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Nº 24 Agosto de 2004 Av. Brasil 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis Congresso de Epidemiologia pede um olhar mais solidário para os problemas urbanos Congresso de Epidemiologia pede um olhar mais solidário para os problemas urbanos A cidade e a saúde A cidade e a saúde

A cidade e a saúde - RADIS Comunicação e Saúde · sileiro de Epidemiologia (ver cober-tura na página 8), mostrando que o preparo de profissionais de nível mé-dio na informação

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Page 1: A cidade e a saúde - RADIS Comunicação e Saúde · sileiro de Epidemiologia (ver cober-tura na página 8), mostrando que o preparo de profissionais de nível mé-dio na informação

N º 2 4 � A g o s t o d e 2 0 0 4

Av. Brasil 4.036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ � 21040-361

www.ensp.fiocruz.br/publi/radis

Congresso de Epidemiologia pede um olharmais solidário para os problemas urbanos

Congresso de Epidemiologia pede um olharmais solidário para os problemas urbanos

A cidade e a saúdeA cidade e a saúde

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Informação em saúdepara o nível médio

Estão abertas as inscrições para as25 vagas da quinta edição do cur-

so Especialização em Informação e Saú-de — Nível Médio, na Escola Politécni-ca de Saúde Joaquim Venâncio(EPSJV), da Fiocruz, no Rio de Janei-ro. Dedicadas à capacitação do pro-fissional de saúde das áreas de infor-mação, comunicação e informática naorganização e no uso das informaçõesde interesse para a saúde no nível lo-cal, as aulas começam em setembro,e a carga horária é de 180 horas.

A filosofia do curso foi apresen-tada em pôster no 6º Congresso Bra-sileiro de Epidemiologia (ver cober-tura na página 8), mostrando que opreparo de profissionais de nível mé-

dio na informação em saúde é estra-tégica para a compreensão da situa-ção de saúde, a otimização dos re-cursos e a melhoria do planejamentoe do acompanhamento das ações eserviços de saúde, como expressaramas últimas Conferências Nacionais deSaúde e vários eventos relacionadosà informação.

As aulas visam qualificar o traba-lhador para atuar de forma crítica noprocesso de produção, organização euso das informações, compreendendoo contexto histórico, social e políticode seu trabalho, os conceitos funda-mentais, a tecnologia que pode ser uti-lizada e se percebendo sujeito-traba-lhador. O curso compreende osseguintes módulos: Informação e Saúde

(conceitos básicos); Comunicação e Saú-de (conceitos, formas, usos na saúde,contexto e estado da arte); Biblioteca(organização, funcionamento, acesso àinformação científica, biblioteca virtu-al); Gestão de Documentos e Arquivos(memória, organização, tecnologias uti-lizadas); A Informação produzida pelosserviços de Saúde (sistemas de informa-ção em saúde e o prontuário do paci-ente); Novas Tecnologias de Informaçãoe Comunicação (contexto da evoluçãoe uso da informática e da internet, ci-dadania e inclusão digital, software li-vre e de código aberto, principais tiposde aplicativos e seu uso na saúde).

Nos quatro primeiros cursos, tor-naram-se especialistas em Informaçãoe Saúde, 85 trabalhadores dos seguin-tes setores: Epidemiologia (em postode saúde e hospital); Informática(hospital, centro de pesquisa e Se-cretaria de Saúde); Biblioteca (cen-tro de pesquisa e faculdade da áreade saúde); Arquivo de Prontuário(unidades de saúde); Estatística (hos-pital e posto de saúde); Centro deDocumentação; Centro de tratamen-to de imagens e editora; secretaria(unidade de internação, posto desaúde, Secretaria de Saúde e cen-tro de pesquisa).

A Escola Politécnica de SaúdeJoaquim Venâncio ministra o curso emparceria com o Centro de InformaçãoCientífica e Tecnológica (Cict), a Casade Oswaldo Cruz (COC) e a Escola Na-cional de Saúde Pública Sérgio Arouca(Ensp), todos da Fiocruz.

Mais informaçõesEscola Politécnica de Saúde JoaquimVenâncioAv. Brasil, 4.365, Manguinhos, Rio deJaneiro, RJ — CEP 21045-900Tel. (21) 2598-4407 / 4408

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Nº 24 — Ago s t o de 2004

editorial

Adesigualdade, traço histórico e estru-turante da sociedade brasileira, se

amplia nas cidades, por efeito de proces-sos da segregação das populações pobresaos espaços para os quais Estado e socie-dade reservam os piores serviços públi-cos. Na auto-segregação dos ricos residea perpetuação deliberada das barreirassociais. Paradoxalmente, é nas cidades queas diferenças socioespaciais são maisfreqüentemente colocadas em cheque, orapela emergência da violência, ora pela soli-dariedade que pulsam em todas as classes.

Antigas doenças somam-se às novas.Pesquisar essas endemias, seus processosdeterminantes e tudo o que afeta a vidadas populações urbanas, desenvolvendoações que promovam saúde, pode contri-buir para cidades cada vez mais saudá-veis. Assim, tuberculose, malária ou Aidssão foco dos estudos epidemiológicos con-temporâneos tanto quanto violência, trân-sito, depressão, estresse, obesidade oudoenças crônico-degenerativas. Mas aprincipal tendência que o 6o CongressoBrasileiro de Epidemiologia confirma, aexemplo dos últimos congressos de saúdepública, é a freqüência cada vez maior detrabalhos de autoria de profissionais queatuam nos serviços de saúde ao lado daspesquisas acadêmicas, além da presençade usuários interessados e organizados.Em sua palestra, o australiano John Lynch,da universidade americana de Michigan,mostrou-se surpreso com tanta participa-ção: “No resto do mundo isso não aconte-ce; a discussão é sempre setorizada”.

Entregar-se à leitura das páginasdessa cobertura jornalística é como trans-portar-se para a cena do congresso, es-tar em três ou quatro auditórios ao mes-mo tempo, complementar as informações com

O novo olhar da epidemiologia

cartum

os palestrantes ou pela internet, ouvir aná-lises de especialistas e os comentários deintervalo dos congressistas. Bom para quemnão pôde ir e até mesmo para quem esteveno evento. Uma aula de epidemiologia dadanão apenas pelos acadêmicos, mas tambémpor quem está inteiramente envolvido nasações de saúde e, cada vez mais, se senteencorajado a registrar suas experiências erefletir coletivamente sobre elas.

Entre as cartas à Radis, um relato doresultado do trabalho de equipes de saúdeda família com hipertensos e diabéticos, quevem reduzindo o número de internações nomunicípio baiano de Tapiramutá.

Confira nesta edição por que vale apena deixar de fumar, o que pretende ogoverno com o Qualisus e uma introduçãoà bioética em entrevista com Volnei Gar-rafa. Acompanhe também dois debates quevão movimentar as comissões do Congres-so neste segundo semestre: a votação doprojeto de lei que trata do polêmico AtoMédico, rejeitado pela 12a Conferência Na-cional de Saúde, e o projeto de lei comple-mentar que regulamenta a Emenda Consti-tucional 29, definindo o montante derecursos a ser destinado a ações e servi-ços públicos de saúde pela União, os esta-dos e os municípios. Acompanhar, na ver-dade, é pouco. Segundo o espírito daReforma Sanitária e do SUS, a palavra deordem para os segmentos envolvidos coma saúde é participar e influir nos rumosdeste debate, antes das votações.

Agora, a melhor notícia: a partir des-te número, cada delegado à 12a Conferên-cia passa a receber gratuitamente a re-vista Radis, todos os meses.

Rogério Lannes RochaCoordenador do Radis

Comunicação em Saúde

� Informação em saúde para o nível médio 2

Editorial

� O novo olhar da epidemiologia 3

Cartum 3

Cartas 4

Súmula 5

Toques da Redação 7

6º Congresso Brasileiro de Epidemiologia

� Cidade mais justa e saudável 8

SUS Verde

� Um mapa de investimentos paraa Amazônia Legal 29

PEC 29

� Congresso revê as verbas da saúde 30

3º Seminário Nacional de Saúdee Ambiente

� Em debate, novas tecnologias e OGMs 31

Entrevista: Volnei Garrafa

� “O Brasil deve buscar respostasbioéticas próprias” 32

Serviço 34

Pós-Tudo

� O olhar de Oswaldo 35

Capa e ilustrações Aristides Dutra

Ilustrações Hélio Nogueira

Os três grandes males, a varíola, a peste bubônica e a febre amarelatrocam impressões sobre as campanhas que lhes move Oswaldo Cruz:

Febre amarela — Mas... Oswaldo é um talento. Descobriu que o mosquitoé meu servidor e não faz outra coisa a não ser matar mosquitos — é ummeirinho!

Peste bubônica — Qual; faz coisa melhor: caça ratos com a trompeta ecaixa. É um gatão!

Varíola — Pois com o meu aparecimento, não querendo ele responsabilizaras moscas e baratas, deu para matar as pobres crianças com ferrosenvenenados, a tal vacina obrigatória. É um pavão!

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O cartum é do início do século 20; 100 anos depois, novos e antigosflagelos desafiam a saúde pública: Aids, tuberculose e hanseníase.

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RADIS 24 � AGO/2004

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expediente

RADIS é uma publicação impressa e onlineda Fundação Oswaldo Cruz, editada peloPrograma Radis (Reunião, Análise e Difusãode Informação sobre Saúde), da Escola Na-cional de Saúde Pública (Ensp).

Periodicidade MensalTiragem 42 mil exemplaresAssinatura Grátis

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Jorge Bermudez

PROGRAMA RADISCoordenação Rogério Lannes RochaSubcoordenação Justa Helena Franco

Edição Marinilda CarvalhoReportagem Jesuan Xavier (subeditor),

Katia Machado e WagnerVasconcelos

Arte Aristides Dutra (subeditor) eHélio Nogueira

Documentação Jorge Ricardo Pereirae Laïs Tavares

Secretaria e Administração e Infra-Estrutura Onésimo Gouvêa eCícero Carneiro

Informática Osvaldo José Filho e ItaGoes (estágio supervisionado)

EndereçoAv. Brasil, 4.036, sala 515 — ManguinhosRio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361Tel. (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail [email protected] www.ensp.fiocruz.br/publi/radisImpressãoEdiouro Gráfica e Editora SA

USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radispode ser livremente utilizado e reproduzido em qual-quer meio de comunicação impresso, radiofônico,televisivo e eletrônico, desde que acompanhado doscréditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon-

sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aosveículos que reproduzirem ou citarem conteúdo denossas publicações que enviem para o Radis um exem-plar da publicação em que a menção ocorre, as refe-rências da reprodução ou a URL da Web.

faculdade. Ela tem contribuído muitopara o nosso crescimento científico.� Luciana Lessa Dias Rodrigues, Riode Janeiro, RJ.

POVOS INDÍGENAS

Sou enfermeira aposentada, nãoexerço mais a profissão, mas gos-

to de estudar e estar sempre saben-do do “novo” e do “atual”. Fiqueiemocionada com a reportagem so-bre a saúde dos povos indígenas.Quero agradecer de modo especialpelo envio da Radis e desejar quecontinuem com este trabalho mara-vilhoso por muitos anos.� Maria Bibiana Mendes, Franca, SP

PARA ESTUDO

Gostaria de parabenizá-los pela re-vista, já que é um excelente

material de estudo. Sou aluna de gra-duação de Farmácia da UniversidadeFederal Fluminense, e estou cursan-do a disciplina de Higiene Social. Estematerial é constantemente citadopela minha professora.� Noemia Lobato Serrano, Niterói, RJ

EM DIA

Estou orgulhosa por receber aRadis. Este ano vocês foram mais

pontuais e mais criativos nas pesqui-sas, nas edições, nos assuntos etc.Em 1998 eu estava no curso técnicode enfermagem, e hoje não trabalhomais em hospital, mas numa farmácia,algo que descobri que amo. Gostariaque vocês elaborassem reportagensligadas à farmácia, a substâncias, aolançamentos de novos remédios, queme ajudarão a entender melhor aárea em que atuo.� Francineusa Saraiva Gomes,Macapá, AP

TRANSGÊNICOS E CIDADANIA

Na Súmula da Radis nº 22 há umcomentário de Mariana Paoli, do

Greenpeace: “A Bunge, que na Europagarante produtos livres de transgênicosaté para a alimentação animal, deveriarespeitar o direito e a vontade dosconsumidores brasileiros e garantir pro-dutos livres de transgênicos tambémaqui”. A Lei e a ética atemporal sãoduas coisas diferentes que não podem

SORTEIO EM GARANHUNS

Parabéns a todos pela grande ini-ciativa de publicar a Radis e dis-

tribuí-la gratuitamente, pois estegrande ato é um passo em prol docontrole social. Tomei conhecimen-to do programa Radis ao participardo curso de capacitação de conse-lheiros municipais de saúde. Lá, omonitor sorteou entre os participan-tes uns poucos números e tive a sor-te de ser um dos contemplados. Soufuncionário público estadual, lotadono Hospital Regional de Garanhuns(Pernambuco), na função de motoris-ta, e participo do conselho munici-pal de saúde em meu município.� Francisco Marques da Fonseca,Garanhuns, PE

FORRÓ DOS HIPERTENSOS

As três equipes de Saúde da Famíliada Secretaria Municipal da Saúde de

Tapiramutá — município baiano com18.425 habitantes, na Chapada Diamantina— botaram os hipertensos e os diabéti-cos em movimento. Duas vezes por se-mana a turma caminha, nada, dança eparticipa de passeios. Em junho foipromovido o 2º Forró dos Hipertensos.Cada dia mais os laços entre as equi-

pes e os hipertensos se estreitam. Re-sultado: redução de internações porderrame de 19,93% para 13,65%.� Aidê Nunes da Silva, enfermeira esecretária de Saúde

QUALIDADE E SERIEDADE

Sou graduado em Sociologia etrabalho no Instituto Adolfo Lutz.

Parabéns pela qualidade das reportagens.Pena que só a conheci há poucos dias,por uma amiga que fazia consulta na bi-blioteca da Faculdade de Saúde Públicada USP. Fiquei fascinado com os temas ea seriedade como são abordados.� Odair de Campos Bretas, Taipas, SP

SUCESSO NA FACULDADE

Olá, sou estudante universitária deenfermagem e por isso tive a

oportunidade de conhecer a revistaRadis, pelo sucesso que ela faz lá na

C ARTAS

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RADIS 24 � AGO/2004

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A Radis solicita que a correspondên-cia dos leitores para publicação (car-ta, e-mail ou fax) contenha identifi-cação completa do remetente: nome,endereço e telefone. Por questões deespaço, o texto pode ser resumido.

NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA

VÍRUS DO OESTE DO NILO É MONITORADO

Oentomologista da FiocruzAnthony Guimarães faz parte de

um grupo de especialistas que, apartir de agosto, rastreará em ter-ras brasileiras o vírus do Oeste doNilo, que já matou mais de 500 pes-soas nos Estados Unidos e chegouao México e a países do Caribe. Ementrevista ao jornal O Globo de 22de junho, ele disse que o vírus jápode estar no Brasil, mas ainda nãofoi identificado.

Virologistas, ornitólogos eentomologistas de Brasil, Venezuela,Porto Rico e Estados Unidos criaramum consórcio internacional paraacompanhar a situação, com verbade US$ 300 mil do Instituto Nacionalde Saúde, dos EUA. O vírus, originá-rio da África, do oeste da Ásia e doOriente Médio, é transmitido ao ho-mem pela picada de vários mosqui-tos vetores. Mas aves contaminadastambém têm papel importante nadisseminação da doença. O vírusdeve entrar na América do Sul pelaVenezuela, rota das aves migratóriasque deixam os Estados Unidos nosmeses do inverno.

A ação deve começar no ParqueNacional Rancho Grande, norte daVenezuela. No início e no fim do pe-ríodo migratório, as aves terão amos-tras de sangue coletadas e testadaspara a detecção do vírus. No Brasil,a pesquisa será realizada no Panta-nal Mato-Grossense, outro destinoimportante das aves migratórias.

O vírus ataca preferencialmen-te animais, mas também infecta se-res humanos, provocando febre,dores musculares e cefaléias. A mor-

te pela febre do Oeste do Nilo, po-rém, não é muito comum. Em NovaYork matou 200 pessoas porque asaves migratórias circulam no CentralPark, grande área arborizada de lazerno coração de Manhattan. Os brasi-leiros que moram nos grandes centrosnão precisam ficar assustados com apossibilidade de chegada da doença.As aves migratórias se concentramprincipalmente nas matas do Pantanal,do Rio Grande do Norte e do Rio Gran-de do Sul, esclareceu à Radis AnthonyGuimarães, que é pesquisador do Ins-tituto Oswaldo Cruz.

MEIO MILHÃO DE GRÁVIDAS

MORRE SEM ATENDIMENTO

OFundo de População das NaçõesUnidas (FNUAP) revelou que, 10

anos após a Conferência Internaci-onal sobre População e Desenvolvi-mento, no Cairo (Egito), os proble-mas de mortalidade materna nospaíses de Terceiro Mundo continu-am inalterados. Por ano, 500 mil mulhe-res morrem em conseqüência da gravi-dez ou do parto, em sua maioria porfalta de atendimento. Cerca de 40% dasmulheres que vivem nessas regiões dãoà luz sem ajuda médica, segundo le-vantamento feito em 169 países, paraum balanço dos 10 anos da Conferên-cia do Cairo. O risco é particularmen-te alto para as jovens de 15 a 19 anos,cuja taxa de mortalidade materna éduas vezes mais elevada do que a dasmulheres de 20 a 24 anos, disse a pro-fessora Gita Sem, do FNUAP.

Aproximadamente 13% das mortessão causadas por abortos praticadosem más condições, inclusive em paí-ses onde a interrupção da gravidez épermitida por lei. “Continuamos comessa cifra terrível de mais de meio mi-lhão de mulheres que morrem a cadaano, enquanto aproximadamente 18milhões de mulheres ficam inválidas oucronicamente enfermas em razão dedoenças contraídas durante a gravi-dez”, lamentou Gita Sen.

UNIÃO CONTRA A HANSENÍASE NO RJ

ACoordenação de Hanseníase da Se-cretaria de Saúde do Estado do

Rio, em parceria com Fiocruz, Movi-mento de Reintegração das PessoasAtingidas pela Hanseníase (Morhan),

SÚMULA

ser confundidas. A Bunge produz ali-mentos livres de transgênicos na Euro-pa porque só consegue vendê-los lá seassim o fizer: tanto a fiscalização funci-ona quanto o consumidor rejeita otransgênico. Portanto, na Europa, aBunge se curva à punição dupla: a dalei e a do consumidor.

