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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA DO NORTE E NORDESTE DO BRASIL LINHA DE PESQUISA: CULTURA & MEMÓRIA A CASERNA EM POLVOROSA: A REVOLTA DE 1924 EM SERGIPE A REVOLTA DE 1924 EM SERGIPE ANDREZA SANTOS CRUZ MAYNARD ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª SÍLVIA CORTEZ SILVA RECIFE 2008

A CASERNA EM POLVOROSA: A REVOLTA DE 1924 EM … · das Letras, 1990. p. 19. 2 Criado a partir do decreto n. 15.235, de 31 de dezembro de 1921, o 28º Batalhão de Caçadores começou

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Page 1: A CASERNA EM POLVOROSA: A REVOLTA DE 1924 EM … · das Letras, 1990. p. 19. 2 Criado a partir do decreto n. 15.235, de 31 de dezembro de 1921, o 28º Batalhão de Caçadores começou

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA DO NORTE E NORDESTE DO BRASIL

LINHA DE PESQUISA: CULTURA & MEMÓRIA

A CASERNA EM POLVOROSA:

A REVOLTA DE 1924 EM SERGIPE

A REVOLTA DE 1924 EM SERGIPE

ANDREZA SANTOS CRUZ MAYNARD

ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª SÍLVIA CORTEZ SILVA

RECIFE

2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA DO NORTE E NORDESTE DO BRASIL

LINHA DE PESQUISA: CULTURA & MEMÓRIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A CASERNA EM POLVOROSA:

A revolta de 1924 em Sergipe

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em História.

ANDREZA SANTOS CRUZ MAYNARD

ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª SÍLVIA CORTEZ SILVA

RECIFE

2008

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Catalogação na Fonte (CIP)

Índices para catálogo sistemático: 1 – Sergipe : História : Nordeste 981.37 2 – Brasil - História do Nordeste - Sergipe 981.37 3 – Brasil - Sergipe de História 981(814.1)

Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem prévia autorização do autor. (Lei n. 5.988, de 14/12/73, art. 122-130 – D.O.U.-18/12/73).

Recife/Pe

MAYNARD, Andreza Santos Cruz

M422c A caserna em polvorosa: a revolta de 1924 em Sergipe. / Andreza Santos Cruz Maynard. – Recife, 2008. 129p.

Dissertação de Mestrado em História – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Bibliografia

Orientador (a): Profª. Doutora Sílvia Cortez Silva

1. História de Sergipe – Nordeste 2. Sergipe – Anos 20 - Militares 3. Sergipe - História I -Título

CDD - 981.37

CDU – 981(814.1)

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AGRADECIMENTOS

À CAPES, pelo auxílio financeiro através da bolsa de estudo.

A Sílvia Cortez pela confiança com que conduziu a orientação.

Aos professores Antonio Paulo Rezende, Suzana Cavani Rosas e Antonio

Clarindo Barbosa de Souza pela leitura atenta do texto e sugestões para melhorá-lo.

A Cristina pela correção ortográfica do texto.

A Aluizio e Carmem sempre solícitos na secretaria da Pós-Graduação.

A Eugênia Andrade, diretora do Arquivo Geral do Judiciário em Sergipe, por

chamar minha atenção para a riqueza da documentação sobre a revolta de 13 de Julho.

A Nildo, que mesmo atarefado conseguiu tempo para me ajudar com o mapa.

Aos colegas do mestrado que se tornaram amigos: Rogério, Cinthia, Carlos

Eduardo, Adilson, Flavinho, Geovani, Francivaldo, Vilmar e Carol. Vocês tornaram o

curso agradável e, às vezes, até divertido.

À minha mãe, Maria das Dores, e ao meu pai, Pedro. E ainda: Áurea, Vivian,

Aldinira, Adriana, Anazilda, Almerinda, Pedro, André e Cristina (Couto), meus irmãos.

Obrigada pelos famosos almoços em família, momentos importantes para a nossa união.

Ao meu amado esposo Dilton Maynard agradeço pela cumplicidade e paciência

de sempre.

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RESUMO Este trabalho se propõe a analisar o levante militar ocorrido em Sergipe em 1924. A Revolta de 13 de Julho aconteceu em meio às insurreições dos anos 20. Capitães e, sobretudo tenentes, lideraram esses movimentos que exigiam a moralização da política no país e o fim das humilhações que acreditavam estar sofrendo. Em Sergipe, quatro oficiais lideraram uma revolta com o intuito de apoiar os colegas de farda que haviam se rebelado em São Paulo. Nesse sentido, autoridades foram presas, edifícios foram ocupados e os “legítimos defensores da república”, como se autodenominavam os militares, passaram a ser, os representantes locais do Estado. Ciente das ações dos rebeldes, o governo federal tomou providências para resolver o problema. No dia 2 de Agosto de 1924 o levante militar chegou ao fim em Sergipe. Tratada como um simples reflexo da insurreição de 5 de julho deflagrada em São Paulo, a revolta sergipana aparece sem cores na historiografia, que acredita esgotar o tema a partir do caso paulista. No entanto jornais, relatórios, proclamações, boletins regimentais e correspondências elaboradas à época do levante apontam para aspectos inexplorados do chamado “movimento tenentista”. As contradições presentes na experiência sergipana indiciam essa “nova história sobre o tenentismo”. Através da análise da documentação foi possível identificar divergências entre o discurso e a prática dos rebelados, além de discrepâncias entre os objetivos dos líderes da revolta, e o entendimento que os voluntários tinham da mesma. E ainda que essas tenham sido características peculiares à revolta em Sergipe, elas chamam atenção para o fato de que embora os militares comungassem dos mesmos ideais, os levantes se desenvolveram dentro das possibilidades de cada região e, portanto, ocorreram de modos distintos. PALAVRAS-CHAVE: Militares – Revolta – Sergipe – Anos 20

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ABSTRACT

This work is proposed to analyse the Military East occurred in Sergipe in 1924. The revolt of 13 of July happened amid the insurrections of the 20 years. Captains and, especially lieutenants, they lead these movements that were demanding the moralization of the politics in the country and the end of the humiliations that were believed to be suffering. In Sergipe, four officials led a revolt with the intention of supporting the colleagues of uniform who existed if rebelled in Sao Paulo. In this sense, authorities were imprisoned, buildings were occupied and the “legitimate defenders of the republic ", since they auto-were called the soldiers, they started to be, the local representatives of the State. Aware of the actions of the rebels, the federal government took steps to resolve the problem. In the day 2 of August of 1924 the Military East reached the end in Sergipe. Treated like a simple reflex of the insurrection of 5 of July set off in Sao Paulo, the revolt from Sergipe appears without colors in the historiography, which believes to exhaust the subject from the case of Sao Paulo. However newspapers, reports, proclamations, regimental reports and correspondences prepared to the time of the east they point to unexplored aspects of called “I move tenentista ". The present contributions in the experience sergipana indicate this “new history on the tenentismo". Through the analysis of the documentation it was possible to identify divergences between the speech and the practice of the rebelled ones, besides discrepancies between the objectives of the leaders of the revolt, and the understanding what the volunteers had of same. And though those have been characteristic special to the revolt in Sergipe, they attract attention for the fact that though the soldiers were taking communion of the same ideals, the easts were developed inside the means of each region and, so, they took place in different ways. KEY-WORDS: Soldiers – Revolt – Sergipe – Years 20

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SUMÁRIO

Introdução ..........................................................................................................................................9

Capítulo 1

Sonhando o mundo real: antecedentes da revolta de 13 de Julho...................................................24

1.1. O 28º Batalhão de Caçadores (28º BC) em Sergipe ..................................................................29

1.2. Os líderes da revolta militar em Sergipe ...................................................................................33

1.3. Os objetivos do levante de 1924................................................................................................36

1.4. O plano para revoltar o 28º BC e assumir o controle do estado ...............................................40

Capítulo 2

Um mundo ao alcance das mãos: desdobramentos do levante militar em Aracaju e no interior ............................................................................................................................................56

2.1. Cidade moderna.........................................................................................................................70

2.2. O êxodo para o interior..............................................................................................................78

2.3. A insurreição no interior............................................................................................................82

Capítulo 3

“Dois mil cangaceiros de mentira”: os últimos dias da revolta em Sergipe ..................................91

3.1. A reação das forças legalistas em Sergipe.................................................................................93

3.2. As tropas legalistas se estabelecem no sul ................................................................................96

3.3. O navio fantasma: ofensiva pelo oeste ....................................................................................104

3.4. O “batalhão patriótico” organizado no norte...........................................................................106

3.5. O confronto final, que, aliás, não houve..................................................................................114

Conclusão ......................................................................................................................................121

Fontes e Bibliografia .....................................................................................................................123

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Introdução

“As imagens de leveza que busco não devem, em contato

com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos ...”

Ítalo Calvino1

Mais um feriado nacional se aproximava. Estava tudo preparado. Os uniformes

foram lavados, o repertório da banda de música e o itinerário do desfile definidos. Os

confetes estavam guardados para a algazarra cívica que a população se encarregava de

fazer nas ruas. No entanto, apesar de tudo já ter sido determinado previamente, as fardas

escolares continuaram engomadas no dia em que se comemorava a Revolução Francesa,

14 de julho de 1789. Um dia antes os militares se movimentaram em Aracaju, mas não

ensaiavam para o desfile cívico. Os comentários pelas ruas, nem de longe lembravam o

episódio da Tomada da Bastilha. Falava-se noutra revolta, a que estava acontecendo ali

mesmo em Aracaju. Era domingo, 13 de julho de 1924.

O dia da semana destinava-se ao descanso, já que a maior parte das pessoas não

trabalhava. Aproveitavam então para ir à igreja, passear pela cidade ou visitar

conhecidos. Mas esse domingo foi diferente. Começou com tiroteios. A diversão do dia

de folga estava comprometida. Amedrontadas, muitas pessoas não saíram para os

habituais passeios pelas praças do centro da cidade. Sem nenhuma informação oficial, a

população foi perguntando aqui e ali, e, aos poucos, ia se informando sobre os disparos

da madrugada. Cada um sabia um pedaço da história. No entanto, todas as versões

contadas mencionavam que a confusão teve início no quartel do Exército.

De fato, durante a madrugada, o capitão Eurípedes Esteves de Lima, o 1º tenente

Augusto Maynard Gomes, o 1º tenente João Soarino de Mello e o 2º tenente Manoel

Messias de Mendonça, oficiais do 28º Batalhão de Caçadores (28º BC)2, revoltaram a

unidade do Exército presente em Sergipe. Tropas lideradas pelos revoltosos ocuparam

os quartéis do Exército e da Polícia, o Palácio do Governo, as estações dos Telégrafos e

da Companhia Ferroviária. Entre os moradores da cidade muita incerteza, já para os

1 CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 19. 2Criado a partir do decreto n. 15.235, de 31 de dezembro de 1921, o 28º Batalhão de Caçadores começou a funcionar oficialmente em Sergipe dia 11 de julho de 1922. O quartel do Exército localizava-se no centro de Aracaju, na praça 24 de Outubro, atualmente Praça General Valadão. Atualmente o 28º BC continua funcionando em Aracaju, mas mudou-se para o Bairro 18 do Forte em 1942.

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responsáveis pelos poderes legais constituídos não restava dúvida alguma: os oficiais

sergipanos estavam loucos!

A revolta no 28º BC não estava nos planos das autoridades sergipanas.

Curiosamente, nem mesmo os insurretos paulistas esperavam por isso. Em 1924 ficou

acertado que se insubordinariam unidades militares nos estados de “São Paulo, Paraná,

Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato Grosso”3. Entretanto,

unificados pelo desejo de moralizar o sistema político, através da retirada de Artur da

Silva Bernardes da presidência da República, os oficiais sergipanos se sentiram na

obrigação de demonstrar seu apoio aos colegas de farda paulistas. As “boas intenções”

dos quatro oficiais tumultuaram o estado por quase um mês.

Considerando o sucesso fulminante do movimento e a repercussão do levante em

todo o estado, o objetivo desse trabalho é investigar como se deu a revolta militar de

1924 em Sergipe4. A análise se estende do início ao término do motim, ou seja, do dia

13 de julho a 2 de agosto. Pode-se imaginar que a periodicidade é demasiada curta, mas

o que pensar então diante da análise de Georges Duby sobre a batalha de Bouvines, na

França5? Um livro inteiro dedicado ao estudo do dia 27 de julho de 1214,

coincidentemente um domingo. O corte temporal não implica num esforço intelectual

menor, maior, ou num trabalho com o rigor acadêmico menos acentuado. Ao contrário,

muitas vezes a densidade de um tema exige sua divisão em partes menores. Este parece

ser o caso do levante militar que virou o estado de Sergipe de ponta a cabeça num

domingo de 1924.

A historiografia acerca do tenentismo, frequentemente rotula os oficiais militares

que se rebelaram na década de 1920 como representantes das classes médias, defensores

da honra militar e moralizadores do sistema político vigente. Mais do que isso, são os

únicos que tem a sua rotina alterada em virtude dos motins. Aqui eles serão vistos como

participantes de um momento crucial da História de Sergipe e do Brasil. Mas os

militares não foram os únicos a tomar parte no processo. Dadas as circunstâncias em

que aconteceu, e as proporções que tomou, a revolta não se restringiu ao meio militar.

Em Sergipe os rebeldes foram às ruas. Não era possível ser indiferente ao que estava 3 FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política: tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 61. 4 Dois anos mais tarde, em janeiro de 1926, os líderes da revolta de 1924 estavam presos no quartel do 28º BC e tentaram promover um novo levante na unidade militar, mas não obtiveram sucesso. Não conseguiram sequer dominar o batalhão e foram rapidamente detidos. Na ocasião o 1º tenente Augusto Maynard foi baleado. 5 DUBY, Georges. O domingo de Bouvines: 27 de julho de 1214. Trad. Maria Cristina Frias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

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acontecendo. A revolta militar interferiu até no horário de funcionamento dos bondes.

Mas isso não duraria para sempre.

No dia 2 de agosto as forças legais marcharam sobre as ruas de Aracaju, e

sobre as esperanças dos oficiais rebeldes. Os legalistas assumiam o controle da situação

em Sergipe. Dois dias depois Graccho Cardoso estava de volta ao governo do estado.

Os revoltosos se renderam às forças legais que tinham à frente o general Marçal Nonato

de Faria. Este mesmo oficial comandava a 6ª Região Militar, que abrangia os estados da

Bahia, Sergipe e Alagoas. Diante da gravidade dos acontecimentos, ele foi obrigado a se

deslocar até Sergipe. Depois de ter restabelecido a “ordem” no estado e de já ter

prendido muitos dos que se envolveram com a revolta, Marçal Nonato permaneceu por

mais algum tempo em Aracaju como executor do Estado de Sítio. Os envolvidos foram

indiciados e julgados. Os praças do 28º BC passaram a ser recrutados noutros estados.

A revolta em Sergipe não chegou a causar tanto impacto quanto a insurreição

paulista. Dada a importância econômica, política e cultural de São Paulo, o seu

“tenentismo” foi mais comentado, apesar de não ter sido tão bem sucedido quanto o

sergipano. No entanto, São Paulo foi importante enquanto foco inspirador. A partir do

exemplo paulista, outras unidades militares se rebelaram em diferentes regiões do país.

Cronologicamente, depois da revolta de 5 de julho em São Paulo, ocorreram levantes

em Sergipe, 13 de julho; Amazonas, 23 de julho; Santo Ângelo, 24 de outubro e no

encouraçado São Paulo, 4 de novembro6.

É válido ressaltar que o termo “tenentismo” apareceu a posteriori. Em 1924

nenhum dos revoltosos usou esse termo, foram os historiadores que convencionaram

chamar de tenentismo à série de levantes ocorridos nos quartéis do Exército na década

de 1920 porque tais motins tinham oficiais de baixas patentes à frente. Em Sergipe, por

exemplo, os líderes da revolta de 1924 foram um capitão e três tenentes. Outro aspecto a

ser considerado reside no fato de que o Exército não pensava, e muito menos agia

uniformemente. Como lembra José Murilo de Carvalho7, apenas alguns oficiais se

envolveram com a revolta. A maior parte dos militares permaneceu ao lado da

legalidade.

O tenentismo em Sergipe foi pouco estudado. A grande, para não dizer a única,

referência no assunto é o livro O Tenentismo em Sergipe escrito pelo cientista político

6 Cf. CARONE, Edgard. O tenentismo: acontecimentos, personagens, programas. São Paulo: DIFEL, 1975, e SODRÉ, Nelson Werneck. O tenentismo. Porto alegre: Mercado Aberto, 1985. 7 CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

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José Ibarê da Costa Dantas8. O estudo é citado por outros historiadores que lidam com o

tema, como João Quartim de Moraes, Edgard Carone, Maria Cecília Spina Forjaz e

Eloína Monteiro dos Santos. A obra foi publicada com o auxílio do governo,

“ocasionalmente”, como diz o autor, em 1974, cinqüenta anos depois da revolta de 13

de julho. E “coincidentemente” Sergipe era governado sob a tutela militar. De lá até

aqui nenhum trabalho acadêmico foi desenvolvido sobre o assunto. Na análise feita por

Dantas, as origens e a repercussão recebeu dimensões maiores do que a própria revolta,

título do livro. Os tenentes aparecem como simples fantoches à serviço do

desencadeamento de fatos políticos. A ação dos militares é atribuída à insatisfação dos

envolvidos com a política nacional e local. O autor desconsidera o fator institucional.

De qualquer forma, há uma forte tendência nos historiadores que trabalham com

militares a associá-los à política. Em se tratando da década de 1920 então, esta parece

ser a única maneira de legitimar o estudo do tema. Sua validade consiste em pensar a

presença dos militares na transformação da política nacional, principalmente a partir de

outubro de 1930. No já citado O Tenentismo em Sergipe, Ibarê Dantas afirma que o

envolvimento dos militares com a política favoreceu o desenvolvimento do tenentismo.

Dantas acredita que existiram motivos externos que impulsionaram o tenentismo no

Brasil e em Sergipe como a conjuntura nacional, a reação de jovens oficiais a políticas

impostas pelo Governo Central. Mas, o autor considera que houve também uma

motivação interna para a revolta de 1924 em Sergipe. A justificativa para a simpatia da

população para com o tenentismo estaria na insatisfação com a desigualdade social. Por

outro lado, o coronelismo teria ajudado as forças legais a vencer os revoltosos. Dantas

encara a atitude dos militares como um fator decorrente de manobras políticas. As ações

dos oficiais são analisadas em decorrência do pertencimento dos mesmos à classe

média.

Na sociologia brasileira existem duas correntes interpretativas sobre as relações

entre o tenentismo e as Camadas Médias Urbanas. A primeira, seguida por Dantas, tem

como matriz o pensamento de Virgilio Santa Rosa e engloba pesquisadores como

Nelson Werneck Sodré, Helio Jaguaribe e Edgard Carone. Segundo eles, a identificação

entre as Camadas Médias Urbanas e tenentismo se dá no plano ideológico, pois as

formulações dos tenentes expressavam o inconformismo e anseios das Classes Médias

Urbanas. A outra corrente é mais recente e critica a anterior. Entre os participantes estão

8DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999.

Page 13: A CASERNA EM POLVOROSA: A REVOLTA DE 1924 EM … · das Letras, 1990. p. 19. 2 Criado a partir do decreto n. 15.235, de 31 de dezembro de 1921, o 28º Batalhão de Caçadores começou

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Boris Fausto e Maria do Carmo Campello de Souza. O trabalho de Boris Fausto

sobressai e destaca que essa representatividade não se efetivou nem antes, nem depois

de 1930 e aponta o fator institucional como mola propulsora do tenentismo.

A corrente historiográfica que defende a idéia de que as revoltas tenentistas

foram resultado do pertencimento dos militares às classes médias urbanas está baseada

em O sentido do tenentismo de Virgilio Santa Rosa9. Este acredita que a história

republicana do Brasil é também a história da ascensão da burguesia no País. Dessa

forma, os militares teriam sido expoentes das classes médias. A necessidade de derrubar

a oligarquia uniu políticos oposicionistas e tenentes, e desencadeou a série de

conspirações no período de 1922 a 1930. O autor atribui o fracasso do tenentismo de

1922, 1924 e 1926 à inércia das massas rurais que contrastavam com o entusiasmo da

cidade. Os tenentes eram oriundos das classes médias, levados ao poder só podiam

contar com as multidões urbanas. Nada deteria a ascensão da burguesia e só o

tenentismo podia acelerar as aspirações das classes médias. Sendo assim, a hipótese

militarista está descartada. Os militares tiveram que intervir na política nacional, mas

depois disso deveriam voltar ao quartel, pois só deveriam aparecer quando necessário. O

autor não fala em indivíduos, mas em grupos representativos como classes médias

urbanas, oligarquia, massas rurais, estados do Sul, estados do Norte.

Seguindo essa linha de pensamento, Nelson Werneck Sodré10 acredita que as

revoltas tenentistas teriam sido o primeiro passo para a revolução burguesa no Brasil.

Segundo ele, os militares estão presentes nos principais episódios da História do Brasil

como a Abolição e a República. Exatamente por isso, o grupo estava apto a promover a

revolução burguesa no país. Os objetivos tenentistas eram modestos e faziam parte da

“missão purificadora” em que os militares estavam. As motivações dos militares em

1922 consistia em defender a dignidade militar dos ataques de Epitácio Pessoa. Já em

1924, os militares pretendiam moralizar o regime republicano. Sodré enxerga o

tenentismo no Brasil como um fenômeno levado à diante pela pequena burguesia. O

autor menciona 3 fases pelas quais passou o tenentismo. A primeira, de 1922 a 1927,

teria sido marcada pela pureza e distanciamento das forças políticas tradicionais. Nesse

período, o movimento adquire dimensão nacional. Já na segunda, de 1927 a 1930, o

tenentismo aceita alianças com forças políticas civis. O momento é caracterizado pela

perda da pureza, uma vez que os militares abandonam seu isolamento. Na última fase, a

9 SANTA ROSA, Virgilo. 3 ed. O sentido do tenentismo. São Paulo: Alfa-Omega, 1976. 10SODRÉ, Nelson Werneck. O tenentismo. Porto alegre: Mercado Aberto, 1985.

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partir de 1930, o movimento é marcado pelo antagonismo. Sodré vê a revolução de

1930 como um dos, ou, o último episódio do tenentismo e afirma que os militares

tinham ojeriza à política.

Nelson Werneck Sodré analisa o Exército brasileiro noutros trabalhos. Em

História Militar do Brasil11, discorre sobre a constituição dos quadros militares desde a

colônia até o golpe militar de 1964. Sodré acredita que durante a Primeira República, o

Exército esteve preocupado com os anseios do povo e contrário ao atraso do Império. Já

em Do Tenentismo ao Estado Novo12 traça a trajetória da sua formação militar

relacionando com o momento histórico em que isso ocorreu, ou seja, das revoltas

tenentistas (1922-1924) ao fim do Estado Novo (1937-1945). Apesar do tenentismo ser

título do livro, Sodré não analisa o movimento nessa obra.

Adepto da hipótese institucional, Boris Fausto13 faz uma reflexão acerca da

revolução de 1930. Segundo ele, o tenentismo da década de 1920 tem características

predominantemente militares e já traz o embrião de tendências reformistas autoritárias.

Os tenentes se identificavam como responsáveis pela “salvação nacional”. O

movimento de 1922 teria sido marcado por um isolamento e desconfiança para com os

civis. Já em 1924 houve uma persistência das características do movimento de 1920,

mas o episódio ganha maior amplitude. Para Boris Fausto a coluna Prestes foi a façanha

mais arrojada do tenentismo. No entanto, o autor acredita que a utilização da violência

por parte dos tenentes afastou a oligarquia dissidente. Com relação à simpatia popular,

reconhece que foi inegável, embora a convocação de reservistas em São Paulo tenha

sido um fracasso. A “missão regeneradora” dessa primeira fase, antes de 1930, é

marcada pelo ataque às oligarquias, é centralizado, elitista e vagamente nacionalista. O

autor reconhece a necessidade de atentar para a origem humilde dos tenentes no

momento de analisar o tenentismo. Para Boris Fausto, o levante de 1924 não foi uma

revolução das classes médias, mas é preciso atentar para sua intervenção na revolução

de 1930.

Saindo das polaridades extremistas, o trabalho de Maria Cecília Spina Forjaz14

Tenentismo e política, trata da fase liberal-democrata do tenentismo. Isso corresponde

ao período desde a revolta do forte de Copacabana, em julho de 1922, até a internação

11 SODRÉ, Nelson Werneck. História Militar do Brasil . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. 12 SODRÉ, Nelson Werneck. 2 ed. Do Tenentismo ao Estado Novo: Memórias de um soldado. Petrópolis: Vozes, 1986. 13 FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História. São Paulo: Brasiliense, 1970. 14 FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política: tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 61.

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15

da Coluna Prestes na Bolívia, em fevereiro de 1927. A autora acredita que o tenentismo

foi desencadeado tanto pelo pertencimento dos militares às classes médias como

também a hipótese institucional. Apesar disso esforça-se para demonstrar a ligação e

pertencimento dos tenentes às classes médias e a importância desse contato para o

desencadeamento dos fatos que levaram à revolta de 1924. A autora tenta combater as

idéias de Boris Fausto que negam a ligação dos tenentes com as classes médias urbanas.

Um dos argumentos utilizados é o de que, assim como os tenentes, as classes médias

também eram anti-oligárquicos.

Noutra perspectiva, João Quartim de Moraes15 não está preocupado em

classificar os tenentes como expoentes das classes médias ou militares. Ele procura

mostrar que a diferença do movimento tenentista estava na oposição ao regime

oligárquico e não apenas ao governo. Em A esquerda militar no Brasil, o autor cita

quatro fases para o tenentismo. A primeira culminou e terminou com o episódio do forte

de Copacabana, em 1922. A segunda, com as revoltas ocorridas em 1924. A terceira,

com a retirada dos rebelados de São Paulo e a constituição da coluna guerrilheira

comandada por Luis Carlos Prestes. Este seria o momento mais profícuo do tenentismo.

Já a quarta fase seria marcada pela revolução de 1930. Moraes destaca que em 1922 a

motivação dos tenentes foi corporativa. Segundo ele, as revoltas de 1924 fracassaram

em todos os estados, menos o levante chefiado por Luís Carlos Prestes. Para o autor, o

tenentismo ganhou relevância a partir do momento em que se configurou como

esquerda, ou seja, quando se constituiu a Coluna Prestes e esta começou sua marcha.

José Murilo de Carvalho pensa diferente. Para ele, que também divide o

movimento em fases, as revoltas da década de 1920 marcariam um segundo tenentismo,

resultado ainda do dia 15 de novembro de 1889. Uma espécie de reedição da

Proclamação da República. Em Forças Armadas e Política no Brasil o autor centra sua

análise no Exército destacando a importância dos fatores organizacionais. De acordo

com Carvalho os jovens oficiais formavam o grupo dentro do Exército que mais atuou

na política entre 1889 e 1930. Por isso mesmo a intromissão dos militares na política

não deve ser vista como uma intervenção da corporação como um todo, já que

predominam os movimentos de jovens oficiais. José Murilo de Carvalho divide as

intervenções em dois grandes ciclos. O primeiro, compreendido entre 1889 e 1904; e o

segundo, os anos que vão de 1922 a 1930. Na década de 1920 era grande o número de

15 MORAES, João Quartim de. 2 ed. A esquerda Militar no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

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tenentes no quadro do Exército. Isso se devia, dentre outros fatores, à demora das

promoções, e ao retorno de muitos dos envolvidos nas revoltas da Escola Militar aos

quadros da instituição. Com a República, a distribuição das tropas foi modificada.

Surgiu uma tendência de unir a presença das forças militares onde se concentrava o

poder político. O período de 1889 a 1930 caracterizou-se pela tentativa do Exército de

se transformar numa organização nacional. O autor acredita que o crescimento da

urbanização e da industrialização reduziu a influência das oligarquias rurais e forneceu

aliados importantes para os tenentes.

Depois de São Paulo e Aracaju, apareceu um foco rebelde em Manaus, no dia 23

de julho de 1924. O episódio foi analisado por Eloína Monteiro dos Santos16 em A

rebelião de 1924 em Manaus. O trabalho destaca a crise política e econômica pela qual

passava Manaus na década de 1920 mediante a desvalorização da borracha, o descaso

do poder central e os empréstimos contraídos no exterior. E, ainda que a situação

econômica fosse assustadora, a autora acredita que o fator institucional influenciou a

tomada de decisão dos militares nesse momento. O exemplo da rebelião em São Paulo

incitou os oficiais que haviam sido transferidos para Manaus a deflagrar uma rebelião

ali também17. Os militares efetuaram prisões de autoridades e bloquearam as

comunicações telegráficas e fluviais. O governador do estado foi substituído pelo 1º

tenente Augusto Ribeiro Junior. O oficial tentou mostrar na prática que o Exército seria

o responsável pela moralização política, já que os políticos civis eram corruptos. Os

militares criticavam as oligarquias, mas acabaram se envolvendo com grupos oligarcas,

o que mostra os limites da atuação dos tenentes em Manaus. Primeiro o governo federal

liquidou a revolta tenentista em São Paulo, depois em Sergipe, e, por fim, em Manaus.

A rendição na capital amazonense deu-se a 28 de agosto de 1924.

Oferecendo informações básicas acerca do tenentismo, o livro Uma trama

revolucionária? de Antonio Paulo Rezende18 está dividido em duas partes. Na primeira,

o autor contextualiza o Brasil na década de 1920 a 1930. Rezende explica que o

tenentismo foi um movimento que expressava a insatisfação dos militares em relação à

política. Além disso, destaca as datas e locais onde ocorreram os principais levantes e os

16 SANTOS, Eloína Monteiro dos. A rebelião de 1924 em Manaus. Manaus: SUFRAMA , Ed. Calderaro, 1985. 17 Após o fracasso da rebelião em 1922 vários militares foram transferidos para Manaus. A oficialidade da Amazônia era constituída na maioria por militares indesejáveis. SANTOS, Eloína Monteiro dos. A rebelião de 1924 em Manaus. Manaus: SUFRAMA , Ed. Calderaro, 1985. 18 REZENDE, Antonio Paulo. Uma trama revolucionária?: do tenentismo à revolução de 1930. São Paulo: Atual, 1990. – (História em documentos).

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líderes dos movimentos de 1922, 1924 e 1930. O tenentismo marca o retorno dos

militares á política. No entanto, Antonio Paulo Rezende não se detem sobre os episódios

de 1922 e 1924. O autor explora essas revoltas enquanto antecedentes de 1930. Enfatiza

a revolução ocorrida em 1930 e seus desdobramentos. Na segunda parte do livro, alguns

documentos escritos e charges do período são explorados. Em meio à documentação

citada, o autor deixa claro que nem todo o Exército era oposicionista, o tenentismo não

foi um movimento homogêneo. Ao fim do livro faz referência à historiografia,

literatura, e filmes que tratam do tenentismo, ou do contexto brasileiro à época.

As análises historiográficas acerca do tenentismo parecem sempre estar

legitimadas dentro do campo da política. Os militares se envolveram com política na

década de 1920 e disso teria resultado a revolução de 1930 e, mais tarde, a de 1964. Daí

a importância em estudar os militares, dentro do campo da política. Até meados da

década de 1980 as análises acerca do tema estavam preocupadas em mostrar os militares

como representantes das classes médias urbanas ou em fortalecer a hipótese

institucional. E, a partir de então, tem-se duas possibilidades: ou os militares são

classificados como expositores das classes médias, ou defensores dos interesses da

classe militar.

Em qualquer uma das opções acima, os militares são sempre os únicos

envolvidos com os levantes. Mas não foram apenas os militares que tiveram

experiências com as revoltas de 1924. Boris Fausto aponta que o voluntariado em São

Paulo foi um fracasso, enquanto que a documentação presente nos arquivos sergipanos

dá conta do sucesso que foi a convocação de voluntários no estado em 1924. O grande

problema continua sendo o da generalização. Ainda que a história produzida com base

nos acervos de São Paulo e Rio de Janeiro seja considerada como “História do Brasil”,

não se pode afirmar que as experiências acerca do tenentismo tenham sido as mesmas

em São Paulo, Sergipe, Amazônia e Rio Grande do Sul. E é exatamente isso o que este

trabalho procura elucidar: algumas experiências em torno da revolta de 1924 no estado

de Sergipe. Para tanto, é preciso passar por conceitos pré-estabelecidos sobre o

envolvimento dos militares na História Nacional.

Avançando sobre o preconceito acadêmico e o veto aos estudos militares, os

interessados no assunto procuram conferir legitimidade teórica ao tema. Segundo José

Murilo de Carvalho, a oposição ocorre porque o tema é considerado “suspeito do ponto

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de vista político”19. Ainda de acordo com este historiador, a identificação entre militares

e governos ditatoriais levou a Academia a confundir o interesse dos pesquisadores pela

História Militar com uma suposta simpatia por regimes autoritários. Longe disso, os

pesquisadores da História Militar têm se aproximado cada vez mais do que se

convencionou chamar de Nova História Militar. Os seguidores dessa linha procuram se

debruçar sobre as relações envolvendo as Forças Armadas e a sociedade. É nesse

pressuposto que se baseia este trabalho.

Dentre os historiadores civis que mais produziram sobre militares brasileiros nos

últimos anos está Celso Castro20. Em Os militares e a República o antropólogo analisa o

envolvimento dos militares no movimento que culminou na Proclamação da República,

em 1889. Na versão de Castro, os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha teriam

exercido o papel de iniciadores da trama republicana no Exército. Benjamim Constant

aceitou o desafio de liderar a Mocidade Militar. Já o Marechal Manuel Deodoro da

Fonseca, aceitou o republicanismo na última hora. Castro mostra a Proclamação da

República como um golpe tramado e executado por um grupo restrito de militares e

civis. A Marinha, os praças do Exército e seus generais ficaram de fora do plano.

Os desdobramentos da falta de participação popular no momento de proclamar a

República são apresentados por José Murilo de Carvalho21 em A formação das Almas.

Conforme o autor, a inexistência da participação popular teria gerado problemas para a

legitimação do regime recém-instituído. A identificação popular com a República

passou a depender da escolha dos símbolos que representariam o novo regime.

Analisando a batalha pelo simbólico no Brasil durante a formação da República,

Carvalho destaca a utilização da história e da arte para cristalizar a memória forjada

pelos positivistas. A proximidade entre o movimento republicano e o positivismo

francês favoreceu a utilização dos símbolos da Revolução Francesa. A construção de

símbolos nacionais pelas Forças Armadas beneficiou a própria instituição, à medida que

valorizou a exaltação de militares como heróis, a exemplo do Marechal Deodoro da

Fonseca e Tiradentes.

19 CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 140. 20 CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995 (Coleção Antropologia Social). 21 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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19

A utilização de elementos simbólicos pelo Exército como meio de legitimação

também foi analisada por Celso Castro22 em A invenção do Exército brasileiro. De

acordo com o autor a participação na Guerra do Paraguai foi determinante para que o

Exército brasileiro adquirisse sua identidade institucional. E, durante a Primeira

República, o conjunto de características e circunstâncias que distinguiam o Exército das

demais instituições militares estava sendo construído. A instituição de festas a militares,

a inauguração de estátuas e a nomeação de Caxias em 1925 para patrono do Exército

evidenciam isso. O Exército instituiu os símbolos que representavam a República.

