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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP Márcia Pelegrini A competência sancionatória do Tribunal de Contas no exercício da função controladora – contornos constitucionais Tese de Doutorado em Direito do Estado São Paulo 2008

A competência sancionatória do Tribunal de Contas no exercício … · 2013-01-30 · das sanções, de forma que algumas infrações previstas na Lei Federal nº 8.443/92 estão

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP

Márcia Pelegrini

A competência sancionatória do Tribunal de Contas no exercício da função controladora – contornos constitucionais

Tese de Doutorado em Direito do Estado

São Paulo

2008

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP

Márcia Pelegrini

A competência sancionatória do Tribunal de Contas no exercício da função controladora – contornos constitucionais

Tese de Doutorado em Direito do Estado

Tese de doutoramento submetida à apreciação de banca

examinadora do Departamento de Pós-Graduação em

Direito, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência a obtenção do grau de Doutorado em

Direito do Estado, elaborada sob a orientação da Profa.

Dra. Lúcia Valle Figueiredo.

São Paulo

2008

3

BANCA EXAMINADORA

Dra. Lúcia Valle Figueiredo (Professora Orientadora)

Dra. Dinorá Grotti

Dr. Clóvis Beznos

Dr. Diógenes Gasparini

Dr. Sebastião Botto de BarrosTojal

4

Dedicatória: Para meus queridos, Osvaldo e Henrique.

Agradecimentos: Aos meus pais, por tudo e sempre;

A todos os colegas do Gabinete do Conselheiro Maurício Faria, do Tribunal de Contas

do Município de São Paulo, em especial à Betty, aos quais agradeço na pessoa do

Chefe de Gabinete, Alexandre Cordeiro, pela compreensão e apoio durante a

realização deste trabalho.

À amiga Cleide, pela inestimável colaboração e incentivo, presença e apoio constantes

em quase tudo o que fiz no período em que desenvolvi este trabalho.

À querida professora Lúcia Valle Figueiredo, exemplo de profissional e de vida

acadêmica, que me deu a honra e o privilégio de orientar este estudo.

Aos professores Clóvis Beznos e Dinorá Grotti, pelas relevantes sugestões feitas por

ocasião da qualificação, que contribuíram para o desenvolvimento e aperfeiçoamento

da proposta inicial.

A todos meus sinceros agradecimentos e humilde homenagem.

5

RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar a competência sancionatória conferida pelo

legislador constituinte ao Tribunal de Contas da União, no exercício da função de controle. A

análise do inciso VIII do artigo 71 da Constituição Federal resultou na constatação de que a

referida competência punitiva encontra limites consubstanciados nos aspectos da irregularidade

de contas e ilegalidade de despesas, vetores estes que devem orientar o legislador

infraconstitucional na determinação das condutas ilícitas, e o órgão controlador na aplicação

das sanções, de forma que algumas infrações previstas na Lei Federal nº 8.443/92 estão em

desacordo com a orientação constitucional. Aborda-se também o aspecto relacionado à

natureza jurídica da sanção aplicada pela Corte de Contas, que embora seja de natureza

administrativa, decorre do exercício da função de controle. Assim, conquanto o legislador deva

adotar cautelas para não criar situações de conflito na aplicação das mesmas sanções cujas

competências estejam conferidas a autoridades integrantes dos órgãos controlados, os influxos

decorrentes da função fiscalizatória afastam a caracterização do “bis in idem” não tolerado pelo

direito pátrio, diante das diferentes áreas de atuação. As normas sancionadoras denominadas

pela doutrina de “abertas” ou “elásticas” podem ser admitidas, quando a descrição das condutas

censuradas e das respectivas sanções possa viabilizar a antecipada ciência dos indivíduos,

porque tais normas, por si sós, não afastam a incidência do princípio da tipicidade. Além disso,

a existência de normas sancionatórias veiculadas por cláusulas genéricas leva ao

entendimento de que os regulamentos devem ser tidos como instrumentos relevantes para

cumprimento da missão de, sem inovar, descrever de forma mais detalhada as condutas

genericamente previstas na lei como ilícitas, ainda que não o façam de forma exaustiva, mas

exemplificativa a orientar os indivíduos e limitar o âmbito de atuação do aplicador da norma,

inclusive acerca de situações assemelhadas. A aplicação da sanção só será válida se realizada

por meio de procedimento legal que assegure a oportunidade de defesa em sua plenitude,

mediante a observância da clausula do devido processo legal e dos princípios dela decorrentes,

situação em que incidirão alguns princípios próprios do direito penal. Por fim, referido

procedimento deve se sujeitar a um prazo razoável de duração, incidindo analogicamente,

diante do silêncio da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, o prazo prescricional da

pretensão punitiva estabelecido na Lei Federal nº 9.873/99.

Palavras-chaves: Função controladora, Tribunal de Contas, sanção administrativa, prescrição,

multas, regulamento, limites constitucionais, devido processo legal.

6

ABSTRACT

The present paper’s objective is to analyse sanction competence given by constituent

legislator to Court of Accounts as its function as controller. The legal dispositive analyses

consubstantiated with VIII point, article 71 of Federal Constitution, resulted on observation that

the mentioned punitive competence finds boundaries consubstantiated on the bills irregularities’

aspects and expenses’ illegalities, such points must orient the infraconstitutional legislator on

illicit conducts determination and controlling organ on sanction application, in a way which some

infractions prior in Federal Law 8.443/ 92 are in disagreement with the constitutional orientation.

It is also approached on the aspect related to sanction legal nature applied by Court of

Accounts, although it is of administrative nature, comes from his control function. The sanctioned

norms named by the doctrine as “open” and “elastic” can be allowed, when the censored

conduct discretion and respective sanction can make feasible the advance science of the

individual, because such norms, themselves, cannot remove the incidence of typicity’s principle.

Besides that, the existence of the sanction norms linked by generic clauses leads to

comprehension of regulament must be taken as relevant instruments to accomplish the mission

of, without innovation, describe in a detailed way on conducts generically foresight in the law as

illicit, even though in a exhaustive way, but through the exemplar roll to orient the individuals and

limit the action of the norm applicant, as well as similar situations. The sanction appliance will

only be validated if realised through legal procedures that assures the opportunity of defence in

its plenitude, through clause observance of the due process of law and its resulting principles,

situation in which some of Penal Law’s own principles will be incided. At last, the cited procedure

must be subjected to a reasonable deadline, analogically inciding, faced with Court of Accounts

Organic’ s Law silence, the punitive pretension prescription deadline established by Federal Law

9.873/ 99.