O mesmo problema foi apontadopor Aristides Dutra em seu artigo“Para que serve a comunicação?”, etambém acontece com a publicida-de contra os acidentes de trânsito.Temos um problema de educação noBrasil: como Estado e povo não acei-tamos limites ao nosso comportamen-to. Cobramos do governo que o Es-tado atue para o bem coletivo, masnos comportamos visando apenas obem pessoal. Isto impede o equilí-brio, que é a base para a formaçãodo Estado. Enquanto isso, a Bungecontinua a produzir óleo de soja sa-bor “T” para os brasileiros cozinha-rem o almoço de cada dia.� Vera Lucia Soares da Silva, psicólo-ga, Brasília, DF

MAIS RICA

Sou estudante de Patologia Clínicae me enriqueceu muito a leitura

da revista.� Vera Lúcia C. Sereno, São João deMeriti, RJ

MEMÓRIAS DA MEDICINA

Sugerimos fazer chegar aos leitoresa notícia do lançamento do livro O

riso dourado da vila, que traz as memó-rias do professor João Amílcar Salgado,sobre os anos dourados. Nele, é descri-ta, com humor, a vida estudantil na Fa-culdade de Medicina da Universidade Fe-deral de Minas Gerais, exatamentequando o ensino ali ministrado sofreuforte guinada pela substituição do mo-delo francês pelo norte-americano. Amudança, patrocinada pela FundaçãoRockefeller, representou a adoção de umensino altamente elitizado. (...)� Sebastião Gusmão, coordenador doCentro de Memória da Medicina deMinas Gerais, Belo Horizonte

� O lançamento do livro está na seçãoServiço (pág. 34), em Publicações.

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RADIS 24 � AGO/2004

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Sociedade Brasileira de Dermatologia,Associação Holandesa de Combate àHanseníase, entre outras instituições,planeja uma campanha de esclareci-mento e diagnóstico da hanseníase.A proposta é atuar paralelamente àCampanha Nacional de Vacinação,marcada para 21 de agosto. Voluntá-rios estarão nos postos de saúdepara dar esclarecimento sobre ahanseníase, fazer diagnóstico edetecção da doença.

Mas o sucesso dessa iniciativadepende da participação de volun-tários. O Morhan está inscreven-do os interessados em seu site(www.morhan.org.br) ou por e-mail(voluntá[email protected]).

Vale lembrar que a hanseníasetem cura, mas, no país, ainda consti-tui problema de saúde pública. Porisso, diminuir sua prevalência é prio-ridade do governo federal. Eliminar adoença significa ter menos de umcaso para cada grupo de 10 mil habi-tantes. No Brasil, em 2003 houve79.908 casos de hanseníase, com taxade prevalência de 4,52/10 mil/hab. Sóno ano passado foram diagnosticados49.026 casos novos de hanseníase noBrasil, com taxa de detecção de 2,77/10.000 habitantes.

DEIXAR DE FUMAR, NUNCA É TARDE

Uma ampla pesquisa da Universi-dade de Oxford, na Inglaterra,

iniciada há 50 anos, trouxe à luz maisum forte argumento para aqueles quedesejam largar o vício do cigarro. De-pendendo da idade, um fumante quelarga o vício pode recuperar alguns dosanos de vida que estariam comprome-tidos. Deixar de fumar aos 30 anos, re-vela a pesquisa, elimina praticamentetodos os riscos de morte prematura.Aos 50 anos, reduz o risco à metade.

De acordo com a pesquisa, osfumantes vivem, em média, 10 anosmenos do que aqueles que não têm ovício. Um terço dos não-fumantes nas-cidos por volta de 1915 que participa-ram da pesquisa continuam vivos, con-tra apenas 7% dos fumantes nascidosna mesma época. Dos fumantes doestudo, 85% dos que nunca fumaramregularmente chegaram aos 70 anos.E 57% dos regulares alcançaram essaidade, anunciaram os pesquisadores.

Outra pesquisa, realizada pelaUniversidade de Boston, nos EUA,analisou amostras de tecido pulmo-nar de fumantes, não-fumantes e ex-fumantes e constatou que as subs-tâncias do cigarro penetram até nonúcleo das células e causam altera-ções no material genético. Depen-dendo da saúde de cada um, essasmutações podem levar à formação detumores cancerosos. Segundo ospesquisadores, “o fumo alterou a ex-pressão de numerosos genes nas viasrespiratórias. Vários oncogenes (re-lacionados ao câncer) tiveram ex-pressão aumentada — passaram a fun-cionar com mais intensidade.Enquanto isso, genes que deveriamcontrolar essa atividade e protegera célula dos agentes tóxicos do ci-garro tornaram-se deficientes”.

STF AUTORIZA ABORTO EM CASO

DE ANENCEFALIA

Oministro Marco Aurélio Mello, doSupremo Tribunal Federal (STF),

concedeu em 1º de julho liminar con-siderada histórica à Confederação Na-cional dos Trabalhadores da Saúde,garantindo que mulheres portadorasde fetos anencefálicos (sem cérebro)possam, a partir de agora, interrom-per a gestação a qualquer momentosem autorização judicial e sem que fi-ram a lei (o Código Penal criminaliza oaborto, e só o admite em casos derisco de vida para a mãe e de gravidezresultante de estupro). Ficamsuspensos, portanto, todos os proces-sos contra gestantes que interrompe-ram a gravidez de fetos com essa ano-malia. A liminar também protegemédicos e profissionais da saúde querealizam a antecipação terapêutica doparto nos casos de anencefalia.

Em nota divulgada no dia 2, a Con-ferência Nacional dos Bispos do Brasil(a católica CNBB) opinou que a deci-são do ministro Marco Aurélio deveriater sido tomada depois de “ampla re-flexão pela sociedade” e a “participa-ção do plenário da instituição” — o quenaturalmente ocorrerá, já neste mês

de agosto, e anunciou aos jornais dodia 3 sua estratégia: a cúpula da CNBBpretende pedir ao procurador-geral daRepública, Claudio Fonteles, que seposicione contra a liminar.

O Ministério da Saúde, por suavez, em nota oficial no próprio dia 1º,anunciou que o SUS “cumprirá a me-dida, em todo o território nacional”,a partir do momento em que a Advo-cacia Geral da União fosse notificadada decisão liminar. “A determinação doSupremo será seguida até que o méri-to da questão seja julgado”, diz a nota.

O movimento feminista celebroua decisão, que considera um passoimportante em sua luta pela descri-minalização do aborto, e elogiouespecialmente a nota do MS. “Considero uma nota técnica queimediatamente incorpora, sem titu-bear, que cumprirá a liminar. Isso ébom demais”, disse à Radis a médicaFátima Oliveira, secretária-executivada Rede Feminista de Saúde. Para ela,representou um grande apoio políti-co à liminar, pois, mesmo antes de re-cebe-la, o ministério adiantou-se edisse que a cumprirá e a integrará aosprocedimentos do SUS. “Nos 10 anosem que acompanho o debate sobreaborto na imprensa, é a primeira vezque o Ministério da Saúde divulga emtão curto espaço de tempo uma notapositiva sobre um debate polêmicoacerca do aborto.”

A neonatologista ElisabethMoreira, do Instituto Fernandes Fi-gueira (Fiocruz), no Rio de Janeiro,afirmou que a medida já deveria tersido tomada há mais tempo. “Haviamuita hipocrisia por trás disso, poisas pessoas impedidas de realizar esseprocedimento eram as menosfavorecidas, já que aquelas com maisrecursos resolviam o problema poroutras vias”. Para ela, o mais impor-tante é que agora, apesar de todasas questões culturais e religiosas quepermeiam o assunto, a decisão ficaráa cargo da mãe. “É um sofrimentomuito grande para a mulher que pre-cisa trabalhar para sustentar a famí-lia saber que terá de carregar pornove meses um feto que morrerá em24 ou 48 horas”, opinou.

A nota do MS informou tambémque a partir de junho deste ano asfarinhas de trigo e de milho fabricadasno país ou importadas deverão serenriquecidas com ferro e ácidofólico. É o que determina a Resolução344 da Anvisa, baixada em 2002. O ácidofólico é indicado para mulheres em ida-de fértil, porque previne a má forma-ção do tubo neural (estrutura precur-sora do cérebro e da medula espinhal)

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RADIS 24 � AGO/2004

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SÚMULA é produzida a partir do acom-panhamento crítico do que é divulgadona mídia impressa e eletrônica.

CALMA, PESSOAL! — Nada está per-dido em relação ao Ato Médico. Osubstitutivo do senador Tião Viana (PT-AC) foi, sim, aprovado na Comissão deConstituição e Justiça no dia 30 dejunho, mas isso não significa que tam-bém o será na Comissão de AssuntosSociais (CAS), para onde foi encami-nhado (e aguarda designação derelator). O senador, que é médico,pede que a discussão sobre o méritoda proposta seja feita na CAS, quepromoverá três audiências públicassobre o assunto.

Afinal, Tião participou da 12ªConferência Nacional de Saúde, esabe muito bem que o Ato Médicolevou um não rotundo de 4 mil de-legados na Plenária Final — inclu-indo delegados-médicos. O PLS025/02 tem apenas cinco artigos,e seu ponto mais polêmico é a atri-buição da prescrição terapêuticaapenas ao médico, o que deixouindignados, com toda a razão, nu-tri-cionistas, fonoaudiólogos, psi-cólogos, assistentes sociais e en-fermeiros; seus conselhos e fórunsenviaram ao Senado moção de re-púdio ao substitutivo.

Flávia Lima e Alves, assessora deTião Viana, lembra porém que o se-nador promoveu em março amplareunião com representantes das ca-tegorias prejudicadas, e todos con-cordaram em guardar o debate paraa CAS, já que à CCJ cabe apenas aavaliação da constitucionalidade daproposta.

Esperemos, então. Mas não cus-ta refletir sobre um comentário dapsicóloga Vera Silva, de Brasília: essamatriz do pensamento médico lem-bra a de advogados e magistrados.“Não por acaso, são profissões quesurgiram em tempos muito antigos,quando os sacerdotes eram os mé-dicos e a lei divina era aplicada pe-los reis (então, também sacerdo-tes)”. A matriz deteriorou-se com otempo, e resultou uma percepçãode conhecimento e poder separa-da do auto-conhecimento, dafraternidade e da própria lei. “Algosem corpo, mas que forma um cor-po profissional desvinculado do pro-fissional e de suas idéias”.

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no feto. Quando não há o fechamentodo tubo neural, o feto apresenta de-formações como anencefalia, espinhabífida e meningocele (defeitos na colu-na). O prognóstico de morte é de 100%.

FOME ZERO EM EXPANSÃO

Em entrevista ao boletim eletrôni-co Em Questão, da Secretaria de

Comunicação do Palácio do Planalto,o ministro Patrus Ananias, do Desen-volvimento Social e Combate à Fome,informou que o Bolsa-Família, progra-ma de transferência de renda doFome Zero, contabilizava, no fim dejunho, cerca de 4 milhões de famíli-as atendidas, em 5.463 municípiosbrasileiros. Segundo ele, até dezem-bro deste ano estarão sendo aten-didas 6,5 milhões de famílias.

— A estratégia de expansão doprograma priorizará as famílias queresidem em regiões metropolitanas,onde a situação de risco social émais severa, devido aos problemasde concentração demográfica, vio-lência e desagregação familiar, dis-se Patrus.

O ministro informou que o es-forço estava concentrado namelhoria dos indicadores sociais de1.227 municípios do Semi-Árido nor-destino em que o programa foi im-plantado, viabilizando 110 mil peque-nas propriedades: a aquisição deprodutos agrícolas e leite de peque-nos produtores rurais e a constru-ção de mais de 17 mil cisternas paracaptação de água da chuva vêm aju-dando a manter no campo as famíliasassistidas. Segundo o ministro, a com-pra pelo governo de 775 mil litros di-ários de leite de pequenos produto-res foi responsável pela preservaçãoe criação de 12 mil empregos. Tam-bém foi melhorada a qualidade damerenda em escolas, creches e enti-dades filantrópicas.

O Bolsa-Família unificou os vári-os programas de transferência derenda existentes antes do governoLula. As ações de segurança alimen-tar e nutricional e de transferênciade renda contarão com R$ 6 bilhõesem 2004, afirmou Patrus.

SENSOR BIOLÓGICO RENDE À ENSP

PRIMEIRA PATENTE AMERICANA

AEscola Nacional de Saúde PúblicaSérgio Arouca (Ensp), da Fiocruz,

conseguiu sua primeira patente nos Es-tados Unidos. O produto patenteadoé um sensor biológico para detecçãode microorganismos através de fibraótica em tempo real. O trabalho é co-ordenado pelo pesquisador AldoPacheco Ferreira, do Departamento deSaneamento e Saúde Ambiental da Ensp,em parceria com os pesquisadores daUFRJ Marcelo Werneck e Ricardo Ri-beiro. Os pesquisadores perceberamque a cafeína é uma molécula estávelno processo de tratamento de esgotoe, com isso, pensaram em correlacionarum nível de padrão de cafeína comoutros indicadores já existentes paraanalisar melhor a qualidade da água.

A equipe está trabalhando comessa correlação e no desenvolvimen-to de uma modalidade do sensor paraaplicá-lo ao tratamento da água emvários municípios. O sensor é com-posto por um kit com bateria, no qualse coloca a água a ser analisada e sevê o nível de tolerância da cafeínadentro dela. Se o resultado dessa to-lerância for acima do nível padrão, épossível afirmar que há contaminadorespotenciais agindo nessa água.

MAL DA VACA LOUCA MATA NOS EUA

Depois de assombrar a Inglaterra,onde matou mais de 140 pessoas,

o mal da vaca louca fez a primeira víti-ma nos Estados Unidos. Uma mulherde 25 anos (Charlene Singh), da cidadede Fort-Lauderdale, na Flórida, morreuno dia 20 de junho, 10 anos depois decontrair ao doença, o que aconteceuna Grã-Bretanha, segundo a família davitima: há dois anos, ela foidiagnosticada com a doença deCreutzfeldt-Jacob, versão humana domal da vaca louca (encefalopatiaespongiforme bovina).

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6º CONGRESSO BRASILEIRO DE EPIDEMIOLOGIA

Participaram da cobertura:

Jesuan Xavier, Justa Helena Franco, Kátia Machado,

Marinilda Carvalho e Rogério Lannes Rocha

A proximar a teoria da prática dos serviços desaúde, preocupação que pontuava en-contros anteriores, foi a tônica dos debatesdo 6º Congresso Brasileiro de Epidemiologia,

em Pernambuco, promovido pela Associação Brasileirade Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) entre19 e 23 de junho. Evitar a canonização de um método,aproveitar o caráter fluido e dinâmico da epidemiologia,medir e denunciar as iniqüidades, para intervir no pro-cesso saúde-doença e construir coletivamente a saúdedas pessoas, é o que deve mover a prática dosepidemiologistas, propuseram vários expositores. Apeloque se ajustou à perfeição ao tema do EPI-Recife, “Umolhar sobre a cidade” — campo por excelência dos es-tudos epidemiológicos. O desafio à construção de cida-des mais justas e saudáveis foi certamente aprovado ládo alto por “epidemiologistas” do corpo e da alma, comoo médico e geógrafo Josué de Castro (1908-1973), o ar-cebispo D. Helder Câmara (1909-1999) e o sanitaristaFrederico Simões Barbosa (1916-2004). Afinal, em terraspernambucanas, eles combateram a fome, a miséria e adoença, e não por acaso foram homenageados inmemoriam no congresso.

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tre eles o acesso universalizado aoatendimento e a medicamentos, aatenção à saúde no controle dasendemias, a política de recursoshumanos, com treinamento e maioraproximação das universidades para aformação de profissionais. Com seuministério sob investigação, Humbertonão deixou de mencionar a importân-cia dos mecanismos de controle soci-al e de transparência administrativa.

Entre algumas piadas, fez umarápida queixa: “É preciso acabar comas informalidades nos pactos entre astrês esferas de governo e instituirobrigatoriedades, como determina aConstituição Federal”. À mesa, alémdo presidente da Abrasco, MoisésGoldbaum, e de Rômulo Maciel Filho,diretor do Centro de Pesquisas AggeuMagalhães (Fiocruz-Recife), estavamautoridades estaduais, municipais erepresentantes dos conselhos de se-cretários de Saúde, Conass eConasems.

AS MUITAS EPIDEMIOLOGIASPara secretários, sempre às vol-

tas com verbas curtas, epidemiologiaé questão de dinheiro. Para osepidemiologistas que acorreram emmassa ao congresso, epidemiologia ésacerdócio, seja ela molecular, clíni-

ca, clássica ou social. Sim, uma dasmesas-redondas da manhã do dia 21debateu no Auditório Tabocas, inici-almente lotado, pouco a pouco esva-ziado pelos chamados do almoço, “Aepidemiologia e seus adjetivos”.

Eram quatro expositores, trêsdeles epidemiologistas de carteirinha:Eduardo L. Franco, diretor da Divisãode Câncer Epidemiológico da Facul-dade de Medicina da UniversidadeMcGill, do Canadá, que falou daepidemiologia molecular e das ques-tões de método, que exigem rigor eausência de ambigüidades; Maria InêsSchmidt, especialista em diabe-tes da Universidade Federal doRio Grande do Sul, que anali-sou a epidemiologia clínica, ouseja, o trabalho com as popu-lações na perspectiva de suarelação com os serviços públicos; eRita Barradas Barata, do Departa-mento de Medicina Social da Facul-dade de Ciências Médicas SantaCasa de São Paulo, que esmiuçou asorigens, as teorias e os dilemas daepidemiologia social, que se distinguepela insistência em investigar explici-tamente os determinantes sociais doprocesso saúde-doença.

Por fim, José Ricardo Ayres, da USP.Auto-intitulado “investigador médico-

Os organizadores anunciaram o 6ºCongresso no Recife, mas como todasas atividades foram reunidas no Cen-tro de Convenções de Pernambuco,que está em Olinda, fica a dúvida so-bre a localização. Olinda ou Recife?Recife ou Olinda? Não importa. Na ce-rimônia de abertura, noite do dia 20,no Teatro Guararapes lotado (ver nú-meros do congresso nas páginas 13 e14), o prefeito do Recife, João PauloLima e Silva, pediu a reflexão dos con-gressistas sobre a dura realidade dadivisão social e não hesitou em cul-par a concentração da riqueza comoa causa da violência e da exclusão —males que não distinguem fronteiras.Ele foi o primeiro orador a destacareste produto tipicamente brasileiro, amobilização dos profissionais da saúde,“graças à qual o setor é o que maisavança entre as políticas públicas”.

