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A CIDADE DAS CHAMINÉS HISTÓRIA DA INDUSTRIALIZAÇÃO DE PESQUEIRA BETÂNIA FLÁVIA CAVALCANTI GALINDO Orientador: José Raimundo Oliveira Vergolino, Ph.D. Dissertação apresentada como requisito complementar para obtenção do grau de Mestre em Administração, do Centro de Pesquisa e Pós- Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem. Recife, 2007

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A CIDADE DAS CHAMINÉSHISTÓRIA DA INDUSTRIALIZAÇÃO DE PESQUEIRA

BETÂNIA FLÁVIA CAVALCANTI GALINDO

Orientador: José Raimundo Oliveira Vergolino, Ph.D.

Dissertação apresentada como requisito complementar para obtenção do grau de Mestre em Administração, do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem.

Recife, 2007

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AGRADECIMENTOS

Foi um trabalho árduo, mas que me fez despertar para a história de minha cidade e

rememorar a época maravilhosa que em Pesqueira vivi.

Sem a importante ajuda de algumas pessoas este trabalho jamais poderia ser

realizado, por isso, a essas pessoas o nosso sentimento de gratidão é imenso.

Agradeço inicialmente ao meu orientador Prof. Raimundo Vergolino, que com seu

criterioso padrão fez com que eu buscasse ao máximo o aprimoramento da dissertação sem,

contudo, alterar a afabilidade com que me tratou.

Agradeço ao Prof. Olímpio Galvão, pelo constante estímulo que me ofereceu,

fazendo-me crer no êxito da realização do curso.

Aos ilustres professores Fernando Dias e Augusto Oliveira, que muito contribuíram

com o meu aprendizado.

A todos aqueles que me ofereceram subsídios através de material e depoimentos, o

que possibilitou o enriquecimento do trabalho.

À Faculdade Boa Viagem, da qual faço parte do quadro, pela aplicada realização do

mestrado.

Agradeço, por fim, aos meus pais, meu marido, familiares e amigos, que sempre me

apoiaram na consecução deste tão desejado objetivo.

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Dedico esta dissertação a uma pessoa

muito especial, Ir. Angélica de Carvalho,

minha mestra e amiga, que representa

todos aqueles que contribuíram para

minha formação moral e intelectual.

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Eu ainda era criança

E já me acostumara a acordar

Com o apito lamentoso das fábricas

Que era o despertador de uma cidade

Que sempre cheirou a doce.

Givanildo Paes Galindo

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RESUMO

Este trabalho estudou a história-econômica de Pesqueira, proeminente

município do interior pernambucano, que durante cerca de um século, por meio de suas

indústrias alimentícias, tornou-se símbolo de pioneirismo e progresso. Dentro desse contexto

examinou-se o surgimento da industrialização brasileira, na qual o município de Pesqueira

representa um capítulo sui generis, pois o processo industrial da cidade ocorreu

concomitantemente com o período de desenvolvimento da indústria nacional, mas com fatores

que a diferenciaram, principalmente, da forma inicial da industrialização nordestina.

Pesqueira, na sua trajetória agroindustrial de doces e de tomate, gerou uma transformação

sócio-econômica singular no Agreste pernambucano, propiciando conseqüências positivas no

cenário econômico do Estado. Os produtos fabris do município tornaram-se conhecidos

nacionalmente e também mundialmente e até os anos de 1950 representava uma das indústrias

mais conceituadas do ramo alimentício. Contudo, da metade do século XX em diante,

Pesqueira, pela soma de vários aspectos negativos, sofreria com o declínio de sua

industrialização. A investigação sobre a origem, apogeu e decadência do processo industrial

pesqueirense se faz, sobretudo, pelos registros históricos, dados econômicos e entrevistas

realizadas com os mais variados citadinos e colaboradores. O objetivo primordial desta

dissertação, portanto, é mostrar a trajetória do município de Pesqueira desde o aparecimento

da atividade industrial até o seu encerramento e evidenciar, ou tornar mais compreensível, a

importância da atividade industrial para o desenvolvimento de Pesqueira e o fato do

fechamento das fábricas ter ocasionado o declínio econômico do município.

Palavras-chave: Industrialização. Desenvolvimento. Declínio. Pesqueira.

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ABSTRACT

This dissertation studied the economic history of Pesqueira, prominent city in

the Pernambuco’s countryside, which for nearly a century, through their food industries,

became a symbol of pioneering and progress. Within this context the emergence of Brazilian

industrialization was examined, in which Pesqueira is a particular chapter, hence the

industrialization process in the city occurred concurrently with the period of the national

industry development, and also different from, the initial form of Brazilian northwest

industrialization. Pesqueira, agribusiness of jams and tomatoes, generated a unique socio-

economic transformation in Pernambuco’s semi-arid, positive influence on the economic

scenario of the state. The products manufactured in the city became known nationally and

globally and until the 1950’s represented one of the most respected the food industry.

However, on the second half of the twentieth century, Pesqueira, due to several negative

factors, would suffer with the decline of its industries. The study on the origin, peak and

decline of the industrial process of the city was made, above all, by historical records,

economic data and interviews conducted with the most varied city dwellers and collaborators.

The primary goal of this dissertation, therefore, is to show the trajectory of the municipality of

Pesqueira since the advent of industrial activity until its closure and present, or make it more

understandable, the importance of industrial activity for the development of Pesqueira and the

fact of the closure of factories caused the decline of the city economy.

Key words: Industrialization. Development. Decline. Pesqueira.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 11

2. PERNAMBUCO E SEU PROCESSO INDUSTRIAL 152.1. Uma Alusão ao Início da Industrialização Brasileira 152.2. A Industrialização em Pernambuco 232.3. O Agreste Pernambucano e sua Base Econômica 33

3. PESQUEIRA: DO COMÉRCIO À INDÚSTRIA 403.1. Nas Origens de Ororubá 403.2. A Preeminência Mercantil de Pesqueira (1870-1920) 523.3. O Início da Industrialização do Município 60

4. A INDUSTRIALIZAÇÃO DE VENTO EM POLPA 674.1. Período Áureo da Industrialização Pesqueirense (1910-1950) 674.2. Pesqueira se Destaca no Interior Pernambucano 804.3. A Influência da Economia na Cultura 93

5. O AROMA DAS CHAMINÉS DESVANECE 1075.1. A Indústria Começa a Agonizar 1075.2. Principais Fatores da Derrocada 1165.2.1. O Contexto Nacional 1165.2.2. O Solo, a Água e outros Fatores 120

6. CONCLUSÃO 127

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 131I. Jornais de Pesqueira 131II. Arquivos Públicos 132III. Referências Bibliográficas 133

APÊNDICE – Fotos de Pesqueira 138

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

BANDEPE Banco do Estado de Pernambuco

BNB Banco do Nordeste do Brasil

CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco

CPATSA Centro de Pesquisas do Trópico Semi-Árido

D. Dona

Dr. Doutor

EMBRAPA Instituto Brasileiro de Pesquisa Agropecuária

ESG Escola Superior de Guerra

FAO Food and Agriculture Organization

GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IRESI Instituto de Relações Sociais e Industriais

N. S. Nossa Senhora

PSD Partido Social Democrático

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

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LISTA DE TABELAS

Tabela I (2) – Brasil – Extensão da Rede Telegráfica (1861-1907) 18

Tabela II (2) – Brasil – Estrutura Industrial (1850-1919) 19

Tabela III (2) – Produção e Exportação de Açúcar em Pernambuco (1856-1919) 25 (Quantidades médias anuais)

Tabela IV (2)–Vendas de Açúcar de Pernambuco no Comércio Interno (1856-1928) 27 (Quantidades médias anuais)

Tabela V (2) – Distribuição dos Investimentos Pernambucanos (1873-1930) 28

Tabela VI (2) – Estabelecimentos Industriais de Pernambuco (1907) 30

Tabela VII (2) – Indústrias Manufatureiras no Brasil (1907 e 1920) 32 (Alguns estados brasileiros)

Tabela VIII (2) – Produção Algodoeira em Pernambuco (1865-1915) 36

Tabela IX (2) – Municípios por microrregiões do Agreste de Pernambuco 39

Tabela X (3) – Escravos Pertencentes a Antônio dos Santos Coelho 47 (Fazendas de sua propriedade – 1822)

Tabela XI (3) – Estabelecimentos Comerciais de Pesqueira (1902-1903) 57

Tabela XII (3)–Expansão das Estradas de Ferro em Pernambuco (1851-1930) 58

Tabela XIII (3) – Indústrias de Doces em Pernambuco (1909) 66

Tabela XIV (4) – Recenseamento Agrícola de 1920 em Pernambuco 84 (Gado existente nos estabelecimentos rurais por espécie, por municípios)

Tabela XV (4) – Recenseamento Agrícola de 1920 em Pernambuco 85 (Estabelecimentos rurais recenseados possuidores de mecanismos de

transformação ou beneficiamento de produtos agrícolas, por municípios)

Tabela XVI (4) – Recenseamento Agrícola de 1920 em Pernambuco 85 (Quadro demonstrativo dos descaroçadores de algodão, por municípios)

Tabela XVII (4) – Ensino Primário Municipal em Pernambuco (1927) 86

Tabela XVIII (4) – Grupos Escolares Estaduais em Pernambuco (1927) 86

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Tabela XIX (4) – População dos Municípios de Pernambuco (1921 e 1927) 87

Tabela XX (4) – Número e Percentagens de Eleitores nos Municípios de Pernambuco 88 (1935)

Tabela XXI (4) – Prédios Urbanos Computados em Pernambuco, por Municípios (1940) 89

Tabela XXII (4)–Arrecadação das Coletorias Federais do Estado de Pernambuco 90 (1927-1931)

Tabela XXIII (4)–Arrecadação das Coletorias Federais do Estado de Pernambuco 90 (1932-1936)

Tabela XXIV (4) – Exportação (País) dos Principais Produtos do Estado de Pernambuco, 91 Segundo o Valor (1934-1936)

Tabela XXV (4) – Principais Jornais de Pesqueira, Criação por Década (1900-1950) 97

Tabela XXVI (5) – Recenseamento do Município de Pesqueira (1937) 111 (Funções exercidas pelos munícipes)

Tabela XXVII (5) – Distribuição Pluviométrica Anual do Município de Pesqueira 122 (Média de 50 anos)

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho destaca o interesse em estudar a história econômica do

município de Pesqueira, cujo fenômeno industrial fez emergir no Agreste pernambucano uma

cidade que durante décadas foi sinônimo de inovação e pioneirismo.

O estudo tem como objetivos precípuos pesquisar o processo de

desenvolvimento industrial do município e conhecer as principais causas que provocaram o

fim desse processo, extirpando de Pesqueira os cheiros de doce e de tomate que aromatizavam

a cidade, encerrando sua prosperidade econômica.

Quanto à natureza histórica, a dissertação visa examinar a trajetória do

município de Pesqueira desde o aparecimento da atividade industrial, surgida a partir de uma

iniciativa particular e local, até a desregionalização da indústria alimentícia e as demais

causas que provocaram, paulatinamente, o fim da industrialização do município.

A apreciação econômica do trabalho, por sua vez, estende o conhecimento

histórico à importância da atividade industrial para o avanço de Pesqueira e o fato do

fechamento das fábricas ter ocasionado o declínio econômico do município, encerrando o

processo industrial que tornou a cidade símbolo de progresso e desenvolvimento.

A manifesta dissertação foi uma opção pela escolha de um tema regional e de

maior satisfação pessoal. Abordar a origem, o sucesso e o encerramento da industrialização de

Pesqueira, pioneira e influente em Pernambuco e também no Nordeste, acima de tudo se dá

pelo sentimento de carinho do qual a cidade é merecedora.

Pesqueira, nascida no sopé da Serra de Ororubá, teve uma grande importância

agroindustrial para o Estado de Pernambuco, que perdurou por cerca de um século,

estimulando toda uma economia e, por via de conseqüência, o desenvolvimento de uma vasta

região sob sua influência.

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A colonização da Serra de Ororubá, antes chamada de Serra de Urubá pelos

índios ararobás, na qual se situa a cidade de Pesqueira, inicia-se pelos idos de 1654, com a

doação de uma extensa parte do Agreste pernambucano feita pelo rei de Portugal a João

Fernandes Vieira, como recompensa pela sua contribuição na expulsão dos holandeses.

A origem do município de Pesqueira se deu no século XVIII (1762), quando

Cimbres, denominada Aldeia de Ararobá, tornou-se a sexta Vila oficializada em Pernambuco.

Ao pé da Serra de Ororubá, no ano de 1800, Manoel José de Siqueira, anos depois

sucessivamente sargento-mor e capitão-mor, fundou uma fazenda chamada Poço do Pesqueiro

e nela edificou uma grande casa para sua residência, senzalas para os escravos e uma pequena

Igreja sob a invocação de Nossa Senhora Mãe dos Homens.

A fazenda logo se tornou parada obrigatória para os brejeiros e viajantes e

numa posição privilegiada pela condição de sua localização à margem da estrada passou a

povoado e rapidamente surgiu uma nova cidade, Pesqueira, que se tornou um conhecido

entreposto comercial, gerando importantes relações mercantis Recife-Agreste-Sertão.

Em 1880, Pesqueira passou à categoria de cidade, chamada de Santa Águeda

de Pesqueira, tornando-se a 15ª cidade pernambucana e a primeira do Semi-Árido. Quando se

diz que Pesqueira originou-se casualmente, deve-se justamente ao fato de ter surgido pela

descoberta de um novo caminho para se chegar ao Sertão, através do Vale do Ipojuca,

passando pelo sopé da Serra de Ororubá, na qual se localizava a fazenda Poço do Pesqueiro,

que deu origem ao nome de Pesqueira.

A partir de 1883, quando é empossado o primeiro prefeito do município, a

cidade inicia seu desenvolvimento, estimulado pela atividade mercantil que ali se estabeleceu.

Com a chegada da estrada de ferro em 1907, a atividade comercial de Pesqueira atingiu seu

ponto máximo e em razão de sua força econômica, logo no início do século passado a cidade

contava com serviços impensáveis em outras comunidades interioranas, como uma eficiente

iluminação elétrica, água encanada, serviço telefônico, serviço urbano de bondes de tração

animal, além de uma vida social efervescente para uma cidade provinciana.

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A partir de 1920, quando os trilhos da estrada de ferro estenderam-se até o

Sertão do Estado, Pesqueira perdeu sua preeminência mercantil regional, que perdurou de

1870 a 1920. Todavia, ao tempo que o comércio declinava, outra atividade econômica

começava a ganhar importância na economia do município: a industrial.

Graças à rápida substituição de uma atividade por outra o desenvolvimento do

município continuou. A economia mercantil de outrora garantiu a formação de um excedente

de capital que possibilitou a transformação da base econômica de Pesqueira do comércio para

a indústria.

Enquanto o Agreste tinha sua economia baseada nas culturas de subsistência,

no plantio de algodão e na pecuária extensiva, surgia na região uma atividade diferenciada,

uma indústria nascida da iniciativa local, que tornou sua atividade industrial, representada

principalmente pela Fábrica Peixe, conhecida mundialmente.

A industrialização pesqueirense confunde-se com a própria história de

surgimento da Fábrica Peixe, pois foi o sucesso dessa indústria que incentivou a instalação de

outras fábricas alimentícias, fazendo da cidade um perímetro industrial.

Com o enfraquecimento da atividade comercial, Dona Maria da Conceição

Cavalcanti de Britto, Dona Yayá, esposa do Capitão Carlos de Britto, comerciante da cidade,

começou de forma artesanal a fabricar doce em tacho doméstico e em fogo cru. A idéia deu

tão certo que dois anos depois, em 1901, a pequena fábrica já exportava doces para Recife.

Daí em diante a fábrica se expandiu e perdeu seu caráter artesanal, tornando-se

verdadeiramente uma indústria, a Peixe, a fábrica que mudou a face da cidade.

Delmiro Gouveia, patrono da industrialização nordestina, chegou a dizer que

muito do que aprendeu deveu-se ao tempo que passou em Pesqueira, observando o espírito

empreendedor dos capitães de indústria daquela localidade.

Outras fábricas doceiras logo surgiram em virtude do crescimento da cidade,

entre elas a Fábrica Rosa, a Fábrica de Doces Tesouro, a Touro, a Tigre e algumas outras ao

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longo do tempo. A Fábrica Peixe cresceu tanto que instalou filiais no Rio de Janeiro, São

Paulo, Minas Gerais e Recife. Com o sucesso das fábricas, o comércio de Pesqueira também

retomou a grande influência mercantil que tinha na região no século XIX e lá surgiu uma das

casas comerciais mais tradicionais do Estado, as Casas José Araújo.

Pesqueira desenvolvia-se velozmente e em decorrência de seu rápido

crescimento foi cognominada de a “Terra do Doce”, “Cidade das Chaminés” e “Capital do

Tomate”, este último epíteto em virtude de ter sido o primeiro município a produzir o tomate

rasteiro no Brasil, próprio para industrialização, e um dos maiores produtores de tomate em

terras contínuas do mundo.

Contudo, todo o sucesso conquistado até a década de 1950 não garantiu uma

estrutura suficientemente segura para conter os fatores que fizeram com que o ditoso

município de Pesqueira visse sucumbir as suas tradicionais indústrias.

Muitas foram as causas que levaram as fábricas a fecharem suas portas, mas

dentre as principais pode-se destacar as difíceis condições edafo-climáticas; a escassez dos

frutos; o crescimento das pragas, gerando o aumento do custo com adubos e defensivos

agrícolas; o contexto nacional de favorecimento econômico das empresas do Centro-Sul; o

desenvolvimento da fruticultura no Vale do São Francisco, entre outros que, reunidos,

provocaram o fim da atividade agroindustrial do município.

Mediante os objetivos da dissertação sobre o processo industrial de Pesqueira

acredita-se, portanto, que o presente trabalho pode contribuir para a compreensão da formação

econômica do município e para o esclarecimento dos fatores que geraram o fechamento das

fábricas alimentícias, ocasionando o declínio econômico pesqueirense.

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2. PERNAMBUCO E SEU PROCESSO INDUSTRIAL

2.1. Uma Alusão ao Início da Industrialização Brasileira

O presente trabalho não tem por objetivo investigar a fundo a historiografia da

industrialização do Brasil e de Pernambuco, mas apenas fazer uma abordagem sobre esse

início de processo industrial, com a finalidade, mais adiante, de entender a industrialização de

Pesqueira nesse contexto nacional e estadual.

O Brasil, que durante séculos foi colônia de Portugal, teve como primeiro e

mais valioso produto de exportação o açúcar, que até um pouco mais de meados do século

XVIII seria o principal produto do país, promovendo o seu crescimento econômico e abrindo

as portas para a exportação de outros produtos primários.

Para Celso Furtado houve uma diferença fundamental entre a estrutura

produtiva do Brasil e das colônias Inglesas na América do Norte. Enquanto nas colônias

inglesas a agricultura era distribuída em pequenas propriedades e havia muitos comerciantes

urbanos, no Brasil a agricultura era feita em grandes latifúndios que exploravam a

escravidão1, ou seja, à proporção que a renda era mais bem distribuída na América do Norte,

houve o surgimento de um mercado interno que possibilitou a estrutura para desenvolver

outros setores, como os ramos do comércio e da indústria. Ao tempo que no Brasil, a grande

concentração de riqueza pelos latifundiários limitou o mercado interno e impediu que a

economia do país tivesse abertura para outras atividades.

O Brasil teve três principais ciclos econômicos: o da cana-de-açúcar, do ouro e

do café. Este último se tornou o principal produto de exportação no final do século XIX e foi

________________________1 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 20ª ed., São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985, pp. 100-101.

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o produto responsável, em 1891, por 63% das exportações brasileiras 2 e , sem dúvida, foram

as exportações de café que geraram o crescimento da economia brasileira nas décadas finais

do século XIX, o que formou o acúmulo de capital para o posterior desenvolvimento da

indústria, principalmente das indústrias do Sul e do Sudeste, como bem observa o economista

Werner Baer:

“A força básica que apoiou esse desenvolvimento industrial foi o incremento

cafeeiro baseado na mão-de-obra imigrante livre. Investimentos significativos

voltados para a infra-estrutura que atendia ao setor cafeeiro (estradas de ferro,

usinas elétricas, etc.), financiados por fazendeiros e capital estrangeiro,

proporcionaram o ambiente para uma produção industrial local maior e aos poucos

criaram uma demanda para peças de reposição produzidas internamente. A grande

população imigrante empregada nos setores cafeeiros e outros a eles relacionados

gerou um enorme mercado para bens de consumo baratos” 3.

O desenvolvimento industrial do país, contudo, já poderia ter engrenado bem

antes de fins do século XIX, não fosse o interesse do governo português de impedir esse

progresso industrial para manter a colônia em sua dependência econômica e política.

Na primeira metade do século XVII, tinham sido fundadas no Rio de Janeiro

algumas fábricas de tecido, especialmente de algodão, veludo e seda, bordado, corda, bem

como azeite de peixe, sabão, chapéu de palha, objetos de louça, entre outras. Porém, o

governo português não via com bons olhos os progressos de sua colônia e, aos poucos, foi

instituindo decretos e ordenações que limitavam ou mesmo extinguiam essas primeiras

tentativas de industrialização. Tanto que, em 1730, Portugal determinou a expulsão de todos

os joalheiros dos distritos de minas do Brasil, para impedir a criação local de jóias, o que

prejudicaria as rendas fiscais do Reino e, em 1785, o governo português ordenou o

fechamento de todas as fábricas da colônia, com exceção das de confecção de roupas para os

escravos, alegando que o país deveria se preocupar em explorar os seus recursos naturais 4.

________________________2 PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1970, p. 160. 3 in: A Economia Brasileira. 2ª ed. São Paulo: Nobel, 2003, p. 47.4 LLOYD, Reginald. Impressões do Brazil no Século Vinte – Sua História, Seo Povo, Commercio, Industrias e Recursos.

Londres: Lloyd’s Greater Britain Publishing Company, Ltd, 1913. p. 331.

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A vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 1808, foi o marco

histórico que iria mudar definitivamente o desenvolvimento econômico do país. Dentro de

poucos anos da chegada da Corte começaram a surgir pequenos estabelecimentos fabris,

inicialmente no Rio de Janeiro, mas foi a década de 1840 que assinalou a expansão econômica

brasileira, com a importação de maquinário trazido da Europa para modernizar o sistema

fabril 5.

Nas primeiras décadas do século XIX existiam poucas oficinas no Brasil e, em

geral, elas se restringiam ao setor têxtil, de papel, couros, gêneros alimentícios e fundições de

metais. Várias empresas foram sendo criadas a partir da década de 1840, pois o país oferecia

isenção de taxas para as empresas que importassem matéria-prima e maquinário e, com esses

privilégios especiais, muitas foram fundadas, principalmente no ramo têxtil. O número de

empresas têxteis em funcionamento cresceu na primeira metade da década de 1870,

precipuamente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo 6.

A partir da década de 1880, com o advento da Proclamação da República, que

trouxe um novo despertar político-econômico, o processo de industrialização do Brasil teve

sua fase de real desenvolvimento, período propício para o surgimento de indústrias de bens de

consumo não-duráveis e os primeiros industriais brasileiros foram importadores que, aos

poucos, começaram também a fabricar os próprios bens no Brasil.

No Nordeste esse desenvolvimento industrial se perfaz inicialmente com a

pouca diversificação fabril, basicamente a partir da exportação de produtos agrícolas, com as

usinas açucareiras, as indústrias têxteis e de alimentos. Em geral, a industrialização nordestina

apoiava-se nas indústrias de açúcar e de tecidos de algodão, mas os estados de Pernambuco e

Bahia, que eram mais desenvolvidos industrialmente do que os demais, destacavam-se

também com outros produtos, como o fumo, a fabricação de chapéus, sabão, velas, cal,

cimento, fundições de metais e produtos químicos.

________________________5 “O anno de 1840, marca uma nova era de expansão econômica, devida à substituição das primitivas machinas rudimentares

pela machina a vapor, assim como à introducção de habeis artífices trazidos da Europa”. Ibidem, p. 331. Ver também:

STEIN, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil – 1850/1950. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 28.6 BAER, Werner. Op. Cit., p. 25.

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Há casos peculiares, como ocorreu no município de Pesqueira, cujo início de

seu processo industrial teve um aspecto diferenciado, porque além da pouca necessidade de

importação de insumos, houve também a acumulação de um capital mercantil que serviu de

impulso ao surgimento da atividade industrial, por ter sido, o município, um entreposto

comercial de grande importância no Agreste pernambucano.

Outra contribuição ao desenvolvimento do Brasil, vinculada à industrialização,

a partir da década de 1880, foi o crescimento da rede telegráfica, tanto em extensão como pelo

aumento progressivo do número de estações, o que facilitou o intercâmbio dos

estabelecimentos produtivos, como se pode observar na tabela abaixo. Em Pernambuco, a

comunicação telegráfica chegou em abril de 1873, em Recife.

TABELA I

BRASILEXTENSÃO DA REDE TELEGRÁFICA (1861-1907)

ANOS EXTENSÃO KILOMÉTRICA ESTAÇÕES

1861 65 101865 187 231870 2.080 511874 4.458 81

1881-1885 42.207 7401886-1890 54.862 9081891-1895 78.134 1.4051896-1900 101.772 1.8881901-1907 175.199 3.333

Fonte: IBGE. Séries Estatísticas Retrospectivas. O Brasil, suas Riquezas Naturais, suas Indústrias. Edição fac-similar (original publicado em 1909). V. 2. Rio de Janeiro: IBGE, 1986, p. 232.

De acordo com o recenseamento industrial do Brasil de 1920, como se observa

na tabela seguinte, em meados da década de 1880 havia cerca de 248 estabelecimentos

industriais no país, que quadruplicou no início do século XX e que passou para 5.936

estabelecimentos no começo da década de 1920, ou seja, o início do desenvolvimento

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industrial brasileiro foi intenso e com o predomínio de indústrias leves, de produtos têxteis,

calçados, roupas e indústrias alimentícias 7.

TABELA II

BRASILESTRUTURA INDUSTRIAL (1850-1919)

ÉPOCA DA FUNDAÇÃO

N° DE ESTABELECIMENTOS

INDUSRIAISN° DE OPERÁRIOS

1850 - 1884 353 26.8741885 - 1889 248 24.3691890 - 1894 452 31.1231895 - 1899 472 14.5161900 - 1904 1.080 19.1701905 - 1909 1.358 34.3621910 – 1914 3.135 53.9921915 - 1919 5.936 63.950

TOTAL 13.034 268.356

Fonte: Recenseamento do Brasil, 1920, v. 5, 1ª parte, p. 69.

Em relação à tabela II, verifica-se ainda que as duas primeiras décadas

anteriores à Primeira Guerra Mundial foram fundamentais para o crescimento da indústria

brasileira, já que na primeira década do século XX a libra esterlina não estava tão valorizada,

o que facilitou a importação de maquinário. Outro aspecto que contribuiu para o avanço

industrial do país no início do século XX foi a rápida expansão das linhas férreas. As

ferrovias foram muito importantes na comercialização de mercadorias dentro espaço regional,

pois as estradas ou não existiam ou eram extremamente precárias e o único outro meio de

transporte era a cabotagem.

Justamente nesse período desenvolveu-se a indústria doceira pesqueirense e se

quer, com isso, demonstrar como o ambiente econômico nacional era favorável ao surgimento

de novas indústrias, principalmente no setor alimentício.

________________________7 Ibidem, pp. 46, 51.

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A indústria brasileira, portanto, apresenta dois aspectos marcantes: o primeiro,

onde há a predominância de indústrias de bens de consumo, como as têxteis e de alimentos,

totalizando as duas 43,7% para o ano de 1907 e, em 1919, 50,1% das indústrias nacionais. A

segunda característica seria uma industrialização de cunho descentralizado, que criou uma

reserva de mercado regional, devido aos altos custos de transporte e a aplicação de impostos

interestaduais sobre a circulação de mercadorias 8.

A partir de meados do século XIX, portanto, a industrialização tornou-se uma

atividade essencial no desenvolvimento econômico do país e, sem dúvida, é muito precisa a

prolixa, porém, importante explanação de Simonsen sobre os vários fatores que

caracterizaram a evolução do início da indústria nacional:

“A observação desses vários elementos e de outro que vamos examinar,

indicadores da nossa evolução econômica, permite-nos assim sumariar a situação:

a) na primeira metade do século XIX, a inexistência de fatores favoráveis à

industrialização do Brasil, a política livre-cambista que adotamos, e a

concorrência das manufaturas inglesas, impediram a nossa evolução industrial;

b) entre 1862 e 1885, assinalou-se um período de acentuado progresso. As

exportações ultrapassaram as importações, registrou-se, nessa época, a

instalação de algumas pequenas fábricas, principalmente no Distrito Federal;

mas as atividades agrícolas absorviam, praticamente, todos os capitais e mão-

de-obra disponíveis;

c) no último período do século XIX iniciou-se a grande imigração para as regiões

temperadas do sul do país e em princípios do século XX surgiu a

superprodução cafeeira e um conseqüente refluxo de colonos para as cidades;

d) a decretação, em 1888, do trabalho livre, a maior imigração dos colonos

europeus e a grande cultura cafeeira, determinaram a formação de um mercado

interno de alguma importância para os produtos industriais;

________________________8 GORENDER, Jacob. A Burguesia Brasileira. Coleção Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1981, pp. 29-30.

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e) os progressos da eletricidade e a construção de grandes usinas de energia

elétrica, principalmente em São Paulo e no Distrito Federal, constituíram um

dos fatores essenciais à evolução industrial: fontes de energia barata. O

progresso e o barateamento das máquinas operatrizes permitiram o

estabelecimento de indústrias médias de transformação, baseadas na

disponibilidade dessa energia, em maior número nos dois núcleos – São Paulo

e Rio de Janeiro;

f) criaram-se, dessa forma, no século XX, fatores favoráveis ao desenvolvimento

de determinadas regiões do Brasil; energia elétrica abundante e barata (com

papel semelhante ao que os centros olheiros exerceram na Inglaterra, nos

Estados Unidos e na Alemanha); aparelhamento mecânico e moderno e de

preços relativamente baixos; mercados de certa importância e melhores meios

de transporte, pela construção de estradas de ferro e de rodovias; abundância de

mão-de-obra não absorvida pelas fazendas, então em regime de superprodução;

g) como fenômeno econômico geral, as nossas exportações de produtos agrícolas

deixaram de proporcionar poder aquisitivo externo o suficiente para pagar os

produtos industriais reclamados pelo consumo interno. A baixa do câmbio

brasileiro reflete, em grande parte, a situação de desequilíbrio provocada por

uma população que cresce e se civiliza continuamente, e que não dispõe de

meios de pagamento no exterior, para os produtos que necessita. Essa contínua

depressão das taxas cambiais, passou a ser uma forte emulação para o nosso

desenvolvimento industrial;

h) todos esses fatores geraram afinal, uma situação de fato , apropriada à evolução

industrial de determinadas regiões , em condições, porém, ainda bem diversas

das que se verificaram nos Estados Unidos da América do Norte” 9.

Roberto Simonsen, portanto, não só esclarece como se deu a evolução

industrial brasileira, como assevera que a industrialização tem um papel fundamental na

economia nacional, principalmente pelo seu potencial exportador. Também corrobora com

esse pensamento Douglas North, pois para ele “o crescimento de uma região está intimamente

________________________9 SIMONSEN, Roberto. Evolução Industrial do Brasil e outros Estudos. São Paulo: Editora Nacional e da USP, 1973, pp. 11-

13.

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vinculado ao sucesso de suas exportações e pode ter lugar, ou como resultado da posição

melhorada das exportações existentes relativamente às áreas competidoras, ou como um

resultado do desenvolvimento de novas exportações” 10. As exportações, por conseguinte,

exerceriam um efeito multiplicador sobre o mercado interno.

No caso específico de Pesqueira, ela insere-se perfeitamente nessas

colocações, pois adotou uma política de comercialização inter-regional, permitindo-lhe um

crescimento constante, já que não havia uma concorrência forte aos seus produtos na época

em que o país começava seu processo industrial, atingindo mercados promissores como o eixo

Rio-São Paulo, o que fez com que houvesse um permanente escoamento de sua produção e,

com isso, houve um efeito multiplicador na economia no município.

