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A CIÊNCIA DA FELICIDADE: OS DESAFIOS DE UMA NOVA RELIGIÃO JAPONESA NO BRASIL Diogo Gonçalves Ferreira ** Rafael Vilaça Epifani Costa *** Resumo A Happy Science, ou Ciência da Felicidade, é uma religião fundada pelo empresário japonês Ryuho Okawa. Embora seja uma religião recente, ela rapidamente se espalhou pelo mundo, assim como outras Novas Religiões Japonesas (NRJ), divulgando não apenas a sua doutrina, pautada em um pesado sincretismo de elementos religiosos do Oriente e do Ocidente, como também lançando mão de um inovador modelo de proselitismo que vem gerando resultados. Um desses resultados foi a chegada da religião no Brasil, um país que há muito tempo vêm acolhendo religiões oriundas do Japão. Este trabalho tem por finalidade apresentar uma visão geral da Ciência da Felicidade, sua doutrina, sua atual situação no Brasil, e os planos do seu fundador com a implantação desta curiosa religião no país. Palavras-chave: Ciência da Felicidade. Novas Religiões Japonesas. Religiões no Brasil. INTRODUÇÃO A Kôfuku no Kagaku (do japonês, Ciência da Felicidade), ou Happy Science, como é conhecida internacionalmente, foi fundada em 1986 pelo empresário japonês Ryuho Okawa. Segundo a Ciência da Felicidade, em 1981, Okawa atingiu a Iluminação, tomando consciência de que é a atual reencarnação do Deus Criador, chamado El Cantare, que ao longo das eras escolheu outras figuras religiosas como Buda, Jesus, Moisés, Confúcio e Nichiren para difundir sua mensagem pelo mundo, tal como fez com Okawa. A Ciência da Felicidade possui uma doutrina sincrética, que abarca desde princípios do Budismo, Cristianismo, Xintoísmo até o culto a entidades próprias. A doutrina dessa nova religião também se apropria além dos elementos das religiões acima citadas, conceitos da Nova Era, Trabalho apresentado no III Congresso Nordestino de Ciências da Religião, realizado entre os dias 08 e 10 de setembro de 2016 na UNICAP, PE. ** Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco. *** Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco.

A CIÊNCIA DA FELICIDADE: OS DESAFIOS DE UMA NOVA …

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A CIÊNCIA DA FELICIDADE: OS DESAFIOS DE UMA NOVA RELIGIÃO

JAPONESA NO BRASIL

Diogo Gonçalves Ferreira**

Rafael Vilaça Epifani Costa***

Resumo

A Happy Science, ou Ciência da Felicidade, é uma religião fundada pelo empresário japonês Ryuho Okawa. Embora seja uma religião recente, ela rapidamente se espalhou pelo mundo, assim como outras Novas Religiões Japonesas (NRJ), divulgando não apenas a sua doutrina,

pautada em um pesado sincretismo de elementos religiosos do Oriente e do Ocidente, como também lançando mão de um inovador modelo de proselitismo que vem gerando resultados.

Um desses resultados foi a chegada da religião no Brasil, um país que há muito tempo vêm acolhendo religiões oriundas do Japão. Este trabalho tem por finalidade apresentar uma visão geral da Ciência da Felicidade, sua doutrina, sua atual situação no Brasil, e os planos do seu fundador com a implantação desta curiosa religião no país.

Palavras-chave: Ciência da Felicidade. Novas Religiões Japonesas. Religiões no Brasil.

INTRODUÇÃO

A Kôfuku no Kagaku (do japonês, Ciência da Felicidade), ou Happy

Science, como é conhecida internacionalmente, foi fundada em 1986 pelo

empresário japonês Ryuho Okawa. Segundo a Ciência da Felicidade, em

1981, Okawa atingiu a Iluminação, tomando consciência de que é a atual

reencarnação do Deus Criador, chamado El Cantare, que ao longo das

eras escolheu outras figuras religiosas como Buda, Jesus, Moisés, Confúcio

e Nichiren para difundir sua mensagem pelo mundo, tal como fez com

Okawa.

A Ciência da Felicidade possui uma doutrina sincrética, que abarca

desde princípios do Budismo, Cristianismo, Xintoísmo até o culto a

entidades próprias. A doutrina dessa nova religião também se apropria

além dos elementos das religiões acima citadas, conceitos da Nova Era,

Trabalho apresentado no III Congresso Nordestino de Ciências da Religião, realizado

entre os dias 08 e 10 de setembro de 2016 na UNICAP, PE. ** Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco. *** Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco.

III CONGRESSO NORDESTINO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO E TEOLOGIA | Recife, 8 a 10 de setembro de 2016

513 GT 6 – Religiões Orientais | Diogo Gonçalves Ferreira /Rafael Vilaça Epifani Costa

como a existência da mítica Atlântida, civilizações extraterrestres e um

complexo sistema de vida após a morte baseado em planos espirituais.

Embora seja uma religião fundada recentemente, ela se espalhou

rapidamente pelo mundo – assim como outras Novas Religiões Japonesas

(NRJ) –, divulgando não apenas a sua doutrina, como também lançando

mão de um inovador modelo de proselitismo que vem gerando resultados.

Um desses resultados foi a chegada da religião no Brasil, um país que há

muito tempo vêm acolhendo religiões oriundas do Japão.

Este trabalho tem por finalidade apresentar uma visão geral da

Ciência da Felicidade, sua doutrina, sua atual situação no Brasil, e os

planos do seu fundador com a implantação desta curiosa religião no país.

RYUHO OKAWA

O nome verdadeiro de Ryuho Okawa é Nakagawa Takashi, tendo ele

nascido na ilha de Shikoku em 07 de julho de 1956. As inclinações

religiosas de Okawa se devem ao seu pai, que foi membro de uma NRJ

chamada Associação da Luz de Deus, fundada em 1969 por Takahashi

Shinji.