Porém, a instituição percebeu que era possível, e necessário, recontar sua própria

história, forjando uma imagem isenta de conflitos. Tal assimilação do aspecto

inabalável atribuído ao Exército foi importante na formação dos militares.

Em O espírito militar Celso Castro23 apresenta uma interpretação do processo de

aprendizagem de valores, atitudes e comportamentos apropriados à vida na caserna. O

autor utilizou as experiências de alunos e ex-alunos da Academia Militar das Agulhas

Negras (AMAN) para investigar a construção da identidade social do militar. Castro

acredita que o impacto causado pela doutrina, auxiliado pela convivência no centro de

formação de oficiais, assim como o isolamento do mundo exterior à escola promove

laços de amizade e camaradagem entre os internos. As experiências são maximizadas. E

assim o grupo passa a se identificar como pertencente à instituição. Por isso mesmo,

existe uma preocupação em homogeneizar os cadetes. As diferenças decorrentes de

experiências escolares anteriores devem desaparecer24. O fortalecimento das relações de

camaradagem entre os alunos da AMAN, auxilia no fortalecimento da idéia do Exército

como uma instituição coesa.

Alguns historiadores que se interessam pela temática militar têm se identificado

cada vez mais com a Nova História Militar. Seguindo esse novo paradigma, Celso

Castro, Vitor Izecksohn e Hendrik Kraay25 organizaram o livro Nova História Militar

Brasileira, no qual reuniram os trabalhos de historiadores que abordam as relações entre

as Forças Armadas brasileiras e a sociedade. Essa linha de pesquisa tende a enfatizar

22 Cf. CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. 23 CASTRO, Celso. 2 ed .O Espírito Militar : um antropólogo na caserna. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004. 24 Celso Castro menciona um trecho da autobiografia de José Pessoa, diretor da Escola militar de Realengo a partir de 1930, na qual ele destacava que “o Exército procura formar mentalidades uniformes, e não personalismos”. Cf. CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. p. 40. 25 CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Orgs.). Nova História Militar Brasileira . Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

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aspectos das Forças Armadas que sempre foram deixadas de lado, como as experiências

pessoais de soldados e marinheiros, nos períodos de guerra e paz. Os organizadores do

livro criticam a falta de atenção da academia para com os estudos militares.

Opinião semelhante apresenta José Murilo de Carvalho26 em Forças Armadas e

Política no Brasil. O autor chama atenção para o descaso das academias e políticos por

assuntos militares. Nesse livro, Carvalho reune artigos em que problematiza a

participação dos militares, principalmente do Exército na História do País. Assim,

Carvalho analisa as peculiaridades organizacionais da instituição para compreender sua

atuação na política brasileira durante a República. O autor problematiza a ligação entre

as Forças Armadas e política no Brasil, percebendo de que forma elas se relacionaram

na Primeira República e durante a Era Vargas. Carvalho observa que o Exército sempre

esteve mais ligado à política do que a Marinha.

Apesar de autores como Celso Castro e José Murilo de Carvalho chamarem

atenção para a emergência de se estudar as instituições militares, ainda há muito que

fazer diante do desconhecimento quase total das unidades militares brasileiras. No

trabalho monográfico Formalidades do estilo27, estudei a instalação do 28º Batalhão de

Caçadores em Sergipe e as representações trabalhadas pelo Exército em Sergipe entre

1922 e 1930. Na monografia aponto a necessidade de avançar nas análises sobre as

instituições militares no estado. Sem desprezar a produção local sobre o período, lido

com fontes até então inexploradas, como os documentos da própria instituição militar.

Assim sendo, percebe-se que os estudos sobre os militares brasileiros

apresentam novos caminhos como a Nova História Militar. Por outro lado, trazem

lacunas, como objetos inexplorados e estudos que já não respondem às questões do

presente. Esses dados impulsionam ainda mais a realização desse trabalho, que se

pretende uma contribuição aos estudos sobre militares no Brasil e, particularmente, em

Sergipe. Sobretudo pelo enfoque dado pelo trabalho, que será o de analisar o

envolvimento entre os militares e a sociedade sergipana da época, a partir da eclosão da

revolta de 1924.

Com isso, não está descartado o envolvimento dos militares com a política. O

próprio objetivo da revolta de 1924, depor Artur Bernardes para moralizar o sistema

26 CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. 27 CRUZ, Andreza Santos. Formalidades do estilo: heróis, invenções e celebrações no 28º Batalhão de Caçadores (1922-1930). São Cristóvão, 2005. 115 p. Monografia (Graduação em História). DHI, CECH, UFS.

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21

republicano, evidencia essa ligação. Essa não é mais uma questão a ser respondida. O

que se tenta fazer aqui é estudar outras implicações do levante militar.

Existem casos em que, a partir de um objetivo, o historiador parte para o

levantamento de fontes documentais no intuito de observar a viabilidade do projeto.

Noutras situações, como é o caso do presente estudo, o contato com as fontes gera uma

inquietação que pode levar à elaboração de um trabalho científico. Independente do

pontapé inicial, o trabalho de pesquisa requer organização e disciplina no trabalho com

os documentos.

As fontes utilizadas foram basicamente escritas. Elas foram analisadas

considerando as indicações de Carlo Ginzburg28 sobre o paradigma indiciário, ou seja,

observando os pormenores e fazendo uso do método interpretativo centrado em pistas,

sintomas, indícios. Dentre os registros documentais utilizados por esse trabalho estão as

proclamações elaboradas pelos rebeldes, que expressam os objetivos e as aspirações dos

militares; despachos telegráficos, que mostram a comunicação entre os líderes da

revolta em Aracaju e as tropas que haviam sido enviadas para o interior; Boletins

Regimentais do 28º Batalhão de Caçadores, que registram a movimentação diária da

unidade militar; Boletins do Exército, usados como meio de comunicação para anunciar

as determinações da instituição em todo o País; e jornais sergipanos como O Município,

Gazeta do Povo, o Sergipe Jornal, A cruzada, Correio de Aracaju, Diário Oficial do

Estado de Sergipe, e os periódicos pernambucanos, como o Jornal do Recife e Diário

de Pernambuco, que transmitem notícias e, interpretações sobre a revolta de 1924.

Além das fontes já mencionadas, foi consultado também o relatório entregue ao

Presidente da República pelo Ministro da Guerra para informar sobre o que acontecia

com as diversas unidades e instituições militares do País; o relatório elaborado pelo

governador de Sergipe depois da revolta militar, que traz a interpretação de Maurício

Graccho Cardoso sobre o levante, além de determinações que anulavam e repreendiam

toda a ação dos rebeldes; e o relatório do general Marçal Nonato de Faria sobre a revolta

em Sergipe, na qual o oficial conta como agiu para liquidar o levante militar no estado.

A pesquisa contou com fontes documentais disponíveis nos arquivos sergipanos.

Entre as instituições pesquisadas estão o Arquivo Público do Estado de Sergipe (SE); o

Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (SE); a Biblioteca Pública Epifânio Dórea

28 Sobre o paradigma indiciário ver GINZBURG. Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais: morfologia e História. Trad. Frederico Carotti. 2 reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.p.143-275.

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(SE); o Arquivo interno do 28º Batalhão de Caçadores (SE), o Arquivo Geral do

Judiciário do Estado de Sergipe (SE), Arquivo Público Jordão Emereciano (PE). Além

desses, foram utilizados também documentos disponibilizados on-line como os

relatórios dos Ministros da Guerra encontrados no site http://www.crl.edu/ e artigos de

jornal New York Times, disponíveis na página eletrônica http://www.nytimes.com.

A intervenção dos militares na política nacional ainda parece ser a preocupação

de muitos. Tanto é que os trabalhos voltados ao estudo dos militares, freqüentemente,

tomam os anos de 1889, 1930 e 1964 para discutir o tema. Alguns acreditam que tentar

compreender a Proclamação da República, a chamada Revolução de 1930 e o golpe

militar de 1964 são suficientes para compreender os militares. Mas muito pouco se sabe

sobre os militares fora da esfera da política. Assuntos como família, diversão, valores

sociais e culturais ainda não receberam a atenção merecida. Isso para não mencionar o

cotidiano dos quartéis, que é praticamente desconhecido. Analisar as relações

desenvolvidas entre militares e civis, a partir da revolta de 1924 em Sergipe, possibilita

o conhecimento de uma parte importante da História de Sergipe e do Brasil. Nesse

sentido, a pesquisa ajuda a preencher uma lacuna na historiografia sergipana ao tratar da

relação entre o Exército e a sociedade local.

O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro deles, Sonhando o

mundo real: antecedentes da revolta de 13 de Julho, aborda os antecedentes da revolta

em Sergipe e a noite de 12 para 13 de julho em Aracaju. Nesse capítulo serão

apresentados também o 28º BC, unidade militar na qual teve início o motim; os líderes

da revolta, capitão Eurípedes Esteves de Lima, 1º tenente Augusto Maynard Gomes, 1º

tenente João Soarino de Mello e 2º tenente Manoel Messias de Mendonça; a motivação

dos oficiais militares e a maneira como pensaram e executaram o plano da revolta.

O comportamento dos rebeldes, civis e autoridades após o sucesso da revolta são

avaliados a seguir. O segundo capítulo, denominado Um mundo ao alcance das mãos:

desdobramentos do levante militar em Aracaju e no interior, investiga o que aconteceu

depois que os rebeldes assumiram o controle da situação em Aracaju. Muitas famílias

deixaram a capital com receio de que acontecessem tiroteios. Mas o interior não

permaneceu isolado por muito tempo. Temendo represálias por parte dos coronéis os

rebeldes enviaram tropas para várias cidades. Enquanto isso o governo federal tomava

ciência do que estava acontecendo em Sergipe.

O terceiro e último capítulo intitulado “Dois mil cangaceiros de mentira”: os

últimos dias da revolta em Sergipe, analisa de que maneira o Governo Federal se

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23

mobilizou para acabar com o levante em Sergipe. Contando com reforços do 20º BC, de

Maceió; 21º BC, de Recife; 22º BC, de João Pessoa; policiais dos estados da Bahia e

Alagoas; homens do “batalhão Hercílio Britto” e o contratorpedeiro Alagoas, o general

Marçal Nonato de Faria cercou os insurretos a partir do norte, sul e oeste do estado. Os

rebeldes estavam cercados e sem comunicação com outros estados. Estes seriam os

últimos dias da revolta militar de 13 de Julho.

Nas últimas décadas o meio historiográfico tem sido marcado pelo retorno dos

historiadores à narrativa. Pensar a melhor maneira de fazê-la tem ocupado o centro de

muitas discussões. Pois como lembra David Lowenthal29, a vida pode se modificar pela

narrativa. A recíproca é possível, pois a narrativa interfere na vida tanto quanto a vida

interfere na narrativa. A tessitura desse texto foi feita mediante a investigação da vida

de pessoas que já morreram. Os vestígios encontrados foram utilizados como prova. E

ainda que não se possa reconstituir o passado exatamente como aconteceu, isso não

chega a ser um problema. Conforme aponta Carlo Ginzburg

As fontes não são nem janelas escancaradas, como acreditavam os

positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam os

cépticos: no máximo poderíamos compará-las a espelhos

deformantes”. A análise da distorção especifica de qualquer fonte

implica já um elemento construtivo. Mas a construção, como procuro

mostrar nas páginas que se seguem, não é incompatível com a prova; a

projeção do desejo, sem o qual não há pesquisa, não é incompatível

com os desmentidos infligidos pelo principio de realidade. O

conhecimento (mesmo o conhecimento histórico é possível)30.

Baseado nas fontes documentais consultadas, esta é a versão que foi possível

fazer sobre as pessoas que viveram em Aracaju no ano de 1924, e que ganharão vida,

diferenciada, a cada leitura dessa narrativa.

29 Lowenthal, David. LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. In: Revista Projeto História. Trabalhos da Memória. Nº 17. São Paulo: PUC, novembro de 1998, pp 63-201. 30 GINZBURG, Carlo. Relações de Força: história, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. P.44 - 45.

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24

Capítulo 1

SONHANDO O MUNDO REAL: ANTECEDENTES DA REVOLTA DE

13 DE JULHO

“A guerra é pois um ato de violência destinado a forçar o

adversário a submeter-se à nossa vontade”

Carl von Clausewitz31

O governador de Sergipe voltou! Preso por um grupo de militares rebeldes desde

a madrugada do dia 13 de julho, Maurício Graccho Cardoso só foi libertado no dia 2 de

Agosto, à noite. Depois de quase um mês ele retomou seu cargo administrativo. A

notícia repercutiu em diferentes estados e até mesmo fora do País

Sergipe Executive Resumes Post After Flight of the Rebels

RIO DE JANEIRO, Aug. 12 (Associated Press). – The Governor of

the State of Sergipe has notified the Government of his return to office

duties in consequense of the defeat of the rebels by the Federal troops,

which were sent to Aracaju. A telegram to this effect, read in the

Chamber os Deputies, added that order was being re-estabeleshed in

Sergipe. It is estimated that of the Threatened bombardment nearly all

have returned32.

À uma hora da tarde do dia 4 de agosto Maurício Graccho Cardoso, pôde entrar

em seu gabinete no Palácio do Governo. Havia muito que fazer. Era preciso reorganizar

o serviço público, enviar correspondências e agradecer aos que se mobilizaram contra

os amotinados. Mas antes de tudo isso, o governador baixou um decreto anulando os

atos dos rebeldes, uma vez que não foram praticados por “autoridades de fato”, mas por

pessoas que se apossaram “ilegitimamente e violentamente”33 do poder. Num

31 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.7. 32 BRAZILIAN GOVERNOR BACK. New York Times. New York, 13 ago. 1924. Disponível em <http://www.nytimes.com/_Brazilian Governor Back_html>. Acesso em: 10 jun. 2007. 33 PODER EXECUTIVO. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 5 jul. 1924, p.1.

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pronunciamento ao povo, falou sobre os acontecimentos que modificaram o estado

contra sua vontade.

Finalmente Sergipe estava “à salvo” do “atentado selvagem e monstruoso da

covardia ambiciosa, da indisciplina e da audácia inconsciente e anárquica”34. A

imprensa divulgou “todos os horrores desse banditismo sanguinário”. Assim a

população ficou a par das “origens e o curso desse tenebroso movimento”35. Durante os

dias em que permaneceu incomunicável, o governador afirmou ter sido exposto a

“ameaças constantes”. Maurício Graccho Cardoso não esqueceu de agradecer ao

portador de seu telegrama para Arthur Bernardes, o 2º tenente médico Eronides de

Carvalho36. Este militar foi o único oficial do Exército a não ser preso por discordar do

levante de 13 de julho de 1924 no 28º BC.

O objetivo desse capítulo é analisar a preparação dessa revolta. Os fatos que

marcaram os meses de julho e agosto de 1924 não aconteceram por acaso. A insurreição

tinha uma finalidade. Por isso mesmo foi planejada cuidadosamente. Afinal de contas “a

guerra não é um passatempo, nem uma pura e simples paixão do triunfo e do risco,

tampouco obra de um entusiasmo desenfreado: é um meio sério para alcançar um fim

sério”37. Entre as conseqüências do levante estavam a ocupação de prédios públicos, a

prisão de autoridades e a deposição do governador. Este só conseguiu retomar seu posto

após a intervenção das tropas legalistas.

Reempossado, Graccho Cardoso não tardou em contar as boas novas ao

Presidente da República. Ainda no dia 4 de Agosto, enviou um telegrama

“urgentíssimo” a Arthur Bernardes para lhe comunicar sobre “a vitória da legalidade”.

34 SERGIPE. Governador (1924: CARDOSO). Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe na abertura da Assembléia Legislativa Estadual em 7 de setembro de 1924. Aracaju: Typ. Comercial, 1924. p. 3. 35SERGIPE. Governador (1924: CARDOSO). Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe na abertura da Assembléia Legislativa Estadual em 7 de setembro de 1924. Aracaju: Typ. Comercial, 1924. p. 4. 36 Filho de Antonio Ferreira Carvalho e Balbina Mendonça de Carvalho, nasceu no povoado Canhoba, do município de Propriá (SE), dia 25 de abril de 1895. realizou os estudos básicos e secundários em Maceió. Em 1917 defendeu a tese intitulada “Do ópio em terapêutica mental” na Faculdade de Medicina da Bahia. Aprovado por um concurso para o Corpo de Saúde do Exército em fevereiro de 1923, foi transferido para o 28º BC dois meses depois. Perseguiu a Coluna Prestes em sua passagem pelo Nordeste e foi eleito Governador de Sergipe em 1934. Faleceu no Rio de Janeiro em 19 de março de 1969. Sobre Eronides Ferreira de Carvalho ver: ABREU, Alzira Alves de...[et.alli] Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (Pós 1930). Rev. Amp. Atual. Rio de Jneiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. v.1. Eronides de Carvalho, p. 1170-1172. 37 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996.p.26

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Agradecido, reconheceu que o seu regresso ocorreu “em virtude da vigorosa e patriótica

intervenção de v.ex. no sentido de restabelecer a ordem constitucional aqui invertida”38.

O governador atribuiu sua liberdade, principalmente, à ação enérgica do

Presidente da República. Graças a essa intervenção, através das forças mobilizadas nos

estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba, ele estava de volta à sua

casa e ao Palácio do Governo. Decidiu, então, mimar seu benfeitor. E, numa

demonstração de eterno devotamento, resolveu homenageá-lo encomendando no Rio de

Janeiro “um busto de bronze do atual chefe da Nação, para figurar no salão nobre do

Palácio do Governo”39. Assim, o Presidente da República estava representado40 em

Sergipe através do busto de bronze que figurava no Palácio do Governo.

Simbolicamente, Graccho Cardoso não apenas agradecia, mas também reafirmava a

presença de Arthur Bernardes no centro de decisões do estado de Sergipe.

Aracaju ficou livre dos rebeldes, mas passou a ser vigiada pelas tropas legais,

que se encarregaram do policiamento. Os pernambucanos que vieram representando o

21º Batalhão de Caçadores (21º BC) aquartelaram-se no 28º BC. Nesse mesmo local

foram presos os praças que haviam colaborado com o levante41. Muitos se entregaram

voluntariamente, outros foram capturados. E já que nem todos foram apanhados

imediatamente, as diligências continuaram pela capital e interior. O general Marçal

Nonato de Faria, chefe das operações militares contra os revoltosos, e, executor do

Estado de Sítio, mandou que fossem publicados editais convocando os líderes da revolta

sob pena de passarem a desertores. Eles deveriam ser punidos exemplarmente. Poucos

dias depois o capitão Eurípedes Esteves de Lima, e os tenentes João Soarino e Manoel

Messias de Mendonça já estavam presos no quartel do Exército.

Enquanto isso, o paradeiro do 1º tenente Augusto Maynard Gomes permanecia

desconhecido. Não se entregou, tão pouco se deixou prender. E, na qualidade de

desertor do Exército o oficial era procurado por toda parte “com vivo interesse” 42. E

38 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p. 41. 39 BUSTO DE BRONZE DO PRESIDENTE ARTHUR BERNARDES. Diário da Manhã. Aracaju, 23 ago 1924, p. 1. 40 O termo “representação” pode ser utilizado com sentidos diferentes. Uma das maneiras é empregar representação “como dando a ver uma coisa ausente”. Cf. CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad.: Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Ed. DIFEL, 1990, p.20. 41 Os porões do Grupo Escolar Barão de Maruim também foram utilizados para deter os envolvidos com o levante. Cf. DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. 42 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924p. 43.

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não foi só o governador que anulou os atos dos rebeldes. No 28º BC, a aceitação de

voluntários e a convocação dos reservistas foram anuladas. Obedecendo a uma circular

do Ministro da Guerra de 12 de setembro de 1924, duzentos e sessenta e um praças

foram excluídos do Exército43. Apenas os que não haviam feito nada a favor da revolta,

como no caso dos que estavam doentes na enfermaria, não precisaram prestar contas

com a Justiça. O 28º BC paralisou suas atividades até 3 de outubro desse mesmo ano.

No relatório enviado ao Ministro da Guerra, o general Marçal Nonato declarou

que os rebelados haviam reduzido o 28º BC à anarquia, estragado e extraviado material

do Exército e do Batalhão Policial, além de deixarem o governador sem os cuidados

médicos que sua saúde exigia. A lista de acusações não acaba por aí. Os insurretos ainda

forçaram o auxílio de muitas pessoas à revolta, convocaram reservistas, admitiram

voluntários, aprisionaram o vapor Itapoan, cavaram trincheiras nas praias, apagaram os

faróis da barra, montaram canhões, deram tiros e entrincheiraram-se em Itaporanga,

para onde levaram canhões.

Atendendo a ordens superiores, o general Marçal Nonato de Faria mandou os 60

praças da polícia baiana; os 8 oficiais e 295 praças do 21º BC, de Pernambuco; bem

como os 8 oficiais e 281 praças do 22º BC, da Paraíba, regressarem. Conservou em

Aracaju apenas o efetivo disponibilizado pelo 20º BC, de Alagoas, num total de 5

oficiais e 284 praças. Em Recife era grande a expectativa em torno do regresso dos

militares. Os pernambucanos entraram no Itaipava às 3h da tarde do dia 20 de agosto e

partiram. Mas antes do embarque “o 21º de Caçadores, equipado, desfilou

galhardamente pelas ruas desta capital, acompanhado de crescido número de pessoas”44.

Oito oficiais e duzentos e noventa e cinco praças voltaram a ver o rio

Capibaribe. Ao retornarem à terra natal tiveram a felicidade de reencontrar familiares e

amigos curiosos para ouvir as histórias que os praças certamente contariam aos montes.

Oficialmente não houve baixas na tropa. O comandante do 21º BC, tenente-coronel

Toscano de Britto, afirmou em telegrama ao governador Sergio Loreto que

terminou movimento revolucionário de Sergipe devido a ação

enérgica e decisiva do 21º BC, que reagindo ao ataque dos

revoltosos, no lugar Água Bonita, a dois quilômetros Itaporanga,

43 Cf. SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924 44 O EMBARQUE DO 21º BATALHÃO DE CAÇADORES. Diário da Manhã. Aracaju, 20 ago 1924, p.1.

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primeiro reduto do inimigo, por espaço de quinze minutos,

obrigou-os bater em retirada com grande pânico entre eles

abandonando as posições. O 21º BC, cujos filhos pertencem ao

Estado que v.exe. tão dignamente preside, portou-se com grande

intrepidez e denodo45.

Enquanto o 21º BC voltava para o Recife alardeando feitos heróicos, o 28º BC

tinha suas atividades paralisadas. Já a Força Pública em Sergipe passava por uma

reorganização. Graccho Cardoso providenciou para que o Batalhão Policial fosse

aparelhado com material moderno. Cansado de surpresas, o governador determinou que

“a milícia estadual será comandada d’oravante por um oficial do Exército”46 de sua

confiança e que deveria imprimir a disciplina necessária ao corpo. De acordo com a

nova organização, oficiais e praças de idade avançada seriam afastados. O comando

provisório e a reorganização do batalhão foram confiados ao capitão Octaviano José da

Silva, integrante do Estado Maior47 do general Marçal Nonato.

Vários inquéritos e sindicâncias foram instaurados para apurar as

responsabilidades que os revoltosos pudessem ter. Também foram investigadas a Escola

de Aprendizes Marinheiros, a Capitania do Porto, o Batalhão Policial e os sargentos do

28º BC. Além disso, a polícia abriu inquéritos para apurar a participação dos civis no

movimento de 13 de julho de 1924. Entre todos os indiciados, apenas o capitão

Eurípedes Esteves, e os tenentes Augusto Maynard, João Soarino e Manoel Messias

assumiram a responsabilidade pela revolta militar e seus desdobramentos.

Já com a situação normalizada, muitas pessoas comentavam a audácia dos

quatro oficiais. O ideal que os uniu interferiu no cotidiano dos sergipanos durante a

revolta. Mas o que parecia incompreensível é que essa movimentação teve início

justamente no quartel do Exército. Um local destinado ao culto da disciplina jamais

incitaria um motim. Seria mesmo?

A organização do 28º Batalhão de Caçadores (28º BC) em Sergipe

45 TELEGRAMAS. Diário de Pernambuco. Recife, 6 ago. 1924, p. 1. 46 REORGANIZAÇÃO DO BATALHÃO POLICIAL. Diário da manhã. Aracaju, 23 ago. 1924, p. 1. 47 O “Estado Maior” refere-se a um grupo de oficiais. Estes podem estar numa unidade militar, ou acompanhando um oficial de alta patente numa missão. Cf. 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletins Regimentais. Aracaju, 1922 – 1930. .

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Instituído em de 31 de dezembro de 1921, o 28º BC começou a funcionar

efetivamente em Sergipe dia 11 de julho de 192248. O corpo de tropas dividia-se em

Estado-Maior; 1ª, 2ª e 3ª Companhias. Organizado com os elementos da 19ª Companhia

de Metralhadoras Pesadas (extinta com o mesmo Decreto 15.235), o novo Batalhão

recebeu o quadro de pessoal, gêneros alimentícios e saldo restante do pagamento das

contas da unidade anterior49. O decreto de 2 de maio de 1922 determinou o Estado-

Maior do 28º BC. Foram classificados como oficiais os capitães Raul Gaston Pereira de

Andrada, Augusto Heitor Borges, João Maria Leal de Menezes, primeiros tenentes

Eurípedes Esteves de Lima, Misael de Mendonça, Tancredo Gomes Ribeiro, Antonio

Thomé Rodrigues e segundos tenentes João Soarino de Melo, Nelson de Oliveira

Sampaio e José Figueredo Lobo. O comando da unidade ficou sob a responsabilidade

do tenente-coronel Heliodoro Sodré50. O quartel do Exército localizava-se no centro de

Aracaju, na praça 24 de Outubro, atualmente Praça General Valadão51.

Os sergipanos incorporados ao Exército provinham do sorteio militar, ou do

alistamento voluntário52. No entanto, dificilmente os quadros eram preenchidos através

do voluntariado. O Ministério da Guerra estipulava o número de voluntários e sorteados

a serem incorporados em cada unidade militar. A apresentação espontânea poderia

ocorrer antes da maioridade mediante autorização dos pais, ou no caso de órfãos, do juiz

de órfãos. Todo alistamento de voluntários feito no quartel do 28º BC era citado em

Boletim Regimental. Na descrição do alistado constava o nome completo, filiação,

naturalidade, ano do nascimento, altura, profissão, estado civil, cor, formato dos olhos,

boca, cabelos, rosto e nariz. Além disso, discriminava-se se voluntário era vacinado,

sabia nadar e o grau de alfabetização. A maior parte deles sabia ler, escrever e contar

ou, ao menos, assinar o nome.

Os candidatos passavam por uma avaliação feita pelo corpo médico do

Batalhão53. Caso fosse julgado apto para o serviço ativo do Exército, o recruta alistava-

48 Data do primeiro Boletim Interno do 28º BC em Aracaju. O documento mostra a criação do Batalhão, ordenada pelo chefe da região militar no telegrama nº 117 de 8 de julho de 1922. 49 Dia 12 de julho de 1922 os gêneros alimentícios da 19ª CMP passaram ao 28º BC. E dia 17 de julho de 1922 o conselho administrativo da 19ª CMP foi encerrado e instalado o do 28º BC. As contas da 19ª CMP foram pagas resultando num saldo de 17:391$179 réis, entregues ao conselho administrativo do 28º BC. 50 Cf. 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 11 jul. 1922. 51 O 28º BC continua instalado em Aracaju, mas mudou-se para o bairro Dezoito do Forte em 1942. 52 Cf. MINISTÉRIO DA GUERRA. Relatórios Ministério da Guerra. Rio de Janeiro, 1910 – 1930. 53 Em agosto de 1922 a equipe médica do Batalhão era composta pelo capitão médico Galdino Ferreira Martins e segundos tenentes estagiários Eronides de Carvalho e Mário Dourado de Cerqueira Bião. Cf. 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim Regimental. Aracaju, 2º semestre de 1922.

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se como voluntário. Ao ser incluído na tropa, recebia um número e passava a integrar

uma das companhias do Batalhão. Os documentos exigidos aos aspirantes ficavam

arquivados na secretaria do quartel. E o desligamento deveria ocorrer após a conclusão

do tempo de serviço. Mas se demonstrasse mau comportamento ou problemas com a

justiça, o praça era imediatamente desligado. A exclusão poderia acontecer ainda se o

praça desertasse, ou no caso de apresentar incapacidade física, ou moral.

Os sergipanos incorporados ao 28º BC eram graduados como soldados. Os

postos de soldado, cabo e sargento são graduações. As patentes se referem aos postos de

oficiais. A ordem hierárquica dos postos à época era: soldado – anspeçada – cabo –

sargento – tenente – capitão – major – tenente-coronel – coronel – general54. Para

conseguir elevação de posto o aspirante deveria requerer inscrição no pelotão de

candidatos a cabos ou no pelotão de candidatos a sargentos. Antes da matrícula o

interessado era submetido a um exame. Um oficial era escolhido para ministrar

instrução aos candidatos. Depois de receber a instrução, o praça era submetido a mais

um exame e caso fosse aprovado, recebia nova graduação. Dia 18 de setembro de 1923

foi realizada uma prova escrita às 7h no pelotão de candidatos a sargentos. O major

fiscal Jacintho Dias Ribeiro e os primeiros tenentes Misael de Mendonça e Augusto

Maynard Gomes foram nomeados para participar da comissão de exame. O resultado da

prova contou com 7 cabos aprovados e 17 reprovações. Os dados revelam o elevado

índice de reprovações55.

O fardamento dos praças (soldados, anspeçadas, cabos e sargentos) consistia em

ceroulas de cretone, camisas de morim, calção, capa e túnica de brim, gorro sem pala,

capote de pano, coleção de botões de massa preta, armação de boné americano, divisa

para o posto, perneiras de couro preto e borzeguins (espécie de bota ou botim que cobria

o pé e parte da perna) de couro preto. Todas as peças do fardamento eram

confeccionadas na cor cáqui56.

A alimentação de praças e oficiais realizava-se em diferentes horários e em

refeitórios distintos. O rancho, local onde os militares faziam suas refeições, recebia

54 Cf. 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim Regimental. Aracaju, 1922 -1930. 55 Cf. 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim Regimental. Aracaju, 18 set. 1923. 56 Durante a primeira República as forças estaduais utilizavam as mesmas cores adotadas pelo Exército. Essa tentativa de aproximação causou incomodo às Forças Armadas. Aqui em Sergipe, o presidente Daniel Campos recebeu recomendações do Ministério da Guerra, em 1899, para que a farda e o distintivo utilizado pela força policial do Estado fossem diferentes das usadas pelo Exército. E ainda, em 1907 Hermes da Fonseca informou que a cor cáqui havia sido adotada pelo Exército em viaturas e uniformes. Portanto, seu emprego em fardamentos estaduais estava proibido. Cf. SERGPE. Correspondência do gabinete do Presidente do Estado procedente do Ministério da Guerra. Aracaju, 1889-1919.

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quinzenalmente os gêneros alimentícios. Os alimentos eram cozidos num fogão a lenha.

Basicamente, as refeições no quartel eram compostas por arroz, feijão, açúcar,

bacalhau, batata inglesa, carne seca, farinha de mandioca, farinha de trigo, manteiga,

massa para sopa, café, mate, sal, temperos, azeite doce, toucinho, banha e vinagre. Nos

dias considerados de festa a alimentação dos praças era melhorada. A novidade ficava

por conta de carne verde, goiabada, queijo, verduras, canjica e vinho.

Nos dias normais, as atividades do Batalhão seguiam horários estabelecidos pelo

chefe da Região Militar. Cada companhia possuía um relógio de parede. No quartel, os

praças tinham uma programação que determinava desde a hora de acordar e pôr-se de pé

até o momento de se recolher para dormir. O dia preenchido com atividades e

momentos de instrução tentava controlar a vida do militar. O programa a ser seguido de

outubro de 1922 a fevereiro de 1923 contava com três momentos de instrução ao longo

do dia,

Alvorada...................................................4:30h

Café com pão............................................5h

Instrução...................................................5:30 às 8:30h

Almoço......................................................9h

Parada......................................................10h

Limpeza da cavalhada e instrução............10 às 11:30h

Café com pão............................................13h

Instrução ..................................................13:30 às 16h

Jantar.........................................................16:30h

Escola........................................................19 às 20:30h

Recolher.....................................................21h

Silêncio .....................................................22h 57

O Exército investia na instrução de seus militares. Além do preparo físico,

aprendiam a manejar com armas e recebiam instrução de higiene. Há registro também

de exames e tratamentos de verminoses nos praças. E os militares ainda recebiam

vacinas. A varíola foi uma das doenças que preocupou as autoridades na década de

1920. Em parte isso se deve ao fato de Sergipe ter apresentado um surto de varíola antes

57 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 2 out. 1922. p. 84.

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do surgimento do 28º BC em Aracaju58. A unidade militar contava ainda com uma

Escola Regimental. O Ministério da Guerra providenciava o local, os professores e

recursos didáticos como quadro negro, papel e lápis para a realização das aulas.

A Escola Regimental funcionava à noite no quartel. Lá se aprendia ou

aperfeiçoava-se a capacidade de “ler, escrever e contar”. O programa de instrução

publicado em 5 de novembro de 1923 pelo comandante Bernardo de Araújo Padilha

afirmava que “a instrução dos analfabetos será ministrada não só aos soldados

analfabetos como também aos que a tenham muito precariamente. O ensino irá até a

leitura e conhecimento dos números”59. A matrícula na Escola Regimental era

determinada pelo comandante do 28º BC. As companhias remetiam relações com os

nomes dos praças para registrar o indivíduo.

O 28º BC fornecia fardamento, alimentação, instrução (militar e de higiene),

prevenção contra doenças (vacinas). Por outro lado cobrava de seus subordinados

obediência pronta e cega, o que nem sempre ocorria. As punições atestam que nem

todos conseguiam cumprir o Regulamento Disciplinar do Exército (R.D.E.) e o

Regulamento para Instrução e Serviços Gerais (R.I.S.G.).

A obediência às regras e aos superiores é uma das características mais marcantes

das instituições militares. Em Sergipe, o 28º BC não deixou de cumprir os estatutos

disciplinares do Exército. Dessa forma, as infrações cometidas, na maioria dos casos por

soldados e cabos, foram punidas. As admoestações consistiam em prender os infratores

por um determinado número de dias. No momento de definir a punição dois fatores

eram levados em consideração. Um deles era o ato cometido e em que grau havia

transgredido o R.I.S.G.; outro, a conduta prévia do infrator. As determinações

freqüentes de castigos disciplinares revelam que nem todos conseguiam cumprir as

exigências da conduta militar.

Afora um ou outro caso em que praças se envolviam em bebedeiras e brigas fora

do quartel, a unidade militar conseguia manter a disciplina. E, até julho de 1924, não

havia presenciado motins ou insubordinações de grandes proporções. Nesse sentido, os

elogios eram recorrentes, nas correspondências recebidas pelo comandante da unidade.

