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CN EM SÉRIE Carga pesada MARTINA CAVALCANTI [email protected] 14 Cidade Nova • Março 2014 • nº 3 A carga aérea pode decolar no Brasil? LOGÍSTICA Enquanto o transporte aéreo de passageiros tem batido recordes nos últimos anos, o transporte de carga continua patinando. Na última reportagem da série, entraves e perspectivas desse modal s aeroportos estão cada vez mais presentes no cotidia- no dos brasileiros. Em dez anos, a demanda por trans- porte aéreo doméstico de passagei- ros registrou alta de 234%. Só em 2012, o Brasil teve o segundo maior crescimento no setor, perdendo ape- nas para a China, de acordo com pesquisa da Associação Internacio- nal de Transporte Aéreo (Iata). No entanto, o uso de aviões para transporte de carga ainda não deco- lou. De 2006 a 2013, a movimenta- ção da carga aérea evoluiu 65%, se- gundo dados da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (In- fraero). Mas o percentual não foi su- ficiente para ampliar a participação de 0,2% desse meio em relação aos outros segmentos logísticos do país. Conhecido como um dos maio- res exportadores mundiais de com- modities, produtos de alto volume e de baixo valor, o Brasil prioriza as rodovias, os portos e as ferrovias para escoar a produção agrícola. Ainda assim, o modal aéreo possui potencial de alçar voo. Segundo es- pecialistas, se a economia brasileira continuar crescendo e se diversifi- cando nos próximos anos, é grande a chance de a carga aérea aumentar sua relevância no comércio exterior e doméstico. E-commerce “O custo do frete aéreo é de dez a 15 vezes maior do que o rodoviá- rio”, calcula Olivier Girard, sócio da empresa Macrologística. Na opi- nião do empresário, o modal só compensa para cargas de valor ele- vado, com alto índice de roubos e que precisam chegar rapidamente ao destino. Eletrônicos, produtos de beleza e de vestuário são a maioria dos itens vendidos pela internet e que se encaixam nas características compreendidas como ideais para o transporte aéreo. “O aéreo representa 26% dos meios utilizados hoje pelo e-com- merce e acreditamos que esse núme- ro aumentará nos próximos anos”, diz Mauricio Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). A Gollog, serviço de carga aérea da Gol, prevê que esse tipo de transporte triplique em 20 anos na América do Sul. Para a companhia, o aumento das ven- das on-line, que ajuda a elucidar o acréscimo de 56% em 2011 do en- vio de mercadorias expressas pelos seus serviços, deve ter grande res- ponsabilidade na expansão. O modelo de negócios da Gollog baseia-se no aproveitamento do es- paço das aeronaves da frota para transporte de cargas, o que torna os preços mais competitivos, pois os custos são, na sua maioria, cobertos pelo negócio de passageiros. “As tabelas dessas empresas, com- paradas com a dos Correios, é mais barata e o serviço é de maior qua- lidade. Então, as empresas estão migrando”, informa Mauricio Sal- vador, representante dos lojistas on- -line, para quem serviços como os que são oferecidos pela Gol têm sido mais utilizados em detrimento aos da empresa pública. “Se você con- trata um e-Gollog, quando há um problema de extravio, é só ligar e resolver na hora. Já nos Correios, o prazo para uma solução é de 30 dias. Como você vai explicar para o clien- te que ele terá de esperar todo esse tempo? Antes disso, ele vai acabar com você nas redes sociais”, alerta. Descentralização Com o distanciamento das áreas de produção do polo consumidor, o transporte aéreo desponta como o O

A carga aérea pode decolar no Brasil?

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Enquanto o transporte aéreo de passageiros tem batido recordes nos últimos anos, o transporte de carga continua patinando. Na última reportagem da série Carga Pesada, entraves e perspectivas desse modal

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a carga aérea pode decolar no Brasil?loGÍSTica Enquanto o transporte aéreo de passageiros tem batido recordes nos últimos anos, o transporte de carga continua patinando. Na última reportagem da série, entraves e perspectivas desse modal

s aeroportos estão cada vez mais presentes no cotidia-no dos brasileiros. Em dez anos, a demanda por trans-

porte aéreo doméstico de passagei-ros registrou alta de 234%. Só em 2012, o Brasil teve o segundo maior crescimento no setor, perdendo ape-nas para a China, de acordo com pesquisa da Associação Internacio-nal de Transporte Aéreo (Iata).

No entanto, o uso de aviões para transporte de carga ainda não deco-lou. De 2006 a 2013, a movimenta-ção da carga aérea evoluiu 65%, se-gundo dados da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (In-fraero). Mas o percentual não foi su-ficiente para ampliar a participação de 0,2% desse meio em relação aos outros segmentos logísticos do país.