Key words: Control Function; Court of Accounts; Administrative Sanction; Prescription; Fines;

Regulament; Constitutional Boundaries; Due Process of Law.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇAO....................................................................................................... 9 CAPITULO I – O DEVIDO PROCESSO LEGAL................................................... 14

1. Breve histórico e evolução............................................................................ 14

1.1. As dimensões adjetiva e substantiva do devido processo legal............ 18

2. O Devido Processo Legal na Constituição Brasileira................................... 21

2.1. O processo administrativo e o devido processo legal............................ 26

CAPÍTULO II - LEGALIDADE E SANÇÃO ADMINISTRATIVA............................ 36 1. Breves considerações introdutórias sobre o princípio da legalidade e sua

evolução.........................................................................................................

36

2. Ilícito e Sanção administrativa...................................................................... 48

2.1 O alcance do princípio da legalidade em matéria de ilícito e sanção

administrativa: Monopólio de lei em sentido escrito.................................

69

2.1.1. A norma sancionatória e o princípio da tipicidade.......................... 77

CAPÍTULO III - O TRIBUNAL DE CONTAS......................................................... 95 1. Breve histórico e evolução das competências do Tribunal de Contas da

União..............................................................................................................

95

2. A competência sancionatória no exercício da função de controle

estabelecida na Carta Política de 1988..........................................................

107

3. Limites do legislador para o estabelecimento das sanções a serem

aplicadas pelo Tribunal de Contas e a competência regular.........................

115

3.1. As multas................................................................................................. 129

4. Análise jurídica crítica da legislação infra-constitucional que disciplina as

sanções administrativas aplicáveis pelo Tribunal de Contas ........................

141

CAPÍTULO IV- O PROCEDIMENTO PUNITIVO................................................... 155 1. O ato punitivo: procedimento a ser observado pelo Tribunal de Contas...... 155

1.1. Princípios aplicáveis a atividade punitiva do Tribunal de Contas............ 160

2. O limite temporal para imposição de sanções administrativas pelo

Tribunal de contas: segurança jurídica e razoável duração do processo......

215

8

SÍNTESE DOS CAPÍTULOS................................................................................. 246 CONCLUSÕES...................................................................................................... 261 ANEXOS................................................................................................................ 269

Anexo A – Lei nº 8.443/92................................................................................ 269

Anexo B – Resolução nº 155/2002................................................................... 279

Anexo C – Lei nº 4.717/1965............................................................................ 286

Anexo D – Lei nº 9.873/1999............................................................................ 297

Anexo E – Lei 8.112/1990................................................................................. 299

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 305

9

INTRODUÇÃO

A observação de que o homem tende a abusar do poder levou o Barão de

Montesquieu a aprimorar e sistematizar a teoria da separação dos poderes, residindo

seu ponto fundamental na necessidade de os poderes instituídos serem controlados por

órgãos diferenciados. Subjaz, nessa doutrina, a idéia de proteção dos direitos e

liberdades dos indivíduos.

Atualmente, a teoria da tripartição dos poderes vem sofrendo severas críticas

relacionadas à sua insuficiência e incompatibilidade com as dimensões do Estado

contemporâneo, chegando-se mesmo à afirmação de que perdeu autoridade, vigor e

prestígio, porque os valores que a inspiraram desapareceram ou estão em via de

desaparecer, não havendo mais lugar para a prática de um princípio rígido de

separação, segundo o qual o povo é o verdadeiro detentor do poder e o Estado

assumiu responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu1.

Não obstante as críticas, indubitavelmente a teoria cumpriu papel

fundamental na evolução jurídica do poder político, tendo sido um dos mais valiosos

instrumentos para a organização do poder e salvaguarda dos direitos individuais,

subsistindo na organização atual do Estado, facetas que ainda se aplicam

perfeitamente, sendo uma delas a relativa ao controle por órgãos diferentes e

independentes do órgão controlado. A necessidade desse controle permanece viva

porque é decorrência lógica do Estado de Direito.

Por essa razão, consideramos que poucas instituições possuem papel tão

relevante e indispensável como aquela criada com o objetivo primordial de fiscalizar e

controlar os gastos públicos, não existindo países democráticos sem um órgão

incumbido da fiscalização da gestão do dinheiro público.

1 BONAVIDES,Paulo. Ciência Política. 10ª edição. Malheiros. São Paulo. 1999. p.146.

10

O controle de contas de determinado órgão estatal, por órgão distinto dele, é

tradição do nosso direito constitucional, sendo que desde o nascimento do Estado

brasileiro esse controle, mediante ação fiscalizadora, é exercido pelo Poder Legislativo,

com o auxílio do Tribunal de Contas.

O Tribunal de Contas, órgão de estatura constitucional, aplica sanções

administrativas, - instrumento largamente utilizado no exercício da função administrativa

-, por força da autorização estabelecida no inciso VIII do artigo 71 da Constituição

Federal, mas o faz no exercício da função controladora .

A função de controle conferida pela Constituição Federal ao Tribunal de

Contas é a vertente que interessa no presente estudo, que se propõe a analisar o

regime jurídico, os limites constitucionais das sanções aplicadas por essa instituição e

eventuais influxos decorrentes da função fiscalizadora na natureza jurídica das

sanções.

O tema relacionado às sanções administrativas, não obstante sua larga

utilização, só recentemente inspirou alguns doutrinadores que se dispuseram a

enfrentá-lo, sendo ainda escassa a doutrina nacional sobre o assunto, em especial

quando voltada à aplicação de sanções no exercício da função de controle. O tema

tampouco tem merecido a necessária atenção do legislador, sobretudo no que

concerne à observância do princípio da tipicidade, relacionado à adequada descrição

dos ilícitos administrativos e respectivas sanções decorrentes de sua prática, de forma

suficiente a garantir que os indivíduos tenham conhecimento antecipado dos atos

descritos como ilícitos pela lei e as respectivas conseqüências consolidadas nas

sanções.

O problema persiste no âmbito da aplicação da norma, em que com

freqüência se constata a inobservância de procedimentos prévios mínimos e

indispensáveis para a imputação de penalidades de forma motivada e imparcial, bem

11

como a sua inadequação em termos de proporcionalidade, razoabilidade e de

consonância com as finalidades que a norma sancionatória busca atingir.

Assim, a sanção administrativa, aliada à função desempenhada pelo Tribunal

de Contas, traz rico repertório de variáveis, ensejando dúvidas, quando menos, acerca

dos limites traçados pelo legislador constituinte à lei instituidora dos ilícitos e sanções

aplicáveis no exercício da função controladora, relacionadas, inclusive, às interferências

no âmbito da competência sancionatória dos órgãos controlados.