As ordens do major Jacintho Dias Ribeiro não deveriam ser questionadas, nem mesmo

58 Aracaju contou com 89 casos de varíola e 13 mortes decorrentes da doença. Os municípios mais atingidos pelo surto foram Anápolis com 600 doentes e 20 mortos e Santo Amaro com 448 casos e 28 mortes. Cf. SERGIPE. Correspondência do gabinete do Presidente do Estado procedente da Secretaria de Saúde. Aracaju, 1920. 59 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 1923. p. 567.

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as mais inusitadas. Em 25 de dezembro de 1923 o 28º BC passou um natal60 diferente.

A unidade embarcou de trem para Salvador com a missão de depor o governador do

estado José Joaquim Seabra. Depois disso permaneceu na capital baiana até 16 de abril

de 1924, quando teve fim o Estado de Sítio e os sergipanos puderam retornar de navio a

Aracaju.

Enquanto permaneceu na Bahia, o 28º BC teria se comportado de modo

exemplar. Tanto que a unidade foi enaltecida pelo Presidente da República. O elogio

demorou a ser publicado. E para infelicidade de Arthur Bernardes, a nota veio a público

dia 18 de julho de 1924, data em que o 28º BC se achava rebelado. De acordo com o

Presidente

Foi público haver sido transcrito em Boletim Regional o elogio feito

pelo Excelentíssimo Senhor Ministro da Guerra em nome do

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, aos elementos deste

B.C. pelo modo com que se portaram durante as graves ocorrências no

estado da Bahia61.

Obviamente, tanto o Presidente da República quanto o Ministro da Guerra

desconheciam que, em Salvador, o tenente Augusto Maynard tentou convencer o José

Joaquim Seabra a lhe fornecer homens para garantir sua permanência no Palácio do

Governo62. Alguns meses depois, esse mesmo oficial e três companheiros, todos

militares, confessaram diante da Justiça que dominaram o quartel do Exército, os meios

de comunicação e os “poderes legais constituídos”, tomaram inclusive o Palácio do

Governo e o Quartel da Polícia em Sergipe. Mas quem eram esses homens? O que os

motivou a levantar o 28º BC? E de que maneira fizeram isso?

Os líderes da revolta militar em Sergipe

Quatro oficiais do Exército iniciaram um levante no batalhão sergipano em julho

de 1924. A essa época todos residiam em Aracaju, sendo que o capitão Eurípedes

60 O natal não fazia parte do calendário festivo militar, nem era considerado feriado. Apenas um dia de trabalho. Durante a década de 1920 não há qualquer menção à celebração da data entre os militares. 61 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Resumo histórico do 28º Batalhão de Caçadores. Aracaju. fl.2. 62 ABREU, Alzira Alves de...[et.alli] Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (Pós 1930). Rev. Amp. Atual. Rio de Jneiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. v.1. Augusto Maynard Gomes, p. 2561-2563 .

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Esteves de Lima comandava a Companhia de Metralhadoras Mistas (C.M.M.), tinha 40

anos de idade, era casado e natural de Itabaianinha; o 1º tenente Augusto Maynard

Gomes estava à frente da 1ª companhia, tinha 38 anos, era casado e natural de Rosário;

o 1º tenente João Soarino de Mello tinha 26 anos, era casado e natural de São Cristóvão;

e o 2º tenente Manoel Messias de Mendonça tinha 26 anos de idade, era solteiro e

natural de Capela. Além de residir no próprio quartel do Exército, Manoel Messias de

Mendonça cuidava da intendência e do depósito de armas da unidade.

Entretanto, essa qualificação não é suficiente para dizer quem foram os líderes

da revolta. No que se refere à conduta deles como militares e cidadãos sergipanos, não

há como negar que, antes do levante, o capitão Eurípedes, assim como os tenentes

Augusto Maynard e João Soarino foram alvos dos mais caudalosos e públicos elogios.

Com relação ao tenente Manoel Messias, se não há elogios, tão pouco foram

encontrados registros de reclamação.

O capitão Eurípedes, tido em alta conta pelo comandante da unidade, foi

designado para ocupar o cargo de fiscal do Batalhão, a segunda função mais importante

no 28º BC, enquanto o major Jacintho Dias Ribeiro gozava suas férias entre junho e

julho de 1924. Outro indício do prestígio desse oficial é que quando ele e João Soarino

foram promovidos, em 1923, a capitão e 1º tenente, respectivamente, o Sergipe Jornal63

fez questão de parabenizar os dois oficiais64. Referindo-se a Eurípedes, o periódico

publicou a seguinte nota em sua primeira página

Soubemos ter sido promovido ao posto de capitão o sr. 1º tenente do

Exército Eurípedes Esteves Lima, oficial brioso que há muitos anos

vem servindo na guarnição federal deste Estado, dando provas de

caráter, amor à disciplina e compreensão dos seus deveres.

Ao capitão Eurípedes enviamos nossas felicitações por esse

auspicioso motivo65.

63 O periódico que fez questão de parabenizar os oficiais em 1923 em virtude da elevação de posto, deixa de circular durante a revolta de 1924 por discordar expressamente da atitude desses mesmos oficiais elogiados um ano antes. 64 Quando o 28º BC foi organizado em 1922, Eurípedes Esteves de Lima e João Soarino de Mello faziam parte do Estado Maior da unidade. Sendo que o primeiro foi classificado como 1º tenente e o segundo como 2º tenente. 65 CAPITÃO EURÍPEDES. Sergipe Jornal. Aracaju, 2 jan. 1923, p.1.

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Diferente dos demais companheiros, o 1º tenente Augusto Maynard Gomes66 já

havia tomado parte noutras insurreições. Como aluno da Escola Militar do Realengo,

no Rio de Janeiro, participou da revolta da vacina em 1904. Em virtude disso foi

expulso e voltou para Aracaju. Cursava o secundário no Colégio Atheneu Sergipense

quando se envolveu, em 1906, na revolta de Fausto Cardoso. Admitido de volta à

Escola Militar graças à anistia concedida pelo presidente Afonso Pena, estava pronto

para aderir ao levante de 1922, quando o movimento foi jugulado.

Apesar do espírito aguerrido, o 1º tenente Augusto Maynard Gomes era

respeitado enquanto militar tanto por seus subordinados, quanto por seus superiores

hierárquicos. Em 1924, o comandante do 28º BC, major Jacintho Dias Ribeiro fez

questão de destacar as qualidades do oficial. Em suas palavras o comandante

demonstrou entusiasmo com o trabalho desenvolvido por Maynard no quartel

Ao Sr. 1º Te. Augusto Maynard Gomes agradeço os bons serviços

prestados no comando interino da C.M.M. que vinha exercendo desde

a sua organização com bastante inteligência, competência e dedicação

ao serviço, especialmente à instrução, na qual tem se revelado um

ótimo elemento de que dispõe o batalhão, pelo que faz jus aos meus

francos elogios67.

Em virtude da expressão política que alcançaria mais tarde, é sobre Augusto

Maynard que se tem maiores informações. O oficial ganhou biografia e tornou-se

verbete no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro68. Severino Uchoa, seu biógrafo,

66 Maynard nasceu dia 16 de fevereiro de 1886 no Engenho “Campo Redondo”, município de Rosário do Catete, em Sergipe. Filho de Manoel Gomes da Cunha e Tereza Maynard. Aos 16 anos foi para o Rio de Janeiro e assentou praça no 20º BC, aquartelado no Realengo para ingressar na Escola Militar, o que conseguiu em 1903. Envolveu-se na revolta contra a vacina obrigatória em 1904 foi expulso do Exército. Voltou para Sergipe e em 1906 envolveu-se na revolta de Fausto Cardoso em Aracaju. Afonso Pena anistiou os alunos da Escola Militar e Maynard voltou para terminar o curso. Em 1922 cursava a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais quando rebentou a revolta na noite de 4 para 5 de julho. Ele compartilhava dos mesmos ideais, mas o movimento foi rapidamente sufocado. Maynard participou ainda das revoltas de 13 de julho de 1924 e 19 de janeiro de 1926 e da revolução de outubro de 1930. Cf. UCHÔA, Severino. Augusto Maynard: O Estadista e o Revolucionário. Aracaju: Imprensa Oficial, 1924. (Publicação do D.E.I.P.), e ABREU, Alzira Alves de...[et.alli] Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (Pós 1930). Rev. Amp. Atual. Rio de Jneiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. v.1. Augusto Maynard Gomes, p. 2561 - 2563. 67 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 1923. p. 582. 68 ABREU, Alzira Alves de...[et.alli] Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (Pós 1930). Rev. Amp. Atual. Rio de Jneiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. v.1.

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o descreve como um homem honrado, generoso, prudente, puro, educado69. Apesar de

ter se envolvido em confusões, assim que recebeu a patente de tenente, Augusto

Maynard tornou-se um oficial exemplar, comprometido com a disciplina apregoada

pela instituição.

Mas em termos de prestígio o 1º tenente Soarino não ficava devendo nada aos

seus camaradas. Presente no Batalhão sergipano desde a sua organização em 1922, o

oficial dirigia a 2ª companhia da unidade militar antes da revolta de 1924. Sua

participação durante as comemorações do dia da Batalha de Tuiuti70, em 24 de maio de

1923, foi alvo de muitos elogios. Escolhido pelo comandante para proceder a leitura da

ordem do dia, Soarino empolgou os presentes. Em meio à presença de “altas

autoridades militares, estaduais, federais e povo”, a praça 24 de Outubro ainda foi palco

dos “movimentos de caráter militar executados de ordem do tenente Soarino, de modo

rápido, inteligente e preciso”71.

Tendo em vista essas declarações, percebe-se que os oficiais em questão não

eram indisciplinados, insubmissos ou avessos às normas estabelecidas pelo Exército.

Sendo assim, que motivos teriam levado homens de conduta elogiável a incitar uma

revolta na guarnição sergipana? Teriam ficado loucos? Para alguns, essa era a única

explicação plausível.

Os objetivos do levante de 1924

Os motivos que levaram à organização de um levante no 28º BC não

permaneceram em sigilo durante muito tempo. Não houve vazamento de informações,

ao contrário. Os próprios líderes da revolta publicaram, dia 16 de julho, no Diário

Oficial do Estado de Sergipe e no Correio de Aracaju uma proclamação na qual

explicitaram suas inquietações e o que pretendiam fazer. Seguindo o exemplo dos

paulistas, a divulgação do programa revolucionário enfatizava a “necessidade de

reformas jurídico-políticas, não como caráter inovador, mas de implantação rigorosa de

69 Cf. UCHÔA, Severino. Augusto Maynard: O Estadista e o Revolucionário. Aracaju: Imprensa Oficial, 1924. (Publicação do D.E.I.P.), p.11. 70 Chamado pelos jornais de Dia do Exército ou Festa do Exército, o dia 24 de maio era, no início da década de 1920, a data mais importante do calendário festivo militar. Na ocasião eram celebradas a Batalha de Tuiuti e seu maior herói, Manoel Luís Osório. Cf. CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. 71 JURAMENTO À BANDEIRA. Sergipe Jornal. Aracaju, 24 maio 1923, p.1.

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estatutos legais pré-existentes”72. O desejo de defender os direitos dos brasileiros e a

honra do Exército estavam em primeiro lugar.

De acordo com o documento, o povo sergipano conhecia a “situação de

desrespeito e menosprezo aos direitos alheios implantada pelos que nestes últimos seis

anos vêm governando a República brasileira”. Além disso, os sergipanos estavam

cientes das “humilhações, os vexames que esses mesmos dirigentes vêm impondo à

classe militar”. Ainda segundo os revoltosos, a nação precisava ser defendida, já que o

governo havia esquecido que a República deve ser voltada para o povo “o governo da

liberdade, o governo do povo, para o povo e pelo povo, princípios estes esquecidos e

relegados pelos que se têm assenhorado das posições políticas e administrativas do

país”73.

Ao mesmo tempo a proclamação destacava a responsabilidade dos militares para

com a República, já que havia sido “esta classe que, numa hora feliz e majestosa,

implantou em nossa cara Pátria o governo republicano”74. Os militares procuraram

reforçar a idéia de que o Exército esteve presente em momentos cruciais para a história

do País, como a abolição da escravatura e a Proclamação da República. Num estudo

sobre os acontecimentos que desencadearam a mudança do regime, em 1889, Celso

Castro75 afirma que tudo foi tramado e executado por um grupo restrito de militares e

civis, e não pela instituição como um todo. O antropólogo conta que aproximadamente

600 homens rebelados entraram no campo de Santana na manhã daquele 15 de

novembro. Outro estudioso do assunto, José Murilo de Carvalho76 também não acredita

na participação maciça de militares e civis no movimento que culminou na mudança do

regime. Mas essa foi a imagem que o Exército optou por instituir.

Na década de 1920 o Exército criou celebrações e instituiu uma versão oficial

sobre o seu passado. De acordo com Celso Castro77, foi nesse período que a instituição

“inventou” suas tradições mais importantes, como o mito de Caxias enquanto

pacificador. Nesse processo de criação, o Exército procurou contar a História do País,

72 FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política: tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 53. 73 PROCLAMAÇÃO AO ALTIVO POVO SERGIPANO. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 16 jul. 1924. p.1. 74 PROCLAMAÇÃO AO ALTIVO POVO SERGIPANO. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 16 jul. 1924. p.1. 75 Cf. CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995 (Coleção Antropologia Social). 76 Cf. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 77Cf. CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

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destacando a participação da instituição. O episódio da Proclamação da República era

ideal. Os militares se auto-intitulavam os “pais da República”. Daí se sentirem

responsáveis pelo regime republicano. Isso aparece com força nas proclamações dos

rebeldes em São Paulo, Aracaju e Manaus78.

O texto distribuído pelos militares sergipanos expressava ainda a antipatia da

classe por Arthur Bernardes. Por fim, os rebeldes garantiam que os direitos dos

sergipanos seriam respeitados. Conforme os insurretos, Arthur Bernardes empregava

meios violentos, seguindo o exemplo de Epitácio Pessoa. Em vista disso, os militares se

sentiram na obrigação de se lançar contra o Presidente da República. De acordo com

Maria Celina Forjaz eles agiram assim porque podiam. Na década de 1920 as Forças

Armadas constituíam “o único grupo nacional organizado, com uma elevada expectativa

sobre seu próprio papel enquanto ‘estrato protetor da República’ e contando com a

possibilidade do recurso à violência”79.

De maneira geral, a revolta no 28º BC Sergipe tinha a finalidade de mostrar a

solidariedade dos oficiais sergipanos para com os seus camaradas do sul, que exigiam a

deposição do Presidente da República. No discurso, a luta dos paulistas se justificava

pela defesa dos interesses não apenas da instituição, mas de todos os brasileiros.

Seguindo esse exemplo os militares sergipanos explicitaram seu ideal de defender a

Nação. De modo mais específico, os motivos que levaram à revolta militar em Sergipe

foram: prestar solidariedade ao levante paulista; evitar que o 28º BC embarcasse para

combatê-los; conseguir fazer com que os demais batalhões do Norte imitassem sua

atitude; caso isso não fosse possível, pretendiam atrair para Sergipe a maior parte das

tropas do Norte que se destinassem a São Paulo. Além disso, os oficiais deixaram claro

que revoltaram o 28º BC porque não podiam ir a São Paulo combater ao lado dos líderes

do movimento. Sobre a finalidade da revolta em Sergipe o tenente Maynard explicou

que

Impossível se nos afigurou, desde logo, a possibilidade de adesão em

São Paulo; urgia pois levar a efeito um levante local, cuja eficiência,

além de se traduzir na ausência do próprio 28º BC ao lado das forças

legais, atrairia finalmente contra si outras forças, que

78 CARONE, Edgard. O tenentismo: acontecimentos, personagens, programas. São Paulo: DIFEL, 1975 79 FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política: tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 34.

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descongestionariam o principal teatro da luta. Nenhum outro interesse

alimentávamos80.

O objetivo dos rebelados consistia em apoiar os paulistas na luta contra Artur

Bernardes. Isso foi exposto na proclamação lançada aos sergipanos. Apesar disso, a

atitude dos oficiais recebeu diferentes interpretações. Havia quem achasse que se tratava

de uma confusão passageira. E para os praças, as reivindicações dos oficiais

representavam a esperança de melhores condições de trabalho. O Exército exigia dos

soldados “o absoluto cumprimento do dever ao lado da lei e da autoridade”81, contudo o

atraso no pagamento dos soldos não era uma prática incomum. Em novembro de 1923

os praças do 28º BC estavam há dois meses sem receber os vencimentos. E diante da

situação de carestia pela qual passava Sergipe na década de 1920, muitos soldados

precisavam tomar dinheiro emprestado a agiotas.

Diante do Ministério Público, Eurípedes Esteves de Lima, Augusto Maynard

Gomes, João Soarino de Mello e Manoel Messias de Mendonça foram acusados de

querer “mudar a Constituição política da República, ou a forma de governo

estabelecida”82. A classificação do delito de acordo com o Decreto 1.062 de 29 de

setembro de 1903 complicou a vida dos oficiais. Preocupado em atenuar o feito diante

da justiça, o advogado de defesa Luis José da Costa Filho afirmou categoricamente que

a revolta não passou de uma desordem, causada pelo desejo de defender os brios da

classe militar. Nas palavras do jurista, a revolta de 1924 foi

um movimento de indisciplina militar levedado pela temperatura

política e moral do momento em que se ela verificou, estimulada em

parte por sentimentos de reação contra atos administrativos encarados

como humilhantes pelo espírito militar de classe. Isto só e apenas

isto83.

Obviamente a ligação com os paulistas e seus planos de deporem o Presidente da

República deixava os oficiais sergipanos em maus lençóis. O advogado de defesa teve

80 MAYNARD Apud UCHÔA, Severino. Augusto Maynard: O Estadista e o Revolucionário. Aracaju: Imprensa Oficial, 1924, p. 47. (Publicação do D.E.I.P.). p. 48 81 DOLOROSO. Correio de Aracaju. Aracaju, 30 nov. 1923, p.1. 82 COSTA FILHO, Luiz José da. Defesa: nos autos do processo-crime dos revoltosos de 13 de julho de 1924. Aracaju: Typ. D’O LABOR, 1925. p. 11. 83 COSTA FILHO, Luiz José da. Defesa: nos autos do processo-crime dos revoltosos de 13 de julho de 1924. Aracaju: Typ. D’O LABOR, 1925. p.12.

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trabalho para convencê-los a negarem essa ligação. Entretanto, os insurretos foram

unânimes em afirmar que não desejavam modificar a Constituição nem a forma de

governo, crimes pelos quais foram acusados. Em depoimento os oficiais também

deixaram claro que nunca ambicionaram ocupar a direção administrativa do estado.

Prova disso foi que, deposto o governador, ofereceram o cargo ao general reformado

José Calazans, tido em alta conta por eles.

O general Calazans já havia sido procurado antes pelos oficiais. Mais na

condição de conselheiro do que propriamente de um líder, Calazans preferiu não se

envolver nos planos para revoltar o 28º BC. O recurso de procurar um oficial com alta

patente e já da reserva também foi utilizado por outros grupos rebelados no País. Em

São Paulo o escolhido foi o general reformado Isidoro Dias Lopes. Maria Cecilia Spina

Forjaz acredita que essa opção demonstra que não existiam

altas patentes militares identificadas com as aspirações da média

oficialidade, mas mostra também como os tenentes reconheciam a

primazia desses elementos para pronunciar-se em nome da instituição

como um todo84.

Os oficiais de baixa patente procuraram legitimar o movimento através da

participação dos chefes da mesma. Como estes permaneceram ao lado da legalidade, os

rebelados decidiram apelar para os oficiais da reserva. Com ou sem o auxílio de altas

patentes, um capitão e três tenentes revoltaram o 28º BC em 1924. Resta saber de que

maneira eles conseguiram isso.

O plano para revoltar o 28º BC e assumir o controle do estado

Quem poderia imaginar que pudesse ocorrer uma insurreição no 28º BC? A

unidade funcionava na mais perfeita disciplina. Quer dizer, numa disciplina quase

perfeita. Sempre havia um ou outro praça que contrariava os regulamentos e acabava

sendo castigado. Apesar de todo o esforço empregado durante a instrução, nem todos os

militares conseguiam viver em sintonia com a disciplina imposta pela caserna. Alguns

84 FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política: tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 58.

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soldados sentiam dificuldade em renunciar práticas habituais e, divertidíssimas, para

muitos deles, como por exemplo, ingerir bebida alcoólica e freqüentar cafés de baixa

esfera, os populares cabarés. O militar deveria apresentar um comportamento

irrepreensível dentro e fora do quartel, mas não foi exatamente isso o que se observou.

De qualquer maneira os casos de indisciplina eram isolados e nunca chegaram a motivar

uma revolta generalizada.

Em Aracaju, muitos praças foram castigados por vender fardamentos e extraviar

equipamentos. Bebedeiras em cafés, desentendimentos entre os próprios militares e o

envolvimento com meretrizes também aconteciam comumente. José Murilo de Carvalho

descreve os quartéis durante a Primeira República e afirma que “brigas, roubos, e

bebedeiras eram freqüentes nos quartéis”85. Mas os regulamentos não estavam em

questionamento. Deveriam ser obedecidos.

Durante as férias do comandante do 28º BC, major Jacintho Dias Ribeiro, o

capitão Augusto Pereira comandou a unidade sem descuidar da disciplina da tropa. O

soldado tambor corneteiro da CMM n.215 Benevenito Monteiro, por exemplo, foi preso

por 21 dias, pois durante o ensaio da banda portou-se “de modo inconveniente

desrespeitando o cabo corneteiro que ministrava o ensino”86. O cabo contador n. 373

João da Cruz Salles de Campos também foi disciplinado “por ter respondido de modo

inconveniente a um sargento hoje, por ocasião da marcha para o Stand”87. No dia 3 de

julho Jacintho Dias Ribeiro reassumiu o comando da unidade. Com isso o capitão

Augusto Pereira voltou à fiscalização do batalhão e o capitão Eurípedes também

retornou ao comando da sua companhia. A tranqüilidade permaneceu até chegar a

notícia do levante paulista.

Nem todas as unidades militares se revoltaram na capital paulista. Apesar disso,

no início do levante, os revoltosos dispunham de um contingente que preocupou o

Governo Federal. Todo o regimento da cavalaria, com aproximadamente 500 homens;

80 do 2º Grupo de Artilharia Pesada; 100 do 4º Regimento de Infantaria; 80 do 4º

Batalhão de Caçadores e cerca de 200 praças da Força Pública participaram da revolta.

85 CARVALHO, José Murilo de. As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador. In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. 2 ed. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1978, p. 191. 86 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 1 jul. 1924, p. 387. 87 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 2 jul. 1924, p.388.

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Acredita-se que “ao todo, os amotinados seriam 950 a 1000 combatentes entre 5 e 6 de

julho”88.

A revolta militar, iniciada a 5 de julho de 1924 em São Paulo, veio a público

através de uma publicação especial do Diário Oficial, dia 7. A essa altura já sabiam da

novidade o governador do estado e o comandante do 28º BC. Ambos foram avisados

por telegramas recebidos dia 5 de julho, sendo o remetente do primeiro o Presidente da

República Artur Bernardes e o do segundo o chefe da Região Militar, general Marçal

Nonato de Faria.

À uma hora da tarde do dia 5 o chefe de Polícia, Cyro Cordeiro de Farias,

recebeu um chamado urgente em sua residência. Imediatamente, compareceu ao Palácio

do Governo. Então Graccho Cardoso lhe mostrou a mensagem, reservada e urgente, que

acabara de receber, “comunicando de que no Estado de São Paulo a Guarnição Federal e

a Força Pública Estadual se haviam revoltado, constando que esse movimento tinha

ramificação por outros Estados;”89. Mais tarde Cyro Cordeiro chamou o comandante do

Batalhão Policial à sua casa. O Chefe de Polícia deu ordem para que a Polícia ficasse de

sobreaviso, limpasse os fuzis e disponibilizasse a munição que fosse necessária.

Como medida preventiva, determinou ainda que a usina elétrica do estado e a

residência particular do governador fossem guardadas por policiais. Visando aumentar o

efetivo da capital, chamou com urgência quatro oficiais que se achavam em diligências

pelo interior e mandou que se recolhessem vários destacamentos policiais. Apesar de ter

adotado tais medidas não acreditava que seria necessário usar as armas, em virtude das

garantias dadas pelo comandante do 28º BC na presença do próprio governador.

Ainda na noite do dia 5 alguns oficiais do Exército foram chamados ao quartel

e tiveram conhecimento sobre o movimento paulista. Um dos oficiais convocados, o 1º

tenente Soarino, julgava que esse levante era mais sério que o de 1922. Suas suspeitas

foram confirmadas por um despacho telegráfico que mandava o 28º BC se aprontar para

seguir na ocasião oportuna com destino ao Rio de Janeiro. O telegrama “urgentíssimo”

dizia “Vosso batalhão caçadores deve estar pronto para embarcar primeira oportunidade

Rio acordo ordem acabo receber Minist. Guerra”90.

88 NORONHA apud CARONE, Edgard. O tenentismo: acontecimentos, personagens, programas. São Paulo: DIFEL, 1975. p. 56. 89 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 19, p. 2321. 90 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 7 jul. 1924, p. 396.

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A ordem enviada pelo Chefe da Região Militar interferiu na rotina da unidade.

O segundo aniversário de organização do 28º BC estava próximo. Mas a celebração se

resumiu ao hasteamento e arredamento do “Pavilhão Nacional com as formalidades do

estilo” e a melhoria da alimentação da tropa “deixando de haver outros festejos em

virtude da situação especial por que passa este corpo”91.

E como nos dias de festa a alimentação era caprichada, os praças já esperavam

algo diferente para o dia 11 de julho. De fato, todos puderam desfrutar dos itens triviais,

além de porções de goiabada, queijo e vinho. Em quantidades reduzidas e sem direito a

repetição, os artigos extraordinários não chegaram a engordar, nem tão pouco embriagar

os praças. Se o vinho chegou a causar algum sobressalto foi em virtude do desejo que

alguns praças sentiram de receber uma dose a mais da bebida. Apesar do batalhão estar

de prontidão, o comandante do 28º BC não viu problemas em celebrar discretamente o

aniversário da unidade. Afinal de contas, estava tudo sob controle.

O Exército e o Batalhão Policial receberam ordens para permanecer em

prontidão. O governador havia colocado esses elementos à disposição do Presidente da

República. Apesar disto, as notícias veiculadas nos jornais davam a entender que tal

ajuda não seria necessária. Dois dias após o início da revolta na capital paulista, o

sergipano Gilberto Amado escreveu um telegrama do Rio de Janeiro garantindo a todos

que os rebeldes paulistas estavam praticamente dominados. Segundo ele era possível

“considerar jugulado movimento S. Paulo. As forças revolucionárias concentradas no

quartel da Luz resistem, mas não tem mais iniciativa de ataques. Situação aqui de

confiança e serenidade”92. Apesar das notícias favoráveis à legalidade, o estado se

cercou de cuidados.

Em pouco tempo os comentários sobre a revolta paulista animavam as conversas

dos militares em Sergipe. E toda essa empolgação chegou aos ouvidos de Graccho

Cardoso. Incomodado com o teor desses comentários, o chefe administrativo pediu

satisfações ao major Jacintho Dias Ribeiro não apenas na condição de governador, mas

também como amigo particular, pois os dois estudaram juntos na Escola Militar.

Questionado sobre o quartel do Exército, o comandante admitiu que as conversas sobre

a revolta de São Paulo eram freqüentes, ao mesmo tempo em que assegurou que o

Batalhão mantinha-se em ordem. Depois de receber essa garantia, Graccho Cardoso

91 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental. Aracaju, 10 jul. 1924, p. 401. 92 NOTICIÁRIO. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 7 jul. 1924, p.2.

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respondeu ao Presidente da República, colocando a força sergipana à disposição para

ajudar na luta contra os insurretos paulistas.

Alertado pelo capitão Misael de Mendonça sobre os comentários que o tenente

João Soarino fazia no quartel e nos cafés de Aracaju, Jacintho Dias Ribeiro foi até a

casa do tenente Soarino e o repreendeu ali mesmo. Enquanto isso o tenente Maynard

chegava a ridicularizar o conteúdo de telegramas enviados pelo Chefe da Região

Militar. Em atenção ao pedido do governador, Augusto Maynard Gomes foi chamado à

sala do comandante para ser exortado a mudar seu comportamento. O oficial se

comprometeu a cessar com os comentários, e, ao menos publicamente, foi isso o que ele

fez. Mas pessoalmente, Maynard acreditava que Sergipe precisava se manifestar a favor

dos companheiros do sul. Pensou num modo de fazê-lo. O oficial desmentiu que tivesse

conspirado com os paulistas e garantiu que encontrava-se no 28º BC

quando explodiu o movimento de 5 de julho de vinte e quatro.

Se bem que qualquer coisa soubesse, não deixou de ser para mim

grande surpresa a explosão do movimento.

Entretanto, logo compreendi do que se tratava e, desde então, passou a

ser a minha preocupação máxima o meu concurso pessoal, segundo

ditava a minha consciência de militar ciente e consciente dos seus

direitos e deveres93.

Sem perder tempo, Maynard procurou o capitão Eurípedes para uma conversa.

Antes que dissesse o que queria, Eurípedes já sabia do que se tratava. Compartilhavam

das mesmas aspirações. Eles sabiam que nenhum argumento convenceria as autoridades

sergipanas a apoiar os rebeldes paulistas. Só havia uma maneira de resolver o problema:

o combate armado. Os dois trocaram as primeiras idéias sobre a possibilidade de um

levante na guarnição sergipana. Mais tarde procuraram Soarino. A partir daí os três

passaram a se reunir secretamente. Diante da escassez de notícias sobre a rebelião

paulista, os três oficiais julgaram que o movimento era generalizado.

Inicialmente pensaram em desobedecer “à ordem de embarque, revoltando, caso

fosse possível nesta ocasião, o Batalhão”94. As reuniões entre o comandante do 28º BC,

93 UCHÔA, Severino. Augusto Maynard: O Estadista e o Revolucionário. Aracaju: Imprensa Oficial, 1924, p. 47. (Publicação do D.E.I.P.) 94 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25, p. 3613.

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o governador e o chefe de polícia indicavam que o embarque não tardaria. Por essa

razão decidiram antecipar o levante. Os oficiais mantinham o ânimo apesar das notícias

veiculadas darem conta de que o movimento em São Paulo estava próximo do fim. No

dia 12 de julho A Folha fixou no café Universal, um telegrama avisando que 83

rebeldes haviam sido presos na capital paulista e que 21 metralhadoras foram

apreendidas por volta das 15 horas95. O Diário Oficial lançou, nesse mesmo dia, um

noticiário transmitindo informações enviadas pelo Palácio do Presidente da República e

que garantiam o êxito das tropas legalistas. O Ministro Interino da Justiça, Felix

Pacheco informou que quando a artilharia

enfrentou o inimigo durante largo espaço de tempo. Às 6:30 nossas

tropas de ataque partiram para a conquista de seus objetivos, que

alcançaram, apreendendo durante a ação 21 metralhadoras.

Reina desânimo entre os rebeldes. Foi proposto um entendimento por

intermédio de um emissário revoltoso. A divisão em operações repeliu

a posposta, declarando que só trataria com os insurretos para lhes

aceitar a rendição incondicional. É magnífico o ânimo de nossas

tropas96.

Na tarde de 12 de julho os três oficiais se encontraram na casa de Augusto

Maynard Gomes. Combinaram que o levante em Sergipe aconteceria nas primeiras

horas do dia 13 de julho. Após essa reunião Eurípedes foi à casa do general José

Calazans. Este teria desaconselhado a execução do plano por considerar o resultado de

um levante no 28º BC praticamente nulo. A advertência não surtiu efeito. Decidido,

Eurípedes não pestanejou. E na hora marcada, 24 h, saiu de sua casa e foi em direção ao

quartel. Lá já estavam os outros dois. Soarino era o oficial de dia no sábado, 12 de

julho, e pernoitou no quartel seguindo as ordens do comandante. Quanto a Maynard, o

mais entusiasmado de todos, mal pôde esperar até o horário marcado. Os ponteiros do

seu relógio nunca foram tão vigiados quanto naquela noite. Finalmente chegara o

momento.

Os três oficiais foram até o alojamento dos praças e os acordaram dando ordens

para que se vestissem e entrassem em forma. Retirados às pressas do conforto das

95 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 19, p. 2288. 96 NOTICIÁRIO. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 12 jul. 1924.

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camas de ferro com lastro de madeira, colchões e travesseiros de capim cobertos por

colchas de algodão97, não houve hesitação. Desconhecendo o que se passava, alguns

praças perguntaram “se o batalhão ia fazer exercício ou embarcar naquele momento”98.

Os oficiais disseram que não havia tempo para explicações e foram obedecidos, já que

eram os superiores hierárquicos. Nesse momento Eurípedes, Maynard e Soarino

receberam a notícia de que o tenente Manoel Messias, que residia no quartel, voltava do

seu habitual passeio noturno. Interpelado pelos companheiros, Manoel Messias tentou

ponderar, mas acabou aderindo ao levante. Em seguida, entregou as chaves do depósito

da munição e as armas foram distribuídas entre os praças.

Resolvido o que poderia ter sido o primeiro empecilho, o plano continuou sendo

executado. Depois de reunidos, os praças que estavam no quartel foram divididos em 3

pelotões. Um permaneceu no quartel sob o comando de Eurípedes no portão da frente e

Manoel Messias na retaguarda. Os outros dois pelotões saíram pelos fundos.

Experientes, os três oficiais traçaram um plano de ação. Em primeiro lugar era preciso

deter e desarmar o Batalhão Policial. Assim, Soarino comandou o ataque à guarda do

Palácio do Governo. O tenente Maynard tinha uma missão mais difícil. O oficial partiu

com o outro grupo rumo quartel do Batalhão Policial.

Desde o dia 6 de julho que o comandante da Força Pública, tenente-coronel

Caetano José da Silveira havia dado ordens para seus subordinados se mantivessem de

prontidão. Sem maiores esclarecimentos, declarou apenas que a medida fora tomada em

virtude da revolta paulista. Contando com um efetivo total de 350 homens, Caetano José

da Silveira garantiu ao governador que 150 praças dormiam no quartel, além de todos os

oficiais. Mas apenas uma média de 85 homens pernoitavam na unidade. Na noite de 12

de julho o oficial de dia, 2º tenente Daniel Vieira Bastos, avisou que os 87 praças

compareceram à revista do recolher, e, portanto, ninguém havia faltado. Considerando

as boas notícias sobre São Paulo e baseado nas garantias dadas pelo major Jacintho Dias

Ribeiro de que “no seu Batalhão não haveria revolta e se houvesse, ele próprio

abafaria”99, mandou dispensar 25 praças entre os mais antigos.

Depois saiu do quartel e, chegando na praça Fausto Cardoso, encontrou o Chefe

de Polícia que conversava com um amigo. Este saiu e deixou as duas autoridades a sós.

97 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletins regimentais. Aracaju, 1922-1926. 98 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p. 32. 99 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 19, p. 2289.