Último a falar na abertura do 6ºCongresso, o ministro da Saúde,Humberto Costa, não escondia a ale-gria de anfitrião, como pernambucanoassumido — que o sotaque não es-conde —, embora paulista de nasci-mento. Ele festejou a contribuiçãocientífica ao estudo das doenças esua aplicação nas práticas da saúdee na qualidade de vida da população,e defendeu o fortalecimento do SUS,“o sistema que da noite para odia incluiu 50 milhões de ex-cluídos”, como forma de com-bate aos paradoxos da saúdepública no Brasil. “Enquanto oatendimento de alta comple-xidade é um dos mais avança-dos, pois somos o segundomaior transplantador do mun-do, a média complexidade e aatenção básica são muito defi-cientes”, disse.

O ministro desta-cou os esforços paramodificar esse quadrode desigualdades, en-

Nesta e nas páginasseguintes, imagens da

mostra “100 anos deprevenção e controle de

doenças no Brasil”, doMinistério da Saúde(ver box na pág. 28)

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A epidemiologia No Brasil, a epidemiologia vem se

desenvolvendo há cerca de trêsdécadas como parte do movimento dasaúde coletiva e ferramenta fundamen-tal para a transformação das condiçõesde saúde da população e poderosa ali-ada do Sistema Único de Saúde. Mui-tos epidemiologistas afirmam hoje queessa área do conhecimento caminhapara sua maturidade ao tentar compre-ender a relação entre saúde, doençae cuidado como parte da organizaçãosocial. Nesse caminho, porém, algunstrajetos precisam ser reconstruídos, dis-se Gastão Wagner, secretário-executivodo Ministério da Saúde e pro-fessor da Unicamp, no painelA epidemiologia e o SUS, nodia 23, que levou grande pú-blico ao Teatro Guararapes.

Em sua opinião, o prin-cipal objetivo da área deve-ria ser o de investigar, co-nhecer e compreender osmodos de produzir saúde edoença, e assim intervir noSUS. Mas o que atualmente está emprática, conforme alertou, é uma mai-or preocupação da epidemiologia como método de pesquisa aplicado. “Quan-do canonizamos um método, que é o

que vem fazendo a área, estamos em-pobrecendo a capacidade desse cam-po do conhecimento de construirnovas hipóteses e excluímos sua ca-pacidade exploratória de conhecer eintervir sobre a realidade”, explicou.

A preocupação de definir e pren-der-se a métodos é, segundo GastãoWagner, resultado de um processo deinstitucionalização da epidemiologiae normalização das ciências. “Aepidemiologia precisa se aproximar daciência em geral”, defendeu. “Norma-lizar significa se aproximar da ciênciapositiva, ou seja, é esperado que o

epidemiologista trabalhecom evidências verificáveis,analise essas evidências ebusque verdades universais,isole fatores para estudá-lose use uma metodologia prin-cipalmente matemática e es-tatística”, criticou. Hoje,quem não utiliza métodosestá em princípio descarta-do. “Não vai ter financiamen-

to, não passará nos mestrados, não vaiter seu trabalho publicado nas revis-tas científicas, vai para o limbo”.

Apesar da crítica, para Gastão ocaminho a ser percorrido não é o de

social”, e não “epidemiologista deofício”, foi indicado para falar sobreepidemiologia clássica, mas fez naverdade um balanço esclarecedor dastão diferentes vertentes desta áreada saúde coletiva. A epidemiologia,lembrou José Ricardo, iniciou o pro-cesso de se atribuir adjetivos desdeque começou a tentar se autodefinir.(E não parou até hoje: qualquer umque procure uma definição simplesde epidemiologia na internet se de-para com verdadeiros tratados.) Como passar do tempo, pulverizou-se emepidemiologia experimental, da saú-

de, social, clínica, molecular,crítica. Fora os subadjetivos,continuou ele, como descri-tiva, analítica, psiquiátrica,ambiental, dos serviços. “Jáencontrei epidemiologia mate-

mática e, não raro, a epidemiologiasem números”.

Para José Ricardo, o processode abstração nas definições daepidemiologia é que permitiu essa am-pla adjetivação. “E permitiu parale-lamente uma enorme liberdadeespeculativa, de fazer perguntas,abrindo potencialidades interdisci-plinares fantásticas”, disse. O ladonegativo: imprecisão da identidade(o que é o epidemiologista, afinal?,foi uma célebre pergunta feita emmeados do século passado por umarevista científica), dificuldades de di-álogo, de organização institucional,imprecisão da esfera de validação,inconsistência na interpretação dosresultados...

Como superar?, perguntou JoséRicardo. “Não sei se teria muito a di-zer sobre o que fazer, talvez mais so-

bre o que não fazer”. Não tentar res-postas na marra, com dogmatismo,com fechamentos corporativos, em

que a comunidade de pesquisae ensino de epidemiologia aca-be fechada em feudos e guetos,atrapalhando o diálogo. Na esfe-ra da validação, evitar tambémduas situações polares:“Epidemiologia é tão ba-

OS FLAGELOS DE UMPAÍS EM CONSTRUÇÃOCharges e ilustrações depersonagens com varíolae febre amarela

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a serviço do SUSabandonar o método, e sim aproveitá-lo sem esquecer que o principal propó-sito dessa área do conhecimento é in-vestigar a expressão coletiva do processode saúde e doença, da distribuição deriscos, da vulnerabilidade e da interven-ção em saúde. “Não estou propondorenunciar ao que foi conquistado, masprecisamos reconstruir e enriquecer aepidemiologia sem nos perdermos nes-se referencial mecanicista, duro, queas ciências positivas assumem”, alertou.

Para Gastão, qualquer método éválido, desde que os epidemiologistasconsigam esclarecer a relação saúde edoença em sua dimensão coletiva e pos-sam ajudar clínicos, enfermeiros, sani-taristas e gestores da saúde a conhe-cer o contexto de produção de doença,seu risco e sua vulnerabilidade.

CORREÇÃO DE RUMOSSe a epidemiologia propõe ser fer-

ramenta poderosa para o SUS, algunsrumos precisam ser corrigidos. Usandoa obesidade como exemplo, Gastão ex-plicou como a epidemiologia poderá in-tervir nos serviços de saúde. “Precisa-mos de uma epidemiologia capaz deoferecer conhecimento e explicação sis-temática para orientar a sociedade a

lidar com a obesidade”, disse. Para tan-to, estudos epidemiológicos precisaminteragir com outras áreas, como a an-tropologia e a área ambiental. “Não digoque o epidemiologista deva ser um an-tropólogo ou um ambientalista. Mas pre-cisamos conversar entre nós para cons-truir nossas hipóteses”, disse Gastão,ele próprio estudioso e epidemiologista.

O mesmo ocorre em relação aosestudos em mortalidade materna. Naopinião de Gastão, analisar o problemaé mais do que usar indicadores de mor-talidade, é compreender como vivem asmães e entender a situação de vida emorte em seu contexto mais amplo.

“Quando estudamos a mortalida-de materna das mulheres negras, porexemplo, devemos considerar que osíndices, hoje quatro ou cinco vezesmaiores que os das mulheres bran-cas, são conseqüência dos fatores po-breza e cor”, advertiu. Para ele,epidemiologistas precisam estar dentrodos hospitais realizando seus estudos etrabalhando com outros profissionais dasaúde. “Precisamos compreender o quemédicos e instituições de saúde fazemcom mulheres negras, e para isso é ne-cessário investigar uma situação, e nãoapenas analisar indicadores.”

cana que vale tudo, o que vier valeu,o que só faria a gente perder tempo,recursos, credibilidade”; mas tambémnão se deve, disse, por dificul-dades metodológicas, “frear asquestões práticas que nos mo-vem — por exemplo, se algumacoisa não pode ser traduzida

epidemiologicamente en-tão não se fala sobreaquilo” (ver box). Paraele, é preciso superar atimidez da epidemiologia,

como já propôs Gulnar Azevedo e Sil-va Mendonça, pesquisadora do Insti-tuto Nacional do Câncer, que coor-

denava a mesa. “A epidemiologia nãoé um agregado de princípios de estu-do, não somos isso. Somos uma ciên-cia, sim, talvez das mais modernas, jus-tamente por seu caráter fluido,dinâmico, aberto”.

Precisamos recuperar a filoso-fia para a epidemiologia, conclamouJosé Ricardo, para quem é possívele necessário filosofar dentro daepidemiologia. “O que queremosconversar? Eu proponho que nos per-guntemos onde, quando e como te-mos oportunidade de construir co-letivamente a saúde das pessoas.Acho que assim podemos fazera epidemiologia progredir bas-tante”. José Ricardo encerroucom uma brincadeira. “Não seise a alternativa em termos es-tratégicos seria, como já foiproposto, usarmos a expressão Depar-tamento de Epidemiologia, ponto,para não haver adjetivo, ou, ao con-trário, encher a epidemiologia de ad-jetivos; se nos decidirmos pela segun-da alternativa já escolhi o meu: queroum Departamento de EpidemiologiaHermenêutica”.

O ABRIGO DASEPIDEMIOLOGIAS

Não poderia, portanto, ser maisestimulante o mote do congresso. Alvopermanente de olhares disciplinares,interdisciplinares e transdisciplinares, acidade acolhe todas as epidemiologias.“Um olhar sobre a cidade”, aliás, erao nome do programa de Dom Helderna Rádio Olinda, no qual driblava a

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censura da ditadura para veicular suasmensagens de liberdade e justiça so-cial; e foi este o foco de grande par-te dos trabalhos dos técnicos de se-cretarias de Saúde, dos estudantese professores de pós-graduação; e ain-da o título da brilhante conferênciada professora Tânia Bacelar de Araú-jo, da Universidade Federal dePernambuco, também no dia 21. Pen-sadora multidisciplinar — é doutoraem Economia Pública pela Sorbonne,socióloga, demógrafa, estudiosa dourbanismo —, Tânia proporcionou àplatéia do Teatro Guararapes uma

aula magna em epidemiologia,digamos... geopolítica?, infeliz-mente assistida por poucosdado o horário tardio.

“Epidemiologia pode sersem números, mas os números

ajudam a indicar onde estão os pro-blemas”, começou a professora domestrado em Geografia da UFPE. Maisda metade da população do planetavive nas cidades. Há 10 anos, eram45%. Nos países ricos e na AméricaLatina, 3 em cada 4 pessoas vivem nasáreas urbanas.

Com a cidade capitalista veio amercantilização da vida social: “Tudopassa pelo mercado”, o que não se-ria grave se não houvesse concentra-ção na mão de poucos. Também fo-mos apresentados à financeirização,novo regime de acumulação que che-gou para ficar — a riqueza se acumu-la não na esfera produtiva, mas nafinanceira. Tânia deu exemplo: en-tre as famílias americanas, 3 em 4dólares estão investidos em

patrimônio financei-ro. O que não seriagrave se houvesseemprego. “Grande

contradição dos nossos tempos, o de-semprego é problema mundial, mes-mo nos países avançados”.

A globalização constitui a tercei-ra desventura da urbe capitalista, porsua natureza seletiva, desigual, esco-lhendo mundo afora os países, os seg-mentos, as pessoas que interessam.“Natureza seletiva social, mas tambémeconômica: a África é menos do quea América Latina, o Brasil é mais doque a Colômbia, e o Brasil de BeloHorizonte para baixo interessamais”. A reestruturação produtiva, amazela seguinte, promoveu uma mu-dança de profundidade no “como”produzir — da eletroeletrônica à

microeletrônica, do orgânico aotransgênico. No rastro da bem-vindarevolução tecnológica, o empregotemporário: no Brasil, somente umterço dos trabalhadores tem cartei-ra assinada. São Paulo sozinha reúne3 milhões de desempregados. “UmaRegião Metropolitana do Recife intei-ra desempregada”, assombrou-se aprofessora, que em janeiro entregouao ministro Ciro Gomes, daIntegração Nacional, o car-go de secretária de Políti-cas de Desenvolvimento Re-gional, desanimada com afalta de dinheiro para tocarseus projetos.

NÚMEROS DO CONGRESSO

3.178 participantes

2.820 do Brasil

29 do exterior

329 não informaram

1.235 do Nordeste (38,9%)

1.032 do Sudeste (32,5%)

253 do Sul (7,9%)

183 do Centro-Oeste (5,7%)

117 do Norte (3,7%)

694 de Pernambuco

504 do Rio de Janeiro

328 de São Paulo

131 da Bahia

167 de Minas Gerais

113 do Ceará

103 do Rio Grande do Sul

350 palestrantes e coordenadores

2.936 trabalhos apresentados

73,1% do setor de ensinoe pesquisa

24,4% de serviços de saúde

1,8% de ONGs

0,7% de diferentes setoresda saúde

525 sobre doençasparasitárias (14,8%)

7 colóquios

446 comunicaçõescoordenadas

114 painéis

44 palestras

4 conferências

9 mesas-redondas

22 cursos

15 oficinas de trabalho

O BRASIL NO FIM DO SÉCULO 19Vista de São Paulo, por volta de 1895.

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CADA UM POR SI,E O MERCADO REGULA

A onda neoliberal, o último in-fortúnio apontado pela professora,derrotada na primeira metade do sé-culo passado voltou com força nosanos 70, achatando as políticas so-ciais. “O público dá lugar ao priva-do, cada um por si, e o mercadoregula”. O quadro não é otimista,resumiu a professora. Estão longedo cumprimento as Metas do Milê-nio da ONU — erradicar a miséria ea fome das vidas de 1,2 bilhão depessoas, universalizar o ensino bá-sico (113 milhões de crianças estãofora da escola), promover a igualda-de de oportunidades entre os se-xos (dois terços dos analfabetos sãomulheres), reduzir a mortalidade in-fantil (1 bilhão de bebês morrem anu-almente), promover a saúde mater-na (uma em 48 mães morre de parto),combater a Aids, a malária, a tuber-culose, garantir a sustentabilidadeambiental (1 bilhão não têm água po-

tável), estabelecer umaparceria mundial para o de-senvolvimento.

No caso do Brasil, insurgiu-se Tânia, R$ 140 bilhões são des-tinados aos juros da dívida. Àsaúde, R$ 36 bilhões. Estaremospara sempre condenados a esseesquema de espoliação interna-cional de nossos recursos? Oué possível quebrar esse gesso?Para Tânia, sim. Nos últimosanos, a região Ásia-Pacífico/Sulda Ásia (países como Japão,Coréia do Sul, China, Taiwan, Fi-

lipinas, Camboja, Vietnã, Tailândia)tirou 123 milhões de pessoas da talfaixa de miséria e fome citada pelaONU. Em contrapartida, a AméricaLatina jogou nesta vala mais 53 mi-lhões de pessoas.

No Brasil, o latifúndio e a agri-cultura patronal de exportação “nãodão emprego”. A que dá, a agricul-tura familiar, não atrai investimentos,não atrai ninguém — “nem a acade-mia”. A herança da escravidão toldaa mentalidade empresarial e a visãodo trabalho. A política industrial éfocada na demanda de alta renda. Acarga tributária antes do Plano Realera de 25%, agora é de 35%, e quemse apropria dela são os credores doBrasil. A política educacional é prio-ridade pequena. “Estamos rendidosao rentismo, com baixo crescimen-to, queda da renda e alto desem-prego”. Tudo isso num país que seurbanizou com muita força: fez emseis décadas o que os outros leva-ram séculos. O resultado: 6,5 milhõesnas favelas. Pobreza e riqueza juntasno mesmo espaço físico, comono seu Recife natal, “mistura

incerta de terra e água, cidade anfí-bia”, citou ela a famosa frase deJosué de Castro.

O congressista sai de uma con-ferência assim injuriado. Ou desalen-tado. Mas Tânia Bacelar costuma di-zer que o Estado é um palco de lutaque precisa ser ocupado pela socie-dade. Os epidemiologistas fazem seupapel. O gestor que foi ao congressoem busca de idéias e modelos úteispara sua prefeitura ficou tonto de fe-licidade. E o que destacar num even-to com 3.544 trabalhos, entrepôsteres, colóquios, painéis, pales-tras, conferências? Emboracada um deles seja de valorinestimável para a comunida-de em que foi desenvolvido,para outras que eventualmen-te o apliquem com sucesso oupara quem apenas busca se infor-mar, a equipe da Radis optou pelostemas mais amplos, cuja discussãoé oportuna para a maioria das con-centrações populacionais urbanas:desigualdades, violência, grandesendemias.

Como destacaram os organizado-res na página do congresso na internet(www.congressoepidemiologia2004.com.br/apresentacao.php), o objetoda epidemiologia, doentes em popu-lações, assume configuração especi-al na cidade, e por isso induz à pro-dução de novas explicações sobre oprocesso saúde-doença, subsidiandogestores na formulação de políticas ena ação prática sobre a realidade.

CENTRO DE CONVENÇÕESDE PERNAMBUCO

2.600 lugares no Teatro Guararapes

800 no Auditório Tabocas

400 no Teatro Beberibe

400 no Teatro do Brum

36 salas de 80 lugares

Montagem da sala 3, com fotografias deSalvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Recifeentre fim do século 19 e início do 20

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A INIQÜIDADENO ADOECER

E MORRER

Essa opção tem razão de ser. As desi-gualdades sociais são hoje fatores

determinantes das formas de adoecere morrer numa sociedade. Na mesa-redonda Desigualdade e iniqüidadeno adoecer e no morrer, do dia 21,que atraiu grande platéia ao TeatroGuararapes, os presentes foramalertados para as disparidades entrepobres e ricos.

De acordo com o palestranteCésar Victora, professor daUniversidade Federal dePelotas (Ufpel), as criançaspobres continuam morrendomais do que as ricas. “Elasestão mais expostas a doen-

ças simples como a diarréia, têmmenor cobertura com intervençõespreventivas, maior probabilidade deadoecer, menor resistência às do-enças, menor acesso aos serviçosde saúde, menor qualidade da aten-ção recebida e menor acesso aosserviços de média e alta complexi-dade”, lamentou Victora. Por isso,afirmou o especialista em estudosde iniqüidade em saúde da crian-ça, “pesquisas epidemiológicas pre-cisam considerar os determinantessociais, políticos e econômicos”.Sem isso, disse ele, “dei-xamos de intervir no pro-cesso saúde-doença”.