Os seus ensinamentos básicos têm por base uma série de ideias

existentes no mundo religioso japonês, incluindo os valores morais

budistas e confucionistas relacionados com o auto-

aperfeiçoamento através da formação espiritual, e a crença na

interdependência entre os vivos e os espíritos dos mortos. [...] Os

ensinamentos de Takahashi tiveram um grande impacto no

desenvolvimento de outras novas religiões, como o Kôkufu no

Kagaku. Este movimento, agora uma das maiores novas religiões

japonesas (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 258).

O forte contato de Okawa com as crenças de sua família fez com

que nutrisse um forte sentimento religioso, inspirado no arquétipo oriental

do Deus-Vivo – do japonês, ikigami –, dessa forma, assumindo o papel de

“messias moderno”, o qual possuiria a missão de redimir a humanidade

através de novas revelações ditadas diretamente por Deus.

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A despeito dessa crença japonesa em líderes religiosos como

“Deuses-Vivos”, temos esta prática presente em outras NRJ surgidas

antes da Ciência da Felicidade, a exemplo de Motiki Okada, fundador da

Igreja Messiânica Mundial, que atribuiu a si o título de Meishu-Sama – “O

Senhor da Luz”. Também temos outros líderes religiosos como Yoshikazu

Okada, fundador da Mahikari, que adotou o título honorífico de Kotama –

“Joia de Luz” – e Miki Nakayama, fundadora da Tenrikyo, como Oyassama

– “Nossa Mãe”. Fora do Japão, o maior exponente desse “messianismo

oriental” é Sun Myung Moon (1920-2012), fundador da Igreja da

Unificação, na Coreia do Sul, o qual seus seguidores acreditam ser a

manifestação da Segunda Vinda de Cristo.

Dessa forma, aos vinte e cinco anos, tal como as figuras acima

citadas, Okawa passou a receber uma série de mensagens dos mundos

espirituais.

Em 23 de março de 1981, pouco antes de se formar na

Universidade, Okawa começou a receber mensagens de um

espírito superior, e muitos outros espíritos divinos começaram a

entrar em contato com ele. Em julho de 1981, ele se tornou

consciente de sua missão de trazer felicidade para toda a

humanidade e de sua identidade como a encarnação do grande

espírito, El Cantare. [...] Seu pai, Saburo Yoshikawa, gravou os

diálogos mantidos entre Okawa e vários espíritos, tendo editado

uma grande quantidade de registros. Mais de quatro anos depois

do início das experiências religiosas de Okawa, foi publicado o

primeiro volume destas mensagens espirituais. Foi intitulado

Nichiren no Reigen (As Mensagens Espirituais de Nichiren) e saindo

sob o nome de Yoshikawa (1985). Em 1986, com a idade de trinta

anos, Okawa deixou a sua empresa e estabeleceu a Kofuku-no-

Kagaku (Instituto de Pesquisa para Desenvolvimento da Felicidade

Humana), que obteve o status oficial de religião, em Tóquio, em

1991 (CLARKE, 2006, p. 467).1

1 On 23 March 1981, just before graduating from University, Okawa suddenly began to

receive messages from a high spirit, and many more divine spirits started to contact

him. In July 1981, he became aware of his mission to bring happiness to all humanity

and of his identity as the incarnation of the grand spirit, El Cantare. [...] His father,

Saburo Yoshikawa, taped the dialogues held between Okawa and various spirits and

edited a vast amount of recordings. Over four years after Okawa's religious experiences

had first started, the first volume of these spiritual messages was published. It was

entitled Nichiren no Reigen (The Spiritual Messages of Nichiren) and appeared under

Yoshikawa's name (1985). In 1986, at the age of thirty, Okawa left his firm and

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Segundo Okawa, esse “espírito superior” do qual passou a receber

as primeiras mensagens do mundo espiritual era Takahashi Shinji, o

fundador da Associação da Luz de Deus. A partir de então, ele seria

orientado por muitas outras entidades espirituais para conduzir seu

próprio movimento religioso, com base nos conhecimentos que havia

recebido até então.

A DOUTRINA

O texto fundamental da Ciência da Felicidade é o Shin Taiyô no Hou,

do japonês As Leis do Sol, publicado em 1987 por Okawa. Embora não

exista um texto sagrado nos moldes de outras religiões, este livro é uma

espécie de Bíblia, pois contém boa parte da doutrina. Tal como atesta o

próprio autor em sua obra, “a partir de seu lançamento, em 1987, no

Japão, As Leis do Sol se transformou num best-seller com tiragem de sete

milhões de exemplares, tornando conhecidos os nomes de Ryuho Okawa e

da Ciência da felicidade” (OKAWA, 1996, p. 9).

O Deus Criador para a Ciência da Felicidade se chama El Cantare,

que de acordo com Okawa significa “Terra, Magnífico Reino de Luz”

(OKAWA, 1996, p. 38). De acordo com os ensinamentos da Ciência da

Felicidade, El Cantare encarnou sete vezes no mundo: Como La Mu, rei de

uma antiga civilização de mesmo nome; Thoth, sábio da civilização de

Atlântida; Rient Arl Croud, um rei Inca; Ophealis, líder político e militar

grego; Hermes, rei de Creta; Siddharta Gautama, o Buda; e atualmente

como Ryuho Okawa, no Japão. Embora se fale de um Deus Supremo, essa

Divindade se desdobra em muitas outras, algo comum nas NRJ, tal como

explica Rochedieu.

established Kofuku-no-Kagaku (The Institute for Research in Human Happiness), which

obtained official religious body status in Tokyo in 1991.