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Caetano da Silveira perguntou se havia alguma novidade e Cyro Cordeiro respondeu

que não. O comandante do Batalhão Policial reclamou que estava

muito incomodado do ouvido ao que o Doutor Chefe lhe respondeu

não ser bom facilitar e em seguida despediu-se e foi sentar-se em um

dos bancos do jardim Olympio Campos e continuando a lhe doer os

ouvidos foi para a casa aplicar um medicamento100.

O oficial adormeceu e, por volta das 2 h do dia seguinte sua esposa o despertou

dizendo que estava ouvindo um tiroteio. O problema nos ouvidos do comandante

certamente o impediu de perceber as rajadas de fuzil que acordaram sua mulher. Os

revoltosos saíram do quartel às 2:30h da manhã do dia 13 de julho. Em silêncio foram

pela “Rua Santa Rosa, adiante dobraram a Rua Santo Amaro e atingiram a Praça

Olímpio Campos, onde se separaram”101. Minutos depois a população aracajuana

acordava com o estampido dos tiros. O episódio não foi esquecido facilmente. Versos

de cordel narram os fatos destacando a participação dos tenentes Maynard e Soarino

No dia 13 de julho

Data pra mim sagrada

Acordei com o tiroteio

Às duas da madrugada

Ontem eu vinha da cidade

Me encontrei com dois tenentes

Um era Soarino

Mainá vinha na frente

Vem cá, Mainá

Não vou lá não

Porão do Grupo

Não foi feito pra mim, não

Vem cá , Mainá

Não vou agora

Eu só vou lá

100 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 19, p. 2289. 101 DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. p. 114.

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Com a palma da Vitória

Vem cá, Mainá

Não vou lá não

Se eu for lá

Marçal me bota no porão102

A guarda do Palácio do Governo estava acostumada à quietação das primeiras

horas do dia. Algumas sentinelas foram descansar nos quartos. Àquela hora, o sossego

era total. Escura e fria, a madrugada convidava ao sono. E, teimosos, os guardas

insistiam em permanecer acordados. Não tanto porque o quisessem, mas estavam

trabalhando. Tinham por obrigação ouvir o silêncio da noite. As notas dessa sinfonia

eram dadas pela tranqüilidade. Mas no dia 12 de julho o cabo Marcilio Cordeiro de

Santa Barbosa pensou ter ouvido outra melodia. Ele conta que por volta das 2h

estava sentado em sua cama no corpo da guarda da retaguarda e sendo

toda a iluminação da cidade apagada lobrigou por entre as palmeiras

do jardim um movimento de praças, que lhe pareceu ser uma música

que se retirava de alguma tocata, quando uma praça da guarda, isto é,

sentinela, que se achava em seu posto disse não ser uma música e sim

praças do 28º que tomavam posição por entre os canteiros do jardim e

logo depois ouvia-se diversas descargas103.

Pessoas se movimentavam no jardim. Pela farda, logo perceberam que praças do

28º BC se posicionavam ao redor do Palácio do Governo. Em meio à escuridão não era

possível saber quantos eram. O teórico da guerra Carl von Clausewtiz acredita que

quanto mais ambientado o soldado estiver com a guerra, melhor será o seu desempenho

no campo de batalha. E até mesmo na escuridão, “a pupila do olho dilata-se, absorve um

pouco de luz existente, de modo que o olho pouco a pouco consegue distinguir os

objetos e acaba por se orientar muito bem”104. Pelo modo como se aproximavam os

praças do Exército não pretendiam se entrosar. Um tiro foi disparado em direção à porta

do Palácio. Os militares que guardavam o edifício reagiram. Inicialmente os disparos

102 SILVA, José Calazans Brandão da. Aracaju e outros temas sergipanos. Aracaju: Governo de Sergipe – FUNDESC, 1992, p. 132. 103 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 19, p. 2308. 104 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.87

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eram esporádicos, ouvia-se um ou outro. Logo em seguida, descargas de fuzilaria

acordavam os moradores do centro da cidade e adjacências.

O prédio todo iluminado era o alvo perfeito para os praças do 28º BC, que se

escondiam no jardim. Momento difícil para os guardas do Palácio. Algumas sentinelas

faziam preces, arrependendo-se dos erros cometidos, enquanto outros pensavam nos

pecados que não carregavam consigo. Mil coisas vinham às suas cabeça. No entanto,

nenhum raciocínio lógico figurava-se na mente daqueles homens. Literalmente, davam

tiros no escuro. Estavam receosos.

Com medo, alguns fugiram. Não haviam sido preparados para aquela situação.

Nos períodos de instrução não lhes foram dadas tais circunstâncias. O conhecimento

prévio de uma ocorrência deste tipo poderia resultar numa ação mais profícua.

Clausewitz105 acredita que a guerra não deve ser uma novidade para o soldado, pois essa

situação causaria surpresa, e consequentemente, embaraço no momento de agir.

Naquele dia, os guardas desejavam apenas passar mais algumas horas no Palácio até a

hora de ir para suas casas, e o que acontece?

Os tiros não cessavam. O soldado Manoel Bento dos Santos carregou seu fuzil,

“disparou três tiros contra os agressores e em seguida vendo diversos companheiros

feridos tratou de fugir para não ser morto, pois grande era o número de atacantes, os

quais eram comandados pelo Tenente Soarino”106. O quadro não era animador. A

munição acabou e não havia mais o que fazer. Foram rendidos e as armas

descarregadas, entregues. Depois disso, seguiram para o quartel do 28º BC, escoltados

por praças do Exército. Soarino foi para o quartel da Polícia com o intuito de ajudar o

tenente Maynard.

Quando os primeiros tiros foram disparados contra o Palácio do Governo, pôde-

se ouvir do quartel do Batalhão Policial. O soldado Juvenal Luiz Vieira, de 20 anos, foi

um dos primeiros a escutar os estampidos e no mesmo instante avisou ao cabo do corpo

de guarda. Este foi até à rua de Pacatuba “que fica nas imediações deste quartel,

regressando sem demora e dizendo a ele depoente que era bala muita e antes mesmo que

o referido cabo penetrasse no quartel foi atingido mortalmente”107. Paralizado como

estava, o soldado também poderia ser atingido. Então o tenente Daniel Vieira Bastos

105 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.88. 106 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 19, p. 2305. 107 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 19, p. 2311.

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mandou que ele corresse. Iniciaram-se as descargas de fuzil. O tenente Daniel Bastos

era o oficial responsável pelo Batalhão Policial. Ele afirmou ter seguido para a

residência do governador, levando, por engano, as chaves da intendência. Toda a

munição estava trancada aí. A porta precisou ser arrombada a tiros.

Deitados no chão do quartel da Força Pública, praças e oficiais atiravam para

fora, esperando que os agressores fossem embora. Mas isso não aconteceu. A esta

altura, o quartel estava cercado. Maynard e Soarino enviaram uma intimação ao

responsável pelo Batalhão Policial, na ausência do tenente Daniel Bastos, o documento

foi lido pelo capitão Augusto Alves de Moraes. A mensagem oferecia duas opções,

“adesão ou rendição” sob pena da força policial ser atacada. Eles tinham 30 minutos

para se render. Alguns praças estavam feridos e a munição não resistiria por muito

tempo. Então a força policial foi desarmada e se entregou.

Entre os revoltosos não houve baixas. Já os defensores da legalidade não

gozaram da mesma sorte. O soldado José Rodrigues de Oliveira foi baleado e morreu no

quartel da Polícia. Do ataque ao Palácio do Governo resultou a morte do anspeçada da

polícia José Mathias de Castro. Ainda no Palácio, o cabo Marcilio Cordeiro Santa

Bárbara e o soldado Manoel Ignácio Telles foram feridos, mas socorridos a tempo,

sobreviveram108. Dispostos a tudo, os rebeldes provaram que não estavam para

brincadeiras.

A morte desses homens logo foi deixada de lado, tanto pelos insurretos quanto

pelos legalistas. Já não se pode dizer o mesmo a respeito das famílias de José Rodrigues

de Oliveira e José Mathias de Castro, que não conseguiram esquecer as duas mortes

com a mesma facilidade. Curiosamente, ambos chamavam-se José e morreram no dia 13

de julho de 1924 pelo mesmo motivo. Ofuscados diante do triunfo dos rebeldes, os

mortos desconhecidos nunca foram lembrados. Em mais esse aspecto eles se

assemelhavam.

O tiroteio durou cerca de meia hora em diferentes pontos da cidade. Mas ao som

dos primeiros tiros já se podia ouvir gritos em frente ao quartel. Tratava-se do major

Jacintho Dias Ribeiro. Vendo que os praças saíam para atacar a guarda da cadeia

pública, deu ordens para que voltassem. Como não foi atendido, resolveu ir ao quartel.

O comandante encontrou o portão da frente fechado, mas Eurípedes mandou que a

108 Cf. SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924.

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sentinela abrisse. Os praças estavam prestes a assistir a um dos episódios mais tensos

daquela madrugada.

Ao entrar no quartel o comandante avistou Eurípedes a uns oito passos. Olhando

fixamente nos olhos do oficial, entendeu o que se passava e disse “ ‘Senhor Capitão

Eurípedes’, ao mesmo tempo que, muito trêmulo, apontava-lhe a sua pistola

Parabellum, tendo na outra mão a sua espada”. Imediatamente Eurípedes empenhou e

apontou-lhe “arma igual, dizendo: ‘Senhor Major’”. Todos aguardavam o desfecho da

cena até que Jacintho Dias Ribeiro foi baixando lentamente o braço. Depois de guardar

sua arma, Eurípedes foi ao comandante e lhe abraçando, conduziu-o ao cassino dos

oficiais. Ainda gritando, o major confessou “sua pistola estar descarregada, o que

realmente ele indiciado verificara, retirando o carregador do respectivo depósito”109.

Apesar de ser a autoridade máxima do 28º BC, Jacintho Dias Ribeiro não foi

obedecido. Mesmo sem saber exatamente a finalidade daquela operação militar, os

praças optaram por respeitar as ordens dos oficiais rebelados. Como puderam

desobedecer a um superior hierárquico? Para compreender essa atitude, seria bom

esclarecer a diferença entre “chefes” e “líderes”.

Celso Castro pontua que no caso dos chefes, a promoção ocorre em virtude da

autoridade, enquanto que a dos líderes deve-se ao prestígio. De acordo com o

antropólogo, “a ascendência do chefe ou comandante está ligada à posição que ele

ocupa”, já “a ascendência por meio de prestígio tem sua fonte, segundo Simmel, na

própria individualidade do líder”110. Poucos gozam do privilégio de serem considerados

líderes. Na madrugada de 13 de julho, Jacintho Dias Ribeiro não despertou a confiança

em seus subordinados. Para o seu azar, ele era apenas o chefe, não o líder do 28º BC.

O comandante ficou detido no quartel. Porém, ele não foi o único. Também

foram presos os capitães Augusto Pereira e Misael de Mendonça, primeiros tenentes

José de Figueiredo Lobo e João Baptista de Mattos, capitão médico Galdino Martins,

primeiro tenente-contador Antenor Cabral e primeiro tenente farmacêutico Heráclito

d’Avila Garcez, a medida que iam chegando ao quartel, por não concordarem com o

109 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25, p. 3577. 110 CASTRO, Celso. O Espírito Militar: um antropólogo na caserna. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004. p. 27-28.

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levante111. O tenente-coronel Caetano da Silveira e o tenente Daniel Bastos, ambos do

batalhão Policial, fugiram durante o tiroteio do dia 13.

Para tranqüilidade de Eurípedes, aos poucos chegavam ao quartel do Exército

pequenos grupos de soldados da polícia desarmados e conduzidos por praças do 28º BC.

Alguns oficiais da policia foram trazidos por Soarino. Enquanto este dava notícias da

vitória, Maynard entrou no quartel precedido pelos praças que guarneciam o quartel de

polícia, e que também iam escoltados.

Por volta das 5 horas da manhã o tenente Soarino, sob ordem de Eurípedes,

seguiu para a residência do governador, cuja guarda foi coincidentemente enfraquecida

nesse dia. Seis homens guarneciam o local nessa madrugada com “revólveres e sabres

imprestáveis, ao invés de fuzis, como o era anteriormente à referida noite”112. Já estava

amanhecendo quando parou um automóvel próximo à casa do governador.

Geminiano Muniz Barreto, de 50 anos, fazia parte da guarda da residência de

Graccho Cardoso naquela madrugada e viu o tenente Soarino dentro do carro. Armado

com uma pistola, o oficial estava acompanhado por soldados do Exército que portavam

fuzis. Ninguém saiu do automóvel. Nenhum tiro foi disparado. O governador recebeu

um recado do líder revoltoso. Desejava falar-lhe. Sem resistir, Graccho Cardoso

mandou que Soarino entrasse na casa. Apenas ele. Frente a frente com a autoridade

máxima do estado, Soarino explicou o que estava acontecendo. O chefe administrativo

ficou ainda mais furioso ao receber o convite de adesão ao levante, respondendo “ser

inteiramente impossível aceitar tal proposta por motivos que foram de modo cabal

justificadas no momento”113.

Diante disso, o tenente Soarino lhe deu ordem de prisão e deixou um praça do

28º BC na residência. Detido em casa e vigiado todo o tempo, Graccho Cardoso tinha

permissão para receber apenas familiares e seu médico particular. Como desobedeceu

essa ordem, foi conduzido ao quartel do Exército na manhã do dia 14 pelo tenente

Maynard. Despediu-se então de sua esposa, Joelina Cardoso, que não pôde fazer nada

para impedir que lhe levassem o marido. O governador foi detido junto aos demais

111 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25, p. 3577. 112 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1, p. 20. 113 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25, p. 3614

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auxiliares de governo, e com seu irmão “dr. Hunald Cardoso, afora os militares que

continuaram fiéis à honra do seu juramento”114.

Graccho Cardoso não aderiu ao levante, e o general Calazans declinara do

convite para assumir a direção administrativa de Sergipe. O que fazer diante do

impasse? Alguém precisava dirigir o estado. A saída encontrada pelos oficiais foi a

constituição de uma Junta Governativa Militar, composta por eles mesmos. Os militares

acabaram se tornando os representantes administrativos do estado, pois

Supunha-se depois disto a necessidade de organizarem a máquina

político administrativa do Estado, sendo por eles revoltosos escolhido

para empunhar as rédeas do Governo o General José Calasans que, por

vários motivos ponderados, segundo veio a saber o interrogado

posteriormente por intermédio do Capitão Eurípedes, não fora aceito

o convite deles revoltosos. Em vista disso, constituíram-se em Junta

Governativa, porém na impossibilidade de poderem simultaneamente

atender ao batalhão e à administração do Estado.115

Enquanto os quatro oficiais se responsabilizavam pelo estado, outras funções

foram distribuídas. O capitão Eurípedes assumiu o comando do 28º BC. O tenente

Manoel Messias ficou encarregado de cuidar das contas da unidade militar. A segurança

pública e o plano de defesa da cidade coube ao tenente Soarino. Mas ele não pôde ficar

em Aracaju por muito tempo. Em virtude de boatos de que se organizavam reações

contra a Junta, os oficiais resolveram estender seu raio de ação para o interior. Soarino

ficou responsável pela frente norte, que abarcava as cidades de Rosário do Catete e do

Carmo. Já Maynard deveria cuidar da frente sul que compreendia as cidades de São

Cristóvão e Itaporanga.

Inquestionavelmente os rebeldes foram bem sucedidos. Foram mais longe que os

paulistas, que os haviam inspirado. Em São Paulo “o sucesso foi apenas parcial. O

objetivo estratégico não foi atingido. Os tenentes não conseguiram se apoderar da

114 SERGIPE. Governador (1924: CARDOSO). Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe na abertura da Assembléia Legislativa Estadual em 7 de setembro de 1924. Aracaju: Typ. Comercial, 1924. 115 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25, p. 3614.

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cidade nem derrubar o governo estadual”116. Diferente dos paulistas, os sergipanos

dominaram Aracaju e depuseram o governador.

Em nenhum momento os oficiais sergipanos demonstraram interesse particular

na administração do estado e, por isso mesmo, não se preocuparam em trazer mudanças

significativas à população. A constituição da Junta Militar deveria resolver um

problema, não atender uma ambição. O objetivo não era mudar a realidade sergipana,

mas promover uma transformação na política nacional, através da moralização da

República. Por isso a deposição de Artur Bernardes se fazia tão urgente.

Além disso, a ocorrência aponta para o fato de que os militares não eram uma

classe tão unida quanto se possa pensar. As relações de camaradagem, estimuladas pelo

próprio Exército não aconteciam de forma generalizada. Essas afinidades não

dependiam apenas de fazer parte da mesma instituição, mas também de compartilhar os

mesmos ideais. As aspirações dos militares que se envolveram com as revoltas em 1924

passavam pela recuperação do modelo de República instituído em 1889. Isso

contrariava os interesses do próprio Exército, que tentava afastar os militares da política.

A relevância em estudar os militares está, quase sempre, associada à idéia do

envolvimento dessa classe com a política. Por isso mesmo é preciso atribuir razões

políticas para as revoltas militares da década de 1920. O que melhor explicaria o levante

de 1924, o pertencimento dos tenentes a uma instituição como o Exército, ou seu

pertencimento às classes médias urbanas? Nesse trabalho, especificamente, essas

preocupações não ocuparam o primeiro plano. Apesar disso não foi desconsiderado o

envolvimento dos militares com a política, bem assim como seu pertencimento ao

Exército e às classes médias urbanas.

Sem dúvida, tratava-se de um desses momentos que marcam a história de um

País. A Revolta de 1924 trazia consigo o desejo de moralizar o sistema republicano. Por

acreditar na “missão salvadora” do Exército, à qual Nelson Werneck Sodré117 se refere,

é que quatro homens resolveram levantar o estado. A vontade maior consistia em ir para

São Paulo. No entanto, perceberam que, estrategicamente, seria mais profícuo lutar em

Sergipe. E assim o fizeram.

Efetivamente os rebeldes acreditavam que o Exército tinha o dever de salvar a

Nação. Julgavam correto que os militares tomassem decisões importantes para o Brasil,

116 MORAES, João Quartim de. 2 ed. A esquerda Militar no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 216 117 Cf. SODRÉ, Nelson Werneck. O tenentismo. Porto alegre: Mercado Aberto, 1985.

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como noutros momentos o fizeram. Eis aí uma bela demonstração de que “as lutas de

representação têm tanta importância como as lutas econômicas”, pois através delas é

possível “compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a

sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio118. Em 1924,

as rebeliões que ocorreram em São Paulo, Sergipe, Amazonas e Rio Grande do Sul

pretendiam estabelecer a forma como alguns militares pensavam que deveria ser a

política nacional.

Essa maneira de compreender o mundo foi resultado de escolhas. Daí a

importância de estudar as percepções do social, pois como lembra Roger Chartier, elas

produzem estratégias e práticas, que procuram impor autoridade, legitimando projetos

ou justificando “escolhas e condutas”. Parece que se justifica aqui a escolha da história

cultural para analisar a revolta militar de 1924 em Sergipe. Uma vez que o trabalho foi

organizado com a intenção de compreender as formas e os motivos, ou noutras palavras

“as representações do mundo social, que à revelia dos atores sociais, traduzem as suas

posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a

sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse”119.

A força era o único meio de que dispunham os rebeldes. E eles a utilizaram para

legitimar a visão de mundo que julgavam mais coerente. A retirada de Arthur Bernardes

da presidência só ocorreria, caso esse discurso de moralização da política fosse

legitimado. A vitória do levante militar de 13 de julho oferecia essa autoridade que os

rebeldes buscavam. O sonho de Eurípedes, Maynard, Soarino e Manoel Messias

tornava-se real para eles e para milhares de sergipanos em 1924.

118 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad.: Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Ed. DIFEL, 1990. p.17. 119 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad.: Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Ed. DIFEL, 1990. p. 19.

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Capítulo 2

UM MUNDO AO ALCANCE DAS MÃOS: DESDOBRAMENTOS DO

LEVANTE MILITAR EM ARACAJU E NO INTERIOR

“O homem acaba por se assemelhar àquilo que gostaria de ser”

Charles Baudelaire120

A cidade amanheceu diferente. Não estava frio, tão pouco se esperava

precipitações para aquele 13 de Julho. E apesar do domingo ensolarado, os aracajuanos

se comportaram como se o céu estivesse desabando sob a forma da chuva mais

torrencial que já haviam presenciado. Mas a instabilidade que se sentia na cidade não

era meteorológica. Disparos foram ouvidos durante a madrugada e tropas do 28º BC se

mobilizavam ao longo do dia. Ninguém sabia ao certo o que motivara os tiros que

acordaram a população, bem como as conseqüências que aquela movimentação de

praças traria para o cotidiano da capital e do interior nos próximos dias. Assustados,

muitos preferiram não arriscar se distanciar de suas casas. Mais tarde iriam saber que a

confusão começara por causa dos militares.

Enquanto o povo conjeturava explicações para a balbúrdia iniciada no quartel do

Exército, os líderes da revolta comemoravam o sucesso do empreendimento. Isto

ocorreu porque o responsável pelo plano de ação sabia que era preciso atentar para “as

forças militares, o território e a vontade do inimigo”121. Numa situação de guerra, estes

três itens devem ser observados meticulosamente e, em primeiro lugar, é preciso

“destruir as forças militares. O que significa que têm de ser colocadas em tais condições

que se tornem incapazes de prosseguir o combate”122. Desde as primeiras horas daquele

13 de julho os prédios públicos estavam ocupados, os meios de comunicação vigiados,

os possíveis focos de resistência dominados.

120 BAUDELAIRE, Charles. 4 ed. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 9. 121 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 31. 122 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.30.

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Depois de prenderem o governador, o capitão Eurípedes e os tenentes Augusto

Maynard, João Soarino e Manoel Messias ofereceram a administração do estado ao

general José Calazans, oficial reformado do Exército e tido em alta conta pelos líderes

da revolta. O problema parecia estar resolvido, mas ao contrário do esperado, o convite

não foi aceito. Diante desse impasse, a saída foi a constituição de uma Junta

Governativa Militar, formada pelos quatro oficiais. Sergipe mudaria a partir de então? O

objetivo desse capítulo é analisar as ações dos rebeldes e algumas respostas da

população diante do sucesso da revolta deflagrada em 13 de Julho de 1924.

O resultado positivo do levante precisava de novas ações que garantissem a

continuidade do momento favorável. Neste sentido os meios de comunicação poderiam

ser uma arma poderosa para o movimento. Por isso, “uma das primeiras medidas

militares tomadas pelos sediciosos foi a ocupação, na madrugada de 13 de julho, da

estação dos telégrafos, das oficinas e dos depósitos dessa companhia, situados nos

subúrbios desta cidade”123. Os telegrafistas Durval Machado e Deusdedith Fontes

estavam na estação no momento em que uma força comandada pelo cabo Alexandre

Faro Sobral chegou ao local. Eles arrombaram o portão, pularam o guichê e proibiram

os telegrafistas de usarem os aparelhos. Os militares permaneceram na estação, até que

às 9h do mesmo dia outra força comandada pelo cabo Bethoven Marques da Silva

apareceu para continuar garantindo que nenhuma informação sobre a revolta fosse

transmitida. Apenas a Junta Militar poderia autorizar o envio de mensagens.

Ainda durante a manhã do dia 13 de julho o tenente Soarino foi à estação

expedir dois telegramas. Como os funcionários lhe disseram que não podiam fazê-lo

porque não eram responsáveis por isso, Soarino não perdeu tempo, ao invés de discutir

com os telegrafistas, seguiu de automóvel até a residência do chefe do distrito

telegráfico, Pedro Leão de Campos. Este foi levado à estação e obrigado a “transmitir

dois telegramas: um, com a assinatura do sr. Dr. Graccho Cardoso, falsificada, ao

general Marçal Nonato de Faria, na Bahia, pedindo-lhe munição e outro ao tenente

Uchoa, também na Bahia”124. O general Marçal Nonato de Faria dificilmente recusaria

atender a um pedido do governador sergipano. Os rebeldes acreditavam nisso, mas as

armas não foram enviadas.

123 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1, p. 44. 124 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1, p. 41.

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A notícia do levante em Sergipe chegou a Salvador ainda no dia 13 de julho, e o

governador da Bahia, Francisco Marques de Goes Calmon, imediatamente pronunciou-

se a favor da legalidade. O 19º BC já havia partido para combater os revoltosos

paulistas no dia 10 de julho. Apesar disso todas as providências necessárias para conter

a ameaça vinda do estado vizinho seriam tomadas. A primeira medida foi isolar as

linhas telegráficas em Aracaju para que as comunicações diretas entre Bahia e

Pernambuco não fossem interceptadas. O governo federal tomava as primeiras medidas

para reagir à ofensiva sergipana, mas essa não seria uma tarefa fácil

O plano de defesa de Aracaju logo foi traçado. Com o propósito de evitar

ataques, a barra de Aracaju foi minada e o farol apagado. Visando garantir a ordem na

capital, os prédios públicos foram ocupados e o policiamento nas ruas intensificado. E

para impedir ocorrências desagradáveis foram construídas trincheiras “na entrada do

porto a partir do local denominado Carvão (onde hoje está o Iate Clube) até o

Tramandaí (hoje também conhecido como quatro bocas)” 125. O material para a

construção das trincheiras foi adquirido no comércio local.

No dia 17 de julho a Junta Militar comprou cinco picaretas, dez pás de ferro bico

e quadradas no estabelecimento de Joaquim Luis de Carvalho por 107$500. Um dia

depois foram providenciados pregos, arame, cadeado, barra e vergalhão de ferro na J.

Dantas & C126. Faltavam ainda os sacos. Mas isso não foi problema. Um soldado foi à

fábrica de tecidos Cruz Ferraz e Companhia e comprou, no dia 17 de julho, 500 sacos de

algodão a 1,70, num total de 1:455$000. No dia 24 de julho foram comprados mais 150

sacos, num total de 436$500. Para minar a barra de Aracaju compraram cabos e

correntes na loja de Edgar Menezes. Os estabelecimentos comerciais estavam

acostumados a vender artigos para o 28º BC, antes da revolta. E após o levante não

viram problemas em continuar a fazê-lo, tanto mais porque os rebeldes compravam em

grande quantidade e pagavam à vista. Alguns comerciantes chegaram a se declarar

favoráveis à revolta. Afinal de contas, o freguês tem sempre razão.

As horas passavam rápido em meio ao turbilhão de temas que exigiam a atenção

da Junta Militar. Muitos assuntos demandavam resoluções imediatas. Contudo, havia

uma medida que não poderia mais ser adiada. Os militares precisavam comunicar as

“boas novas” à população. Mais do que narrar o episódio, fazia-se necessário instituir

125 DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. p. 124. 126 Cf. ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 7, p. 872 - 890.

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Os rebeldes nas trincheiras construídas ao longo das praias de Aracaju

durante a revolta militar de 13 de Julho de 1924

Fonte: Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura

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uma versão oficial para os fatos. Isso poderia ser decisivo para angariar aliados na luta

contra Arthur Bernardes. Com isso, os militares pretendiam legitimar a revolta. Eles

acreditavam que havia um sentido nobre para o que estavam fazendo.

A explicação elaborada pelos rebeldes estabeleceu uma visão maniqueísta da

realidade que os cercava. Obviamente o papel dos heróis coube aos próprios militares.

Estes, cientes da sua responsabilidade para com a República, estavam dispostos a acabar

com a corrupção vigente no sistema político. Lutavam, portanto, em defesa dos

interesses da nação. Boris Fausto afirma que os oficiais acreditavam ser os “guardiões

da pureza das instituições republicanas em nome do povo inerme”. No entanto, o autor

ressalta que esse foi “um movimento substitutivo e não organizador do povo”127.

Seguindo o exemplo dos insurretos paulistas, os sergipanos decidiram lançar um

manifesto ao povo. Diferente das insurreições de 1922, em 1924 os rebeldes em todo o

Brasil se mostraram preocupados em divulgar programas, nos quais quase não existe

“referência ao econômico, e toda ênfase é dada à necessidade de reformas jurídico-

políticas, não com um caráter inovador, mas de implantação rigorosa de estatutos legais

pré-existentes”128. Em São Paulo, no dia 1º de julho, os rebeldes haviam divulgado o

primeiro comunicado público e se pronunciaram em nome do Exército. O documento

ressaltava a responsabilidade dos militares em defender a República e de fazer cumprir

a Constituição, ao mesmo tempo em que garantia que os insurretos não ambicionavam

postos. Nelson Werneck Sodré acredita que os rebeldes de 1924 deram um passo à

frente dos insurretos de 1922, pois continuaram mencionando a aversão dos militares

“ao governo e à pessoa de Arthur Bernardes”, mas pretendiam “moralizar a

República”129.

Deste modo, assim como os camaradas paulistas, os sergipanos precisavam de

um meio para veicular a notícia de que lutavam pelos interesses nacionais. A população

contava com os periódicos para se informar, mas apenas três jornais funcionaram

durante a revolta. O Diário Oficial e o Correio de Aracaju circulavam diariamente,

enquanto que A Cruzada era editada semanalmente. Por outro lado, o Sergipe Jornal, o

Diário da Manhã e A Folha, contrários às ações da Junta Militar, deixaram de funcionar

por opção dos seus proprietários. Além desses, durante o período da revolta, circularam

127 FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História. São Paulo: Brasiliense, 1970. p. 57 - 58. 128 FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política: tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.p. 53. 129 SODRÉ, Nelson Werneck. O tenentismo. Porto alegre: Mercado Aberto, 1985. p. 48.

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alguns “jornais de calçada”130. Intermitentes, esses jornais faziam propaganda contra a

revolta, procurando alarmar a população.

Os periódicos em circulação noticiavam sobre os últimos acontecimentos e as

ações da Junta. Já o jornal A Cruzada, órgão de divulgação da Igreja Católica parecia

inerte ao que estava acontecendo em Sergipe, não há referências à deflagração da

revolta em julho de 1924. Enquanto isso, o Correio de Aracaju e o Diário Oficial

procuravam acalmar a população contra eventuais boatos de que seria travada uma

batalha sangrenta na capital sergipana.

Apesar de ter tomado posse do prédio e das máquinas do Diário Oficial, os

tipógrafos preferiram se distanciar do movimento e deixaram de freqüentar as oficinas

do jornal. Diante dessa situação, o tenente Maynard procurou Edson de Oliveira

Ribeiro, proprietário do Correio de Aracaju e pediu ajuda para produzir o texto. Edson

de Oliveira mandou chamar Manoel Xavier de Oliveira, um dos tipógrafos do seu

jornal, para que editasse a proclamação. O Correio de Aracaju imprimiu mil exemplares

do material, que foi enviado para o quartel do 28º BC. De lá as cópias foram

distribuídas gratuitamente entre a população, que rapidamente as arrebatou. Os

exemplares acabaram, mas a curiosidade do povo não.

Nem todos os aracajuanos receberam a comunicação impressa. E havia ainda o

interior do estado que precisava saber o que se passava na capital. No entanto a notícia

deveria ser dada a partir da ótica dos rebeldes. Dessa forma, seria possível interferir no

julgamento que os sergipanos fariam sobre a revolta. Esse problema foi resolvido

rapidamente. No dia 15 de julho o tenente Maynard procurou mais uma vez Edson de

Oliveira Ribeiro. O oficial desejava que o Correio de Aracaju fosse editado

normalmente e que transcrevesse a proclamação “porque sendo o número de impressos

pequeno, a população de Aracaju, bem como a do interior do estado, não a conhecia”131.

Edson Ribeiro afirmou ter tentado se opor, mas desistiu quando “o tenente Maynard,

mais exaltado ainda, com o aplauso da população, fez mais forte o seu pedido, cheio de

ameaças”132.

Diante disso, o proprietário do jornal resolveu não apenas editar o Correio de

Aracaju como também ceder a secção Os últimos acontecimentos militares aos

130 Não foram encontrados exemplares de tais publicações. 131 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 7, p. 964. 132 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 7, p. 964.

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rebeldes. A coluna seria mais um meio de comunicação com o povo. A imprensa passou

a ser dirigida por Edson Ribeiro, Manoel Xavier de Oliveira e Antenor Lyrio Coelho.

Ibarê Dantas afirma que os três se tornaram “as principais figuras intelectuais do

governo dos tenentes. Os artigos e notas informativas ou partiam dos seus punhos ou

recebiam suas orientações”133.

Quando procurou Edson Ribeiro, o tenente Maynard não almejava apenas

imprimir o comunicado. Isso teria sido feito sem maiores problemas no Diário Oficial.

Entretanto, a publicação sobre as ações da Junta Militar num jornal independente

transmitiria a impressão de que os rebeldes não estavam alheios à sociedade e às suas

aspirações. A idéia de que outros periódicos se interessavam em veicular informações

sobre o andamento da revolta reforçava a sua importância e legitimidade junto aos

demais. No dia 16 de julho o Diário Oficial e o Correio de Aracaju publicaram a

comentada

Proclamação

Ao Altivo Povo Sergipano!

Não desconhece o valoroso povo de Sergipe a situação de desrespeito

e menosprezo aos direitos alheios implantada pelos que nestes últimos

seis anos vêm governando a República Brasileira; não desconhece,

também, o digno povo sergipano as humilhações, os vexames que

esses mesmos dirigentes vêm impondo à classe militar, esta classe

que, numa hora feliz e majestosa, implantou em nossa cara Pátria o

governo republicano, o governo da liberdade, o governo do povo, para

o povo e pelo povo, princípios estes esquecidos e relegados pelos que

se têm assenhorado das posições políticas e administrativas do país.

Há bem dois anos uma centena de brasileiros militares, orientada e

sequiosa de bem servir à Pátria, levantou-se contra os processos anti-

republicanos do governo do sr. Epitácio Pessoa, cidadão que, apesar

de ministro do mais alto Tribunal da Nação, se mostrou o mais feroz

inimigo dos direitos e da liberdade dos seus governados.

O seu sucessor, ao contrário do que se devia esperar, não quis se

afastar dos moldes violentos e prejudiciais de governar daquele que o

levara ao posto de Chefe do estado. Até se excedeu no praticar dos

atos da mais férrea tirania. Como não mais possível fosse suportar 133 DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. p. 120.

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tantas humilhações, tantos desrespeitos à Constituição, tantos ultrajes

aos direitos do povo, o Exército nacional, por intermédio de um

número considerável de seus representantes se levantou novamente, e

desta vez nas plagas do Ipiranga, justamente nas terras em que se

verificou o grito patriótico de “Independência ou Morte”.

Ora, a guarnição militar de Sergipe não podia de forma alguma ficar

indiferente e calada em momento tão sombrio e difícil para a Pátria,

resolvendo então os que abaixo se assinam, acompanhar os seus

camaradas, que no sul se batem pela grandeza e verdadeira prática do

regime republicano.

E tal movimento de solidariedade e de patriotismo consistiu em depor

as autoridades que em Sergipe se correspondem com o governo

central da República, constituindo-nos, doravante, em junta

governativa militar para todos os efeitos, até que, com a vitória final,

assuma as rédeas do poder o verdadeiro escolhido do povo. Enquanto

isso não se verificar, os que compõem a referida junta saberão

respeitar todos os direitos dos seus concidadãos, nada tendo a temer o

glorioso povo sergipano. A nossa vitória será a vitória de Sergipe e

dos seus filhos, e por conseguinte do Brasil e dos brasileiros.

Aracaju, 14 de Julho de 1924.