Hoje morrem por ano, no mun-do, 10,7 milhões de crianças menoresde 5 anos. “Mas, quando mapeamosessas mortes, percebemos que o sulda África e a África Subsaariana regis-tram os maiores índices de mortalida-de infantil”. São ao todo 192 paísescom alta mortalidade de crianças commenos de 5 anos. Seis países — Índia,Nigéria, China, Paquistão, Congo eEtiópia — representam 50% das mor-tes; 42 outros países (incluindo o Bra-sil) representam 90% de todas as mor-tes, e mais de 99% das mortes ocorremem países pobres.

Presente à discussão, o mesmoafirmou Malaquias Batista Filho, pro-fessor da UFPE: “A diferença é gran-de entre países ricos e pobres quan-do se fala de mortalidade infantil”.Em 1960, segundo Malaquias, a ÁfricaSubsaariana registrava taxa de 150mortes a cada 1.000 nascidos vivos,enquanto em países industrializadosessa taxa era de 33 para cada 1.000.“Isso quer dizer que em 1960 a regiãotinha um índice 4,8 vezes maior doque o dos países ricos”. Atualmente,países desenvolvidos registram taxa demortalidade infantil de 5 por 1.000 nas-cidos vivos; ela é de 27 por 1.000 naAmérica Latina e no Caribe, de 46 noOriente Médio e Norte da áfrica, de70 na Ásia Meridional e de 106 por1.000 na África Subsaariana. “Mais uma

vez, a África aparece em primeiro lu-gar, com registro 21,2 vezes maior doque o dos países ricos”.

Muitas dessas mortes seriam en-tretanto evitáveis, segundo Victora,com algumas intervenções de baixocusto. “Mediante o uso de terapias deretenção oral, como o soro caseiro,evitamos as diarréias e, conseqüente-mente, 15% de mortes infantis; ao esti-mular a amamentação, reduzimos a mor-talidade em 13%; o uso de mosquiteirosem lugares com alto índice de maláriapode reduzir em 7% a morte de crian-ças com menos de 5 anos”, disse.

Em seu estudo, ele mostrou queintervenções efetivas e de baixo custopodem prevenir 6 milhões (63%) de mor-tes infantis se alcançarem coberturauniversal. “Hoje, nos 42 países commaiores índices de mortes de criançascom menos de 5 anos, a amamentaçãocobre apenas 30% da população, asterapias de retenção orais, 15%, e ouso de mosquiteiros, 2%”.

De fato, enfrentar as desigual-dades na saúde é um dos maioresdesafios dos profissionais da área.César Victora lembrou que as dife-renças não apenas entre países comotambém entre as regiões aumentamcada vez mais. “No Brasil, os 20% maisricos registram 20 mortes anuais acada 1.000 crianças menores de 5anos, enquanto entre os 20% mais

pobres esse índice sobepara 110 mortes para cada1.000 crianças. Na África do

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Doença e condição socialNum evento em que boa parte dos

convidados estrangeiros nãocompareceu, uma das conferênci-as mais concorridas foi a do austra-liano John Lynch, professor-adjun-to do Departamento deEpidemiologia da Universi-dade de Michigan, nos Es-tados Unidos. Ele falou so-bre Iniqüidade em saúde aum teatro (o Guararapes)lotado, no penúltimo diado encontro.

Na abertura de suaexposição, elogiou o even-to: disse que pela primei-ra vez via um congresso deepidemiologia com participação deprofissionais de diversos segmentosda área da saúde. “É muito interes-sante ver pesquisadores, sanitaristase agentes de saúde juntos, tratandode assuntos relevantes à área”, co-mentou. “No resto do mundo issonão acontece. A discussão é sempremais setorizada”.

Lynch procurou, inicialmente,traçar um paralelo entre doenças

cardíacas e o consumo de álcool, ci-tando pesquisas que comprovam in-cidência maior de ataques do cora-ção nos países em que a bebida émais consumida. “Na Rússia, por

exemplo, percebeu-se que-da muito grande nas doen-ças cardiovasculares, apósuma campanha maciçaantiálcool realizada no fimda década de 80”, afirmou,exibindo nos telões gráficosproduzidos em poderososoftware. O hardware, porsinal, também era avança-do: usou controle remoto

para trocar os slides, evitando o en-joado “próximo” repetido aos técni-cos a cada mudança de tela.

Para ele, as populações caren-tes e desinformadas são as mais vul-neráveis a desenvolver algum tipode doença. “Os fatores sociais afe-tam, sim, a expectativa de vida”,disse, citando como exemplo o Ja-pão, onde a média de idade é a maisalta do mundo, “resultado de umamenor desigualdade social”.

O epidemiologista contou que, nocomeço do século passado, o Japãodeu importante virada nos altos índi-ces de mortalidade infantil. Em mea-dos de 1900, segundo ele, as mulheresjaponesas passaram a ter acesso à edu-cação. “Até então, isso era simples-mente inconcebível. A partir daí, a mor-talidade infantil passou a cair muito”.

Lynch lamentou apenas que oconsumo de tabaco seja tão altono país oriental. “O cigarro (porcausa do câncer de pulmão)pode interromper essa fantás-tica expectativa de vida”. Sobreo Brasil, apresentou dados cu-riosos: 35% das mortes estão li-gadas ao vírus HIV, aos homicídios eà hipertensão. “Todos fatores per-feitamente controláveis”.

Ao finalizar, o epidemiologistafez questão de dizer que há maisem análise do que apenas a estrati-ficação social. “A questão da saúdetambém está ligada às diversas mu-danças, políticas e culturais, pelasquais os países passam. É só anali-sarmos a história mundial.”

Sul, a taxa entre os 20% mais ricos éde 70 mortes, e entre os 20% maispobres, de 150 mortes”, ressaltou.

Historicamente, contou Victora,o Nordeste tinha uma taxa de morta-

lidade infantil uma vez e meia maiorque a do Sul. Na década de 90, a di-ferença passou para duas vezes emeia. “Se a desigualdade é grande éporque novas interven-

ções em saúde tendem a atingir ini-cialmente os mais ricos e, portanto,contribuem a curto prazo para au-mentar as iniqüidades”, analisou

BRASIL, TÚMULO DOS ESTRANGEIROS?Nestas páginas e na seguinte, painéis representando os imigrantes em três fasesdistintas — sempre sob a ameaça da febre amarela: sua chegada ao Brasil, osprocedimentos de recepção e sua integração ao mercado de trabalho.

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Victora, com base na hipótese naeqüidade inversa.

Nas últimas décadas, ainda que oBrasil tenha conquistado taxas meno-res de mortalidade infantil, os núme-ros não parecem tão promissores secomparados aos de outros países. Se-gundo Victora, a taxa que, em 1930,era de 160 mortes para cada 1.000 nas-cidos vivos, em 2000 passou para 30 mor-tes. “Mas a redução não é tão relevan-te se a taxa for comparada à do paíscom menor taxa da América”, disse ele.“Em 1960, a taxa de mortalidade infan-til brasileira era quatro vezes maior do

que a taxa mais baixa do conti-nente (a dos Estados Unidos).Hoje, é sete vezes maior”.

Victora exemplificou a di-ferença entre classes com acidade de Pelotas (RS). “Em

1982, os mais ricos registravam taxa demortalidade infantil de 12 crianças paracada 1.000 nascidas vivas, enquanto osmais pobres, 80 mortes a cada 1.000nascidos vivos. Em 1993, esse índicecaiu, mas manteve a diferença entrericos e pobres: os ricos tinham taxade 10 por 1.000 nascidos vivos, os po-bres, de 40 por 1.000”.

A CONTRIBUIÇÃODA EPIDEMIOLOGIA

As pesquisas epidemiológicas sãohoje importantes instrumentos paramedir e denunciar as iniqüidades.“Precisam, portanto, intervir no pro-

cesso saúde/doença, rea-

lizar inquéritos populacionais, usarnovos indicadores e incorporar aeqüidade como critério fundamentalde avaliação de programas”, defendeuVictora. Para ele, as iniqüidades emsaúde existem em todos os níveis deagregação, e o progresso tecnológicopode acentuá-las. “Na luta pela eqüi-dade, epidemiologistas precisam con-tinuar a medir iniqüidades e a divul-gar seus achados.”

Na opinião da palestrante MarilisaBarros, professora da Universidade deCampinas (Unicamp), “qualquer estu-do epidemiológico precisa considerare compreender quais são as desigual-dades e iniqüidades nos municípios”.Para entender e solucionar os proble-mas de saúde em Campinas (SP),Marilisa dividiu o município em estra-tos socioeconômicos. “Se analisarmosa população que vive em um quartoda área de melhor nível de Campinas,comparada ao quarto de pior níveleconômico, verificamos uma absolutadistinção do perfil de mortalidade”.

Na área mais carente, o princi-pal fator de mortalidade dos homensem qualquer idade são as causas ex-ternas (acidentes e agressões), en-quanto na população que reside namelhor área as causas externas apa-recem em quinto lugar.

Estudar a incidência de doençase mortes numa determinada regiãosignifica também analisar a situaçãogeográfica, econômica e social daque-le grupo. Foi o que mostrou Marilisa

ao falar do estudo epidemiológico deCampinas. “Embora no município apopulação mais carente tenha maiorrisco de mortalidade por doençasisquêmicas do coração e doenças cé-rebro-vasculares, a grande diferençaé com relação à violência e ao homi-cídio. Nos grupos mais pobres, vio-lência e homicídios têm ocupado oprimeiro lugar das causas de morte”.

POBREZA, RAÇAE DISCRIMINAÇÃO

“A pobreza no Brasil tem cor eraça”. Dessa forma, Fernanda Lopes,doutora em Epidemiologia da Faculda-de de Saúde Pública da USP, abriu adiscussão da mesa-redonda Raça, dis-criminação e saúde, dia 23, no TeatroBeberibe. Ela deu como exemplo o nú-mero de domicílios de brancos e ne-gros sem esgotamento sanitário. “Em1992, a taxa para residentes brancosera de 21,9%, enquanto a dos negrosera de 46,6%. Em 2001, essa taxa caiu,mas a diferença entre as raças foi amesma: 16,5% eram domicílios brancose 35%, negros”, informou Fernanda.

A diferença entre as raças ficaclara também nos índices de mortali-dade infantil. De acordo com aepidemiologista, em 1977, enquantoentre brancos a taxa de mortalidadeinfantil era de 76 a cada 1.000 nasci-dos vivos, entre negros o índice acu-sado era de 96 a cada1.000 nascidos vivos. Em1993, a taxa de mortali-

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dade no país se reduziu, mas a dife-rença entre brancos e negros cres-ceu: 37 a cada 1.000 nascidos vivosentre brancos e de 62 entre negros.

Quando se fala de esperança devida ao nascer, a desigualdade pareceficar mais evidente. Segundo Fernanda,a expectativa de vida dos homens bran-

cos é de 70,31 anos, dos negros, 63,79,das mulheres brancas, de 77,71, e dasmulheres negras, de 71,57 anos. O mes-mo ocorre em relação às mortes cau-sadas por doenças infecciosas. “A taxade óbitos por doenças infecciosasentre brancos é de 17,14%, e entrenegros, de 30,58%”, alertou.

Presente à discussão, Dora Chor,pesquisadora da Escola Nacional deSaúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), lembrou o quanto o trata-mento diferenciado por causa da cor,ou seja, a prática do racismo, podeinfluenciar na saúde da população. “Oracismo gera estresse crônico e ou-tros determinantes como a obesida-de e o alcoolismo”, informou. Para ela,as desigualdades socioeconômicas nãoexplicam toda a diferença nos índicesde saúde.

Destacar, portanto, as diferençasexistentes entre as raças significaampliar a luta por justiça de tra-tamento e redução dos proble-mas de saúde entre negros.“Esse é um desafio a ser assumi-do por nós, epidemiologistas”,alertou Fernanda. “Muitas sãoas limitações”, reconheceu Dora. Mas“não monitorar e não compreenderas diferenças e tendências de saúdenos diferentes grupos étnico-raciaispode ser um crime perfeito contra apopulação negra”.

Pesquisa ganha rede latino-americana

Um dos destaques do 6º Congres-so Brasileiro de Epidemiologia foi

a criação de uma rede latino-ameri-cana de pesquisa, importante paraque as pesquisas em epidemiologia se-jam fortalecidas. “A realidade da saú-de coletiva tem mostrado que a coo-peração entre os países do HemisférioSul precisa ser incrementada”, co-mentou o presidente da Abrasco,Moisés Goldbaum.

Ele acredita que entre os fa-tores que contribuíram para a cri-

ação da rede podem ser ressalta-dos o crescimento da produçãocientífica nos países latino-ame-ricanos e a presença de repre-sentantes de 12 deles no evento.“Uma das coisas que já acertamosé o intercâmbio de pareceristasentre os países, num fluxo quedeve ser maior do Brasil para oexterior”, disse. “Temos uma mas-sa crítica bastante expressiva,que poderá contribuir com os nos-sos vizinhos.”

O ENCONTRO DE UMA GERAÇÃO: UMA NOVA SAÚDE PÚBLICA ENTRA EM CAMPONesta página e na seguinte, uma nova geração de médicos-sanitaristas aplica, noBrasil do fim do século 19, as idéias da microbiologia de Pasteur

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VIOLÊNCIAE EXTERMÍNIO

SOCIAL

Um dos pontos mais debatidos nocongresso foi a violência como

questão de saúde pública. O Minis-tério da Saúde aproveitou o eventopara lançar a publicação Saúde Bra-sil 2004, reunião de informações so-bre a saúde do brasileiro dos anos 80até a década atual. Os homicídios maisdo que duplicaram nos últimos 10anos, e as agressões e os acidentesde trânsito são a segunda causa de

morte da população masculina,atrás apenas das doençascardiovasculares.

Pernambuco aparecia em2001 com a maior taxa de mor-talidade por assassinato do

país: 58,6 por 100 mil habitantes, se-guido pelo Rio de Janeiro (50,3 por100 mil habitantes). A coordenadorado trabalho, Maria de Fátima Marinhode Souza, defendeu o desarmamen-to. “A diminuição da quantidade dearmas em circulação terá impacto nasaúde”, disse. De 1980 a 2000, as

agressões foram responsáveis por584.457 mortes no Brasil. Desse total,401.090 óbitos ocorreram entre 1990e 2000, sendo que 72% foram produ-zidos por arma de fogo.

Como analisou Cecília Minayo,pesquisadora do Centro Latino-Ame-ricano de Estudos sobre Violência eSaúde Jorge Carelli, da Ensp/Fiocruz,a violência é, antes de tudo, uma ques-tão social. “Tornou-se tema do setorsaúde devido ao impacto que provocana qualidade de vida, pelas lesões físi-cas, psíquicas e morais que acarretae pelas exigências de atenção e cui-dados dos serviços médico-hospitala-res”, disse, ao participar da mesa-re-donda A saúde nas cidades: inclusão,segregação, exclusão e extermínio so-cial, no dia 22, no Auditório Tabocas.

Diante de grande platéia, queocupou os 800 lugares, Cecília afir-mou não ter ido ao congresso parapropor soluções. “Em minha fala nãohá final feliz, somente levantamentode questões”, disse. Entre os proble-mas, ela destacou o auto-extermíniode jovens da periferia urbana. “Ado-lescentes estão se matando em tro-

ca de poder e mando de território”.Fora as mortes provocadas pela se-gurança pública e por situações so-ciais depressivas, como o alcoolismo.“Essa situação tem a ver também comgênero, pois, de todas as mortes porviolência, 82% incidem sobre jovensdo sexo masculino”.

Uma dor globalizada. Maria Luizade Lima, também pesquisadora da Ensp/Fiocruz, no painel Violência nas cida-des, do dia anterior, tinha falado sobreas estatísticas de homicídio e suicídiodivulgadas pela Organização Mundial deSaúde. De acordo com a OMS, em 2002,1,6 milhão de pessoas morreram porviolência no mundo. Ou seja, cerca de28,8 pessoas a cada 100 mil indivíduos.Desse total, 520 mil por homicídio (8,8),815 mil por suicídio (14,5) e 310 mil porconflitos bélicos (5,2).

Por idade e sexo, a incidênciade homicídios é maior entre os jo-vens do sexo masculino de 15 a 29anos, uma taxa de 19,4 por 100 milhabitantes, seguidos por homens en-tre 30 e 44 anos, com taxa de 18,7.Entre jovens do sexo feminino de 15a 29 anos, a incidência é de 4,4 a cada

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100 mil habitantes, entre mulheres de30 a 44 anos, de 4,3. Já os casos desuicídio, de acordo com a OMS, sãomais freqüentes no grupo acima dos60 anos: taxa de 44,9 entre homens e22,1 entre mulheres. Entre homensde 15 a 29 anos, a incidência de sui-cídio é de 15,6 por 100 mil habitan-tes. Entre as mulheres de mesma ida-de, 12,2. O grupo masculino entre 30e 44 anos apresenta incidência de21,5, e o feminino, de 12,4.

Comparado a outros países, in-formou Maria Luiza, o Brasil tem ospiores índices de homicídio. Em 2002,a taxa era de 27 homicídios a cada100 mil habitantes. Entre as capitaisbrasileiras, Recife tinha em 2002 amaior taxa (95,8), seguido por Vitória(78,7), Cuiabá (69,5), São Paulo (64,8)e Rio de Janeiro (56,5).

TANTO VÍTIMAQUANTO AGENTE

A triste constatação de CecíliaMinayo: a juventude é principal víti-ma e autora dos homicídios do país.Para ela, o aumento da violência estádiretamente ligado ao aumento dodesemprego. “Mas não é a única cau-sa do crescimento da delinqüência

que mata”, disse. “Se assim fosse es-taríamos vivendo uma barbárie.” Deacordo com a Organização Interna-cional do Trabalho (OIT), o desempre-go na juventude cresce mais de duasvezes que a taxa mundial, que é de 6,2%por 1.000 habitantes. “Na juventude”,informou, “esse índice sobe para14,6%”. Do total de desempregados, 90%estão nos países em desenvolvimento.No Brasil, apontam os dados oficiais, ataxa de desemprego é de 13,1%, masentre jovens salta para 26,5%.

Se o desemprego impulsiona aviolência é porque, na opinião deCecília, “provoca um desarranjo nasubjetividade do jovem”. Afinal, oemprego nos obriga a um tempo e umespaço diferentes, a uma hierarquiaclara e, conseqüentemente, a umadisciplina. “Já dizia Weber, na origemdo capitalismo é a noção de tempo,espaço e hierarquia que conforma adisciplina na sociedade industrial”,ilustrou ela o papel moral do empre-go na sociedade, citando o sociólo-go alemão Max Weber (1864-1920).