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O objeto de adoração – quer se trate de Deus, de Buda ou de um

rolo sagrado – não é necessariamente considerado como só e

único; porém, na prática, os fieis de cada religião veem nesse deus

que adoram o Deus único e o “único” que deve merecer

importância. Todavia, em muitos casos, as doutrinas ensinam que

neste único objeto de adoração estão incluídos os antepassados,

todas as outras divindades e os diversos Budas (ROCHEDIEU,

1982, p. 204).

Para se entender o conceito de revelação para a Ciência da

Felicidade, é preciso entender a ideia de espírito guardião. As religiões

japonesas dão muita importância à figura dos antepassados. No entanto,

esses espíritos protetores não são visto como antepassados. A Ciência da

Felicidade considera que esses “espíritos guardiães” são as nossas

próprias encarnações anteriores, as quais nos conferem não apenas

proteção, como também orientação durante nossa vida.

De acordo com os escritos de Okawa, a “revelação” dada por esses

espíritos, se daria por meio do contato do indivíduo com uma encarnação

passada sua, que no caso de Okawa, ocorreu por meio da consciência das

encarnações de El Cantare. Tendo a consciência de suas vidas passadas

como o Ser Supremo, Ryuho conheceu a Verdade Suprema, tornando-se

um Buda, um ser Iluminado, o que, como consequência, também lhe

permite ter livre acesso às revelações de outras personalidades que não

são encarnações diretas do Deus Criador, como Jesus, Moisés, Confúcio, e

outros líderes religiosos, tornando-se um canal para que elas sejam

reveladas ao mundo.

A Ciência da Felicidade é, talvez, a mais sincrética das novas

religiões japonesas, surgidas da metade do século XX para cá. Como

expõe Rochedieu, o sincretismo é um dos elementos mais marcantes das

NRJ, onde constantemente existem referências a religiões nestas

doutrinas.

[...] os Japoneses, ao longo da sua história, mostraram sempre

um gosto acentuado por aquilo que não apresente carácter

dogmático e uma admirável maleabilidade no seu poder de

adaptação. Praticam a arte de harmonizar pontos de vista opostos

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e detestam opiniões demasiado rígidas. Sem dificuldade farão as

suas devoções sucessivamente diante de uma efígie de Buda, no

santuário xintoísta e ainda numa igreja cristã. Esta disposição de

espírito encontra-se nas novas religiões, onde podemos ouvir

pronunciar, da mesma assentada, os nomes de Cristo, de Buda, de

Confúcio, de Maomé e do fundador da seita que está a celebrar o

serviço (ROCHEDIEU, 1982, pp. 199-200).

Um dos exemplos dessa devoção pautada em um sincretismo de

crenças orientais e ocidentais está na própria figura de El Cantare, que, de

acordo com a doutrina da Ciência da Felicidade, encarnou em diversas

figuras religiosas, como o Buda, o rei Hermes, entidades próprias da

religião, como La Mu, e, atualmente, fazendo morada na pessoa de

Ryuho.

Algo interessante a pontuar é que a figura de Jesus é praticamente

citada em todas as obras de Okawa, o que o levou a escrever um livro

específico chamado Iesu Kirisuto-no-Reigen, do japonês, Mensagens de

Jesus Cristo. Segundo tal obra, Jesus foi um importante enviado de Deus

para ensinar o amor à humanidade. Quando Jesus se referia ao “Pai”,

fazia alusão à El Cantare. E quando esteve presente na Terra, teve a sua

missão guiada pelo espírito de Hermes. Da mesma forma que o

Cristianismo, a Ciência da Felicidade ensina que Jesus foi crucificado,

ressuscitou dos mortos e ascendeu aos planos superiores, de onde voltará

num futuro próximo para inaugurar uma nova era no mundo, através dos

novos ensinamentos promulgados pela Religião de Okawa.

[...] isso deverá acontecer, e não será num futuro muito distante.

Creio que ocorrerá dentro de uns 400 anos. O local ainda não está

definido, porém, provavelmente será numa nação hoje

considerada ocidental. Ao nascer nesse país, pretendo ampliar o

grande mundo de amor. Utilizando o trabalho da Happy Science

como base, como se fosse o Antigo Testamento, eu pretendo

disseminar um Novo Testamento, a Nova Bíblia. Pretendo difundir

um Novo Evangelho (OKAWA, 2009, p. 128).

Em relação à vida após a morte, seu sistema de crenças apresenta

um plano espiritual composto de dimensões. Além das três dimensões que

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vivemos, existem a 4ª (Mundo dos espíritos puros e Inferno), 5ª (Mundo

dos virtuosos), 6ª (Mundo das pessoas que promoveram a evolução da

humanidade), 7ª (Mundo dos Bosatsus, divindades, etc.), 8ª (Mundo dos

Nyorai, Budas, etc.), 9ª (Mundo Cósmico). A partir de então, essas

dimensões chegam limite no qual não podem ser mais descritas. Nas

palavras de Okawa, “a explicação [dessa cosmologia] através da

linguagem só é possível até esse nível dimensional; Buda Fundamental

(Deus Criador) do Grande Universo é uma entidade provavelmente de

dimensão igual ou superior à vigésima” (OKAWA, 1996, p. 31). Porém,

vale ressaltar que a cosmologia da Ciência da Felicidade foi adaptada dos

ensinamentos da Associação da Luz de Deus (ADL), religião da qual o pai

de Okawa fez parte (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 262).

Esses planos espirituais são administrados por entidades das mais

diversas ordens, que, através de sua sabedoria são encarregados de

ministrar suas luzes. Entre algumas dessas personalidades se encontram o

próprio Buda, Moisés, Jesus, Maitreya, Confúcio, Manu, e até o cientista

Isaac Newton.

A doutrina ética da Ciência da Felicidade está assentada, em sua

maioria, sobre os ensinamentos do Budismo ortodoxo. No entanto, tais

ensinamentos foram renomeados de acordo com as crenças de Okawa.

