordo com Sutton, as organizações que teimam em repetir antigas fórmulas correm riscos de se tornarem obsoletas. “Aqueles que conseguem lembrar do passado de sua empresa estão condenados a repeti-lo”, brinca o autor, em alusão ao famoso ditado do pensador George Santayana. Existem diversos jeitos de evitar essa “armadilha dos sucessos”. Um deles é criar ou investir em negócios que, aparentemente, não fazem parte do foco da empresa. Foi uma iniciativa como essa, por exemplo, que motivou a gigante IBM a largar o rótulo de “fabricante de PC’s” e se transformar numa empresa de soluções em e-business. “De repente, um grupo de rebeldes formou um departamento destinado a desenvolver ferramentas para a web, que mais tarde acabaria transformando a IBM”, conta Gary Hamel, em artigo publicado no livro A Virada das Empresas, da série Harvard Business Review (Campus, 173 páginas).

Outra via para combater a inércia criativa imposta pelo passado é feita sob medida para as empresas que adotam programas de qualidade, como Seis Sigma, ISO 9000 etc. Trata-se de abrir um espaço-padrão nesses métodos para que, sistematicamente, ocorra a renovação de processos, produtos e serviços da companhia. Foi o que fez o consultor Jerônimo de Lima, diretor da Converge Tecnologias de Gestão. Ele criou e normatizou uma reunião mensal exclusivamente voltada para a discussão de inovações na companhia. “Realizamos o encontro mensal, durante um turno, para debater sugestões de melhorias e inovações da equipe”, detalha Lima. Robert Sutton é inimigo da inércia organizacional. Defende, por exemplo, que a criatividade só é possível quando existe tensão entre os funcionários. Nesta entrevista a AMANHÃ, Sutton explica os pontos críticos de seu livro, Idéias Malucas Que Dão Certo.

Águas passadas

Esqueça o passado, especialmente os sucessos da empresa

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Os críticos dizem que suas idéias malucas podem causar impactos violentos demais na cultura das empresas. É este o seu objetivo? Uma das principais mensagens do livro é que o trabalho criativo precisa ser desempenhado de maneira diferente do trabalho de rotina. Muitas das idéias malucas podem parecer radicais. Mas, se os críticos pesquisarem a fundo a literatura corporativa, verão que há uma base empírica para todas essas “maluquices”. Todas elas são aplicadas, na prática, por empresas e equipes criativas. É importante entender, porém, que essas idéias são horríveis para trabalhos rotineiros e repetitivos. E que podem não funcionar em determinadas culturas organizacionais ou em certos países.

Você sugere que funcionários devem desafiar superiores que reprimem a criatividade. Isso não colocaria o emprego do subordinado em risco? As empresas mais modernas e competitivas que conheço encorajam esse tipo de atitude em seus ambientes de trabalho. A Intel, por exemplo, treina seus funcionários para que provoquem conflitos construtivos com as lideranças da empresa. Mais de 100 estudos comprovam que esse tipo de tensão é crucial para que o grupo seja inovador. Se isso vai lhe custar o emprego, acho melhor você beijar o traseiro do chefe e concordar com ele o tempo todo. Mas isso vai eliminar sua criatividade.

Você também propõe que se contratem pessoas de que os funcionários não vão gostar. Como fazer isso sem tornar a companhia um inferno? Essa é uma das idéias malucas que devem ser aplicadas ocasionalmente. Se utilizada de forma exagerada, pode motivar um número nocivo de conflitos de personalidade entre os funcionários. A razão pela qual eu proponho isso é que existem indicações de que gostamos de pessoas que se parecem e pensam como nós. É por isso que algumas organizações de ponta contratam pessoas que, realmente, fazem a gente se contorcer.

Essas idéias envolvem riscos. Como adotá-las se, hoje, as empresas não têm espaço para errar? Esse é o tipo de pensamento que castra a criatividade e encaminha a morte organizacional. Se não estiver disposta a errar, a empresa não inovará.

Veículo: Revista Amanhã Data: Setembro/2002