Hoje, os piores índices recaemsobre os jovens: minoria de emprega-dos (18,4%), grande parte de desem-pregados (44%) e maioria dos que pro-

curam emprego (60%). Dototal de jovens brasileiros,50% vivem em famílias pobrese 80% não têm sequer ensi-

no fundamental completo. “No entan-to”, ressaltou, o mundo hoje mostraque o segredo da empregabilidade éa formação profissional e a educação”.

A maioria dos desempregados jo-vens sobrevive do trabalho alternativo,sem vínculo trabalhista. E uma minoriaexpressiva recorre à criminalidade. “Éum novo mercado de trabalho, com hi-erarquia e espaço de trabalho, que pre-ocupa e assusta a sociedade”, disse Ce-cília. A criminalidade é formada por doisgrandes mercados: o da droga e o daarma, que figuram entre os três mai-ores mercados transnacionais eglobalizados. Na hierarquia docapital mundial, o petróleo vemem primeiro lugar, seguido pelomercado de drogas e pelo mer-cado de armas.

Se hoje a criminalidade vi-rou alternativa para tantos jovens éporque não tem ele formação neces-sária para ocupar postos de trabalholegais e porque “o ilegal dá status,dinheiro e poder”. “É a cultura doimediatismo, da desvalorização da vidae da glorificação do consumismo”.Para Cecília, a juventude de hoje di-fere daquela dos anos 60, que tinhaum ideal de luta: a democratizaçãopolítica. “Nossa juventude, ainda quepreocupada com a vida e com a famí-lia, tem horror à política, e muitospreferem a ditadura, mas nem sabem

O SANITARISMO (RE)DESCOBRE O BRASILFamília de trabalhadores na produção defarinha em Itaguaí (BA), outubro de 1911

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o que foi isso”, disse. “Há uma des-crença das instituições políticas, in-clusive a polícia”. Para ela, não é quea sociedade que está surgindo sejaruim. O ruim, alertou, “é a exacerba-ção dessa nova sociedade chamadade pós-modernismo”.

DOR ENTREQUATRO PAREDES

No dia 21, a pequena sala B-2 doCentro de Convenções ficou lotada,com muita gente em pé, para a pa-lestra da professora Lília BlimaSchraiber, da Faculdade de Saúde Pú-

blica da USP, sobre outra feri-da: Violência de gênero, ques-tões éticas e metodológicas,pesquisa que coordenou emSão Paulo. Para ela, o tema é“sensível e complexo”, exigin-

do aproximação ética e metodologiaespecial. Foi uma das poucas apre-sentações que geraram debates: dapsiquiatra baiana à médica legistapernambucana, a platéia — 90 mu-lheres e seis homens — queria apro-veitar as recomendações de Lília,úteis aos serviços municipais de aten-dimento à mulher.

A pesquisadora mostrou que estamodalidade de violência teve qua-tro marcos históricos, e sua deno-minação mudou segundo o enfoqueda época: nos anos 50, violênciaintrafamiliar; nos 70, violência contraa mulher; nos 80, violência domésti-ca; e, a partir dos anos 90, violênciade gênero. Lília e sua equipe entre-vistaram 322 mulheres, das quais 224relataram ter sofrido algum tipo deagressão na vida adulta: 36,6% consi-deram que foram vítimas de violên-cia, 35,7% não quiseram relatar epi-sódio marcante. Das 144 mulheres quecontaram algum episódio, 46,5% atri-buíram um nome à agressão, mas 53,5%não a nomearam. As que nomearam

usaram sinônimos para mascarar a vi-olência, grande parte banalizou aagressão, outras se atribuíram a res-ponsabilidade.

“Verifica-se a polissemia da pa-lavra violência para as próprias mu-lheres, ou seja, ela ganha muitas sig-nificações”, disse. “Elas ficamindecisas entre nomear ou não no-mear, entre os nomes apropriados eos impróprios, porque são experiên-cias singulares que envolvem sexua-lidade, loucura — sempre fortes emo-ções, estigmatizadas, difíceis deexteriorizar”. Segundo Lília, até per-guntar é difícil nessas situações.

Assim, o profissional que entre-vista uma mulher agredida precisaromper o determinismo e a simplifi-cação que permeiam a violência, pre-cisa saber incorporar as incertezas,a contradição e a pluralidade querondam cada experiência, não devejamais usar termos estigmatizantesou fazer julgamentos morais. Preci-sa saber lidar com ordem/desordem,parte/todo, singular/geral, nas pa-lavras de Lília — um campo tipica-mente transdisciplinar que, ao mes-mo tempo, sofre com a insuficiênciade disciplinas específicas. E, o quecomplica mais ainda, uma questãoepidemiológica, da sociedade, masvivida no singular, entre quatro pa-redes.

A INFÂNCIA ROUBADAAssim como a violência de gêne-

ro, a exploração da criança é tãopresente quando complexa, mostra-ram várias apresentações. O trabalhoinfantil é hoje umas das maiores pre-ocupações da sociedade, sobretudonos países pobres, nos quais a crian-ça é obrigada a ajudar no sustento

da casa. Se o trabalho dignifica o adul-to, na criança prejudica o desenvol-vimento psicomotor, causa doençasa partir do estresse e da fadiga, re-duz o rendimento escolar.

Segundo a OIT, cada vez mais ainfância vem sendo comprometidapelo trabalho precoce. A entidadeestima (já que o cálculo exato é im-possível, especialmente no que dizrespeito ao trabalho doméstico) quehaja no mundo cerca de 351 milhõesde crianças e adolescentes trabalha-dores, e as proporções são mais gra-ves nos países pobres. De acordo como Fundo das Nações Unidas para a In-fância (Unicef), das 250 milhões decrianças de até 14 anos que traba-lham, 61% estão na Ásia, 30% na Áfricae 7% na América Latina.

Esse flagelo chama a atenção,sobretudo, do setor saúde. Na salaA-6, no painel Trabalho precoce e saú-de do trabalhador, em 22/6, a profes-sora Vilma Santana, do Instituto deSaúde Coletiva da Universidade Fede-ral da Bahia (ISC/Ufba), disse que em1997 foram concedidos no Brasil 4.314benefícios por acidente de trabalhoa trabalhadores com idade inferior a18 anos. Em 2000, 218 adolescentesmorreram em conseqüência de aci-dentes de trabalho ou doençasocupacionais. “Esse número, aindaque assustador, não mostra a realida-de, visto que apenas uma pequenaparcela de trabalhadores adolescen-tes é previdenciária. Temos certamen-te um número muito maior de crian-ças e adolescentes trabalhando”,alertou Vilma.

A pesquisadora Anaclaudia Fassa,do Departamento deMedicina Social daFaculdade de Medici-

A REVOLTA DA VACINACharges do início do século 20 sobre a

reação popular às campanhas sanitárias

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na da Universidade Federal de Pelotas,relatou que dos 5,4 milhões de crian-ças e jovens brasileiros economicamen-te ativos, 3,5 milhões têm entre 5 e 15anos e 2 milhões, entre 16 e 17 anos;desse total, 1 milhão está no que a OITchama de trabalho infantil perigoso(TIP). Para Anaclaudia, dizer que o tra-balho infantil é uma preparação para otrabalho adulto é justificar a explora-ção da criança. “O trabalho precocee sobretudo o trabalho infantil perigo-so existem porque criança é mão-de-obra barata, daí que os maiores índi-ces estejam nos países pobres”, disse.

Conforme a Emenda Constitucio-nal nº 20, trabalho precoce no Brasilé todo aquele realizado abaixo da ida-de mínima básica de 16 anos, que pre-judica a saúde da criança, interferena freqüência escolar e não permitetempo livre para o estudo fora da es-cola, além de roubar a infância e olazer. Combater o trabalho infantil équestão de direitos humanos, tarefado Estado e da sociedade civil.

No projeto chamado Acidentes,Vilma Santana estuda no ISC/Ufba2.512 famílias de Salvador, com 2.560jovens entre 10 e 20 anos. Da popula-ção que conseguiu coletar material,a pesquisadora destacou 259 (29,2%)com trabalho pago e na escola, 211(23,8%) apenas trabalhandoe 442 (4,8%) apenas na es-cola, sem trabalho remune-rado. Vilma constatou queo abandono escolar é qua-se três vezes maior entre ostrabalhadores pagos. O tra-balho na indústriamanufatureira e o de em-pregadas domésticas tem asmaiores taxas de incidênciaanual por 100 Trabalhadoresde Tempo Integral (Full TimeEquivalent, FTE).

Para Vilma, ainda sabe-mos pouco sobre as conse-qüências do trabalho na in-fância. “Como a legislaçãotrabalhista para adolescen-tes trabalhadores não men-ciona que o trabalho pode

comprometer o desempenho escolarnem estabelece a duração da jorna-da de trabalho, sua revisão é urgen-temente necessária”.

O TRABALHADORADULTO ABANDONADOA saúde do trabalhador adulto e

a preocupação com estatísticasconfiáveis para o embasamento ade-quado das políticas públicas igualmen-te mereceram numerosas apresenta-ções, entre elas Acidentes de trabalhono Brasil: é possível corrigir estima-tivas?, estudo da médica Letícia No-bre, doutoranda em Saúde Coletivado ISC/UFBA, no painel Desafios parao estudo dos acidentes de trabalho noBrasil, que lotou a pequena sala A-10do Centro de Convenções. Letíciapintou um retrato preocupante dasestatísticas sobre acidentes de tra-balho (AT), distantes da realidade, porculpa da não-padronização dos siste-mas de informação, da cobertura par-cial dos sistemas previdenciários, dasubnotificação e até da dificuldadeno dimensionamento real da popula-ção trabalhadora. Para a pesquisado-ra, a lei que reduz impostos para in-centivar empresas com poucosacidentes na verdade incentiva a não-notificação.

Impressionou saber que as pró-prias estatísticas globais da OIT sãode credibilidade duvidosa: a organi-zação aplica à totalidade da força detrabalho dos países as taxas de mor-talidade por AT que lhe são efetiva-mente informadas (os registros maisfidedignos são os da União Européia).Aos países que não enviam informa-ção são aplicadas taxas de países si-milares. Por exemplo, as taxas da Amé-rica Latina e do Caribe são baseadasnos números do Brasil — logo o Bra-sil, com sua notória subnotificação —, corroborados por dados da Bolívia,da Colômbia, do México e daGuatemala...

Letícia citou estudo críti-co de 1999 de Jukka Takala, di-retor da própria OIT para saú-de e segurança ocupacional,segundo o qual os dados oficiais paraa América Latina afirmam que, parauma população de 202 milhões traba-lhadores em 1998, a taxa de mortali-dade por AT foi de 13,5/100.000; a es-timativa seria então de 27.270 mortespor ano, num cenário em que todasmortes são registradas e em que asmortes no setor formal equivalem àsdo informal. Na realidade, são dadospressupostos, porque somente meta-de dos AT são notificados; a taxa no

SANITARISMO (RE) DESCOBRE O BRASILDetalhes de foto da expedição à Amazônia, feitaem São Gabriel da Cachoeira (AM), às margens doRio Negro, em 1913. No centro, Carlos Chagas

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Saúde, um direito humano e social“Oconceito de saúde, definido

pela Organização Mundial daSaúde (OMS) e aplicado em todosos países-membros, refere-se não so-mente à ausência de enfermidades,à promoção de estados saudáveis daspessoas, mas também ao componen-te de bem-estar físico, mental, emo-cional e social como um direito hu-mano e social a ser considerado portodas as políticas sociais”. HorácioToro Ocampo, representante da

Opas/OMS no Brasil, iniciou as dis-cussões sobre serviços sociaiscomo ferramenta para o estabe-lecimento do bem-estar socialexplicando o conceito de saúde.O tema atraiu grande público ao

painel Serviços sociais: importânciacomo políticas de inclusão.

Toro Ocampo afirmou que essenão é um ideal inalcançável ou uma

proposta utópica. Para ele, “é umconceito progressista no sentido deconsiderar a saúde como um fenô-meno biológico e psicológico, umenfoque em que as intervençõessociais como produção, distribui-ção de renda, consumo, moradia,trabalho, ambiente, lazer devem serconsideradas”.

Daí que para alcançar tal pro-posta, como disse Toro Ocampo, asaúde social ou pública deve tercomo complemento os serviços so-ciais justos e eqüitativos. Mas o quese entende por serviços sociais?Para o represente da Opas, “étodo aquele direito social concre-tizado em políticas sociais que sãoexercidas por meio de todas as ins-tituições que visam o bem-estar doindivíduo e que surgem de formaespontânea, procurando a eqüida-

de e a justiça social”. Dessa for-ma, disse ele, “é um conjunto deserviços públicos para prevenir asdesigualdades sociais, ou para pos-sibilitar a integração social do ci-dadão mediante equipes técnicasespecializadas e unidades administra-tivas de gestão pública ou privada”.

No debate, Toro Ocampo des-tacou como exemplo serviços so-ciais que atendem a idosos, adul-tos e deficientes físicos em paísesda Europa. Sendo os resultadospromissores, “pode-se deduzirque a política de serviços sociais,em nossos países, deve ser umalinha prioritária nos próximos anose um processo que norteie a mo-vimentação da assistência clínicapara a saúde pública e desta paraos serviços que propiciem o bem-estar total”.

setor informal é 50% maior do que noformal, tendo havido na verdade68.147 mortes por AT no ano. Assim, ataxa é 9,16 vezes mais alta do que in-dicam os dados oficiais, e o sub-re-gistro atinge 89,1%.

Com base nas propostas meto-dológicas de Takala e de especialis-

tas brasileiros, Letícia Nobre apresen-tou 14 gráficos estatísticos para pro-var que é possível produzir taxas maispróximas da realidade, visando con-tribuir para o aprimoramento das es-timativas oficiais brasileiras: “Precisa-mos padronizar as taxas por faixaetária e por sexo (gênero), construir

taxas e estimativas para toda a popu-lação economicamente ativa ocupa-da por ramo de atividade econômicae promover estudos específicos paradimensionar o sub-registro de AT comóbito e sem óbito”, pe-diu. Uma mudança gi-gantesca.

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Maria Goretti, Heloisa Mendonça, Julio Müller, Expedito Luna e Maria da Glória

AS CIDADESE OS CHOQUES

EPIDEMIOLÓGICOS

Exatidão das informações é crucialna epidemiologia — muitos traba-

lhos bateram nesta tecla. Na manhãdo último dia do congresso (23/7), asanitarista Maria da Glória Teixeira,pesquisadora da UFBA, descreveucomo os choques epidemiológicos seabatem sobre as cidades, exigindopreocupações crescentes com as in-tervenções ambientais, o saneamen-to básico, especialmente o acesso àágua. Maria da Glória, que vem dedi-cando boa parte de sua atividade aca-dêmica ao estudo da incidência dadengue em Salvador, falou menos docomportamento do Aedes aegypti emais da conduta do Homo sapiens naconcorrida mesa-redonda Tempos epi-dêmicos: a cidade sob vigilância, noAuditório Tabocas.

Maria da Glória lembrou que,como dizia o geógrafo baiano MiltonSantos (1926-2001), o homem não éapenas o habitante de um determi-nado lugar, mas também o produtor,o consumidor e o integrante de umaclasse social que ocupa lugar especí-fico e especial no espaço. “Assim, o

processo de ocupação do espaço dascidades, desde seu início (passado)até o momento (presente) se refleti-rá no futuro, e é parte inerente dosdeterminantes das condições de vidae saúde”.

Como primeiro exemplo destacadeia de processos, que faz reper-cutir nas gerações de hoje os atosdas gerações de ontem, Maria da Gló-ria citou a epidemia da violência, ana-lisada em suas muitas faces por tan-tos palestrantes, como relatado naspáginas anteriores, “resultante danossa história, do desenvolvimentodesordenado, da concentração de

renda e do desemprego emmassa, das injustiças sociais, dafalta de perspectiva dos nossosjovens, que se envolvem e mor-rem tão precocemente com otráfico de drogas, entre outras cau-sas”. Josué de Castro, Dom Helder eMilton Santos concordaram lá do alto.

Para ela, as grandes cidades pre-cisam de “sentinelas sanitárias”, umarede estruturada de serviços de vigi-lância, o que pressupõe bons siste-mas de monitoramento — “elaboraçãoe análise de mensurações rotineirasvisando detectar mudanças no ambi-ente ou no estado de saúde da co-munidade”, citou ela a definição deLast (John M. Last, professor de

A LIGA PRÓ-SANEAMENTO DO BRASILNas duas páginas, imagens da expediaçãoao Vale do Tocantins, entre 1911 e 1912

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Epidemiologia e Medicina Comunitáriada Universidade de Ottawa, Canadá).

Não faltou a menção à realida-de do mundo globalizado e seus 500milhões de viajantes atravessandofronteiras todos os anos, seus 70milhões de migrantes de países po-bres, seus 30 milhões de refugiadose deslocados por guerras, fomes ecatástrofes — todos levando na ba-gagem seus agentes infecciosos, nummovimento contínuo que ressoa emnossa aldeia. O surgimento de novasdoenças ou o renascimento daque-las até certo ponto controladas será

um fato concreto nos próxi-mos anos, principalmente nasgrandes zonas urbanas, adver-tiu. “Como na época medie-val, a sociedade fica perplexae insegura, tentando enten-

der o que acontece, exigindo pron-ta atuação da saúde pública”.

DEPRESSÃO, A EPIDEMIADO NOVO SÉCULO?

As ansiedades da humanidadecontemporânea não se restringem,entretanto, ao medo da doençaalienígena. A OMS já chamou atenção:até 2020 a depressão pode virar epi-demia mundial. Com essa previsão opsicanalista Joel Birman, da Universi-dade Estadual do Rio de Janeiro(Uerj), alertou para a necessidade deum entendimento aindamais amplo do que seja asaúde mental. Na mesa-re-

donda Saúde mental nas cidades, co-ordenada por Evaldo Melo, secretá-rio-adjunto de Saúde do Recife,Birman sucedeu palestra da psiquia-tra Ana Bernarda Ludermir, da UFPE.Ambos falaram no segundo dia docongresso a uma platéia de 100 pes-soas no grande Teatro Guararapes.