Assim, “As Quatro Nobres Verdades” tornaram-se “Os Quatro Princípios da

Felicidade” (amor, sabedoria, reflexão e desenvolvimento). Alguns

princípios judaico-cristãos como os Dez Mandamentos também se uniram

ao “Nobre Caminho Óctuplo” do Budismo. Dessa forma, seria possível

transcender as barreiras religiosas, e com a união de tais verdades

atemporais seria possível aproximar os homens do amor de Deus, uma

vez que El Cantare é o “Deus do Amor”.

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O PERFIL DE UMA NOVA NRJ

A Ciência da Felicidade está inserida no espectro de religiões que

surgiram entre o fim do século XIX e início do século XX. A este grupo de

religiões denominamos de Novos Movimentos Religiosos (NMR). No

entanto, como parte dos NMR, ela também integra as chamadas Novas

Religiões Japonesas (NRJ) – do japonês, shinkô shukyô. Por isso,

precisamos entender a diferença entre estes dois conceitos.

Vamos considerar, aqui, NMR todos os movimentos de cunho

religioso ou espiritualista que tenham surgido recentemente, no

bojo do movimento de contracultura, após 1960. Vamos incluir,

além desses, os movimentos surgidos até no final do século XIX ou

começo do século XX e que permaneceram à margem das grandes

religiões, mas se tornaram mais visíveis junto com os demais

(GUERRIERO, 2010, p. 43).

Muito se fala das novas religiões que surgiram nos Estados Unidos e

em outros países como a Índia. No entanto, com o advento do século XX,

houve uma verdadeira proliferação de religiões em solo nipônico.

Esse surgimento e proliferação de novas religiões se deu, em

especial, pela “derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial e a

promulgação da nova constituição contendo o decreto sobre a liberdade

de culto em todo o país, bem como a separação entre religião e Estado”

(OZAKI, 1990, p. 25). De acordo com o próprio Okawa, a Ciência da

Felicidade está inserida em uma Quinta Onda Religiosa, dentro de uma

classificação das novas religiões que surgiram em solo nipônico.

Primeira Onda Religiosa teve seu início no final da Era Edo (1603 a

1868), permanecendo até o início da Era Meiji (1868 a 1912),

quando surgiram novas religiões, tais como: Kurosumikyo,

Konkokyo e Tenrikyo. A Segunda Onda teve início com o advento

da nova religião chamada Oomotokyo, que teve o seu auge na Era

Taisho (1912 a 1926) até o início da Era Showa (1926 a 1939). A

Terceira Onda representa o pós-guerra, quando houve uma

verdadeira avalanche de novas religiões. A Quarta Onda

representa a década de 70, época em que novas religiões que

exploravam forças espirituais sobrenaturais prosperaram: GLA,

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Mahikari e Agonshu. Embora esta onda tenha servido de ajuda

para recuperar a espiritualidade, estimulou também o surgimento

de seitas que têm causado problemas sociais [que nesta edição

Okawa provavelmente se refere à Aum Shinrikyo]. A Quinta Onda

Religiosa surgiu com o advento da Ciência da Felicidade (OKAWA,

1996, p. 46).

De acordo com a tipologia das NRJ, feita por Shimazono (1994), a

Ciência da Felicidade estaria enquadrada em uma categoria chamada

“ideológico-intelectualizada”. De acordo com Andréa Tomita, essas

religiões

Constituíram-se a partir da junção de bases teóricas com crenças

mágicas de salvação. Os fundadores deste tipo de NRJ eram

pessoas de interesse acadêmico, possuidores, até certo ponto, de

conhecimentos históricos, científicos, religiosos e teorias modernas

em geral. [...] Foi através de uma junção de concepções

intelectualizadas e crenças mágicas de salvação que estas NRJ

ganharam espaço junto ao povo em geral. Neste processo de

junção, destaca-se a singularidade da criatividade conceitual e

poder de orientação destes fundadores (TOMITA, 2014, pp. 132-

133).

E foi por meio do poder carismático do seu fundador que a Ciência

da Felicidade se expandiu rapidamente no Japão, usando como estratégia

os meios de comunicação de massa, técnicas de marketing e propaganda,

estabelecendo suas próprias instituições, prometendo os mais variados

tipos de milagres e prosperidades, materiais e espirituais, e

desenvolvendo um proselitismo mais ativo do que outras NRJ.

Da mesma forma, devemos considerar que, assim como muitas

outras NRJ, a Ciência da Felicidade deu um novo sentido a doutrinas

basilares de religiões tradicionais como o Budismo. De acordo com Nissim

Cohen, o conceito de um Deus criador escapa à doutrina pura do Budismo,

uma vez que “o Buda não apontou para uma suprema força exterior (um

Deus ou deuses) como condição indispensável para a obtenção desta

libertação ou salvação, mas, sim para o interior, para a dinâmica da nossa

vida mental e espiritual” (2008, p. 33). Sobre esta questão, Cohen aponta

para uma gradual transformação da figura da imagem do Buda histórico,

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ao longo das eras, por parte escolas budistas ou por influências de outras

religiões como o Hindusímo.

[...] tanto no Theravãda quanto no Mahãyãna, o Buda foi elevado

à posição de um ser transcendental e onisciente, enquanto o

Mahãyana foi ao extremo de defender que o corpo real do Buda é

o todo-penetrante não-dual dharmakãya (corpo do Darma). Foi

somente após tal concepção transcendentalista ter dominado o

budismo que os hindus (os sucessores dos sábios Upanixádicos)

tornaram o Buda a mais alta encarnação (avatãr) do deus Vixnu

(Visnu). No decorrer do tempo, a figura do Buda continuou a sofrer

transformações radicais – mas, isto está fora do escopo desta obra

(COHEN, 2008, p. 41).

Como vemos, a doutrina do Budismo não concebe a ideia de que

exista um Deus Criador aos moldes das religiões teístas, ou que a figura

do Buda seja equiparada a um avatar ou encarnação de uma divindade

semelhante às crenças hindus.