Embora muito já se tenha tratado sobre o tema relativo à natureza dos atos

praticados pelos Tribunais de Contas, é indiscutível que a questão é ainda bastante

polêmica. A par disso, pouco se discorreu sobre os atos sancionatórios emanados da

Corte de Contas, de modo que os questionamentos próprios das sanções

administrativas ganham proporção quando sua aplicação é realizada por instituição no

exercício de função que não se confunde com a administrativa, e cuja natureza dos

atos é matéria controvertida na doutrina.

Essas várias questões foram tratadas ao longo do estudo, de forma a tornar

possível a formulação de respostas aos problemas trazidos durante toda a abordagem.

O primeiro ponto desenvolvido diz respeito ao devido processo legal, como

forma de introduzir e ressaltar a relevância do assunto dentro do tema proposto. Apesar

de largamente tratado pela doutrina, a observância do princípio não poderia deixar de

ser enfrentada neste estudo, dada a indissociável pertinência temática. Esta questão é

retomada ao final do trabalho, quando tratamos especificamente do procedimento a ser

observado pelo Tribunal de Contas para a aplicação das sanções no exercício da

função de controle.

Cuida o capítulo seguinte do tema relacionado às sanções administrativas,

trazendo informações e discussões doutrinárias nacionais e alienígenas acerca das

diferenças entre as normas sancionadoras administrativas e as penais, viabilizando,

12

assim, o aprofundamento da discussão do regime jurídico a que se submetem e a

incidência de princípios próprios do direito penal no regime sancionatório administrativo.

Abordamos também a problemática respeitante à incidência do princípio da tipicidade

na norma sancionadora administrativa, enfrentando a tormentosa questão relativa aos

limites admissíveis de imprecisão na descrição dos ilícitos e sanções correspondentes.

Trata-se de exigência posta ao legislador, que deverá descrever as condutas

censuráveis com suficiente grau de certeza para permitir a compreensão prévia de qual

conduta quis proibir e qual é a sanção correspondente, o que se traduz também em

barreira ao arbítrio do aplicador da norma e em verdadeiras garantias e proteção dos

indivíduos no Estado de Direito.

Ainda no mesmo capítulo, e como desdobramento da questão antecedente,

considerando que seria ingenuidade inescusável deixar de aceitar o fato de que a lei

não pode antever todas as possibilidades, descrevendo taxativa e exaustivamente

todas as condutas ilegais, e, portanto, não negando a viabilidade da existência em

nosso sistema jurídico das normas sancionatórias denominadas pela doutrina nacional

e estrangeira de “elásticas” ou “abertas”, enfrentamos ainda a questão atinente aos

limites da disciplina infra-legal regulamentadora da norma sancionatória de estrutura

aberta.

Um capítulo específico está destinado ao Tribunal de Contas, delimitando

precisamente o objeto deste estudo, com a abordagem da evolução histórica de suas

competências e análise, - considerando todos os elementos dos capítulos antecedentes

- , dos contornos da competência sancionatória delegada pela Carta de 1988, quando

analisamos os limites estabelecidos pelo legislador constituinte para instituição de

ilícitos e sanções no exercício da função controladora e a eventual ocorrência de bis in

idem . Por fim, realizamos análise crítica de alguns aspectos da legislação atual que

disciplina a matéria no âmbito federal e que serviu de paradigma para as reflexões

assinaladas.

13

No último capítulo, retomamos o tema alusivo aos princípios que

necessariamente devem ser observados no procedimento sancionatório de forma a

assegurar as garantias constitucionais conferidas aos acusados em geral. Nesse

mesmo capítulo, porque também atinente ao procedimento, cuidamos do relevante

problema relacionado ao limite temporal para a imposição de sanções administrativas,

em decorrência do princípio da segurança jurídica e também da razoabilidade, levando

em conta que o procedimento administrativo, sobretudo aquele que pode acarretar a

imputação de sanção, deve ter um tempo de duração razoável, a fim de não perpetuar

situação de instabilidade e insegurança jurídicas. Nesta análise, diante do silêncio da

Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União sobre o assunto, apontamos, no universo

de nosso ordenamento jurídico, a norma que consideramos mais adequada para incidir

por invocação analógica.

Ao final, inserimos uma breve síntese do conteúdo de cada capítulo; as

principais premissas elaboradas ao longo do presente estudo foram expostas de

maneira sintética nas conclusões do trabalho.

14

CAPITULO I O DEVIDO PROCESSO LEGAL

O tema proposto neste capítulo possui relevância e conteúdo suficientes

para o desenvolvimento de estudo específico e não apenas de um capítulo dentro de

outro tema, de forma que sua inserção é tarefa dificultosa, à medida que não deve ser

aprofundado - como sua importância requer -, tampouco pode ser relegado, porquanto

a atuação dos Tribunais de Contas no exercício da competência sancionatória só pode

ocorrer mediante o desenvolvimento regular de um processo, com a estrita observância

do devido processo legal e dos princípios dele decorrentes, além de outros princípios

de observância obrigatória pela Administração Pública no exercício da função

administrativa.

Assim, indispensável a abordagem do tema relacionado ao devido processo

legal, ainda que de maneira perfunctória em relação ao seu histórico, evolução,

dimensões e conteúdo.

1. Breve histórico e evolução

O espaço significativo que a cláusula do devido processo legal ganhou com a

Carta brasileira de 1988, que a constitucionalizou, foi responsável, entre nós, por

importante reversão de um processo marcado pelo autoritarismo no exercício da

competência punitiva do Estado.

Levando em conta que pode ser considerado um dos mais antigos institutos

da ciência jurídica, abordaremos sua evolução, tomando como base o direito romano,

sua adoção e desenvolvimento na Inglaterra e expansão pela cultura jurídica dos

Estados Unidos, onde garantiu presença no direito contemporâneo, e também do nosso

país.2

2 Segundo Charles D Cole, que o devido processo “tornou-se um conceito em virtude da noção culturalmente penetrante da diferença entre o certo e o errado” e inicialmente foi estabelecido pelo princípio hebreu segundo o qual “a justiça requer uma lei justa e compassiva”. Segundo ele, a evolução histórica do devido processo ocorreu desde a

15

A cláusula do devido processo legal é vista sob vários enfoques, conforme as

diversas fontes buscadas pelos autores, de forma que alguns adotam o posicionamento

segundo o qual o princípio garante a existência do Estado de Direito, à medida que está

inserido no contexto das garantias constitucionais do processo, mediante a existência

de normas processuais justas, ou seja, que proporcionam a justeza do próprio

processo, mantendo-se com isso a sociedade sob o império do direito. Outros situam a

cláusula do devido processo no campo dos direitos fundamentais.3

Como podemos denotar, o princípio está voltado a garantir os direitos

individuais consagrados na Constituição, por meio da existência de normas processuais

previamente estabelecidas e que conferirão aos indivíduos a possibilidade de buscar

soluções para conflitos de ordem pessoal ou coletiva, mediante meios eficazes e

seguros, sendo instrumento típico do Estado de Direito, visto que, no dizer de Manoel