Em sua exposição, Ana traçouparalelo entre desigualdade social edoença mental, e procurou demons-trar que os menos favorecidos sãomais suscetíveis a desenvolver algummal-estar psíquico. “Já constatamos,por várias pesquisas, que desempre-gados e suas famílias têm pior saúdemental do que aqueles que estão bemeconomicamente”, afirmou.

Birman manteve a mesma linha depensamento da colega. Explicou quea partir dos anos 70 houve importan-tes mudanças nas descrições do cha-mado mal-estar psicossocial, relata-das em diversas monografias depsiquiatras e psicanalistas. “A ques-tão do tratamento da saúde mentaldeixou de ser o ponto principal dasdiscussões”, disse. “Os profissionaispassaram a apontar, como problemafundamental da saúde mental, o mal-estar urbano”.

Segundo ele, as depressões apa-recem efetivamente como uma es-pécie de climatógrafo dual das soci-edades contemporâneas. “Nossa

preocupação hoje não é mais com aspsicoses, e sim com as depressões, eas depressões têm características docontemporâneo muito específicas”.

Na visão de Birman, as depressõesatuais não se caracterizam mais comoas descritas na época de Freud, comoforma de sofrimento psíquico, centradona experiência da culpa. Para ele,estamos diante de uma desqualificaçãoidentitária muito forte, o que nos fazsentir vergonha. “O que caracteriza adepressão contemporânea é o senti-mento do vazio”, afirmou.

Mas nada pode ser tão negativopara a saúde mental como a violênciaque atinge os grandes centros do paíse do mundo, disse ele. Para Birman, asíndrome do pânico, que no começodo século era chamada de neurosede angústia, aflige atualmente mi-lhões de pessoas. “Estatisticamente,a síndrome do pânico cresce de umaforma assustadora”. Birman lembrouque morar numa cidade moderna trazpara as pessoas estresses antesinimagináveis. “Temos hoje um exces-so de preocupação com o corpo.Transformamos academias em verda-deiros santuários”.

O psicanalista também alertoupara a compulsão às drogas. Não só asilícitas. “Vemos o consumo desenfre-ado de medicamentos e até alimen-tos”. Ele chamou a atenção para a do-

TEMPOS DE GUERRA: O CAMPANHISMO ENTRA EM CENAAções de combate a doenças específicas, como febre amarela,peste bubônica, varíola e malária

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ença do novo século, “a compulsãopela compra”. A ânsia pelo consumode qualquer coisa, pelo simples pra-zer de comprar, pode trazer males in-críveis. “As pessoas criam ansiedadee tensão para adquirir alguma coisade que simplesmente não precisam”.

Segundo ele, o efeito daglobalização trouxe ao habitante dacidade muitos problemas, e até oexcesso de informação pode ser no-civo. “A necessidade de estarmos li-gados 24 horas também é prejudicialà saúde”. Birman contou o relato demédicos que descrevem a síndromeda fadiga crônica como uma espéciede epidemia nos últimos 10 anos. “Éuma sensação exaustiva, quando apessoa não tem disposição para nada.Não quer nem se levantar da camapara realizar suas atividades rotinei-ras”. Estes percentuais não mentem:� 3% da população geral sofrem comtranstornos mentais severos e persis-tentes;� 6% da população apresentam trans-tornos psiquiátricos graves decorren-tes do uso de álcool e outras drogas;� 12% da população necessitam de al-gum atendimento em saúde mental,seja ele contínuo ou eventual;� 2,3% do orçamento anual do SUSsão destinados à Saúde Mental.Fonte: Ministério da Saúde

O DESCALABRO CONSENTIDOMas outros sofrimentos nos afli-

gem. O Brasil está entre os 22 paísesque concentram 80% dos ca-sos estimados de tubercu-lose no mundo, embora cai-

ba a ressalva de que o país tem o maisbaixo coeficiente de incidência (nú-mero de doentes por habitantes) en-tre todas essas nações. Em númerosabsolutos, é o 15º colocado no rankingda OMS. “A estimativa da OMS é quehaja hoje entre 114 mil e 118 mil no-vos casos no Brasil”, informou opneumologista Miguel Ayub na mesaque discutiu Tuberculose: o desafiobrasileiro. Segundo ele, apesar dosprogramas de governo, que prevêemo controle da doença num futuro pró-ximo, a taxa de mortalidade ainda éalta. “Quase seis mil pessoas morrempor ano de tuberculose”.

Ayub afirmou que o simples aban-dono do tratamento é a maior difi-culdade. A meta traçada pelo Minis-tério da Saúde é curar 85% dos casosque são diagnosticados. “O proble-ma é que não conseguimos reduzir amédia de abandono durante todo operíodo do tratamento, que atinge12% dos pacientes”.

Alcoolismo, desemprego e o ví-rus da Aids são alguns dos fatoresdeterminantes para esse abandono,esclareceu o epidemiologista RicardoXimenes, da UFPE, em debate anteri-or, no Teatro Beberibe, no qual rela-tou a situação no Recife. “Temos hojeaqui um grande problema com a tu-berculose. Estimamos uma relação de120 casos para um grupo de 100 milhabitantes”.

A doença, que sempreatingiu principalmente os

homens (cerca de dois terços de to-dos os infectados), vem crescendo acada ano no sexo feminino. “Segun-do dados do Banco Mundial, já é aprimeira causa de morte entre mu-lheres com idade de 14 a 55 anos”,disse o pneumologista AntônioRoberto Campelo, do Departamentode Medicina Clínica da UFPE.

MILHÕES MORREMNO PRIMEIRO MUNDOPara demonstrar que a doença

é hoje um “descalabro consentido”,Campelo continuou citando o BancoMundial. A tuberculose já ma-tou, nos países em desenvolvi-mento, mais do que todas asoutras doenças infecciosas jun-tas — incluindo a Aids no perío-do entre 1990 e 2000. “A metadas Nações Unidas é reduzir em 50%o número de mortes e a prevalênciada tuberculose até 2010” — atualmen-te, morrem cerca de 3 milhões de pes-soas por ano nos chamados países po-bres.

Ayub informou que a maior inci-dência da doença se verifica nos pa-íses africanos, principalmente nasregiões que concentram infectadospelo HIV. “Dos casos notificados detuberculose no Brasil, 7% têm Aids.Em termos mundiais, esse índice sobepara 9%”. Aqui, disse ele, o Rio deJaneiro lidera o ranking da mortali-

O MINISTÉRIO DA SAÚDEEm meio a intenso debatesobre o papel do Estado, a

criação do MS foi oficializadaem 25 de julho de 1953

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dade — cerca de 7 mortes por 100mil habitantes. “Em Santa Catarina, oíndice é menor do que 1/100 mil”.

Campelo apresentou pesquisarealizada pelo Datasus (ver gráfico),para demonstrar que os índices demortalidade no Brasil vêm apresentan-do certa estabilidade desde 1996,depois de atingir o pico no ano ante-rior (6.122). Em 2002, o Brasil regis-trou 77.634 casos de tuberculose, dosquais 35.351 na Região Sudeste. Des-tas notificações, São Paulo teve15.592 casos e incidência de 40,8 ca-sos para cada grupo de 100 mil habi-

tantes. O Estado do Rio tem amaior taxa de incidência da tu-berculose na região, e notifi-cou 13.101 casos, com incidên-cia de 88,9/100 mil habitantes.Minas Gerais e Espírito Santo

tiveram 5.689 e 1.377 casos e incidên-cia de 31 e 43 casos para cada 100 milpessoas, respectivamente.

“Parece que há uma forte ten-dência à redução da doença aqui”,disse Ayub, ao comentar o trabalhodo governo pela conscientização dopaciente, visando diminuir o abando-no do tratamento. Mas a expectativaainda não é a erradicação total da tu-

berculose no país. Para isso, ressaltouele, também é necessário contar comnovos meios de cura, novas drogas evacinas. “Para conseguirmos isso, pre-cisamos unir todas as forças, governa-mentais e não-governamentais”.

O ministro Humberto Costaenfatizou, em seu discurso na aber-tura do congresso, que o problemada tuberculose é priori-dade em sua pasta: “É ne-

92 93

0100999897969594

5.251

5.625

5.855

6.122

5.708

5.811

6.029

5.893

5.532

5.421

MORTALIDADE POR TUBERCULOSE BRASIL 1992/2001

Fonte: Datasus

cessário aumentar a detecção de no-vos casos e a taxa de cura e, princi-palmente, diminuir o abandono do tra-tamento”.

De acordo com o Ministério daSaúde, o Programa de Controle da Tu-berculose (PCT) está recebendo omaior investimento dos últimos 10 anos.Até 2007, serão aplicados R$ 119,5 mi-

A SAÚDE PÚBLICA EM NOVOS CONTEXTOSNas duas páginas, painéis sobre o ProgramaNacional de Imunizações, instituído em 1973

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lhões. Entre as prioridades estão:capacitação de profissionais de saú-de para diagnóstico, tratamento e vi-gilância epidemiológica da doença,integração das ações com o Progra-ma Nacional de HIV/Aids, aquisição deequipamentos para laboratórios eapoio aos pacientes em tratamento.“O Ministério da Saúde colocou essadoença entre as ações prioritárias nasagendas de 2004 e 2005”, afirmou osecretário de Vigilância em Saúde,Jarbas Barbosa. “Precisamos fazercom que o programa brasileiro de tu-berculose tenha nível de excelênciacomo os que alcançamos com os pro-gramas de prevenção da Aids, da den-gue e de doenças imunopreveníveis,que se tornaram referência mundi-al”, frisou.

EM MARCHAPARA O INTERIOR

O problema é que a doença nãocostuma esperar. A chamada interiori-zação da epidemia da Aids, por exem-plo, representa para as ações de saú-de pública um novo desafio. O alertafoi da médica sanitarista Maria GorettiFonseca, do Departamento de Vigi-lância Epidemiológica da Secretaria deVigilância em Saúde (SVS) do Ministé-rio da Saúde.

Em palestra concorrida no últimodia do evento, ela abriu a mesa-redon-da Tempos epidêmicos: a cidade sobvigilância, a mesma em que Maria daGlória Teixeira falou sobre os choquesepidemiológicos. “A Aids, atingindo noseu processo de expansão po-pulações de municípios me-nores e mais empobrecidos,certamente com maior difi-culdade de acesso ao servi-

ço de saúde, traz um novo obstáculoa ser vencido”, afirmou.

Maria Goretti demonstrou, citan-do várias pesquisas, a evolução do HIVaqui no Brasil. Até o fim da década de1980, era uma doença que atingia ba-sicamente a população das grandesmetrópoles. “No começo dos anos 90,já tínhamos 2 mil municípios com noti-ficação de pelo menos um caso deAids”. O processo de interiorização seconsolidou, segundo ela, no fim do sé-culo passado. Após 20 anos de epide-mia, o vírus já está presente em todosos estados brasileiros. “As notificaçõesde casos já chegam a 3 mil municípi-os” (o Brasil tem 5.560 municípios).

Embora as cidades com mais de200 mil habitantes ainda sejam as maisatingidas pela epidemia, Maria Gorettialertou para a velocidade com que adoença se dissemina nas de menorporte. “Há um processo claro de cres-cimento no interior”. Citando a pes-quisa para a OMS coordenada por CéliaLandmann, do DIS/Cict/Fiocruz (Radisnº 23), Goretti mostrou a dinâmica dadoença no Rio de Janeiro. Os primei-ros casos foram relatados na Zona Por-tuária, no Centro. “Hoje há um eviden-te crescimento do litoral para ointerior da cidade”. As regiões que con-centram favelas são as mais atingidas,“e onde as mensagens educativas, pelobaixo grau de escolaridade encontra-do, são de difícil compreensão”.

Em outra mesa-redonda, Raça,discriminação e saúde, no TeatroBeberibe, Fernanda Lopes, epidemio-logista da Faculdade de Saúde Públi-ca da USP, apresentou dados sobre adoença no Brasil. Ela destacou que oHIV atinge mais a população negra.No Sudeste, por exemplo, 23,13% dosinfectados são homens negros — con-tra 15,6% dos homens brancos. Osnegros com Aids predominam em to-das as outras regiões do Brasil, excetono Sul, onde 6,33% dos doentes sãohomens brancos — contra 6,13% denegros. “Isso se explica pelo fato deque no Sul do país a imensa mai-oria da população é branca”.

A FORÇATRANSFORMADORA

DO CIDADÃOO peso das informações de Ma-

ria Goretti sobre a Aids na mesa Tem-pos epidêmicos: a cidade sob vigilân-cia ganhou contornos ainda maispreocupantes com a exposição deHeloísa Mendonça, professora do De-partamento de Medicina Social daUFPE e superintendente do Hospitaldas Clínicas do Recife, que pergun-tou: “De que vigilância estamos falan-do?” Para ela, o retrocesso na noçãode bem público e de solidariedade,com o encolhimento das funções so-ciais e políticas do Estado, resultouno desaparecimento da divisão entre

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As páginas da revista Radisdedicadas à cobertura

do 6º Congresso Brasileiro deEpidemiologia são ilustradascom imagens da mostra 100anos de prevenção e controlede doenças no Brasil, monta-da pelo Ministério da Saúdeno Centro de Convenções dePernambuco. A exposiçãopode ser requisitada por ins-tituições interessadas, e devepercorrer outras cidades dopaís nos próximos meses.

Na mostra, arte e históriase unem para, em fotos, gravu-ras, charges e textos literári-os, retratar as diferentes fasesda saúde pública brasileira — etambém mundial — em 48 pai-néis de 2,5 m por 3 m, expos-tos em 10 salas, visitadas por 2 mil con-gressistas nos cinco dias do evento.

A contribuição do criador damicrobiologia, Louis Pasteur (1822-1895),as campanhas de Oswaldo Cruz (1872-1917), o trabalho de Emílio Ribas (1862-1925), Vital Brazil (1865-1950) e AdolfoLutz (1855-1940), entre outros temas,são destaques da exposição. A mostraconta com a assessoria científica deprofissionais da Casa de Oswaldo Cruz,da Fiocruz, do Rio de Janeiro.

O Ministério da Saúde incluiu naexposição os avanços recentes doBrasil, como a cobertura ampla de va-cinação infantil e a conquista da

erradicação de doenças. SegundoJarbas Barbosa, secretário de Vigilân-cia em Saúde do Ministério da Saú-de, também presente em Olinda, fei-tos como a erradicação da varíola, dapólio e da febre amarela urbana sãosuficientes para afirmar que, emborahaja muito o que fazer, o Brasil estáno caminho certo.

Histórias importantes do passa-do recente, que vão servir parabalizar políticas públicas em futuropróximo, também foram contadas namostra. No passado, a idéia errada deque todas as doenças transmissíveisseriam erradicadas fez com que as

equipes de vigilância baixassem aguarda. O ressurgimento de doençascomo cólera e dengue, apenas paraficar com dois exemplos, além do au-mento dos casos de tuberculose nomundo, mostra que o complexo mun-do da saúde merece atenção redo-brada permanente.

Informações sobre a mostra comAndré Falcão: (61) 325-2103/2108E-mail andre.falcã[email protected]ções sobre acervo e possibilida-de de pesquisas: Casa de Oswaldo CruzTel. (21) 3882-9126E-mail [email protected]

Saúde pública, uma história centenária

Estado, sociedade civil e espaço pri-vado. O espaço social foi redefinidocomo um simples espaço operacionalpassível de ser modificado por qual-quer estratégia organizacional e, o es-paço público, essencial à democra-cia, converteu-se num espaçopublicitário e midiático. Advieram arestrição da política e o enfraqueci-mento da cidadania. Essa crise de ci-vilidade, manifestou Heloísa, leva auma emancipação dos indivíduos detodo e qualquer enquadramentonormativo, à aversão à esfera públicae ao sentido de obrigação civil.

Nesse cenário, as coleti-vidades perdem o comando deseus destinos. Ela também ci-tou Milton Santos: nenhumaregulação é possível, porquenão é desejada. “É nesse con-

junto de fragmentos que me inspiropara referir a epidemia transcenden-te, e que consistiria na incapacidade

de regulação do Estado”, disse. Comovai desaparecendo esse grande cen-tro coordenador capaz de impor umafinalidade comum ao conjunto soci-al, surge aos poucos um conceito deregulamentação circunstancial, pró-prio das corporações.

“Em contexto, pois, de debili-tação do agente estatal, de qual vi-gilância estaríamos falando?”, inda-gou Heloísa. “O que foi a vigilânciaem suas origens, sobre as cidades esobre as doenças, senão uma das ex-pressões do nascimento do Estado?”Ela citou as clínicas populares, “essadoença emergente”, os consultóri-os de bairro, os falsos contratos, asburlas à lei e toda uma gama de açõesirregulares empreendidas pelascorporações de saúde em nome deum atendimento mais rápido. “Ondeestá o agente estatal?”

À mesa sentava-se ninguém me-nos que o diretor de vigilância

epidemiológica da SVS, ExpeditoLuna, que só pôde concordar comHeloísa ao receber o microfone paraa resposta. Ele disse que o grandedesafio da vigilância é justamente acapacidade reguladora do Estado noespaço privado, e atribuiu as difi-culdades ao fato de termos uma de-mocracia ainda jovem, que precisaser reforçada.

Para Heloísa, entretanto, se avigilância não se faz mais possível nosmoldes em que a concebemos, tam-bém não pode mais ser compreendi-da como antes: ações que se reali-zam com prudência, com precaução,para evitarmos riscos. “Proponho en-tão que essas ações sejam realizadascom ousadia, com audácia, o que so-mente se pode materializar no cam-po da ação política, essa sim, capazde resgatar o papel do Estado e a for-ça transformadora dos cidadãos.” Aturma lá do alto aplaudiu.

Entrada daexposição no Centro de

Convenções de Pernambuco

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SUS VERDE

Katia Machado

Acordos de cooperação técni-ca, aquisição de veículos paradeslocamento das equipesde saúde nas extensas regiões

da Amazônia, estruturação de serviçosde urgência e emergência, criação decentros de referências, contrataçãoe capacitação de profissionais de saú-de em áreas de difícil acesso, incenti-vo à pesquisa, à produção de medica-mentos fitoterápicos, construção deUnidades Básicas de Saúde (UBS) ede unidades intinerantes e expan-são da rede laboratorial de saúde.Essas foram algumas das prioridadesapontadas na oficina de trabalho“Amazônia legal, construindo umabase macrorregional para um investi-mento integrado e sustentado”, rea-lizada em Brasília, no mês de junho.