Se Cohen desejasse se aprofundar mais nesse tema, com certeza

teria entrado no mérito da ressignificação do conceito do Buda dentro das

NRJ, onde poderia usar como exemplo o conceito de Buda como um Deus

Criador tal como ele é apresentado na Ciência da Felicidade. Okawa, por

sua vez, destaca que “ao longo deste livro, foi utilizada a palavra Buda

referindo-se a Deus, pois aquela é a mais correta do ponto de vista do

pensamento básico de Buda” (OKAWA, 2006, p. 251).

De acordo com o que diz Edmond Rochedieu, percebemos que o

perfil de Okawa está em conformidade com os fundadores e líderes de

outras NRJ, quando este se considera não apenas escolhido para difundir

mensagens divinas, como também, se considera a própria encarnação do

Deus/Buda vivo.

Este [...] é geralmente uma personalidade forte, bastante segura

de si. [...] se acredita que uma força ou forças divinas inspiraram

este ser de qualidades excepcionais e confiaram-lhe uma missão

salvadora. [...] Alguns consideram-se os salvadores do tempo

presente, outros igualam-se a Moisés, a Cristo, a Buda, a Confúcio

ou a determinado imperador japonês. Há ainda os que reivindicam

para si mesmos o uso exclusivo de tal ou tal epíteto, pelo qual

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querem ser chamados: o Grande Deus, o Deus Vivo, o Salvador da

Espécie Humana, o Homem-Deus Esperado pelo Mundo, o

Santuário de Deus, a Mediadora entre Deus e os Homens, o Buda

Vivo, o Senhor Iluminado (ROCHEDIEU, 1982, pp. 195-196).

A figura de Okawa se assemelha a um empresário, vestido sempre

de terno e gravata, ou dentro do contexto religioso, a de um pastor

evangélico dos dias atuais. No entanto, uma característica que o destaca

como parte das NRJ é a utilização de um josho (estola), semelhante às

utilizadas pela Igreja Messiânica Mundial.

Não é errado fazer um comparativo entre as práticas da Ciência da

Felicidade e a Teologia da Prosperidade, adotada por muitas igrejas

evangélicas nos dias de hoje, em especial as neopentecostais no Brasil.

Nesse aspecto de difusão midiática e discurso proselitista, a Ciência da

Felicidade se aproxima bastante de denominações cristãs como a Igreja

Universal do Reino de Deus (IURD), pioneira do Neopentecostalismo no

país.

As Novas Religiões Japonesas (e novíssimas) demonstram maior

preocupação com os efeitos das mudanças da modernidade e

contemporaneidade no indivíduo e na sociedade do que as

religiões estabelecidas. Também oferecem crenças e práticas

japonesas que lhes possibilitam reagir às rápidas mudanças

culturais, políticas e econômicas vividas no seu país nos últimos

150 anos, sobretudo desde o pós-guerra [...] No Ocidente, os

simpatizantes das NRJ geralmente apontam a relevância das

crenças e práticas no cotidiano e consideram convincentes as

explicações dadas sobre a causalidade espiritual e o controle de

vida proporcionado pelas explicações dadas com relação à doença.

Também apontam a preocupação com a paz e meio ambiente. Sua

visão permite que membros e aspirantes, ao invés de se sentirem

impotentes e incapacitados pela modernidade, sintam-se capazes

de controlá-la e aproveitá-la de forma compatível à sua felicidade

pessoal e bem viver aqui na Terra (CLARKE, 1999, p. 201).

O centro das atividades da CF e o discurso utilizado durante as

reuniões estão centrados em torno de uma prosperidade que pode ser

alcançada através da prática dos ensinamentos de Ryuho Okawa. Isso

denota a criação de uma teologia da prosperidade oriental, tendo como

sua pioneira a Ciência da Felicidade, que adota um discurso positivo,

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sempre centrado na resolução de problemas terrenos que são sempre de

ordem psicológica, econômica e de realizações pessoais. O próprio fato de

Okawa ter sido um empresário no passado faz com que, ele possua todas

as competências para liderar a religião como se fosse uma verdadeira

empresa. E isto também está evidenciado com o discurso voltado para o

sucesso nos negócios de seus seguidores, cujas ideias de Okawa sobre tal

assunto estão sintetizadas em suas obras A Mente Inabalável, Pense

Grande e Pensamento Vencedor. Considerando o perfil empreendedor da

religião, unido à imagem de forte liderança que Okawa transmite, cada

vez mais pessoas se sentem atraídas pelas promessas de “felicidade e

prosperidade” divulgadas pela sua religião.

UMA RELIGIÃO POLÊMICA

Em sua principal obra, As Leis do Sol, Okawa afirma que a “Ciência

da Felicidade possui atualmente mais de 10 milhões de membros no

mundo todo” (OKAWA, 1996, p. 251), chegando ao ponto de dizer sem

medo que sua religião é a que “mais cresceu em número de adeptos nos

últimos anos e está caminhando para se tornar a quarta religião mundial,

ao lado do budismo, cristianismo e islamismo” (OKAWA, 1996, p. 46).

Porém, em seu estudo sobre a Ciência da Felicidade, Robert Kisala pontua

que “apesar de ser difícil avaliar o numero de membros, é provável que

totalizem algumas centenas de milhares” (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p.

262).

Além dos livros de Ryuho Okawa, prática de divulgação adotada pela

totalidade das religiões, em especial as novas religiões, a Ciência da

Felicidade passou a produzir uma série de filmes em estilo Anime

(animação japonesa). Estes filmes basicamente são produções baseadas

nos mais importantes livros de Okawa. Entre elas temos As Leis do Sol, As

Leis Douradas, As Leis Místicas, As Leis da Eternidade, O Renascimento de

Buda, A História do Rei Hermes. Esses filmes envolvem personagens

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ficcionais que são inseridos dentro do universo da religião, em enredos

que envolvem muitos elementos da ficção científica, como Viagens no

Tempo, uso de tecnologias avançadas e encontros com personalidades

religiosas do mundo antigo e cientistas modernos.