Capitão Eurípedes Esteves de Lima

1º Tenente Augusto Maynard Gomes

1º Tenente João Soarino de Mello

2º Tenente Manoel Messias de Mendonça134

O documento distribuído à população enfatizava a insatisfação dos militares com

a política nacional. No discurso do Exército, a instituição da República deveria garantir

a democracia no País. Ao analisar o quadro político nas primeiras décadas do século

XX, Maria do Carmo Campello de Souza concluiu que “ao instituir o regime

representativo democrático, as leis republicanas abriam – embora formalmente – a

participação no processo político a um grande contingente eleitoral antes

marginalizado”135. Apesar disso, a legislação não era cumprida a rigor e os rebeldes

134 PROCLAMAÇÃO AO ALTIVO POVO SERGIPANO. Diário Oficial do Estado de Sergipe, 16 Jul. 1924, p.1. Esta mesma proclamação foi lançada no Correio de Aracaju do dia 16 de julho de 1924. 135 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na República Velha. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: Difel: 1975. p. 162 – 226. p. 163.

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esclareciam que Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, presidentes da República, vinham

desrespeitando os direitos dos civis e humilhando a classe militar.

No discurso dos insurretos, o governo esqueceu-se de que a República deve ser

voltada para o povo, e como os militares implantaram a República no Brasil era natural

que eles se erguessem contra as injustiças perpetradas por Epitácio Pessoa a partir de

1922 e por Artur Bernardes em 1924. Apesar de informar que estavam defendendo os

interesses do povo, o documento transmite uma preocupação fundamental para os

militares: a da corporação. Expressões como “classe militar” e “brasileiros militares”

reforçam essa inquietação dos oficiais.

De qualquer maneira, a “missão patriótica” do Exército deveria ecoar em todos

os estados. E os militares sergipanos não poderiam ficar inertes num momento tão

difícil para o País, por isso resolveram apoiar os camaradas do Sul que lutavam em

defesa da prática correta do regime republicano. A solidariedade dos militares

sergipanos consistiu em depor as autoridades sergipanas que apoiavam o governo

federal. Como resultado dessa ação os próprios líderes passaram a administrar Sergipe.

Entretanto, a constituição de uma Junta Governativa num caso como esse não

era novidade. Cinco dias depois da proclamação da República, Deodoro da Fonseca

nomeara “juntas governativas para cada Estado até que fosse votada a Carta

Constitucional brasileira que determinaria as condições legais para a estruturação

política dos Estados”136. Os oficiais sergipanos explicaram que essa era uma medida de

emergência, que vigoraria até que um governador fosse escolhido pelo povo. Até lá os

direitos dos cidadãos seriam respeitados. Essa era, aliás, a bandeira levantada pelos

rebeldes. Uma vez que a sociedade civil não conseguia lutar contra as injustiças

praticadas pela elite política, os militares se viram na obrigação de “salvar” o país mais

uma vez137.

Os rebeldes garantiam que a sua permanência no poder duraria até que

assumisse o “verdadeiro escolhido pelo povo”. Apesar de não terem lançado farpas

136 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na República Velha. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: Difel: 1975. p. 162 – 226. p. 170. 137 Na década de 1920 o Exército iniciou o processo de construção de suas tradições. Para tanto, estabeleceram ligação entre a instituição e momentos importantes para a história nacional. No discurso do Exército, a participação dos militares foi decisiva em ocasiões como a independência do Brasil, em 1822; a guerra do Paraguai, entre 1865-1870; a abolição da escravatura, em 1888; e a proclamação da República, em 1889. Ou seja, os militares acreditavam que sempre estavam capacitados para resolver os problemas do Brasil. Cf. CASTRO, Celso. A invenção do Exército brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002, e CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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contra Graccho Cardoso, o fato de ter deposto e detido a autoridade indicavam que, para

os rebeldes, ele não havia sido democraticamente escolhido. Os militares criticavam a

corrupção empregada nos pleitos eleitorais e, consequentemente, eram contrários à

“política dos Governadores”, estrutura político-partidária acentuada no mandato de

Campos Sales (1898-1902) e que se perpetuou por toda a Primeira República. Maria do

Carmo Campelo de Souza acredita que os estados eram “os verdadeiros protagonistas

do processo político”. O governo federal não intervinha nos estados e recebia o apoio

destes. Já a força da oligarquia estadual advinha do controle exercido sobre os coronéis

municipais que conduziam a massa eleitoral. A política dos governadores dependeu em

grande parte do coronelismo, que Victor Nunes Leal define como “um compromisso,

uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a

decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras”138.

Assim, as eleições deixavam de ser um exercício para a consolidação da democracia e

perpetuavam os candidatos apoiados pelas elites oligárquicas no poder.

Os coronéis municipais garantiam a vitória dos candidatos da situação nas urnas,

e, em troca poderiam continuar exercendo influência sobre a população do campo. Já os

governadores, que detinham o poder judiciário, policial e militar ao seu lado, não

interferiam nos interiores e, caso apoiasse o candidato à presidência da situação,

garantia que este não interviria no estado, dando-lhe maior autonomia para governar. O

Presidente da República eleito nesse processo assumia o compromisso de apoiar as

elites oligárquicas que o ajudaram e estas lhe facilitariam o mandato. Essa prática deu

margem para a consolidação de “máquinas eleitorais estáveis”. E os revoltosos em 1924

afirmavam categoricamente o desejo de por fim a este círculo vicioso.

Depois de esclarecer os motivos do levante era chegada a hora de estabelecer

relações com as autoridades municipais, estaduais e federais. Com esse intuito, a Junta

Militar expediu, no dia 15 de julho, uma circular comunicando oficialmente que

dirigiam o estado. Agindo dessa maneira, esperavam se impor, mas também observar a

reação dos prefeitos municipais, assim como das demais autoridades que permaneciam

em liberdade na capital. No entanto, a maior parte das respostas se limitava a acusar o

recebimento da comunicação. Rotineiramente o Diário Oficial publicava os ofícios

recebidos pelo governo do estado. E para surpresa de alguns, até mesmo o Presidente do

138 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa – Omega, 1976. p. 20.

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Tribunal da Relação, Francisco Carneiro Nobre de Lacerda, entrou em contato com a

Junta Militar para avisar que

De posse do ofício circular, de ontem datado, em que v.v. exs. Me

comunicam se haverem constituído em Junta Governativa Militar para

a direção política e administrativa do Estado, desde o dia 13 do

corrente, agradeço a gentileza dessa comunicação e apresento a v.v.

exs. As minhas subidas considerações139.

Diante da importância do cargo ocupado por esse magistrado, o mesmo Diário

publicou o ofício enviado, não apenas no dia 17 como também no dia 18. As demais

autoridades perceberam que também precisavam se posicionar. Houve até quem achasse

que o movimento dos oficiais estava regularizado diante da resposta dada pelo

desembargador. À frente do governo estadual, os rebeldes não pretendiam promover

mudanças na administração pública em Sergipe. A Junta determinou que o Tesouro

“como as demais Repartições públicas, continuassem com os expedientes normalizados

e com os seus antigos funcionários, de modo a não haver solução de continuidade na

vida administrativa do Estado”140. Apesar de ter chegado ao poder pela força, os

rebeldes cogitaram ter sua autoridade reconhecida legalmente.

Ao analisar a formação da burocracia moderna, Max Weber destaca que a

administração burocrática pressupõe um treinamento especializado. E já que os rebeldes

tinham muitas providencias a tomar, pelo menos nesse primeiro momento seria mais

simples administrar o estado mantendo o quadro de funcionários já existente, ainda que

depois algumas transformações fossem inseridas. Outro ponto defendido pelo sociólogo

é o de que “o funcionário público – pelo menos, no Estado moderno bem desenvolvido

– não é considerado um servo pessoal do governante”141. A transferência de poder no

estado não era uma prática estranha aos funcionários sergipanos, haja vista que os

pleitos eleitorais escolhiam um novo representante para o estado a cada quatro anos.

O problema, portanto, não estava na transferência, mas na maneira como ela

foi efetivada. Os militares chegaram ao poder pela força e isso confundiu o

funcionalismo público. Alguns optaram por não reconhecer a legitimidade da autoridade 139 JUNTA GOVERNATIVA MILITAR/OFÍCIOS RECEBIDOS. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju,17 Jul. 1924, p.1 140 NOTICIÁRIO. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 16 jul. 1924. p.4. 141 WEBER, Max. 5 ed. Burocracia. In: Ensaios de sociologia. Org. intr. H.H. Gerth & Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 138-170. p.140.

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dos rebeldes e foram detidos no quartel do 28º BC, dentre eles o governador e o

comandante do 28º BC; outros, como o prefeito de Aracaju, Pedro Freire de Carvalho,

preferiram abandonar a cidade até que a situação se normalizasse. Quanto aos demais,

seguiram o exemplo do presidente do tribunal da relação, e estabeleceram relações

essenciais com a Junta Militar para continuar exercendo suas funções.

Além de se corresponder com as autoridades, a Junta Militar recebia outros tipos

de manifestações favoráveis como, por exemplo, o telegrama que o tenente Maynard

recebeu do seu pai nos primeiros dias do levante. O coronel Manoel Gomes da Cunha

declarava-se satisfeito e fazia “votos pela vitória da causa que nós abraçamos e que tu,

com tanta abnegação e patriotismo defendes”142. O pai de Augusto Maynard não era

militar. Proprietário do engenho Campo Redondo, localizado no município de Rosário

do Catete143, Manoel Gomes da Cunha era chamado de coronel em virtude das terras

que possuía e de sua influencia política.

Em todo caso, a demonstração de amor paternal contribuiu favoravelmente para

a imagem da revolta, na medida em que afirmava a importância da causa defendida

pelos militares. A missiva também esclarecia que os militares estavam lutavam pelo

bem de todos e não apenas em favor de uma corporação. O Diário Oficial aproveitou a

edição do dia 19 e publicou o telegrama enviado ao tenente Maynard. Além das

correspondências, outra maneira de se colocar ao lado dos rebeldes consistia em atender

ao edital de convocação de voluntários.

No mesmo dia em que foi deflagrada a revolta, 171 civis se apresentaram e

foram alistados como voluntários. Rapidamente se espalhou a informação de que o 28º

BC estava aceitando ex-praças do batalhão policial de Sergipe e reservistas do Exército.

Os jornais também foram utilizados pelo comando do 28º BC para avisar “a quem

interessar possa que na referida unidade está aberto o voluntariado para todos aqueles

que se queiram alistar nas suas fileiras, sejam reservistas ou não”144. E não foram

poucos os sergipanos que se apresentaram. Ibarê Dantas chama atenção para o fato de

que “muitos se dispuseram à luta. Contando inicialmente com 316 homens, no final do

movimento a força dos tenentes chegou a totalizar 770 pessoas”145.

142 NOTICIÁRIO. Diário Oficia l do Estado de Sergipe. Aracaju, 19 jul. 1924, p.2. 143 Cf. ABREU, Alzira Alves de...[et.alli] Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (Pós 1930). Rev. Amp. Atual. Rio de Jneiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. v.1. p. 2561. 144 VOLUNTÁRIOS. Correio de Aracaju. Aracaju, 16 jul 1924, p. 1. 145 DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. p. 123.

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Com o aumento do efetivo, os rebeldes precisaram adquirir roupas e calçados

apropriados distribuir entre os homens que passavam a integrar a tropa. Mais uma vez o

comércio se beneficiava com a revolta, pois os artigos foram comprados em Aracaju. Os

estoques de botinas praticamente se esgotaram. Cada par de botas custava trinta contos

de réis, e só no dia 23 de julho o comerciante João Mascarenhas lucrou 1:875$000. O

cunhado do tenente Soarino, Camillo de Calazans vendeu 50 pares de botinas a

1:500$000 no dia 28 de julho, mesmo dia em que Mário Passos lucrou 1:110$000 com

o artigo. O comerciante Deusdedith Correia Dantas estava satisfeito com os negócios:

só no dia 28 de julho conseguiu vender 72 pares de botina por 2:160$000. José de

Oliveira Filho, sócio de Antonio Olynto de Oliveira, não estava tão radiante, mas enfim

conseguiu vender 20 pares de botinas por 840$000146.

E diante da tentativa frustrada de conseguir armas na sede da região militar, era

preciso providenciar mais fuzis para distribuir entre a tropa recém arregimentada. Por

isso, a Junta requisitou as armas do Colégio Tobias Barreto147. O colégio era uma

instituição militarizada em Sergipe e mantinha alguns mosquetões para a instrução dos

alunos. Manoel Xavier de Oliveira, um dos diretores, consultou José de Alencar

Cardoso, diretor e proprietário. Este tentou ponderar já que as armas estavam quase

todas imprestáveis e só serviam para serem empregadas na instrução, mas Manoel

Xavier disse que não havia o que fazer diante da intimação. Por fim, um pequeno grupo

de soldados foi até o colégio de carroça buscar o armamento. Os estudantes José

Fortunato Pinto e Lourival de Souza Neiva, sob ordens de Manoel Xavier contaram e

entregaram os 64 fuzis mauser. O armamento foi entregue sem que houvesse um recibo

das armas.

Outro ponto importante para os integrantes da Junta Militar consistia em

conseguir a adesão de outros estados à luta iniciada pelos paulistas. Talvez imaginando

a glória que seria o Norte levantar-se contra Arthur Bernardes, dispuseram-se a

convencer seus camaradas acerca da “missão patriótica” que lhes cabia, no dia 16 de

julho, os oficiais sergipanos enviaram telegramas para o 20º Batalhão de Caçadores (20º

146 Cf. ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 7. 147 O Colégio Tobias Barreto foi fundado pelo professor José de Alencar Cardoso em 1909 na cidade de Estância, a 68 km de Aracaju. Em 1912 a instituição de ensino foi transferida para a capital. Em 1919 o Colégio foi militarizado pelo governo Federal. O projeto educacional desenvolvido por Alencar Cardoso, que era egresso da Escola militar da Praia Vermelha, estava baseado no autoritarismo e modernidade. Cf. MANGUEIRA, Francisco Igor de Oliveira. Colégio Tobias Barreto: escola ou quartel? (1909-1946). Dissertação (Mestrado em Educação) – Núcleo de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, 2003.

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BC), em Maceió; o 22º Batalhão de Caçadores (22º BC), na Paraíba; o 29º Batalhão de

Caçadores (29º BC), em Natal; o 23º Batalhão de Caçadores (23º BC), em Fortaleza; o

24º Batalhão de Caçadores (24º BC), em São Luís; o 25º Batalhão de Caçadores (25º

BC), em Teresina, o 26º Batalhão de Caçadores (26º BC), em Belém; e o 27º Batalhão

de Caçadores (27º BC), em Manaus na tentativa de conseguir o apoio dessas unidades

militares. Comunicando sobre a revolta bem sucedida em Sergipe, convidavam as

demais unidades a copiar o exemplo dos rebeldes

Confiados no alto patriotismo e camaradagens dos distintos camaradas

desta guarnição, tomamos a liberdade de solicitar seu apoio ao

movimento regenerador de que tanto carece nossa cara Pátria e ora

manifestado nas guarnições do sul. Tomamos ainda a liberdade de

comunicar aos distintos camaradas que o 28 B.C. como demonstração

máxima e inquebrantável dessa nossa solidariedade. Tomou posse

desse Estado com a prisão do respectivo Governador148.

O telegrama foi enviado dia 16 de julho e oito dias depois o 27º BC iniciou um

levante na cidade de Manaus. Apesar disso, Eloína Monteiro dos Santos, que analisa a

rebelião no Amazonas, não menciona qualquer ligação entre as duas revoltas. Ao

contrário, faz questão de ressaltar que os militares do 27º BC estavam seguindo o

exemplo dos rebeldes paulistas. A autora situa a rebelião em Manaus “no contexto das

rebeliões tenentistas ocorridas na década de vinte, cujo foco propagador foi São

Paulo”149.

Inúmeros telegramas, despachos telegráficos e telefonemas foram trocados

durante o período da revolta. Mas para o desalento dos oficiais sergipanos nenhuma

corporação ofereceu solidariedade à causa abraçada por eles. Por outro lado, alguns

sergipanos demonstraram seu apoio incondicional aos oficiais rebeldes. E isso tanto na

capital quanto no interior do estado.

Quando nasceu o filho de Brasiliano de Jesus, dia 20 de julho, ele não teve

dúvidas sobre o nome da criança. Admirador dos oficiais sergipanos que se levantaram

contra Artur Bernardes, Brasiliano de Jesus “deu a seu filho o nome expressivo de

148 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 3, p.309. 149 SANTOS, Eloína Monteiro dos. A rebelião de 1924 em Manaus. Manaus: SUFRAMA , Ed. Calderaro, 1985. p.64.

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Eurípedes Maynard Soarino de Jesus”. À mãe, Caçula Passos de Jesus, só restou acatar

a decisão do marido, que revolveu ainda “oferecer um cartão de prata com significativa

inscrição, aos quatro briosos oficiais do Exército Brasileiro”150. O cartão foi trabalhado

com esmero e exposto na vitrine da “joalheria Saphira”. A matéria publicada no jornal

enfatizou que a homenagem feita pelos pais da criança agraciavam os quatro oficiais

rebelados, mas atentando-se para o nome de Eurípedes Maynard Soarino de Jesus pode-

se perceber que apenas três militares foram lembrados. São eles o capitão Eurípedes

Esteves de Lima, e os tenentes Augusto Maynard Gomes e João Soarino de Mello. O

último nome “de Jesus” não lembrava diretamente o tenente Manoel Messias de

Mendonça, mas vinha dos progenitores Brasiliano e Cacilda de Jesus. Por outro lado,

pode-se imaginar que o tenente Manoel Messias foi homenageado por Jesus é o

Messias.

De qualquer maneira, os dois presentes oferecidos aos líderes da revolta

denotam que os rebeldes não contavam apenas com a simpatia das classes

marginalizadas da sociedade. Um cartão de prata não costuma ser um presente de baixo

custo. Portanto, era preciso ter uma condição financeira favorável para demonstrar,

dessa maneira, a simpatia pelos oficiais. Com uma população de aproximadamente 40

mil habitantes151, pode-se dizer que havia muita gente querendo distância da Junta

Militar, da mesma maneira que muitas pessoas estavam ao lado dos rebelados,

inclusive, defendendo seus interesses.

Um outro aspecto a ser destacado é que o nome da criança contemplou três

oficiais que compunham a Junta Governativa Militar. Para o pai da criança, a revolta era

justa e necessária. E ao invés de um líder, o levante em Sergipe contava com três

pessoas que lutavam pelo bem comum. É muito provável que uma das razões para o

tenente Manoel Messias não ter sido lembrado é que ele não se envolvia em ações

externas. Suas atribuições como contador o mantinham recluso ao quartel, enquanto os

outros oficiais se envolviam com o que acontecia do lado de fora dos muros do 28º BC.

Isso não quer dizer que Manoel Messias tenha sido omisso para com os interesses da

revolta. O batizado de Eurípedes Maynard Soarino de Jesus transmitia a impressão que

Brasiliano de Jesus teve do movimento em Aracaju.

150 EM HOMENAGEM AOS REVOLTOSOS. Correio de Aracaju. Aracaju, 21 jul. 1924, p.1. 151 Em 1919 Aracaju contava com 37.440 habitantes. Cf. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Sergipe. Universidade Federal de Sergipe, 1984. p. 230.

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Cidade moderna

Assim como outras capitais, Aracaju crescia e mudava de maneira particular na

década de vinte152. Maurício Graccho Cardoso vinha realizando obras com o objetivo de

ornar Aracaju com o que havia de mais moderno153. Em essência a cidade continuava a

mesma, mas fazia-se necessário lhe conferir uma originalidade perceptível aos sentidos.

Charles Baudelaire define a modernidade como sendo “o transitório, o efêmero, o

contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imitável”.

Atentando-se para esse conceito é possível inferir que havia um consenso de que a

modernidade além de deixar a cidade mais bonita, iria melhorar também a qualidade de

vida da população, deixando os problemas no passado. Assim, não é fora de propósito a

afirmação de Stendal de que “o belo não é senão a promessa da felicidade”154. A Junta

Militar não introduziu nenhuma modificação nas ações iniciadas por Graccho Cardoso.

Enquanto esteve à frente da administração estadual, o governador procurou sintonizar a

capital sergipana com o que havia de novo no mundo. Nesse sentido, a capital federal

era um parâmetro a ser adotado.

Nas primeiras décadas do século XX a cidade do Rio de Janeiro também passava

por uma reforma urbanística que visava modificar sua estrutura física, mas também

imprimir novos hábitos entre os cariocas. Nicolau Sevcenko menciona o fascínio que a

cultura francesa exercia sobre os brasileiros, uma vez que “o advento da República

proclama sonoramente a vitória do cosmopolitismo no Rio de Janeiro”. O sentimento

nacionalista estava em desuso, E quando os navios estrangeiros aportavam,

principalmente os franceses, não traziam apenas os figurinos, o

mobiliário e as roupas, mas também as notícias sobre as peças e livros

mais em voga, as escolas filosóficas predominantes, o 152 Nas décadas anteriores algumas modificações na cidade já apontavam os sinais da modernidade. Os cinemas começaram a funcionar em 1909, o bonde à tração animal servia à população desde 1901, o primeiro automóvel surgiu em 1913. Outros serviços foram disponibilizados como os de água encanada em 1908, luz elétrica em 1913 e esgotos em 1914. . Cf. NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Sergipe. Universidade Federal de Sergipe, 1984. p. 216 153 Apesar de louvável, a atitude de Graccho não era isolada. Em Pernambuco, por exemplo, o governador Sérgio Loreto se destacou exatamente pelas realizações no sentido de melhorar a higiene, saúde e urbanização do Recife. Cf.. REZENDE, Antonio Paulo. Uma trama revolucionária?: do tenentismo à revolução de 1930. São Paulo: Atual, 1990. – (História em documentos). 154 STENDAL apud BAUDELAIRE. In.: BAUDELAIRE. Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p.11.

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comportamento, o lazer, as estéticas e até as doenças, tudo enfim que

fosse consumível por uma sociedade altamente urbanizada e sedenta

de modelos de prestígio155.

Fábricas, automóveis, eletricidade e outras inovações tecnológicas conferiam

comodidade e, por vezes, traziam novas necessidades. Dificuldades acarretadas pela

modernização exigiam soluções igualmente modernas. E o conjunto de problemas

resultantes desse processo logo foi percebido. Os moradores do bairro Industrial, na

zona norte, uma das áreas mais habitadas de Aracaju à época, solicitavam que a empresa

da Tração Elétrica mandasse instalar dois ou mais postes na estrada que dava acesso ao

local. De acordo com a população, o governo havia construído um novo aterro noutro

local e inaugurado “uma ponte mais segura e larga”, que garantia melhor acesso e por

onde passaram a trafegar automóveis e bondes. Durante o dia não havia problema, mas

à noite a situação era diferente, pois não existia “um só poste de luz elétrica em todo o

trajeto do aterro”156.

Mesmo com essas novidades, a cidade contava com inconvenientes há muito

conhecidos. A necessidade de aterrar pântanos, por exemplo, vinha desde a fundação,

em 1855. O memorialista Mário Cabral afirma que nesse ano a capital apareceu “feia,

pobre, impaludada, perseguida por muitos, ajudada por alguns. Ao nascer não

contemplou outra coisa que não fossem mangues, lagoas, pântanos e alagadiços”157.

Nos anos vinte Aracaju se dizia uma cidade moderna, mas ainda sofria com as áreas

pantanosas. O inconveniente sensibilizou os rebeldes, e no dia 19 de julho de 1924 a

intendência municipal recebeu um ofício do secretário do departamento de saúde

Pública “comunicando que foi autorizado pelo sr. Comandante da Junta Militar a

requisitar diariamente três carroças e três muares para o serviço de aterragem de

pântanos nesta cidade”158. A medida não resolvia, mas Aracaju não era a única capital

com esse tipo de problema. À essa época as autoridades da cidade do Recife159 também

sentiam dificuldades em acabar com os pântanos. E esta era apenas uma das questões de

155 SEVCENKO, Nicolau. 2 ed. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 p. 51. 156 PROVIDENCIEM SRS. DA TRAÇÃO. Correio de Aracaju. Aracaju, 31 jul.1924, p.1. 157 CABRAL, Mário. 3 ed. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Banese, 2001. p.33. 158 INTENDENCIA MUNICIPAL. Diário Oficial . Aracaju, 20 jul.1924, p.1. 159 A drenagem dos pântanos do Recife era apenas um dos problemas que precisavam ser resolvidos sanear a capital pernambucana. Além de drenar os pântanos era necessário fornecer água pura, esgotar as águas de chuva das águas servidas e das matérias cloacais, higienizar as moradias e locais de trabalho, e revestir ruas e estradas. Cf. REZENDE, Antonio Paulo. Uma trama revolucionária?: do tenentismo à revolução de 1930. São Paulo: Atual, 1990. – (História em documentos). p.46.

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difícil solução para os sanitaristas. A falta de esclarecimentos sobre os benefícios

trazidos pelos cuidados com higiene gerava desconfiança quanto à preocupação do

governo no que se refere à saúde pública.

Diante da retração popular, a imprensa sergipana tentava convencer a população

sobre os benefícios dos programas de higiene e das campanhas de vacinação. E a

preocupação com a higiene não se restringia ao interior das casas. A venda de doces

expostos nas ruas de Aracaju não era encarada como uma prática das mais higiênicas,

pois a poeira depositada “nos doces pode levar micróbios ou quaisquer outros germens

prejudiciais à saúde”. Seria melhor “cobrir os tabuleiros com toalhas modestas ou

mesmo papéis limpos”. E ainda que não provocassem danos à vida, “os doces expostos

atentam contra a higiene”160. A condenação de práticas que ameaçavam a conservação

da saúde não era novidade no Brasil.

A preocupação com o bem-estar incluía ainda a utilização de remédios e

cosméticos. O arsenal de frascos de vidro servia para melhorar a aparência. Uma boa

apresentação pessoal também era um reflexo da modernidade. As propagandas de

tônicos, laxantes, cremes, sabonetes, tinturas e tudo mais que passavam a decorar os

banheiros apareciam com freqüência nos jornais. Em Aracaju estes artigos poderiam ser

adquiridos no centro da cidade através das farmácias Universal, Confiança e Sergipe

situadas à rua de Laranjeiras; ou ainda na Modelo, Menezes e Central161 que ficavam na

rua de Japaratuba.

Os anúncios exibiam artigos para o cuidado e embelezamento do corpo que, na

maioria dos casos, poderia ser utilizados pelos dois sexos. Exemplo disso era o “Elixir

de Inhame” que prometia verdadeiros milagres aos seus usuários. Com o slogan “depura

– fortalece – engorda”, o elixir de inhame garantia aumento do apetite e melhoria na

digestão “devido ao arsênico”, tornando a pele rosada, “o rosto mais fresco, melhor

disposição para o trabalho, mais força nos músculos, mais resistência à fadiga e

respiração fácil”162. A composição química dos remédios e cosméticos parecia importar

menos do que os benefícios que as propagandas asseguravam. No exemplo citado, o

arsênico, um dos venenos mais poderosos conhecidos desde a Antiguidade, era utilizado

na elaboração de um elixir com o objetivo de melhorar a assimilação dos alimentos.

160 DOCES DESCOBERTOS. Correio de Aracaju. Aracaju, 21 jul.1924, p.4. 161 Os anúncios das farmácias mencionadas no trabalho foram encontradas no jornal “Correio de Aracaju” durante o período da revolta militar de 13 de Julho de 1924. 162 O QUE O DOENTE SENTE COM O USO DO EXLIXIR DE INHAME. O Município . Pacatuba, 25 jul 1924. p.2.

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Havia também produtos destinados especificamente ao público masculino, e

feminino. As mulheres, principalmente as mais jovens, se viam seduzidas com mais

facilidade pelas diversas fragrâncias e formas com as quais os cosméticos se

apresentavam nas prateleiras. Baudelaire explica que a preocupação feminina com o que

se mostra à primeira vista é uma espécie de dever que ela cumpre “esforçando-se em

parecer mágica e sobrenatural”, já que “é preciso que desperte admiração e que fascine;

ídolo, deve dourar-se para ser adorada”163.

E não havia imperfeição que não pudesse ser corrigida. Até mesmo o sorriso

forçado tinha solução com o auxílio das “Pílulas da Vida do Dr. Ross”164. O recurso não

consistia em melhorar os dentes, mas em prover naturalidade à expressão do rosto

quando sorri. O anúncio era a tábua de salvação para as senhoritas cuja arcada dentária

falhava justamente na frente. O desejo de casar-se já não seria um sonho distante, pois

com um sorriso espontâneo conquistaria seu par. O fabricante garantia que “o Sorriso

‘Ross’ é reconhecido em todo o mundo civilizado”, pois “nenhum outro reflete com

tanta claridade essa emoção de gozo que costuma proceder da eficácia natural da saúde

perfeita”165. A preocupação com a saúde

imprimia uma conotação de auto-estima, autoconfiança e

combatividade, inscrita na coloração irradiante da pele, nos músculos

tonificados, na estrutura sólida, nas proporções adequadas, nas formas

esbeltas e na insinuação de uma sexualidade desperta e fértil. A saúde

enfim era a chave de um corpo moderno166.

E nem mesmo durante a revolta os aracajuanos, principalmente as mulheres,

descuidaram da aparência. O concurso de beleza realizado para escolher a “mais

formosa e elegante torcedora sergipana”167 foi levado adiante durante a insurreição

militar. E quem desejasse participar da escolha só precisava preencher um cupom

indicando o nome da jovem, o clube esportivo ao qual a moça pertencia e a assinatura

do votante. Quando o levante militar se iniciou haviam 14 finalistas. Dentre estas,

Bellizana Barros do clube esportivo Aracaju aparecia como favorita, com 711 votos. 163 BAUDELAIRE. Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 64. 164 O SORRISO “ROSS”. Correio de Aracaju. Aracaju, 29 jul.1924, p. 4. 165 O SORRISO “ROSS”. Correio de Aracaju. Aracaju, 1 ago.1924, p.4. 166 SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS, Fernando A. (coord. geral). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 3, p. 559. 167 CONCURSO DE TORCEDORAS. Correio de Aracaju. Aracaju, 18 jul.1924, p. 4.

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Abria assim uma boa margem sobre a segunda colocada Pepina Campos do Clube

Brasil que conseguiu a admiração de 508 votantes. Ao que parece, a insurreição dos

militares e os comentários sobre um ataque das Forças legalistas a Aracaju não

abalaram o fascínio dos sergipanos por Bellizana Barros, que continuava sendo a

preferida no dia primeiro de agosto, com 1055 votos. É provável que as jovens que

concorriam ao título de mais bela e elegante tomassem cuidados especiais com o asseio

pessoal para conseguir a tão almejada aparência saudável.

Embora a melhoria das condições de higiene fosse um fator sempre presente nas

campanhas em prol da saúde da população, havia outros meios de evitar doenças. Para

prevenir febres “tifóide e paralíticas” o Serviço de Saneamento aconselhava e oferecia

“gratuitamente uma vacina que dá resultados tão bons quanto os que se obtem com a

vacina contra varíola”. A vacinação podia ser feita em domicilio, “mediante pedido por

escrito ou pelo telefone (aparelho 116)”. Além da vacina, recomendavam-se alguns

cuidados como: “evitar o contato com doentes; não comer frutas nem legumes crus sem

estarem convenientemente lavados; evitar moscas; ferver água de bebida; não beber

leite cru; construir fossas nas habitações que não sejam ligadas à rede geral do

esgoto”168. A maior parte desses cuidados feria os hábitos das pessoas que viviam na

capital e principalmente no interior, mas não era novidade para os praças do Exército.

Desde que foi instalado em Sergipe, em julho de 1922, o 28º BC procurou evitar

o aparecimento de doenças, principalmente as infecto-contagiosas. Para tanto forneceu

instrução de higiene aos militares e os submetia a revistas sanitárias periódicas. Dessa

forma, a unidade esperava controlar a organização e o asseio na tropa. Além disso, os

militares passavam por exames e tratamento contra verminoses e recebiam vacinas

contra algumas doenças. Periodicamente o 28º BC providenciava vacina contra varíola.

Essa, aliás, parece ter sido uma doença que perturbou as Forças Armadas, já que as

vacinações contra varíola eram periódicas. Em parte isso se deve ao fato de Sergipe ter

apresentado um surto de varíola antes e durante a instalação do 28º BC em Aracaju. Em

1920, por exemplo, os 1400 casos de varíola registrados resultaram em 77 óbitos169.

Mas a saúde não era o único problema da capital que almejava ser moderna.

168 SERVIÇO DE ATENDIMENTO RURAL – CONSELHOS AO POVO, Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 30 jul.1924, p.3. 169 Aracaju contou com 89 casos de varíola e 13 mortes decorrentes da doença. Os municípios mais atingidos pelo surto foram Anápolis com 600 doentes e 20 mortos e Santo Amaro com 448 casos e 28 mortes. VOLUME: G3 682/ pac 914 A.G. FUNDO: Governo. TÍTULO: Correspondência recebida pelo Secretário do Governo 1920, PROCEDÊNCIA: Secretaria de Saúde, comissão censitária, LOCAL DE PESQUISA: Arquivo Público do Estado de Sergipe.

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A eletricidade fora introduzida no estado em 1913, mas era usufruída por

poucos. Em comparação com outras capitais, Aracaju demorou a se desfazer dos

candeeiros e lampiões. Nicolau Sevcenko descreve as impressões de Oswald de

Andrade, ainda criança, sobre a mágica dos bondes movimentados sem impulso externo

em São Paulo desde 1900170. Entretanto, em plena década de 1920, Aracaju ainda

contava com bondes puxados por burros. Voluntariosos, os animais precisavam ser

chicoteados durante os trajetos. Isso ocorria porque “Subitamente os burros empacavam,

deitavam-se nos trilhos, faziam greve pacífica e não havia chicote que o arredasse dali”.

Os passageiros eram obrigados a descer e assistir a luta do condutor “para ‘convencer’

os animais de sua obrigação”171.

Finalmente, em 1924, a Empresa Tração Elétrica de Aracaju cumpriu a promessa

de melhorar os bondes. Estes “já deixaram o passo de cágado para correrem nas linhas,

e sem o barulho, pelo fato de lhes haverem sido aplicadas novas rodas”172. Nem todas as

substituições haviam sido feitas, mas esperava-se que isso acontecesse em breve. Além

disto, os pedestres esperavam que os novos bondes, prestassem melhores serviços. Os

condutores deveriam zelar pela apresentação pessoal e a lotação do meio de transporte

deveria ser respeitada, deixando assim de causar inconvenientes para os pedestres que

precisassem utilizar o serviço, uma vez que

Não se pode admitir por gosto que numa capital já modernizada como

Aracaju haja calhambeques desarticulados e escandalosos acudindo

pelo título pomposo de bondes.

Estamos de pleno acordo com a providência tomada quanto ao

chicoteamento dos animais, porquanto se eles não puxam certos

carrões de assalto, não é por preguiça, mas por impossibilidade.

Uma coisa que os senhores da E.T.E.A. devem fazer quanto antes:

vestir os condutores e caixeiros, que andam semi-nus e sujos.