Dando continuidade à construçãode um plano de Saúde para a Amazô-nia Legal, o encontro reuniu gestorese profissionais de saúde, representan-tes do Conasems (Conselho Nacionalde Secretários de Saúde) e do Conass(Conselho Nacional de SecretáriosMunicipais de Saúde) e técnicos dosministérios da Saúde, da Integração,do Desenvolvimento Social e do MeioAmbiente. O objetivo da oficina, or-ganizada pela Diretoria de Investimen-to e Projetos Estratégicos de Saúde(Dipe) do MS, foi o de consolidar umplano de investimento de curto, mé-dio e longo prazo para a região Ama-zônica, que há anos carece de recur-sos financeiros e humanos.

Distribuídos em grupos de traba-lho, os participantes da oficina de-bateram as situações sanitária,socioeconômica e organizacional daregião para construir um mapa de in-vestimentos. Levando em conta a ur-gência de injeção de dinheiro na edu-cação e no trabalho em saúde, nagestão descentralizada e participativa,na atenção às áreas de saúde, ciência,tecnologia e inovação, na vigilância emsaúde, na saúde indígena e de outraspopulações vulneráveis, como as ribei-rinhas, a oficina tentou encontrar res-postas para as seguintes perguntas:qual a infra-estrutura necessária para

a montagem de uma rede de serviçoque torne o sistema de saúde da re-gião funcional?; qual a infra-estruturanecessária para garantir a universali-dade e a integralidade da atenção àsaúde na fronteira da Região Amazôni-ca?; em vista dos grandes projetos eco-nômicos, da ampliação das fronteirasagrícolas, da abertura de rodovias e docrescimento da demanda por produ-ção de biotecnologia, quais são os in-vestimentos que o setor saúde deverárealizar na Amazônia?

Milton Moreira, secretário esta-dual de Saúde de Rondônia, chamouatenção especial para a dificuldadeque a região tem em atrair e firmarprofissionais na área. “A Amazônia ca-rece de recursos humanos. Para tan-to, precisamos de um investimentoreal”, reclamou. Alex Fiúza, reitor da

Universidade Federal do Pará e PhDem Ciências Sociais pela Unicamp, pre-feriu destacar a necessidade de for-mação de recursos humanos. “O de-senvolvimento da região, apesar dosrecursos naturais importantes a seremapropriados, depende diretamente doprofissional que nela vai atuar”, disse.Para ele, não há necessidade de bus-car profissionais de fora. “Assim comoos recursos naturais, os recursos hu-manos já estão na região. O proble-ma é que nunca houve investimentoreal na área”. Falta um plano nacio-nal claro para a Amazônia, uma áreacom tanta diversidade.

Na opinião de Wagner de JesusMartins, coordenador-geral de inves-timento em saúde da Dipe/MS e tam-bém do evento, a oficina impulsionoua construção do Plano Regional Dire-tor de Investimento (PRDI) do minis-tério pelos representantes das trêsesferas de governo. Segundo ele, aspropostas sugeridas serão analisadaspelo MS e incorporadas ao plano deinvestimentos. Para viabilizar as ações,o MS passará a contar com o Qualisus-— Projeto de Qualificação do Siste-ma Único de Saúde (ver box).

“Foi um momento histórico”, re-sumiu os debates Edna Shutz, secre-tária municipal de Saúde de Espigãodo Oeste, em Rondônia, também vice-presidente do Conasems da RegiãoNorte, que na abertura dos trabalhosjá antecipara: “Estamos reunidos paramudar a cara da região”.

Um mapa de investimentospara a Amazônia Legal

Eqüidade no SUS

OQualisus, lançado pelo ministroHumberto Costa em 8 de julho

no campus da Fiocruz, no Rio de Ja-neiro, visa financiar ações e qualifi-car o SUS, com ampliação do acesso,melhoria da qualidade e da eficiên-cia do sistema e promoção de eqüi-dade nas ações e serviços de saúde.Para tanto, os recursos do Qualisusserão distribuídos de acordo com adiver-sidade regional do país, os as-pectos geográficos, demográficos,sociais e econômicos. A concepçãodo Qualisus incorpora mecanismos de

melhoria da capacidade de gestão,do controle social, da redução deiniqüidades, da integralidade do sis-tema e da racio-nalidade dos investi-mentos em infra-estrutura. Paraminimizar a iniqüi-dade no país, o pro-jeto pretende usar o conceito depopulação SUS-Dependente. Ou seja,estabelecerá parâmetros paraalocação de recursos físicos e huma-nos de acordo com o perfil da popu-lação que depende exclusivamentedo SUS e que não tem condições depagar planos de saúde privados.

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Wagner Vasconcelos

Na discussão de rumos eestratégias para a saúdenacional, os conflitos pa-recem se multiplicar na

mesma proporção em que os recur-sos parecem se esvair. Em meio a te-mores de mais uma tentativa de apli-cação, pela União, das verbas dasaúde em outras ações e serviçospúblicos, desvirtuando o que deter-mina a Emenda Constitucional nº 29,uma nova discussão sobre os destinosdo setor foi deflagrada no Congresso.Está pronto o Projeto de Lei Comple-mentar nº 1/2003 (PLP-01/03), que de-fine o montante de recursos a ser des-tinado a ações e serviços públicos desaúde pela União, pelos estados eos municípios. Se aprovado, trarámudanças em relação à vinculaçãodas verbas e delimitará de uma vezpor todas o conceito do que sejamações e serviços de saúde para efei-to de financiamento.

De autoria do deputado RobertoGouveia (PT-SP), o PLP-01/03 previaa aplicação na saúde, a partir de 2005,de 11,5% das receitas advindas de im-postos e contribuições da União,descontadas as transferências cons-titucionais. Mas o relator do proje-to, deputado Guilherme Menezes(PT-BA), fez algumas alterações notexto com o objetivo de conseguirmais recursos. A proposta dele (etambém a proposta aprovada pelaPlenária da 12ª Conferência Nacio-nal de Saúde, em novembro) é que aUnião destine a ações e serviços de

saúde, no mínimo, 10% de suas re-ceitas correntes brutas, que sãotodos os tributos recolhidos pelogoverno (impostos, contribuições etaxas) mais as receitas patrimoniaisprovenientes dos setores agrícola,industrial e de serviços.

"Em termos monetários, toman-do o exercício financeiro de 2002, issorepresentaria um montante de cer-ca de R$ 34 bilhões. Já a propostacontida no projeto principal, que éa de tomar como base de cálculo asreceitas de impostos e contribuições,deduzidas as transferências constitu-cionais, representa um montante derecursos de R$ 28 bilhões", diz o re-latório do deputado GuilhermeMenezes. Outro exemplo: se a pro-posta do deputado já estivesse emvigor, a União teria de repassar à saú-de, em 2004, um total aproximado deR$ 43 bilhões, já que as receitas cor-rentes brutas devem fechar em cer-ca de R$ 436 bilhões. Ou seja, umaumento significativo em relação aosR$ 36,5 bilhões que de fato estão

previstos no orçamento dasaúde para este ano. Paraestados e municípios, os re-passes continuariam comoestão, pelo PLP-01/03: 12% e15%, diz o relatório.

O deputado Gui-lhermeMenezes está otimista emrelação aos resultados quea aprovação do projetopode trazer. "O PLP-01/03contribuirá decisivamentepara que o SUS se consti-tua ainda mais no plano desaúde de todos os brasilei-

ros", diz. "Ele reforça no SUS o serhumano como fim, não como meio”.Para ele, o projeto estabelece querecursos da União, dos estados, doDistrito Federal e dos municípios des-tinados às ações e serviços de saú-de sejam distribuídos obedecendo acritérios de necessidade de saúdeda população, ao mesmo tempo emque será obedecido o princípio deigualdade de recursos para necessi-dades iguais.

AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDEO Projeto de Lei Complementar

01/03 traça linhas objetivas sobre oque é e o que deixa de ser ação eserviço de saúde. Ações e serviçosde saúde são as que seguem deter-minadas diretrizes: acesso universal,igualitário e gratuito em conformi-dade com os objetivos e as metasexplicitados no planejamento de saú-de de cada ente da Federação. Alémdisso, "que seja de responsabilidadeespecífica do setor de saúde, nãose confundindo com despesas rela-cionadas a outras políticas públicasque atuam sobre determinantes so-ciais e econômicos, ainda que inci-dentes sobre as condições de saú-de", estabelece o projeto. Umareferência ao uso das verbas da saú-de em assistência social, combate àfome, aposentadorias e saneaento.

O PLP-01/03 regulamenta o 3ºparágrafo do Artigo 198 da Constitui-ção Federal, que determina a cria-ção de lei complementar estabelecen-do, a partir de 2005, percentuais,normas de fiscalização, avaliação econtrole das despesas com saúde nastrês esferas de poder. O projeto já

PEC 29

Congresso revê as verbas da saúde

O Radis adverte

Poluição faz mal à saúde e dá prejuízo!

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AFundação Oswaldo Cruz vaipromover, entre os dias 20 e22 de setembro, o 3º Semi-nário Nacional de Saúde e

Ambiente no auditório do BNDES, noRio de Janeiro. Representantes de uni-versidades nacionais e internacionais,dos ministérios da Saúde e do MeioAmbiente, da Organização Pan-Ameri-cana de Saúde (Opas) e do CongressoNacional discutirão temas que variamda "Sustentabilidade e impactos denovas tecnologias" a "Certezas e incer-tezas sobre os organismos genetica-mente modificados". Da programaçãoconsta a premiação de projetos edu-cacionais sobre o tema que utilizem aarte como instrumento de produçãoe difusão de conhecimentos.

Para o vice-presidente de Serviçosde Referência e Ambiente da Fiocruz,Ary Carvalho de Miranda, os pontos dedestaque no seminário deste ano sãoaqueles relacionados à formulação depolíticas sociais de meio ambiente e aos

E ainda Niede Guidon (FundaçãoMuseu do Homem Americano), HenriAcselrad (Ippur/UFRJ), Marcelo Firpode Souza Porto (Fiocruz), Renaud dePlaen (IDRC, Canadá), Brian Wynne,da Lancaster University (Reino Uni-do), participa da mesa-redonda “Cer-tezas e incertezas sobre os organis-mos geneticamente modificados”,com Deise Maria Fontana Capalbo, daEmbrapa, sob a coordenação de JoséEduardo Pessoa Andrade, do BNDES.O duelo entre duas visões opostassobre transgênicos vai esquentar oseminário.

As inscrições para o evento podem serfeitas, gratuitamente, pelo [email protected] ou pelos correi-os, para o seguinte endereço: Secre-taria Executiva do 3º Seminário Naci-onal de Saúde e Ambiente — SRPromoções Culturais, Rua MartinsFerreira, 73, Botafogo, Rio de Janei-ro/RJ. CEP: 22.271-010. Ou ainda pelotelefone (21) 2527-2783.

Em debate, novas tecnologias e OGMs

impactos das tecnologias no setor desaúde e de meio ambiente.

Participam como conferencistasou debatedores o professor JaimeBreilh, do Centro de Estúdios de Am-biente y Salud do Equador, Guilher-me Franco Netto e Marcus Barros,dos ministérios da Saúde e do MeioAmbiente, respectivamente, o depu-tado federal Fernando Gabeira (sempartido-RJ) e Lia Giraldo, da Fiocruz;Jacobo Finkelman, ex-gerente daOpas, Wilmar Barbosa (Coppe/UFRJ),Anamaria Testa Tambellini (Nesc/UFRJ), Antonio Carlos Robert Moraes(USP), Mauricio Monken (Fiocruz).

foi apreciado pela Comissão deSeguridade Social e Família, no dia 07de julho. Mas o deputado DarcísioPerondi (PMDB-RS) pediu vistas aoprojeto, um dia antes de o Congres-so votar a Lei de Diretrizes Orçamen-tárias (LDO). Com isso, e devido aorecesso parlamentar, a votação dotexto será adiada, provavelmente,para o mês de novembro. Antes deseguir para votação em plenário, oprojeto ainda tem de passar por maisduas comissões: a de Tributação e ade Constituição, Justiça e Cidadania.

A regulamentação do parágrafo3º do Artigo 198 foi discutida por re-presentantes de vários setores: Mi-nistério da Saúde, Conselho Nacionalde Saúde, conselhos nacionais desecretários estaduais (Conass) e mu-nicipais (Conasems) de Saúde, Comis-são de Seguridade Social e Família daCâmara dos Deputados, Comissão deAssuntos Sociais do Senado, Associa-ção dos Membros do Tribunais deConta (Atricon), Organização Pan-Americana de Saúde (Opas-OMS), Ins-tituto de Pesquisa Econômica Aplica-da (Ipea), Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), Associ-ação Brasileira de Economia da Saú-de (Abres), Conselho Federal de Con-

tabilidade, Fundação Getúlio Vargase Banco do Brasil.

VETO E POLÊMICAOs recursos de financiamento à

saúde no Brasil sempre deram mar-gem a muita polêmica, e uma delasfoi referente à votação da LDO para2004, aprovada em julho do ano pas-sado, mas com vetos do presidenteda República que revoltaram muitosdos que atuam na área.

A gritaria deu-se por causa doveto ao parágrafo 2º do Artigo 59 daLDO que, em outras palavras, deter-minava que só poderia ser considera-do como ações e serviços de saúde oque estava dentro do orçamento —sem contar, entretanto, o pagamentode aposentadorias, os serviços da dí-vida e as despesas financiadas com re-cursos do Fundo de Combate à Po-breza. Segundo os críticos, por causado veto o setor perderia cerca de R$5 bilhões, uma vez que tais despesasseriam pagas com dinheiro do orça-mento da saúde. Diante da controvér-sia, os recursos gastos com o paga-mento de tais dívidas foram repostos.

Mas ainda há preocupações so-bre os rumos que os investimentos emsaúde podem tomar. O médico-sanita-

rista Gilson Carvalho, da USP, alertapara o fato de que o governo estariaestudando a desvinculação de recur-sos da saúde, sob a alegação de que avinculação criaria "uma rigidez orçamen-tária que inibe uma alocação mais jus-ta e eficiente dos recursos públicos".Gilson se baseia num memorando de2003 enviado pelo governo ao FMI. Eletambém teme que ações e serviços desaúde sejam desvirtuados do que estáprevisto no projeto de lei.

Para Gilson, especialista em finan-ciamento da saúde, o governo, saben-do das dificuldades de fazer tais alte-rações na Constituição, pode tentarfazê-las no PLP-01/03. "Vai se procu-rar, pela lei complementar da regula-mentação da Emenda Constitucional29, ampliar o conceito de ações e ser-viços de saúde, acrescentando-lheuma série de outras atividades não-típicas de saúde", receia. “A saúde,que tem pouco dinheiro, teria de ar-car com mais despesas hoje alocadasem outras áreas."

A íntegra do projeto pode ser lida nosite da Câmara. Para acessar, vá awww.camara.gov.br, clique no linkproposições e preencha o campo como nome do projeto — PLP-01/2003.

3º Seminário Nacional de Saúde e Ambiente

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ENTREVISTA

Volnei Garrafa

“O Brasil deve buscar respostas bioéticas próprias”

Wagner Vasconcelos

As discussões sobre ética nocampo da saúde ganharamespaço, mas isso não querdizer que as controvérsias

em torno do assunto estejam pertodo fim. Muito pelo contrário. O pre-sidente da Sociedade Brasileira deBioética (SBB), Volnei Garrafa, sepreocupa com o que classifica de“apropriações indébitas” que gru-pos religiosos e juristas estão fazen-do em relação ao tema bioética.Palestrante no 1º Simpósio Sobre Éti-ca em Pesquisa com Seres Humanos,realizado entre os dias 21 e 26 dejunho no Instituto Fernandes Figuei-ra, no Rio de Janeiro, ele diz quetais “apropriações” acabam passan-do à sociedade uma imagem emba-çada dos reais sentidos bioéticos ede seus objetivos.

Volnei defende a criação urgen-te de comitês de ética nos hospi-tais, ataca a rejeição dos cientistasem debater o assunto e aposta nosucesso da Comissão Nacional deBioética — cujo modelo está sendoformulado e deve ser apresentadoaté novembro deste ano. Nesta en-trevista à Radis, Volnei Garrafa afir-ma que os países da América Latinanão podem seguir importandoacriticamente teorias éticas exter-nas: “A bioética brasileira devepesquisar nosso cotidiano culturalna busca de valores morais genuí-nos à nossa realidade concreta”,disse. A seguir, a entrevista que con-cedeu à Radis.

O Brasil ainda está atrasado embioética?

Costumo dizer que no Brasil abioética é tardia. No mundo, de umaforma geral, ela começou a aparecerno início dos anos 70. No Brasil, issosó se deu formalmente a partir dosanos 90. Por outro lado, ela evoluiuaqui de forma espantosa. Tanto que,em 2002, sediamos o 6º Congresso

Mundial de Bioética, em Brasília, quereuniu 1.400 participantes de 62 paí-ses. Foi nosso teste de maioridade.O tema oficial foi “Bioética, poder einjustiça”. Pela primeira vez, a pautabioética foi internacionalmentepolitizada.

Como era antes?Até o fim dos anos 90, a bioética

era basicamente pautada numa linhachamada “principialista”, ou seja,baseada exclusivamente em quatroprincípios: autonomia, beneficência,não-maleficência e justiça. Correntede origem anglo-saxônica que acabouse tornando hegemônica sobre asdemais, ela superdimensiona o indivi-dual em detrimento do coletivo e éinsuficiente para a análise, por exem-plo, de macroquestões sociais. Aca-ba deixando de lado outros valoresculturais, como os nossos, latinos, ba-seados nas virtudes, na proteção aosvulneráveis, na solidariedade. Pode-mos dizer que incorporamos novosvalores à pauta internacional e que oBrasil não aceita importar pacoteséticos acriticamente.

Como é a nossa ética de caráter maissolidário? O que isso significa?

Os países do Hemisfério Sul domundo, principalmente na AméricaLatina, devem buscar suas própriasrespostas bioéticas para a resolu-ção dos seus problemas. Não po-dem seguir importando acri-ticamente teorias éticas externas.Nesse sentido, a bioética brasilei-ra deve pesquisar nosso cotidianocultural na busca de valores moraisgenuínos à nossa realidade concre-ta. Como latinos, o campo das “vir-tudes” precisa ser mais explorado,possibilitando melhor compreen-são de termos como solidariedade,responsabilidade, tolerância e oque venho chamando de os qua-tro “pê s” pa ra uma b i oé t i cacomprometida com o século 21:prudência, prevenção, proteção eprecaução.

Quais as resistências à bioética noBrasil?