Desse modo, temos histórias em que jovens viajam no tempo e se

encontram com avatares, divindades orientais, e personagens como Buda,

Moisés e Jesus, ao mesmo tempo em que conhecem outros mundos, de

acordo com a cosmogonia da Ciência da Felicidade, encontrando nestes

outros planos superiores cientistas como Einstein, Pasteur e tantos outros

que, de acordo com a Ciência da Felicidade, são responsáveis pela

administração dos mundos espirituais. Embora contenham muitas alusões,

sobretudo, ao Budismo e episódios da vida do Buda, todos eles são

contextualizados com a doutrina da Ciência da Felicidade.

Nessa verdadeira integração entre ficção científica, doutrina religiosa

e animação japonesa, a Ciência da Felicidade descobriu um modo bastante

prático de divulgar sua doutrina, sobretudo entre os jovens. O uso maciço

de tais tecnologias revela outra faceta das NRJ, especialmente aquelas

surgidas a partir da década de 70.

O advento dos meios de comunicação e suas tecnologias tem sido,

desde o final do século XIX, utilizando as palavras de Benjamon

Dorman, “faca de dois gumes”, especialmente para os novos

movimentos religiosos. Por um lado, os meios de comunicação e

tecnologias modernas têm sido amplamente utilizados por grupos

religiosos não só para divulgar suas mensagens e alcançar um

público mais amplo, mas também para promover a si mesmos

como uma forma de religião moderna e atualizada, apropriada

para uma era tecnológica moderna. Por outro lado, a grande mídia

tem sido uma grande – e certamente a mais perigosa e influente –

fonte de críticas para novas religiões. Morioka Kiyomi, por

exemplo, discutiu como, na década de 1950 o chamado “Caso

Yomiuri”, em que o proeminente jornal Yomiuri Shimbun criou uma

campanha contra a Risho Kossei-kai, uma das maiores novas

religiões japonesas, causando danos ao movimento e até mesmo

dando origem a um inquérito parlamentar (BAFFELLI; READER;

STAEMMELER, 2011).2

2 The advent of the mass media and its technologies has, since the late nineteenth

century, been, to use Benjamon Dorman's words, "a mixed blessing", especially for new

religious movements. On the one hand, modern media and technologies have been

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Essas campanhas empregadas pelos meios de comunicação

japoneses contra as mais recentes novas religiões do Japão, se deve,

sobretudo, ao ataque do metrô de Tóquio, em 1994, pela Aum Shinrikyo,

que desde cedo era tida como uma rival pela Ciência da Felicidade.

A Kôfuku no Kagaku afirmou-se como uma grande rival da Aum

Shinrikyô, no início de 1990, pelo facto de os dois grupos terem

aparecido na mesma altura, apostarem fortemente na publicação

das obras dos seus fundadores e dos seus representantes se terem

apresentado com um certo sensacionalismo num programa de

televisão bastante popular (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 262).

O episódio do metrô de Tóquio criou uma espécie de desconfiança

geral em relação a esses grupos, que cada vez mais buscam galgar

espaços na política japonesa, se comportando não apenas como religião,

mas também como partidos políticos, algo não muito diferente do que

acontece atualmente no Brasil. E essa desconfiança chegou a um ponto no

Japão, em que tais grupos não são mais denominados pela grande mídia

como religiões (shukyô), mas no sentido pejorativo de cultos (BAFFELLI;

READER; STAEMMELER, 2011). Após o incidente, a Aum passou a ser

vista “numa posição diferente da assumida por outros novos movimentos

religiosos japoneses, ligando-o mais a grupos como o Ramo Davidiano e a

Ordem do Templo Solar” (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 260), grupos

estes inseridos em uma categoria de religiões conhecida como “Cultos do

Dia do Juízo” (Doomsday Cult’s).

extensively used by religious groups not only to spread their messages and to try to

reach a wider audience, but also to promote themselve as a highly modern and up-to-

date form of religion appropriate for a modern technological age. On the other hand,

however, the mass media has been a major - and certainly the most dangerous and

influential - source of criticism towards new religions. Morioka Kiyomi, for example, has

discussed how, in the 1950s the so-called "Yomiuri affair", in which the proeminent daily

newspaper the Yomiuri shinbun waged a campaign against Risshô Kôseikai, one of the

largest Japanese new religions, did damage to the movement and even gave rise to a

parliamentary inquiry

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Em diversos países, com efeito, o crescimento dos NMR gerou

acirradas controvérsias públicas, suspeitas e receios generalizados,

sanções legais, ações políticas e administrativas, fortes reações de

oposição da imprensa e de outras mídias, além da formação de

entidades antisseitas por parte de dissidentes religiosos e

familiares de adeptos. A cobertura midiática sensacionalista de

certos casos extremos, como os dos suicídios coletivos de

membros do Templo dos Povos em Jonestown e de adeptos da

Ordem do Templo Solar na França, da morte de Davidianos no

Texas e do ataque terrorista com gás sarin no metrô de Tóquio,

realizado por membros da Aum Shinrikyo contribuiu para difundir

todo tipo de preconceito contra os NMR, questionar seu caráter

religioso e considerá-los desviantes, anômalos e perigosos (In:

PASSOS; USARSKI, 2013, p. 238).

Um bom exemplo desse preconceito contra os NMR – citado acima

por Ricardo Mariano – é a mídia japonesa, que passou a tratar as novas

religiões do país como se fossem uma nova Aum Shirinkyo. E devido às

aspirações políticas da Ciência da Felicidade, esta vem ganhando uma

atenção especial, junto com muitas críticas sobre suas posições

conservadoras.