Não devem também permitir que os bondes, com a lotação completa,

ainda leve passageiros de pé na plataforma. Estando cheios, os bondes

só devem parar para descida173.

170 SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS, Fernando A. (coord. geral). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 3, p. 546. 171 CABRAL, Mário. 3 ed. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Banese, 2002. p. 113. 172 OS BONDES. Correio de Aracaju. Aracaju, 20 jul.1924, p. 4. 173 OS BONDES. Correio de Aracaju. Aracaju, 20 jul.1924, p. 4.

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Os bondes puxados por dois burros tinham cinco bancos, e a lotação máxima de

vinte passageiros. Isto explica porque andavam sempre lotados e não ofereciam

conforto. O balanço do bonde provocava até mal estar. Certo dia o mestre da padaria 2

de Julho José dos Santos almoçou à tarde e subiu no bonde que passava às 15h. Quando

estava em frente a padaria União na rua de Laranjeiras, centro da cidade, não suportou

“o jogo do veículo, caiu sem sentidos no calçamento acometido por um forte ataque de

congestão cerebral. Resultou da queda sofrer um enorme talho na cabeça. Socorrido por

um soldado do 28 e guardas civis”174. Levado à farmácia Central, recebeu os primeiros

curativos e foi removido para a Assistência. A indisposição do padeiro José dos santos

até poderia ter tido outra causa como um ataque epilético, no entanto, o jornal

aproveitou o fato para atribuir o “ataque de congestão cerebral” ao inconveniente de ter

bondes puxados por burros nas linhas do centro da cidade. Um incidente como esse

remetia ao atraso em que Aracaju estava em comparação a outras capitais. Enquanto os

jornais das grandes cidades reclamavam da velocidade dos bondes, em Aracaju se

noticiava o quanto o transporte maltratava os usuários.

No Rio de Janeiro, por exemplo, havia disputas entre pedestres e veículos. Para

atravessar uma rua era preciso estar atento ao movimento dos automóveis e dos bondes.

Em muitas de suas crônicas Machado de Assis comentava “o subido número de

atropelamentos, sobretudo de pessoas mais idosas, não adaptadas ainda ao novo ritmo

de deslocamento dos veículos elétricos”175. E se os bondes não conferiam grandes

emoções aos usuários em Aracaju, os automóveis se encarregavam de trazer os tão

sonhados problemas das grandes metrópoles para as ruas da capital sergipana. No dia 27

de julho de 1924 um garoto foi atropelado por um automóvel. O Correio de Aracaju fez

questão de noticiar o fato na primeira página

Ontem às 18 horas na rua da Frente, esquina de Maroim, o automóvel

n.11 guiado pelo chofer Oyntho Correia na ocasião em que desviava

do bonde da Fundição que nesta hora vinha rumo ao Bairro Industrial,

atropelou um menor de nome Cícero, morador à rua do Lagarto, que

viajando, clandestino no veículo da Viação, quis fugir ao buzinar do

auto sendo, porém, pegado por uma das rodas, atirando-o no

calçamento. Socorrido por passageiros do bonde, verificaram não ter o 174 CAIU DO BONDE ATACADO DE CONGESTÃO. Correio de Aracaju. Aracaju, 28 jul. 1924, p.1. 175 SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS, Fernando A. (coord. geral). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 3, p. 549.

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menor sofrido coisa alguma, salvando deste modo a responsabilidade

do chofer176.

Como se já não fosse transtorno suficiente ter que se conformar com os burros

empacados, a revolta dos oficiais do Exército alterou os horários de funcionamento. O

transporte que funcionava até as 22:30h em todas as linhas antes da confusão dos

tenentes limitou o tráfego às 22h “talvez porque a nova empresa se compadecesse da

sorte dos burricos”. No dia 23 de julho, às 20:30h todos os bondes já haviam sido

recolhidos. A justificativa de que “foi suspenso o tráfego mais cedo por motivo de haver

cessado o movimento da cidade não convenceu, pois “às 21 horas, pelo menos, havia

grande número de pessoas pelas ruas”177. E não foi apenas no horário de funcionamento

dos bondes que a revolta militar interferiu. O medo de que houvesse enfrentamento

entre os revoltosos e as forças legais incentivou muitos sergipanos a deixarem suas

casas.

O êxodo para o interior

Antes que começassem os boatos sobre a segurança dos moradores, o tenente

Maynard tentou acalmar os aracajuanos. Primeiro, o oficial desmentiu que a Junta

Militar estivesse disposta a sacrificar a vida dos que não se envolveram no levante de 13

de julho. Depois afirmou que se o Presidente da República desejasse acrescentar “aos

seus crimes mais este de ensangüentar Sergipe”178, ele e seus companheiros não

permitiriam. Caso houvesse necessidade, os moradores seriam avisados e receberiam os

meios necessários para se retirarem da cidade.

A garantia vinda de um dos líderes da revolta deveria calar a boca dos que

anunciavam uma carnificina na tranqüila Aracaju. Mas ao que tudo indica, as

declarações do tenente Maynard não surtiram efeito desejado junto à população. A cada

dia aumentava a migração para o interior do estado. Com a imprensa sob controle

“nenhuma oposição se esboçava”179. Ainda assim os aracajuanos procuraram se

176 MENOR ATROPELADO, MAS O CHAUFFER NÃO TEVE CULPA. Correio de Aracaju. Aracaju, 28 jul. 1924, p.1. 177 FALTA DE BONDES. Correio de Aracaju. Aracaju, 24 jul.1924, p.4. 178 A SITUAÇÃO DO PAÍS É GRAVE. Correio de Aracaju. Aracaju 16 jul.1924, p.1. 179 DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. p. 120.

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distanciar da movimentação dos militares com receio de que acontecessem tiroteios

semelhantes aos da madrugada de 13 de julho.

Os jornais, principalmente o Correio de Aracaju, desaconselhavam as

temporadas fora da capital. E para convencer sobre as desvantagens dessas viagens,

relatavam exemplos de aracajuanos que insistiam em sair da cidade. As conseqüências

poderiam ser terríveis. No dia 19 de julho pela manhã o pescador Argemiro Baptista de

Oliveira, levou a família, na canoa de Francisco José da Silva e Manoel Francisco da

Cruz, para a Barra dos Coqueiros, com a finalidade de passar alguns meses. O pescador

deixou os familiares e regressou naquele dia na mesma canoa. Argemiro estava sentado

na borda, conversando com amigos, quando foi acometido por um forte ataque de

epilepsia. Caiu na água e desapareceu sem deixar vestígio.

Só hoje pela manhã foi o corpo de Argemiro encontrado na Barra dos

Coqueiros , todo deformado.

Dizem que o inditoso Argemiro mudara-se para a Barra com medo

dos prováveis tiroteios.

Coitado!

Se não fugisse...180

Além dos perigos das viagens, havia outra justificativa para que Aracaju não

fosse desocupada por completo. As casas abandonadas se tornavam alvo fácil para os

ladrões. Desde 13 de julho várias residências receberam as visitas inusitadas dos

salteadores. E não foi por falta de aviso já que “por mais que aconselhem a calma a essa

gente, ela joga no veado. Conseqüência: casa que não tem gato, os ratos tomam

conta”181. Em virtude dos últimos acontecimentos o policiamento das ruas havia sido

reforçado e mesmo assim os objetos continuavam a ser furtados. De acordo com o

argumento dos jornais, a única maneira de garantir a segurança da moradia seria

permanecendo na mesma.

Os ladrões atacavam sempre à noite, preferencialmente nas residências do centro

da cidade. Além das casas nas ruas Divina Pastora, Itabaianinha, Santa Luzia e praça

Camerino, a alfaiataria de. Nicanor Barreto Fontes na Rua Arauá, botecos no mercado

público, e até mesmo a Catedral foi visitada. No entanto, não levaram nada do templo

180 ACIDENTE LAMENTÁVEL. Correio de Aracaju. Aracaju, 21 jul. 1924, p.1. 181 ELES ESTÃO AGINDO. Correio de Aracaju. Aracaju, 22 jul.1924, p.1.

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religioso. Talvez porque “não lhes agradasse o que ali encontraram”182. Enquanto isso

alguns comerciantes não gozaram da mesma sorte. O já citado proprietário da alfaiataria

perdeu “várias peças, entre as quais uma calça de casimira, um terno de brim e um

paletó caqui”. Do boteco de Francisco Paula Nascimento foram suprimidos “6 chapéus

de Baeta, 1 camisa de meia, 12 metros de brim branco, várias camisas e pares de meias”

183. Mais um pouco e os meliantes teriam estoque suficiente para montar um boteco no

Mercado Público. Não fosse a clientela estar afastada por causa do tal levante militar,

quem sabe?

A população estava preocupada e a Junta Militar garantia que não havia motivos

para deixar a capital. No dia 17 de julho um homem alvejado por um tiro foi levado para

a Assistência Pública. Entretanto, os militares não estavam envolvidos no episódio. Por

volta das 9 horas da manhã, nas imediações do Chanaan, Efrem Telles alvejou Agenor

Prudente com um tiro, quando este procurava “fazer ou desmanchar uma cerca em

terreno de propriedade do farmacêutico Telles”184. A polícia recolheu o autor do disparo

e abriu inquérito. Mas essa medida não tranqüilizou a população por completo. Já não

era mais possível ser indiferente ao que acontecia em Aracaju. Considerando que dois

soldados da polícia haviam sido mortos em meio a tiroteios, o governador estava preso

junto com outras autoridades, o comércio estava praticamente fechado, falava-se que

confrontos poderiam acontecer em Aracaju; os rebeldes não conseguiam convencer a

população de que a tranqüilidade da cidade não seria abalada.

Enquanto todos estavam apreensivos quanto ao futuro de suas vidas, João

Augusto de Oliveira fazia propaganda do seu negócio. Não que torcesse pela desgraça

alheia, mas o fato é que ele precisava sobreviver, fazendo da morte a sua vida.

Proprietário de uma Mortuária na Rua de Japaratuba, centro da cidade, divulgava seu

estabelecimento que ficava ao lado da Cadeia Pública, onde “encontram-se à venda

caixões prontos, de primeira qualidade para adultos e crianças”. Além de destacar “a

arte e decência” o proprietário garantia “preços reduzidíssimos”, pois “é quem mais

barato fornece”185. Para a infelicidade de Oliveira, a Junta Militar não precisou

requisitar os serviços da Mortuária.

Já o comerciante Juvenal Rodrigues dos Santos fornecia carne de gado ao 28º

BC antes da revolta e, depois do levante, continuou abastecendo o quartel. Somente

182 OS AMIGOS DO ALHEIO. Correio de Aracaju. Aracaju, 26 jul.1924, p.4. 183 OS AMIGOS DO ALHEIO. Correio de Aracaju. Aracaju, 29 jul. 1924, p. 1. 184 TENTATIVA DE MORTE. Correio de Aracaju. Aracaju, 17 jul. 1924, p. 4. 185 PARACERIMÔNIAS FÚNEBRES. Correio de Aracaju. Aracaju, 17 jul.1924, p. 3.

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com este artigo, a Junta Militar desprendeu a quantia de 8:900$000, o que fazia dos

rebeldes ótimos clientes. Passado o levante, Juvenal foi acusado de ser co-autor da

revolta por ter fornecido a carne. E, embora o tenente Maynard declarasse tê-lo coagido

a conservar um “estoque de gado em pé durante a Revolta, para o abastecimento da

tropa e da cidade”186, o comerciante foi obrigado a devolver todo o dinheiro aos cofres

do 28º BC.

A população já havia sido informada sobre os objetivos da revolta, a segurança

da capital estava garantida com a distribuição de tropas por diferentes pontos da cidade,

com a construção de trincheiras nas praias. Tudo ia bem, mas não tardou em aparecer

boatos de que uma reação estava sendo organizada no interior. Numa situação de guerra

“a maior parte das informações são falsas e a pusilanidade das pessoas torna-se uma

nova fonte de mentiras e inexatidões”187. E em Aracaju o quadro não era diferente. Os

anúncios de que a cidade sucumbiria a um ataque por tropas legalistas não cessavam.

Um dos comentários que chamou a atenção dos rebeldes afirmava que o coronel

Francisco Porfírio de Britto, liderança política influente em Propriá, cidade ao norte de

Sergipe, estava organizando uma força para lutar contra a Junta Militar. Durante a

Primeira República não era incomum que os chefes políticos no interior do País

mantivessem grupos de homens armados sob o seu comando. Analisando o coronelismo

entre 1900 e 1930, Ibarê Dantas destaca “a importância do controle da coerção e, com

efeito, a presença das milícias particulares como fonte de poder do coronel”188. O

contingente de homens à disposição era um dos fatores que atribuíam valor aos

coronéis. Francisco Porfírio mantinha relações cordiais com o governador deposto pelos

rebeldes. E já que coronel não estava satisfeito com a ação dos insurretos, resolveu se

armar.

Diante dos rumores, a Junta Militar enviou um telegrama para o aludido

coronel. Comunicaram estar cientes da movimentação de forças em Propriá e que os

militares estavam prontos para reagir a qualquer ataque. Explicaram ainda que a

deposição do governador não estava relacionada a questões políticas locais e sim ao

movimento revolucionário em São Paulo. Feitas estas ressalvas, declararam que

Francisco Porfírio poderia agir “como melhor vos parecer, certo de que não recuaremos

186 COSTA FILHO, Luiz José da. Defesa: nos autos do processo-crime dos revoltosos de 13 de julho de 1924. Aracaju: Typ. D’O LABOR, 1925. p. 39. 187 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 80. 188 DANTAS, Ibarê. Coronelismo e dominação. Aracaju, Universidade Federal de Sergipe, PROEX/CEAC/Programa Editorial, 1987. p. 24.

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diante de qualquer ameaça partida bandos armados, não nos responsabilizamos pela

vida dos nossos prisioneiros, até agora tratados com distinção”189. O coronel explicou

que não tinha intenção de organizar forças para atacar Aracaju, “apenas, segundo boatos

alarmantes aqui espalhados, ser esta cidade atacada força dessa procedência, afim me

agredir e meus amigos, preparei-me para respectiva defesa”190. Depois desse episódio,

os oficiais perceberam o quão urgente se fazia ocupar outros pontos do território

sergipano.

A insurreição no interior

Desprotegidas como estavam as cidades sergipanas ofereciam perigo aos planos

da Junta Militar. Para sanar esse problema, tropas do 28º BC foram enviadas para o

interior do estado. Os oficiais também precisaram se deslocar. Em Aracaju

permaneceram o capitão Eurípedes, no comando do 28º BC e o tenente Manoel

Messias, responsável pelas finanças. Enquanto isso Augusto Maynard viajou com a

missão de organizar a defesa estadual na frente sul a partir das cidades de São Cristóvão

e Itaporanga (respectivamente 25 e 29 km distantes de Aracaju). Ao passo que Soarino

ficou responsável pelas cidades de Rosário do Catete e do Carmo (respectivamente 37 e

47 km distantes de Aracaju), que compunham a frente norte. Além dessas, outras

localidades também foram ocupadas por tropas comandadas por sargentos designados

pela Junta Militar.

Uma das primeiras cidades a serem ocupadas foi São Cristóvão. O sargento do

28º BC João Salles seguiu com um grupo de praças para lá. Eles ocuparam o quartel de

polícia, a estação telefônica, do telegrafo nacional e da estrada de ferro. Com a chegada

dos rebeldes, a força estadual fugiu, inclusive o responsável pelo destacamento,

sargento Marcolino Pereira Ramos, que deixou São Cristóvão numa canoa. Seu

exemplo foi seguido por outros policiais. Os praças do 28º BC se acomodaram no

antigo Palácio do Governo. Alguns dias depois chegou um novo contingente

comandado pelo sargento João Florêncio de Souza e um terceiro com o sargento

Dionísio Gomes de Assis.

189 NOTICIÁRIO, Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 18 jul. 1924, p.3. 190 NOTICIÁRIO, Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 18 jul. 1924, p.3.

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Nesse ínterim, também estiveram em São Cristóvão os tenentes Maynard191 e

Soarino. Segundo o anspeçada do batalhão policial João Baptista dos Santos, os oficiais

estiveram na cidade para “ordenar e verificar a construção de trincheiras em

Taperoá”192. Mas, de acordo com o prefeito Odilon Cardoso, os integrantes da Junta

Militar não permaneceram em São Cristóvão “estando eles em trânsito, quase sempre

para Itaporanga, onde estavam localizadas as forças do 28 BC” 193, na ausência dos

oficiais, os praças eram comandados pelos sargentos Florêncio e Salles.

Na condução de uma guerra há alguns passos básicos. Inicialmente procede-se o

recrutamento, que é seguido do armamento, treino, marchas, acantonamentos194,

aquartelamento e alimentação. Um outro ponto importante e que não pode ser esquecido

é o tratamento dos doentes. A Junta Militar não descuidou disso e no dia 26 de julho

convocou o médico do batalhão policial, Carlos Menezes. Ele seguiu para São

Cristóvão com a finalidade de organizar um “hospital de sangue, no caso de se travar a

luta”195. Poderia haver um confronto e um serviço como esse seria de grande auxílio

para os feridos. Pensando nisso Carlos Menezes organizou e dirigiu o hospital de

sangue que funcionava no prédio da Ordem Terceira de São Francisco, no centro da

cidade. O médico do exército, Galdino Ferreira Martins, afirmou que o colega de

profissão “se mobilizou indo montar em São Cristóvão um hospital de sangue, usando

para esse fim do material da enfermaria militar sita ao bairro industrial e do posto

médico do batalhão, d’onde retirou colchões”196. Isto sugere a precariedade com a qual

o serviço funcionaria. Mas São Cristóvão não foi a única cidade a receber visitantes.

Em Rosário as primeiras tropas chegaram sob o comando do sargento

Beethovem Marques. E dias depois chegou outro contingente, mais numeroso,

comandado pelo sargento José Vieira de Mattos. Os rebeldes ocuparam a estação da

estrada de ferro e a prefeitura. Parte da tropa ficou na casa ao lado da residência do

coronel Manoel Gomes da Cunha, pai do tenente Maynard. O coronel apoiava as ações

191 Em São Cristóvão Augusto Maynard Gomes hospedou-se na pensão São José de propriedade do Sr. Galdeiro. 192 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p. 1463. 193 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p. 1498. 194 Em “Da Guerra” Carl von Clausewitz explica que os acantonamentos são locais em que a tropa em combate se reúne para se recuperar, estando próximos ao campo de batalha. Já os aquartelamentos oferecem maior conforto e segurança para que a tropa possa se restabelecer melhor. Cf. CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 96-97. 195 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. 26 jul. 1924 p.1. 196 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 5, p. 657

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da Junta Militar, como declarou no telegrama enviado ao filho nos primeiros dias da

revolta. Assim os militares se afirmavam contra a corrupção política que se observava

no Brasil, mas na prática acabaram procurando entender-se com as lideranças políticas

do interior de Sergipe. O apoio incondicional do pai de Augusto Maynard, bem como a

aparente neutralidade de Francisco Porfírio permitiram que os rebeldes se mantivessem

numa situação favorável.

No dia 26 de julho o comandante do 28º BC em exercício, capitão Eurípedes deu

uma ordem de mobilização e em virtude disso, foram convocados todos os “reservistas

do exército de primeira linha, de primeira e segunda categorias, os quais devem se

apresentar a esta unidade, ‘Centro de Mobilização’. (Art. 22 do R.S.M.)197”. No dia 27

apresentaram-se os primeiros reservistas. Um dia depois, 136 convocados

compareceram ao quartel do exército e foram incluídos no batalhão. Com o passar dos

dias, o número de voluntários que se apresentavam no 28º BC foi diminuindo. E diante

da confirmação de que tropas legalistas marchavam em direção a Aracaju, os líderes da

revolta convocaram os reservistas. Assim aumentavam a tropa arregimentando mais

homens. Apenas o cabo reservista Adalberto de Araújo Souza deixou de incorporar por

ter apresentando atestado médico, comprovando que havia sido submetido a uma

cirurgia de hérnia.

A Junta Militar enviou um telegrama aos prefeitos ordenando que

providenciassem editais de convocação para os reservistas no interior. Mas desde a

notícia da eclosão da revolta, muitas autoridades deixaram de freqüentar a prefeitura.

Em Itaporanga, o prefeito Mathias Curvelo Mendonça não chegou a ver o aludido

telegrama. Em seu lugar, o escrivão de paz Antonio Garcia recebeu a correspondência,

providenciou o edital de convocação e mandou que o documento fosse afixado na porta

da intendência. O anúncio estava com a assinatura de Antonio Garcia “por Mathias

Curvelo de Mendonça”. Essa atitude aponta para o fato de que os rebeldes também

recebiam apoio no interior do estado.

Num primeiro momento os rebeldes se impuseram pela força e isso lhes conferiu

um determinado tipo de poder. Depois eles procuraram exercer uma forma de

dominação legítima. Isso era importante para manter a coesão social em Sergipe

naquele momento, ao mesmo tempo em que assegurava a permanência dos militares no

poder. Apesar disso os rebeldes garantiam que os direitos dos sergipanos seriam

197 28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Boletim regimental 181. Aracaju, 26 jul. 1924, p.429.

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respeitados. Os militares pretendiam interferir o mínimo possível no dia-a-dia dos

sergipanos. Para tanto, os serviços básicos foram mantidos, ainda que com alguma

precariedade. Mesmo durante a revolta os bancos, o comércio, as linha de bondes, a

circulação de jornais, o policiamento nas ruas, as obras de saneamento na capital, dentre

outros, continuaram sendo realizados com regularidade. Segundo Max Weber este tipo

de autoridade legal ou racional “é modelada de forma a atender as necessidades

previstas e repetidas por meio de uma rotina normal” 198.

Entretanto, os militares conseguiram oferecer mais que a garantia do

funcionamento de serviços básicos. Eles foram capazes de despertar respeito e

admiração por parte de muitas pessoas em Aracaju e no interior. E enquanto que para

alguns os oficiais não passavam de desordeiros que infringiam a justiça, para outros eles

eram verdadeiros heróis que lutavam desinteressadamente pelo bem comum, na

tentativa de construir um mundo mais justo. Foi isso que impulsionou o escrivão

Antonio Garcia a convocar os reservistas em nome do prefeito de Itaporanga, ainda que

estivesse autorizado a fazê-lo. O escrivão usou de uma autoridade que não dispunha e,

portanto, infringiu a lei para ajudar os rebeldes. Max Weber afirma que esse tipo de

atitude não é incomum quando se observa o domínio carismático, já que

A dominação carismática significa uma rejeição de todos os laços com

qualquer ordem externa, em favor da glorificação exclusiva da

mentalidade genuína do profeta e herói. Daí, sua atitude ser

revolucionária e transpor todos os valores; faz que um soberano rompa

todas as normas tradicionais ou racionais: “Está escrito, mas eu vos

digo”199.

Figura de destaque na sociedade sergipana da época, o jornalista Zacheu

Brandão se tornou um dos principais aliados dos rebeldes. Disposto a fazer tudo o que

fosse necessário para o sucesso do levante, ele foi para Rosário e Carmópolis, chegando

neste último em 21 de julho à noite, com a tropa e armas. Os rebeldes se apropriaram do

prédio da intendência, local em que os praças se instalaram. Tertuliano de Campos,

198 WEBER, Max. 5 ed. A sociologia da dominação carismática. In: Ensaios de sociologia. Org. intr. H.H. Gerth & Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 171 - 176. p. 171. 199 WEBER, Max. 5 ed. A sociologia da dominação carismática. In: Ensaios de sociologia. Org. intr. H.H. Gerth & Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 171 - 176. p. 174.

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motorista da lancha Sanitas, levou Zacheu Brandão e José Maciel de Aracaju para

Maruim, a 30 km da capital. Quando a embarcação da saúde do porto chegou no destino

o Senhor José Maciel e doutor Zacheu Brandão pediram a uns

meninos que se achavam no porto que lhes arranjassem umas

carroças, para as quais passaram o armamento que conduziram,

seguindo as mesmas para a Estação da Estrada de Ferro, onde o

armamento, conforme sabe, foi transferido para dois troyles que ali já

se acham para isso preparados200.

As instruções em Rosário também eram dadas por Zacheu Brandão. Nessa

cidade o sargento Vieira de Mattos se hospedou na farmácia de um certo Pedro

Pantaleão. O sargento, que era um dos homens de confiança do tenente Maynard,

“ficava na estação da estrada de ferro para dar salvo-conduto, existindo aí a mesa de que

servia para tais fins”. O sargento do 28º BC, José Ernesto da Rocha, foi para Itaporanga

sob o comando do sargento José Carivaldo.

Em Itaporanga, o sargento Carivaldo mandou chamar o mecânico Antonio Lydio

Paixão para instalar um telefone. Quando o tenente Maynard chegou à cidade, deu

ordem para que o mesmo mecânico derrubasse a ponte sobre o rio Xinduba. O mecânico

“disse logo que não tinha ferramenta apropriada para derrubar a ponte”. Mas o oficial

não se deu por satisfeito e declarou “que mandaria buscar em Aracaju dinamite para o

aludido fim, que chegada a dinamite o Tenente Maynard deu ao respondente um

cartucho da mesma explicando-lhe o modo de colocar o mesmo cartucho na ponte do

Xinduba”201. Depois dessa elucidação, Antonio da Paixão seguiu para o local, e,

acompanhado por dois praças do 28º BC colocou o cartucho de dinamite na referida

ponte com ordem de detoná-lo. Mas para surpresa de todos, a ligação entre as duas

margens permaneceu intacta.

Os praças foram informados e não se surpreenderam com o barulho, já a

população, desavisada, se alarmou com a explosão. O sargento João Telles de Menezes

estava em Itaporanga quando aconteceu o episódio. Ele explica que “num dos últimos

dias de Julho o Tenente Maynard mandou prevenir aos sargentos que compunham essa

200 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p.1587. 201 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p.1489 – 1490.

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força que naquela noite se daria um grande estampido e que não se assustassem”202. O

sargento confirmou que depois de ser dinamitada, a ponte não sofreu nenhum dano.

Noutra cidade, Campo do Brito, a 64 km da capital, o tabelião Simões de Souza

Borges foi chamado à casa do coronel Arnóbio Baptista de Souza, liderança política

local, na noite de 14 de julho, mas só atendeu ao chamado no dia seguinte pela manhã.

Chegando lá o coronel lhe mostrou um telegrama em que a Junta comunicava que havia

assumido o governo do estado. O tabelião recebeu ordem para responder ao telegrama

em nome do exator Lindonor Baptista de Almeida e Manoel Sebastião Filho, prefeito.

Este afirmou que não aderiu à revolta e que a sua atitude “foi a mais pacífica possível,

estando sempre solidário com o governo do estado e com o Chefe da política local; que

além do mais não lia jornais; não recebia cartas e nem tinha correspondência com

ninguém”203.

Assim como acontecia noutras cidades sergipanas, Campo do Brito contava com

um proprietário de terras com elevado prestígio político, o coronel Arnóbio Baptista.

Examinando a forma como o coronelismo funcionou no Brasil, Victor Nunes encontrou

semelhanças nos aspectos essenciais do fenômeno nas diferentes regiões do País. E uma

dessas características é exatamente a liderança exercida pelo coronel na esfera

municipal. Segundo Nunes

Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário

desse tipo de liderança é o “coronel”, que comanda

discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A

força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento da

sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras204.

E, apesar de não ser uma autoridade legal, o intendente e o exator da cidade

consultaram o coronel Arnóbio Baptista sobre o modo como deveriam proceder diante

do telegrama recebido pela Junta Militar. Essa importante decisão foi tomada na

propriedade de Arnóbio Baptista. Foi ele quem mandou chamar o Tabelião Simões de

Souza para redigir uma resposta à Junta Militar. O próprio intendente destacou a

importância do coronel ao afirmar que durante a revolta de julho de 1924, permaneceu

202 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p. 1492. 203 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p.1540. 204 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa – Omega, 1976. p. 23.

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fiel ao Governador, Graccho Cardoso e ao chefe da política em Campo do Brito,

Arnóbio Baptista.

O destacamento policial de Campo do Brito foi desarmado e o prefeito explicou

que eles decidiram desobedecer às ordens do delegado, então o coronel Arnóbio achou

melhor “desarmá-lo afim de não haver ocorrências lamentáveis, estando sempre o dito

Cel. Arnóbio ao lado do Governo é o que lhe consta, pois reside fora da sede do

município cerca de sete léguas de distância, em sua fazenda ‘Pedra Mole’”205. Mais uma

vez foi o coronel quem decidiu. Por sua indicação os policiais da cidade foram

desarmados. Esse fato sinaliza para o prestígio de Arnóbio Baptista em Campo do Brito.

Ao mesmo tempo, a fala do intendente denuncia que os policiais da cidade não estavam

a favor do governo.

Em outra cidade, Riachuelo, que fica a 29 km de Aracaju, o prefeito Albano do

Prado Pimentel Franco disse “que mandou fazer um aviso de convocação, sendo que

aos reservistas que se apresentaram ao depoente, aconselhou que viessem se apresentar

os que quisessem, não sendo obrigados a isto” 206. Na sua própria fazenda dois

reservistas o ouviram e não se apresentaram. O prefeito negou ter mandado transportar

os reservistas que se apresentariam na capital. Esta, aliás, foi a postura adotada por

muitas autoridades. A maior parte deles respondeu ao telegrama em que a Junta Militar

comunicava haver assumido o governo e procuraram se manter reclusos em suas

propriedade.

Nesse contexto, os militares acreditavam que haviam conseguido se impor como

autoridades legais no estado. E, ao mesmo tempo, obtiveram outro tipo de dominação: a

carismática. Essa última não lhes garantia permanência, mas se manifestava de forma

tão intensa a ponto de fazer com que homens pegassem em armas para defender os

ideais dos rebeldes. Dessa maneira, eles oscilavam entre o desejo de ter a autoridade

legal reconhecida e a identificação com o domínio carismático por parte de alguns

sergipanos.

Ao mesmo tempo em que isso acontece, é possível perceber algumas

incoerências entre o que os rebeldes diziam e o que se observava na prática. Ícones da

luta pela moralização da política, os militares procuraram se entender com lideranças

políticas no interior, contradizendo assim os princípios pelos quais afirmavam estar

205 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p.1541. 206 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2498 (1924), vol. 11, p.1535-1536.

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lutando. Para levar o plano da revolta adiante, eles procuraram estabelecer relações com

alguns coronéis do estado. Caso pudessem contar com o apoio desses coronéis, os

rebeldes teriam a dominação tradicional a favor do levante.

À frente do estado os oficiais sergipanos não realizaram mudanças

significativas na administração pública. E desde o início eles esclareceram que esse não

era o objetivo da revolta. O funcionalismo público não recebeu qualquer tipo de

benefício ou represaria por parte dos rebeldes. Apenas o advogado Luiz José da Costa

Filho foi nomeado oficialmente para ocupar o cargo de Procurador Geral do Estado. E

isso só aconteceu porque Armando Mesquita comunicou que voluntariamente se

exonerava do cargo no dia 18 de julho. Entretanto, essa atitude foi isolada.

A maior parte das autoridades foram conservadas em seus respectivos postos.

Nenhuma mudança socioeconômica foi introduzida no estado, apesar da população

sofrer com a carestia. Ao contrário do que se observou em Manaus207, os rebeldes

sergipanos estavam mais inclinados em resolver os problemas da classe militar. Talvez

por isso mesmo não tenham recebido o apoio de grupos representativos. Os tipógrafos,

por exemplo, eram pessoas esclarecidas, mas a maior parte deles preferiu abandonar as

publicações durante o levante.

O operariado que mantinha um Centro organizado em Sergipe desde 1911208

também não se interessou em se juntar aos oficiais rebeldes. Algumas fábricas

chegaram a ter seus trabalhos ameaçados porque os operários temiam uma chacina e

deixaram de comparecer ao trabalho. O Correio de Aracaju criticava o comportamento

dos funcionários e informava que em algumas fábricas “os proprietários dão conselhos,

procurando acalmar os ânimos, mostrar que não sofrerá ninguém dentro de casa. Em

outros, há, segundo nos consta, a ameaça de perda de emprego aos que se afastarem

para as matas”209.

Concordando com o conceito semiótico de cultura, defendido por Clifford

Geertz, esse capítulo procurou descrever os acontecimentos que vieram em seguida à

vitória dos insurretos, sem descuidar dos significados que esses acontecimentos

207 A revolta militar em Manaus ocorreu entre os dias 23 de julho e 28 de agosto de 1924. Lá os líderes do movimento prenderam autoridades, depuseram o governador, mas não esperaram por orientações vindas de São Paulo. Assim que assumiram a administração do estado, os rebeldes começaram a promover transformações em Manaus. Na tentativa de promover uma melhor distribuição de renda, os rebeldes expropriaram propriedades particulares, promoveram leilões e pagaram os funcionários públicos. Cf. SANTOS, Eloína Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. Manaus: SUFRAMA, Ed. Calderaro, 1985. 208 Cf. NUNES, Maria Thétis. História da educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. 209 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. Aracaju, 25 Jul. 1924. p. 1.

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carregaram consigo. As sensações causadas a partir da constituição da Junta Militar

foram resultado de uma complexa rede de relações. A forma como os militares agiam e

se expressavam deu margem para diferentes leituras sobre o levante. O comportamento

dos sergipanos durante da revolta militar não pode ser explicado a partir de leis. Nesse

sentido, é pertinente a colocação de Clifford Geertz de que “a análise cultural é

intrinsecamente incompleta e, o que é pior, quanto mais profunda, menos completa”210.

Ainda conforme o antropólogo

comprometer-se com um conceito semiótico de cultura e uma

abordagem interpretativa do seu estudo é comprometer-se com uma

visão da afirmativa etnográfica como ‘essencialmente contestável’,

tomando emprestada a hoje famosa expressão de W.B. Gallie211.

O meio pelo qual os militares explicavam sua visão de mundo foi assimilado de

maneiras diversas pelos sergipanos. Enquanto isso, o governo federal não tinha dúvida

de que era preciso tomar providências para que a insurreição fosse contestada. O

Ministro da Guerra, general Fernando Setembrino de Carvalho, delegou poderes ao

general Marçal Nonato de Faria para que ele organizasse uma força capaz de combater

os revoltosos em Sergipe e reempossar o governador. O mundo quase perfeito dos

rebeldes estava por desmoronar.

210 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de janeiro: L.T.C. Editora S.A., 1989. p. 39. 211 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de janeiro: L.T.C. Editora S.A., 1989. p. 39.

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Capítulo 3

“DOIS MIL CANGACEIROS DE MENTIRA”: OS ÚLTIMOS

DIAS DA REVOLTA EM SERGIE

“Mas não esqueçamos que essa tristeza é necessária à felicidade; e, por doce

que seja nossa ilusão, não acreditaremos que possa durar”

Chordelos de Laclos212

À primeira vista, os dias passavam tranquilamente pelo mês de julho. Desde o

dia 13 a Junta Militar estava à frente do estado, mas nem todos concordavam com essa

situação. O mal estar gerado entre os oficiais rebeldes e o coronel Francisco Porfírio de

Britto sinalizava para uma desaprovação da revolta. No entanto, os problemas não se

resumiam a um desentendimento eventual com lideranças políticas do interior. A

insatisfação com os rumos que o estado tomava desde a constituição da Junta Militar se

tornaria cada vez mais evidente, sobretudo a partir do momento em que o governo

federal se mobiliza contra a revolta em Sergipe. Este é o assunto deste capítulo.