Gonçalves Ferreira Filho, impede “toda restrição à liberdade ou aos direitos de qualquer

homem, sem intervenção do Judiciário”4.

visão de Platão, para quem a justiça estava arraigada na natureza humana e seria realizada pela rejeição da tirania, passando por Aristóteles, que defendia uma sociedade equilibrada e pragmática em que a escolha deliberada do indivíduo com relação ao certo e errado absolutos tornar-se-ia um preceito central da filosofia do Ocidente, chegando em Cícero e seus companheiros Estóicos Romanos, que consideravam que a posse da razão tornou todos iguais. Ensina que para Cícero os homens não eram iguais quanto a força, intelecto, posse de bens, mas eram iguais para a justiça. Seu conceito de igualdade se referia aos direitos de igualdade básicos. Para os velhos hebreus a justiça era um princípio sagrado, mas para Cícero e os Estóicos Romanos era um comando universal. O comando universal demandando justiça como um conceito primordial tornou-se parte integrante do direito romano e foi imposto pelo imperialismo romano para todo o mundo, predominando dois conceitos básicos: aqueles que compartilham o direito precisam compartilhar também a justiça; e aqueles servidos pela lei precisam ser servidores da lei de modo que possam ser livres. Considera que tais postulados continuam sendo conceitos básicos para o devido processo para todas as sociedades democráticas existentes. Quando os conceitos foram desenvolvidos pelos romanos, eram associados à razoabilidade para criar equidade e imparcialidade, e a imparcialidade, tida como aspecto fundamental integrante da justiça, foi conservada como conceito evoluído, tornando-se parte do common law inglês. Diz que para ser imparcial, um conceito precisa ser racional. Assim, as autoridades judiciárias do império romano criaram um corpo de leis que consideravam racional, imparcial e comum a toda espécie humana, indo além do preconceito tribal e classista para o conceito de direito natural, tornando-se uma das maiores emancipações da espécie humana na história do mundo (apesar dos excessos e opressões das liberdades individuais). A cultura romana escolheu a lei da razão em contraposição ao uso da força, o que serviu como base primária para o conceito do devido processo legal que o sistema do common law inglês adotou e desenvolveu após a gênese romana do conceito. A cultura jurídica americana utilizou e expandiu o conceito romano do devido processo legal, assim como o Brasil está usando e expandindo o mesmo conceito da mesma fonte (O devido processo legal na cultura jurídica dos Estados Unidos: passado, presente e futuro. Revista AJUFE, nº. 56, ago/set/out. 1997). 3 Luiz Rodrigues Wambier, em texto dedicado ao devido processo legal, cita Arturo Royos e John Rawls como juristas que colocam esse princípio dentre aqueles que garantem a existência do Estado de Direito, e Piero Calamandrei dentre os que o situam no campo dos direitos fundamentais (Anotações sobre o princípio do devido processo legal, p. 34). 4 Curso de Direito Constitucional. 4ª ed., p. 271.

16

A garantia, todavia, não se restringe à intervenção do Judiciário, tendo em

vista que a Carta brasileira estendeu a necessária observância do devido processo

legal também ao âmbito do processo administrativo. Desse modo, embora os atos

praticados em sede administrativa sempre possam ser revistos pelo Poder Judiciário,

não estará a Administração Pública, ao manejar direitos fundamentais consagrados

pela Constituição, isenta da observância do devido processo legal.

Assim, em linhas gerais, trata-se da garantia do homem - em qualquer

conflito de interesses em que se envolva -, de ser submetido aos procedimentos de um

justo processo, consoante normas processuais preestabelecidas.

O devido processo legal surgiu inicialmente com acepção meramente formal

na Magna Carta de 1212, acobertado sob a locução “law of the land”, que assegurava

aos homens livres (barões e proprietários de terra) a inviolabilidade de seus direitos

relativos à vida, à liberdade e à propriedade, que só poderia ser suprimida pela “lei da

terra”5, tendo sido mais tarde incorporada na Constituição da Federação dos Estados

Unidos, que teve o mérito de, como herdeiro direto, nas exatas palavras de Carlos

Roberto Siqueira Castro6, tê-la “embalado, criado e feito florescer com inexcedível

criatividade”. As decisões da Suprema Corte Americana foram reconhecendo

expressamente a sinonímia entre as expressões “law of the land” e “due process of

law”.

Todavia, durante a vigência da Quinta Emenda fica mantido seu caráter

meramente formal, ocorrendo significativa transformação apenas por ocasião da

aplicação da interpretação da Décima Quarta Emenda adotada pela Suprema Corte

5 Comenta Lúcia Valle Figueiredo que foi a Magna Carta escrita em latim exatamente para que poucos tivessem acesso a seu conteúdo (Estado de direito e devido processo legal. RTDP 15, p. 35-44). 6 O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, p. 10-11.

17

Americana, que vai além do devido processo legal formal, para assegurar também a

igualdade na lei, e não somente perante a lei.7

Destarte, atualmente, nos Estados Unidos da América, a garantia

constitucional do devido processo legal possui duas características genéricas: a do

devido processo adjetivo e a do devido processo substantivo.

Como observa o já citado processualista Luiz Rodrigues Wambier, “várias

constituições adotaram o princípio do devido processo legal, no sentido de direito de

acesso às soluções do poder estatal – em sua esfera jurisdicional – mediante o uso de