O processo industrial brasileiro, portanto, teve até 1920 seu primeiro impulso

industrial que, segundo o censo de 1920, foi de rápida expansão, com a existência de mais de

13.000 mil estabelecimentos industriais e empregando mais de 275.000 mil operários em todo

o país. Isso sem contar com as usinas açucareiras e salinas que não estão inclusas nesses

números e que somariam mais de 460 estabelecimentos, além das pequenas fábricas artesanais

e manufatureiras.

A partir desse período estava consolidada a indústria brasileira, contudo, o

desenvolvimento industrial iria se desenvolver de forma diferente entre as regiões do país,

gerando discrepâncias econômicas e sociais.

__________________________10 in: Location Theory and Regional Economic Growth. Journal of Political Economy, 63:243-58, jun. 1955. in: Economia

Regional - Textos Escolhidos. Ord. Jacques Schartzman. Belo Horizonte: CEDEPLAR, 1977, p. 315.

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2.2. A Industrialização em Pernambuco

Falar de Pernambuco é, na verdade, fazer menção a um Estado que sempre foi

sinônimo de pioneirismo e desenvolvimento na história nacional. A economia pernambucana,

alicerçada na atividade açucareira, manteve-se forte por cerca de quatro séculos (1540 a 1900)

e fez do Estado um centro político, acadêmico e cultural.

A exploração da atividade açucareira foi o que fomentou a economia

pernambucana por tão vasto período e garantiu o desenvolvimento do Estado, assim como

estimulou inicialmente à ocupação de seu território 11 e colocou Pernambuco no cenário

econômico nacional.

O crescimento do mercado de açúcar, a partir da segunda metade do século

XVI, constituiu, segundo Furtado, um fator fundamental para o avanço da colonização do

Brasil e isso se deve, particularmente, à contribuição dos holandeses, pois “especializados no

comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa época o

único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de

grandes dimensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar” 12.

Entretanto, o açúcar que foi por tanto tempo o ouro pernambucano tornou-se o

seu entrave, pois quando a atividade açucareira entrou em declínio o Estado foi perdendo a

sua primazia, já que não tinha se preparado para diversificar sua economia para outras

atividades. Com a expulsão dos holandeses, o que parecia uma vitória em termos de

recuperação de território, tornou-se um prejuízo econômico para Pernambuco, uma vez que

eles haviam acumulado conhecimento sobre o manejo da cana-de-açúcar e transferiram seus

interesses na atividade açucareira para as Antilhas.

________________________11 VERGOLINO, José; MONTEIRO NETO, Aristides. A Economia de Pernambuco no Século XXI: Desafios e

Oportunidades para a Retomada do Desenvolvimento. Recife e Brasília: Edições Bagaço, 2000, p. 29.12 FURTADO, Celso. Op. Cit., pp. 10-11.

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“É provável entretanto que as transformações da economia antilhana

tivessem ocorrido muito mais lentamente, não fora a ação de um

poderoso fator exógeno a fins da primeira metade do século XVII. Esse

fator foi a expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro. Senhores da

técnica de produção e muito provavelmente aparelhados para a

fabricação de equipamentos para a indústria açucareira, os holandeses

se empenharam firmemente em criar fora do Brasil um importante

núcleo produtor de açúcar. É tão favorável a situação que encontram

nas Antilhas francesas e inglesas que preferem colaborar com os

colonos dessas regiões a ocupar novas terras e instalar por conta

própria a indústria” 13.

A economia açucareira foi responsável por uma importante etapa de expansão

econômica em Pernambuco. No entanto, como a produção de açúcar era a base da economia

nordestina e como os investimentos eram, em geral, direcionados para essa atividade, isso

dificultou a abertura de outros caminhos para dinamizar a economia pernambucana.

Além disso, é preciso ressaltar que a atividade açucareira demorou muito para

se modernizar. Os engenhos utilizavam obsoletas formas de produção e o transporte do açúcar

era feito por meio de animais e barcaças, o que só começou a ser modificado a partir da

segunda metade do século XIX, com a implantação das estradas de ferro. Por outro lado, o

método ultrapassado de produção dos engenhos garantia uma grande absorção de mão-de-

obra, que viria a ser largamente diminuída com o progresso industrial do século XX 14.

Um único produto básico foi responsável pelo bom desempenho da economia

pernambucana por séculos. O açúcar e seus derivados sustentavam a economia do Estado e

graças à exportação do produto outros setores, mesmo que lentamente, foram desenvolvendo-

se, gerando empregos e melhorias na região. Se tomarmos como exemplo os anos de 1886-90,

verificamos que as exportações foram de aproximadamente 120 mil toneladas, o que

______________________13 Ibidem, p. 25.14 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Introdução à Formação Econômica do Nordeste. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,

1989, pp. 37-38.

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demonstra a força da economia açucareira na época 15.

TABELA III

PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO DE AÇÚCAR EM PERNAMBUCO (1856-1910)(Quantidades médias anuais)

ANOS PRODUÇÃO (ton) EXPORTAÇÃO (ton)

1856-1860 67.339 48.5231861-1865 57.357 46.7411866-1870 54.372 63.2291871-1875 98.231 78.6991876-1880 116.379 91.8821881-1885 133.847 103.8891886-1890 156.321 119.2271891-1895 173.442 -1896-1900 134.326 40.8401901-1905 142.015 11.7011906-1910 141.624 32.993

Fonte: EISEMBERG, Peter L. Modernização sem Mudanças. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977, pp. 42-44.

Depreende-se, da tabela acima, que a partir de 1896 as exportações começam a

declinar gradativamente e isso se deve à venda do açúcar no mercado interno, pois enquanto a

produção do açúcar crescia, as exportações caiam. O aspecto positivo é que a atividade

açucareira passou a depender menos das variações do mercado internacional, mas,

negativamente, ao longo do tempo, a produção pernambucana de açúcar passou a concorrer

com outras regiões do país 16.

O gradual declínio da economia açucareira provocou uma grande queda na

industrialização de Pernambuco, pois o cluster do açúcar, que era muito bem organizado e

envolvia boa parte das atividades do Estado, respondia por uma grande parcela do PIB

pernambucano e por isso tão forte foi o impacto econômico devido à diminuição da

comercialização do produto e seus derivados.

________________________15 VERGOLINO, José; MONTEIRO NETO, Aristides. Op. Cit., p. 32.16 Ibidem, p. 34.

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Para o bom desempenho do produto havia toda uma estrutura, ou melhor, toda

uma cadeia de produção organizada: plantação de algodão no Semi-Árido; o algodão

abastecia as fábricas de tecido que produziam, entre outras coisas, a sacaria necessária para

embalar o açúcar; fábricas metalmecânicas e técnicos especializados nesse tipo de serviço;

crescimento do comércio no varejo e outras atividades paralelas. Pernambuco era

reconhecidamente uma força econômica nacional.

A industrialização do açúcar, por conseguinte, teve também um importante

papel no desenvolvimento de centros urbanos próximos às áreas produtoras, inclusive,

conforme Singer, o aparecimento da indústria em Recife está totalmente ligado à atividade

açucareira ao:

a) criar mercado para certos bens de produção, como cal, sacaria,

veículos, entre outros;

b) ampliar o mercado de bens de consumo, ao provocar mudanças nas

relações na zona rural, com a conseqüente expansão da economia

de mercado em detrimento do setor de subsistência;

c) expulsar do campo levas de trabalhadores que iriam constituir, em

Recife, um verdadeiro Exército Industrial de Reserva 17.

O maior erro, portanto, se é que assim se pode colocar, já que o declínio do

açúcar em Pernambuco se deve a uma soma de fatores, foi mudar o destino da produção

açucareira, que a partir de 1890 “(...) passou a ser vendida mais e mais no mercado interno e

menos para o resto do mundo” 18.

Celso Furtado, ao elaborar a pedido do então Presidente Juscelino Kubitschek

um estudo sobre o Nordeste, em 1959, que posteriormente originou a SUDENE, defendia que

as exportações poderiam alavancar a economia nordestina:

________________________________17 SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. São Paulo: Editora Nacional, 1974, pp. 307-308.18 VERGOLINO, José; MONTEIRO NETO, Aristides. Op. Cit., p. 33.

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“No Nordeste, como em toda economia de baixo nível de

desenvolvimento, o setor externo – isto é, as exportações e as

importações – ocupa posição fundamental. Com efeito, quanto menos

desenvolvida é uma economia, menos diversificada é sua estrutura

produtiva, e, portanto, maior é a dependência do exterior para o

suprimento de todos aqueles bens (de consumo ou de inversão) cuja

produção apresenta maior complexidade tecnológica. Não é por outra

razão que, para aumentar a oferta desses bens, mister se torna aumentar

as exportações, ou diversificar a estrutura produtiva pela

industrialização” 19.

TABELA IV

VENDAS DE AÇÚCAR DE PERNAMBUCO NO COMÉRCIO INTERNO (1856-1928)(Quantidades médias anuais)

ANOS TONELADAS

1856-1860 12.1771861-1865 10.6281866-1870 10.4841871-1875 13.3921876-1880 17.2411881-1885 21.5811886-1889 21.5811897-1901 24.7671902-1917 78.0161918-1920 -1921-1925 87.2751926-1928 114.8101926-1928 185.070

Fonte: GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 59.

A industrialização em Pernambuco, como o caso do Nordeste, apresentou um

aspecto marcante, como se percebe na tabela acima, voltou-se praticamente para o mercado

interno e “orientando seu desenvolvimento quase exclusivamente para os mercados internos

________________________19 in: GTDN (Estudo elaborado pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste). Uma Política de

Desenvolvimento Econômico para o Nordeste. 3ª ed., Recife: SUDENE, 1978, p. 35.

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do país, o Nordeste desperdiçou, em larga medida, as oportunidades oferecidas pelo comércio

internacional” 20.

A economia açucareira pernambucana ficou condicionada ao mercado interno,

especialmente aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro e, embora Pernambuco tenha um

aumento em sua produção açucareira no período de 1902-1928, como demonstrado na tabela

IV, não acompanha o avanço industrial do Sudeste, apoiado pelos excelentes resultados da

economia cafeeira desde o final do século XIX.

Na tabela que segue, observa-se que entre 1870 e 1930 houve uma grande

realização de investimentos em Pernambuco, principalmente na malha ferroviária, no porto e

no setor industrial. As ferrovias desempenharam o papel de conexão das regiões interioranas

ao porto do Recife, interligando especialmente as regiões da Zona da Mata (produção de

açúcar) e do Agreste (produção de algodão) com a zona portuária, que era a via de

escoamento dos produtos para exportação.

TABELA V

DISTRIBUIÇÃO DOS INVESTIMENTOS PERNAMBUCANOS (1873-1930)

CAMPO DE COLOCAÇÃO (%)

Ferrovias 11,18 Dívida Pública 7,42 Obras do Porto 19,47 Bancos 13,48 Serviço Público 3,04 Indústrias 19,45 Outros 25,94

Fonte: NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Formação e Desenvolvimento do Capital Industrial em Pernambuco (1890/1920): Mercado Interno e Industrialização. Recife: Dissertação de Mestrado, Depto. de História/UFPE, 1988, p. 96.

_______________________20 GOMES, Gustavo; VERGOLINO, José Raimundo. A Macroeconomia do Desenvolvimento Nordestino: 1960/1994.

Prêmio Pernambucano de Economia Dirceu Pessoa, 1994. 1ª ed., Recife: 1995, p. 75.

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Os investimentos nas linhas férreas foram fundamentais não só para o maior

intercâmbio entre as regiões interioranas, como para o transporte das mercadorias produzidas

no interior do Estado e o recebimento dos insumos importados, sobretudo daqueles que

chegavam por via marítima.

Esses investimentos, apesar de alguns serem feitos com o capital externo e de

empresas privadas, como a Great Western, eram um programa de governo, no sentido de

interiorizar o desenvolvimento nacional, conforme se depreende da transcrição abaixo:

“Tendo o Governo decidido prolongar a linha do Recife ao S.

Francisco, que attingia então a Palmares (Una) para Garanhuns, foi

começada a construcção em 2 de Dezembro de 1876. Em 28 de

Setembro de 1887 chegava o trafego a Garanhuns, com a extensão total

de 146,420 kilometros. Em 1891 começou a construcção do ramal de

Glycerio a União, cujo trafego foi inaugurado em 13 de Maio de 1894,

com a extensão de 47,488 kilometros. Este prolongamento e ramal

constituem a linha denominada “Sul de Pernambuco”, arrendada à

Companhia Great Western of Brasil Railway. O seu custo foi de

23.521:175$ e suas condições technicas são as seguintes: bitola 1

metro, raio mínimo 100 metros e declividade máxima de 0”032” 21.

Os investimentos na indústria também se destacaram e embora grande parte

desses investimentos fosse aplicada nas usinas e nas indústrias têxteis, outros ramos

industriais também foram beneficiados, diversificando a indústria pernambucana. Como

exemplo tem-se o caso da indústria pesqueirense, que criou uma atividade fabril alimentícia

inovadora no interior do Estado.

Vale ressaltar, ainda, a importância da movimentação portuária no Recife, dada

a sua privilegiada situação geográfica: “Pela sua situação na parte mais oriental do Brasil, é

escala obrigada de quase todos os paquetes transatlanticos que se dirigem para o sul; e nelle

tocam os vapores de todas as companhias nacionaes que navegam na costa brasileira” 22.

________________________21 IBGE. Op. Cit., p. 26.22 Ibidem, p. 115.

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TABELA VI

ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS DE PERNAMBUCO (1907)

INDÚSTRIAS Nº DE ESTABELECIMENTOS Nº DE OPERÁRIOS

Assucar (usinas) 46 4.887Bebidas alcoolicas e gazozas 9 81Biscoitos 2 42Cal e cimento 1 120Calçado 2 277Chapéos, de feltro, lã, lebre, etc. 2 54Carvão animal 1 9Chocolate 1 6Cordoalha 1 180Cerveja 1 8Doce 5 220Fiação e tecelagem 8 3.700Fumos preparados 3 757Fundição e obras sobre metal 5 320Grampos, colchetes, etc. 1 42Massas alimentares 1 10Massa de tomate 2 60Moveis e decorações 1 -Óleos e rezinas 4 96Perfumarias 1 42Pregos 1 15Preparo de couros 2 200Phosphoros 1 120Productos ceramicos 2 44Productos chimicos 1 400Refinarias de assucar 3 143Roupas brancas 1 10Sabão e velas 5 162Serrarias e carpintarias 3 26Tintas para escrever e outras 2 11

TOTAL 118 12.042

Fonte: IBGE. Op. Cit., p. 83.

Muito embora o açúcar tenha sido o principal produto industrial da economia

pernambucana, vê-se, na tabela VI, que mesmo em número menor de estabelecimentos, o

setor têxtil era de muita importância para o Estado, principalmente em relação à

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empregabilidade. Também não se pode olvidar da contribuição que outros pequenos setores

industriais acresciam à economia estadual, pois Pernambuco, se comparado a outros estados

do Nordeste, possuía uma grande diversificação industrial, com cerca de trinta tipos de

empreendimentos fabris, o que na época em questão demonstrava a importância econômica do

parque industrial pernambucano.

A primeira etapa da industrialização de Pernambuco, em fins do século XIX e

nas primeiras décadas do século XX, assim como ocorreu na industrialização do Brasil de

modo geral, caracterizou-se pela formação e acumulação de capital através do mercado intra-

regional e da exportação de produtos primários. Como principal particularidade desse início

de industrialização verificamos a prevalência das indústrias de bens de consumo não-duráveis.

A indústria têxtil, junto com as usinas, apresentou um grau elevado de

concentração e de centralização de capital, isso ocorreu a partir das condições e da natureza

do processo de constituição do mercado intra-regional em Pernambuco. Enquanto as usinas

açucareiras ocupavam a área rural, as indústrias de tecidos localizavam-se no perímetro

urbano e são essas indústrias que vão fortalecer consideravelmente o processo de

industrialização local 23.

Pernambuco, que desde o início da colonização brasileira foi um dos estados

expoentes da economia nacional, sempre acompanhando o desenvolvimento do país, viu-se a

partir da terceira década do século XX distanciado dos estados das regiões Sul e Sudeste, que

passaram a se desenvolver mais aceleradamente e centralizaram o potencial industrial da

nação.

Pernambuco passou a importar mais produtos de outras regiões do país que

exportar e o déficit na troca comercial do Estado começou a aumentar 24. A economia

pernambucana, então, apresenta sinais de enfraquecimento, principalmente em relação a

alguns estados do Centro-Sul, que principiaram o desenvolvimento do setor industrial do país.

________________________23 ANDRADE, Manoel Correia de. Estado, Capital e Industrialização no Nordeste. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, pp.

24-35.24 BARROS, Souza. A década de 20 em Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1985, p. 35.

31

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Isso é possível verificar, na tabela VII, ao se comparar o número de

estabelecimentos, em alguns estados brasileiros, das indústrias manufatureiras nos anos de

1907 e 1920. Contata-se que o setor industrial pernambucano foi largamente superado por

estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e até a Bahia começa a ultrapassar

Pernambuco a partir da década de 1920.

TABELA VII

INDÚSTRIAS MANUFATUREIRAS NO BRASIL (1907 e 1920)(Alguns Estados brasileiros)

ESTADOSNº DE

ESTABELECIMENTOS (1907)

Nº DE ESTABELECIMENTOS

(1920)

Distrito Federal 662 1.541 São Paulo 326 4.145 R. G. do Sul 314 1.773 Rio de Janeiro 207 454 Pernambuco 118 442 Minas Gerais 529 1.243 Bahia 78 491

Fonte: LLOYD, Reginald. Op. Cit., p. 332. NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Op. Cit., pp. 18-19.

Entretanto, é importante salientar que algumas ilhas de produção no Estado

mantiveram-se ativas, por condições propícias, como foi o caso da indústria alimentícia de

Pesqueira, que soube aproveitar a potencialidade local dos frutos abundantemente produzidos

naquela região e por isso não foi afetada economicamente durante várias décadas, já que seus

produtos, quase originais e com poucos concorrentes, eram aceitos com facilidade no mercado

nacional. Realidade que iria ser alterada a partir da segunda metade do século XX.

32

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2.3. O Agreste Pernambucano e sua Base Econômica

A colonização da Capitania de Duarte Coelho teve início na extremidade norte

do litoral pernambucano, especificamente em Igarassú, e depois se estendeu para Olinda, que

foi fundada para servir de residência oficial do donatário. Durante mais de um século,

portanto, a colonização se deu apenas nas zonas litorâneas e da Mata, até que houve a

necessidade de descobrir mais espaços em direção ao interior da Capitania.

Em Pernambuco, a penetração no interior, segundo Hilton Sette, deve-se à

adaptação aos diferentes quadros naturais e desbravamentos por melhores roteiros em direção

às localidades cada vez mais distantes do litoral. Quando já estava prestes a se esgotar em

extensão as terras devolutas da Zona da Mata, as fazendas de criação de gado foram-se

multiplicando nas caatingas do Agreste, pois já havia sido aprendida a técnica de ocupação

em áreas de solo raso e de clima semi-árido, além de ser a passagem mais curta e fácil em

direção aos currais sertanejos, que já eram também utilizados para pecuária em regime

extensivo 25.

É nesse contexto que começa a colonização do Agreste, que se deu mais

tardiamente do que as colonizações do Litoral e Zona da Mata, principalmente quando passou

a servir de celeiro de criação de gado para abastecer as necessidades daquelas regiões, que se

dedicavam mais exclusivamente à monocultura da cana, não sendo, portanto, prioritária a

atividade pecuária, já que era considerada uma ocupação subsidiária e até conflitava com a

cultura da cana, pois necessitava de maior expansão dos campos para pastoreio e outras

características que o Agreste poderia melhor oferecer.

O Agreste, destarte, por muito tempo passou a ser o criadouro de gado que

abastecia as zonas mais desenvolvidas e habitadas do Estado, transferindo-lhe as boiadas para

o abate (consumo de carne), bois para fazer moer os engenhos e carrear a cana e o couro para

________________________25 SETTE, Hilton. Pesqueira: Aspectos de Sua Geografia Urbana e de Suas inter-relações Regionais. Recife: 1956, pp. 42-

43.

33

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as pequenas manufaturas artesanais de calçados, arreios e toda espécie de artefatos que dele se

utilizavam.

Nas fazendas dessa região, por força da necessidade de suprimento dos vaqueiros

e seus familiares, foi prosperando a implantação de roçados para a produção de alimentos,

basicamente voltados para o cultivo de milho, feijão e mandioca.

O desenvolvimento da pecuária dá lugar ao adensamento e surgimento de

outras atividades e como resultado dessa evolução há o aparecimento de vilas e povoados e

até mesmo de atividades agroindustriais, nas áreas mais propícias, subsidiárias do criatório e

voltadas, geralmente, para a produção de rapadura e aguardente.

A diversificação das atividades produzidas no Agreste é o que mais diferencia

essa região das demais, o que vai gerar um quadro de relações de produção que vai conduzir,

naturalmente, à divisão social do trabalho na região, como bem explicita Manoel Correia:

“Nos meados do século XVII, quando a população agrestina já

crescera bastante e a pecuária extensiva não era capaz de absorver a

mão-de-obra aí existente, os índios refugiados nos brejos de altitude

foram sendo aldeados e as secas foram fazendo com que os habitantes

da caatinga se abrigassem nos brejos úmidos, ambientando os mesmos

à coleta dos produtos florestais e à agricultura; foi aí que os brejos de

altitude passaram a ser mais densamente povoados. Aí iriam

concentrar-se grupos humanos que se dedicavam à agricultura de

mantimentos e à cultura de cana-de-açúcar, que era transformada por

engenhocas em rapaduras e aguardente, dando origem a sítios e até

pequenas vilas. Agregados dos fazendeiros da caatinga tornaram-se

muitas vezes foreiros, agricultores e rendeiros, que abasteciam o

Agreste de gêneros alimentícios e, quando a cultura e o comércio de

algodão abriram condições, passaram a fornecê-los também à Mata e

ao Sertão” 26.

________________________26 ANDRADE, Manoel Correia de. A Terra e o Homem do Nordeste. São Paulo: Brasiliense, 1963, p. 149.

34

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Mas, de fato, a verdadeira alteração econômica em larga escala ocorrida

especialmente na região agrestina foi a introdução da cultura do algodão. Essa ocorrência não

é um fato peculiar, mas a conseqüência da importância que esse produto passou a ter no

cenário mundial naquela época, caracterizado como o “renascimento da agricultura” 27,

porque a ela estão associados enormes contingentes da população européia, ligados às

atividades econômicas e ao comércio internacional, cujos dinamismos foram provocados pela

Revolução Industrial.

Para se ter idéia do interesse do “velho mundo” pelo produto, Pernambuco

exportou para a Europa, em 1811, 1812 e 1813, respectivamente, 28.245, 58.824 e 65.327

sacas de algodão, tornando-se a província que mais lucrou com a exportação do produto

naquele período 28.

Com a criação da máquina a vapor e dos teares mecânicos o aproveitamento do

algodão passou a ser integral, a ponto de tornar-se uma das matérias-primas de maior procura

pelas indústrias 29, já que dele não era só utilizado a fibra para confecção de tecidos, como o

próprio caroço, rico em óleo vegetal, e até mesmo o seu bagaço, usado até hoje para

alimentação animal.

“Na verdade, a lavoura algodoeira não só abriu, à época, perspectiva

econômica para o hinterland nordestino, que somente havia conhecido

a pecuária e a sua atividade subsidiária da produção de alimentos,

como, através do estabelecimento de novas relações sociais, foi

portadora de transformações significativas na economia da região” 30.

________________________27 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 30. 28 BARBALHO, Nelson. Cronologia Pernambucana – Subsídios para a História do Agreste e do Sertão – de 1811 a 1817 .

V. 11. Recife: CEHM-FIAM, 1983, p. 203.29 “O algodão foi cultivado no Brazil desde os tempos coloniaes, sendo o seu primeiro centro de cultura o Estado do

Maranhão. Em breve, porém, a cultura se estendia a outros pontos e a producção se tornava tão remuneradora, que as

atividades portuguezas resolveram animar essa promettedora fonte de renda: e em 1750, tomaram medidas para auxiliar o

estabelecimento de fabricas no interior do paiz. Foi o mesmo que chegar um phosphoro a um rastilho de pólvora. A industria

começou a progredir a passos largos, a tal ponto que os próprios portuguezes, então completamente senhores do mercado

brazileiro de tecidos de algodão, se alarmaram”. LLOYD, Reginald. Op. Cit., p. 382.30 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 30.

35

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Mesmo quando arrefeceu a exportação do algodão em decorrência,

principalmente, do aumento da produção norte-americana, com o fim da Guerra da Secessão e

do incremento do algodão egípcio e asiático, não houve grande repercussão econômica no

Agreste, já que tinham sido instaladas várias indústrias têxteis e de extração de óleo em

Pernambuco, absorvendo, assim, a produção local, cujas áreas produtivas passaram a ser

consorciadas com outros tipos de lavouras, aumentando a sua rentabilidade econômica.

TABELA VIII

PRODUÇÃO ALGODOEIRA EM PERNAMBUCO (1865-1915)

PERÍODOS PRODUÇÃO EM KILOS

1865-1870 57.604.5771871-1875 52.066.1011876-1880 32.635.4411881-1885 56.523.0501886-1890 92.203.6251891-1895 86.883.8251896-1900 74.607.6751901-1905 95.219.5001906-1910 85.531.6751911-1915 98.291.025

Fonte: NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Op. Cit., p. 106.

A tabela acima reproduzida reflete essa argumentação da continuidade da

produção do algodão no Estado. Vendo-se que a partir de 1886 os números são quase sempre

crescentes e correspondem a uma produção algodoeira eficiente, em função do aparecimento

de novas indústrias têxteis 31.

________________________31 O Estado de Pernambuco, no início do século XX, contava com um número considerável de indústrias de tecelagem e de

outras empresas ligadas à produção algodoeira, como empresas de exportação. Entre elas pode-se destacar: Société

Cotonuiére Belge-Brésiliense, de manufatura de tecidos em geral; Fabricação Fiação e Tecidos de Malha, especializada em

meias para homens, mulheres e crianças; Companhia Tecidos Paulista, dirigida por Herman Lundgren até a sua morte;

Companhia Industrial Pernambucana, de fiação, tecelagem, branqueamento e tinturaria; Boxwell & Co., que possuía, em

Pernambuco, a maior prensa de algodão existente no Brasil e Neesen & Cia., uma firma especializada na exportação de

algodão. LLOYD, Reginald. Op. Cit., pp. 427, 941.

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O algodão, sem dúvida, foi um produto primordial para a região agrestina,

contudo, além da predominante característica econômica do Agreste de fixar-se na dualidade

algodoeira-pecuária, outras atividades foram surgindo nesse novo espaço, a exemplo da

agroindústria pesqueirense. Assim, por meio de diferentes atividades que foram despontando,

o Agreste integrou-se definitivamente às zonas situadas à leste do Estado de Pernambuco,

uma vez que crescia a sua densidade demográfica e maior era o intercâmbio entre as regiões.

Pelo fato do Estado apresentar características diversas como fatores edafo-

climáticos, culturais e socioeconômicos, o território pernambucano foi dividido, para melhor

detalhamento de cada região, em mesorregiões. A Zona Agreste do Estado, por sua vez,

corresponde hoje a, aproximadamente, 20% da área total de Pernambuco e é uma área

fisiográfica intermediária, situada entre a Zona da Mata e o Sertão.

“O Agreste é uma zona de transição entre a Mata úmida e o Sertão

semi-árido. (...) Apresenta um clima variado entre subúmido dos

“brejos de altitude” e semi-árida nas partes mais baixas do Planalto da

Borborema, cuja pluviosidade varia entre 500 a 900 mm anuais. Seu

relevo é o mais acidentado do Estado, representado pelo Planalto da

Borborema, cuja altitude varia entre os 450 a mais de 1.000 m de

altitude, como ocorre nas serras de Ororubá, em Pesqueira. (...) Os

solos existentes são do tipo arenoso e franco arenoso, em sua maioria

rasos e com baixa capacidade de água, devido a predominância na área

de rochas cristalinas. A vegetação predominante é a caatinga

hipoxerófila, devido a umidade recebida dos ventos do sudeste” 32.

O município de Pesqueira, foco do presente estudo, faz parte da Microrregião

Homogênea 183, Vale do Ipojuca, localizado na parte centro-norte-ocidental do Agreste. O

município está a 214 Km da Capital do Estado e tem um território bastante acidentado,

contendo várias serras. Pesqueira, situada ao sopé da Serra de Ororubá, deu início a uma

atividade industrial inovadora e se destacou, por um longo período, no Agreste

pernambucano.

________________________32 MELO, Paulo de Oliveira. Pesqueira, Espaço e Tempo. Pesqueira: s.ed., 1999, pp. 13-14.

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FIGURA I

REPRESENTAÇÃO DO AGRESTE DE PERNAMBUCO

MUNICÍPIOS DA MESORREGIÃO DO AGRESTE

A área escura do lado esquerdo, com o número 42, corresponde ao Município de Pesqueira.

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TABELA IX

MUNICÍPIOS POR MICRORREGIÕES

DO AGRESTE DE PERNAMBUCO

Microrregião Vale do Ipanema68- Águas Belas 69- Buíque 71- Itaíba 66- Pedra 70- Tupanatinga 56- VenturosaMicrorregião Vale do Ipojuca55- Alagoinha 39- Belo Jardim 18- Bezerros30- Brejo da Madre de Deus 37- Cachoeirinha 54- Capoeiras26- Caruaru 19- Gravatá 40- Jataúba42- Pesqueira 41- Poção 16- Riacho das Almas44- São Bento do Una 31- São Caetano 43- Sanharó38- TacaimbóMicrorregião Alto do Capibaribe11- Casinhas 15- Frei Miguelinho 29- Santa Cruz do Capibaribe13- Santa Maria do Cambucá 10- Surubim 28- Taquaritinga do Norte27- Toritama 12- Vertente do Lério 14- VertentesMicrorregião Médio Capibaribe04- Bom Jardim 17- Cumaru 06- Feira Nova08- João Alfredo 05- Limoeiro 02- Machados03- Orobó 07- Passira 09- Salgadinho01- São Vicente FerrerMicrorregião Garanhuns50- Angelim 63- Bom Conselho 61- Brejão57- Caetés 49- Calçado 48- Canhotinho59- Correntes 58- Garanhuns 67- Iati53- Jucati 45- Jupi 47- Jurema60- Lagoa do Ouro 46- Lajedo 51- Palmeirina65- Paranatama 64- Saloá 52- São João62- TerezinhaMicrorregião Brejo Pernambucano25- Agrestina 32- Altinho 21- Barra de Guabiraba22- Bonito 23- Camocim do São Félix 33- Cupira36- Ibirajuba 34- Lagoa dos Gatos 35- Panelas20- Sairé 24- São Joaquim do MonteFonte: AMUPE, 2004.

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3. PESQUEIRA: DO COMÉRCIO À INDÚSTRIA

3.1. Nas Origens de Ororubá

Após uma breve contextualização histórica do início da industrialização no

Brasil e em Pernambuco, finalizando com a evolução mercantil do Agreste, o presente

trabalho prossegue direcionando-se, a partir de então, para o município de Pesqueira e para

que o estudo se faça mais completo e fiel à abordagem histórico-econômica a que se propõe,

torna-se fundamental uma reconstituição das origens e evolução da cidade de Pesqueira, que

surgida no sopé da Serra de Ororubá, aos ditames da Vila de Cimbres, firmou-se cidade e se

destacou no interior pernambucano.

Como é de amplo conhecimento histórico, a colonização brasileira limitou-se,

por longo tempo, a povoar e a explorar apenas as áreas litorâneas, ficando o interior relegado

ao isolamento e somente aos poucos foi sendo arduamente desbravado.

Isso se dera, sobretudo, no nordeste brasileiro, onde os atrativos eram

pequenos em virtude da predominância de terras pouco férteis, ausência de grandes jazidas de

minérios e pela hostilidade do próprio clima, já que a natureza não se apresentava mais rica e

mais útil a qualquer exploração.