Nem todos os militares aderiram à insurreição. O próprio comandante do 28º BC

foi preso por tentar impedir o motim. Acordados pelo estampido dos tiros, os oficiais do

Exército se fardaram e seguiram em direção ao quartel. Esse era o procedimento padrão.

No entanto, o 2º tenente-médico Eronides Ferreira de Carvalho não compareceu ao 28º

BC em meio à confusão que os próprios militares iniciaram213.

Assim como os demais oficiais, Eronides de Carvalho foi despertado pelos

disparos na madrugada de 13 de Julho e chegou a vestir o uniforme para ir ao quartel.

Porém, ao saber que o 28º BC havia se revoltado mudou seus planos. Usando trajes

civis, o oficial partiu, em segredo, para a residência do seu amigo pessoal, Maurício

Gracho Cardoso.

212 LACLOS, Choderlos de. As relações perigosas. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1971. p. 255. 213 Cf. ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 5.

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O governador recebeu conselhos de pessoas próximas e auxiliares para deixar a

cidade, “podendo em pessoa dirigir a resistência de Propriá”214. Eronides,

provavlemente foi um destes conselheiros, mas Graccho Cardoso se negou a sair de

Aracaju. Isso não significou, entretanto, que o líder do legislativo não fosse tomar uma

atitude visando a organização de uma contra ofensiva aos rebeldes. A primeira

providência nesse sentido foi escrever dois telegramas, um para o presidente da

República, Arthur da Silva Bernardes, e outro para o comandante da 6ª Região Militar,

general Marçal Nonato de Faria e incumbir Eronides de Carvalho de transmiti-los.

Qualquer passo em falso não apenas atrapalharia a comunicação entre as

autoridades, como também deixaria o emissário em maus lençóis frente aos rebeldes.

Arriscando a própria sorte, o tenente-médico conseguiu burlar a vigilância e, ainda

durante a madrugada, partiu em direção ao norte do estado. Depois de percorrer cerca de

90 quilômetros chegou à vila de Japaratuba por volta das 14 horas do dia 13. Eronides

de Carvalho procurava uma estação telegráfica para enviar os telegramas, e finalmente

encontrou. Mas o telegrafista Etelvino Telles, seguindo o procedimento padrão, exigiu

uma cópia das mensagens rascunhadas, então o oficial preferiu procurar outra estação

na qual pudesse expedir sigilosamente os telegramas.

Com esse intuito, chegou em Propriá, à 1h do dia 14 de julho. Ali

imediatamente, procurou Francisco Porfírio de Britto, seguindo a recomendação do

próprio governador. O coronel, que já havia se desentendido com os rebeldes dias atrás,

mandou um homem de sua confiança levar os avisos à estação de Penedo, Alagoas,

onde foram finalmente expedidos. A exemplo de Francisco Porfírio, outras lideranças

políticas dos municípios mais distantes de Aracaju se mobilizavam para ajudar no

combate aos revoltosos.

A movimentação dos coronéis no sentido de deter a revolta ficaria mais nítida a

partir da chegada do general Marçal Nonato ao estado. Quando recebeu o telegrama,

enviado pelo tenente Eronides de Carvalho, o chefe da Região Militar já estava avisado

sobre os acontecimentos em Sergipe e tomava as primeiras providências para organizar

uma intervenção militar. O oficial conta que esperava que as unidades embarcassem

214 GOMES, Augusto Maynard. A revolução em Sergipe: resposta ao Sr. Graccho Cardoso, 1ª parte. Aracaju, 1925. p. 22.

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sem maiores sobressaltos, quando no dia “13 de Julho, à tarde, tive notícia de que se

havia revoltado o 28º de caçadores”215.

Marçal Nonato mostrou-se admirado, pois depositava confiança em quase toda a

oficialidade do 28º BC. O espanto do general não permaneceu em segredo. No relatório

entregue ao Ministro da Guerra sobre a revolta em Sergipe, Marçal Nonato não se

contentou em afirmar que desconhecia os planos dos oficiais sergipanos. O general fez

questão de assegurar o quanto se surpreendeu com a notícia de que o Batalhão havia se

levantado.

De qualquer maneira, o governo federal o encarregou de repor Graccho Cardoso

e para isso foram colocados à sua disposição tropas do 21º e 22º BC que já estavam na

iminência de embarcar para São Paulo, além de praças alagoanos, pertencentes ao 20º

BC e homens da polícia dos estados da Bahia e de Alagoas. O efetivo inicialmente

disponibilizado constava de 284 praças e 5 oficiais, do 20º BC; 295 praças e 8 oficiais,

do 21º BC; 281 praças e 8 oficiais, do 22º BC. Além desses homens, o contratorpedeiro

Alagoas também foi colocado à disposição para ser utilizado nas operações militares em

Sergipe216. Não tardaria para que todo esse contingente desembarcasse no estado.

A reação das forças legalistas em Sergipe

Apesar do início do levante militar em São Paulo, os estados do Norte217

aparentavam estar sob controle. Algumas unidades, incluindo o 22º BC da Paraíba, o

21º BC de Pernambuco, o 20º BC de Alagoas e o 28º BC de Sergipe, deveriam

embarcar a qualquer momento para São Paulo. No dia 14 de Julho o 22º BC chegava ao

Porto do Recife. Na ocasião juntou-se a ele o contingente pernambucano do 21º BC.

Mas com as notícias de que o Governo Federal havia decretado Estado de Sítio por 60

dias para os estados da Bahia e Sergipe, e que o 28º BC havia se revoltado, o destino do

Baependy deixava de ser São Paulo. Embora a viagem tivesse sido suspensa na

215 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p.5. 216 Cf. SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. 217 A essa época não havia distinção entre regiões Norte e Nordeste. Todos os estados compreendidos acima da Bahia pertenciam ao Norte. Cf. ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste: e outras artes. 2. ed. Recife: FJN, São Paulo: Cortez, 2001.

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iminência da partida, os jornais pernambucanos fizeram questão de descrever a cena do

“quase” embarque da tropa. O Jornal do Recife publicou uma nota dando conta de que

À praça do Hospício, onde demora o quartel, um numeroso grupo de

mulheres de todas as idades, algumas trazendo à mão tenras

criancinhas, entre lágrimas, a soluçar, ali, se achava postadas, dando o

último adeus aos invictos soldados do 21.

Eram mães, irmãs, e noivas que se despediam dos seus, traduzindo nas

lágrimas a expressão mais sincera da saudade218.

Depois de toda essa choradeira, os praças desceram do navio e voltaram para

casa. Três dias depois os militares voltaram e embarcar no Baependy. Dessa vez os

praças seguiram viagem com destino a Sergipe. Mais uma vez os periódicos do Recife

se fizeram presente para registrar a emoção da despedida do 21º BC. Diariamente

publicava-se na capital pernambucana que as forças legais progrediam em São Paulo,

apreendendo metralhadoras e aprisionando rebeldes.

No Nordeste, esperava-se semelhante sucesso. E não tardou em aparecer ajuda.

Francisco Marques de Góes Calmom, governador baiano, liberou imediatamente 60

homens da polícia e um tenente que marcharam para o limite entre os estados da Bahia e

Sergipe. O efetivo foi aumentado e os homens tinham ordens para entrar em território

alheio e ocupar as cidades de Geru , Itabaianinha, Pedrinhas e Boquim, respectivamente

a 130 km, 118 km, 89 km e 82 km de Aracaju. Depois os policiais deveriam seguir para

Salgado (67 km da capital sergipana) e esperar pelo Exército.

Logo que se iniciou a movimentação dos policiais no interior da Bahia, os

comentários proliferaram em Aracaju. Essa era, aliás, uma maneira da população se

manter informada. Com a imprensa a serviço dos interesses da revolta, muitas notícias

eram sufocadas ou apareciam carregadas de julgamentos.

Estudando a circulação das informações em Paris por volta de 1750, Robert

Darnton descobriu que os jornais não tratavam de assuntos políticos porque “o governo

não os permitia”219. No entanto, os franceses desejavam estar a par dos relatos sobre o

que acontecia em Paris. Diferentes meios eram usados para esse fim, mas Darnton

218 O EMBARQUE DO 21º BC. Jornal do Recife, Recife, 15 Jul.1924, p.1. 219 DARNTON, Robert. As notícias em Paris: uma pioneira sociedade da informação. In: Os dentes falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 41.

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assinala que no período estudado por ele “para ter acesso às notícias, bastava postar-se

na rua e manter os ouvidos atentos”220. De maneira semelhante, as notícias corriam de

boca em boca durante a revolta militar em Sergipe.

Nesse período alguns periódicos continuaram circulando. O Diário Oficial e o

Correio de Aracaju não faziam críticas à movimentação dos rebeldes. Jornais

veiculados com menor peridiocidade, como A Cruzada e O Município optaram por não

mencionar os últimos acontecimentos políticos no estado. Além do conteúdo desses

periódicos, os sergipanos poderiam se inteirar dos fatos através da transmissão oral. Foi

o caso do deslocamento dos policiais baianos.

Depois de ter sido esclarecida a confusão entre o coronel Francisco Porfírio e os

oficiais rebeldes, dessa vez era em Barracão, na Bahia, que se esperava um ataque do

28º BC. Cautelosa, a Junta Militar mandou um soldado se informar sobre a agitação no

limite entre os estados. De acordo com o enviado, existiam 50 praças da polícia e 150

fuzis em Barracão. Mas havia ordens para “se proceder ao recrutamento suficiente para

por em armas número de homens capazes de utilizarem os armamentos arranjados,

recebendo as praças improvisadas a diária de 2$500” 221.

A movimentação dos policiais baianos foi anunciada como um exagero. De

acordo com o Correio de Aracaju, que estava sob a tutela dos rebeldes, os militares

sergipanos não pretendiam atacar nenhuma cidade baiana, por isso mesmo não havia

necessidade de armar homens para defender os municípios limítrofes com Sergipe.

Além disso, criticava o periódico, os baianos “demoliram a ponte do Rio Real com

medo que as tropas do 28º dessem desembarque nessa cidade”222. O Correio

aconselhava as autoridades baianas a desarmar seus homens. E apesar da notícia da

movimentação dos policiais baianos, o jornal sergipano continuava divulgando que não

estava acontecendo nada de grave no estado.

Enquanto isso, o chefe da Região Militar deixava a capital baiana às 4h da

madrugada do dia 21 à bordo do vapor Íris. Acompanhado por reforços, Marçal Nonato

levou “além dos oficiais e praças do Quartel General, a escolta do comandante da

Região, dois canhões Krupp L 28, tiro lento, e respectivas guarnições e o armamento e a

220 DARNTON, Robert. As notícias em Paris: uma pioneira sociedade da informação. In: Os dentes falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 42. 221 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. Aracaju, 21 Jul. 1924, p.1. 222 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. Aracaju, 21 Jul. 1924, p.1.

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munição necessários ao Destacamento”223. Em Sergipe, os líderes revoltosos

preparavam uma defesa para possíveis ofensivas por parte da polícia baiana. Eles não

imaginavam o problema que estava a caminho.

As tropas legalistas se estabelecem no sul

Decididos a por fim à situação irregular levada adiante pelos sergipanos, no dia

21 de julho, concentraram-se no Morro de São Paulo, Bahia, o contratorpedeiro

Alagoas, o Baependy com contingentes da Paraíba e Pernambuco, o “Cannavieiras e

Marahú, que deveriam recebê-los e o Iris com o Quartel General”. E, no dia seguinte,

após o embarque de armas, munição, alimentos e viajantes, partiram rumo a barra do rio

Real, em Sergipe, onde chegaram na manhã do dia 23 “depois de penosissima viagem,

por se achar muito agitado o mar, tendo enjoado a maior parte dos oficiais e praças e até

alguns animais”224. Nesse mesmo dia, à noite, juntava-se ao grupo o vapor com o 20º

BC.

O quartel general deveria se estabelecer em Estância, 68 km distante de Aracaju.

Mas o rio Piauí, que dava acesso ao município, só era navegável por pequenas

embarcações. Nessas circunstâncias os três batalhões foram obrigados a desembarcar no

Crasto, povoado próximo a Estância, e seguir a pé “vencendo as primeiras dificuldades

das muitas com que teve de haver-se o Destacamento, tendo marchado através de

pântanos impraticáveis às viaturas, que foram transportadas em barcas, em longas horas

de viagem e sujeitas às marés”225.

O Cannavieiras e o Marahú já estavam no Crasto, assim como o Comandante

Miranda, quando o vapor Íris ancorou às 11h de 24 de julho. O contratorpedeiro

Alagoas ficou fora da barra, “incumbido de proteger o desembarque da tropa e, em

seguida, fazer uma diversão na barra de Aracaju”226. Isso significava que depois que

estivesse sem passageiros, o navio deveria aparecer de longe e provocar tumulto na

capital sergipana. 223 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p. 9. 224 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p.8. 225 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p. 10. 226 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p.10.

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Deste modo, no dia 26 de julho as forças militares procedentes da Bahia,

Alagoas, Pernambuco e Paraíba estavam concentradas em Estância. Marçal Nonato de

Faria recebeu um telegrama do Ministro da Justiça, Affonso Pena Junior, confirmando

que Sergipe estava sob Estado de Sítio. Dispensando intermediações e rodeios, o

general publicou uma proclamação, que embora longa para uma citação merece ser

apresentada.

DESTACAMENTO EM OPERAÇÕES NO ESTADO DE SERGIPE

Investido pelo exmo. Sr. Presidente da República da nobre e patriótica

missão de restabelecer a ordem no Estado de Sergipe, entregando os

poderes públicos às autoridades legalmente constituídas, venho de

pisar em terras sergipanas, onde disponho de fortes destacamentos de

forças armadas sob o meu comando no sul, norte e oeste deste Estado,

auxiliadas por navios de guerra, prontos todos esses elementos a

executarem as ordens recebidas daquela alta autoridade, sitiando

dentro em breves dias a cidade de Aracaju e sufocando a revolta ali

existente.

Iniciando o restabelecimento da ordem, faço público que nulos são

todos os atos emanados dos revoltosos e que responsabilizados serão

aqueles que os executarem.

Até que seja reempossado o sr. dr. Governador do Estado serei, como

representante do exmo. Sr. Presidente da República, a autoridade

legal, cujas determinações deverão ser rigorosa e rapidamente

cumpridas, afim de que, sem delongas, volte a esta unidade da

Federação o regime da ordem de que foi violentamente afastada.

Espero que não terei ocasião de exigir que sejam cumpridas minhas

determinações e que todos concorrerão espontaneamente para o

restabelecimento da ordem , sem que seja necessário o emprego de

meios excepcionais de que disponho pelo ESTADO DE SÍTIO, que,

como sabeis, foi decretado para este Estado pelo prazo de 60 dias.

Todas as autoridades deverão comigo se entender até que seja

reempossado o sr. dr. Graccho Cardoso, ao Governo do Estado227.

227 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p. 11.

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Observa-se que o comunicado emitido pelo general Marçal Nonato não se

destinava especificamente aos rebeldes, mas a toda a população sergipana. De acordo

com o documento, Sergipe estava fora de ordem. E, autorizado por meios legais, Marçal

Nonato anunciava o Estado de Sítio e declarava a ilegalidade da Junta Militar

constituída pelos rebeldes. O oficial afirmou ainda que dispunha dos meios necessários

para fazer valer a Justiça.

Assim, Marçal Nonato estabelecia uma versão própria e simultaneamente oficial

sobre a revolta iniciada em 13 de Julho. Para o representante enviado pelo Presidente da

República, não havia dúvidas de que os rebeldes haviam tumultuado todo o estado,

agindo dessa maneira contra os interesses da nação. Interesses esses que Marçal Nonato

defenderia implacavelmente em nome do seu sentimento patriótico.

Depois de lançar essa proclamação, o executor do Sítio passou a receber de

intendentes, funcionários federais e estaduais o testemunho de lealdade à ordem. Diante

disso, ainda no dia 25 de julho, o 28º BC, cujo comandante era o capitão Eurípedes,

convocou todos os reservistas do estado. A Junta Militar solicitou que os chefes das

repartições públicas enviassem listas com os nomes dos funcionários reservistas do

Exército. O inspetor da Alfândega Arthur Batista Ribeiro informou que só o guarda

Antonio da Silva Dantas deveria se apresentar ao 28º BC. Mas o chefe da repartição

pediu a dispensa do referido guarda porque a Alfândega contava com poucos

funcionários. O administrador dos Correios Fernão de Aragão e Mello informou os

nomes de sete reservistas228.

Nesse mesmo dia, 25 de julho, seguiu um contingente de rebeldes para

Itaporanga e um dia depois, o capitão Eurípedes enviou novo grupo para o sul do

estado. Essa providência foi tomada porque os líderes da revolta souberam que havia

um batalhão paraibano em Estância. Até então os rebeldes não sabiam sobre a presença

dos praças pernambucanos e alagoanos em Sergipe. Independente disso, os praças do

28º BC levaram a proclamação lançada ao povo nos primeiros dias do levante e um

novo comunicado elaborado pela Junta Militar. No documento os rebeldes

conclamavam os colegas de farda a aderir à causa defendida pelos paulistas.

Em São Paulo os líderes da revolta fizeram questão de lembrar que no momento

da proclamação da república “o Exército Nacional jurou fidelidade à Constituição e, por

conseqüência, assumiu perante o povo, implicitamente, sob a sua honra de cidadãos e de

228 Cf. ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1. p. 38 – 39.

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militares, o compromisso de fazê-la cumprir”229. Concordando com esses termos, os

sergipanos explicaram que se batiam pelos mesmos ideais e acreditavam que esse apoio

não seria negado “porque assim o exigem as altas virtudes patrióticas dos nossos

camaradas a exemplo das tropas do sul enviadas contra os nossos bravos irmãos de S.

Paulo e que com ele confraternizaram”230.

Afirmando que as tropas que deveriam combater os paulistas findaram por

apoiá-los, os rebeldes sergipanos tentavam convencer os chamados “camaradas do

norte” a fazer o mesmo. Os rebeldes finalizaram a proclamação com um apelo quase

religioso ao lembrar o compromisso do Exército para com a “causa santa da salvação da

Pátria, e prontos nos achamos para a todos receber de braços abertos, na certeza de que

não nos vieram combater e sim engrossar as nossas fileiras, trabalhando em comum”231.

Esperando receber o apoio dos militares que deveriam combatê-los, os rebeldes

apelaram para os homens que estavam sob as ordens de Marçal Nonato, em Estância.

Invocando o sentimento de pertencimento ao Exército, os rebeldes acreditavam que

poderiam convencê-los a abraçar a “missão patriótica” de que tanto falavam os

insurretos. Em outras palavras, os rebeldes invocavam o que José Murilo de Carvalho232

entende por “espírito de corpo” e o que Celso Castro233 prefere chamar de “espírito

militar”. Embora usem termos diferentes, os dois estudiosos desejam se referir à

dedicação dos militares ao Exército e a sua identificação aos interesses da caserna.

No discurso dos amotinados, o Exército era responsável pela República, por isso

os rebeldes conclamavam os camaradas para juntar-se a eles na luta em defesa dos

interesses da nação. Os rebeldes enfatizaram a “missão salvadora” com a qual o

Exército se comprometeu. E mais uma vez ressaltavam a importância da classe militar

se unir para defender interesses em comum. Aqui a versão sobre a revolta de 13 de

Julho é outra. Os revoltosos assumem o papel de defensores da pátria e os opositores

aos seus ideais, como Marçal Nonato, eram contrários aos interesses da nação.

Tem-se aqui, portanto, duas visões distintas sobre o mesmo fato. Parece estar

fora de questão que um grupo de militares liderou uma revolta e assumiu o controle do

229 CARONE, Edgard. O tenentismo: acontecimentos, personagens, programas. São Paulo: DIFEL, 1975. p. 272. 230 AOS CAMARADAS DO NORTE. Diário Oficial . Aracaju, 27 Jul. 1924. p. 1. 231 AOS CAMARADAS DO NORTE. Diário Oficial . Aracaju, 27 Jul. 1924, p. 1. 232 CARVALHO, José Murilo de. As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador. In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. 2 ed. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. p. 179 – 234. 233 CASTRO, Celso. O Espírito Militar: um antropólogo na caserna. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004.

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estado. Contudo, a intenção desses homens é que está em xeque. Os oficiais rebeldes

acreditavam que suas ações concorriam para a purificação do regime republicano no

País. Já os representantes do poder legal não hesitaram em caracterizar a revolta como

um “tenebroso movimento”234.

Uma solução para tentar entender este episódio pode vir a partir das

considerações de Clifford Geertz235 sobre a descrição densa. Exemplificada com a

diferença entre a piscadela e o tique nervoso (ambos tem o mesmo gesto, mas com

significados diferentes), Geertz afirma que para compreender uma cultura é preciso

adotar o ponto de vista de um de seus praticantes. Ou seja, a mesma ação pode receber

diferentes interpretações. Por isso a necessidade de voltar-se para o praticante e o seu

referencial simbólico. Desta maneira, não se pretende estabelecer uma versão

maniqueísta sobre a revolta de Sergipe, homenageando o grupo dos “mocinhos” e

execrando os “bandidos”. O esforço vai no sentido de procurar perceber de que maneira

os interesses que rebeldes e legalistas defendiam interferiram em suas atitudes. Mas

também de expor contradições presentes nos dois grupos. Ao contrário do que apresenta

a historiografia tradicional, tanto rebeldes quanto legalistas enfrentaram problemas entre

eles mesmos. Os grupos não eram tão coesos quanto se possa pensar. Entre os rebeldes,

por exemplo, muitos voluntários desconheciam os fins da revolta.

Na vigência do levante foram chamados voluntários e, por meio da fixação de

editais, convocados os reservistas. No entanto, o próprio capitão Eurípedes esclareceu

que muitos atenderam ao voluntariado ignorando os objetivos do levante, sendo a

maioria deles analfabetos. Com relação aos reservistas, o líder revolucionário destacou

que eles compareceram em obediência à lei, pois como o governador estava deposto, a

Junta era “de fato, muito embora não fosse legal”236 o poder ao qual deveriam obedecer.

Curiosamente, os líderes da revolta em Sergipe acreditavam que os ideais pelos

quais lutavam iriam seduzir a tropa paraibana. Eurípedes, Maynard, Soarino e Manoel

Messias não se detiveram na tarefa de explicar aos voluntários e reservistas sergipanos

os objetivos da intervenção militar no estado, mas esperavam que os oficiais e praças de

outra unidade os apoiassem.

234 Cf. SERGIPE. Governador (1924: CARDOSO). Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe na abertura da Assembléia Legislativa Estadual em 7 de setembro de 1924. Aracaju: Typ. Comercial, 1924. 235 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de janeiro: LTC. Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1989. 236 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25. p. 3580.

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Sem dar ouvidos ao canto de sereia dos rebeldes, as tropas legais seguiram firme

no intuito de liquidar a revolta. Marçal Nonato ordenou que os homens do 21º BC

iniciassem uma marcha para Salgado para juntar-se à polícia baiana, com exceção do

22º BC que iria para Tijupéba (12 km de Itaporanga). No dia 27 à tarde uniram-se todos.

Nesse mesmo dia, em Salgado, a força legal contava com 5 oficiais e 339 praças do 20º

BC; 8 oficiais e 291 praças do 21º BC e 4 oficiais e 260 praças da polícia baiana, num

total de 1267 homens237.

O comandante das tropas legais ainda não havia entrado em contato com os

oficiais rebeldes. Ainda assim, a Junta Militar mantinha-se informada sobre a

movimentação das forças legalistas no interior. Os rebeldes contavam com o auxílio de

informantes situados em diferentes cidades. Foi graças a essas redes estabelecidas que

os insurretos souberam da chegada de tropas do Exército no sul do estado.

O fluxo de informações em Sergipe nem sempre estava vinculado à publicação

dos jornais. As redes orais se mostraram cruciais em diferentes momentos da revolta.

Nesse sentido, é preciso concordar com a afirmação de Darnton de que “toda era foi

uma era da informação, cada uma à sua maneira, e que os sistemas de comunicação

sempre moldaram os acontecimentos”238. Durante o levante iniciado em 13 de julho os

rebeldes saberiam usar esses diferentes sistemas de informação.

Assim que estourou a revolta, o tenente Maynard solicitou que Manoel Ferreira

do Nascimento passasse a trabalhar na estação telegráfica em Estância. Alonso Esteves

da Silveira era o chefe da estação de Estância e resolveu isolar a linha de Aracaju, logo

depois que soube do que aconteceu na capital. Mas quando Manuel Ferreira assumiu a

estação de Estância retomou o contato com Aracaju. Ele recebeu dois telegramas

enviados por Maynard. Com a chegada das tropas legais na cidade, Manoel Ferreira

precisou dissimular.

Agindo com astúcia Manuel Ferreira aproveitava ocasiões oportunas para

continuar enviando informações para Aracaju. Fazendo uso de táticas, definidas por

Michel de Certeau como “maneiras de fazer” que assinalam “vitórias do ‘fraco’ sobre o

237 Cf. SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. 238 DARNTON, Robert. As notícias em Paris: uma pioneira sociedade da informação. In: Os dentes falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 40.

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‘forte’” 239, Manuel Ferreira procurava brechas para manter os rebeldes informados

sobre a movimentação dos legalistas em Estância.

O telegrafista Joaquim Gordo chegou com os reservistas e observou que no dia

28 de julho Manoel Ferreira estava interessado em saber se Aracaju já havia respondido.

Como a resposta foi negativa, ele foi até o aparelho de Aracaju e se comunicou com a

estação. Joaquim Gordo quis saber o que Aracaju havia perguntado, pois Manoel

Ferreira ao invés de responder apenas “boa noite”, ao “boa noite” de Aracaju, enviou

uma frase maior. De acordo com Joaquim Gordo, o colega disse que Aracaju

perguntava se havia tropas em Estância. “Joaquim tomou o aparelho de Manoel e

respondeu negativamente, sem assinar, ‘ao que Aracaju (...) respondeu, mais ou menos:

seja franco v. está aí em confiança da Junta’”240.

Manoel Ferreira não se intimidou com o flagrante e acabou sendo retirado da

estação. Marçal Nonato justificou a dispensa do telegrafista porque além de ter sido

surpreendido enviando informações para Aracaju, o general percebeu que quando

transmitia instruções secretas ao comandante das operações no norte “o telegrafista

Ferreira procurava, com interesse, se aperceber da comunicação aludida, visto a curiosa

insistência com que, sob qualquer pretexto, procurava se aproximar do aparelho em que

a transmissão se fazia”241. Por isso, foi afastado do serviço da estação. Mas o moço não

se deu por vencido.

O mesmo Manuel Ferreira serviu de espião em Itabaianinha, transmitindo à

Junta Militar, informações sobre a marcha das forças legais que vinham do sul. Nos

últimos dias da sedição, o telegrafista retomou o cargo de fiscal na estação do telégrafo

Nacional em Aracaju. Mas esse não foi o único telegrafista a serviço do levante. Desde

o dia 13 de julho, a Junta Militar escolheu Lourival Luz Bispo para ser o responsável

pela estação na capital. Além de expedir telegramas para o interior do estado e para

Maceió, Lourival Luz ainda seguiu para Itabaianinha com uma tropa e intercalou o

telegrafo de Geru “para colher a correspondência vinda da Bahia e estabelecer ligação

direta com Aracaju”242.

239 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 47. 240 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1. p.42. 241 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1. p.43. 242 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1. p.43 – 44.

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De qualquer maneira, o cerco aos rebeldes começava a se fechar. Enquanto

tropas lideradas pelo general Marçal Nonato se posicionavam ao sul; ao norte estavam

sendo organizados batalhões e pelo oeste os moradores de Aracaju presenciariam o

suposto aparecimento de uma embarcação.

O navio fantasma: ofensiva pelo oeste

O destróier Alagoas, foi colocado à disposição do general Marçal Nonato. Mas

ao invés de ter sido designado para o transporte de pessoas, armas ou mantimentos, o

navio recebeu a missão de aparecer na barra de Aracaju com a intenção de provocar

alvoroço na cidade. Antes disso acontecer, no dia 22 de julho, o vapor Itapoã ancorou

na capital. O navio havia partido do Rio de Janeiro no dia 16 de julho e até essa data a

informação sobre a revolta em Sergipe não havia se alastrado. O comandante da

embarcação não quis fazer declarações sobre os últimos acontecimentos militares, mas

deixou escapar que em São Paulo os rebeldes ainda não haviam sido dominados. Na

capital federal, estava tudo tranqüilo.

Um dia depois da chegada do Itapoã, as ruas do centro de Aracaju se agitaram

com a movimentação de pessoas que queriam ver o “navio fantasma”. No dia 23 de

julho o Alagoas chegou perto da barra e recuou até que os aracajuanos o perdessem de

vista. Alguns chegaram a duvidar se realmente o vaso de guerra apareceu ou não. O

tenente Maynard chegou a convocar os capitães-tenentes Frederico Soledade,

responsável pelo Porto, e Afonso Albuquerque, comandante da Escola de Aprendizes

Marinheiros, para embarcar na lancha Nanette e seguir com destino à Atalaia. Porém

Maynard seguiu para alto mar acompanhado apenas pelo prático da barra Waldemiro

Ribeiro dos Santos. O prático foi levado na lancha para que “fizesse subir ao ar um

foguetão caso o tenente Maynard ficasse prisioneiro naquele vaso de guerra, para que as

baterias de terra rompessem fogo contra o destróier” 243.

Do posto localizado na Atalaia, onde se achavam os oficiais, foram feitos à

embarcação os sinais “barra impraticável” e “barra minada”. Essas informações foram

retransmitidas pelo comandante do Alagoas para o general que estava a bordo do Íris. A

243ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 1. p.35.

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partir disso deduziram que os rebeldes continuavam hostis. Nas ruas a curiosidade e o

medo levaram a população a procurar informações sobre o “navio fantasma”.

Eram aproximadamente dez horas.

Ouviam-se sussurros a recrudescer na rua. Os tipógrafos

empastelaram logo os caixotins. Chegamos à porta e olhamos para a

rua. Movimento desusado. Soldados a correr. Civis apressados.

- É ele! É ele!

Ele quem? Fomos à rua onde várias casas comerciais se achavam

fechadas, hermeticamente fechadas.

Inquirimos logo a um sujeito de gola, que parecia da praticagem.

Soubemos logo: tratava-se de um destroyer que aparecera na barra.

Os morros estavam apinhados de gente para espiar o bicho.

Mais tarde, viemos a saber que o destroyer n.6, “Alagoas”, chegara à

barra, mas se afastara consideravelmente244.

A aparição do Alagoas na barra de Aracaju acendeu nos revoltosos a esperança

de que o estado vizinho também houvesse aderido ao movimento iniciado em São

Paulo. Acreditavam inclusive que o exemplo de Sergipe tinha contribuído para isso.

Animados, conjeturavam que “se realmente Alagoas aderiu, forma com Sergipe em

bloco revolucionário e será mais difícil para o governo federal combatê-lo”245. Logo

nos primeiros dias da revolta, os membros da Junta enviaram telegramas para várias

unidades militares convocando os camaradas à rebelião. Por isso os oficiais rebeldes

pensaram que a aparição do Alagoas seria uma resposta positiva à mensagem enviada

dias atrás. Ledo engano.

Passada a euforia inicial, foram tomadas providências para defender a cidade. Na

noite do dia 23 o farol de Aracaju foi apagado pelo 1º faroleiro Tertuliano Ferreira. Dois

praças passaram a guardar e dormir no local. O aparecimento do Alagoas assustou a

população e o êxodo para o interior aumentou. A Junta Militar solicitava calma e

assegurava que, caso houvesse um combate, avisaria e forneceria os meios para que

quem não estivesse envolvido na luta pudesse sair da cidade. Na Bahia, os jornais

informavam sobre a organização de “batalhões patrióticos” para combater em Sergipe.

244 DESTRÓIER-FANTASMA. Correio de Aracaju. Aracaju, 24 Jul. 1924, p. 1. 245 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. Aracaju, 23 de Jul. 1924, p.1.

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O “batalhão patriótico” organizado no norte

Enquanto a polícia baiana e as tropas do 21º e 22º BC percorriam as cidades na

parte sul do estado, os homens do coronel Francisco Porfírio estiveram em Capela (67

km de Aracaju), mas não permaneceram na cidade. De acordo com os jornais em

circulação, Capela retomava sua tranqüilidade habitual desde que os “cangaceiros”

enviados por Francisco Porfírio haviam se retirado. Por outro lado, o Correio de

Aracaju confirmava a notícia de que havia uma força policial alagoana em Villa Nova

(atual Neópolis, 121 km de Aracaju), e em Penedo. Em Aracaju, comentava-se que um

oficial baiano comandava “os cangaceiros do coronel Francisco Porfírio”, mas nada

estava confirmado.

Enquanto isso, o capitão Áureo de Carvalho Santa Rosa, da polícia alagoana,

comandava 150 praças da mesma força concentrados em Penedo. E em Propriá, Hercílio

Britto, intendente municipal e filho do coronel Francisco Porfírio, organizava um

batalhão com 200 homens, que seria comandado por Antonio Britto, seu irmão. No

conjunto essas tropas estavam sob as ordens do tenente-coronel Victalino Candido de

Almeida, oficial baiano. Essa força deveria marchar sobre Aracaju junto com as tropas

do sul246.

Na capital, a população andava alarmada com as notícias que circulavam de

cidade em cidade. Em Propriá os filhos do coronel Francisco Porfírio organizavam um

batalhão com 200 homens, e isso não era exatamente um segredo. No entanto, em todo

o estado espalhava-se o “boato idiota de que o coronel Francisco Porfírio fazia marchar

cerca de dois mil cangaceiros contra Aracaju. Mas vejam só: 2.000 cangaceiros de

mentira!”247. Com essa notícia o Correio de Aracaju desqualificava a tropa

arregimentada por Francisco Porfírio. Ao afirmar que os 2 mil homens não passavam de

um embuste, o periódico procurava tranqüilizar a população e os praças ao lado dos

rebeldes, transformando o batalhão organizado por Francisco Porfírio em motivo para

piada. A imprensa desempenhou um papel de destaque na revolta de 13 de Julho.

A historiadora Tania Regina de Luca chama atenção para a importância da

imprensa em diferentes momentos da história nacional. A historiadora afirma que “a

246 O general Marçal Nonato recebeu ainda um contingente que recebeu o nome de “Batalhão Barão Santa Rosa”, mas essa força não chegou a atuar junto às demais tropas para liquidar a revolta em Sergipe. Cf. SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. 247 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES.Correio de Aracaju. Aracaju, 22 Jul. 1924, p.1.

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discussão em torno do estatuto do que se publica na imprensa periódica já foi – e

continua sendo – objeto de acirradas polêmicas”248. O conteúdo das publicações do

Correio de Aracaju e do Diário Oficial não distinguia notícia e interpretação. Todas as

informações publicadas por estes dois jornais durante o levante procuravam atribuir um

juízo positivo à movimentação dos rebeldes. Por essa razão também esses jornais não

sofreram nenhuma censura.