um sistema processual previamente determinado pela lei”8

7 Lúcia Valle Figueiredo demonstra a distinção existente entre o respeito da igualdade em face da lei e da igualdade dentro da lei, aduzindo que “somente será due process of law aquela lei – e assim poderá ser aplicada pelo magistrado – que não agredir, não entrar em confronto, não entrar em testilhas com a Constituição, com os valores fundamentais consagrados na Lei das Leis” (op. cit.). 8 Luiz Rodrigues Wambier. Obra citada pág 36. O processualista cita alguns textos constitucionais modernos, que segundo ele demonstram que o maior cuidado do legislador constituinte, sempre está voltado ao processo criminal, ressalvando, todavia, que há consenso na doutrina de que tais dispositivos possuem alcance mais amplo, atingindo indiscriminadamente todo o direito, em qualquer esfera em que se dê o conflito. Transcrevemos os Textos citados pelo autor: Constituição Italiana de 1947: Art 24- “Todos podem recorrer em juízo para a tutela dos próprios direitos e interesses legítimos”. E no mesmo art 24 que “ A defesa é um direito inviolável em cada condição e grau de procedimento”. Constituição Espanhola de 1978: Art 24 “Todas lãs personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales em el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, em ningún caso, pueda producirse indefensión”(item 1). Para prever no item 2, que: “Assimismo, todos tienen derecho al juez ordinário predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a um processo público sin dilaciones indebidas y com todas las garantias, a utilizar os medios de prueba pertinentes para su defensa, e no declarar contra si mismos, a non confesarse culpables y a la presunción de inocência”. Constituição Norueguesa de 1814, com alterações posteriores, inclusive de 5.5.80:Art 96- “ Ninguém poderá ser condenado senão em virtude de uma lei, nem castigado salvo em virtude de uma sentença judicial..” Constituição Suíça de 1874 com alterações até 1985, em seus artigos 57 e 58 prevêm respectivamente o direito de petição e que “ninguém pode ser subtraído so tribunal normalmente competente”. Constituição Austríaca de 01.10.20, revalidade pela Lei Constitucional de 1.5.45 e posterioemente emendada. Art 83, item 2- “nadie podrá ser sustraído al juez que legalmente le corresponda”. A Lei Constitucional de 27.10.62, declarada vigente ainda hoje, prevê no art. 1º, disposição similar à da Constituição, que dela, então foi reproduzida. Constituição mexicana de 1917: Art 14- “ A ninguna ley se dará efecto retroactivo em perjuicio de persona alguna.Nadie podrá ser privado de la vida, de la libertad o de sus propriedades, posesiones, o derechos, sino mediante juicio seguido ante los tribunales previamente estabalecidos, em el que se cumplam lãs formalidades esenciales del procedimiento y conforme a lãs leys expedidas com anterioridad al hecho... Em los juicios del orden civil, la sentencia definitiva deberá ser conforme a la letra, o a la interpretación jurídica de la ley, y a falta de ésta se fundará em los princípios generales del Derecho”. Constituição Venezuelana de 1961 com Emenda de 9.5.73: arts 68 e 69, dispõem respectivamente no sentido de que “todos podem utilizar os órgãos destinados à administração da justiça para defesa de seus direitos e interesses, nos teermos e condições estabalecidos pela lei, que fixará normas que assegurem o exercício desse direito àqueles que não disponham de meios suficientes para tal. A defesa é um direito inviolável que poderá ser exercido em qualquer

18

1.1. As dimensões adjetiva e substantiva do devido processo legal

A cláusula do devido processo legal, no seu aspecto processual, tem por

objetivo garantir a realização de justiça no caso concreto, à medida que impõe que o

governo deve seguir o processo previsto em lei.

Desse modo, inicialmente entendia-se cumprido o devido processo legal

quando constatada a observância do procedimento, das formalidades necessárias para

a prática do ato.

O “procedural due process of law”, na cultura jurídica dos Estados Unidos,

meramente limita as ações do governo a um procedimento justo nas ações que

afetarão a vida, a liberdade e o patrimônio dos indivíduos, ou seja, não há a exigência

desse procedimento quando o ato não afetar um dos três mencionados direitos

fundamentais, razão pela qual Charles D. Cole o classifica como um conceito negativo.

Prossegue esse autor com a relevante conclusão de que, não obstante a

inafastável necessidade de sua observância, não é possível indicar o que seria esse

devido processo, isto é, quais são os elementos necessariamente contidos na cláusula

do devido processo para assegurar seu cumprimento sob o aspecto formal, já que não

se trata de um termo de definição fixa para todos os casos, mas que depende da

análise do caso concreto, apontando, entretanto, alguns dos requisitos por ele fase, estado ou grau do processo”. E que “ Ninguém poderá ser julgado senão pelos juízes competentes, nem condenado a sofrer uma pena que não estivesse prevista em lei anterior preexistente”. Constituição Colombiana. Art 26,I “Nadie podrá ser juzgado sino conforme a lãs leyes preexistentes al acto que se imputa, ante tribunal competente y observando la plenitud de las formas de cada juício”. Constituição Argentina de 1853: consagra o direito de defesa no art. 18 Constituição Uruguaia de 1966 com emenda de 1967: embora dê destaque à instrução criminal, refere-se textualmente ao princípio sob análise no art 12: “Nadie puede ser panado ni confinado sin forma de proceso y sentencia legal”. E o art 72: “La enumeración de derechos, deberes y garantias hecha por la constitución no excluye los otros que son inherentes a la personalidad humana o que se derivan de la forma republicana de gobierno” Constituição Japonesa do pós guerra promulgada em 3.11.46: contém vários artigos destinados à proteção judicial. O art 31 dispõe no sentido de que “ninguém será privado da vida ou da liberdade, nem nenhuma pena criminal será imposta, a não ser de acordo com o processo estabelecido em lei”. O artigo 32 autoriza o acesso às decisões do Judiciário a todos os cidadãos. Constituição Alemã de 1948: No artigo 103 dispõe que todos têm direito de ser ouvidos legalmente, diante dos tribunais, e o artigo 101 consagra o direito ao juiz natural, investido conforme predeterminação legal.

19

reputados como essenciais para um processo decisório justo, como a existência de um

julgador imparcial, a intimação dos indivíduos que venham a ter os direitos afetados e a

oportunidade de defesa. 9

Incluindo o devido processo adjetivo dentre os princípios fundamentais do

procedimento administrativo, Juan Carlos Cassagne considera que sua aplicação

implica o reconhecimento de três direitos fundamentais que garantem a defesa do

administrado durante o transcurso do processo, indicando-os como: “(a) direito de ser

ouvido; (b) direito de oferecer e produzir provas; e (c) direito a uma decisão

fundamentada”.10

Tais considerações possibilitam concluir que, embora só seja viável

identificar em cada caso concreto a obediência da cláusula, existem requisitos mínimos

essenciais para sua verificação, ainda que outros elementos possam vir a ser

agregados.

Assim, parece possível fixar inicialmente que para identificar a cláusula do

devido processo em sua dimensão formal será preciso que os direitos afetados pela

ação do Estado o sejam mediante um procedimento que assegure a oportunidade de

defesa, com seus desdobramentos, e um julgamento imparcial e justo.

Como já se afirmou, foi somente com a aplicação da interpretação dada pela

Suprema Corte à Décima Quarta Emenda à Constituição americana que se operou uma

abertura até então não experimentada por aplicação da Quinta Emenda.