No Agreste pernambucano, especificamente, os sinais iniciais de colonização

principiaram-se no século XVII. Na região agrestina as serras tiveram papel importante na

formação dos primeiros grupos de habitantes, onde se destacavam como regiões de brejo, com

relevos de cerca de mil metros de altitude, as serras do Brejo da Madre de Deus, do Acahy e

de Ororubá.

Na serra de Ororubá, por força de sua uberdade, alguns silvícolas da tribo

Ararobás que pertenciam à nação dos Tapuias, tida como a mais antiga do país, ali viviam

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desde tempos mais remotos. Essa tribo dos Ararobás, contudo, foi invadida pelos Xucurús e

Paratiós, que nessas mesmas terras, de clima mais úmido, desenvolveram uma agricultura de

subsistência, o que posteriormente atraiu fazendeiros e boiadeiros para a região 33.

Os índios Xucurús e alguns Paratiós ocuparam as chapadas da Serra de

Ororubá e eram seus únicos habitantes até mais da metade do século XVII, quando se deu de

fato a colonização do interior da Capitania de Pernambuco. Assim, pode-se imaginar quão

vasto território do Agreste e Sertão era despovoado.

Esses índios que habitavam a Ororubá vieram para a região agrestina fugindo

da ocupação da Zona da Mata, pois temiam serem escravizados pelo avanço do plantio de

cana de açúcar, cultura predominante dos interesses europeus. Com base numa análise feita

por Darcy Ribeiro sobre os índios em Pernambuco, confirma-se o relato anterior de que

grupos indígenas “(...) foram compelidos a abandonar as antigas aldeias, transformadas em

vilas, e a acoitar-se mais longe, como os Xucurús, da serra de Urubá, em Pernambuco (...)” 34.

O caminho de fuga que os índios fizeram foi propositalmente o oposto dos

caminhos utilizados pelos boiadeiros e com esse traçado chegaram pela Chapada da

Borborema aos brejos úmidos da serra de Ororubá. Porém, há informação de que havia alguns

Xucurús em locais mais afastados da região de Cimbres 35.

Os índios de Ororubá, cuja aldeia chamava-se Urubá, desciam a serra com suas

lanças, flechas, puçás e timbós apenas para pescar nos poços que no sopé da serra abundavam

de peixes e também para caçar, principalmente pássaros. A propósito, muito se divaga sobre o

vocábulo Urubá: “segundo Alfredo de Carvalho, é corrutela de Urú-ibá, fruta do urú (gênero

de aves galináceas ainda existentes na serra); também onomatopaico de várias perdizes

pequenas. Ororobá na definição de Mário de Melo: palavra duvidosa, provavelmente cariri.

________________________33 Sobre os grupos indígenas de Pesqueira da serra de Ororubá há maiores informações em: SOUZA, Vânia R. Fialho de P.

As Fronteiras do Ser Xukuru. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1998.

34 in: Os Índios e a Civilização. Rio de Janeiro: Civilização Brasilerira, 1970, p. 56.35 WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: s. ed., 1972, p. 66.

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Sendo Tupi, pode provir de uru-ubá, o fruto do pássaro, provável corrutela de arara-ubá, fruto

de arara” 36.

Com a expansão da monocultura da cana e o crescimento dos engenhos na

Zona da Mata, os desbravadores, então, perceberam que já era o momento de adentrar na

Capitania de Pernambuco em direção ao Agreste, avançando no território a fim de descobrir a

fauna, a flora e os habitantes da região.

Enquanto os índios desfrutavam de sua liberdade e de um vasto território

intocável no interior da Capitania, no litoral, mais precisamente na capital da província,

travava-se uma luta política e territorial com as invasões e, posteriormente, expulsões dos

estrangeiros franco-holandeses.

Com o retorno de Maurício de Nassau à Holanda, em 1644, o arguto João

Fernandes Vieira, que antes era colaborador dos batavos, passa para o lado português e se

torna líder na guerra contra os holandeses em Pernambuco. Seu interesse em derrotar os

holandeses não possuía nenhum cunho patriótico, pelo contrário, almejava apenas se apossar

de terras ainda intocáveis.

“Homem muito esperto, previdente, oportunista, João Fernandes

Vieira, após alcançar as duas espetaculares vitórias sobre os holandeses

no morro dos Guararapes, em 1649, trata de pedir ao rei de Portugal

toda uma série de vantagens e concessões pessoais, movimentando

seus requerimentos em Lisboa através de Gaspar Berenguer, seu

procurador no reino. Assim, entre outras várias solicitações, destaca-se

uma referente a dez léguas de terra a começar da última sesmaria da

parte de Santo Antão para o interior, comprometendo-se a conquistá-

las aos índios e povoá-las” 37.

________________________36 MACIEL, José de Almeida. Pesqueira e o Antigo Termo de Cimbres. V. 1. Recife: CEHM/FIAM, 1980, p. 113.37 SANTA CRUZ, Pedro et al. Pesqueira Secular: Crônicas da Velha Cidade. Recife: Editora Santa Cruz, 1980, p. 29.

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Em 1654 encerra-se o período de domínio holandês no Brasil e, três meses

depois, o rei de Portugal D. João IV, em agradecimento à façanha dos colonos, faz uma

doação de grande parte do Agreste pernambucano, na qual estava inclusa a Serra de Ororubá,

ao mestre-de-campo João Fernandes Vieira, pelo seu feito nas grandes vitórias logradas

durante a expulsão dos holandeses, tornando-o proprietário “da sesmaria de dez léguas de

terra em redondo, a contar do último morador que se achasse para as partes de Santo Antão

em Pernambuco” 38.

Em 04 de outubro de 1666, João Fernandes Vieira toma posse de suas terras e

nelas assenta vaqueiros e gado, fundando naquela região agrestino-sertaneja várias fazendas

de criação. Assim se inicia, oficialmente, a colonização daquela serrania.

A sesmaria de Ararobá, que seria posteriormente denominada de Cimbres,

abarcava mais de vinte léguas de extensão, abrangendo uma base geográfica onde atualmente

estão inseridos cerca de vinte municípios pernambucanos 39, entre os quais: Alagoinha,

Altinho, Arcoverde, Belo Jardim, Bonito, Buíque, Brejo da Madre de Deus, Custódia,

Garanhuns, Inajá, Pedra, Pesqueira, Sanharó, São Bento do Una, São Caetano, Sertânia,

Taquaritinga, Venturosa e Vertentes 40.

Muito embora a sesmaria de Ararobá despertasse o interesse dos primeiros

colonizadores em conseguir hectares de terra na região, mostrava-se unânime a intenção de

todos eles de conquistarem algumas terras na área das serras, visto que estas eram providas de

água, possuíam um solo fértil para a agricultura, com abundância de frutos, e o clima era

muito aprazível. Deste modo, “nos pedidos de doação de terras preocupavam-se os futuros

sesmeiros com que suas sesmarias se estendessem até as serras, nos brejos, pois as pessoas

que ficassem a tratar do gado, necessitavam de gêneros alimentícios para o próprio

abastecimento” 41.

_______________________38 Ibidem, p. 30.39 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., p. 114.40 GALINDO, Givanildo. Reminiscências de Um Pequeno Mundo. Pesqueira: s.ed, 1996, pp. 37-38.41 ANDRADE, Manoel Correia de. A Pecuária no Agreste de Pernambuco. Recife: s. ed., 1961, p.56.

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Com a intenção de cristianizar os silvícolas, aportaram na Aldeia de Urubá,

com o consentimento do dono da sesmaria de Ararobá, os primeiros missionários

catequizadores e o primeiro deles a subir a serrania da aldeia foi o pe. João Duarte do

Sacramento, responsável pela fundação da aldeia indígena de Nossa Senhora das Montanhas

ou aldeia de Ararobá, em 1669, que depois se tornaria Vila Cimbres e, mais à frente, faria

parte do município de Pesqueira 42.

Como João Fernandes Vieira havia se tornado um dos homens mais ricos da

colônia e não estava conseguindo administrar todos os seus negócios, decidiu vender boa

parte de suas terras da enorme sesmaria agrestino-sertaneja ao tenente-coronel Manuel da

Fonseca Rego e o restante deu como doação à Congregação de São Felipe Néri, que mais

tarde conseguiu comprar de Fonseca Rego suas terras e as reuniu as outras propriedades de

Ararobá. Assim, a congregação fundou sua missão no povoado chamado de Monte Alegre 43,

passando depois a ser denominado de Cimbres que, em 1692, foi fundada pelo bispo Dom

Matias de Figueiredo e Melo, tornando-se a primeira paróquia do interior pernambucano.

Cimbres recebeu o honroso reconhecimento de Vila Nobre e Real e a Igreja de

Nossa Senhora das Montanhas, que assim teria sido chamada por ter sido encontrada uma

imagem de Nossa Senhora pelos silvícolas, sobre o tronco de uma craibeira, configurou-se

como a primeira Matriz do Agreste.

De acordo com registros históricos, alguns importantes nomes da história

nacional passaram por Ararobá. Em 1680, por exemplo, o bandeirante paulista Domingos

Jorge Velho, acompanhado de aproximadamente mil homens, teria atravessado a sesmaria de

Ararobá, vindo do sertão do Rio Grande do Norte, através do Piancó, para combater os negros

foragidos no Quilombo dos Palmares, assim como por lá também passou o revolucionário

pernambucano Bernardo Vieira de Melo, que deixou residindo na serrania cento e sessenta e

seis praças, inclusive seu filho, Antônio Vieira de Melo, que permaneceu em Ararobá até

meados do século XVIII 44.

________________________42 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 31-32.43 Ibidem, p. 32.44 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., pp. 153-154.

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O nome de Cimbres, embora para alguns filólogos signifique em dialeto

indígena ‘lugar de ensino’, para os historiadores não tem relação com a linguagem indígena,

pois foi um termo designado pelo governo português com a intenção de nacionalizar a

colônia. Portugal havia determinado que os nomes indígenas dos povoados fossem

substituídos por outros mais expressivos e comuns no Reino, alterando, portanto, a antiga

aldeia Urubá por Cimbres, que já era o nome de uma freguesia existente em Portugal 45.

Antes de Cimbres se tornar sede de município, apenas cinco outras localidades

a precederam na hierarquia civil de vilas oficializadas em Pernambuco: Igarassú, 1535;

Olinda, 1537; Sirinhaém, 1627; Recife, 1709 e; Goiana, 1742 46. Leve-se em consideração que

estas povoações situavam-se no Litoral e Zona da Mata, o que demonstra a importância e

tradição de Cimbres, por ser uma comunidade localizada no distante interior agrestino.

Em 03 de abril de 1762, Cimbres passou a ser considerada vila e sede do termo

e a partir de então contava com um juiz ordinário, um diretor dos índios, o Senado da Câmara

e cartórios. A Comarca de Cimbres exercia uma jurisdição tão importante quanto sua extensa

área territorial, cuja atuação legal prolongava-se do agreste pernambucano às fronteiras do

Sudeste.

A ascendência de Cimbres no interior da província era notória, principalmente

pela atuação do Senado da Câmara, cujas sessões tratavam dos mais diversos assuntos, desde

a imposição de multas e penas até pormenores como, por exemplo, o combate à sujeira,

limpeza da vila, pureza das águas e higiene, como citado no trecho transcrito da ata da sessão

de 09.08.1830, publicado no Jornal A Voz de Pesqueira em 15/08/1948:

_______________________45 As várias designações utilizadas para descrever a mesma área gera, muitas vezes, uma grande confusão lingüística a

respeito das origens de Pesqueira, por isso, fazem-se necessárias algumas considerações: a antiga aldeia dos índios Xucurús

chamava-se Urubá, enquanto a serra onde situava-se a aldeia era denominada de Ararobá ou Ororobá. A aldeia indígena de

Urubá passou a ser chamada pelos Jesuítas de povoação de Monte Alegre, posteriormente, o governo português determinou

que fosse chamada de Cimbres. Hoje, Cimbres é um distrito de Pesqueira, a aldeia tornou-se reserva indígena Xukuru, com

área de mais de 27 mil hectares demarcados pelo governo federal, e a serrania que envolve o Município de Pesqueira chama-

se Ororubá.46 CAVALCANTI, Bartolomeu. No Tacho, o Ponto Desandou – História de Pesqueira, de 1930 a 1950. Recife: Tese de

Doutorado, Depto. de História/UFPE, 2005, p. 39.

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“Presidente Lourenço da Silva Cavalcanti. Comparecem os vereadores

José Claudino Leite, João Florentino e padre Manuel Henrique. Aberta

a sessão o presidente designou os trabalhos do dia: ofício do juiz de

Paz da freguesia do Bréjo. Entrou em discussão o cuidado que deveria

ter a Câmara de alguns objetos tendentes à limpeza desta vila e purêza

das águas do tangue da mesma sobre o que assentou publicar por edital

e postura seguinte, vedando toda lavagem de roupas, fatos, cavalos,

couros cortidos ou deitar de môlho em cabêlo, e tudo quanto fôr

imundo dentro do açude desta vila, com multa de 200 réis pela

primeira vez e daí a dobrar segundo as reincidências, e aos indigentes

24 horas de prisão na fórma sobredita. (...)” 47.

Praticamente cinqüenta anos depois, em 1810, a vila de Cimbres, por resolução

do Capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, tornou-se sede da Comarca do

Sertão de Pernambuco, ou seja, foi a terceira comarca criada na Capitania de Pernambuco,

cuja jurisdição começava em Garanhuns e se estendia até os limites com Minas Gerais 48.

A supremacia interiorana da vila de Cimbres, contudo, começou a enfraquecer

devido a dois acontecimentos relevantes: a criação da Comarca do Brejo da Madre de Deus,

que reduziu a amplitude da Comarca de Cimbres e o surgimento de uma nova localidade no

sopé da serra de Ororubá, a fazenda Poço do Pesqueiro, futura cidade de Pesqueira, que por

sua fácil localização alterou o trajeto rumo ao Sertão.

Pelos idos de 1800, o Capitão-mor Antônio dos Santos Coelho da Silva,

riquíssimo português que residia na fazenda Genipapo, provavelmente umas das maiores

fortunas do interior pernambucano, concedeu que sua filha, Clara, casasse-se com o Capitão-

mor Manoel José de Siqueira, dando como dote de casamento uma fazenda no sopé da serra

de Ororubá, na qual ficavam os poços de pescaria que serviram, remotamente, como local de

pesca dos índios Xucurús.

________________________47 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., p. 64.48 Ibidem, p. 126.

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O Capitão-mor Antônio dos Santos Coelho da Silva, sogro do fundador de

Pesqueira, Manoel José de Siqueira, e avô de grandes personalidades da história

pernambucana, como o Dr. Domingos de Souza Leão, 2º Barão de Vila-Bela e o célebre

conselheiro Paes Barreto, residia na fazenda Genipapo, situada a vinte e quatro quilômetros da

propriedade que dera a seu genro, vindoura Pesqueira 49. Antônio dos Santos Coelho, no início

do século XIX, concentrava um dos maiores patrimônios de Pernambuco, o que pode ser

averiguado através da descrição de bens do seu espólio, cujo inventário é datado de 1822.

No inventário de Santos Coelho, verificou-se um elevado número de escravos,

mais uma confirmação da afamada riqueza do de cujus, que possuía um total de quinhentos e

dezesseis negros, distribuídos em suas diversas fazendas, como se observa na tabela abaixo.

TABELA X

ESCRAVOS PERTENCENTES A ANTÔNIO DOS SANTOS COELHO (Fazendas de sua propriedade - 1822)

FAZENDAS ESCRAVOS ESCRAVAS TOTAL GERAL

Batalha 21 3 24Caiana 67 27 94Caípe 17 4 21Capivara 17 7 24Genipapo 67 59 126Lagoa do Peixe 19 5 24Mulungú 33 20 53Passo 9 2 11Sanharó 19 6 25Sítio do Meio 72 24 96*Crianças de peito - - 18

TOTAL 341 157 516

Fonte: Revista do Arquivo Público. Recife: 1947, Ano II, Nº III, p. 30.

*Crianças de peito não era o nome de uma fazenda, correspondia aos filhos pequenos dos

escravos, inclusos na contagem geral.

________________________49 Revista do Arquivo Público. Recife: 1947, Ano II, Nº III, pp. 15-16.

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Contudo, não se resumia a escravos à riqueza do Capitão-mor Antônio dos

Santos Coelho 50, pois o inventário composto de quinhentas folhas contava com bens

diversificados, entre eles os principais: vinte e sete peças de ouro; vinte e oito jóias, dentre as

quais anéis e solitários de diamante; trinta e nove peças de prata; vários objetos em ferro,

cobre e latão; além de mobílias e louças européias. Entretanto, os bens de raiz eram os mais

valiosos, pois era vasto o número de propriedades pertencentes ao Capitão-mor, que possuía

desde inúmeras fazendas na Zona Agreste do Estado a vários prédios e terrenos situados em

Recife e Olinda. Chama atenção também a grande quantidade de algodão descrita em seu

patrimônio, além de engenhos e prensas descaroçadoras do produto, o que demonstra que o

plantio de algodão era a principal atividade econômica de suas fazendas 51.

Em relação à fazenda Poço do Pesqueiro, esta foi logo elevada à categoria de

povoado, pois se consolidou como um ponto de apóio para viajantes e tropeiros, já que

representava um novo caminho para se chegar ao Sertão pernambucano, através do vale do

Ipojuca, não mais sendo necessário fazer o trajeto antes utilizado, mais penoso e cansativo, de

subir a serra pela vila de Cimbres. Conforme o Mapa da Estrada Real, de 1802, o caminho das

boiadas serviu de base à atual BR-232 52.

Com esse novo caminho para se chegar ao Sertão, a fazenda Poço do

Pesqueiro, que deu origem ao nome da cidade de Pesqueira, tornou-se parada inevitável para

todos que seguiam tal trajeto e, devido a sua boa localização à margem da estrada, passou a

atrair não só tropeiros e viajantes, mas também os habitantes da serra e das localidades

próximas, convertendo-se em um importante entreposto comercial 53.

________________________50 O Capitão-mor Antônio dos Santos Coelho da Silva faleceu em 1821, o seu funeral foi ostentoso, sendo sepultado no

Convento de São Francisco, em cuja intenção foram celebradas 220 missas e queimadas 1.373 libras de cera, alcançando uma

enorme despesa fúnebre de 2.300$000 (dois contos e trezentos mil réis). Ibidem, pp. 17-19.51 Ibidem, pp. 19-22.52 BARBALHO, Nelson. Caboclos do Urubá. Recife: CEHM-FIAM, 1977, p. 84.53 “A Fazenda da Pesqueira, ao sopé da Serra do Urubá, Município de Cimbres, graças ao trabalho e dinamismo do capitão

Manuel José de Siqueira, seu proprietário, e a colaboração efetiva do irmão deste (...), já vai perdendo as características de

simples propriedade particular, para ganhar nova projeção e novas dimensões sociais, entremostrando-se como uma das

povoações mais vivas e movimentadas de toda a região ararobaense”. Ibidem, p. 59.

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O Capitão-mor Manoel José de Siqueira, proprietário da fazenda Poço do

Pesqueiro, fez três edificações que serviram de base para o surgimento da cidade de

Pesqueira: “Edificou sua casa, sua residência (...) ao lado, uma igrejinha, dedicada à N. S.

Mãe dos Homens (...) e edificou, ainda, uma pequena escola (...). Nessa tríplice sustentação,

nasceu Pesqueira” 54.

A capela N. S. Mãe dos Homens, construída em 1822, é considerada a

edificação mais antiga de Pesqueira e a ela se seguiram dois sobrados, que depois tornaram-se

o Palácio do Bispo, a Casa da Câmara e a Cadeia, que Manuel de Siqueira não conseguiu

terminar. Segundo o Pe. Frederico Bezerra Maciel, Pesqueira cresceu em torno da Capela e

assim era o núcleo da cidade:

“1. CAPELA da antiga padroeira Nossa Senhora Mãe dos Homens,

cujo exercício regular do culto foi inaugurada a 6 de janeiro de 1822,

com bênção, Missa cantada, “a primeira festa da padroeira”.

2. CEMITÉRIO, que se estendia do oitão direito à traseira da capela.

Nele, porém, não eram enterrados os escravos.

3. SOBRADO, com água-furtada servindo de vigia dos caminhos das

boiadas e da serra, de toda a fazenda. Residência definitiva do Capitão-

mor Fundador, Manuel José de Siqueira.

4. SOBRADO anexo, construído para os familiares do Fundador e

hóspedes de grande categoria.

5. JARDIM do sobrado, quase todo de belíssimas rosas (...).

6. CURRAL DE LEITE, com duas cancelas, uma dando para a rua,

por onde saía o gado vendido; outra para atrás, por onde, todas as

manhãs, entrava e saía o gado leiteiro.

7. PEQUENO CURRAL dos bezerros.

8. ESTRIBARIAS.

9. SOBRADO, a primeira das construções, para servir, de início, de

residência do Fundador, e depois, no andar de cima, a hóspedes em

geral, visitantes da fazenda.

________________________54 GALINDO, Givanildo Paes. Op. Cit., p. 34.

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10. CASA DA CÂMARA E CADEIA. Construído pelo Fundador e

complementado pelo Maestro Tomás de Aquino.

11. RUA DE BAIXO, antiga denominação dada por causa do

desnível da rua neste lado. Constando de sete residências de estilo

colonial construídas pelos escravos.

12. ARMAZÉM-CELEIRO, isolado e um pouco recuado.

13. SENZALA GERAL dos escravos, cogumelada em três lances

desiguais, de taipa e telha.

14. CASEBRE DE “CONGO” (...) robusto e bem cevado negro

padreador.

15. SENZALA DE PADREAÇÃO, de negras de “pedigree”, novas,

bonitas, sadias e bem fornidas.

16. CERCADO de pernoite do gado leiteiro trazido, diariamente,

pelos vaqueiros, de baixa de capim do riacho Salgado” 55.

O crescimento do povoado provocou, paulatinamente, a decadência de

Cimbres. Em 1836, pela Lei Provincial nº 20, Pesqueira recebeu definitivamente os foros de

Vila 56. Cimbres, na verdade, já havia perdido a mais de três anos suas principais instituições

de poder, como o Batalhão da Guarda Municipal, o Senado da Câmara e a sede do Governo

Municipal, transferidos para a povoação de Pesqueira.

Havia algumas dúvidas sobre quando de fato ocorreu a transferência da matriz

de Cimbres para a vila de Pesqueira, pois o comentário histórico predominante era de que os

próprios vereadores de Cimbres, em 1852, teriam requerido a mudança da matriz para

Pesqueira. Porém, em um artigo publicado no Jornal A Voz de Pesqueira de 30/03/1952 fica

esclarecido que:

________________________55 in: UBASSAGAS – Sagas Sócio-Tradicionais da Cidade Pernambucana de Pesqueira. Série 1. Recife: Editora

Universitária da Univ. Fed. de Pernambuco, 1982, pp. 299-305.56 “(...) a Câmara municipal, sessão de 11 de julho de 1834, oficiava ao Presidente da Província enviando uma representação

dos habitantes do município sobre a pretensão de transmutar-se a vila para a fazenda Pesqueira fundando-se ou dando-se por

causal o grave detrimento dos empregados públicos e total escassês, e deterioramento local. (...) O golpe de misericórdia que

alcançou Cimbres, deferiu-o a Lei nº 20, de 13 de maio de 1836, deslocando definitivamente para Pesqueira, como se

impunha por todos motivos, o predicamento que a antiga séde detinha há 74 anos”. MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., pp.

98, 100.

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“Não houve transferência da matriz de Cimbres para Pesqueira em

1852: Pesqueira somente conseguiu a criação do seu paroquiato em

1870 (lei de 25 de julho), desmembrando da antiqüíssima freguesia de

Nª. Sª. das Montanhas de Cimbres e que ainda hoje permanece, criado

que foi em 1692 pelo bispo de Olinda dom Matias de Figueiredo e

Melo” 57.

Em 20 de abril de 1880 Pesqueira é elevada à categoria de cidade pela Lei nº

1484, com o nome inicial de Santa Águeda de Pesqueira 58, ficando sob sua jurisdição os

então distritos de Alagoinha, Sérgio Loreto (Poção), Cimbres, Salobro, Sanharó e Rio Branco

(Arcoverde). Com o título de sede de município, Pesqueira se torna a 15ª cidade

pernambucana e a primeira do Semi-Árido.

A cidade, que se apregoa ter surgido casualmente, pelo fato de ter-se originado

pela descoberta de um novo caminho para se chegar ao Sertão, passando pelo sopé da Serra de

Ororubá, logo se tornou um conhecido entreposto comercial, gerando intensas relações

mercantis Recife-Agreste-Sertão.

A partir de 1883, quando é empossado o primeiro prefeito do município, o

tenente-coronel André Bezerra do Rêgo Barros, a cidade rapidamente inicia seu

desenvolvimento, estimulado pela atividade comercial que ali se estabeleceu, tornando-se

uma das mais influentes cidades da região. A atividade comercial de Pesqueira a fez

conhecida em todo o Estado de Pernambuco e, posteriormente, a sua atividade industrial, por

meio das indústrias alimentícias, tornaria seus produtos difundidos e apreciados

nacionalmente.

_______________________57 Ibidem, pp. 148-149.58 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 198.

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3.2. A Preeminência Mercantil de Pesqueira (1870-1920)

Como mencionado no item anterior, Pesqueira nasceu quase ao acaso, em

decorrência de um caminho mais acessível que ligava o Litoral ao Sertão, através dos vales

dos rios Ipojuca, Ipanema e Moxotó.

Antes da descoberta do caminho pelo sopé da serra de Ororubá, para se fazer a

ligação entre a zona litorânea e o Sertão o trajeto era árduo e longo, era necessário dar uma

grande volta pelos vales do Ipanema e São Francisco para ir, por exemplo, de Cimbres a

Recife 59.

Com a utilização da fazenda ‘Poço do Pesqueiro’ como nova rota para o

Sertão, o trajeto ficou mais rápido e menos sinuoso. O que não se podia imaginar é que, por

causa desse novo percurso, estava por surgir uma localidade que se desenvolveria de forma

fugaz, alicerçada no comércio gerado nas suas porteiras. Verifica-se, portanto, que dois

fatores principais acarretaram a rápida evolução de Pesqueira como centro mercantil:

“1.º) a localização. Pesqueira ficava ao sopé da Ororubá, não havia

necessidade de se subir a serra por caminhos puxados e penosos.

2.º) ali estava o caminho das boiadas: o ponto de intercepção entre a

Capital e o Sertão entrecruzando-se com os caminhos da serra ao norte

e de Garanhuns ao sul; e o pouso obrigatório para descanso, mercadejo

ou escambo dos almocreves, de arraçoamento das alimárias, de

transporte de cargas de toda sorte...” 60.

Antes mesmo de se tornar cidade, o povoado de Pesqueira já concentrava uma

considerável atividade comercial, tornando-se um ponto para a troca de produtos, com uma

variedade de mercadorias que iam desde produtos agrícolas, couros e peles a outros mais __________________________59 SETTE, Hilton. Op. Cit., p. 42.60 MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 65.

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aprimorados trazidos de Recife, como tecidos, calçados, ferramentas, miudezas, etc. Como o

povoado se tornou um local de confluência entre o litoral pernambucano e os sertões do São

Francisco, passou a ser mais freqüentado e conhecido, o que gerou o seu rápido

desenvolvimento.

Devido ao avanço do povoado de Pesqueira, Segundo Hilton Sette, “(...) os

povoados de Cimbres, do Genipapo e até do próprio Brejo da Madre de Deus, embora

continuassem aparentemente prósperos por mais alguns anos, tiveram a sua sentença de

irremediável declínio decretada” 61.

Os viajantes e tropeiros que vinham ou iam em direção ao litoral,

acostumaram-se a fazer suas paradas nos brejos úmidos da localidade de Pesqueira, pois lá

recuperavam suas forças para as longas viagens. Alguns se hospedavam, outros apenas

repousavam por algumas horas, enquanto os animais descansavam e eram reabastecidos.

Como a fazenda localizava-se num brejo úmido, a água era farta e havia sempre plantações

para suprir os arrieiros. Diz-se, ainda, que foi o espírito hospitaleiro dos donos da localidade o

primeiro atrativo para tornar a fazenda ponto de parada para os viajantes.

Para Sette, foi a freqüência dessas visitas cada vez mais constantes feitas pelos

tropeiros, que tornou um hábito descer das serras úmidas até a localidade, para a qual levavam

seus produtos agrícolas e os trocavam por outras mercadorias com os viajantes e os

caatingueiros locais. A troca era feita entre os mais diversos produtos como milho, café,

feijão, mandioca, mamona, queijos, artefatos de couro, querosene, tecidos e outros tantos que

supriam as necessidades de cada um e assim começou a se formar, naquele lugar, uma espécie

de mercado livre 62.

________________________61 SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 45.62 “A freqüência dessas visitas, dia a dia mais numerosas e demoradas, dos tropeiros em marcha, ora em demanda dos sertões,

ora em direção ao litoral, serviu de motivo a que os brejeiros se acostumassem a descer, de quando em quando, as “serras”

úmidas trazendo os seus variados produtos agrícolas e os caatingueiros acorressem de toda parte levando os seus queijos e

artefatos de couro, mercadorias que conseguiam trocar pelo pano de vestir, pelo querosene, pelos instrumentos de trabalho e

por muitas outras coisas vindas do Recife, tão necessárias às atividades e à subsistência humana em “habitat” rural”. Ibidem,

p. 50.

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No final do século XIX Pesqueira tinha um movimento mercantil intenso para

a época e por conta de sua boa localização, como cidade intermediária entre o Litoral e o

Sertão, ocorreu um grande intercâmbio de mercadorias no seu centro urbano, mercadorias que

vinham de várias regiões de Pernambuco e até de outros estados, como de Alagoas e da

Paraíba.

Em 1880, como relatado, Pesqueira é elevada à categoria de cidade e como a

15ª cidade pernambucana já surgiu numa condição privilegiada, uma vez que se tornava uma

das cidades mais conhecidas do interior, por sua atividade comercial.

No ano de fundação da cidade, em 20 de abril de 1880, Pesqueira tinha tão

somente trezentas casas de pedra e cal, sem contar os casebres 63, número que rapidamente foi

sendo acrescido com o seu desenvolvimento. No decênio de 1880 a 1890, pode-se constatar

que o intercâmbio comercial existente em Pesqueira, como perímetro mercantil, criou

recursos e estímulo para que a cidade desenvolvesse outras áreas de interesse dos munícipes,

como educação, cultura e entretenimento, aspectos sociais apenas encontrados nas cidades

mais proeminentes e adiantadas do Estado.

Pesqueira, na década de 1880, já dispunha de qualificados e dedicados

professores públicos, como os docentes Rufino Epifânio Rodrigues dos Santos e Úrsula

Cizelina de Andrade Lima, que ministravam aulas no curso primário e o professor Frânclin

Minervino Martins, no ensino de latim e francês. Uma importante realização ligada à

educação, nesta década, foi a criação de uma sociedade intitulada de Biblioteca Popular de

Pesqueira, idealizada pelo professor Rufino dos Santos e que tinha como objetivo precípuo ser

uma associação de caráter educacional e beneficente 64.

________________________63 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., p. 270. 64 A Biblioteca Popular de Pesqueira foi criada através de um estatuto que continha sessenta e seis artigos e da leitura deste

estatuto percebe-se a grande preocupação de transmitir conhecimento e disseminar cultura na comunidade, como pode ser

verificado em trechos transcritos de alguns artigos, cuja finalidade da Biblioteca era: “Instruir os sócios e o povo; cuidar do

bem-estar dos sócios quando os seus lícitos e legítimos interesses o exigirem; promover a instrução por todos os meios, de

conformidade com os presentes Estatutos; fornecer roupa e livros aos meninos pobres para freqüentarem as aulas públicas;

promover o bem-estar dos sócios e o engrandecimento da Biblioteca”. Ibidem, p. 274.