Apesar de afirmar estar lutando pelo bem da nação, e portanto, do povo, os

líderes da revolta não admitiam críticas. No dia 26 de julho o Diário Oficial divulgou

que a Junta Militar estava “disposta a punir os boateiros que tanto mal têm feito ao povo

de Aracaju e demais cidades do interior, levando o terror às famílias e produzindo toda

espécie de alarme”249. Essa medida foi tomada depois que a notícia anônima sobre os

“dois mil cangaceiros” que seriam enviados por Francisco Porfírio correram

publicamente.

Eronides de Carvalho pensou ir para a sede da Região Militar na Bahia, mas

desistiu porque soube da mobilização da família Britto, em Propriá. Decidido a ajudar

no restabelecimento do poder legal em Sergipe, o oficial ofereceu seus serviços

profissionais. E enquanto Eronides pousava de estandarte da justiça se aliando aos

coronéis, importantes lideranças políticas no interior, em Aracaju a situação era outra.

Diariamente a Junta Militar publicava edital convocando-o a se apresentar ao 28º BC,

sob pena de passar a desertor. O capitão Eurípedes comunicou que

Achando-se ausente deste quartel, desde o dia 13 do corrente, o sr. 2º

tenente médico dr. Eronides Ferreira de Carvalho, em serviço nesta

unidade, sem motivo justificado, convido-o a comparecer a este

batalhão, sob pena de ausência e conseqüente exclusão pelo crime de

deserção, de acordo com a lei250.

Em Propriá, Eronides de Carvalho auxiliava a tropa comandada pelo tenente-

coronel Victalino de Almeida. Este oficial desembarcou em Penedo às 10 horas do dia

20 de julho, sendo recebido por Hercílio Britto, a quem entregou 30.000 cartuchos.

Depois disso, passou 25.600 cartuchos às mãos do capitão Santa Rosa, obedecendo às

248LUCA, Tania Regina de. Fontes Impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 139. 249 NOTICIÁRIO. Diário Oficial . Aracaju, 26 Jul. 1924, p. 1. 250 EDITAIS. Correio de Aracaju, Aracaju, 17 jul. 1924, p. 5.

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ordens emitidas pelo general Marçal Nonato. Partiram nesse mesmo dia para Propriá,

onde chegaram às 22h. No dia seguinte desencaixotaram, limparam e testaram 200

carabinas. Esperaram reforços até o dia 24, quando Hercílio Britto mandou 100 homens

para Japaratuba. Hesitante, o tenente-coronel Almeida conversou com Hercílio Britto e

seu pai sobre

o grande inconveniente de ter essa gente seguido sem a mínima

instrução e explicação do manejo do fuzil Mauser demonstrando-lhe o

mesmo receio de que ferissem os próprios companheiros.

Tranqüilizaram-me alegando que independente de instrução e

explicação, o pessoal manejaria um fuzil, pois todos eram já afeitos ao

manejo da Mauser, em vista do que, determinei a partida do Capm.

Santa Rosa, de Penedo para aquela Villa251.

Os ideais defendidos pelos oficiais rebelados ameaçavam diretamente o poder

exercido pelos “coronéis” no interior do Brasil. As mudanças que a revolta militar

pretendiam impor à política nacional poria fim à dominação tradicional exercida por

homens como Francisco Porfírio. Na perspectiva weberiana, a dominação tradicional é

aquela na qual a autoridade é reconhecida pelo “antigo” e por “uma orientação habitual

para o conformismo”252. Nesse sentido, qualquer perspectiva de renovação no modelo

do sistema político vigente abalaria a autoridade dos “coronéis”. Daí tanto empenho em

liquidar a revolta em Sergipe.

No dia 26 cerca de oitenta cavaleiros, incluindo Victalino de Almeida, Hercílio e

Antonio Britto, o deputado e coronel José Rodrigues de Lima, e Eronides de Carvalho,

este numa ambulância médica, percorreram 12 léguas de Propriá a Japaratuba,

acampando ali às 23 horas. Nesse momento o efetivo ao lado dos legalistas contava com

332 homens, sendo 4 oficiais, 117 praças e 20 paisanos da polícia de Alagoas e 195

homens do “Batalhão Hercílio Britto”. Armados com fuzil, comblain e rifle,

estabeleceram uma linha de defesa em diversos postos, alguns entrincheirados,

especialmente na estação férrea de Japaratuba e a 2 quilômetros da vila.

251 GOMES, Augusto Maynard. A revolução em Sergipe: resposta ao Sr. Graccho Cardoso, 1ª parte. Aracaju, 1925. p. 32. 252 WEBER apud QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; Oliveira, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995, p. 121.

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Os rebeldes estavam entrincheirados no Carmo (hoje Carmópolis, cidade 47 km

distante de Aracaju). Secretamente o tenente-coronel Almeida enviou pessoas para

sondar o local. Era preciso ter noção da força necessária para enfrentar o inimigo. O

tenente Soarino deveria estar à frente dos rebeldes no Carmo e em Rosário, mas o

oficial não chegou a assumir esse comando porque os seus serviços foram requisitados

em Itaporanga253. Os homens do chamado “setor Norte” eram comandados por

sargentos instruídos pelos líderes da revolta a partir de despachos telegráficos emitidos

de Aracaju.

Mesmo diante das notícias confirmadas de que tropas legalistas se

movimentavam pelo interior do Estado, os rebeldes não desanimaram. No dia 27 de

julho um canhão de alto calibre, batizado com o nome de “Sergipe”, percorreu as ruas

de Aracaju. A arma foi pintada “com as cores brasileiras: verde, amarelo, branco e azul”

e “grande massa popular acompanhou alegremente todo o percurso”254. No dia 29 o

trem estava pronto para seguir conduzindo esta arma de guerra e munição para Rosário.

Nesse mesmo dia o canhão batizado “A união faz a força” seguiu para o norte.

Os nomes atribuídos aos canhões eram representativos. Roger Chartier lembra

que existem diferentes sentidos para o termo “representação”. Um deles é o da

representação simbólica que “consiste na representação de um pouco de moral através

das imagens ou das propriedades das coisas naturais (...) O leão é o símbolo do valor; a

esfera, o da inconstância; o pelicano, o do amor paternal”255. Dessa maneira, ao utilizar

as nomeações “Sergipe” e “A união faz a força” nos canhões, os rebeldes procuravam

despertar na população e nos praças um sentimento patriótico e nativista

Tudo o que estava ao alcance dos rebeldes para atrapalhar os batalhões

organizados pelos coronéis foi feito. As embarcações que faziam o tráfego dos rios

Sergipe, Cotinguiba e Canhamroba foram recolhidos à barra de Aracaju para dificultar o

transporte de forças legais que vinham pelo norte. Ainda nesse setor, um tiro de canhão

foi disparado “num matagal, próximo ao local onde se encontravam as forças inimigas,

provocando-lhe pânico e espetacular debandada”256. Mas isso não seria suficiente para

fazê-los desistir.

253 Cf. ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25 254 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. Aracaju, 28 Jul. 1924. p.1. 255 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad.: Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Ed. DIFEL, 1990. p. 20. 256 DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. p. 130.

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Canhões utilizados pelos rebeldes durante a revolta de 13 de Julho de 1924 em Sergipe

Fonte: Arquivo Geral do Judiciário em Sergipe

Fonte: Arquivo Geral do Judiciário em Sergipe

Fonte: Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura

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No dia 29 mais 14 homens e uma ambulância se uniram à coluna dos legalistas.

Cento e cinquenta homens, sendo 80 praças sob as ordens dos segundos tenentes João

Luiz de Medeiros e Joaquim Vicente Ferreira e 70 homens do “batalhão Hercílio Britto”

comandados pelo capitão Francisco Correia de Britto, avançaram 9 quilômetros de

Japaratuba em direção ao Carmo, onde acamparam. O tenente-coronel Almeida recebeu

um bilhete do tenente Medeiros anunciando que haviam chegado reforços para os

revoltosos e os 150 homens de que dispunha eram insuficientes para levar um ataque

adiante. Diante disso, Victalino de Almeida mandou mais 100 “patriotas” para reforçar

a coluna do tenente Medeiros. Este oficial reclamou que os homens do tal batalhão

Hercílio Britto demonstravam má vontade, e o tenente-coronel Almeida admitiu que já

tinha conhecimento disso pois havia sido informado pelo capitão Santa Rosa

que grande número dos tais patriotas eram criminosos reincidentes,

processados e perseguidos pela polícia de Alagoas, sendo que os seus

oficiais eram mal vistos e odiados por muitos dos cangaceiros aos

quais tentaram sempre prender; por sua vez chegou-me também ao

conhecimento de que os referidos patriotas receavam ser visados pelos

fuzis dos policiais alagoanos e por isso recusaram-se a seguir para a

linha de frente257.

De fato, o “batalhão de patriotas” organizado no interior de Sergipe era formado

por homens que já haviam infringido a lei. Daí não se combinarem com os policiais que

faziam parte da mesma tropa. Apesar disso, oficialmente, estavam unidos em torno do

mesmo ideal, que era conter a ação dos rebeldes sergipanos. Policiais e criminosos

estavam ligados nessa formação social, o batalhão, por dependências recíprocas. Esses

homens estavam no que Norbert Elias258 define como configuração. É o equilíbrio entre

os indivíduos de uma formação social que faz com que a configuração exista. Por isso,

Elias afirma que a determinação dos modos de conduta no interior de uma configuração

interferem na continuidade das tensões que movimentam e perpetuam a existência dessa

configuração.

257 GOMES, Augusto Maynard. A revolução em Sergipe: resposta ao Sr. Graccho Cardoso, 1ª parte. Aracaju, 1925. p. 34. 258 Sobre configuração ver: ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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O tenente-coronel Almeida e os demais oficiais tiveram trabalho para manter, ao

menos a aparência de que dirigiam uma tropa unida. E, independente da desconfiança

gerada entre os elementos desse grupo, todos recebiam alimentação, armas e um soldo,

uma vez que estavam a serviço do governo. Desses elementos exigia-se apenas que

soubessem manejar armas de fogo. O tenente-coronel Almeida precisava dessa força,

mas não dispunha de tempo e condições apropriadas para ministrar qualquer tipo de

instrução. Dessa maneira, seguiam todos carregando armas e desconfiança mútua a tira-

colo.

Geralmente quando se pensa numa situação de guerra, imagina-se que o

comandante do batalhão é o responsável por cumprir a ordem dada, e que a tropa é um

grupo disciplinado e unido num só bloco, atento aos desígnios do seu chefe. Mas as

coisas não funcionam bem assim. Clausewitz chama atenção para o fato de que “o

batalhão é sempre a agregação de um certo número de homens em que o mais

insignificante é capaz, por pouco que o acaso intervenha, de provocar uma parada ou

uma irregularidade”259. E no caso do “batalhão patriótico” comandado pelo tenente-

coronel Almeida não se tratava de apenas um elemento que poderia gerar discórdia no

seio da tropa. Na verdade o oficial precisava agregar dois grupos que faziam questão de

conservar suas diferenças. Isso poderia gerar, em algum momento, sérias dificuldades.

Os ditos “patriotas”, por exemplo, se recusavam a obedecer a ordem de seguir à frente

dos policiais.

Estavam todos num clima de receio quando por volta das 22h do dia 29 chegou

em Japaratuba o tenente João Luiz de Medeiros “a pé, esbaforido e visivelmente

agitado, após uma forçosa marcha do Carmo até ali”260 acompanhado pelo capitão

Francisco Correia de Britto, praças de Alagoas e “patriotas”. Eles foram atacados à

tarde, justamente quando chegava o reforço. A tropa auxiliar não teve tempo de se

posicionar junto aos outros. O tenente Medeiros relatou que não sabia o que teria

acontecido aos companheiros que ficaram cercados pelos rebeldes, que contavam com

cerca de 300 homens no Carmo. Diante dessa situação, os legalistas decidiram recuar

até Japaratuba.

Apesar da aparente vantagem sobre as tropas legalistas, o capitão Eurípedes

aconselhava cautela. O líder revoltoso recomendou ao sargento Mattos que não perdesse

259 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 84. 260 GOMES, Augusto Maynard. A revolução em Sergipe: resposta ao Sr. Graccho Cardoso, 1ª parte. Aracaju, 1925. p. 34.

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ligação jagunços vista a todo transe se apodere vem estação ai afim de

transmitir informações sobre movimento nosso pessoal e bandidos.

Ciente ataque Carmo aconselho prudência afim evitar desastre.

Pólvora seguirá primeira oportunidade. Providenciaremos sobre água

Maruim.261

Ao entardecer do dia 30 os homens do “batalhão Hercílio Britto” espalharam

pelo acampamento que havia mais de 400 homens entre os revoltosos para atacá-los.

Essa notícia foi confirmada por Pedro Freire de Carvalho, então prefeito de Aracaju (ex-

governador de Sergipe, e político influente em Annápolis, atual Simão Dias), ao chegar

do engenho do seu sogro no Carmo. O mesmo informante disse ainda que além do

Carmo, os rebeldes seguiam em direção a Propriá. Imediatamente os irmãos Britto

procuraram o tenente-coronel Almeida e declararam que partiam com seus “patriotas”

com a intenção de defender seu pai, que possivelmente seria vitima de ódios. No

momento em que souberam que Francisco Porfírio poderia ser atacado pelos rebeldes, o

patriotismo dos irmãos Britto foi colocado em segundo plano.

Entre os rebeldes a notícia da vitória no Carmo repercutiu positivamente. Ainda

assim os líderes da revolta recomendavam cuidado. Até porque os rebeldes estavam

tendo problemas de logística. A tropa estacionada em Maruim precisava de água

potável. A Junta Militar tinha muitos assuntos a resolver. Então o capitão Eurípedes

sugeriu cautela e ordenou ao sargento Mattos que

Uma vez tomada Vila Carmo deveis conservá-la nosso poder

mantendo ali apenas pequenas avançadas conservando nosso aí

recomendando entretanto máxima vigilância para frente e perfeita

ligação com jagunços afim evitar emboscadas.

Deveis adotar senha para reconhecimento nosso pessoal outro sim

ativai esforços afim capturar chefes jagunços caso haja nosso encontro

agindo muita cautela262.

261 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2497 (1924), vol. 11. p. 1523. 262 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2497 (1924), vol.11, p. 1515

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A tropa legalista, dividida como estava, tornou-se um alvo suscetível à ação dos

rebeldes. Estes haviam chegado antes ao Carmo, ocupando as melhores posições. Além

de contarem com elementos treinados para agir numa situação como essa, os rebeldes

aproveitavam tudo o que os favoreciam e atacaram, de surpresa, a parte fraca do

inimigo. Numa situação de guerra “espiões, velocidade, simulação, enganos e ataques-

relâmpago a parte fraca do inimigo”263 podem culminar em completo sucesso. Isso sem

contar que o terreno em que estavam era conhecido pelos sergipanos, ao passo em que

era estranho a muitos dos policiais e “patriotas” trazidos de Alagoas.

Na edição do dia 31 de julho, o Correio de Aracaju confirmava a vitória dos

revoltosos sobre os legalistas que estavam no Carmo. Segundo o jornal “os soldados

sergipanos depois de atacarem fortemente a jagunçada, destroçando-a”, apoderaram-se

do Carmo, e “dizem haver mortos e feridos da parte dos Cangaceiros”264. Com toda essa

movimentação pelo interior do estado “os saveiros voltam de Laranjeiras, Maruim e

Riachuelo cheios de famílias, voltando Aracaju à vida normal”265. Sentindo-se insegura,

a população ia da capital ao interior, e do interior de volta à capital na tentativa de fugir

de um confronto armado entre revoltosos e legalistas.

4. O confronto final, que, aliás, não houve

Em Aracaju comentava-se que o 20 e 21º BC, estavam em Estância, já outros

diziam que a força desembarcada era constituída pelo 22º BC, que ia reunir-se à força

da polícia baiana para uma ação conjunta. No sul do estado, Marçal Nonato recebeu

oferta de ajuda em nome de Pedro Freire de Carvalho, prefeito de Aracaju. No dia 30 de

julho o Quartel General legalista foi transferido para Tijupeba, cerca de 12 km de

Itaporanga. E no dia seguinte o 20, 21 e o 22º BC chegaram ao local. No dia primeiro de

agosto decidiram atacar Itaporanga, principal reduto dos revoltosos. Ali os insurretos

contabilizavam aproximadamente 700 homens266.

O primeiro objetivo de Marçal era tomar a ponte da estrada de ferro sobre o rio

Xinduba, defendida pelos rebeldes. O segundo era tomar a estação de Itaporanga, e o

263 TZU, Sun. A arte da guerra. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 18. 264 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. Aracaju, 31 Jul. 1924, p.1. 265 OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS MILITARES. Correio de Aracaju. Aracaju, 31 Jul.1924, p. 1. 266 Cf. SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924.

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terceiro, apoderar-se do engenho Taperoá. Em seguida, pretendia marchar sobre São

Cristóvão e Aracaju. Entretanto, caso a vida de Graccho Cardoso corresse risco, seria

preciso traçar um novo plano. Além disso, seria prudente evitar o derramamento

gratuito de sangue.

Marçal Nonato pretendia vencer os rebeldes sem lutar contra eles. Essa sem

dúvida era a melhor das soluções, pois como lembra Sun Tzu “dominar o inimigo sem o

combater, isso sim é o cúmulo da habilidade”267. Adotando a estratégia de evitar a luta

armada, o oficial enviou uma intimação, através do coronel da extinta Guarda Nacional

Alfredo Franco, ao tenente Maynard. Eis os termos do documento

Sr. 1º tenente Augusto Maynard Gomes:

Quis o destino que ao vosso velho comandante incumbisse a missão

de atacar forças sob o vosso comando. Irão se degladiar, assim, forças

do Exército Nacional que, unidas, deviam defender a sua Pátria contra

o estrangeiro e não se exterminarem inutilmente.

Como camarada, devo dizer-vos que estou fortemente aparelhado para

atacar as vossas forças, e que as unidades do Exército e das forças

auxiliares sob o meu comando estão prontas a cumprir rigorosamente

as minhas ordens.

Concomitantes as forças do norte cumprirão o seu dever batendo-se

novamente como for preciso e o destróier “Alagoas” bombardeará a

vossa bela capital.

Já estando terminado o levante de São Paulo, do que posso dar-lhe a

minha palavra de honra, não vejo motivo para que continueis na

posição em que vos colocastes.

Assim espero que desistireis do vosso intento, ora tornado

improdutivo ao fim que vos propusestes.

Caso contrário, serei obrigado atacar com toda energia, esperando,

porém, que não tomareis sobre os vossos ombros a responsabilidade

exclusiva do derrame inútil do sangue de tantos brasileiros, a viúves, a

orfandade, a desolação que sem piedade ocasionareis.

Peço resposta urgente.

Saúde e fraternidade.

267 TZU, Sun. A arte da guerra. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 39.

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a) General Marçal Nonato de Faria268.

Não obstante o capitão Eurípedes ter assumido o comando do 28º BC, e de ser

este oficial o detentor da patente mais alta entre os membros da Junta Militar, a

intimação foi endereçada ao 1º tenente Maynard Gomes. Isso não aconteceu por acaso.

Marçal Nonato já conhecia Maynard e seu espírito de liderança. Além disso, o general

estava bem informado sobre a movimentação dos oficiais rebeldes.

Augusto Maynard não era exatamente o dono da liderança racional, mas sim da

carismática. Legalmente os rebeldes não podiam ser considerados os representantes do

estado, mas com a revolta, a conseqüente constituição da Junta Militar, e obedecendo os

códigos de autoridade vigentes no Exército, a intimação deveria ter sido enviada ao

oficial com o posto mais elevado. Nesse caso, o capitão Eurípedes. Apesar disso, o

tenente Maynard tinha sua legitimidade reconhecida por sua força pessoal, e aparecia

como o “herói carismático”, definido por Max Weber como aquele “que não deduz a

sua autoridade de códigos e estatutos, como ocorre com a jurisdição do cargo; nem

deduz sua autoridade do costume tradicional ou dos votos de fé, como no caso do poder

patrimonial”269.

O tenente Maynard tomava a frente em todos os assuntos da revolta.

Pessoalmente, o oficial instruiu pessoas a agirem no sentido de promover o levante.

Carismático, o tenente conseguiu que muitos o ajudassem espontaneamente. E quando

sua simpatia pessoal não eram suficientes, utilizava a força como meio de

convencimento. Sendo assim, Marçal Nonato não teve dificuldade em reconhecer o

líder da revolta em Sergipe. Apesar dos quatro oficiais terem se constituído numa Junta

Militar, não restava dúvida de que o tenente Maynard era o mais influente de todos.

E embora a expressão “camarada” tenha sido utilizada na intimação, os termos

do documento não eram amigáveis. Ao contrário. O general Marçal Nonato ameaçava

atacar Aracaju por terra e mar, caso os rebeldes não se rendessem. No caso do conflito

se concretizar, toda culpa sobre as eventuais mortes recairia sobre o tenente Maynard.

Pelo menos era isso que insinuava a intimação.

O documento informava ainda que o movimento em São Paulo havia sido

liquidado. E, de fato, desde a madrugada do dia 28 de julho os rebeldes paulistas

268 SERGIPE. Operações de Guerra no Estado (1924: FARIA). Relatório apresentado ao Exm. Sr. Marechal Ministro da Guerra pelo General Marçal Nonato de Faria em 1924. Aracaju, 1924. p. 16 – 17. 269 WEBER, Max. 5 ed. A sociologia da dominação carismática. In: Ensaios de sociologia. Org. intr. H.H. Gerth & Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 171 - 176. p. 173.

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haviam se retirado para o interior, decretando assim o fim da rebelião na capital de São

Paulo270. Contudo, os oficiais sergipanos não acreditaram na notícia, mesmo tendo sido

acompanhada por jornais e telegramas oficiais. Para ter certeza de que os paulistas

haviam sido derrotados, os sergipanos exigiram se comunicar diretamente com os

líderes da revolução em São Paulo. Ainda na tarde do dia 2 de agosto o capitão

Eurípedes enviou um despacho telegráfico para o Sargento Mattos, em Rosário. No

comunicado, o capitão Eurípedes dizia que Marçal Nonato havia mandado uma

intimação afirmando que o “movimento S. Paulo fracassou porém não acreditamos”271.

Marçal Nonato acreditava os revoltosos sergipanos se desanimaram quando

souberam do fracasso dos paulistas. E, a essa altura, as forças ao lado dos legalistas

eram superiores às dos rebeldes. Concomitante à sua estratégia de vencer sem lutar,

Marçal Nonato esperou pela resposta do tenente Maynard que o coronel Franco deveria

levar às 4h da tarde do dia 2 de agosto. Isso não aconteceu. Mas nesse dia elementos da

polícia e do 21º BC trocaram tiros, por cerca de 30 minutos, com revoltosos que

estavam em Água Bonita, a poucos quilômetros de Itaporanga. Não houve mortos ou

feridos de nenhuma das partes. Porém, depois desse episódio, 25 revoltosos se

renderam. Para estes terminava aí a revolta em Sergipe. Para outros, a história seguia.

O coronel Franco não compareceu ao encontro marcado com o general Marçal

Nonato, mas as notícias que corriam anunciavam a vitória sobre os insurretos. Depois

que os 25 rebeldes foram apreendidos em Água Bonita, um menino foi levado à

presença do tenente-coronel Toscano de Britto, comandante do 21º BC, declarando-lhe

que os revoltosos haviam abandonado Itaporanga. Notícia que mais tarde foi confirmada

por um civil adulto.

Os legalistas ocuparam Itaporanga e Marçal Nonato fez um pronunciamento na

praça da cidade. Para os líderes do movimento em Sergipe, a revolta terminou quando

eles se deram conta de que não poderiam lutar contra as tropas lideradas pelo general

Marçal Nonato de Faria e decidiram deixar Aracaju.

Quanto aos praças que estavam ao lado dos rebeldes, não receberam explicações

sobre o início do levante e nem todos foram instruídos sobre a maneira como deveriam

agir com o fim da insurreição. Às 17h do dia 2 de Agosto o 1º tenente Maynard

270 Os rebeldes paulistas também não sabiam, até o dia em que deixaram a cidade de São Paulo, que já havia eclodido rebeliões militares em Sergipe e no Amazonas. Cf. MORAES, João Quartim de. 2 ed. A esquerda Militar no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2005. 271ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2497 (1924), vol. 11.p. 1518

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telegrafou ao sargento Mattos, em Rosário, para informar que “vitimas de uma traição

fracassou nosso ideal. Aconselho-o como praça de pré que é e portanto sem

responsabilidade a voltar com todo o pessoal para o quartel”272. O sargento Mattos, por

sua vez, iria transmitir a notícia aos demais praças sob o seu comando em Rosário e no

Carmo.

No quartel do 28º BC, em Aracaju, os líderes do levante comunicaram que não

havia mais o que fazer e que não tardaria para que Marçal Nonato adentrasse à cidade,

acompanhado por tropas enviadas pelo Governo Federal. Feito isto, os oficiais deixaram

o quartel no início da noite. Os soldados não sabiam como agir. Atônitos, alguns

permaneceram no 28º BC, e outros fugiram imediatamente.

Para que os prisioneiros não soubessem o que se passava, as janelas internas da

prisão foram fechadas durante a tarde. Era noite, os membros da Junta Militar já haviam

deixado o quartel, mas as autoridades continuavam reclusas ao 28º BC273. Até que, por

volta das 19:30h um grupo liderado por um sargento subiu e gritou que a revolta

fracassara porque eles haviam sido traídos. Em seguida, os praças desceram as escadas

correndo e os prisioneiros arrombaram a porta, libertando-se. Nesse momento o levante

chegara ao fim, ao menos para os ex-prisioneiros ilustres.

Em São Cristóvão a novidade chegou ainda durante a noite do dia 2 de agosto.

As reações à notícia foram as mais diversas, mas nenhuma foi tão inusitada quanto a do

médico da polícia Carlos Menezes. Ele estava na cidade à frente do hospital de sangue e

andava armado com uma pistola parabellum. Porém, na noite em que chegou a notícia

da derrota dos rebeldes “o doutor Carlos de Menezes foi ao quartel das forças

sediciosas, no antigo Palácio do Governo, de onde retirou dois fuzis mauser, saindo com

eles para o Banho Morno, onde chegando começou a fazer disparos, alarmando toda a

população da cidade”274.

Entre os civis, moradores de Aracaju e dos demais municípios sergipanos, ainda

não se sabia exatamente o que estava acontecendo. No dia seguinte, 3 de agosto, o

comandante das tropas legais marchou com as forças do sul para Aracaju. O 20º BC foi

na frente e não encontrou nenhum rebelde pelo caminho. Marçal Nonato determinou

272 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2497 (1924), vol. 11. p. 1528. 273 Desde o dia 25 de julho os oficiais da polícia que haviam sido presos pelos rebeldes foram libertados. Os líderes da revolta os libertaram depois de fazê-los prometer que não pegariam em armas. Cf. A REVOLUÇÃO, AS ÚLTIMAS NOTÍCIAS. Correio de Aracaju. Aracaju, 25 Jul. 1924, p. 4. 274 ARQUIVO GERAL DO JUDICIÁRIO/ARACAJU. 1ª V. Criminal – Apelação Criminal .Cx. 2497 (1924), vol. 11. p. 1461.

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que o 22º BC permanecesse em Itaporanga, deu ordens para que o 20º BC marchasse

sobre São Cristóvão e mandou que o 21º BC fosse para Aracaju.

Somente no dia 3 de Agosto, quando parte do 21º BC acompanhado pelo general

Marçal Nonato e policiais baianos adentrou à capital é que os moradores começaram a

acreditar que a revolta em Sergipe havia sido liquidada. O próprio general só teve a

certeza de que o motim havia terminado quando ocupou Aracaju sem enfrentar

resistência. Outros só acreditariam que o levante acabara quando os jornais anunciaram

o fato.

Rapidamente a notícia se espalhou. Os rebeldes sergipanos foram derrotados. E,

nesse ponto mostravam sintonia com os paulistas, que haviam sido vencidos dias antes.

Dentre os fatores que contribuíram para a vitória das tropas legais em Sergipe pode-se

destacar o isolamento dos rebeldes. Sem comunicação com os insurretos em São Paulo,

e com as demais regiões, os oficiais estavam um passo atrás das tropas legais.

Chegaram até a duvidar que o movimento havia sido liquidado na capital paulista.

Além disso, os rebeldes não conseguiram o apoio de pessoas influentes no

interior do estado. Os coronéis preferiram se aliar ao general Marçal Nonato de Faria,

responsável por restabelecer a ordem em Sergipe. Analisando o episódio, Ibarê Dantas

destaca o auxílio prestado por esses homens no sentido de acabar com a revolta.

Segundo o cientista político “a revolta de 1924, após 21 dias de domínio dos tenentes,

foi debelada por forças legais de outros estados com a cooperação do coronelismo

local”275. Assim, a política estadual não sofreria transformações e, portanto, o domínio

de pessoas como Francisco Porfírio, em Propriá, permaneceria intocável. No entanto,

não se pode supor que as tensões entre a classe militar e o governo federal tenham se

encerrado pelo fato das revoltas terem sido sufocadas nos anos 20.

Esse texto poderia se alongar para contar sobre a prisão e o julgamento dos

envolvidos no levante. Ainda seria possível estender a análise até a chamada “revolução

de 1930” que assinalou a vitória dos oficiais envolvidos nos levantes dos anos 20. A

maneira como se termina uma história pode interferir na compreensão que o leitor terá

sobre o acontecimento. Pensando nisso, Peter Burke sugere que as narrativas tragam

275 DANTAS, José Ibarê da Costa. 2 ed. O Tenentismo em Sergipe: da revolta de 1924 à revolução de 1930. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade Ltda, 1999. p. 263.

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finais alternativos. Burke acredita que “fechos alternativos tornam a obra mais ‘aberta’,

no sentido de encorajar os leitores a chegarem às suas próprias conclusões”276.

Contudo, o objetivo desse texto não foi caracterizar, rotular ou configurar

pessoas, ações e lugares, mas contar sobre a experiência de vida daqueles que

presenciaram o levante militar de 13 de Julho. E apesar de ter procurado não transmitir

informações como num relatório, as responsabilidades do fazer historiográfico não

foram deixadas de lado. Sendo assim, essa não é a história de homens que venceram ou

perderam, mas a história de pessoas que agiram de acordo com os ideais, compromissos

e obrigações às quais estavam submetidos.

Geralmente a produção de Walter Benjamim é associada à idéia de “uma história

aberta”. Isso não diminui o encargo da narrativa. O próprio Benjamim reconhece que “o

historiador é obrigado a explicar de uma ou outra maneira os episódios com que lida, e

não pode absolutamente contentar-se em representá-los como modelos da história do

mundo”277. Mas é ele também que prefere a narração à informação. Concordando com

Benjamim, esta foi a história que se pôde contar aqui sobre a revolta militar de 13 de

Julho em Sergipe.

276 BURKE, Peter. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In: A Escrita da História . Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade estadual Paulista, 1992. p.338. 277 BENJAMIM, VALTER. O Narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet, Prefácio Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. p. 209.

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Conclusão

Em julho de 1924 Sergipe viveu uma situação inusitada. A agitação se deu por

conta do levante militar, que ficou conhecido como a Revolta de 13 de Julho. E apesar

de estar ligada, idealisticamente, ao movimento rebelde paulista, a insurreição em

Sergipe apresentou características peculiares, devido às circunstâncias em que se

desenvolveu. O sucesso imediato do levante, com o domínio das forças contrárias,

meios de comunicação e deposição do governador possibilitou experiências particulares

aos sergipanos.

Um capitão e três tenentes foram os responsáveis pelo início do tumulto no 28º

BC. Os oficiais, todos do Exército, declararam publicamente que estavam lutando pelo

bem da Nação. Eles pediam uma transformação geral na política, e o fim das ofensas à

classe militar. Para tanto, exigiam a deposição do Presidente Arthur Bernardes. No

entanto, o discurso e as práticas dos rebeldes denunciaram maior preocupação em

resolver os problemas da instituição, os interesses do povo vinham em segundo lugar.

Em Sergipe, a revolta apresentou um caráter militar, e não popular.

As manifestações de apoio ao levante se expressaram, principalmente, sob a

forma do alistamento voluntário. E enquanto muitos se dispuseram a pegar em armas,

outros preferiram não tomar parte na revolta. Alguns aracajuanos deixaram a cidade

com receio de presenciar tiroteios na capital. Isso não chegou a caracterizar uma

desaprovação do levante. As pessoas simplesmente preferiram não se envolver.

Diferente das lideranças políticas do interior, os coronéis, que se colocaram à disposição

do Governo Federal. A possibilidade de que acontecessem mudanças estruturais na

política nacional ameaçava a posição de destaque ocupada por esses homens. Por isso os

coronéis se empenharam em liquidar a revolta em Sergipe.

Dessa maneira, é preciso salientar que este trabalho não esteve voltado para uma

tentativa de despolitizar a revolta de 1924. O próprio objetivo de depor Arthur

Bernardes para moralizar o regime republicano, indicia o desejo dos militares de

intervirem na política nacional. O aspecto político não foi tomado como mote principal

das discussões, mas as tensões das práticas relativas ao estado e à sociedade perpassam

todo o texto.

À frente da administração estadual, os rebeldes não introduziram modificações

de cunho social ou econômico porque esse não era o objetivo do levante. A intenção dos

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oficiais consistia em prestar solidariedade aos paulistas, pois acreditavam que se tratava

de um movimento de caráter nacional. Por outro lado, os rebeldes procuraram ser

reconhecidos enquanto autoridades legais no estado. Mas durante a revolta o tenente

Maynard se destacou como líder carismático. Assim, os oficiais rebeldes oscilaram

entre a legitimidade burocrática que desejavam e a liderança carismática demonstrada

em várias situações. O próprio comandante das tropas legais reconheceu a liderança

exercida pelo tenente Maynard.

A documentação aponta para a existência de uma rede de informações a partir da

transmissão oral. Espiões a serviço dos rebeldes, dos legalistas e pessoas comuns

comentavam sobre a movimentação de homens, veículos e armas por diversas cidades.

As notícias que tanto assustaram a população vinham daí. Já a imprensa fez o caminho

inverso, procurando desmentir notícias e boatos alarmantes. O Correio de Aracaju e o

Diário Oficial, que continuaram funcionando durante o levante, veicularam notícias

favoráveis à ação dos rebeldes.

E por mais que procurasse divulgar seus ideais, os líderes do movimento não

conseguiram esclarecer os fins do levante nem mesmo entre os voluntários. Por outro

lado, as tropas legalistas também não constituíram um grupo tão homogêneo quanto se

possa supor. O “batalhão patriótico” formado por policiais e criminosos de Alagoas

também divergiam entre si.

Através do exemplo sergipano, pôde-se perceber que o movimento rebelde que

pretendia ter um caráter nacional, aconteceu em lugares, períodos e de maneiras

diferentes.

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123

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Livros

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Criminal .Cx. 2496 (1924), vol. 3.

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Criminal .Cx. 2500 (1924), vol. 25.

Outros

28º BATALHÃO DE CAÇADORES. Resumo histórico do 28º Batalhão de

Caçadores. Aracaju.

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