Segundo Vera Scarpinella Bueno, foi a Emenda XIV que serviu de amparo

constitucional para a aplicação aos entes federados do “Bill of Rights”, obrigatório até 9 Nesse aspecto, Vera Scarpinella Bueno afirma que: “(...) não existe na legislação ou nos precedentes criados pelo judiciário americano alguma lista que identifique, pormenorizadamente, quais os elementos contidos no aspecto processual da cláusula do devido processo. As soluções dadas pelas Cortes variam conforme o caso posto para sua análise” (Devido processo legal e a Administração Pública no direito administrativo norte-americano. In FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na Administração Pública. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 21-22 e 36). 10 El procedimiento administrativo, p. 324.

20

então apenas para a União Federal, em face da ampla interpretação dada à Emenda,

para afirmar que toda a atividade dos Estados-membros deveria observar os direitos

consagrados nas dez primeiras Emendas à Constituição.

Além disso, considerou a Suprema Corte uma outra função da cláusula,

identificada como devido processo legal substantivo, para diferenciá-la de seu aspecto

processual.11

É a partir desse momento que o princípio adquire o caráter garantidor da

justiça, deixando de ser mera garantia processual.

A dimensão substantiva do devido processo legal assegura a igualdade

material porque limita a ação do governo quanto ao modo de afetar a vida, patrimônio

ou liberdade dos indivíduos, uma vez que permite ao Judiciário a revisão, de forma

independente, da legislação que afete direitos constitucionais fundamentais, estando

essa teoria intimamente ligada à razoabilidade das leis promulgadas.

Embora a Suprema Corte Americana tenha interferido com grande

intensidade, sobretudo no período recessivo de 1930, mediante a teoria do devido

processo substantivo, inclusive declarando inconstitucionais leis que regulamentavam a

liberdade econômica e as relações trabalhistas, com o passar do tempo tal

entendimento veio a ser repudiado, com a adoção do entendimento de que a Corte não

deveria rever a legitimidade do propósito do Legislativo, enquanto existisse uma base

racional para a ação, restringindo-se, portanto, o controle da constitucionalidade da

legislação aos direitos individuais constitucionais fundamentais. Portanto, invocando

novamente a lição de Vera Scarpinella Bueno:

(...) a doutrina do devido processo legal substantivo pode ser traduzida como a possibilidade do judiciário interpretar a Constituição Federal americana e decidir quanto a constitucionalidade (razoabilidade) de um ato ou norma editada por um governo estadual ou local, em razão de

11 BUENO, Vera Scarpinella. Devido processo legal e a Administração Pública no direito administrativo norte-americano. In FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na Administração Pública. p 25-27.

21

sua desconformidade com os direitos fundamentais consagrados nas dez primeiras emendas.12

Desse modo, passou o devido processo legal a ser também um instrumento

de controle da razoabilidade e racionalidade das leis e dos atos do governo,

possibilitando ou criando espaço para a criatividade hermenêutica, por meio de

interpretações que pudessem amoldar a realidade atual com a ordem jurídica vigente,

nem sempre, ou na maioria das vezes, incompatível com as necessidades e anseios da

sociedade contemporânea.13

2. O Devido Processo Legal na Constituição Brasileira

José Afonso da Silva destacou que o princípio do due process of law não

esteve propriamente ausente do nosso direito constitucional, mas que emergiu de

algumas normas de garantia do processo e do direito de segurança estabelecidos entre

os direitos individuais, necessitando seu reconhecimento de pesquisa no Texto

Constitucional e de construção doutrinária.14

Embora seja possível identificar, desde a Constituição Imperial de 1824, a

existência de determinadas garantias que pudessem dar margem à identificação da

12 BUENO, Vera Scarpinella. Devido processo legal e a Administração Pública no direito administrativo norte-americano. In FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na Administração Pública, p. 33. 13 Sem embargo da relevância da dimensão substantiva do devido processo legal, que ganhou força nos Estados Unidos da América, no comentário de Jorge Tristan Bosch é possível identificar uma visão crítica que enfoca as dificuldades práticas de sua implementação, quando, ao tratar do procedimento administrativo nos Estados Unidos da América, e citando Nathanson, afirma que a trajetória do devido processo substantivo nunca foi cristalina e que, com seu declínio, como uma significativa proteção contra a regulação governamental, houve uma crescente ênfase no devido processo em seu aspecto formal ou processual. São as suas palavras: “Com la declinación del debido proceso sustantivo, como uma significativa protección contra la regulación gubernamental, no seria sorprendente que hubiera um concomitante y creciente énfasis em el debido proceso procesal, para proveer toda la protección posible contra la accción gubernamental arbitraria que se traduce em decisiones de carácter final, sin interferir com la discrecionalidad administrativa”. (El procedimiento Administrativo en los Estados Unidos de América: la federal administrative procedure act de 1946. (Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Montevideo. (Apartado) Montevideo, ano III, n. 4, e ano IV, ns. 1 e 2, 1953). 14BOSH, Tristan.Revista de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Montevideo. prefácio, p. XV.

22

adoção da cláusula do devido processo legal no direito constitucional brasileiro, sua

inclusão somente passou a ser reconhecida pela doutrina a partir da Carta de 1946.15

O Texto Constitucional de 1946 reportou-se ao Estado de Direito, ao

declarar, no capítulo dos direitos e garantias individuais, que a lei não poderia excluir da

apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão do direito individual, com a seguinte

redação: “Art. 141 § 4º: A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário

qualquer lesão de direito individual”.16

A Carta de 1967 manteve, em seu artigo 150, § 4º, a mesma redação do

artigo 141, § 4º, da Constituição de 1946. Todavia, a Emenda Constitucional nº 7, de

1977, divulgada pela imprensa como o “pacote de abril”, alterou substancialmente a

redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, à Constituição de 1967. O

dispositivo insculpido no § 4º do artigo 153 continha a seguinte previsão, in verbis:

Art. 153 § 4º: A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido.

Mas o princípio do devido processo legal, que, conforme vimos, foi evoluindo

e se enriquecendo paulatinamente, ganhou fôlego e expressiva atenção do legislador

constituinte na Carta de 1988, que o constitucionalizou no artigo 5º, inciso LIV, e o

estendeu para a esfera administrativa no inciso LV, nos seguintes termos:

15 Segundo Luiz Rodrigues Wambier, a doutrina só reconhece a inclusão da cláusula do devido processo legal de forma expressa e clara a partir da Constituição de 1946 (Op. cit., p. 37). E no sentido de que as Constituições anteriores previram dispositivos passíveis de levar à identificação da adoção da cláusula do devido processo legal, registra o artigo 179, inciso XI da Constituição Imperial de 1824: “Ninguém será sentenciado, senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior, e na forma por ella prescripta”. A Carta republicana de 1891 pouco inovou, mas garantiu o controle judicial, o princípio da legalidade e anterioridade das leis, da ampla defesa nos processos de natureza penal e da proibição de foros especiais. A Constituição de 1934 previu, em seu artigo 113, inciso 26, que: “Ninguém será processado, nem sentenciado, senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior ao facto, e na forma por ella prescripta”. Já a Carta de 1937, em seu artigo 123, item 11, ressalta a garantia no âmbito criminal, mas uma interpretação sistemática do Texto, em conjunto com o artigo 123, permite concluir que a cláusula do devido processo legal estava garantida. 16 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: quadro comparativo. Brasília: Senado Federal, Secretaria de Edições Técnicas, 1991, p. 22-23.