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Como disse o insigne jornalista pesqueirense José de Almeida Maciel, “uma

boa iniciativa como que estimula outras”, então, logo após a abertura da biblioteca foi

fundada, em 1883, por Tomás de Aquino Almeida Maciel, uma sociedade musical, sinônimo

de progresso nas localidades interioranas. Por fim, a década ainda contava com as famosas e

movimentadas corridas de prado, tendo sido construída em Pesqueira uma sociedade hípica,

chamada de Prado Pesqueirense, considerada uma das mais bem organizadas do Estado e que

atraía um grande número de freqüentadores.

Porém, o grande marco para o avanço do município se deu no início do século

XX, cujo impulso comercial sobreveio com a chegada dos trilhos da linha férrea Great

Western (Great Western of Brazil Railway Limited), que primeiro alcançou Caruaru e São

Caetano em 1895, depois Tacaimbó em 1896, Belo Jardim e Sanharó em 1906 e, por fim,

chegou a Pesqueira em 1907 65 e durante cinco anos não houve prolongamento das linhas.

Deste modo, a estação ferroviária de Pesqueira era a última parada para o Sertão e foi isso que

estimulou o comércio da cidade naquele período, já que obrigatoriamente todos que iam ou

vinham do Sertão pernambucano precisavam embarcar ou desembarcar em Pesqueira, fazendo

do local um agitado ponto de convergência de pessoas e mercadorias.

Com a chegada da linha férrea, portanto, a cidade de Pesqueira, que era o

principal entreposto comercial da região, fez-se ainda mais imponente e teve seu ritmo de

crescimento acelerado 66. O trem, diariamente, trazia pessoas que em Pesqueira

desembarcavam para depois seguirem viagem aos seus destinos, assim como também outras

tantas pegavam o transporte férreo em direção à capital e durante esse tempo de espera entre

um trem e outro, transitavam pela cidade, compravam mercadorias, artigos de necessidade

pessoal e até alguns presentes, nas várias lojas de miudezas, para mimosear os parentes e

amigos na volta para casa, o que movimentava o centro comercial da cidade.

________________________65 SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 56.66 “A condição de ponto terminal de linha ferroviária fez crescer enormemente o comércio local, tornando-o mercado onde os

produtores de regiões vizinhas e de grande parte do Sertão de Pernambuco e da Paraíba comercializavam seus produtos, ao

mesmo tempo em que se abasteciam dos bens normais de consumo até de equipamentos de produção”. SANTA CRUZ,

Pedro et al. Op. Cit., p. 34.

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Esse vai-e-vem constante de pessoas dos mais variados lugares, principalmente

trazidas pelo trem, fez com que o comércio da cidade fosse diversificando-se e aumentando

suas transações econômicas. Até o número de pequenas hospedarias cresceu em virtude dos

passageiros vindos do Alto Sertão que, em geral, alojavam-se nas estalagens apenas para

pernoitar e depois seguirem viagem 67.

As negociações de compra e venda no ponto comercial da cidade incluíam as

mais diversas mercadorias, como mamona, algodão, couros, peles, calçados, tecidos,

alimentos em geral, ferragens, miudezas, chapéus, remédios, enfim, produtos variados e que

movimentavam o centro urbano de Pesqueira, atraindo de outras localidades comerciantes,

compradores, viajantes e espectadores.

A ferrovia, portanto, teve um papel crucial no desenvolvimento do município

de Pesqueira, assim como no de outras cidades que souberam aproveitar o transporte férreo

para o crescimento econômico. A linha férrea estadual seria um catalisador no processo das

relações comerciais entre as regiões, funcionando como um elemento dinâmico da economia

agrestina, incrementando a circulação de mercadorias e pessoas no mercado intra-regional 68.

A importância do comércio era tão significativa para a cidade, que até o

aspecto físico de Pesqueira, ou seja, sua paisagem urbana, principiou-se na localização das

casas de negócios. Pode-se constatar que o antigo bairro comercial, assim como as

construções mais remotas, situa-se de forma retilínea no centro da cidade. A urbanização de

Pesqueira, destarte, seguiu uma linha reta, como se fosse uma “longa espinha dorsal uniforme

onde se encontram as casas comerciais e residenciais que dominam a sua paisagem urbana” 69.

________________________67 “O comércio, como já ficou referido, cresceu em número e importância econômica das transações de compra e venda,

refletindo-se isso no aspecto material, na variedade do sortimento e mesmo na quantidade de lojas e armazéns.

Multiplicaram-se as pequenas hospedarias para os que chegavam do Alto Sertão com o objetivo de pegar o trem do Recife e

vice versa”. SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 57.

68 PATRIOTA, Fernando R. Barros. Industrialização do Caroá no Sertão de Pernambuco: Um Processo Interrompido.

Recife: Dissertação de Mestrado, Depto. de História/UFPE, 1992, p. 16.69 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. A Acumulação de Capital e a Industrialização em Pesqueira. Recife: Dissertação de

Mestrado, Depto. de Economia, PIMES/UFPE, 1979, p. 38.

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Para a época e em comparação a outras cidades, Pesqueira já possuía um

número expressivo e diversificado de estabelecimentos comerciais, como demonstra o anuário

comercial dos anos de 1902/3, conforme a tabela XI:

TABELA XI

ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DE PESQUEIRA (1902-1903)

CASAS COMERCIAISN° DE

ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS

Casas que compram algodão, mamona,

couros e peles......................................... 7

Casas que vendem tecidos e

miudezas................................................ 15

Casas que operam com calçados,

chapéus e chapéus de sol........................ 8Casas que negociam com ferragens....... 11Casas que vendem secos e molhados.... 15Casas com drogas e produtos

farmacêuticos......................................... 2 Fonte: SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 53

Outra demonstração da importância comercial de Pesqueira era o grande

número, em fins do século XIX e início do XX, de anúncios comerciais publicados em

periódicos de Pernambuco e também em jornais da imprensa local. Uma das firmas mais

importantes da cidade na época em questão, assim fez seu reclamo em um anuário comercial

do Estado:

“CORDEIRO & SANTOS

Estado de Pernambuco – Cidade de Pesqueira

Grande armazém de compras e vendas de algodão, courinhos, couros

secos e salgados, solas, mamona e todos os mais produtos do País.

Encarregam-se de toda e qualquer comissão, quer para dentro, quer

para fóra do País. Satisfazem encomendas para compras de

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locomotivas, machinas de quaisquer utensílios tendentes aos

machinismos de descaroçamento de algodão. São no Centro principaes

agentes das acreditadas firmas comerciaes Francisco Xavier & Santos

e Nessen & Comp. da Praça do Recife. Teem seu armazém e

escriptório à rua Duque de Caxias n. 55, em Pesqueira, com valioso

seguro na Companhia de Seguros contra fogo “L” Union de Pariz.

End. telegraphico: CORDEIRO” 70.

A continuação dos trilhos da linha férrea Great Western em direção ao Sertão,

em 1912, passando na povoação de Olho-dágua-dos-Bredos, que hoje é a cidade de

Arcoverde, fez com que o fluxo de pessoas vindas dos mais diversificados lugares diminuísse,

pois Pesqueira já não era a última parada ferroviária. O avanço dos trilhos em direção ao

Sertão do Estado provocou uma diminuição significativa nas transações comerciais da cidade

e, em decorrência disso, o antigo reconhecimento de “despensa do Sertão” que pertencia a

Pesqueira passou para a cidade de Arcoverde.

TABELA XII

EXPANSÃO DAS ESTRADAS DE FERRO EM PERNAMBUCO (1851-1930)

DECÊNIOSEXTENSÃO

KILOMÉTRICA POR DECÊNIO*

1851 – 1860 57,6701861 – 1870 66,4791871 – 1880 -1881 – 1890 350,5911891 – 1900 181,2331901 – 1910 129,1501911 – 1920 34,9701921 – 1930 195,254

TOTAL 1.015,347

Fonte: Anuário Estatístico. Recife: 1930, Ano IV, pp. 305-12.

* Só foram registradas as ferrovias com bitola de 1,00 m.________________________70 SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 54.

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De acordo com a tabela XII, até a década de 1930 vê-se que houve uma grande

expansão nas linhas férreas pernambucanas, sem contar com a extensão quilométrica férrea

relativa às usinas que não foi inclusa na tabela, por terem bitolas diferentes da citada (0,75 m

e 0,60 m), o que equivaleria aproximadamente a 1.200 Km a mais de linhas férreas em

Pernambuco.

O decênio de 1881 a 1890 foi o que teve o maior aumento quilométrico, cerca

de 350,591 Km, o que é explicado pela expansão dos trilhos da Zona da Mata para a Região

Agreste, direcionando a partir desta década as linhas férreas para o interior do Estado. Até a

década de 1930 a Zona da Mata possuía a maior extensão ferroviária do Estado, com mais de

1.100,000 Km, seguida pelo Agreste, com cerca de 315,498 Km e o Sertão, que possuía

165,072 Km 71.

No período que vai de 1870 a 1920, portanto, Pesqueira teve um grande

desenvolvimento urbano, isso gerado por dois fatores: no primeiro momento Pesqueira era um

necessário entreposto comercial entre o Litoral e o Sertão do Estado, no segundo, o comércio

atingiu seu pico de crescimento com a chegada da ferrovia, fazendo da cidade o suporte

mercantil da região.

Entretanto, embora as transações comerciais tenham diminuído após a década

de 1920, a base comercial do município já estava estruturada e, mais adiante, serviria de apoio

para o bom andamento da atividade industrial em marcha, atividade esta que consolidaria a

economia pesqueirense como uma das mais promissoras do interior pernambucano.

O desenvolvimento comercial de Pesqueira durante o século XIX e que se

estendeu até as primeiras décadas do XX, somado ao contexto estrutural da região agrestina e

ao período favorável ao crescimento da indústria regional, permitiu ao município

pesqueirense o acúmulo de capital necessário para substituir a atividade comercial pela

industrial. Assim, pode-se conjeturar que foi esse capital acumulado no próspero período

comercial da cidade que impulsionou o surgimento da indústria do doce e do tomate.

________________________71 NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Op. Cit., p. 102.

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3.3. O Início da Industrialização do Município

O desenvolvimento comercial de Pesqueira foi o passo inicial e fundamental

para a evolução da urbanização da cidade. A prosperidade do comércio diversificado e a

geração de riqueza proveniente dessa atividade aceleraram e garantiram o crescimento da

cidade e, mesmo quando o comércio começou a declinar no início do século XX,

principalmente pelo avanço das linhas férreas rumo ao Sertão do Estado, como já referido, o

capital gerado pela atividade comercial do município mostrava-se consolidado, o que permitiu

a transferência de uma atividade econômica para outra: do comércio à indústria. Estava em

andamento, então, uma nova fase para o progresso de Pesqueira, a industrial.

O período de intensa atividade comercial de Pesqueira, a partir de 1870,

quando a cidade era um importante empório mercantil do interior do Estado, tornando-se um

ponto de comercialização de mercadorias advindas do Litoral e do Sertão, possibilitou-lhe

formar uma base econômica sólida para o conseqüente rumo da cidade:

“No contexto de uma ordem mercantil, como a que foi formada em

Pesqueira, marcada pela existência de uma classe de comerciantes

detentora de um excedente de capital comercial que suscita um

empreendimento no qual se pudesse aproveitar o mercado local e uma

mão-de-obra livre procedente do campo definiu, a nosso ver, as bases

materiais da ideologia da livre iniciativa que conduziu aquela classe de

comerciantes para a produção industrial” 72.

Graças à flexibilidade econômica do município, à inovadora atividade

industrial e ao contexto econômico nacional favorável ao surgimento de novas indústrias no

final do século XIX e início do XX, como mencionado no capítulo anterior, Pesqueira

conseguiu evitar a perda de sua posição como importante município do Agreste

pernambucano.

________________________72 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit., p. 40.

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Da mesma forma que se diz que Pesqueira foi uma cidade surgida ao acaso, em

decorrência de sua boa localização, o que a tornou geograficamente um elo entre a Capital e o

Sertão, gerando seu aglomerado humano e seu desenvolvimento mercantil, diz-se, também,

que o surgimento da industrialização do município foi outro acontecimento fortuito.

E esta afirmativa não deixa de ser uma verdade, porque toda a industrialização

do doce foi iniciada sem maiores pretensões por Dona Maria da Conceição Cavalcanti de

Britto, conhecida como Dona Yayá, esposa do comerciante de miudezas e tecidos Carlos de

Britto, que seria o fundador das indústrias Peixe.

Carlos de Britto e sua família, após meados do século XIX, mudaram-se de

Recife para Pesqueira, certamente em busca de melhores oportunidades e levados pela

propagada fama da cidade de ser um dos melhores lugares do Estado para o investimento em

atividades comerciais. Lá instalaram seu comércio, que tinha uma boa diversidade de

mercadorias entre tecidos e miudezas.

A atividade comercial do município era muito rentável e atraía negociantes de

várias localidades do interior pernambucano e também de estados circunvizinhos, como da

Paraíba e de Alagoas. Contudo, um fato ocorrido com o Coronel Delmiro Golveia, figura

expressiva do meio empresarial nordestino, inovador comerciante e industrial, muito

prejudicou o comércio de Pesqueira. Delmiro Golveia foi uma “espécie de Mauá de

Pernambuco. Um homem incompreendido na época, ousado demais” 73.

Delmiro comercializava couro, algodão e gêneros alimentícios em

Pernambuco, comprando esses produtos no interior e revendendo para outros centros

comerciais do Estado, do Nordeste e também para exportação. O comércio de peles e couro de

Pesqueira, por exemplo, dependia muito dele e no tempo em que residiu na cidade assim

disse: “Sinceramente, foi Pesqueira que me ensinou a querer fazer coisas grandes” 74.

________________________73 BARROS, Souza. Op. Cit., p. 49.74 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 127.

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O Coronel Delmiro Golveia, no entanto, transferiu-se para Alagoas, para se

tornar proprietário de uma fábrica de linhas, em parceria com os Lundgren. Antes de se

tornarem industriais, os irmãos Lundgren eram também comerciantes de pele e compravam o

produto no interior de Pernambuco para exportá-lo para a Europa, depois passaram para o

ramo da indústria têxtil.

Com a transferência de Delmiro para o Estado de Alagoas, devido a

divergências com o chefe político de Pernambuco, o Conselheiro Francisco de Assis Rosa e

Silva 75, Pesqueira teve uma grande perda econômica, pois era um dos maiores centros

fornecedores de peles de boi e de bode do Estado e sem mais o intercâmbio comercial

estabelecido por Delmiro Golveia, a comercialização de tais produtos provocou um grave

abalo na economia do município.

Assim, agora são dois os principais fatores que explicam a queda comercial de

Pesqueira: a saída de Delmiro Golveia de Pernambuco para Alagoas e, posteriormente, a

partir de 1912, a ampliação das linhas férreas de Pesqueira para o Sertão do Estado,

acarretando a diminuição das transações comerciais no município.

Com a transferência do Coronel Golveia, O município de Pesqueira começou

um paulatino declínio mercantil e vários comerciantes foram afetados, inclusive o Capitão

Carlos de Britto. Porém, enquanto o comércio passava por uma crise, Dona Yayá, sua esposa,

nos idos de 1897, criativamente começou a utilizar um fruto abundante na região, a goiaba,

para fabricar doces.

De início, sem o apóio do próprio marido, que certamente julgava esse

empreendimento como apenas mais uma atividade doméstica e que não geraria mais do que

alguns trocados de lucro, Dona Yayá começou o fabrico dos doces no fogão de sua residência.

Passou a produzir tabletes de doces de goiaba e depois de banana, frutos extrativos em

excesso na Serra de Ororubá, e que eram trazidos pelos caboclos para serem vendidos por

preços irrisórios nas feiras livres da cidade.

________________________75 GÓES, Raul de. Herman Lundgren: Pioneiro do Progresso Industrial do Nordeste. Rio de Janeiro: A Noite, 1949, p. 32.

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O primeiro nome dado por D. Yayá ao seu doce foi ‘Goiabada Buldogue’,

possivelmente em homenagem ao seu cão, Tejo, dado ao casal pelo padre Antônio Teixeira e

o ponto de cozimento ideal que gerou o sucesso inicial dos doces foi dado por D. Dina. Os

primeiros doces eram vendidos em tabuleiros por meninos nas ruas, a dez réis 76.

Nascia, portanto, de forma totalmente artesanal, fabricado em fogo cru e tacho

doméstico, a fábrica doceira Maria Britto, talvez uma das primeiras do gênero no Brasil 77.

Com os bons resultados da produção doceira, o fundador das Indústrias Peixe, Carlos de

Britto, transformou a atividade de sua esposa numa pequena indústria artesanal, de fundo de

quintal, que mais tarde se tornaria um grande negócio, modificando toda a situação econômica

não só da cidade, mas de toda aquela região sob sua influência.

“Carlos Frederico Xavier de Britto (...) Saindo do Recife em 1882 (...)

Chegou a Pesqueira (...) E ali instalou uma casa comercial (...)

Também abriu um armazém para comprar peles no Sertão (...) Tempos

depois, porém, derivou as suas atividades para uma pequena indústria,

que seria mais tarde uma das mais poderosas do Brasil (...) E que em

tachos de cobre, a fogo nu, a sua esposa (...) Dona Maria da Conceição

Cavalcanti de Britto, iniciara o fabrico do doce de goiaba, numa

simples atividade doméstica. Carlos de Britto, então se apercebeu do

valor daquela iniciativa e assim, ao lado de Dona Yayá, lançou as

bases da industrialização da goiaba (...) Rasgava-se um novo horizonte

para a região (...) Ele iria revolucionar, com uma nova indústria, a

paisagem agrestina. Seria um agente poderoso (...) Imprimindo uma

nova fisionomia à ecologia daqueles meridianos agitando e

dinamizando a terra e a gente (...) Vindo tentar a vida no interior (...)

Não repetiu nem seguiu o caminho dos outros. Foi original na sua

arrancada (...) Lançou mão de uma fruta singela e a transformou na

alavanca de sua poderosa indústria (...) Carlos de Britto foi ao encontro

da goiaba (...) Fundou a sua fábrica (...) A larga aceitação de seus

produtos multiplicou as atividades de fabricação (...) Enchia-se de

__________________________76 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 122. 77 WILSON, Luís. Ararobá Lendária e Eterna. Recife: CEPE, 1980, p. 43.

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pacotes (...) E ia para o Sul presentear os amigos, difundir o produto

(...) E de tal modo esse matuto falou sobre o doce e demonstrou as suas

qualidades que o Brasil começou a olhar para a goiabada Peixe” 78.

Dois anos depois da criação da pequena fábrica de doces, os produtos eram

todos vendidos não só na cidade como nos municípios circunvizinhos e a qualidade dos doces

de D. Yayá já começa a se propagar na região. Em 1901, com a rápida expansão da produção

doceira, Pesqueira já exportava doces para o Recife e outras cidades.

Em 1902, mesmo ainda com formato artesanal, a indústria já havia tido um

aumento significativo em sua produção, havendo a necessidade de mais empregados e do

acréscimo no número de tachos. Em conseqüência, houve uma divisão mais racional do

trabalho. A indústria doceira crescia de tal forma, que foi preciso comprar novas máquinas e

ampliar a comercialização. A fábrica logo passou para uma nova fase, mais moderna,

substituindo os tachos a fogo cru pelos mecânicos, quando adquiriu as primeiras

despolpadeiras e quebradores mecânicos, que agilizaram a produção da goiabada. Nesse

período, Dona Yayá, instituidora da produção doceira, ainda se encontrava na direção de sua

fábrica 79.

A partir de 1902, então, a fábrica entrava na fase manufatureira e “para

resolver a crise de excesso de procura, montam em 1902 pequena instalação a gasolina para o

preparo de latas e elevam o número de tachos e de forma a poderem, em 1904, dar começo a

exportação para o Norte, principalmente sendo o Pará e o Amazonas os melhores clientes” 80.

A fabrica D. Maria Britto, assim, passava de artesanal à manufatureira e desse momento em

diante começa a modificar, positivamente, a estrutura da cidade.

________________________78 SANTOS, Luiz Cristóvão dos. Carlos Frederico Xavier de Britto (O Bandeirante da Goiaba). Recife: 1953. in:

CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. p. 45.79 “Em 1902 (...) como a indústria continuava a crescer, foi necessário a compra de novas máquinas e a ampliação dos raios

de comercialização. Assim surgiu a Fábrica Peixe, que foi crescendo com a aquisição dos primeiros motores, das

despolpadeiras, despolpando uma quantidade significativamente maior de goiaba do que quando essa tarefa era realizada

manualmente, e, do quebrador mecânico, que macerava a semente do fruto, inserindo-o na produção da goiabada”.

CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 46.80 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Indústrias de Pernambuco. Recife: Imprensa Industrial, 1935, p. 65.

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A repercussão dos bons resultados da indústria doceira acelerou a urbanização

do município, atraindo pessoas dos mais variados lugares que iam a Pesqueira em busca de

trabalho e, em 1906, surge mais um estabelecimento industrial, a Fábrica Rosa, dos irmãos

Didier, com o capital advindo dos lucros gerados pela vultosa atividade comercial de

Pesqueira nas últimas décadas do século XIX e com o propósito de suprir a grande demanda

de doces que a Fábrica Peixe, já consolidada, não estava conseguindo satisfazer totalmente.

No rastro desse sucesso de vendas das fábricas Peixe e Rosa, outras pequenas indústrias

surgem, como a Tesouro e a Touro, que seguem a mesma linha produtiva.

Ainda em 1906, como exemplo de pioneirismo, é construída na cidade, pelo

Coronel Antônio Didier, um dos fundadores da Fábrica Rosa, a primeira vila operária do

interior pernambucano 81. Tonhé Didier, como gostava de ser chamado, era um homem de

visão e se assevera que também humanitário, então idealizou e criou uma vila operária, na

periferia de Pesqueira, para os trabalhadores de sua fábrica. Logo em seguida, a Fábrica Peixe

apreciou a idéia e igualmente construiu uma vila para seus funcionários, denominada de Vila

Operária Maria de Britto.

O sucesso da produção e comercialização doceira já estava tão arraigado, que

as fábricas começaram a investir em melhorias, como a compra de novas máquinas e a

especialização de alguns serviços. A Peixe já fazia, em 1906, todo o controle dos serviços

relativos à exportação de doces e cada vez mais se especializava na mecanização de sua

produção e na comercialização de seus produtos, conquistando novos mercados.

Com a chegada da estrada de ferro, em 1907, que facilitaria enormemente o

transporte de mercadorias, houve um incremento da demanda de produtos. As fábricas

doceiras chegaram a estender os trilhos até seus portões, através de bondes de tração animal,

facilitando o envio da produção e o recebimento de alguns insumos para a sua fabricação. A

chegada dos trilhos favoreceu tanto o comércio como a indústria do município.

_________________________81 O Coronel Antônio Didier, conhecido por Tonhé, era considerado um gentleman, um homem de fino trato, íntegro,

possuidor de uma inteligência prática, amigo íntimo de Delmiro Golveia, que tinha Tonhé como orientador e consultor. Entre

tantos outros feitos fundou, em 1906, a Vila Operária de Pesqueira, única no seu tempo no interior de Pernambuco. MACIEL,

Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 82.

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Em 1908, com a industrialização acentuada na Europa, a Peixe importa da

Inglaterra tachos aquecidos a vapor, o que modifica toda a forma de produção dos doces,

aumentando a demanda de Insumos, a produtividade e também o número de operários, para os

quais sempre eram abertas novas vagas de emprego. A Fábrica Rosa também investe em

novos mecanismos de produção e passa a dispor, aos poucos, de turbinas a vapor, autoclaves,

despolpadeiras, trituradores de frutas e máquinas de descascar goiabas 82.

Em 1909, como demonstrado na tabela abaixo, Pesqueira dominava o mercado

de doces em Pernambuco e as duas fábricas, a Peixe, registrada como D. Maria Britto e a

Rosa, como Antônio Didier & Irmão, juntas não tinham nem de longe um concorrente para

disputar com seus produtos. Observa-se, ainda, que pelo número de operários e pelo valor da

produção, as demais fábricas eram artesanais, enquanto as fábricas pesqueirenses já se

firmavam como as principais indústrias doceiras do Estado.

TABELA XIII

INDÚSTRIAS DE DOCES EM PERNAMBUCO (1909)

CIDADES PROPRIETÁRIOS CAPITALVALOR DA PRODUÇÃO

Nº DE OPERÁRIOS

Pesqueira D. Maria Britto 250:000$ 300:000$ 150Pesqueira Antônio Didier & Irmão 100:000$ 330:000$ 50Palmares Raymundo Francisco 30:00$ 18:00$ 6Recife A. Bruére & C. 10:00$ 19:00$ 8Olinda Amorim Costa & C. 15:00$ 25:00$ 6

Fonte: IBGE. Op. Cit., p.80.

Estava, assim, configurada a fase manufatureira da indústria doceira

pesqueirense, que a partir de então, com o aparecimento de outras fábricas, tornar-se-ia um

pólo industrial e, mais tarde, teria um reconhecimento nacional.

_______________________82 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Op. Cit., p. 66.

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4. A INDUSTRIALIZAÇÃO DE VENTO EM POLPA

4.1. Período Áureo da Industrialização Pesqueirense (1910-1950)

Ingressando na fase industrial propriamente dita a partir da década de 1910,

cujo crescimento seria progressivo até a década de 1950, Pesqueira viveu o período dourado

de sua economia, carreada pela agroindústria da goiaba e, posteriormente, do tomate.

Em decorrência do capital acumulado com a atividade mercantil, o município

teve condições de iniciar seu processo industrial, em grande parte, com seus próprios

recursos, o que evidenciou o aspecto endógeno de seu desenvolvimento. A partir do capital

derivado das relações de produção do setor agrário direcionadas à atividade comercial e de

uma mão-de-obra composta por pessoas que se mudaram da zona rural para a cidade,

Pesqueira teve os meios necessários para transferir sua base econômica, passando de cidade

mercantil para pólo agroindustrial.

O processo de industrialização endógena tem como principal característica a

produção de bens, geralmente produtos industriais, que são transformados pela organização

flexível da produção e pela utilização intensiva do trabalho. Pode-se dizer também que a

industrialização endógena está enraizada no território, pois é uma industrialização que surge

em cidades de pequeno e médio porte, invariavelmente pelo empenho de empresários locais.

O desenvolvimento endógeno tem seu ponto de partida na utilização de recursos do próprio

território (econômicos, humanos, institucionais e culturais) 83.

Em 1910 a produção de doces é diversificada com o início da fabricação de

compotas de calda de goiaba, ampliando-se também a variedade de frutas regionais que

fariam parte da nova produção fabril do município (banana, abacaxi, caju, figo, etc.).

________________________83 IADH-GESPAR. Arranjos Produtivos Locais e Desenvolvimento Endógeno. Recife: 2005, pp. 32-34.

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Nesse mesmo ano os produtos industriais pesqueirenses passaram a ganhar

espaço nos mercados consumidores do Sudeste, em função do maior conhecimento de suas

marcas, que se firmavam em decorrência da qualidade de seus produtos e também pelo

inteligente marketing adotado pelos dirigentes da Fábrica Peixe, que constantemente

convidavam empresários e pessoas do Sul do país para conhecerem a cidade e as instalações

da fábrica. Os visitantes sempre ficavam impressionados ao descobrirem que em pleno torrão

do Semi-Árido nordestino havia uma cidade com ares européus, com acomodações

sofisticadas e confortáveis e um povo civilizado. Essas visitas propagavam o crescimento

industrial de Pesqueira e colaboravam para desmistificar a imagem melancólica e agonizante

do Nordeste brasileiro 84.

Por conta dessa rápida difusão, as indústrias alimentícias do município

receberam alguns prêmios internacionais, ultrapassando os limites da nação, como o da

Exposição de Bruxelas, em 1910 e das Exposições da Argentina e de Turim, em 1911 85.

Vale ressaltar que, em 1910, o fundador das Indústrias Peixe, Cel. Carlos de

Britto, assumia o cargo de prefeito do município de Pesqueira, estreitando a ligação entre os

poderes político e econômico. Essa hegemonia política se prolongaria até o fim dos anos de

1950, pois o cargo de prefeito de Pesqueira era sempre ocupado por pessoas da família Britto

ou por seus indicados, embora através de eleições legais, facilmente decididas em favor

daquele grupo em razão de sua poderosa influência local.

Contudo, essa estreita relação entre a política e o setor industrial era alvo de

duras críticas. Há várias acusações de favorecimento político ao grupo da Peixe, uma delas é a

denúncia de que a Fábrica Peixe usava toda a água da cidade em sua atividade fabril,

causando sérios problemas de abastecimento à população e de que era a prefeitura que arcava

mensalmente com a conta de água da referida fábrica.

Outro fato delatado foi a incompatibilidade de funções exercidas por Carlos de

Britto, que por ser prefeito e ao mesmo tempo proprietário da firma que detinha a concessão

________________________84 A Região, Pesqueira, 26 out. 1941, p. 03. 85 LLOYD, Reginald. Op. Cit., p. 940.

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do serviço de bonde da cidade, sentiu-se pressionado a se afastar da prefeitura, transferindo o

cargo para o vice-prefeito, pois como perspicaz empreendedor preferiu que sua empresa

continuasse com a concessão do serviço de bonde, que transportava diariamente passageiros e

mercadorias, a ter que romper o contrato para se manter no cargo de prefeito. Seu mandato,

por conseguinte, foi curto (1910-1913).

Pelo mesmo motivo o seu filho Joaquim de Britto, em 1937, teve seu diploma

de deputado estadual cassado, pois a concessão do serviço de bonde de Pesqueira sempre era

renovada com a firma Carlos de Britto & Cia., dona das Indústrias Peixe, da qual era sócio-

proprietário Joaquim de Britto. Na época, o PSD, através do Jornal O Democrático, relatou o

fato com grande fervor, propagando que a cassação política do poderoso industrial serviria

para resgatar no povo a crença na lei e na justiça 86.

No entanto, não se pode contestar que pela influência política do grupo Peixe,

a partir da década de 1910 a cidade de Pesqueira começaria a sentir os benefícios de uma

comunidade em desenvolvimento como, por exemplo, a instalação da energia elétrica (1913),

fornecida por um motor a gás, importado da Inglaterra pelo prefeito Carlos de Britto, o que

muito contribuiria na vida dos citadinos.

Embora com todo o sucesso das fábricas doceiras, com a utilização da goiaba

como seu principal produto, um novo fruto iria aumentar a prosperidade econômica das

indústrias do município: o tomate. A cultura do tomate, apesar de ter-se tornado uma

novidade agroindustrial no país apenas em meados do século XX, foi introduzida em

Pesqueira, segundo estudos da EMBRAPA, já no final do século XIX, mais precisamente na

década de 1890 e, conforme o referido instituto, Pesqueira foi o primeiro município brasileiro

a cultivar o “tomate rasteiro”, ou seja, o tomate propício para industrialização e o fruto se

adaptou perfeitamente ao clima e solo da região 87.

________________________86 O Democrático, Pesqueira, 31 jan. 1937, p. 01.87 A cultura do tomate teve um grande impulso nacional apenas a partir da década de 1950, principalmente no Estado de São

Paulo, viabilizando a implantação de diversas agroindústrias. Até 1950 Pesqueira dominava o mercado nacional de produção

industrial de tomate. EMBRAPA. Cultivo de Tomate para Industrialização. Disponível em: < http://www.cnph.embrapa.

br/sistprod/tomate/index.htm >. Acesso em: 21 mar. 2007.

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Se a industrialização do doce, conforme já conhecida sua história, deu-se quase

que fortuitamente, a utilização do tomate para fins industriais, a partir de 1914, por sua vez,

senão resultado de um planejamento estratégico, foi fruto de uma decisão correta e ousada dos

gestores da firma Carlos de Britto & Cia., proprietários da Fábrica Peixe, pois no país ainda

não se desenvolvia o plantio de tomate e, muito menos, industrializava-se sua polpa, que só

era adquirida através de importação, sendo a Itália o principal fornecedor.