Há uma espécie de endeusa-mento da ciência, e vários cientis-tas não aceitam intensificar os de-bates. Pensam que sabem de éticaespontânea e naturalmente. Isso éum equívoco, pois a bioética tem umestatuto epis-temológico próprio eprecisa ser estudada. Precisamossempre buscar respostas socialmen-te úteis e moralmente aceitáveis.Também há muita incom-preensãopolítica sobre o que é a bioética e oque ela representa. Como exemplo,temos a Lei de Biossegurança. A Co-missão de Educação do Senado re-centemente chamou 40 entidadespara discuti-la, mas, absurdamente,deixou de fora a SBB.

Que mudanças são necessárias naResolução 196?

O Ministério da Saúde montouuma comissão para formular uma re-solução que regulamentasse a pesqui-sa com seres humanos no Brasil. Naépoca, isso foi um avanço, mas, comotodo documento, precisa ser revis-ta. Primeiro, a resolução do MS pre-

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cisa se transformar em lei, e maisabrangente. Segundo, a resolução éprincipialista. Portanto, temos decontextualizá-la. E, terceiro, a com-posição da Comissão Nacional de Éti-ca em Pesquisa (Conep) não deve maisser feita por sorteio a partir de no-mes indicados pelos comitês locais. Épreciso que essa escolha sejameritória.

Por quê?Há no Brasil cerca de 400 comi-

tês de ética que não estão sendo ade-quadamente avaliados. A Conep, hoje,tem uma composição frágil do pontode vista acadêmico e de formação embioética. Há integrantes de qualida-de, mas a média está muito aquém dareal qualidade acadêmica dos camposcientífico-tecnológico e da bioética.Apenas um terço desses 400 comitêsé de ótima ou boa qualidade. Outroterço é razoável e precisa de treina-mento específico. E o último terço nãotem condições de funcionamento.

De que forma isso prejudica o traba-lho da Conep?

A Conep, devido a sua políticacentralizada e centralizadora, estásobrecarregada, o que não permiteuma avaliação aprofundada do núme-ro excessivo de projetos que rece-be, que acabam aprovados a toquede caixa, muitos praticamente semdiscussão. Os comitês locais não sãoavaliados, e isso é urgente que sefaça, porque os Ceps (comitês deética em pesquisa) de qualidade de-vem ter autonomia exatamente paraevitar a sobrecarga na Conep.

Que confusão se faz com o termobioética?

Alguns setores religiosos vêm seapropriando indebitamente do termoe isso traz certos transtornos. A bioéticalaica não trabalha com absolutismosmorais. Deve haver conflitos de idéias.Afinal, se há absolutismo, não há dis-cussão. No campo do direito aconte-ce coisa semelhante. Criaram de formaoportunista um termo chamado de“biodireito”, que se propõe a substi-tuir a bioética no campo jurídico. Masa raiz ethos desaparece do neologis-mo, trazendo à luz uma visão estrita-mente legalista. Tudo isso passa à soci-edade a idéia de que a bioética éconservadora, o que não é verdade.Defendemos o pluralismo de idéias, enão imposições religiosas ou legais.

O senhor sempre se refere à dife-rença entre ética e moral. Em suavisão, qual é essa diferença?

A diferença é histórica. Paramuitos filósofos, moral e ética signifi-cam a mesma coisa. Particularmente,vejo diferenças na construção histó-rica das duas. A moral está dentro denós, é tudo aquilo que nos é habitu-al, costumeiro. O campo da moral nãotrabalha o legalismo, mas a legitimi-dade. A ética, por sua vez, vem setornando crescentemente legalistaneste século 21, incorporando oscódigos (de ética) profissionais, asregulamentações e normatizações.Com relação aos conflitos morais, al-gumas questões devem ser necessa-riamente legalizadas. Outras, é pre-ferível que sejam deixadas mais“livres”, para que a decisão aconte-ça de acordo com a moralidade decada pessoa, de cada cultura, nummundo irreversivelmente pluralista sobo ponto de vista de moralidades.

pluralistas de bioética para discutiras prioridades. No Brasil, os comi-tês de ética ainda estão muito res-tritos à área da pesquisa e da atua-ção profissional.

Quais os passos do país no campo dabioética?

No fim do ano passado, o governonomeou um grupo de trabalho paraconstituir a Comissão Nacional deBioética. A proposta deve ser entre-gue em novembro deste ano. A SBBparticipa deste grupo e a sociedadebrasileira será consultada. Se já tivés-semos essa comissão, o Projeto de Leide biossegurança, por exemplo, nãoteria chegado tão verde ao Congresso.

Qual será a diferença entre esta co-missão e a Conep?

A Conep e a CTNBio (Comissão Téc-nica Nacional de Biossegurança) são co-missões técnicas para temas específicos(no caso, pesquisas com seres humanosou com a biossegurança). Uma comissãonacional de bioética tem escopo muitomais amplo, deve orientar os poderes Exe-cutivo, Legislativo e Judiciário, serpluralista e multidisciplinar.

O que é bioética de intervenção?Em países periféricos como o

Brasil, o estado tem de intervir emfavor das populações vulneráveis, que,ao contrário do que acontece nospaíses centrais, não têm autonomia.Para isso, é preciso priorizar recur-sos para a área da saúde. No Brasil,são investidos menos de 3% do PIB emsaúde, enquanto nos países desen-volvidos esse índice varia entre 10% a14%. Gastamos pouco e gastamos malem saúde. A bioética de intervençãodefende a legitimidade do papel doEstado na proteção das maioriaspopulacionais excluídas.

O que é bioética de situações per-sistentes e de situações emergentes?

Chamo de persistentes aquelassituações historicamente configura-das, que persistem desde épocas re-motas de nosso desenvolvimento. En-tre elas, incluo a exclusão social,todas as formas de discriminação, avulnerabilidade, o tema da priorizaçãona alocação de recursos escassos emsaúde, o aborto, a eutanásia, entreoutros. As situações emergentes sãoproduto do desenvolvimento cientí-fico e tecnológico acelerado das úl-timas décadas: as novas tecnologiasreprodutivas, os transplantes e a do-ação de órgãos e tecidos humanos, ocampo da genômica com todos osseus desdobramentos morais...

Os cientistaspensam quesabem de éticaespontânea e

naturalmente. Isso éum equívoco, pois a

bioética tem estatutoepistemológico

próprio eprecisa serestudada.

Os dilemas éticos na área da saúdenão se limitam ao campo da pesqui-sa em seres humanos. No dia-a-diados hospitais e postos de saúde osprofissionais da área são obrigadosaté mesmo a escolher o paciente aser atendido. Como ser ético nessesmomentos?

Essas escolhas são mesmo mui-to difíceis. Se houvesse mais recur-sos sendo aplicados, poderíamosprevenir mais esse tipo de situação.Tenho uma posição utilitarista econseqüencialista sobre a decisãoa ser tomada. Isso quer dizer queela deve levar em conta o maiornúmero de pessoas a serem atendi-das, pelo maior espaço de tempo eque tragam as melhores conseqü-ências sociais. Os profissionais desaúde não podem tomar esse tipode decisão isoladamente. É precisoque os hospitais tenham comitês

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SERVIÇO

EVENTOS

4º SEMINÁRIO DO PROJETO

INTEGRALIDADE

Encerram-se no dia 15 de agosto asinscrições para o Seminário do

Projeto Integralidade — Saberes e Prá-ticas nas Instituições de Saúde, quedebate o tema “Cuidado: as frontei-ras da integralidade”. Nesse debate,destacam-se os seguintes assuntos:direito à saúde; saberes e instituiçõesna produção de conhecimento;tecnologias de gestão; informação ecomunicação; e formação em saúde.O evento, em sua quarta edição, éorganizado pelo Laboratório de Pes-quisas sobre Práticas de Integralidadeem Saúde, do Instituto de MedicinaSocial da Uerj.Data 1º a 3 de setembro, das 9h ás 18hLocal Uerj, auditório do IMS, 6º an-dar, sala 6.012, bloco EMais informaçõessite www.lappis.org.br

3ª CONFERÊNCIA MUNDIAL

DE B IOÉTICA

Também se encerram no dia 15/8as inscrições de trabalhos para a

3ª Conferência Mundial sobreBioética, entre 27 de setembro e 1º deoutubro, em Cuenca, na Espanha, or-ganizada pela International Society ofBioethics (Sibi). Com os temas “Proble-mas com água: escassez e contamina-ção”, “Informação e manipulação” e“Pesquisas e usos de células-tronco”,o evento deve reunir os mais renomadosespecialistas no assunto.Mais informaçõesSite www.sibi.org/3congreso/ingles/p1.htm

SEMINÁRIO LAVERAN & DEANE SOBRE

MALÁR IA

Destinado a estudantes de mestra-do e doutorado que desenvol-

vem projetos de pesquisa em malá-ria, esta nona edição do semináriovai discutir projetos de tese emmalariologia de 20 a 24 de setembro,no Rio de Janeiro. A organização édo Laboratório de Pesquisas em Ma-lária do Instituto Oswaldo Cruz, daFiocruz, e as inscrições estão aber-tas até 13 de agosto.Mais informaçõesTel. (21) 3865-8145

Email [email protected] www.ioc.fiocruz.br/laverandeane

NA INTERNET

PROGRAMA PARA ANÁLISES

EPIDEMIOLÓGICAS DE DADOS

TABULADOS

ADireção Geral de Saúde Públicada Galícia, em colaboração com

a OPAS/OMS, está divulgando oEPIDAT 3.0, programa orientado paraanálises epidemiológicas de dados ta-bulados. A última versão do programatem melhor interação com o Windows,ajuda detalhada em hipertexto e focomais didático. O programa, com me-nos de 10 mb, pode ser baixado dapágina da Direção Geral de SaúdePública da Galícia, no endereçohttp://dxsp.sergas.es/default.asp

PUBLICAÇÕES

LANÇAMENTO — EDITORA UFMG

O riso dourado da vilatraz as memórias doprofessor João AmílcarSalgado sobre os anosdourados. No livro, oautor descreve comirreverência sua vidaestudantil na Faculda-de de Medicina daUniversidade Federal de Minas Gerais,época em que o modelo francês, basedo ensino ministrado na universidade, ésubstituído pelo modelo norte-america-no. Salgado descreve o cenário das re-públicas estudantis da época, revela pre-ciosidades do anedotário escolar eformula a curiosa teoria de queNepomuceno é o umbigo do mundo.Mais informaçõesTel. (31) 3499-4650Site www.editora.ufmg.br

LANÇAMENTO — EDITORA DO MS

Revista Saúde e direitos humanos,lançada recentemente pelo Ministé-rio da Saúde em parceria com o Nú-cleo de Estudos em Direitos Humanose Saúde (Nedh) da Escola Nacional deSaúde Pública Sergio Arouca (Ensp) daFiocruz, apresenta em sua primeiraedição vários artigos focalizando asmúltiplas faces da produção do direi-to à saúde. Entre eles, um artigo daconselheira da OMS Helena Nygren-

Krug, que apresenta um histórico so-bre direitos humanos em saúde naOMS. Há ainda textos da ONG Criola edo Projeto Leal, de Alberto LopesNajar, que escreve sobre discrimina-ção racial positiva, de Rosane Maga-lhães, sobre desigualdades sociais, deMaria Helena Barros de Oliveira, queaborda a questão humana do direitoe da saúde, entre outros.A distribuição da revista é gratuita epoderá ser solicitada pelo [email protected] revista está também disponível nosite da Editora do MSwww.saude.gov.br/editora

LANÇAMENTO — EDITORA F IOCRUZ

Itinerário da Lou-cura em TerritórioDogon, de DeniseDias Barros, fazparte da coleção“Loucura e Civiliza-ção”, que debate oprocesso de saúde/doença mental. Aautora fala da emergência da dor e decomo a sociedade de Dogon, na Repú-blica do Máli, África Ocidental, se orga-niza para acolher e explicar esse mo-mento da existência individual e coletiva.Denise permaneceu dois anos na regiãoe pôde compreender como esse povotraduz a loucura. Fotos de Gianni Puzzo,da Casa das Áfricas, ilustram o livro.Mais informaçõesEditora Fiocruz, Av. Brasil, 4.036,Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ CEP21040-361Tel. (21) 3882-9039Site: www.fiocruz.br

LANÇAMENTO — ENSP/FIOCRUZ

Revista Cadernos de Saúde Pública,da ENSP, lança edição especial (volume20, suplemento 1) com a pesquisa deMaria do Carmo Leal e Silvana GranadoGama, com a Secretaria Municipal deSaúde do Rio de Janeiro, sobre a saúdeperinatal. Entre as informações levan-tadas, o estudo constata que a taxa demortalidade perinatal na cidade é aindaalta, aproximadamente de 16 mortespara cada 1.000 nascidos vivos (1,6%).Mais informaçõesTel. (21) 2598-2511 / (21) 2598-2508site http://www.ensp.fiocruz.br/cspe-mail [email protected]

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PÓS-TUDO

Resumo da memoria apresentada pelodelegado do Brazil a 3ª Convenção Sani-tária Internacional reunida na CidadeMéxico de 2 a 7 de dezembro de 1907[conforme a grafia da época].

Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz

As condições sanitarias do Brazil melhoram de anno em anno, acompanhando

de perto as vantagens colhidas na luta con-tra molestias infectuosas e melhoramentosmateriaes emprehendidos no Rio de Janei-ro, que constituia o principal fóco de disse-minação das infecções por todo Brazil.

A acção dos serviços sanitarios lo-caes dos principaes Estados do Brazil temconseguido manter as boas condiçõessanitanias do paiz e de seus portos.

Alguns casos esporádicos de peste nacidade do Rio de Janeiro e de febre amarella,no Rio, Nitheroy, Pará e Manáos são asmolestias que têm merecido particular cui-dado e cuja extincção completa o Governotem certeza de obter em um futuro muitoproximo. Quanto ao antigo grande fóco defebre amarella no Rio de Janeiro, podere-mos consideral-o praticamente extincto eos poucos casos esporadicos ainda obser-vados tinham a sua origem em pequenosfócos existentes na cidade de Nitheroy,fronteira ao Rio, distando delle apenas 20’e em continua communicação com a Capi-tal. O Governo Federal resolveu intervir,de completo accordo com o Governo local,e a campanha methodicamente levada aefeito naquella cidade está dando o maiscompleto resultado, de maneira que aextincção absoluta da febre amarella no Rioé uma questão de mais alguns mezes.

O problema da prophylaxia da febreamarella no Rio assumiu difficul-dadesenormes, porque se trata duma cidademuito accidentada, coberta de morros,na encosta de montanhas revestidas deabundante vegetação, ocupando umaarea de 133 kilometros quadrados, n’umaextensão maior de 60 kilometros, por umalargura de 4 a 5, e com uma populaçãosuperior a 811,000 habitantes.

Quanto ao impaludismo, após aprophylaxia instituida, de accordo com aidéa de sua transmissão unica pelos mos-quitos, tem diminuido enormemente naszonas beneficiadas.

O trachoma foi observado em algu-mas localidades do Estado de S. Paulo, en-tre imigrantes. A administração sanitariade S. Paulo, uma das melhores do Brazil,installou um serviço especial de prophylaxia,que tem impedido a diffusão da molestia,cuja introducção tem sido vedada pelo exa-me dos immigrantes nos portos. [...]

Em summa, actualmente o estadosanitario do Rio de Janeiro é muitofavoravel. Com uma cifra de mortalidadede 21.7 por 1,000 habitantes, é uma dasmais salubres das cidades tropicaes e maissalubre que muitas cidades européas comoMadrid, Lisbôa, Athenas, S. Petersburgo,Napoles e tantas outras.

ESTADO SANITARIO DOS PORTOS

No ponto de vista da prophylaxia inter-nacional maritima, já se acham completamenteinstallados os portos do Rio de Janeiro e San-tos, que estão dotados dum desinfectoriofluctuante com apparelhos Claytos, estufa,camaras de formol e enxofre, dum hospital deisolamento e da vigilancia medica, em terra.Esses dois portos são auxiliados nas grandesemergencias pelo antigo Lazareto da IlhaGrande, hoje transformado em estação dedesinfecção e observação. Dentro de pou-cos mezes ficarão preparados os portos daBahia, Pará, Maranhão e Rio Grande do Sul,para os quaes estão sendo construidos

desinfectorios fluctuantes. O antigoLazareto de Tamandaré, em Pernambuco,transformado em estação de desinfecção eobservação sanitarias, encarrega-se dotratamento sanitario dos navios que de-mandam os portos com-prehendidos entrea Bahia e Rio Grande do Norte, para o queestá devidamente apparelhado. Osnavios que se dirigem ao extremonorte do Brazil soffrem seu trata-mento sanitario na estação deTatuóca, no Pará, onde tambem,como em Tamandaré e Ilha Grande,existem um desinfector terrestre, hospitalde isolamento e pavilhões de observação,para quando esta se faz necessaria (passa-geiros de 3ª classe). [...]

O Governo Federal pensa apresen-tar ao Congresso Nacional um projectode organização sanitaria completa detodos os portos do Brazil. [...]

ABASTECIMENTO D’AGUA

Estão iniciados e proseguem com gran-de actividade os trabalhos de captação denovos mananciaes, que farão com que, ácidade do Rio de Janeiro sejam distribuidos360 milhões de litros diarios, o que dará umamédia superior a 440 litros por habitante.

ESGOTOS

As principaes cidades do Brazil são do-tadas de redes de esgotos. No Rio de Janeiro,o Governo pensa substituir o tratamentochimico das aguas fecaes, actualmente utili-zado, pelo tratamento biologico d’esseeffluente, para o que organizou umaCommissão de estudos que prosegue aexperiencias conscien-ciosas, em um leito deobservação installado para esse fim. [...]

O Brazil continua a dirigir-se pela leisanitaria de 5 de janeiro de 1904, cujaacção foi prorogada por decisão do Con-gresso, deste anno.

In: OSWALDO Gonçalves Cruz: Operaomnia. [Rio de Janeiro: Impr. Brasileira],1972. 747p. p.527-540. Texto em portu-guês e inglês. Íntegra na Biblioteca Vir-tual da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz(www.prossiga.br/oswaldocruz/)

O olhar de Oswaldo

O O Rio antes da reforma

urbana do início do século 19

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Page 36: A cidade e a saúde - RADIS Comunicação e Saúde · sileiro de Epidemiologia (ver cober-tura na página 8), mostrando que o preparo de profissionais de nível mé-dio na informação

RADIS 24 � AGO/2004

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Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

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