23

Art. 5º: LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Segundo o respeitado constitucionalista José Afonso da Silva, o princípio

entrou em nosso direito constitucional com um enunciado que vem da Carta Magna

inglesa (inciso LIV do artigo 5º), combinado com o direito de acesso à justiça (inciso

XXXV do artigo 5º), e o contraditório e a plenitude de defesa (inciso LV do artigo 5º),

fechando-se assim o ciclo das garantias processuais.17

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em acórdão proferido nos autos

do Recurso Ordinário 1.293.341-MG, assentou que:

O princípio do devido processo legal (due process of law) é uma das vigas mestras do estado democrático de Direito, quando assegura a todos os cidadãos o direito fundamental de não serem privados de sua liberdade ou de seus bens, sem a observância do contraditório e ampla defesa, seja na esfera judicial, seja na administrativa (CF/1988, art. 5º, LIV).18

Assim, as garantias, anteriormente extraídas, pela doutrina e pela

jurisprudência, dos textos constitucionais brasileiros, foram explicitadas pela Carta

Magna de 1988, que também as estendeu aos processos administrativos em que haja

litigantes. Em decorrência, as noções de processo e procedimento administrativo, que

até há pouco tempo não ocupavam espaço significativo na doutrina e jurisprudência,

passaram a ganhar amplitude e maior atenção dos doutrinadores.

É inegável a existência de inúmeras legislações esparsas estabelecedoras

de procedimentos específicos para a atuação do Estado, sendo certo, como antes

afirmado, que vários princípios que norteiam o devido processo legal já eram

observados por força de dispositivos constitucionais, como, por exemplo, o da ampla

defesa e isonomia, além de outros decorrentes do Estado de Direito, mas é a primeira 17 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual., p. 431-432. 18 REO 1.293.341-MG. Rel. Juiz Eustáquio Silveira, DJ 7.12.2000, p. 102.

24

vez que a cláusula do devido processo legal ganha status constitucional em nosso país,

sobretudo com a expressa previsão de aplicação ao processo administrativo.

E como explica Ada Pellegrini Grinover, “isso não é casual nem aleatório,

mas obedece à profunda transformação que a Constituição operou no tocante à função

da administração pública”.19

Embora seja incensurável o entendimento segundo o qual a cláusula do

devido processo foi incluída em nossa Constituição em ambas as acepções, material e

formal20, cumpre advertir que a transposição de conceitos sedimentados na doutrina

estrangeira, como o exemplo do conceito do “due process of law”, tal qual desenvolvido

na cultura jurídica americana, deve sempre ser entendida e absorvida segundo o

contexto constitucional do país que assimila ou encampa a doutrina estrangeira,

assumindo peculiar significado em face do ordenamento constitucional local e,

sobretudo, em decorrência dos valores protegidos pela nação que recebe o conceito.21

Como bem assevera Egon Bockmann Moreira, apesar de a ordem

constitucional brasileira ter acolhido expressamente a cláusula do devido processo

legal, a doutrina é dissonante e não chega a um consenso quanto à definição, conteúdo

e limites da cláusula, situação que não discrepa da afirmação feita por Charles D. Cole,

que mencionamos quando nos referimos à dimensão formal do devido processo nos

Estados Unidos da América, onde também não é possível identificar exatamente quais

os elementos contidos na cláusula, porque não existe, na legislação ou nos

19. O direito de defesa em inquérito administrativo. RDA, nº 183, p. 10. 20 “Não é possível pensar-se que, no final do século, com a evolução do Direito Americano desde as primeiras décadas deste mesmo século, quando se incorpora a cláusula em nossa Constituição, equiparável às melhores constituições do primeiro mundo, à Constituição Espanhola, à Constituição Portuguesa, à Constituição Alemã – não é possível, repetimos, supor-se que o texto constitucional empregasse a cláusula do devido processo legal apenas com seu aspecto formal, com o aspecto do século passado (FIGUEIREDO, Lúcia Valle., Op. cit. p. 121). 21 Nesse sentido, Charles D. Cole comenta que: “Qualquer transplante de conceitos constitucionais para aplicação mais ampla internacionalmente dos conceitos judiciais, requer que as pessoas a serem servidas por aqueles conceitos tenham valores semelhantes ou compartilhados, se quisermos assegurar uma eficácia semelhante de tais conceitos” (Op. cit., p. 41).

25

precedentes criados pelo Poder Judiciário, um rol que os identifique de forma

pormenorizada e taxativa.22

Ainda esse mesmo autor considera que, de fato, somente diante do caso

concreto será possível a verificação da efetiva aplicação do devido processo legal,

destacando que a própria Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99) não

prevê expressamente o princípio do devido processo legal. Ressalta, todavia, a

desnecessidade dessa previsão, já que o princípio está insculpido na Constituição

Federal, e ainda porque a lei traduz em normas infraconstitucionais o conteúdo dessa

garantia do Texto Maior, mas não de forma exaustiva.

Muitos são os ângulos de visão e de entendimento da dimensão do devido

processo legal pela doutrina brasileira. Acompanhando o ensinamento esposado por

Egon Bockmann Moreira e Charles D. Cole, acreditamos que a concretização do

princípio somente é possível de se verificar diante de cada caso concreto, o que não

afasta a viabilidade de, em face da nova concepção de processualidade no âmbito da