De início, o tomate era cultivado apenas para a fabricação de massa, cuja polpa

era vendida sem um processamento mais aprimorado, sendo utilizada basicamente na

conservação de sardinhas. Porém, perceberam os empresários locais que agregariam mais

valor ao produto com a venda do extrato de tomate, já enlatado e pronto para o consumo, o

que ocorreu a partir da década de 1920, principalmente pelo espírito empreendedor de Manuel

de Britto, conhecido como Manuelzinho, um dos filhos do fundador da Peixe.

Manuelzinho de Britto enfrentou inúmeros obstáculos “para instalar e

desenvolver a exploração das massas de tomate e o aumento intensivo dos doces de frutas,

produtos regionais que deram também ao Estado uma posição de grande relevo na sua

produção e exportação (Manuel de Britto era incansável e foi para a época, certamente um

empresário nato, de grande tenacidade)” 88.

Mesmo sendo o tomate um fruto alienígena, adaptou-se muito bem no Agreste

pernambucano e como é uma cultura que necessita de concentração espacial e proximidade

das unidades de processamento, por ser muito perecível, as indústrias pesqueirenses

incentivaram o seu cultivo não só no município, mas também em outros municípios

circunvizinhos, convertendo o Agreste Centro Ocidental de Pernambuco 89 na maior área

produtora de tomate rasteiro do país.

________________________88 BARROS, Souza. Op. Cit., p. 52.89 O cultivo de tomate no Agreste Centro Ocidental de Pernambucano, mais precisamente na Microrregião do Vale do

Ipojuca, na qual situa-se Pesqueira, representou uma nova e importante atividade econômica para a região, já que por muito

tempo o Agreste ficou condicionado à função de abastecedor de gado bovino e eqüino para a as regiões da Zona da Mata e do

Litoral e, posteriormente, sua economia ficou restrita às atividades agrícolas de subsistência (milho, feijão, mandioca, cana

para a fabricação de mel e rapadura etc.) e ao plantio de algodão. ANDRADE, Manuel Correia. A Pecuária..., p. 52.

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A partir daí o Agreste do Vale do Ipojuca e algumas outras mesorregiões

próximas seriam invadidas pelo cultivo de tomate, cujas plantações eram todas

asseguradamente compradas pelas fábricas pesqueirenses e, junto com a goiaba, a banana, o

abacaxi, o caju, o figo e outros frutos, formavam a base de insumos para a produção das

indústrias alimentícias do município.

Pesqueira, então, da década de 1910 até meados de 1950 viveria os melhores

anos de sua história. Com a fabricação de doces, conservas de tomate e também a produção de

laticínios, o município crescia vertiginosamente. O número de habitações aumentava sem

cessar, embora o maior número dessas residências fosse de casas consideradas modestas 90,

ocupadas pelos operários das fábricas, situadas na periferia, nos chamados bairros proletários.

Por muitos anos a cidade também possuiu um bom sistema de transporte em ferro-carril de

tração animal; grandes edifícios foram sendo construídos para abrigar mais instalações fabris,

várias repartições públicas e colégios; as principais ruas e praças foram melhoradas, o que deu

a cidade um aspecto mais moderno e com melhor estilo arquitetônico. Enfim, o progresso

chegara 91.

Indubitavelmente, a utilização industrial do tomate foi uma atitude de visão

empreendedora que trouxe ótimos resultados e que se consolidaria como o principal produto

fabricado pelas indústrias do município, ultrapassando, em muito, a fabricação original de

doces.

________________________90 Conforme os dados referentes aos percentuais de tipos de casas existentes em Pesqueira na década de 1950, verifica-se que

a atividade industrial era de suma importância para a cidade, pois o predominante número de casas modestas, habitadas pelos

operários das fábricas e suas famílias, demonstra o quanto a economia do município dependia dessas indústrias. “O quadro

percentual (...) evidencia que, tendo em vista as diferentes categorias em que classificamos as suas construções residenciais,

Pesqueira, por ser uma cidade de atividades industriais, enriquece a muito poucos mas, em compensação, proporciona

trabalho e ganho de vida à grande maioria de seus habitantes.

Casas de gente rica....... 9... 0,38%

Casas da classe média... 353... 14,95%

Casas modestas............. 1719.... 72,87%

Casebres miseráveis..... 278... 11,79%

TOTAL.... 2359... 100,00%

SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 81.91 Ibidem, pp. 65-66.

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A produção de tomate compeliu às fábricas a adquirirem novas máquinas,

aumentarem as suas instalações, contratarem mais mão-de-obra e melhorarem o seu potencial

tecnológico. A exemplo disso podemos citar as aquisições feitas pela Fábrica Rosa: “(...) para

massa e estracto de tomate conta oito vácuos com capacidade cada um de 800 kilos, de seis

em seis horas, seis despolpadeiras e quatro trituradores de tomates com quatro bombas

alimentadoras dos vácuos” 92.

O setor industrial não parava de se desenvolver, as plantações frutíferas e de

tomate da região já não eram suficientes para abastecer as fábricas e o município passou a

importar frutos de uma vasta área do Agreste, o que também modificou o cenário urbano de

Pesqueira, pois era sempre crescente o número de migrantes do campo para a cidade, devido à

oferta de emprego.

Outras fábricas logo começam a surgir e, em 1919, quando é fundada a Fábrica

Tigre, Pesqueira torna-se, inquestionavelmente, um centro industrial. O crescimento era tanto

que as fábricas, principalmente a Peixe, mudaram não só a estrutura da cidade como também

da zona rural do município. A partir da década de 1920, a Fábrica Peixe, além de comprar

toda a produção de frutas que lhe fosse oferecida pelos agricultores, começou o seu próprio

plantio 93, adquirindo muitas propriedades rurais nas redondezas e com essa inovação

provocou outra, passou a ter trabalhadores assalariados.

O trabalho assalariado era algo incomum no Agreste pernambucano 94, sendo

mais utilizadas as formas de pagamento por produção ou tempo trabalhado, por isso se diz

que foi uma inovação, já que o salário fixava o trabalhador rural na propriedade, tirando-o de

uma condição semelhante a dos bóias-frias, que conseguem ocupações apenas sazonais.

_______________________92 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Op. Cit., p. 66.93 FREITAS, M. Britto de. A Parceria Agrícola de Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A (Fábrica “Peixe”) na

Agroindústria do Tomate de Pesqueira. Recife: 1966, p. 17.94 Embora já houvesse no Brasil leis ordinárias que tratavam de direitos trabalhistas, como o trabalho de menores (1891), da

organização dos sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), o trabalho das mulheres (1932) etc., apenas com a Constituição de

1934 o Direito do Trabalho teve um tratamento específico, garantindo ao trabalhador a liberdade sindical (art. 120), isonomia

salarial, salário mínimo, jornada de trabalho de oito horas, repouso semanal, férias anuais remuneradas (art. 121, § 1º) etc.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2003, p. 39.

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Todavia, os salários pagos tanto aos trabalhadores rurais como aos operários

eram muito baixos, o que não lhes proporcionava uma boa condição de vida 95. As fábricas se

anteciparam a uma provável insatisfação fazendo uso de uma espécie de assistencialismo para

gratificar seus empregados, como exemplo, doavam bolsas de estudos aos filhos dos

funcionários que mais se destacavam em suas funções fabris, mantinham escolas primárias

para os filhos dos operários e davam casas para os funcionários que não tinham onde morar,

deste modo, firmava-se a figura do “bom patrão”, figura bem utilizada na época pelas fábricas

do município 96.

O processo industrial estava tão bem consolidado, que mesmo com a morte do

pioneiro da industrialização pesqueirense, Cel. Carlos de Britto, em 1920, não houve

descontinuidade no desenvolvimento das Indústrias Peixe e, conseqüentemente, do município,

mas pelo contrário, seus familiares deram seguimento às atividades industriais e alargaram os

horizontes comerciais, expandindo em muito a sua atuação com a aquisição de outras

indústrias do mesmo ramo em vários municípios e até em outros estados do país, com o que

passaram a fabricar novos produtos.

Manuel de Britto, após o falecimento do pai, assume a direção das Indústrias

Peixe, em 1920, contando com a participação dos demais familiares na administração dos

negócios. O grupo Peixe fez grandes aquisições a partir desse período com a compra de várias

unidades industriais em Recife, entre elas as fábricas Talher, Milton de Oliveira e Indústrias

Reunidas Bernardino Costa, onde foi instalada uma estamparia com o nome Maria Britto. No

interior do Estado também foram compradas mais duas fábricas alimentícias: a de doces

Antônio Raposo, em Goiana e outra fábrica doceira em Bezerros 97.

________________________95 Os salários pagos aos operários pelas fábricas pesqueirenses eram ínfimos e as condições de trabalho não eram boas, eles

tinham pouco tempo de descanso, não recebiam alimentação apropriada e o local de trabalho não recebia uma limpeza

adequada, além disso, ressalte-se ainda que em períodos de maior produção, como nas épocas de safra, a jornada de trabalho

costumava chegar até 24 horas. A história do trabalho “identifica-se com a história da subordinação, do trabalho subordinado

(...)”. Ibidem. p. 37.96 CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., pp. 51-52.97 Ibidem, p. 50.

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Em 1924 o extrato de tomate já exercia uma enorme importância na economia

estadual 98 e em 1928 novamente a Peixe acrescia as suas instalações, modernizando os

equipamentos produtivos, que eram importados e seguiam a maquinaria européia, o que

possibilitava uma ativa produção de extrato de tomate enlatado e, em decorrência de sua

grande produção em latas, a Peixe era o maior consumidor de flandres do Estado 99.

Na década de 1930 a industrialização de Pesqueira estenderia seus horizontes.

O município firmara-se como um dos maiores centros industriais do interior nordestino.

Nessa década, as Indústrias Peixe alargaram suas pretensões fabris para além de Pernambuco,

instalando fábricas no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A aspiração dos dirigentes

era que a marca Peixe ganhasse os mercados do Centro-Sul e, já não se contentando apenas

com a fabricação de doces e de tomate, o grupo Peixe passou a investir em outras indústrias

alimentícias, como a Fábrica Sul América, a Fábrica Duchen (importante indústria de

biscoitos) e a Usina Central de Barreiros, cuja aquisição, de expressivo valor, tinha como um

dos objetivos baratear o custo do açúcar utilizado pelas suas fábricas.

Em 1934 o extrato de tomate pesqueirense atingiu o mercado nacional e

provocou uma grande redução na importação do produto que vinha do exterior,

particularmente da Itália, como o famoso “Pomidoro” italiano, superado pelo extrato de

tomate Peixe.

As indústrias do município estavam em plena ascensão, principalmente as

Indústrias Peixe, cujo administrador, Manuel de Britto, numa entrevista concedida ao Jornal

Folha da Manhã, em 1938, disse ter ido a Nápoles, na Itália, para conhecer as instalações das

fábricas Cyrio e observar as novidades em maquinário e tecnologia que poderia empregar nas

suas fábricas 100. Essa era uma relevante característica dos industriais da Peixe, estavam

sempre ávidos por novidades do mercado. As visitas a outros estabelecimentos industriais,

principalmente do exterior, mantinha-os atualizados sobre os melhores e mais modernos

equipamentos e novas técnicas de produção.

________________________98 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., p. 35.99 SOUZA, José de Anchieta. As Dobras da Vida. Recife: Ed. do Autor, 2006, p. 35.100 CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 50.

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Outro importante empreendimento para o município de Pesqueira foi a

construção do campo de aviação, pela iniciativa privada (Indústrias Peixe), na década de

1940, único numa vasta área, utilizado com freqüência pelo avião da Peixe e vez por outra por

autoridades que visitavam a cidade. Os habitantes da cidade já conheciam até o estilo de

chegada do avião da Peixe. Quando ele dava duas voltas sobre a cidade todos logo sabiam que

pessoas da família Britto estavam aterrissando e as voltas avisavam aos serviçais que se

dirigissem ao campo de aviação para buscá-los 101.

O aeródromo, que ficava em um ponto alto e com bela vista, a uns três

quilômetros da cidade, fora construído dentro de um padrão da aviação na época, capaz de

receber em sua pista de pouso não só pequenas aeronaves, mas também aviões de porte maior

e ainda contava com um amplo hangar.

Devido à dimensão das Indústrias Peixe, tornou-se um dos campos mais bem

utilizados do interior do Estado e até um avião da Força Aérea Brasileira, um DOUGLAS DC

3, esteve no Campo de Aviação de Pesqueira, como relata o Jornal Folha de Pesqueira, em

1947:

“Causou um acontecimento marcante de entusiasmo a vinda a

esta cidade de um DOUGLAS, das Forças Aéreas Brasileiras. A

aterrisagem do importante aparelho verificou-se de modo magnífico.

Numa simples manobra, muito naturalmente, o bi-motor desceu no

campo de pouso, ante o entusiasmo da população, calculada em cerca

de três mil pessoas, que tinham até ali ido assistir ao embarque do ex-

bispo de Pesqueira.

– ‘Ótimo campo’ – respondeu-nos o tenente-coronel aviador

Vitor Barcelos, quando o interpelamos. Acrescentando que tinha feito

sua aterrisagem sem a menor preocupação e sem o menor incidente,

tanto assim que aterrisara em posição contrária, tal a confiança que lhe

inspirou a segurança do campo, já anteriormente inspecionado” 102.

________________________101 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 123. 102 Folha de Pesqueira, Pesqueira, 29 set. 1947, p. 01.

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Não se pode deixar de mencionar que com o crescimento da industrialização,

necessariamente foi surgindo no município toda uma rede estrutural constituída para atender à

atividade agroindustrial, cujo arranjo produtivo era formado por uma cadeia de serviços que,

embora de pequena visibilidade, apresentava grande importância econômica para a região.

O arranjo produtivo local ou cluster pode ser compreendido como “todo tipo

de aglomeração de atividades geograficamente concentradas e setorialmente especializadas –

não importando o tamanho das unidades produtivas, nem a natureza da atividade econômica

desenvolvida, podendo ser da indústria de transformação, do setor de serviços e até da

agricultura”. Diz ainda o mesmo autor que o “objetivo primordial a ser seguido é o de criar,

em cada local ou região, uma atmosfera favorável ao desenvolvimento de atividades

econômicas (...)” 103. Conforme tal explanação, não há dúvida que em Pesqueira existiu o

cluster da indústria do doce e do tomate e devido à produção local foram criadas

oportunidades para o aparecimento de outras atividades e para o surgimento de pequenas e

médias firmas, pois o arranjo produtivo possibilita esse crescimento tanto nas regiões

industrializadas quanto nas regiões menos desenvolvidas 104.

A indústria pesqueirense gerou várias novas atividades, como o fornecimento

de lenha, consumida em larga escala para aquecimento das caldeiras a vapor. Isso produziu

uma ação intensa entre os proprietários rurais e ao tempo em que derrubavam as árvores para

fornecer lenha às indústrias, ampliavam seus campos de pastoreio ou agricultáveis. Nesses

espaços muitas plantações de tomate surgiram para venda do produto às fábricas alimentícias.

O consumo desmedido de lenha pelas fábricas, contudo, geraria uma

destruição ambiental sem precedentes na região, destruição que só seria sentida décadas à

frente. Na ânsia de fornecer lenha às indústrias, os agricultores devastavam suas propriedades,

colocando abaixo toda a vegetação nativa e, no local, ao invés de fazerem o plantio de

alimentos de subsistência, que ao menos supriam suas famílias, preferiam plantar frutas

________________________103 GALVÃO, Olímpio José de Arroxelas. Clusters e Distritos Industriais: Estudos de Casos em Países selecionados e

Implicações de Política. PPP. Nº 21. Brasília: IPEA, jun. 2000, pp. 8-9.104 ALMEIDA, Manoel Bosco de et al. Identificação e Avaliação de Aglomerações Produtivas: Uma Proposta Metodológica

para o Nordeste. Recife: IPSA/PIMES, 2003, p.13.

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tomate necessários à produção fabril, com isso, ficavam totalmente dependentes das indústrias

alimentícias do município. Não é para menos que Pesqueira também se destacou por “possuir

as maiores plantações de tomate em terras contínuas do mundo” 105.

Com a demanda cada vez maior desses insumos (lenha, frutas, tomate etc.),

havia a necessidade de contratação de caminhões particulares para transportá-los,

especialmente nas épocas de safra, já que as fábricas não tinham uma frota suficiente. Desta

forma, gerava-se uma oferta de trabalho para uma categoria que até então quase não existia na

comunidade. Muitas pessoas investiram suas economias em caminhões para fazer transporte

para as fábricas e, por conseqüência, foram surgindo novas oficinas mecânicas especializadas

em veículos de carga, para reparos da frota de veículos utilizada pelas indústrias.

Com a dinamização e extensão das plantações, abriu-se outro leque de

oportunidades para o aproveitamento de técnicos agrícolas e práticos na administração,

fiscalização, medição, pagadores e tantos outros serviços afins, que as atividades

agroindustriais passaram a exigir.

Outro setor estimulado pelo desenvolvimento industrial foi a confecção, em

madeira, de caixotes para o transporte de frutos in natura, já que ainda não existia outra forma

de transportá-los. Os caixotes de madeira tinham uma demanda contínua por causa da grande

quantidade de insumos das fábricas 106 e como não havia outro material economicamente

viável na época para substituir a madeira, utilizavam-se os caixotes, que eram feitos ou de

modo artesanal ou através do serviço de serraria, serviço no qual Pesqueira também era muito

eficiente e gerava ocupação para vários munícipes.

Por fim, ainda se pode destacar o serviço de funilaria, extremamente utilizado

pelas fábricas, que adquiriam as folhas-de-fladres na Capital, das quais se confeccionavam as

latas que serviriam para embalagem dos produtos fabricados. As fábricas alimentícias do

município contavam com um qualificado setor de funilaria, como se pode averiguar numa

________________________105 SOUZA, José de Anchieta. Op. Cit., p. 29.106 “Realmente, nas safras anuais, eram mais de 500 (quinhentos) caminhões transportando tomate em caixas e o sumo que

delas emanava e deixava nos paralelepípedos que cobriam a cidade uma indelével mancha preta e o cheiro da tomate

prensada naquelas toscas embalagens que enchia o ar daquele cheiro agridoce”. (O grifo é nosso). Ibidem, p. 34.

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descrição de maquinário e serviços referentes à Fábrica Rosa já nas primeiras décadas do

século XX: “Este importante estabelecimento adotou a marca “Rosa” para os seus produtos.

Dispõe ele sessenta turbinas à vapor, dois autoclaves, quatro despolpadeiras, dois trituradores

de frutas (...) Dispõe de um completo serviço de funilaria e serraria (...)” 107.

Pesqueira logo se tornou um centro de referência de técnicos funileiros,

principalmente de torneiros mecânicos, que foram criando suas próprias oficinas para atender

às fábricas do município e também de outras regiões. Revelam os habitantes mais antigos que,

por conta dessa especialização, muitas indústrias de Pernambuco e até de outros estados

vizinhos enviavam peças de seus equipamentos para serem torneadas em Pesqueira.

Embora redigido de forma poética, um escritor local transcreve algumas

experiências de sua infância desse cotidiano das ruas de Pesqueira, que absorviam a influência

das indústrias, por onde passavam diariamente pessoas das mais variadas profissões:

“(...) Onze horas da manhã, onze badaladas. Menino, pensativo,

também ouvi ao mesmo tempo a velha sirene da Peixe. Vi saindo do

principal portão da fábrica centenas de industriários. Luiz Doido já

dizia: - É tanta gente, que parece formigueiro. Muitos deles usando

macacões. Macacões azuis. Cada um passava pelo meu batente com

cheiro de operário, com cheiro de suor do trabalho. Calado, sem saber,

observava os que passavam: eletricistas, mecânicos, fechadores de

latas, motoristas, mestres ponteiros, caldeireiros. Era o vigor do

trabalho correndo nas veias de Pesqueira. (...) Do batente da minha

casa vi muitas e muitas vezes o grande bueiro da Fábrica Peixe

soltando fumaça pela sua chaminé. (...) em épocas de safra, vi muitas

filas formadas por 20, 30 e até 40 caminhões cheios de tomates

maduros, bem vermelhos. Vi ainda nas mesmas épocas de safra,

operárias (...) cheirando a serão, saindo da Peixe às 9, 10 ou 11 da

noite. (...) Vi filas começando em frente ao principal portão da Peixe, a

se perderem de vista. (...)” 108.

________________________________107 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Op. Cit., p. 66.108 ALMEIDA, Fernando. Da janela da Minha Casa. Olinda: Editora Raiz, 2001, pp. 12, 86.

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O Censo Demográfico de 1950 classificou Pesqueira como um dos municípios

mais populosos do Estado de Pernambuco, com 37.732 habitantes, dos quais 22.608

habitavam no campo e 15.124 na área urbana, sendo 13.134 na sede do município 109.

Notavelmente, as fábricas pesqueirenses empregavam diretamente 2.008 pessoas, além de um

número de aproximadamente 8.000 pessoas que exerciam atividades ligadas às indústrias,

obtendo rendimentos provenientes dessas atividades.

Diante dos números expostos, verifica-se quão fundamental era o setor

industrial para a economia do município, pois absorvia direta e indiretamente muita mão-de-

obra, já que de 37.732 habitantes mais de 10.000 e suas famílias dependiam das fábricas.

Além disso, a atividade industrial trouxe outro benefício ao município, manteve durante

décadas a maior parte de sua população no meio rural, pois tanto as grandes e médias como as

pequenas propriedades rurais tinham uma essencial participação na produção fabril, com o

fornecimento de insumos. Outrossim, os operários das fábricas que possuíam algum pedaço

de terra preferiam permanecer morando no campo, pois os membros da família se ocupavam

no roçado e na criação de alguns animais, o que, devido aos reduzidos salários pagos pelas

fábricas, garantia o complemento para o sustento da família.

A industrialização de Pesqueira, indiscutivelmente, gerou resultados

econômicos extraordinários até a metade do século XX. A partir de meados da década de

1950, porém, o processo industrial pesqueirense, paulatinamente, começa a decrescer,

resultado de uma soma de fatores que desestruturaram as indústrias do município, entre eles:

problemas com o solo, clima, falta de água, queda na produtividade dos frutos, mudanças na

política nacional, crescimento da fruticultura no Vale do São Francisco etc. Contudo, o início

da desestruturação da base econômica do município não foi, por um tempo, percebido pela

população, pois embora algumas fábricas menores já estivessem em crise, a Peixe, principal

grupo industrial da cidade, não parava de crescer e só nas décadas subseqüentes os problemas

seriam evidenciados pelos citadinos.

________________________109 Em 1970, o quadro populacional de Pesqueira já apresentava mudanças, com a maior parte dos munícipes residindo no

meio urbano. De uma população de 50.145 habitantes, 21.900 moravam no campo e 28.245 na zona urbana, sendo 24.637 na

sede do município. IBGE, Censos Demográficos de 1950 e 1970.

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4.2. Pesqueira se Destaca no Interior Pernambucano

Enquanto o Agreste tinha sua economia baseada nas culturas de subsistência,

no plantio de algodão e na pecuária extensiva, surgiu na região uma atividade diferenciada,

uma indústria nascida da iniciativa local, com capital próprio e origem endógena, que tornou

sua atividade industrial, representada principalmente pela Fábrica Peixe, conhecida

mundialmente.

Em razão de sua força econômica, logo no início do século XX a cidade de

Pesqueira contava com serviços impensáveis em outras comunidades interioranas, como a

instalação da iluminação elétrica já em 1913, água encanada, serviço urbano de bondes de

tração animal e outros serviços e melhoramentos. De um pioneirismo singular, Pesqueira foi a

primeira cidade no interior pernambucano a instalar fábricas de laticínios, óleos vegetais,

doces e conservas, além de introduzir a palmatória, antes planta ornamental, como forrageira 110 e ainda foi o município responsável pela implantação da cultura do tomate rasteiro no

Brasil, o tomate apropriado para industrialização.

Em 1925, quando o Coronel Cândido de Britto, um dos membros das

Indústrias Peixe, encerrava seu mandato de Prefeito de Pesqueira, foi editado um álbum que

descrevia uma síntese de sua gestão e nesse álbum há uma crônica de um autor desconhecido

que relata como era Pesqueira na época, demonstrando o seu grande desenvolvimento para

uma localidade interiorana. Destaca-se, pois, parte do que dizia o artigo:

“Pousada no flanco da Serra do Ororubá, engastada num bello

trecho do nosso sertão, encontra o viajante, depois de nove horas de

jornada nos trens da Great Western, a ridente e grande cidade de

Pesqueira.

Aos olhos de quem chega a impressão de agrado logo se impõe,

porque o cazario extenso e alegre, as chaminés das fábricas, as torres

________________________110 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit. , p. 167.

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das igrejas, o verde forte das plantações repartidas em cercados,

denotam bem que se está numa localidade que progride, que trabalha e

que mais se embelleza.

Situada a 660 metros de altura sobre o nível do mar, com clima

suave e sadio, Pesqueira é hoje uma das mais adiantadas cidades do

Estado de Pernambuco, aliás do Norte do Brasil. A sua edificação

cresce dia a dia, vai se remodelando aos poucos para tomar um aspecto

moderno, as ruas se alinham melhor, o commercio avulta, a industria

prospera, a agricultura toma uma saliência notável.

É sede de varias repartições, não só federaes, como estaduaes e

municipaes (...).

A cidade está ligada à estação por um bem feito serviço de

bondes de muar, existindo já grande número de automóveis (...) A luz

elétrica é de primeira ordem e a água é distribuída nos domicílios, em

canalisação (...).

Pesqueira é séde de um dos bispados pernambucanos o que bem

lhe demonstra a importância. No seu município nasceu o Cardeal

Arcoverde – primeiro na América do Sul.

As conhecidas e conceituadas fábricas de doces são três, com

producção avultada... estando aparelhadas do que há de mais moderno

e hygienico no assumpto. Existem, tambem, outras pequenas fábricas

de calçados, torrefacção de café, artefactos de couro, etc.

Linda, rica, progressista, futurosa, Pesqueira é (...) uma terra que

se pode oferecer à visita do turista nacional ou estrangeiro como

testemunho da grandeza e da prosperidade de Pernambuco” 111.

Como se depreende do artigo citado, Pesqueira, já na década de 1920, possuía

um eficiente serviço de luz elétrica, gerada por um motor de grande força, e água encanada

bem distribuída nos domicílios, serviços que eram precários ou inexistentes em outras cidades

do interior na época e, mesmo o município tendo uma água de boa qualidade, ela ainda era

decantada e filtrada antes de ser remetida para o abastecimento. Também o serviço de bondes

de muar era muito utilizado e útil, pois ligava a cidade à estação ferroviária, conduzindo

diariamente viajantes, munícipes e também servindo de transporte de carga para as fábricas.

________________________111 Álbum de Pesqueira, Gestão do Prefeito Cândido de Britto. Pesqueira: 1925, pp. 7-8.

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O transporte feito através de bondes de tração animal era público, mas sua concessão, desde o

início da realização do serviço, pertencia ao grupo Peixe, o que, como já mencionado

anteriormente, gerou alguns problemas políticos para os membros do grupo industrial.

A cidade, que sempre foi empreendedora e modernista, continuamente estava

em transformação. Nesse tempo contava com prédios imponentes e vistosos, como o

Convento dos Franciscanos; a Catedral no centro da cidade; a residência do então prefeito

Cândido de Britto, um belíssimo chalé em estilo colonial situado em frente à Fábrica Peixe,

pertencente a sua família; grupos escolares municipais e estaduais bem cuidados; os prédios

do açougue municipal e da cadeia pública, construídos no primoroso estilo da época; o

clássico Palácio Episcopal e sua Capela; a Praça Pessoa de Queiroz, em frente à estação de

trem; os colégios particulares, como o Dorotéia e o Diocesano, que além de uma grandiosa e

bela estrutura física eram considerados como os melhores educandários daquela área agrestina

e, é claro, as fábricas, com suas suntuosas chaminés.

O dinamismo da cidade, conseqüência de sua crescente atividade industrial, fez

com que Pesqueira fosse um município interiorano sempre inovador, como exemplo, em 1º de

janeiro de 1930, em virtude do intenso movimento de veículos particulares e de carga nas ruas

da cidade, a Delegacia Regional da Décima Zona Policial delimitou que a velocidade máxima

no perímetro urbano fosse de até 20 km/h para carros de passeio e de 15 km/h para veículos

pesados, principalmente caminhões, e também estabeleceu que haveria mão e contramão para

o fluxo automotivo nas ruas da cidade 112.

O município desenvolvia-se a passos largos, prova disso era o número

crescente de habitantes, pessoas que vinham das mais variadas localidades e até de outros

estados nordestinos para se estabelecerem em Pesqueira, em busca de oportunidade de

trabalho e de uma melhor condição de vida. Pesqueira, em razão de seu crescimento

populacional a partir da década de 1920, entrou no rol dos municípios mais populosos do

interior do Estado e com a sua próspera economia passou a figurar também entre os

municípios mais evoluídos de Pernambuco.

________________________112 Correio de Pesqueira, Pesqueira, 1º jan. 1930, p. 06.

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A importância que teve Pesqueira para o Estado, destarte, não consta apenas de

relatos orais ou literários, mas se reflete em números de censos e anuários estatísticos que

registraram a sua significância. Os dados obtidos, principalmente das décadas de 1920 e 1930,

demonstram a relevância econômica que o município pesqueirense teve para Pernambuco.

Para comprovar o destaque que o município de Pesqueira possuía no interior

pernambucano foram escolhidos três outros municípios para servirem de comparação,

municípios que são hoje os de maior importância econômica no interior do Estado, são eles:

Caruaru, Garanhuns e Petrolina. Excluiu-se Recife desta análise por ser, além da Capital do

Estado, superior numericamente a qualquer outro município desde seu surgimento e também

não foram incluídos nas tabelas comparativas municípios da Zona da Mata, já que sempre

tiveram intenso desenvolvimento devido à atividade açucareira.

Pesqueira, no período áureo de sua atividade industrial, conseguia se

aproximar e em alguns números até superar municípios como Caruaru e Garanhuns, que

sempre foram cidades proeminentes do Agreste pernambucano e, quase sempre, possuía

números bem expressivos em comparação ao município de Petrolina, que hoje representa a

economia mais forte do Sertão do Estado.

Embora as indústrias alimentícias tenham sido o principal suporte econômico

do município durante quase todo o século XX, a prática da agropecuária sempre foi intensa

em Pesqueira, representando um setor que absorvia muita mão-de-obra, com um significativo

número de propriedades rurais. A bacia leiteira do Agreste Centro-Ocidental, na qual está

situado o município, também sempre foi considerada a mais importante do Estado 113.

O uso da terra era basicamente feito em sistema de complementaridade, tanto

para a agricultura como para a pecuária, ou seja, às pequenas propriedades rurais aplicavam-

se as culturas de subsistência, enquanto as de grande porte exploravam a pecuária extensiva.

Dessa atividade agropecuária extraem-se números expressivos para o município de Pesqueira,

como demonstrado na tabela XIV.

________________________113 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 35-36.

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TABELA XIV

RECENSEAMENTO AGRÍCOLA DE 1920 EM PERNAMBUCO(Gado existente nos estabelecimentos rurais por espécie, por municípios)

MUNICÍPIOS BOVINO EQUINOASININO

E MUAROVINO CAPRINO SUÍNO

Caruaru 19.388 4.886 1.352 18.373 54.619 5.864Garanhuns 9.275 3.523 342 5.707 9.164 2.858Pesqueira 29.039 5.586 1.974 18.970 30.014 7.182Petrolina 11.020 1.557 1.760 3.850 9.193 1.273

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 290-291.

Como no século XIX e início do XX Pesqueira fora uma importante cidade

mercantil do interior do Estado, com destaque para a comercialização de peles e couros, foi

natural a expansão da pecuária no município e, mesmo com a diminuição desse tipo de

comércio, a criação de semoventes continuou crescente e economicamente importante,

tornando o município um dos maiores criatórios do Agreste-Sertão.

Apreende-se, da tabela acima, que a pecuária era muito relevante para o

município de Pesqueira, representando outro setor forte de sua economia. Verifica-se, pois,

que os rebanhos do município eram bem maiores do que os de Garanhuns e Petrolina, só

sendo seguidos por Caruaru, por isso, além da atividade industrial, Pesqueira também se

destacava pelos bons resultados de seus criatórios.