Conhecido como um dos maio-res exportadores mundiais de com-modities, produtos de alto volume e de baixo valor, o Brasil prioriza as rodovias, os portos e as ferrovias para escoar a produção agrícola. Ainda assim, o modal aéreo possui potencial de alçar voo. Segundo es-pecialistas, se a economia brasileira continuar crescendo e se diversifi-cando nos próximos anos, é grande a chance de a carga aérea aumentar

sua relevância no comércio exterior e doméstico.

e-commerce“O custo do frete aéreo é de dez

a 15 vezes maior do que o rodoviá-rio”, calcula Olivier Girard, sócio da empresa Macrologística. Na opi-nião do empresário, o modal só compensa para cargas de valor ele-vado, com alto índice de roubos e que precisam chegar rapidamente ao destino. Eletrônicos, produtos de beleza e de vestuário são a maioria dos itens vendidos pela internet e que se encaixam nas características compreendidas como ideais para o transporte aéreo.

“O aéreo representa 26% dos meios utilizados hoje pelo e-com-merce e acreditamos que esse núme-ro aumentará nos próximos anos”, diz Mauricio Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). A Gollog, serviço de carga aérea da Gol, prevê que esse tipo de transporte triplique em 20 anos na América do Sul. Para a companhia, o aumento das ven-das on-line, que ajuda a elucidar o acréscimo de 56% em 2011 do en-vio de mercadorias expressas pelos

seus serviços, deve ter grande res-ponsabilidade na expansão.

O modelo de negócios da Gollog baseia-se no aproveitamento do es-paço das aeronaves da frota para transporte de cargas, o que torna os preços mais competitivos, pois os custos são, na sua maioria, cobertos pelo negócio de passageiros.

“As tabelas dessas empresas, com-paradas com a dos Correios, é mais barata e o serviço é de maior qua-lidade. Então, as empresas estão migrando”, informa Mauricio Sal-vador, representante dos lojistas on--line, para quem serviços como os que são oferecidos pela Gol têm sido mais utilizados em detrimento aos da empresa pública. “Se você con-trata um e-Gollog, quando há um problema de extravio, é só ligar e resolver na hora. Já nos Correios, o prazo para uma solução é de 30 dias. Como você vai explicar para o clien-te que ele terá de esperar todo esse tempo? Antes disso, ele vai acabar com você nas redes sociais”, alerta.

descentralizaçãoCom o distanciamento das áreas

de produção do polo consumidor, o transporte aéreo desponta como o

o

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mais adequado para cumprir prazos sem riscos para a imagem das em-presas. “Em função da guerra fiscal entre estados, muitas operações de e-commerce foram para longe do consumidor. A maior parte dos con-sumidores está nas regiões Sudeste e Sul, enquanto há um número alto de centros de distribuição no To-cantins, no Amazonas, no Espírito Santo e em Minas Gerais”, diz Salva-dor. Ele ressalta também que Norte e Nordeste são as regiões que mais crescem proporcionalmente em re-lação a números de consumidores e de faturamento do e-commerce.

A rota São Paulo-Manaus, onde fica a Zona Franca, grande centro produtor de itens tecnológicos, tor-nou-se a principal ligação aérea de transporte de carga do país. Segun-do o Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE), a rota é res-

ponsável pelo transporte de 22,8% das 434 mil toneladas transporta-das em 2010.

infraestruturaApesar do potencial aéreo da re-

gião, as dificuldades de infraestru-tura limitam a expansão do modal na Zona Franca de Manaus. Alto custo do frete, irregularidade de voos, incompatibilidade de horá-rios dos procedimentos fiscais e bu-rocracia dos despachos aduaneiros são apontados pelas entidades em-presariais da região como os princi-pais problemas.

O comércio eletrônico é prejudi-cado sempre que um avião atrasa. “No caso de perecíveis do e-com-merce, como frutas, flores e vinhos, o atraso implica na perda de qua-lidade do item”, exemplifica Salva-

dor. Além da falta de pontualidade, ele destaca a escassa malha aérea e a sobrecarga dos aeroportos.

Outra barreira é o reduzido espa-ço físico do aeroporto de Manaus. A discrepância entre alta demanda e escassez de pátios para as aeronaves também afeta outros importantes aeroportos brasileiros. Estudo fei-to pela McKinsey&Company a pe-dido do BNDES, em 2008, na área de importação, alertou que Viraco-pos (Campinas-SP) trabalhava com 140% da capacidade. Em exporta-ção, Confins (Belo Horizonte) atin-giu 130% e Salvador, 113%. Guaru-lhos (SP) estava em nível bastante elevado, de 84% (importação) e 78% (exportação). A pesquisa alerta que, caso não sejam feitos investimentos até 2030, todos os aeroportos brasi-leiros terão algum tipo de restrição em infraestrutura futuramente. c

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investimentosA Secretaria de Aviação Civil ad-

mite que a infraestrutura brasileira está muito atrasada, mas garante que “o governo federal a está atua-lizando para parâmetros do século 21”. Entre as ações, o órgão enumera as concessões de exploração de cin-co dos maiores aeroportos do país à iniciativa privada, a reforma de outros 21 aeroportos sob adminis-tração da Infraero, além do planeja-mento e da reforma e construção de mais 270 aeroportos regionais com investimento de R$ 7,3 bilhões.