Existem traços de nacionalismo na doutrina da Kôfuku no Kagaku

e, em tempos, com base nas profecias de Nostradamus, Okawa

chegou mesmo a prever que o Japão voltaria a ser uma potência

militar apta a conquistar o mundo no início do século XXI e

proporcionar deste modo uma idade de ouro para a humanidade.

O grupo tem vindo a defender algumas causas conservadoras no

Japão, sobretudo em torno de questões relacionadas com a moral

pública (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 262).

Como reflexo desse nacionalismo exacerbado e tendências

conservadoras, Okawa fundou em 2009 o Partido para a Realização da

Felicidade (Kôfuku Jitsugen-tô), com a intenção de disputar as eleições

nacionais e servir de terceira via aos dois principais partidos do Japão, o

Partido Liberal Democrático e o Partido Democrático do Japão.

UMA NOVA RELIGIÃO JAPONESA NO BRASIL

A Ciência da Felicidade chegou ao Brasil em 1992, instalando-se na

cidade de São Paulo, com o nome de Happy Science do Brasil. Em

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novembro de 2010, Okawa visitou o Brasil pela primeira vez, realizando

uma série de palestras, expondo sua doutrina e divulgando o nome da

religião no país.

Embora o crescimento da Ciência da Felicidade ainda não possa ser

comparado com o de outras NRJ no Brasil, é notável, pois, atualmente a

religião possui nove templos em São Paulo, um em Londrina e outro no

Rio de Janeiro. O templo central, chamado de Shoshinkan – inaugurado

em 2010 –, fica localizado na Rua Domingos de Morais, nº 1154, no

coração do bairro Vila Mariana, em São Paulo. Sua proximidade do Metrô

já denota um cuidado em situá-lo em um bairro central, que facilite seu

acesso aos fiéis, seja por transporte privado ou público.

Embora as religiões oriundas do Japão tenham chegado ao Brasil

com o intuito de atender as necessidades da comunidade de imigrantes,

com o tempo “algumas entidades religiosas, principalmente as novas

religiões, começaram a atrair sensivelmente o público brasileiro, de modo

especial pela forma de ensino profundamente humanitário e pela cura de

doenças” (OZAKI, 1990, p. 21). Como exemplo de sucesso das NRJ em

terras brasileiras, Peter Clarke cita a Igreja Messiânica Mundial.

Podemos ver então que o sucesso da Igreja Messiânica Mundial no

Brasil é devido às semelhanças religiosas e adaptações, e isto

também serve para o sucesso de outras religiões japonesas. É

importante notar aqui que este é um processo de mão dupla: as

religiões japonesas em uma determinada maneira tornam seus

ensinamentos, práticas e linguagem mais "nativos" para que eles

possam ser compreendidos e aceitos pelos brasileiros; os

brasileiros, por sua vez, compreendem as religiões japonesas

baseados em motivos religiosos pré-existentes e nativos. O

resultado é que a adesão do brasileiro às novas religiões japonesas

ocorre sem choques culturais nem dilemas de consciência

(CLARKE, 2000, p. 124).3

3 We can see then that the success CWMB in Brazil is due to religious similarities and

adaptations, and this is true of the success of other japanese religions. It is important to

note here that this is a two-way process: the Japanese religions in a certain way make

their teachings, pratices and language more "native" so that they can be understood and

accepted by Brazilians; the Brazilians, in turn, understand the Japanese religions based

on pre-existing and native religious grounds. The result is that the adhesion of brazilian

to the new Japanese religions occurs with no cultural shocks nor conscience dilemmas.

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Aqui temos um ponto importante a considerar. A absorção das NRJ

pelos brasileiros a partir de modelos de crenças já existentes no país. Uma

das maiores diferenças das religiões orientais das ocidentais é a crença na

reencarnação. E no caso das religiões brasileiras, esta crença está

marcantemente presente no Espiritismo, religião adotada por 2% dos

brasileiros, de acordo com o Censo de 2010. Logo, assimilar o discurso

religioso de movimentos oriundos, por exemplo, do Japão, não é algo tão

difícil ao brasileiro. Crenças como a reencarnação – um dos pilares

centrais das religiões orientais – não é algo difícil para um povo que já

está acostumado a tais ideias religiosas. Da mesma forma, a capacidade

do brasileiro em migrar entre religiões, absorvendo doutrinas muitas

vezes opostas entre si, por meio de um processo sincretismo que já está

enraizado em nossa cultura religiosa, faz com que os ensinamentos da

Ciência da Felicidade possam ter fácil aceitação, tal como aconteceu com

outras NRJ.

Dentre outros fatores, essa fácil adesão de brasileiros a religiões

japonesas se deve ao fato de que a cultura japonesa já se incorporou ao

modo de vida do brasileiro, especialmente na culinária (ex.: Sushi), e não

menos importante, por meio do entretenimento, sobretudo, o estrondoso

sucesso que os animes japoneses tiveram entre o público jovem, em

especial nos anos 90, marcando uma geração que carrega até hoje a

cultura japonesa como algo positivo, quando não, se identifica em vários

aspectos com ela. E é por conta do sucesso dessa cultura nipo-brasileira

entre a população, que existe um ponto a favor para a Ciência da

Felicidade em relação ao estilo de proselitismo que ela promove. E este

ponto diz respeito aos seus filmes em estilo Anime.

Os filmes da Ciência da Felicidade, acima citados, se encontram

disponíveis no site Youtube, todos dublados. Isto revela o cuidado da

Ciência da Felicidade em garantir e facilitar o acesso a tal conteúdo por

parte dos brasileiros, que, em sua maioria, não falam inglês, muito menos

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japonês. Também se percebe que em muitos deles a quantidade de

visualizações já passa dos cem mil, o que demonstra o interesse – e no

mínimo a curiosidade – do brasileiro em conhecer tais produções.