Ainda em relação às atividades ligadas ao campo, o município também contava

em sessenta e uma de suas propriedades rurais com máquinas para transformação ou

beneficiamento de alguns produtos como café, açúcar, manteiga, cereais e outros alimentos

agrícolas. Segundo Souza Barros “são estas pequenas propriedades da zona do Agreste-

Caatinga que fornecem ao Estado a sua maior produção de cereais, de plantas leguminosas, de

frutas e do algodão, dos queijos, da manteiga, etc.” 114.

________________________114 in: Op. Cit. p. 37.

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Pesqueira possuía também doze instalações descaroçadoras de algodão, com

dez descaroçadores com trezentas e dez serras, uma bolandeira com vinte serras e uma usina

com trezentas e vinte serras, o que dá um total de seiscentas e cinqüenta prensas. Os salários

recebidos pelos homens que trabalhavam nesses estabelecimentos eram, em média, de 3$000

(três mil réis) e as mulheres recebiam, em média, 1$750 (mil setecentos e cinqüenta réis), o

que praticamente correspondia à média estadual de salários pagos para essas atividades:

homens, 2$970 (dois mil novecentos e setenta réis) e mulheres, 1$785 (mil setecentos e

oitenta e cinco réis) 115. Observa-se nas tabelas XV e XVI os números comparativos do

município de Pesqueira segundo o recenseamento agrícola de Pernambuco de 1920.

TABELA XV

RECENSEAMENTO AGRÍCOLA DE 1920 EM PERNAMBUCO(Estabelecimentos rurais recenseados possuidores de mecanismos de

transformação ou beneficiamento de produtos agrícolas, por municípios)

MUNICÍPIOS ESTABELECIMENTOS RURAIS

Caruaru 46Garanhuns 79Pesqueira 61Petrolina 11

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 292-293.

TABELA XVI

RECENSEAMENTO AGRÍCOLA DE 1920 EM PERNAMBUCO(Quadro demonstrativo dos descaroçadores de algodão, por municípios)

MUNICÍPIOS Nº DE INTALAÇÕES Nº DE PRENSAS

Caruaru 35 1.718Garanhuns 11 960Pesqueira 12 650Petrolina 2 65

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 332-335.

________________________115 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 335.

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Paralelamente ao desenvolvimento econômico ou como conseqüência deste, o

setor educacional de Pesqueira também se sobressaía no interior, reunindo em seus

educandários um alunato não só de munícipes, mas advindos de outras regiões e até de outros

estados do Nordeste, cujo ensino ia desde o primário até a formação colegial.

Os educandários do município, tanto os públicos como os particulares, eram

muito bem conceituados, possuíam boas instalações e professores qualificados. As tabelas

XVII e XVIII referem-se aos números do ensino público municipal e estadual e é curioso

relatar que Pesqueira, com uma população menor do que a de Garanhuns, em 1927, possuía

um número maior de alunos. Pode-se dizer que isso se deve ao fato da repercussão do bom

ensino pesqueirense atrair discentes de várias localidades.

TABELA XVII

ENSINO PRIMÁRIO MUNICIPAL EM PERNAMBUCO (1927)

MUNICÍPIOS Nº DE ESCOLAS Nº DE ALUNOS FREQUÊNCIAMÉDIA

Caruaru 29 1.427 1.027,2Garanhuns 18 773 524,0Pesqueira 24 974 760,0Petrolina 5 127 87,0Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 150-151.

TABELA XVIII

GRUPOS ESCOLARES ESTADUAIS EM PERNAMBUCO (1927)

MUNICÍPIOS Nº DE ESCOLAS Nº DE ALUNOS FREQUÊNCIA MÉDIA

Caruaru 4 252 155,9Garanhuns 5 176 127,9Pesqueira 4 200 134,1Petrolina - - -Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 147.

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Durante várias décadas do século XX a linguagem escrita ainda era o principal

meio de comunicação entre as pessoas, já que o uso do telefone era restrito na maior parte do

território nacional e, em Pesqueira, a primeira central telefônica só foi instalada em 1938. O

município de Pesqueira, mais uma vez reafirmando sua importância no Estado, contava na

década de 1920 com sete agências postais (Correios), servindo a cidade e seis distritos:

Alagoinha, Sérgio Lorêto (Poção), Cimbres, Salobro, Sanharó e Rio Branco (Arcoverde).

Caruaru possuía apenas três agências, Garanhuns quatro e Petrolina uma 116. Pesqueira era o

município com o maior número de agências postais no Agreste-Sertão e isso, em boa parte,

devido às atividades econômicas da região, que necessitavam cada vez mais de tais serviços.

A partir da década de 1920 o município de Pesqueira já registrava uma

população numerosa para o interior do Estado, decorrente das oportunidades de trabalho

ligadas direta ou indiretamente às atividades fabris, o que demonstra a relevância do centro

urbano de Pesqueira na época, que se percebe nos números abaixo.

TABELA XIX

POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DE PERNAMBUCO (1921 e 1927)

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 101-102.

Em 1921, Pesqueira registrava uma população de 46.906 habitantes e em apenas seis anos, em 1927, já contava com 56.203 munícipes, um aumento populacional de quase 10.000 habitantes, ou seja, proporcionalmente equivalente ao crescimento demográfico dos municípios de Caruaru e Garanhuns, que foi de aproximadamente 13.000 habitantes. Petrolina, por sua vez, acresceu sua população em um pouco mais de 3.000 pessoas.

________________________116 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 346-350.

MUNICÍPIOS 1921 1927

Caruaru 63.522 76.115Garanhuns 65.673 78.691Pesqueira 46.906 56.203Petrolina 17.460 20.921

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O crescimento populacional do município também se reflete no número de

eleitores, ultrapassando até os demais municípios em comparação, já que Pesqueira, que fazia

parte do 3º distrito, possuía um dos maiores distritos eleitorais de Pernambuco. É tão notável

o número de eleitores inscritos na sede do município que, em todo o Estado, em 1935,

Pesqueira só ficava atrás de Recife em inscrição eleitoral. Veja-se a tabela XX.

TABELA XX

NÚMERO E PERCENTAGENS DE ELEITORES NOS MUNICÍPIOS DE PERNAMBUCO (1935)

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, p. 357.

A relevância do município de Pesqueira para o Estado de Pernambuco até

meados do século XX se perfaz, então, nos mais variados campos: na pecuária, na agricultura,

no comércio, na área educacional e até na esfera religiosa, cujos números também servem de

constatação da importância do município na época em questão, pois a Igreja Católica como

principal instituição religiosa do país e com a influência que exercia no meio político-social,

geralmente situava suas dioceses nos municípios de maior visibilidade de uma região 117.

A Diocese de Pesqueira geria, em 1935, 21 paróquias, abarcando 18

municípios do Agreste-Sertão, o que era de grande relevância, pois o Catolicismo era

praticamente a única religião do país, com uma infinidade de seguidores, e ter uma diocese

influente significava que o município também possuía prestígio político e poder econômico.

________________________117 “A fama de Pesqueira abalou até o Bispo de Olinda, D. Luís Raimundo da Silva Brito, desde as notícias dadas por D. Xisto

Albano, seu bispo auxiliar, quando da visita que esse fizera em junho de 1912. Pelo que, programou D. Luiz, para o início de

outubro de 1915, outra visita pastoral, agora feita por ele próprio, ansioso por voltar (estivera antes em 1903) à “cidade do

Progresso” (...)”. MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 152.

SÉDES Nº DE ELEITORES% SOBRE A

POPULAÇÃO

Caruaru 4.252 4,30Garanhuns 3.740 4,88Pesqueira 5.866 11,39Petrolina 2.149 6,82

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A Diocese de Pesqueira contava com setenta e cinco associações pias, dezoito

irmandades e oitenta e oito capelas e oratórios, representando uma das maiores dioceses de

Pernambuco. Apenas no ano de 1935 a Diocese de Pesqueira constituiu 2.672 casamentos e

realizou 10.334 batizados 118. “Por muito tempo Pesqueira contou com a presença diária de

mais de uma dezena de padres que residiam na cidade, ensinavam nos colégios, dirigiam as

várias paróquias e, portanto, mantinham uma atuação constante sobre a população, inclusive

através da imprensa e até mesmo um cinema a Diocese chegou a possuir” 119.

Pesqueira também possuía um número relevante de edificações e constava na

lista dos dez municípios com o maior número de prédios urbanos de Pernambuco. O

município, em contínuo crescimento, tinha desde imponentes construções a prédios mais

simples, como as habitações das vilas operárias.

Faz-se mister ressaltar, observando a tabela abaixo, que a sede do município de

Pesqueira tinha menos prédios do que as sedes dos municípios em comparação, mas nos

distritos superava em edificações os municípios de Caruaru e Garanhuns, isso porque os

distritos de Pesqueira eram mais desenvolvidos, mais habitados e também a área total do

município em Km² era maior do que a dos municípios de Caruaru e Garanhuns.

TABELA XXI

PRÉDIOS URBANOS COMPUTADOS EM PERNAMBUCO, POR MUNICÍPIOS (1940)

MUNICÍPIOS CIDADE DISTRITOS TOTAL

Caruaru 5.729 1.226 6.955Garanhuns 3.845 1.386 5.231Pesqueira 2.479 1.557 4.036Petrolina - - -

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1940, Ano X, p. 206.

_________________________118 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, pp. 276-277.119 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 87.

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Contudo, não há comprovação mais fidedigna da importância que tinha

Pesqueira para Pernambuco, principalmente para o interior, do que os números que

evidenciam seu vigor econômico. Observando as tabelas XXII e XXIII percebe-se, com

facilidade, quão volumosas eram as arrecadações das coletorias federais no município,

tamanha era sua produção industrial.

TABELA XXII

ARRECADAÇÃO DAS COLETORIAS FEDERAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO (1927-1931)

COLETORIAS 1927 1928 1929 1930 1931

Caruaru 162:999$ 202:327$ 200:215$ 156:625$ 183:620$Garanhuns 245:411$ 260:194$ 353:342$ 265:220$ 192:188$Pesqueira 1ª 2ª 3ª 1.094:902$ 1.078:481$ 1.045.979$ 772.701$ 1.041.791$Petrolina 1ª 2ª 153:244$ 163:226$ 152:217$ 138:761$ 145.338$

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, pp. 116,118.

TABELA XXIII

ARRECADAÇÃO DAS COLETORIAS FEDERAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO (1932-1936)

COLETORIAS 1932 1933 1934 1935 1936

Caruaru 214:464$ 274:656$ 227:415$ 304:417$ 261:376$Garanhuns 165:569$ 256:420$ 170:616$ 277:982$ 243:462$Pesqueira 1ª 2ª 3ª 838:727$ 1.358:173$ 843.201$ 1.469:613$ 1.754:903$Petrolina 1ª 2ª 99:776$ 161:486$ 134:782$ 200:526$ 216:539$

Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, pp. 117,119.

Pesqueira era o único município de todo o Estado de Pernambuco, excetuando-

se o de Recife, que dispunha de três coletorias federais e, como se verifica nas duas tabelas

anteriores, a soma das arrecadações das coletorias de Pesqueira suplantavam as arrecadações

dos municípios de Caruaru, Garanhuns e Petrolina, que tinham um montante arrecadado

diminuto em comparação ao ditoso município industrial.

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Em 1940 as coletorias federais de Pesqueira tiveram uma arrecadação maior do

que as coletorias federais de Recife. Nesse ano Pesqueira teve a segunda maior arrecadação

federal do Estado de Pernambuco, ficando atrás apenas do município de Paulista. É

surpreendente constatar que um município fora da circunferência da Zona da Mata e do

Litoral, sem uma economia alicerçada na produção açucareira ou têxtil, pudesse ter resultados

tão vultosos como os obtidos pelas indústrias alimentícias pesqueirenses.

A fabricação de doces e de massa de tomate, assim como os derivados dessa

fabricação, como o extrato de tomate, a polpa de goiaba, os doces em calda, geléias, suco de

frutas, suco de tomate, entre outros produtos, colocaram as indústrias pesqueirenses no rol das

principais indústrias de Pernambuco e, porventura, entre as principais indústrias alimentícias

do Nordeste.

A produção pesqueirense de doces, massa de tomate e derivados, passou a

representar uma importante parcela na exportação pernambucana para outros estados do país,

o que aconteceu a partir da década de 1930 e durante toda a década de 1940.

TABELA XXIV

EXPORTAÇÃO (PAÍS) DOS PRINCIPAIS PRODUTOS DO ESTADO DE PERNAMBUCO, SEGUNDO O VALOR (1934-1936)

PRODUTOS 1934 1935 1936

Aguardente 544:441$ 377:989$ 385:809$Álcool 4.684:346$ 6.301:344$ 8.532:698$Algodão 4.681:075$ 2.905:504$ 2.657:937$Açúcar 102.511:101$ 109.854:210$ 111.312:737$Couros e Peles 924:829$ 934:146$ 2.272:360$Doces 4.180:878$ 3.969:417$ 6.568:237$Farinha de trigo 6.918:910$ 7.432:731$ 8.004:225$Massa de tomate 2.699:814$ 3.346:060$ 3.420:919$Papel para embrulho 6.316:287$ 9.296;508$ 4.111:178$Tecidos 84.230:905$ 88.892:964$ 89.177:465$ Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, p. 181.

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Embora houvesse outras pequenas fábricas doceiras no Estado de Pernambuco,

pode-se dizer, com segurança, que os números apresentados na tabela anterior em relação à

exportação de doces e massa de tomate para outros estados do Brasil, em referência aos anos

de 1934 a 1936, decorrem da produção quase exclusiva das indústrias de Pesqueira e ainda na

tabela é possível depreender que, no ano de 1936, a soma das exportações de doces e massa

de tomate superaram, em valor, as exportações de alguns produtos característicos da

economia pernambucana.

Produtos como a aguardente, o álcool, o algodão, os couros e peles, a farinha

de trigo, o papel para embrulho e outros que não foram inseridos na tabela como o coco, o

café, a farinha de mandioca, o óleo de caroço de algodão, o óleo de mamona e a pólvora

tiveram uma exportação-país menor do que os doces e a massa de tomate exportados pelas

fábricas pesqueirenses. Ressalte-se, no entanto, que o algodão, o café, os couros e peles e o

óleo de caroço de algodão, destacaram-se pouco na tabela XXIV porque tiveram o grosso de

suas exportações direcionadas para o estrangeiro.

Durante as décadas de 1930 e 1940 a fabricação alimentícia pesqueirense

constou entre os principais produtos exportados no Estado de Pernambuco para outros

estados, cuja ordem decrescente era: açúcar, tecidos, doces, algodão, álcool, massa de tomate 120 entre outros, isto é, os doces, a massa de tomate e seus derivados garantiram para o

município o terceiro e o sexto lugares entre os produtos economicamente mais importantes do

Estado.

O município de Pesqueira, portanto, no período próspero de sua atividade

industrial, foi detentor de números invejáveis por outros municípios pernambucanos, nas mais

variadas áreas, adquirindo um destaque merecido no interior do Estado.

________________________120 BARROS, Souza. Op. Cit., p. 35.

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4.3. A Influência da Economia na Cultura

Decisivamente, a economia tem uma forte influência sobre a cultura dos

povos... Com Pesqueira não seria diferente. Ali, mais do que tudo, essa influência era

evidente, pois se tratando de uma pequena comunidade interiorana, a presença do poder

econômico na vida da população marcava muito acentuadamente essa ascendência.

Ao analisar essas questões, buscou-se informações na transmissão oral, nas

experiências vividas por antigos moradores da localidade e ex-funcionários das fábricas, que

ofereceram subsídios mais eficientes e verídicos do que a literatura poderia ofertar.

Observe-se, logo, que já no início do século XX era intensa a atividade cultural

da comuna, que caminhava ativa ao lado do vigoroso comércio e do pioneirismo da

agroindustrialização, cujos empreendimentos faziam com que Pesqueira polarizasse todo o

Agreste e Sertão pernambucano, tornando-se um intenso centro de convergência religiosa e

educacional.

O primeiro cardeal da América Latina, D. Joaquim Arcoverde, nascido em

Pesqueira, a cognominou de “A Atenas do Sertão”, em virtude de sua pujança educativo-

cultural, numa época em que o interior era desprovido de qualquer apoio e incentivo à cultura,

de vez que tudo que se relacionasse ao desenvolvimento era concentrado nos centros maiores.

É preciso, no entanto, ressaltar que, se a potencialidade econômica favorecia -

a reboque - o desenvolvimento cultural, em suas várias acepções, não se pode deixar de se

assinalar que não havia, por parte dos representantes do setor industrial, a preocupação

específica de promover diretamente esse desenvolvimento.

A influência da economia sobre a cultura era, portanto, uma conseqüência. Ela

se dera, conforme se pode constatar, pela condição natural de absorção de uma civilização que

nasceu tendo como paradigmas: a família, a fé e a educação. Essas foram as três edificações

(uma casa residencial, uma igrejinha e uma sala/escola) construídas pelo fundador de

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Pesqueira, no início do século XIX, formando, assim, um tripé que seria vivenciado, posterior

e continuamente, pela comunidade.

Há que se reconhecer que um dos maiores alavancadores culturais, afora a

conseqüente contribuição da economia, fora à criação, por transferência, da Diocese de

Pesqueira, em 1919, que trouxe para a cidade um expressivo número de padres, que passaram

a exercer, naturalmente, uma enorme influência cultural no meio da sociedade local.

Numa época em que o catolicismo exercia uma quase absoluta influência no

meio social e que conduzia o ensino médio (particular) no país, sua autoridade natural era

indiscutível. Toda essa atuação, contudo, era benéfica à sociedade e contribuía

significativamente para o seu desenvolvimento educacional.

Igualmente, não se pode obscurecer o desempenho de figuras individuais que

cooperaram expressivamente para esse estágio de progresso cultural da comunidade. Desde os

mais simples e anônimos habitantes (os artesãos, as rendeiras, industriários, os mais diferentes

profissionais liberais), como os intelectuais, os políticos e os abastados, que deram sua parcela

de contribuição para o aprimoramento cultural.

Pesqueira, a partir do início do século XX, nunca deixou de ter um jornal

semanal. O primeiro semanário foi o Serrano, surgido em 1900, sob a direção dos irmãos

Anísio e Alípio Galvão. Ele era todo manuscrito. Mas o mais importante jornal daquele início

de século fora Gazeta de Pesqueira, fundado por Sebastião Bezerra Cavalcante, em 1902,

onde se destacaria o talento de Zeferino Galvão que, posteriormente, passou a ser o seu

proprietário.

Esse ilustre jornalista e escritor fora, sem dúvida, a figura proeminente das

letras em Pesqueira. Nascido em um desconhecido recanto rural das redondezas, de família

humilde, foi um autodidata que falava e escrevia em francês e latim, um enérgico produtor

literário, que teve seu trabalho publicado em várias partes do país. Militou por muitos anos na

imprensa, questionando e lutando pelas coisas da região.

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Só para citar uma dessas importantes atuações de Zeferino Galvão, pode-se

mencionar sua defesa, feita através de seu jornal Gazeta de Pesqueira, da mudança do trajeto

projetado para a ferrovia, que saindo de Recife teria como destino final o Estado da Paraíba,

argumentando que os trilhos deviam de Pesqueira, que era a última estação ferroviária do

Estado, seguir rumo ao Sertão, em direção à Povoação de Olho-D’água-dos-Bredos, depois

denominada Rio Branco e, posteriormente, Arcoverde, pois acreditava o jornalista que o

trajeto beneficiaria o município de Pesqueira e as ligações geográficas do interior

pernambucano.

O percurso original planejado pela linha férrea inglesa seguia da estação de

Sanharó, anterior à estação de Pesqueira, para municípios da Paraíba, ou seja,

impossibilitando a ligação férrea entre o Agreste e o Sertão. Depois de uma longa contenda,

através da publicação de vários artigos que defendiam a continuação do trajeto pelo interior

de Pernambuco e com o apóio de vários jornais do interior, de Recife e até de outros estados

(Ceará, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná), a solicitação do obstinado jornalista foi

atendida pela Great Western, antiga concessionária das linhas de ferro do Nordeste e, em

1910, ouviu-se o primeiro apito do trem chegando à Ipanema, Distrito de Pesqueira e, depois,

rumo ao Sertão 121.

Para relatar esses fervorosos artigos publicados por Zeferino em seu Jornal, na

campanha que fez em favor da continuidade dos trilhos, foram separados dois trechos da

Gazeta de Pesqueira, um da edição de 07 de junho de 1908 e o outro da edição de 02 de

agosto do mesmo ano, respectivamente:

“Corre fama e tem razão de ser que o prometido prolongamento de

nossa estrada de ferro com destino a Triunfo será autorizado, porém

com flagrante violação aos interesses deste município e, sobretudo, à

sede desta comarca, donde soltamos o grito de protesto em nome do

direito e de uma população superior a 50.000 almas. Asseveram que

está deliberado o prolongamento, não de Pesqueira que é o ponto

terminal da linha, e sim da estação de Sanharó que fica a 16kms e é um

________________________121 SETTE, Hilton. Op. Cit. pp. 58-59.

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povoado de algumas dezenas de casas. Assim feito, deixará de

beneficiar o centro de Pernambuco, pois bifurcando-se para o norte,

atravessará necessariamente uma faixa da Paraíba e um território

improdutivo” 122.

xxx

“Seria um verdadeiro descalabro o prolongamento da estrada de ferro

pelo povoado de Sanharó, deixando Pesqueira mergulhada no maior

dos ostracismos, gemendo ao peso do desrespeito e vendo cair na

ignomínia o talento de seus filhos, a riqueza de seu solo, o seu alto

comércio e indústria, e a marcha da cidade que principia a ser vista

pelo mundo civilizado” 123.

Naquela época um simples jornalista do interior distante não seria nem notado,

mas em face do seu talento literário, Zeferino Galvão conseguiu ser chamado a fazer parte do

Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, bem como se tornar membro

da Academia Pernambucana de Letras. Isso, sem sombra de dúvida, era um fato notável

naquele tempo.

Depois da Gazeta de Pesqueira vieram muitos outros periódicos, destacando-se

o Era Nova, mantido pela Diocese e que circulou por cinco décadas, sendo dirigido sempre

por padres da Paróquia de Pesqueira, a Voz de Pesqueira, dirigido por Eugênio Maciel

Chacon, a Folha de Pesqueira, dirigido por Paulo Oliveira, entre tantos outros de vidas mais

curtas, mas não menos influentes na sociedade pesqueirense e eficazes colaboradores de sua

cultura. Pesqueira, em 1927, dispunha de catorze periódicos publicados, o mesmo número de

publicações de Recife no mesmo ano 124, o que caracteriza a importância que os munícipes

conferiam às letras e como o crescimento econômico do município indiretamente influía nesse

avanço literário.

________________________122 Ibidem, p. 60.123 Ibidem, p. 61.124 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 165.

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Na tabela XXV foi feito um apanhado dos principais jornais de Pesqueira em

cada década, de 1900 a 1950.

TABELA XXV

PRINCIPAIS JORNAIS DE PESQUEIRA, CRIAÇÃO POR DÉCADA (1900-1950)

DÉCADAS JORNAIS

1900 O Serrano, A Tarde, O Colibri, Gazeta de Pesqueira, O

Collegial.

1910A Pátria, O Teatro, Ideal-Jornal, O Infantil, O Efémero,

O Pesqueirense, Pesqueira Esportivo.

1920Era Nova, A Fogueira, O Grêmio, Correio de Pesqueira,

Diocese de Pesqueira.

1930

Jornal de Pesqueira, O Oriente, O Raio, O Monitor,

Pesqueira Social, Avante, A Marcha, O Ororubá, A Voz

de Pesqueira, Coligação, A Cultura, O Sabre, O

Democrático.

1940

A Região, A Voz do Cristo Rei, Mocidade, A Coruja, A

Festa, O Clarim, A Folha de Pesqueira, O Balão, O

Escarlate, O Ideal, A Flama, O Itinerário.

1950S.A.P. Jornal, O Balcão, A Bomba, Jornal de Mimoso,

A Poeira.

Fonte: GALINDO, Givanildo. Op. Cit., pp. 139-134. SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 65-89.

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Por conseqüência, o grande fervor literário sempre foi expressivo no número

de livros publicados por filhos e residentes do município, cujas obras, apesar de não se

tornarem amplamente divulgadas, nem se sobressaírem na história da literatura nacional,

foram relevantes nos meios locais.

No campo específico da educação, tem-se que destacar que a cidade oferecia

ensino primário e médio da melhor qualidade e em função disso abrigava muitos jovens

estudantes das vizinhas e mais distantes cidades do interior do Estado e até de outros estados.

A primeira escola oficial de que se tem notícia, aberta na povoação do Poço do

Pesqueiro, antes mesmo de se tornar a cidade de Pesqueira, foi a do Professor João Rufino,

em 1878 125. A essa se seguiram muitas e muitas outras, no curso da história de uma

comunidade que sempre valorizou a cultura como uma alternativa de subsistência social.

Em 1938, com a finalidade de educar os filhos dos operários, os diretores da

Fábrica Peixe fundaram a Escola Maria Britto e posteriormente criaram escolas também na

zona rural. A Fábrica Peixe cedeu ainda uma de suas dependências para a instalação do Sesi

de Pesqueira, fundado em 1948 e mais à frente, em 1955, o Sesi adquiriu sede própria e

recebeu o nome de Comendador José Didier, em homenagem ao insigne industrial da Fábrica

Rosa 126.

Entre os colégios particulares, o Santa Dorotéia, destinado às moças da região,

abrigava jovens de diversas localidades, também com o seu famoso internato e em número

bem maior do que qualquer outro do município, já que mantinha os cursos ginasial e

pedagógico, formando milhares de professoras desde o ano de 1919, quando se instalaram as

________________________125 “O surgimento educacional de Pesqueira, teve tendências, no século XVII, na Aldeia Ararobá (hoje Cimbres) da Serra do

Ororubá, os nativos Xucurús, da nação Tapuia e os Paratiós, receberam sua civilização inicialmente pelo Pe. João Duarte

Sacramento, membro da Missão Nossa Senhora das Montanhas. Podemos ressaltar a atuação desses religiosos da

Congregação do Oratório – os oratorianos, dedicados à catequese nessa aldeia em condições rudimentares onde

possivelmente a matéria de ensino constava de catecismo, leitura, escrita e cálculo, adotando práticas educativas à altura da

mentalidade dos nativos e de acordo com o ambiente. Posteriormente chegaram a construir no local, uma igreja e uma

escola”. SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., p. 55.126 Ibidem, pp. 60-61.

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primeiras educadoras Dorotéias trazidas pelo primeiro Bispo Diocesano Dom José de Oliveira

Lopes. O colégio contou, desde o início, com um sistemático apoio das famílias oligárquicas

(donas das indústrias alimentícias), que chegaram a ceder, inclusive, suas próprias residências,

como a casa de D. Marieta Pita, para abrigar as primeiras freiras que vieram fundar o

educandário.

Essas jovens ingressavam quase que automaticamente no magistério e

multiplicavam em escala progressiva os ensinamentos ali adquiridos, colaborando para a

transformação da realidade regional no que concerne à luta pela erradicação do analfabetismo

e aprimoramento do desenvolvimento cultural.

O Ginásio Cristo Rei, inicialmente chamado de Colégio Cardeal Arcoverde,

criado em 1921, era mantido pela Diocese e tinha no seu corpo docente a grande maioria de

padres, dispunha também de um internato e se dedicava ao ensino de admissão à 4ª série

ginasial. O colégio era para o sexo masculino e ali estudaram muitos jovens que depois se

tornaram desde proeminentes figuras públicas, como ministros de Estado, secretários,

desembargadores, deputados federais, a competentes profissionais, como médicos, juristas,

engenheiros, empresários, artistas e toda espécie de renomadas e bem sucedidas pessoas.

Posteriormente, em 1929, foi também criado o Seminário São José, que se

propunha a educar os futuros padres. Era mais um educandário de bom ensino, que, assim,

contribuía para o aprimoramento educacional da região. Sabe-se que a Peixe deu uma vultosa

ajuda financeira para a construção do Seminário e que havia forte colaboração de setores da

comunidade para a manutenção desse estabelecimento educacional, pois a Igreja Católica

mantinha boas relações com os representantes do poder econômico do município.

Em 1945 foi fundado outro colégio que veio agregar ainda mais qualidade ao

já bem conceituado ensino pesqueirense, o educandário Ruy Barbosa, anteriormente

denominado Grupo Escolar Virgínia Loreto. Do início do século até o final da década de 1950

o município contou com vários estabelecimentos educacionais, menos afamados do que os já

citados, mas igualmente importantes na missão de educar, entre eles as escolas Dom Vital,

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Amaury de Medeiros, Zeferino Galvão, Medalha Milagrosa, Escola Profissional Diocesana,

Fundação João XXIII e o Grupo Escolar Municipal José de Almeida Maciel.

Um fator de relevante importância na educação daquela época era a excelente

qualidade do ensino fundamental, denominado de ensino primário, ministrada pelo Poder

Público, que abrigava ricos e pobres na mesma sala de aula, especialmente no Grupo Escolar

Ruy Barbosa, freqüentado pelo maior contingente de crianças da comunidade.

A vinculação entre a educação e o poder econômico de Pesqueira evidenciava-

se costumeiramente em pequenas atitudes como, por exemplo, segundo ex-alunas do Santa

Dorotéia, as Indústrias Peixe mantinham um caminhão coberto de lona e com bancos de

madeira, que servia quase que exclusivamente para cedê-lo aos colégios, especialmente ao das

freiras Dorotéias, para excursões, passeios e piqueniques.

Outro fator de importância na vida da cidade era a presença freqüente de

visitas ilustres, trazidas pela força econômica das indústrias alimentícias. Essas visitas eram

tão constantes que o grupo industrial da Peixe mantinha duas casas de hospedagem só para

receber os visitantes. Para acomodar os hóspedes eram utilizadas antigas residências de

familiares que se encontravam desocupadas, tidas como verdadeiras mansões, levando-se em

conta os padrões das demais moradias locais.

Governadores pernambucanos e outras figuras proeminentes dos meios

políticos e empresariais sempre participavam de acontecimentos festivos que ali se

realizavam. Igualmente, candidatos à Presidência da República compareciam à cidade com

suas caravanas políticas 127, às vésperas de eleições, numa demonstração da relevância do

município de Pesqueira.

_______________________127 “Todos os anos havia a festa do tomate, quando do início da colheita do vermelho fruto, com a participação de visitantes

ilustres e nestas oportunidades, como criança curiosa, me inseria entre os convidados para ver de perto os governadores,

ministros, generais, candidatos à Presidência da República que visitavam Pesqueira. Juscelino Kubstchek, naquele jeito

simples e sorridente passou a mão sobre meus cabelos (...). Cumprimentei o General Lott, o Governador Cordeiro de Farias e

tantas e tantas outras personalidades (...)”. GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 123.

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Duas demonstrações do prestígio de Pesqueira, como muitas outras que se

poderia citar, podem ser verificadas na mensagem enviada pelo Governador de Pernambuco

Estácio Coimbra ao Cel. Cândido de Britto, membro das Indústrias Peixe e prefeito do

município, em 1928, noticiado no Jornal Correio de Pesqueira, como na nota divulgada do

Jornal A Voz de Pesqueira, em 1950, que tratou da cogitação do nome do industrial da Peixe,

Manuel de Britto, como candidato ao governo do Estado de Pernambuco, respectivamente:

“Do exmo. dr. Governador do Estado, recebeu, hontem, o cel. Cândido

de Britto, prefeito e chefe político deste município o seguinte

despacho:

Agradeço expressões vossa solidariedade política applausos meu

governo congratulando-me organização directorio ahi.

Cordeaes saudações

Estácio Coimbra” 128.

x x x

“Continua em franca efervescencia a escolha do candidato a governo

do Estado. Entre os nomes indicados, dois deles foram recebidos com

regosijo em Pesqueira:

o do deputado federal Dr. José Maciel e do Comendador Manuel de

Britto. Este ultimo ainda continúa com o nome no cartaz embora, em

entrevista ao “Diário”, tenha dito que não aspira posto eletivo nenhum,

pois seus afazeres na prospera organisação industrial que dirige são

tantos que não o permitem desviar atenções para administrar um

Estado” 129.