Nos últimos três anos, a Infrae-ro calcula ter investido R$ 140 mi-lhões na logística de carga. Para o perío do 2014-2017, os investimentos previstos são de R$ 440 milhões. A estatal afirma que há investimentos específicos para a área de cargas nos aeroportos de Manaus e Porto Alegre, além do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), que é privado e está para ser inaugurado.

combustívelOutro impedimento para que

a carga aérea emplaque é o custo. Apesar do preço médio por quilô-metro voado ter baixado 48% en-tre 2003 e 2008, fazendo com que viajar de avião seja mais barato do que tomar ônibus em alguns casos, o frete para carga continua alto.

Dados da Iata mostram que o combustível soma 43% dos cus-tos operacionais das linhas aéreas no país, sacrificando US$ 400 mi-lhões por ano. O motivo é a pari-dade entre o preço nacional com o importado dos Estados Unidos, o que resulta em uma grande dis-torção de mercado. A precificação em dólar ocorre apesar de 75% do combustível usado nos aviões bra-sileiros serem produzidos em refi- narias nacionais.

“A empresa acaba pagando em dólar pelo combustível e receben-do em reais pelo serviço prestado. Isso complica a situação e acaba inibindo a movimentação de cargas no país”, critica Olivier. Ele destaca também o excesso de impostos, que torna “muito mais barato encher o tanque em Buenos Aires do que em São Paulo”. Para o consultor, é ne-cessário baixar a carga tributária so-bre os combustíveis e precificar seu custo em real.

A Gollog alerta que é necessá-rio incluir no alto custo do trans-porte aéreo os benefícios de se ter o produto certo, no local correto, dentro do prazo acordado e em se-gurança. “Se computarmos o custo da venda perdida, da devolução da mercadoria e da imagem arranha-da, veremos que o frete aéreo é uma solução logística acessível e viável”, argumenta a empresa.

No entanto, ainda que esse cus-to seja reduzido e a eficiência do transporte aéreo cresça, o professor Marcio D’Agosto alerta que o modal continuará sendo o mais caro dentre os demais. “A capacidade de transporte de uma aeronave é muito menor e mais cara em relação a de um navio ou um caminhão no Brasil e em qualquer outro lugar do mundo e isso não vai mudar”, sentencia.

alçando vooO valor elevado impede que o

transporte aéreo de carga se popula-rize tanto quanto os outros modais, mas ainda há muito espaço para que esse meio cresça no Brasil. Bas-ta observar sua maior presença nas economias mais desenvolvidas do planeta. A região da Ásia e Pacífico responde por 38,5% do transporte aéreo mundial de carga; a América do Norte tem participação de 23,3% no mercado; a Europa, peso de 21,5%; enquanto a América Latina,

responde por apenas 3,1% do trans-porte global, segundo dados da Iata.

A Secretaria de Aviação Civil afir-ma que a consolidação aérea para a distribuição da riqueza brasileira é apenas uma questão de tempo. “Os modais se sobressaem em função da tecnologia empregada e dos custos envolvidos. Assim como já houve a era de preponderância dos trens, dos navios, dos caminhões, está se construindo a dos aviões”, aposta o órgão federal.

Para impulsionar o segmento de carga aérea no futuro, a Gollog con-fia em fatores como crescimento do PIB, o estímulo nas vendas de ele-trodomésticos durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas e o acesso de milhares de brasileiros ao merca-do de consumo. Tudo isso estimula-do pela crescente alta das compras pela internet.

Com dez milhões de novos con-sumidores em 2013, o e-commerce projeta crescimento de 27% neste ano e deve encabeçar o protagonis-mo aéreo nos próximos anos. “Por desconhecimento sobre os serviços oferecidos pela Gol, Azul e TAM e pelo fato de o setor aéreo ter sido pouco competitivo há alguns anos, muitas vezes as empresas ainda pre-ferem os Correios”, observa Salva-dor. “Porém, de um ano para cá, a ABComm tem divulgado e incenti-vado fortemente o transporte aéreo de seus associados, o que deve am-pliar seu uso.”

Se as expectativas de investimen-tos do governo e as concessões se mostrarem suficientes para driblar os gargalos do setor aéreo, o país poderá usufruir das vantagens desse trans-porte em futuro próximo. Finalmen-te a potencial produção tecnológica chegará mais cedo às mãos dos con-sumidores brasileiros e, quem sabe, seu excedente poderá romper as fron-teiras do país para elevar às alturas a competitividade do Brasil.