Aqui entra outro ponto importante para se discutir, que é o poder da

mídia religiosa como um instrumento poderoso de proselitismo. De acordo

com Brenda Carranza

[...] a mídia religiosa tem um papel fundamental para as próprias

igrejas, tanto no campo religioso, quanto na sociedade. Em

cenários sociais de pluralidade, estar na mídia representa ampliar

os mecanismos de proselitismo e de reinstitucionalização dos fieis,

ao mesmo tempo em que é um ato de reconhecimento e de

legitimidade social das instituições eclesiais (In: PASSOS, João

Décio; USARSKI, Frank. (orgs.), 2013, p. 552).

A produção de conteúdo audiovisual para angariar mais fieis é uma

prática adotada por outros grupos religiosos, onde no meio cristão, temos

como um bom exemplo A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos

Dias – conhecidos como Mórmons.

O uso da imagem tem um impacto muito mais direto do que a

leitura de uma obra do fundador ou do texto sagrado, sendo tais

produções uma espécie de boas-vindas ou introdução ao universo da

religião. E aqui temos um duplo diferencial da Ciência da Felicidade, que é

o uso de um canal de veiculação abrangente e de baixíssimo custo, o

Youtube.

A veiculação de filmes da instituição – em estilo Anime – faz com

que se alcance o público desejado de forma mais sutil e objetiva. É o

indivíduo que busca tal conteúdo – seja por interesse ou curiosidade –, e

não o emissor que vai até ele, como em uma transmissão de determinada

Igreja, que paga transmitir seu conteúdo em algum canal televisivo.

Já o espectador, ao ter acesso a tais produções, acaba por conhecer

uma nova doutrina religiosa que não parece tão estranha a ele. Ela possui

mensagens espirituais, fala sobre Deus, sobre reencarnação,

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ensinamentos do Budismo, e até apresenta a figura de Jesus de um modo

lúdico, que atrai até mesmo as crianças, por se tratar de um desenho.

Pelos comentários nos filmes da Ciência da Felicidade, é possível

notar que o espectador não está preocupado em saber quem é o emissor

da mensagem ou sua filiação institucional, mas sim o quão tocante e

transformadora a mensagem é para este. Ao mesmo tempo em que isso

facilita a absorção da doutrina pelos espectadores, existe uma confusão

quanto às origens dos respectivos ensinamentos, que são apresentados

como se estes fizessem parte do Budismo ortodoxo, quando não são.

A ida a um dos templos da Ciência da Felicidade, a exemplo do

Shoshinkan, evidencia a importância que a Religião dá às suas produções.

Além das cerimônias de Preces e celebrações voltadas para grupos

específicos – como jovens ou a família –, ou workshops com temas

relativos à prosperidade financeira, em toda visita ao templo, existe um

momento em que palestras de Okawa ou as produções acima citadas são

transmitidas aos visitantes. Da mesma forma, a Ciência da Felicidade

lança mão de diagramas sobre a cosmologia e outros folhetos que

resumem sua doutrina.

O modo de ingresso na religião é bastante simples. Basta preencher

um formulário e participar de uma cerimônia em que é perguntado ao

novo membro se “ele acredita no Deus Supremo El Cantare”. Em seguida,

cada iniciado recebe o livro de orações “Darma do Correto Coração”

(OKAWA, 2007).

CONCLUSÃO

O crescimento em números da Ciência da Felicidade no Brasil é

notável, uma vez que, em comparação com outras NRJ, a exemplo da

Igreja Messiânica Mundial, a IMMB só foi inaugurar seu templo-sede – o

Solo Sagrado, em São Paulo – quarenta anos depois de sua chegada ao

Brasil, enquanto que em vinte anos de estabelecimento a Ciência da

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Felicidade já conta com uma grande sede e vários templos instalados no

país.

O diferencial da Ciência da Felicidade em relação a outras NRJ que

desembarcaram no Brasil é o uso maciço dos meios de comunicação para

difundir seus ensinamentos. Em outras palavras, como coloca Carranza,

“não há como a religião sair ilesa da sua relação com a mídia” (In:

PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank. (orgs.), 2013, p. 552).

Se no Japão a Ciência da Felicidade enfrenta pesadas críticas da

mídia devido a episódios do passado, com sua vinda ao Brasil ela tem uma

oportunidade de usá-la como um instrumento de expansão. E para fazer

seu nome cada vez mais conhecido no mercado literário nacional, a

Ciência da Felicidade no Brasil conta com uma editora responsável pela

publicação dos livros de Okawa no país, a IRH Press, também responsável

pela publicação da revista Happy Science.

É inegável que, da metade do século XX pra cá, nosso país se tornou

um campo fértil para o florescimento de novos movimentos religiosos. E,

sem dúvida, esse interesse de Okawa no Brasil está em consonância com

o sucesso que outras NRJ tiveram aqui. Da mesma forma, percebe-se o

intento de Okawa em tornar sua religião uma NRJ global, o que é atestado

pela presença em países da América Latina e da África, como Uganda.

Percebe-se, portanto, que este rápido crescimento da Ciência da

Felicidade está apoiado em três pontos: Uma estratégia de marketing

pessoal do seu fundador enquanto um líder carismático, a promoção de

uma forte doutrina sincrética, baseada na prosperidade ainda neste

mundo – que se mostra de fácil absorção por parte do brasileiro –, e na

divulgação de suas doutrinas por meios de comunicação de rápida

transmissão e baixo custo – a produção de Animes e sua disponibilidade

para o acesso no Youtube.

Embora ainda seja uma religião recém-chegada no Brasil, é visando

tais elementos e o histórico das NRJ, que Okawa aposta no sucesso de

mais uma religião japonesa no país mais católico do mundo.

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