Os industriais pesqueirenses, principalmente os da Fábrica Peixe, mantinham

uma íntima relação com a política, muitas vezes ocupando cargos eletivos, mas em todo o

________________________ 128 Correio de Pesqueira, Pesqueira, 29 jul. 1928, p. 01. 129 A Voz de Pesqueira, Pesqueira, 25 jun. 1950, p. 01.

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tempo vinculados direta ou indiretamente ao município de Pesqueira, como os cargos de

prefeito e deputado estadual, embora comente-se que não foram poucos os convites, em várias

décadas, para que se candidatassem a cargos públicos de maior projeção política.

Vale mencionar ainda, a título de ilustração, que os estagiários da importante e

prestigiada Escola Superior de Guerra - ESG, comandada, à época, pelo General Juarez

Távora – célebre militar que participou dos movimentos revolucionários de 1922, 1924 e

1930, tornando-se também Ministro de Estado em 1930 e 1964, além de deputado federal em

1958 – estiveram por mais de uma vez visitando a cidade, em viagem de estudos, a fim de

conhecerem detalhadamente o parque industrial e os campos de plantação de tomates.

A Festa do Tomate, realizada todos os anos, quando do início da safra,

geralmente no mês de agosto, tornara-se um acontecimento importante e para Pesqueira

convergiam ilustres personalidades. Como comprovação da repercussão deste evento anual,

cita-se, por exemplo, uma nota do Jornal ‘O Tacape’, da vizinha cidade de Arcoverde, por ser

mais insuspeito, que no ano de 1937 assim descrevia o acontecimento:

“Pesqueira. Festa do Tomate. Revestiu-se de grande brilhantismo,

sábado último, a Festa do Tomate, organizada pela Firma Carlos de

Brito & Cia. De todos os pontos do Estado afluíram candidatos. Esteve

presente o Sr. Governador do Estado, acompanhado da exma. família;

o Ministro da Agricultura; o Sr. Presidente da Assembléia Legislativa

do Estado; diversos deputados federais e estaduais e inúmeras pessoas

de alta representação política, econômica e social. Realizou-se à

noite um banquete de 310 talheres, falando diversos oradores, entre os

quais o Cel. Cândido de Brito, chefe da firma promotora da festa e o

Dr. Carlos de Lima Cavalcanti, governador do Estado. Após realizou-

se um baile esplendoroso. Foi também inaugurada a Fábrica Nova, no

bairro da Pitanga” 130.

________________________130 O Tacape, Arcoverde, nº 56, 1937, p. 04.

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Como se depreende, a vida social era ativa, sobretudo porque entre os

dirigentes daquelas organizações agro-fabris havia alguns como Jurandir de Britto, Antônio

Didier e José Pita, membros das fábricas Peixe e Rosa, que por suas favoráveis condições

econômicas promoviam uma constante movimentação social. Para os que vivenciaram os

acontecimentos pesqueirenses nos tempos de outrora, Antônio Didier, da Fábrica Rosa,

conhecido por Tonhé, era um genuíno festeiro e “foi o pivô de toda a vida social de Pesqueira

durante quase quarenta anos” 131.

Para abrigar a sociedade elitizada da cidade e seus arredores foi criado, em

1931, por um grupo de cinqüenta pessoas, um clube social que passou a denominar-se o

‘Clube dos 50’, onde só entravam para participar de suas atividades aqueles que realmente

pertenciam ao grupo ou seus convidados. Com o passar do tempo o clube foi expandindo o

seu número de associados, mas só podiam pertencer aquele grupo as pessoas mais abastadas

do município.

Um dos eventos sociais marcantes da cidade foi o primeiro concurso de rainha

do carnaval, em 1938, que contou com nove candidatas e teve mais de dez mil votos, pois

nesse concurso era a população que votava, utilizando cédulas que eram publicadas no Jornal

A Voz de Pesqueira e, com quase quatro mil votos, a escolhida foi a senhorita Irene Pita. Em

1941, o concurso de Miss Simpatia também movimentou a cidade, mas desta vez a escolha foi

feita por uma comissão de jurados, formada por personalidades ilustres da sociedade

pesqueirense, e o anúncio da vencedora, a senhorita Mariquinhas Valença, foi feito no Cine

Teatro Moderno, antes do início da sessão de cinema 132. Porém, é relevante ressaltar que não

era qualquer jovem que podia participar dos concursos realizados na época, as candidatas

pertenciam sempre às famílias mais prósperas e conceituadas do município, por isso as

disputas eram tão acirradas.

________________________131 “A vida social, intensa e elevada, através da “Sociedade Centro Recreativa Pesqueirense”, com suas “matinées” e “soirées”

dominicais, do “Centro Musical” e do “Club Philarmônico Pesqueirense”, tudo agora sob o comando e liderança do fabuloso

Tonhé. Ao “Corpo Dramático”, Tonhé seu fundador e diretor, cedeu o salão térreo do sobrado de sua propriedade (...)

reservou o 1º andar para sua residência e o térreo destinou às sedes do Centro Recreativo Pesqueirense, do Teatro provisório,

da banda de música e da escola, onde Tomás de Aquino ensinava música”. MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., pp. 82,

152, 264.132 A Região, Pesqueira, 21 dez. 1941, p. 01.

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Um grupo de jovens que não podia freqüentar o Clube dos 50 fundou, 16 anos

depois da criação daquele clube, para ter a sua oportunidade de uma vida social, uma outra

associação, denominando-a de ‘Clube dos Radicais’, que passou a ser tão movimentado e, em

muitas festas, até mais vibrante do que o da elite local, já que congregava a população mais

simples, de classe média.

Observe-se, portanto, como a vida econômica do município era influente,

porque motivava situações em todos os setores de suas atividades. Essa diferenciação social

que, de fato havia, ensejava manifestações culturais de todas as classes sociais, que

encontravam, como no Carnaval, uma forma de se revelar.

Desde o início do século XX Pesqueira desfrutava de animadíssimos carnavais,

com troças como o Juvenil, Os Marujos, O Botijão Misterioso, a Troça do Pirão, entre tantos

outras que foram surgindo 133. Enquanto as elites locais viviam os seus carnavais em clubes

fechados, o povo se organizava em blocos e também festejava, a seu modo, aquela festa já

tradicional em nosso meio. O Lira da Tarde, como exemplo, era um bloco que saia do reduto

mais humilde da cidade arrastando numerosos foliões.

Os Caiporas, outro antigo grupo carnavalesco, representavam uma lenda

existente que nas serranias de Ororubá existiam seres de rostos irreconhecíveis, que andavam

pelas suas chapadas amedrontando os caçadores que por ali se aventuravam em perseguir a

fauna do local. Eram verdadeiros guardiões da mãe natureza. Esses foliões, enquanto

brincavam o tríduo momesco, prestavam uma homenagem a esses seres lendários.

As Cambinas Velhas eram outro tipo de carnavalescos, que também se valiam

das memórias dos antepassados para os reverenciarem de modo alegre e festivo durante esse

período. Todos esses e mais alguns grupos de caboclinhos, barcamarteiros, cangaceiros,

reeditavam, naquele período de festa espontânea que é o carnaval, as mais legítimas tradições

de uma localidade e isto era vivido pelo povo mais simples, que contribuía, assim, com a

cultura local, expressa em forma de divertimento.

________________________133 MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 152.

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Outra forma de expressão popular era o esporte das massas, o futebol,

praticado na primeira metade do século XX e eram os operários das fábricas que mantinham

essas agremiações futebolísticas no município, embora recebessem dos patrões um apoio para

a prática do esporte.

Nos idos de 1940, o clube de futebol o Guarany foi fundado pelos irmãos

Rocha, donos da fábrica de doces Tigre e depois o Cruzeiro Esporte Clube também passou a

representar o futebol pesqueirense. O União Peixe, por sua vez, time mais famoso e mais

competitivo da região, fora criado pelos antigos funcionários das Indústrias Peixe, em 1946, e

inicialmente teve o nome de Mecânica União Peixe, por ser organizado pelos operários que

trabalhavam nas oficinas mecânicas da fábrica e depois de formado recebeu o apóio das

Indústrias Peixe, que contribuíam financeiramente com algumas despesas clubistas, o que

comprova que a economia andava pari passu com as realizações e comportamentos da

comunidade.

Em 1938 foi inaugurado, com missa campal e muitas festividades, o Estádio de

Futebol Everardo Maciel, que com a ulterior instalação da iluminação elétrica passou a ter

partidas de futebol realizadas nas noites das sextas-feiras 134. Em 1951, a fábrica Peixe

disponibilizou um terreno para construção do principal estádio da cidade, que recebeu o nome

de Joaquim de Britto, cujo lançamento da pedra fundamental foi motivo de grande

comemoração, com a presença de pessoas ilustres do município, autoridades, jornalistas,

desportistas e cidadãos 135.

Naturalmente, outras agremiações futebolísticas foram surgindo e Pesqueira

tornou-se um centro dessa modalidade de esporte, já que congregava, em seu campeonato, as

agremiações das cidades circunvizinhas e, de quando em vez, recebia visitas de times

importantes da Capital do Estado e de outras localidades, em verdadeiras festas esportivas que

traziam muitas pessoas à cidade. Desde a década de 1930 a Rádio Club de Pesqueira já

transmitia jogos de futebol, que logo se tornaram mais uma fonte de entretenimento 136.

________________________134 A Voz de Pesqueira, Pesqueira, 06 jun. 1939, p. 04.135 Ibidem, 17 jun. 1951, p. 05.136 Correio de Pesqueira, Pesqueira, 20 abr. 1930, p. 01.

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Não se pode deixar de lembrar, contudo, de um dos mais freqüentados

estabelecimentos da cidade, o cinema. O introdutor do cinema em Pesqueira foi o Sr. Tito

Rego Maciel e até o início dos anos de 1930 os filmes eram mudos, por isso o cinema contava

com excelentes músicos que sonorizavam os filmes 137. A partir de 1934, o Cine Teatro

Moderno passou a exibir filmes com som, já não mais necessitando de músicos para

acompanhar as películas e as imagens também eram de melhor qualidade. O cinema, então,

tornou-se o principal ponto de encontro da juventude pesqueirense por várias décadas.

Poder-se-ia citar ainda muitas outras manifestações culturais que ocorreram na

comunidade influenciadas pela sua potencialidade agroindustrial, como é natural a qualquer

sociedade que absorve as conseqüências de sua base econômica, um dos mais influentes

fatores determinantes da conduta de um povo. Porém, o que foi relatado tem apenas o intuito

de demonstrar a contribuição cultural e educacional de Pesqueira para o interior

pernambucano, alicerçada na proeminência econômica do município.

Não é difícil verificar, portanto, que Pesqueira, “acondicionada pela natural

dinâmica do comércio e da indústria, tenha assimilado elementos culturais diversificados,

vindo a constituir-se centro de sua cultura própria, ao mesmo tempo provinciana e

cosmopolita” 138.

A procissão de mulas carregadas de goiaba, fruta abundante nas serranias de

Ororubá, no final do século XIX e início do século XX; posteriormente as filas de caminhões

carregados de caixas de tomate, derramando o suco vermelho das frutas mais maduras pelos

caminhos onde passavam; os rolos de fumaça que os imponentes bueiros expeliam em direção

aos céus; os apitos das sirenes das indústrias; o chiado das caldeiras pelas noites adentro e o

cheiro doce dos produtos que ali eram fabricados, não podiam deixar de influir no cotidiano e

na cultura de um povo que vivia e participava, mesmo que indiretamente, da vida de uma

cidade industrial, operária, que tinha nessa atividade a sua condição primária de

sobrevivência.

________________________137 ALEMEIDA, Fernando. Op. Cit., pp. 71-72.138 ALVES, Odete de Andrada. Pesqueira: Endereço da Cultura. Olinda: LivroRápido, 2007, p. 17.

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5. O AROMA DAS CHAMINÉS DESVANECE

5.1. A Indústria Começa a Agonizar

A cidade de Pesqueira, que descende da antiga Vila de Cimbres, uma das mais

importantes localidades do interior do Estado desde o século XVII e em cujas terras nasceram

ou residiram importantes figuras da história pernambucana, conheceu o sucesso desde cedo,

quando ainda nem era cidade. O povoado, que nasceu às margens do caminho de tropeiros e

viajantes, contribuindo na ligação entre o Litoral e o Sertão, subitamente cresceu, alavancado

pelas transações comerciais ali estabelecidas.

Ao se tornar cidade, em 1880, Pesqueira já era um proeminente centro

comercial da região e quando esta atividade mercantil, por razões já mencionadas, mostrou-se

em iminente declínio, outra atividade a substituiria ainda com maior força econômica, a

industrial. O município, então, passou por uma perceptível transição de atividades

econômicas, deixando para trás o ciclo do comércio e entrando no seu novo período, o de

industrialização.

As indústrias alimentícias geraram resultados econômicos tão bons para o

município, que a ascensão fabril foi refletida em vários setores, como no educacional,

religioso, desportivo, literário e, sem dúvida, na cultura de um povo que se acostumara a

respirar o cheiro exalado pelas chaminés das fábricas, que perfumava toda a cidade.

Pesqueira, por meio de sua produção industrial e da visão e perspicácia de

seus empresários, conquistou no interior pernambucano um papel de destaque, sendo

respeitada e admirada em todo o Estado, por ter tornado uma iniciativa despretensiosa de

fabricação caseira de doces em um dos empreendimentos mais bem sucedidos da Região

Agreste.

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O período áureo do município esteve totalmente ligado a sua industrialização,

que fazia pulsar a economia e a vida social da cidade. No relato que segue, vê-se como

Pesqueira dependia e se orgulhava de sua atividade fabril:

“Não basta que Pesqueira exiba aos que dela se aproximam, como

marca da principal atividade de seus moradores, erguidos em maior

número na área de “cidade baixa”, os enormes boeiros de importantes

fábricas a manchar de fumo um céu quase sempre vazio de nuvens.

Não é preciso, por outro lado, que o visitante chegue à cidade,

durante os meses das safras, quando, por exemplo, os caminhões

abarrotados de caixotes de frutas e de tomates fazem filas diante dos

portões dos estabelecimentos fabris ou enquanto paira no ar o cheiro da

goiaba em processo de cosinhamento ou o odor acre dos tomates

fermentados atraindo enxames de impertinentes moscas, afim de que

esse alguém se certifique de estar conhecendo um aglomerado urbano

de desenvolvida função industrial.

Sim, ao lado e em torno das compridas chaminés fumegantes,

aparecem os grandes e inconfundíveis casarões (...) cumprindo a

finalidade de abrigar os escritórios, os depósitos, as várias outras

dependências fabris (...)” 139.

O município de Pesqueira vivia em função do setor industrial, do qual

dependiam direta e indiretamente milhares de pessoas e até as atividades rurais foram

modificadas para suprir as necessidades da agroindústria do doce e do tomate.

A paisagem urbana da cidade também sofreu mudanças. Além dos grandes

prédios das indústrias e dos casarões de seus proprietários, vários bairros proletários foram

criados para servirem de moradia aos operários das fábricas. Assim surgiram os bairros do

Prado, do Salgado, da Pitanga, da Mandioca, de São Sebastião e, muitos destes, que ainda

permanecem com o mesmo nome, conservam na arquitetura de suas residências as marcas de

uma época em que além de moradia seus habitantes possuíam, mesmo com os salários

insatisfatórios pagos pelas fábricas, a segurança de um emprego.

________________________139 SETTE, Hilton. Op. Cit., pp. 78-79.

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O destino promissor da cidade, contudo, esbarrou em fatores que levariam à

indústria pesqueirense uma agonizante decadência. A partir da década de 1930 houve o

primeiro prenúncio de uma crise que, inevitavelmente, consolidar-se-ia nos anos de 1950 na

indústria nordestina e, conseqüentemente, nas indústrias alimentícias pesqueirenses.

Até a década de 1930 houve pouca atuação dos governos brasileiros na

economia e no desenvolvimento do país 140. A indústria nacional até a referida década, por sua

vez, desenvolveu-se por competência e esforço principalmente de pequenos e médios

empreendedores que investiram o capital acumulado em outras atividades, com os recursos

advindos do comércio e da agricultura de exportação, no setor industrial.

Após a revolução de 1930, o Estado irá então participar diretamente do

planejamento econômico do país, contudo, como será analisado mais adiante, a interferência

estatal trará bons resultados para o processo industrial do Centro-Sul, em detrimento da

indústria nordestina, que ficou por algumas décadas distanciada da integração econômica

nacional proposta pelos governos federais.

A indústria pesqueirense, todavia, à parte desses primeiros planejamentos

político-econômicos do país, atingiu seu auge de crescimento justamente na década de 1930,

período no qual a Fábrica Peixe estendeu suas atividades fabris ao Sudeste, instalando

importantes estabelecimentos nessa região, investiu em outras indústrias alimentícias no

interior de Pernambuco e conquistou o mercado nacional de extrato de tomate.

________________________140 A partir da década de 1930 o país começou a adotar políticas de desenvolvimento econômico, mas se observa que essas

medidas eram direcionadas principalmente ao Sudeste, tendo São Paulo como principal foco desse desenvolvimento. “Nas

décadas de 1930 e 1940, a realização de análises sistemáticas e avaliações da estrutura econômica brasileira visando

influenciar o rumo do desenvolvimento do país, conduzidas por estrangeiros e brasileiros, tornou-se mais freqüente. O

primeiro relatório a surgir na década de 1930 foi o Niemeyer Report, publicado em 1931”. Esse relatório declarava que o país

não podia ter a sua base econômica dependendo da exportação de uma ou duas lavouras, como era o caso da lavoura do café

em São Paulo, que após a Depressão passou por uma severa crise. Em 1942 e 1943 um grupo de técnicos americanos realizou

a chamada Missão Cooke, que consistia em avaliar a economia do Brasil: “Uma das conclusões importantes que a missão

chegou foi a de que deveria ser realizado um esforço para desenvolver o Sul do país, visto que essa região tinha as melhores

condições para um rápido desenvolvimento econômico”. BAER, Werner. Op. Cit., pp. 62-63.

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O município de Pesqueira, até fins da década de 1950, nem de longe poderia

imaginar que seu império fabril estava ameaçado. A sua principal indústria, a Peixe, no

período de 1930 a 1950, continuava em ascensão, diferentemente das demais indústrias

regionais que já demonstravam sinais de enfraquecimento. Nessa fase a Fábrica Peixe adquire

uma frota de caminhão, com a qual diminui os custos de transporte e passa a ter um controle

quase que exclusivo na compra da matéria-prima. Na parte de maquinário é instalada uma

extraordinária caldeira em suas instalações, capaz de produzir até cinco mil quilos de vapor

por hora, aumentando significativamente a produção da fábrica, além da inserção de novas

máquinas automáticas de encher e fechar latas 141.

O crescimento do setor industrial pesqueirense gerou resultados econômicos

que foram sentidos na urbanização e nas obras públicas do município, destarte, com o

aumento da população da cidade novos bairros foram sendo criados, serviços essenciais foram

surgindo, como a instalação de uma central telefônica que interligava a cidade de Pesqueira

aos seus distritos, o assentamento do calçamento de várias ruas, criação de um campo de

aviação que possibilitou a visita de importantes personalidades ao município, construção de

necessários prédios para abrigar serviços públicos, entre eles o dos Correios e Telégrafos e do

Hospital Regional 142, assim como a determinação de regras de trânsito dentro do perímetro

urbano, além de tantas outras realizações que fizeram do município de Pesqueira um exemplo

de êxito e modernidade.

A atividade industrial tornou Pesqueira uma das cidades mais conhecidas e

relevantes de Pernambuco, atraindo pessoas dos mais variados municípios e até de outros

estados, que se mudavam em busca de novas oportunidades de trabalho e embora a maior

disponibilidade de vagas fosse para trabalhar como operário nas fábricas, a cidade, devido a

sua dinâmica, também oferecia labor em jornais, serviços públicos, escritórios,

estabelecimentos comerciais e em serviços ligados à produção industrial.

________________________141 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. pp. 60-61.142 Foi realizada no Hospital Regional de Pesqueira, em 1942, a primeira operação cesariana do interior nordestino. A

parturiente foi a Senhora Maria Teresa Galindo, que registrou a sua filha com o nome de Cesarina. O acontecimento teve

grande repercussão na impressa local, estadual, estendendo-se até à imprensa do Rio de Janeiro. A criança foi batizada na

própria Capela do Hospital pelo Bispo de Pesqueira, cujos padrinhos foram o Prefeito Dr. Arruda Marinho e sua esposa.

CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 131.

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Em um recenseamento do município realizado em 1937, pode-se verificar que

havia uma boa diversificação de profissões, algumas até inexistentes em outras cidades do

interior, como chaufeurs, agrônomos, funileiros, tipógrafos, o que demonstra o

desenvolvimento de Pesqueira na época. Conforme se percebe na Tabela abaixo.

TABELA XXVI

RECENSEAMENTO DO MUNICÍPIO DE PESQUEIRA (1937) (Funções exercidas pelos munícipes)

FUNÇÕES Nº DE PESSOAS

Advogados 02Agricultores 364Artistas 45Bacharéis em comércio 01Carpinas 22Chaufeurs 18Colegiais 664Comerciantes 162Comerciários 88Criadores 33Dentistas 04Domésticos 3.933Engenheiros agrônomos 02Engenheiros civis 01Engenheiros eletricistas 01Fazendeiros 47Funcionários Públicos 78Funileiros 22Industriais 15Marchantes 20Mecânicos 06Médicos 04Operários 2.037Padres 04Pedreiros 73Pintores 11Professoras 22Religiosos franciscanos 24Sapateiros 55Tipógrafos 02

Fonte: CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 224.

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Enquanto o mundo ocidental amargava uma séria crise do capitalismo liberal,

iniciada com o Crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque (1929) 143, estendendo-se até fins

da década de 1930 e depois com o advento da Segunda Guerra que causou transformações

profundas na economia mundial, Pesqueira parecia não ter sido abalada por nenhum desses

acontecimentos, pelo contrário, foi o melhor período para as indústrias do município, assim

como para as demais indústrias regionais.

Grande parte do excelente resultado econômico que as indústrias alimentícias

de Pesqueira tiveram entre as décadas de 1930 e 1950, deve-se ao fato de encontrar um

mercado nacional aberto para seus produtos, sem uma concorrência forte que pudesse

ameaçar seu crescimento. Nessa época as fábricas alimentícias pesqueirenses, lideradas pela

Peixe, vendiam seus produtos não só para o mercado nacional como também para o exterior,

o que resultou em fabulosos lucros, permitindo ao Grupo Peixe expandir suas instalações em

outras regiões do país.

A partir de 1940, contudo, com o surgimento da indústria alimentícia ETTI e

depois da CICA, a Peixe começa a sentir as primeiras perdas de mercado, principalmente na

Região Sudeste, já que suas indústrias direcionavam a maior parte da produção para o

mercado nacional, o que daria início a uma crise estrutural da empresa, que só seria sentida na

década de 1950. Com o passar do tempo essa concorrência ficou mais intensa, pois tinha “os

seus competidores apoiados numa produção de valor que se sobrepunha por uma superior

qualidade das virtudes técnicas e da força de trabalho” 144.

A partir de meados da década de 1950, a indústria tradicional nordestina, por

razões político-econômicas que serão analisadas adiante, vê-se sufocada por indústrias de

outras regiões e também por empresas estrangeiras que passaram a investir no país,

possuidoras de mais capital e de força de trabalho com melhor qualificação para a inserção de

seus produtos no mercado nacional.

________________________143 ALVES, Antônio. História 3: O Mundo – Idade Contemporânea. O Brasil – República até Hoje. Recife: Líber, 1982, p.

236.144 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. p. 67.

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Ao perceber que precisava se tornar mais competitiva para disputar mercados

com as indústrias congêneres do Sul e do Sudeste, a Peixe parte então para a

agroindustrialização, apoderando-se de toda a extensão agrária disponível no município e até

nos municípios limítrofes, para plantação de tomate. A chamada parceria agrícola adotada

inicialmente pela Peixe e depois seguida pela Fábrica Rosa, a princípio aparentava ter uma

conotação de parceria, mas logo se descobriu seu lado de exploração dos pequenos

agricultores.

Desde o início da industrialização de Pesqueira, a maior parte da matéria-prima

das fábricas provinha de fornecedores do município e da região e apenas uma pequena parcela

derivava da cultura própria de frutos, mas com o intuito de diminuir os custos dos insumos e

de aumentar a produtividade, as indústrias Peixe instituíram o sistema de parceria.

A parceria empregada pelas fábricas se tornou uma armadilha para os

pequenos proprietários agrícolas, que se submetiam ao sistema injusto dos interesses

industriais. Os parceiros agrícolas utilizavam todo o seu tempo na produção de tomate,

plantando, colhendo ou enchendo caixas e mais caixas do fruto, que eram vendidas às fábricas

por aproximadamente seis vezes menos o valor que o comércio pagava pela caixa de tomate.

Na maioria das vezes, respeitando o acordo feito com as fábricas, os parceiros só dispunham

dos domingos para trabalhar em suas terras, cultivando pequenas lavouras de subsistência,

como o feijão e o milho, que mal davam para suprir suas famílias. Por fim, ainda eram

descontados do parceiro-agricultor os gastos com defensivos agrícolas, sementes e adubos

fornecidos pelas fábricas 145.

A parceria adotada pela Peixe, por conseguinte, tinha apenas a denominação de

parceria, pois se caracterizava mais como uma relação comum de trabalho, com os

pressupostos da subordinação do empregado e dos ditames do empregador, prova disso eram

as várias disposições impostas pela fábrica ao parceiro-agricultor, obrigações que tinham que

ser rigorosamente cumpridas, tais como:

________________________145 Entrevista realizada com um ex-parceiro da Fábrica Peixe. Sua parceria com a Peixe começou no final dos anos de 1960 e

foi até meados da década de 1970.

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“a) acatar as normas indicadas pelo corpo técnico da empresa;

b) manter em bom estado de conservação os terraços, coletores,

cercas, estradas, habitações, etc., recebendo para isso retribuição extra

(não especificada);

c) entregar toda a produção de tomate à empresa, recebendo 50% da

produção ao preço previamente estipulado e que será de CR$ 600,00

por caixa, na safra de 1966;

d) somente plantar – na área reservada à lavoura de subsistência –

cereais ou lavoura de ciclo curto, a fim de que concluída a colheita e de

acordo com o plano de parceria, o gado da Empresa, se isso lhe

convier, possa pastar em toda a área, durante dois ou mais meses, até

início das culturas do ano seguinte” 146.

Ainda fazendo menção ao Estatuto da Associação dos Parceiros da Peixe,

como o trecho acima citado, era estabelecido pelo estatuto normas que também delegavam à

indústria poderes irrestritos, como se firmasse com o agricultor, na verdade, um contrato de

adesão 147 e não uma parceria, que pressupõe liberdade de acordo entre as partes, observe-se:

“a) Art. 16º - A Diretoria terá amplos poderes para agir em nome da

sociedade... : manter a disciplina entre os associados; impor penas e

eliminar os elementos que lhe parecem perturbadores da ordem social;

b) Art. 21º - ... Enquanto vigorar o convênio entre o IRESI e a Fábrica

Peixe, os cargos do Conselho Técnico de Consultas e Deliberações,

serão assim preenchidos: i) dois por indicação do Diretor do IRESI; ii)

dois por indicação dos parceiros-agricultores e iii) dois por indicação

da parceria-proprietária, sendo de quatro (4) anos cada exercício.

(Atente-se para a condição minoritária do parceiro-agricultor).

________________________146 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. pp. 80-81.147 A colocação de que a Fábrica Peixe estabelecia com os seus parceiros agrícolas um contrato similar ao de adesão, deve-se

ao fato de ser o contrato de adesão um pacto no qual “inexiste liberdade de convenção (...) um dos contratantes impõe ao

outro sua vontade”. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V. 5. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 31.

Assim, percebe-se que neste tipo de contrato uma das partes sempre define as cláusulas “cabendo à outra apenas aderir ou

não ao estipulado”. FUHRER, Maximilianus. Resumo de Obrigações e Contratos. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 39.

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c) Art. 24º - A parceria-proprietária terá direito a tantos votos (na

Assembléia Geral) quantos forem os votos dos parceiros-agricultores

presentes.

d) Art. 25º - Nas deliberações da Assembléia Geral, cada

representante dos parceiros-agricultores terá direito a um (1) voto. A

parceria-proprietária, terá direito a tantos votos quantos forem os

representantes dos parceiros-agriccultores” 148.

Com todas essa delimitações, a Peixe comandava com mãos-de-ferro o seu

sistema de parceria, que por um tempo trouxe bons resultados econômicos para a fábrica, mas

não foi suficiente para evitar a crise em suas indústrias e ainda agravou o declive de

crescimento do município, pois os baixos rendimentos dos pequenos e médios agricultores da

parceria somados aos ínfimos salários pagos aos operários geraram um mercado interno com

pouca capacidade de desenvolvimento.

A concorrência acirrada, o contexto nacional de favorecimento econômico das

empresas do Centro-Sul, o desgaste do solo, as condições climáticas desfavoráveis, o

surgimento de um novo pólo de fruticultura no Vale do São Francisco, entre outros, foram

fatores que reunidos provocaram o declínio da industrialização de Pesqueira, causando,

paulatinamente, a diminuição do número de emprego nas fábricas, um êxodo rural em massa e

a queda das demais atividades do município... A Indústria começava a agonizar.

________________________148 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. p. 79.

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5.2. Principais Fatores da Derrocada

5.2.1. O Contexto Nacional

A crise da República Velha, que culminou com a Revolução de 1930,

instituindo Getúlio Vargas como o novo presidente do Brasil, foi um divisor de águas na

política-econômica nacional. A partir de 1930 o Estado tornou-se mais centralizador e passou

a adotar políticas de desenvolvimento econômico.

O Estado, utilizando-se de seu poder de regulação e intervenção econômica,

inicia a criação de entidades e empresas públicas que fariam esse papel regulador. Destarte,

vários institutos foram sendo constituídos, como o do Açúcar e do álcool (1931), do Cacau da

Bahia (1931), do Mate (1938), do Pinho (1941), do Sal (1941), o Departamento Nacional de

Produção Mineral (1934), assim como os conselhos do Petróleo (1938), de Águas e Energia

Elétrica (1939) e de Minas e Metalurgia (1940). As empresas públicas e as sociedades de

economia mista também se tornaram organizações muito importantes para o sistema

governamental a partir da década de 1940, como exemplos, a Companhia Siderúrgica

Nacional (1941), a Vale do Rio Doce (1942), a Nacional de Álcalis (1943), A Fábrica

Nacional de Motores (1943), a Companhia Hidrelétrica de São Francisco (1945) 149.

Como ordenador da estrutura desenvolvimentista nacional, o Estado atuava nos

diversos setores econômicos, porém, verifica-se que desde o início dessa interferência estatal,

os planos e metas governamentais sempre se direcionaram mais a algumas regiões, em

detrimento de outras.

________________________149 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 94. Ver também: DRAIBE, Sônia. Rumos e Metamorfoses – Estado e

Industrialização no Brasil; 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 78: “A crise do Estado Oligárquico, ao

estabelecer condições para a centralização política, criou também bases para uma profunda intervenção e regulamentação

econômica estatal, no espaço político constituído pelos interesses sociais e seus conflitos. Nesse campo de forças, constitui-

se aceleradamente um moderno e sofisticado aparelho econômico centralizado, a partir do qual o Estado passou a atuar

sobre os postos-chaves da vida econômica e social (...)”.

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Concomitantemente com o aumento das disparidades econômicas regionais, a

partir da década de 1950 a indústria pesqueirense inicia seu gradual declínio. Há esse tempo, o

chamado Centro-Sul já se distanciava economicamente da Região Nordeste. Enquanto o

Nordeste tinha uma economia eminentemente agrária, com pouca produtividade e uma

indústria mais artesanal, o Centro-Sul era, em todos os aspectos, mais desenvolvido. Essas

diferenças geraram, ao longo de décadas, grandes desigualdades regionais.

A política econômica estabelecida pelo governo brasileiro nos anos de 1950 e

1960 direcionou-se para o fortalecimento do setor industrial, mas esse setor teve a parte

maciça de seus investimentos nas regiões Sul/Sudeste do país. Foi tal direcionamento

governamental que muito atrapalhou o desenvolvimento das regiões ao norte do país e,

paulatinamente, distanciou o Nordeste das demais regiões do Centro-Sul, pois a economia

nordestina, antes notadamente agropastoril e produtora de bens tradicionais, não acompanhou

a evolução dos estados do Sul e Sudeste.

O governo de Juscelino Kubitschek, com o slogan “50 anos em 5”,

indubitavelmente promoveu o avanço das indústrias de base do país, com o desenvolvimento

das indústrias do aço, do alumínio, da celulose, automotiva, da maquinaria pesada, de

produtos químicos, entre outras 150. O problema é que esses planos desenvolvimentistas,

como os do governo de Juscelino, aumentaram ainda mais os desequilíbrios regionais, pois

essas indústrias surgiam predominantemente no Centro-Sul.

Essas transformações econômicas também modificaram o sistema de

transporte do país e a partir dos anos de 1950 a cabotagem e as ferrovias foram perdendo

espaço para o transporte rodoviário, o que favoreceu o crescimento de uma articulação inter-

regional. Conforme explana Olímpio Galvão: “foi apenas após a efetivação de um programa

nacional de construção de rodovias nos anos 50 e 60 que o Brasil rompeu, de fato, com o

estado de relativo isolamento de suas economias regionais” 151.

________________________150 BAER, Werner. Op. Cit., p. 81.151 in: Comércio Interestadual por Vias Internas e Integração Regional no Brasil: 1943-69. RBE. Nº 53. Rio de Janeiro:

out./dez. 1999, p. 524.

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Contudo, embora as mudanças no setor de transporte tenham sido

extremamente importantes para a interligação entre os mercados nacionais, esse novo sistema

rodoviário foi mais um fator segregador para a Região Nordeste, pois as rodovias ligavam

bem mais os estados do Sudeste, estendendo-se para o Sul, do que as demais regiões do país

e, assim, precisamente explica Guimarães Neto:

“Estava-se vivendo um momento de amplas transformações no sistema

de transporte que, intensificando os fluxos comerciais e reduzindo os

custos, quebrava as barreiras à entrada em vários mercados

anteriormente isolados. (...) No entanto, no que se refere

fundamentalmente à articulação Nordeste/Sudeste, esse

desenvolvimento do sistema de transporte é nodular, restringido. Dá-se

prevalentemente, no interior de regiões já articuladas na fase anterior –

como a Sul/Sudeste – ou no interior de regiões mais isoladas, como é o

caso do Nordeste” 152.

Outra ação governamental desse período que muito prejudicou a indústria

nordestina foi a adoção da Lei dos Similares Nacionais, que com o intuito de impulsionar a

industrialização agravou as diferenças regionais. Nas décadas de 1950 e 1960, os países da

América Latina adotaram uma infundada teoria de que só se desenvolveriam por meio de um

largo programa de substituição de importações. O programa tinha como idéia central gerar

uma indústria forte em produtos manufaturados, para através da acumulação de capital

promover um desenvolvimento econômico auto-sustentável.

Por causa da utilização desse programa de substituição de importações, o país

ficou com as exportações restritas ao excedente e o mercado nacional passou a crescer

desigualmente, culminando com poucos investimentos em capital humano e a falta de uma

política monetária clara. Segundo Werner Baer: “o registro de um produto como um similar

tornou-se a base para a proteção tarifária e para sua classificação em uma elevada categoria

cambial” 153.

________________________152 in: Op. Cit., p. 95.153 in: Op. Cit., p. 78.

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Por conta da Lei dos Similares, muitas empresas estrangeiras, principalmente

norte-americanas, aumentaram seus investimentos no Brasil, construindo ou adquirindo

fábricas no país, pois como já não podiam importar produtos que tivessem registro de similar,

para garantir mercado passaram a montar e fabricar produtos dentro do território nacional, o

que incentivou uma grande entrada de capital estrangeiro na economia brasileira. Como o

Nordeste, em geral, tinha pouca estrutura e potencial econômico, tornou-se grande importador

de bens industrializados das companhias estrangeiras instaladas no Brasil e das indústrias

nacionais do Centro-Sul e apenas mero exportador de matérias-primas.

Mesmo o Brasil apresentando no final da década de 1960 e início dos anos de

1970 altas taxas de crescimento, as disparidades já se faziam enormes, principalmente entre as

regiões, pois o Nordeste continuava basicamente agrário e subdesenvolvido, ao tempo que o

Sul e o Sudeste intensificavam sua industrialização. Como um paliativo para os problemas

nordestinos, a partir de fins da década de 1950 foram surgindo órgãos que iriam gerar novos

investimentos na região, como a SUDENE, o BNB, o BANDEPE, e vários outros, na

tentativa de amenizar as desigualdades regionais.

Neste ensejo político-econômico, a indústria pesqueirense já estava submersa

na crise, um período que marca o fim das atividades industriais das fábricas Paulo de Britto,

Tigre e Rosa. A Peixe, por sua vez, lutava bravamente para se manter no mercado, mas a

concorrência com as congêneres do Sudeste e as dificuldades regionais anteriormente

expostas, somadas a outros fatores, impossibilitaram que a fábrica mais tradicional do

município continuasse sua história de sucesso.

Em fins de 1960, com toda a sua crise estrutural e com a dispersão e o

desinteresse da família fundadora da fábrica, os Britto de Freitas, a Peixe tornou-se

propriedade da Brascan, um grupo canadense que depois a vendeu ao grupo Vigor. A partir de

então a Fábrica Peixe, que não mais representava o empresariado local, teve suas atividades

restringidas ao fornecimento de produtos que teriam acabamento industrial no Sudeste 154.

________________________154 “A Fábrica Peixe não mais tinha no mercado regional a base de sua produção. Daí os produtos semi-acabados, como o

caso da massa de tomate a partir da qual se prepara o extrato de tomate, para terem seu acabamento industrial no SUDESTE

passou a constituir a política econômica da Empresa”. CAVALCANTI, Célia. Op. Cit., p. 88.

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5.2.2. O Solo, a Água e outros Fatores

O município de Pesqueira, como a grande maioria dos municípios do Semi-

Árido nordestino, sempre sofreu com os irregulares períodos de chuva e com a pouca

fecundidade de seus solos. Pesqueira, distante 214 Km de Recife, situa-se no chamado

‘polígono das secas’, o que constantemente representou um difícil obstáculo na plantação de

frutas e de tomate para a produção industrial.

Em 1967/1968, realizou-se pela primeira vez um mapeamento completo dos

solos de Pernambuco, por meio do Ministério da Agricultura e da SUDENE. De acordo com o

pesqueirense mestre em solos Nivaldo Burgos, engenheiro agrônomo e pedólogo da

EMBRAPA, no mapeamento foram identificados no município de Pesqueira solos jovens,

com minerais primários de fácil intemperização, em grande parte rasos e com baixos teores de

matéria orgânica, ou seja, os solos pesqueirenses, quase que em sua totalidade, manifestam

pouca fertilidade natural 155.

O engenheiro agrônomo Moacyr Britto de Freitas, último membro da família

Britto a administrar a Peixe, com seus vastos conhecimentos agronômicos, assegurou que a

fertilidade do solo dos terrenos da fábrica fosse pouco afetada, pois o sistema adotado pela

Peixe era o da rotação de culturas, isto é, plantava-se o tomate em um determinado terreno

durante dois anos e no ano seguinte deixava-se aquela terra descansando, para que o solo se

recuperasse, isso era possível porque a Peixe possuía muitas terras disponíveis para a

plantação de tomate. Dr. Moacyr, como era conhecido, fazia ainda um balanceamento de

elementos para não saturar o solo, com adubação, potássio, magnésio e feldspato. A Fábrica

Rosa, por sua vez, não utilizava o sistema de rotação de cultura, o que acarretou a saturação

do solo de suas terras 156.

_______________________155 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 43-44.156 Entrevista realizada com o Sr. Nivaldo Burgos, pedólogo da EMBRAPA.

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Os solos da região de Pesqueira constituem-se de 95% de solos de encosta e

5% de solos de baixada, sendo quase todos, com exceção dos solos de baixada, pouco férteis,

pois são em sua maioria arenosos ou franco-arenosos, fortemente erosíveis quando expostos à

lavoura mecânica, cuja topografia é ondulada nas áreas utilizáveis, ou seja, os solos do

município são facilmente degradáveis e exigem muitos cuidados.

Mesmo com todos os esforços realizados por Dr. Moacyr, a monocultura do

tomate começou a ser acometida por pragas, como a da mosca branca, exigindo da Peixe

consideráveis gastos com adubos e defensivos químicos. Em anos salteados, por duas ou três

vezes, a fábrica perdeu praticamente toda sua colheita de tomate devido às pragas, o que

gerou um grande endividamento da indústria com os bancos, já que ela fazia volumosos

empréstimos para garantir as plantações de tomate. Em razão desses prejuízos e do

endividamento bancário, a Peixe, aos poucos, teve que se desfazer de diversas fábricas,

inclusive da Duchen e da Usina Central Barreiros. No auge da crise a fábrica foi vendida a um

grupo internacional, a Brascan, e os plantios de tomate, por questões agronômicas, foram

transferidos para outras regiões 157.

Outro agravante para a produção agrícola da região sempre foi a escassez de

água. Em Pesqueira, como em geral no Semi-Árido nordestino, a irregularidade pluviométrica

prejudica a boa produtividade das culturas. O município conta com chuvas anuais entre 400 a

700 milímetros, um pouco mais do que as registradas no Sertão do Estado e bem menos do

que a quantidade pluviométrica da Zona da Mata, o que caracteriza “um clima salubre,

propício à vida animal e incerto à vida vegetal” 158, assim sendo, inconstante para atividades

agrícolas.

_______________________157 SOUZA, José de Anchieta. Op. Cit., p. 37.158 Moacyr Britto de Freitas assim define o clima do município de Pesqueira: “Estamos situados na Zona Tropical Seca, com

clima entre suave e quente, e entre moderado e regular, portanto, praticamente dividido em: subúmido (região dos brejos) e

semi-árido (região central). O regime pluviométrico varia de 400 a 700 milímetros, com chuva máxima de 180 milímetros em

120 minutos; temperatura média de 22º C, com máxima de 36 e mínima de 12 graus; umidade relativa média de 73%, com

mínimos de 60% e máximos de 85%. (...) Ocorrem freqüentemente, no inverno, períodos longos diários de alta-umidade

(80%) e baixa temperatura (15º a 20º), propiciando doenças fúngicas nas lavouras”. SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp.

49-50.

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Dr. Moacyr verificou no final da década de 1970 as chuvas médias mensais do

município nos últimos 50 anos, cujos dados foram fornecidos pelo Posto Meteorológico da

cidade, distribuídos da forma seguinte:

TABELA XXVII

DISTRIBUIÇÃO PLUVIOMÉTRICA ANUAL DO MUNICÍPIO DE PESQUEIRA(Média de 50 anos)

MESES MILÍMETROS

Janeiro 33,75Fevereiro 73,15Março 100,56Abril 109,81Maio 95,42Junho 77,20Julho 61,39Agosto 33,05Setembro 18,31Outubro 16,87Novembro 24,06Dezembro 30,57TOTAL 674,14

Fonte: SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 49-50.

Observando a tabela, percebe-se a volubilidade das chuvas no município,

chovendo razoavelmente bem entre fevereiro e julho e muito pouco entre agosto e janeiro.

Esse tipo de variação pluviométrica impossibilita um bom aproveitamento agrícola.

No Brasil, até meados dos anos de 1950, dois terços de nossa população

habitava o campo, proporção que se inverteu em cerca de 30 anos, principalmente no

Nordeste. A falta de perspectiva, as desigualdades regionais e a seca foram fatores que

expulsaram as pessoas de suas localidades, provocando uma migração em massa do

nordestino rumo a regiões mais atrativas do país. E em Pesqueira não foi diferente, pois a

partir da década de 1950 as indústrias alimentícias do município diminuíram a contração de

operários e também reduziram as atividades de milhares de pessoas que indiretamente

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dependiam de trabalhos ligados à indústria. Destarte, Pesqueira foi perdendo sua população,

que migrava principalmente para São Paulo, em busca de melhores condições de vida 159.

A seca, incontestavelmente, sempre se configurou como o maior obstáculo ao

crescimento do Semi-Árido. A economia da região Semi-Árida caracteriza-se, como já

diagnosticou Celso Furtado no GTDN, por uma baixa produtividade e sujeita a crises

periódicas de produção. Segundo Furtado:

“O tipo da atual economia da região semi-árida é particularmente

vulnerável a esse fenômeno das sêcas. Uma modificação na

distribuição das chuvas ou uma redução no volume destas que

impossibilite a agricultura de subsistência bastam para desorganizar

toda a atividade econômica. A sêca provoca, sobretudo, uma crise da

agricultura de subsistência. Daí, suas características de calamidade

social” 160.

O GTDN trouxe à tona também as possíveis causas e explicações do atraso da

economia do Nordeste, estabelecido em indicadores que evidenciavam a disparidade de

riquezas entre as regiões brasileiras. Isso se tornava evidente na medida em que os números

demonstravam o distanciamento de bem-estar entre as regiões. O próprio GTDN apontou

elementos, já mencionados no item anterior, determinantes dessa condição desigual: relações

econômicas desfavoráveis do Nordeste com o Centro-Sul do país; os gastos públicos

prestigiavam a região rica do país; a existência de um arcabouço institucional que perpetuava,

na Região Nordeste, o atraso econômico e social.

_______________________159 Vê-se que o Nordeste tinha “condições que favoreciam a migração: forte pressão demográfica e alta concentração

fundiária. Desse modo, o Nordeste, por seu processo histórico-social-político e econômico, transforma-se numa área

caracterizada por transferir mão-de-obra rural para os centros urbanos mais dinâmicos do país, perdendo, assim, a capacidade

de retenção de população e se transformando em uma área com altos índices de pobreza e de perdas de população”.

CAVALCANTI, Helenilda & GUILLEN, Isabel. Atravessando fronteiras: movimentos migratórios na história do Brasil.

Disponível em: < http://www.imaginario.com.br/artigo/a0061_a0090/a0086-01.shtml >. Acesso em: 25 jul. 2005.160 in: GTDN. Op. Cit., p. 64.

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A partir do final da década de 1950, com a criação da SUDENE, várias ações

de desenvolvimento foram implantadas no Nordeste. Através dos Planos Diretores, a

SUDENE e seu operador financeiro, o Banco do Nordeste, conduziram os investimentos

públicos na região, o que amenizou a difícil situação nordestina. Entretanto, as diferenças

regionais não foram dirimidas por essas ações, que também foram insuficientes na resolução

de problemas tão graves como a seca.

Em meados de 1960, a SUDENE e a FAO fixaram um acordo para a realização

de estudos sobre o desenvolvimento agrícola no Vale do São Francisco, a fim de analisar as

potencialidades de recursos naturais e a infra-estrutura da região. Os crescentes

empreendimentos no Vale foram transformando o submédio São Francisco numa das áreas

mais produtivas do Estado de Pernambuco, cujo eficiente e cada vez mais abrangente sistema

de irrigação, agregado a numerosos incentivos públicos, fez com que Petrolina e municípios

adjacentes se tornassem um pólo agroindustrial 161.

Para Pesqueira o desenvolvimento do Vale do São Francisco foi mais um fator

agravante na já complicada situação das fábricas, pois o município sofria com a falta de água

e não conseguia competir com a produtividade de Petrolina. Dr. Moacyr conseguiu

desenvolver diversos tipos de tomates para aumentar a área plantada em Pesqueira, mas

mesmo assim a produtividade do município não se igualava a de Petrolina, que produzia 80

toneladas por hectare e tinha três safras de tomate por ano, enquanto Pesqueira só recolhia 25

toneladas por hectare e tirava apenas uma safra por ano. O município, então, não podia

competir com o plantio de frutas e tomate do Vale 162. Há de se ressaltar que o município de

Petrolina, até a década de 1960, possuía uma população bem inferior ao de Pesqueira.

________________________161 O sucesso agroindustrial do Vale do São Francisco deve-se à integração dos setores público e privado, que desenvolveram

em conjunto estudos e investimentos na região. As ações governamentais na área do Vale intensificaram-se a partir da década

de 1960 por meio de empreendimentos, preponderantemente, em transportes, energia e irrigação. “(...) na década de 70, além

das bases de conhecimentos técnicos, ocorridas devido à instalação de campos de experimentação, inicialmente pela

SUDENE e CODEVASF e, posteriormente, pelo Centro de Pesquisas do Trópico Semi-árido (CPATSA), da EMBRAPA,

criaram pré-condições para a enorme mudança no padrão de crescimento e desenvolvimento na área do Submédio São

Francisco, especialmente no complexo Petrolina/Juazeiro”. SUDENE. SUDENE: Uma Parceria de Sucesso no Vale do São

Francisco. Recife: SUDENE, 1995, p.27.162 Entrevistas realizadas com um ex-parceiro da Peixe e com o Sr. Nivaldo Burgos.

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Para alguns antigos citadinos 163, outros dois fatores também contribuíram

fundamentalmente para o desfecho trágico da industrialização pesqueirense, seriam eles: a

inabilidade de gestão empresarial dos dirigentes das fábricas do município e a falta de

interesse político em ajudar a resolver ou minimizar, de alguma forma, a difícil situação das

indústrias locais.

Comentam tais citadinos que as tradicionais famílias de Pesqueira,

proprietárias das fábricas, começaram a se desestruturar, tendo a maioria de seus membros

saído do município para viver em metrópoles. Em relação à Fábrica Peixe, diz-se que os

membros mais jovens da família, a partir dos idos de 1940, saíam de Pesqueira para estudar

em regiões mais desenvolvidas do país e não mais retornavam, perdendo o vínculo com o

município e o interesse na administração do complexo fabril. Relatam ainda que os herdeiros

da família Britto começaram a retirar grandes somas de dinheiro da fábrica para manterem

suas vidas fora da cidade e, com isso, contribuíram na descapitalização da indústria, sem

nenhum comprometimento com os problemas existentes.

Para muitos desses antigos e observadores moradores da cidade, a governança

empresarial, ou melhor, a ineficiente gestão empresarial foi o fator chave para o declínio da

indústria pesqueirense, pois não houve interesse da nova geração de herdeiros das indústrias

em dar continuidade a tais atividades.

Tal fator ressaltado pelos entrevistados talvez explique porque os industriários

de Pesqueira não se interessaram em investir em terras no Vale do São Francisco para o

plantio de frutas e tomate, o que evitaria os altos custos e a pouca produtividade do município,

ou ainda, porque não ampliaram os investimentos para a Região Sudeste, onde possuíam

várias fábricas e a logística favorecia a produção industrial. São questões que ficam sem

respostas e sem uma apuração precisa, mas que certamente muito ajudariam a esclarecer o

declínio da agroindústria de Pesqueira.

________________________163 Entrevistas realizadas com comerciantes, funcionários públicos, ex-operários das fábricas alimentícias e aposentados,

todos residentes no município de Pesqueira.

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Quanto ao aspecto político, questiona-se porque os políticos locais não

atuaram de forma mais incisiva em busca de investimentos públicos para o município, como a

perfuração de poços públicos 164, que serviriam tanto ao abastecimento humano como para a

irrigação, e incentivos que possibilitassem às fábricas a manutenção, mesmo que reduzida, de

suas atividades industriais.

Em meados de 1960, o empresário João Carlos Paes Mendonça comprou a

Fábrica Primor, que depois passou a se chamar Palmeiron e demonstrou interesse de instalar a

fábrica em Pesqueira, mas o então prefeito do município na época, Manoel Tenório de Brito,

não teria tido visão administrativa e tato político para negociar a proposta do grupo Paes

Mendonça e a fábrica foi então instalada em Belo Jardim. A ida da Palmeiron para o

Município de Belo Jardim agravou ainda mais a crise das indústrias pesqueirenses, pois a rede

Paes Mendonça, que nessa época era forte na Bahia, comprava grande parte da produção da

Fábrica Peixe para vender em seus supermercados, mas com a Palmeiron fabricando os

mesmos produtos e pertencendo ao grupo, toda a venda de produtos alimentícios que eram

fornecidos pela Peixe foi cancelada 165.

Durante as décadas de 1970 e 1980, algumas pequenas fábricas doceiras e as

fábricas Peixe e Rosa continuavam, obstinadamente, suas atividades industriais, mas

Pesqueira já não era mais a imponente e vigorosa cidade das chaminés. A década de 1990 foi

a fase terminal do parque fabril da agroindústria pesqueirense, fechando um ciclo de cerca de

um século de atividades, que tornou o município uma das mais influentes localidades do

interior pernambucano.

Em 20 de novembro de 1998, os cheiros do doce e do tomate definitivamente

esvaíam-se da cidade. Por decisão da Cyrio e da Bombril, detentoras da marca Peixe, era

fechada a unidade fabril de Pesqueira. A Peixe, pioneira da industrialização do município,

também foi a última a encerrar o ciclo industrial... O apito das fábricas silenciou.

________________________164 No período de 1962 a 1985 foram perfurados mais de 300 poços públicos no Vale do São Francisco, contribuindo para o

fornecimento de água aos agricultores, para a irrigação e para a pecuária. SUDENE. Op. Cit., p. 24.165 Entrevista realizada com um ex-funcionário administrativo da Fábrica Peixe e complementada pelo Sr. Nivaldo Burgos.

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6. CONCLUSÃO

O objetivo primordial deste trabalho concerne na apuração histórico-

econômica do surgimento, apogeu e declínio da industrialização do município de Pesqueira.

Como relatado ao longo da Dissertação, o início da indústria alimentícia pesqueirense foi de

forma quase aleatória, que se deu em virtude do esforço perseverante e dedicado dos

fundadores e descendentes da Fábrica Peixe. O apogeu industrial trouxe desenvolvimento e

renome para Pesqueira e o seu paulatino decaimento, por diversos fatores, provocou o pesar

do silêncio lastimoso das fábricas.

O ilustre engenheiro-agrônomo, Dr. Moacyr, administrador das Indústrias

Peixe por várias décadas, comentava, com muita propriedade, que Pesqueira viveu quase um

século lutando contra a própria natureza, já que o município não possuía condições para o

cultivo agrícola perene e de grande escala, nem para a implantação de indústrias dependentes

de água em abundância, pois se situa numa área geográfica que, pela inconstância

climatológica, resultante de uma baixa e irregular precipitação pluviométrica, nunca foi

vocacionada para tais atividades.

A despeito de tudo, no final do século XIX e durante o século XX, a

agroindústria pesqueirense tornou-se a principal atividade econômica dessa microrregião, não

só dando condições de subsistência às populações locais, como também proporcionando um

desenvolvimento significativo em relação ao sofrido interior nordestino, projetando seu nome

além das fronteiras regionais, porque ali nasceu e cresceu, como já sobejamente narrado, um

vigoroso parque industrial.

Sem dúvida, essa situação de prosperidade econômica que favorecia

especialmente os grupos proprietários das indústrias alimentícias, também gerou importantes

melhorias nas condições de vida dos citadinos, que eram beneficiados ou diretamente pela

geração de empregos ou indiretamente pelos melhoramentos e progresso do município.

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Hoje, sabe-se que esse desenvolvimento não podia ser medido apenas pelo

volume de fumaça que subia aos céus, através das chaminés das indústrias, pois que, se bem

analisado, constata-se que essa mesma fuligem era justamente o resultado final da devastação

de suas já tênues florestas, assim como a insistência no plantio seguido da mesma cultura, sem

permitir o descanso da terra, provocou a erosão dos solos pesqueirenses em diversas áreas.

Por certo, deverão ser encontrados muitos outros aspectos negativos,

ecologicamente incorretos, mas no contexto de uma época, mesmo ainda bem próxima, era

um desenvolvimento desejável e mensurado por significações sócio-econômicas.

Mesmo com o funesto encerramento da industrialização pesqueirense, as

marcas dos tempos prósperos da cidade ainda permanecem e são o registro de sua história. Os

prédios das antigas fábricas, parcialmente restaurados, hoje servem à comunidade de forma

útil. Num deles, que abrigava a antiga Fábrica Rosa, acha-se instalado um centro comercial e

cultural, inclusive com o funcionamento do Museu do Doce. O prédio que pertencia à Peixe,

por sua vez, recentemente abrigou em seus pátios as tradicionais feiras da cidade, inclusive

com um espaço para o artesanato local, reordenando completamente o trânsito e logradouros.

A indústria alimentícia encerrou seu ciclo, mas a estrutura histórica das fábricas continua

presente na comunidade.

A derrocada das indústrias alimentícias do município não se deveu a nenhuma

causa isolada, muito pelo contrário, verifica-se que foi um conjunto de fatores que resultou

em tal declínio: a pouca fertilidade do solo; a escassez de água do município, devido aos

períodos irregulares de chuvas; o surgimento de pragas que assolavam os plantios de frutas e

tomate, aumentando os custos com fertilizantes e defensivos agrícolas; os problemas

administrativos das fábricas; as grandes disparidades regionais; a falta de investimentos

públicos na região; o desenvolvimento agroindustrial do Vale do São Francisco são elementos

que, reunidos, dificilmente seriam superados por uma comunidade interiorana.

Premidos por esses fatores político-econômicos decisivos e sem alternativas

viáveis, os clãs proprietários das fábricas, em alguns casos com cisões familiares, viram-se

obrigados a aceitar ofertas de venda a grupos econômicos estrangeiros, que não tinham a

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menor vinculação com a região, ao contrário, interessava-lhes apenas adquirir uma empresa a

mais e conquistar mercado. Num desses casos, constatou-se que a empresa adquirente tinha

apenas interesse na tradicional marca da indústria, a marca Peixe, conhecida em todo o

território nacional, para utilizá-la em seus produtos fabricados em outras regiões do país.

Quase cem anos de concentração de riqueza nas mãos dos proprietários das

fábricas gerou uma economia apenas aparentemente próspera, quando na verdade não houve

em Pesqueira, durante o período industrial, uma distribuição de renda capaz de melhorar as

condições sócio-econômicas dos munícipes, pelo contrário, quando a industrialização

sucumbiu a população ficou sem perspectivas de outras atividades econômicas que pudessem

suprir a lacuna fabril.

Desmoronou, por completo, o complexo industrial de Pesqueira. A absorção

dos efeitos ruinosos da base econômica municipal foi longa e dolorosa, mas cumprindo com

todos os lutos, o município empenha-se em encontrar alternativas para se reerguer e recuperar

o orgulho de seus habitantes.

Quando as indústrias começaram a dar sinais definitivos de enfraquecimento,

iniciaram por se desfazer dos seus bens imóveis, então, muitos prédios e terrenos espalhados

pelo município e adjacências foram sendo vendidos. Com isso, paradoxalmente, houve uma

maior ampliação urbanística, inclusive as classes menos abastadas tiveram a oportunidade de

adquirir bens para moradia e outras construções.

Os extensos muros altos das fábricas também foram desfeitos, o que

possibilitou o surgimento de novas ruas e avenidas, tornando a cidade mais arejada. Onde era

um grande depósito de lenha, surgiu um bairro inteiro; onde era um parreiral, apareceu um

conjunto residencial e assim por diante.

Com o desemprego provocado pelo fim das atividades fabris, houve o

ressurgimento do artesanato da renascença, que por um longo período era realizado apenas

por uma pequena parcela da população, principalmente na zona rural, mas agora Pesqueira

demonstra o fortalecimento dessa atividade econômica. Despertou-se também para a

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exploração do turismo religioso, já que na bela Serra de Ororubá, num dos mais altos recantos

do município, há um Santuário Mariano, em devoção ao aparecimento de Nossa Senhora das

Graças, única revelação reconhecida da Virgem em todo o Brasil. O comércio, igualmente,

diversificou-se e se expandiu, bem como o setor de serviços.

Entretanto, mesmo com todas as novas alternativas e ações para reaquecer a

economia do município, não se pode esperar que Pesqueira volte a ter o intenso crescimento e

sucesso de outrora. Hoje, sem a presença das suas famosas indústrias e com o

desenvolvimento atingindo todas as demais localidades ao seu redor, o município passou a ser

uma província comum, disputando com os outros em pé de igualdade o seu espaço

econômico.

A cidade de Pesqueira, então, foi do zênite ao infortúnio. Viu nascer,

desenvolver e perecer as suas indústrias de doce e tomate, o que nos leva a concluir que não

houve, na verdade, um processo industrial sedimentado, visto que este gera mudanças

profundas e contínuas, mas sim, uma atividade industrial cujo ciclo se esgotou e deixou

economicamente órfão todo um município.

Por fim, faz-se necessário ressaltar que este trabalho, em nenhum momento,

teve o pretensioso intuito de encerrar, com os argumentos apresentados, a análise e

investigação da história-econômica da industrialização do município de Pesqueira. O que se

pode com certeza afirmar, sem receio de contestação, é que Pesqueira foi por muito tempo um

dos mais proeminentes e admiráveis municípios do Estado de Pernambuco e ainda conserva,

em suas raízes, os valores e as tradições de seus habitantes.

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Semanário social, noticioso

Pesqueira, 26 out. 1941

Pesqueira, 21 dez. 1941

Dir. Eugênio Maciel Chacon

A Voz de Pesqueira

Órgão Noticioso e independente

Pesqueira, 06 jun. 1939

Pesqueira, 15 ago. 1948

Pesqueira, 25 jun. 1950

Pesqueira, 17 jun. 1951

Pesqueira, 30 mar. 1952

Dir. Eugênio Maciel Chacon

Correio de Pesqueira

Seminário lítero – social, noticioso e ilustrado

Pesqueira, 29 jul. 1928

Pesqueira, 1º jan. 1930

Pesqueira, 20 abr. 1930

Prop. Cândido Joaquim de Britto

Folha de Pesqueira

Pesqueira, 29 set. 1947

Dir. Paulo Oliveira

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Gazeta de Pesqueira

Órgão independente e noticioso

Pesqueira, 07 jun. 1908

Pesqueira, 02 ago. 1908

Dir. Sebastião Cavalcanti

O Democrático

Órgão da opinião do PSD de Pesqueira

Pesqueira, 31 jan. 1937

Dir. Severiano Jatobá e Agostinho Cavalcanti

II. Arquivos Públicos

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Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I; 1930, Ano IV; 1936, Ano VIII;

1940, Ano X.

Censo Demográfico - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – 1950.

Censo Demográfico - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – 1970.

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Revista do Arquivo Público. Recife: 1947, Ano II, Nº III.

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APÊNDICE

FOTOS DE PESQUEIRA

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Vista da cidade de Pesqueira em 1913. À esquerda, a Igreja Matriz, à direita, a Capelinha deNossa Senhora Mãe dos Homens, da época do último Capitão-Mor – Manoel José de Siqueira.

Vê-se, à direita, a Fábrica Rosa, à esquerda, a Fábrica Tigre e, ao fundo,

a Estação Ferroviária de Pesqueira.

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Vista parcial da Praça Buarque de Macedo, atual Praça Dom José Lopes, no centro de Pesqueira.

Inauguração da Praça Dom José Lopes em 09/09/1941.

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A Fábrica Rosa, foto inferior, na década de 1920, período áureo da atividade industrial doceira.

A Fábrica Rosa fechada.

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Chegada do Governador Sérgio Loreto à cidade de Pesqueira no ano de 1924. Observar o grande número de carros para a época.

Avenida Carlos de Britto na década de 1920, vendo-se, à esquerda, a Chácara do industrialCândido de Britto.

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Sede da Fábrica Peixe, foto superior.

Chácara de Cândido de Britto, conhecida como o Casarão da Peixe.

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Congresso Sacerdotal realizado em Pesqueira em 1939.

Comemoração do cinqüentenário das indústrias Peixe em agosto de 1950.

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Estação Ferroviária de Pesqueira.

Catedral de Santa Águeda, Igreja Matriz de Pesqueira.

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Vista parcial da cidade de Pesqueira na década de 1950.

Vista parcial da cidade de Pesqueira em 2006.

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