função administrativa, buscarmos a fixação daquilo que consideramos minimamente

necessário para a aplicação do princípio do devido processo legal, de forma que

procuraremos fazê-lo em relação aos processos relacionados à atuação punitiva do

Estado.23

22 MOREIRA, Egon B.. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/99, 2ª ed. atual., rev. e ampl., p. 237. Nesse aspecto, é bastante esclarecedora a lição de Charles D. Cole, na obra já citada. O autor trata o assunto denominando-o de “O PROBLEMA SOBRE QUE PROCESSO É DEVIDO”, fazendo considerações no seguinte sentido: sempre que houver privação da vida, liberdade ou patrimônio, haverá necessidade de um procedimento justo. Mas que processo seria esse já que o termo “processo” não é de definição fixa para todos os casos. Para tanto, informa que a Suprema Corte estabeleceu que a natureza do processo será determinada pelo equilíbrio do valor do procedimento ao indivíduo, para evitar privação indevida contra o custo do procedimento para a sociedade como um todo. Assim, quando o potencial de privação indevida não é provável, o processo exigido será simplificado, o que significa que formalidades diferentes serão necessárias diante das circunstâncias concretas, considerando-se a importância do direito individual e a necessidade de reduzir a possibilidade de erros decisórios. Os fatores individuais são contrapostos ao interesse do governo em evitar os ônus fiscais e administrativos crescentes que os requisitos procedimentais implicam. Todavia, esclarece que o teste de equilíbrio não prediz com precisão como todos os casos específicos serão decididos, devendo o governo oferecer uma forma de procedimento suficiente para proteger direitos individuais adjetivos, ou o Judiciário determinará que ocorreu uma violação constitucional. 23 Ada Pelegrini Grinover afirma que “na concepção mais recente sobre a processualidade administrativa, firma-se o princípio de que a extensão das formas processuais ao exercício da função administrativa está de acordo com a mais alta concepção da administração: o agir a serviço da comunidade” (Op. cit., p. 11).

26

Segundo os ditames constitucionais, devemos concluir que o devido

processo legal deve ser aplicado aos procedimentos jurisdicionais e administrativos e,

na linha de pensamento de Lúcia Valle Figueiredo, não deve ficar restrito aos processos

sancionatórios ou ablativos de direitos, ou seja, somente diante da existência de

litigância ou de interesses antagônicos.24

Como explica Ada Pellegrini Grinover, inicialmente as garantias do devido

processo nasceram e foram cunhadas para o processo penal, em que estavam mais

presentes as preocupações com os direitos do acusado. Mas, em sua evolução, que

percorreu um longo caminho, foram estendidas para o processo civil e para o processo

administrativo punitivo.25

2.1. O processo administrativo e o devido processo legal

Sendo o processo administrativo a maneira de agir do Estado, seja para fixar

imposições quanto ao modo de atuar da Administração, seja para transpor para a

atuação administrativa o princípio do devido processo, é nele que deveremos

concentrar a atenção, em especial nos processos punitivos, visto que, como já dito, é o

objeto do presente estudo.

Todavia, para tratarmos dessa questão, necessitamos tecer considerações

introdutórias, ainda que breves, sobre os processos administrativos em geral.

Segundo Sergio Ferraz o processo administrativo é o veículo de

exteriorização da atividade administrativa; considerando a imprecisão da expressão

“processo administrativo”, indica que este abrange dois fenômenos: “a dinâmica da

24FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Op. cit., p. 42. 25 Em relação ao processo administrativo punitivo, refere-se a jurista da seguinte forma: “Este último passo foi dado graças à generosa tendência rumo à denominada ‘jurisdicionalização do processo administrativo’, expressão relevante do aperfeiçoamento do Estado de Direito, correspondendo ao princípio da legalidade a que está submetida a administração pública e aos princípios do contraditório e da ampla defesa, que devem preceder toda e qualquer imposição de pena” (Op. cit., p. 9).

27

atuação da administração e o procedimento que enseja a formulação das opções

concretas e/ou das políticas administrativas”. 26

Tal procedimento costuma ser agrupado pela doutrina em fases, com as

quais não nos preocuparemos, pois para o presente estudo basta o entendimento

segundo o qual o procedimento administrativo é o modo de agir da Administração,

mediante um conjunto de providências voltadas à produção do ato final, que deve

refletir a garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos. É, portanto, por meio do

processo que se dá o controle da produção dos atos administrativos, ou seja, do

resultado do ato estatal, e que a Administração cumpre o princípio do devido processo

legal em suas duas dimensões.

As fases ou tantos outros aspectos do processo administrativo não serão

objeto de análise neste estudo mas sim a verificação dos princípios que o administrador

deverá observar no desenvolvimento do processo instaurado visando a aplicação de

sanções administrativas, a fim de que seja possível identificar o adequado desempenho

da função, à medida que assegure a ampla participação dos envolvidos, garantindo um

provimento final imparcial e justo.27

Os fenômenos possíveis de abrangência do processo administrativo abrigam

a celeuma sempre presente acerca do correto emprego das expressões “processo

administrativo” e “procedimento administrativo”, de forma que, segundo sistematização

proposta por Lúcia Valle Figueiredo, processo em sentido amplo seria gênero, a

comportar três espécies: (1) procedimento como forma de atuação do Estado; (2)

procedimento como seqüência de atos ordenados para a emanação de um ato final; e

(3) processo, em sentido estrito, em que há a presença de litigiosidade ou acusações e,

conseqüentemente, da obrigatória observância dos princípios da ampla defesa e do 26 Processo administrativo e Constituição de 1988. RTDP, nº 1, p. 85. 27 A noção de procedimento oferecida por Mauro Cappelletti é capaz de demonstrar a abrangência e conteúdo da expressão, da qual procuraremos não nos desviar no decorrer desse trabalho. Diz o jurista: “El procedimiento no es pura forma. Es el punto de choque de conflictos, de ideales, de filosofías. Es el cabo de las tempestades donde la rapidez y la eficiencia deben confluir e entrelazar-se con la justicia; es también el cabo de buena esperanza donde la libertad individual debe enlazar-se con la igualdad” (Proceso, ideologías, sociedad. apud CASTRO, Carlos Siqueira, Op. cit.).

28

contraditório. Segundo a jurista, estariam incluídos nessa última espécie os processos

revisivos, os disciplinares e os sancionatórios.28

Cumpre consignar que basicamente o que se altera diante da existência de

um ou de outro é a incidência dos princípios constitucionais. Contudo, considerando

que existem processos administrativos punitivos e não-punitivos, e que nesses últimos

poderá haver litigantes, da sistematização acima e da interpretação da norma

constitucional podemos extrair que o contraditório e a ampla defesa não estarão

restritos aos processos em que haja acusados, aplicando-se também àqueles em que

haja litigantes.29

Importará para o presente estudo, de acordo com referida sistematização, o

conceito de processo em sentido estrito, já que estaremos cuidando dos processos

administrativos punitivos.

Voltando à questão da denominação, a doutrina muito já discorreu sobre o

assunto. Agustin Gordillo prefere descartar a utilização da expressão “processo”,

reservando-a somente ao processo judicial.30 Lúcia Valle Figueiredo, aliando-se a Maria

Sylvia Zanella Di Pietro, assevera que processo seria a maneira de agir do Estado, por

suas diversas funções, visando o alcance de suas finalidades, de forma que sempre

haverá processo, estando o procedimento nele contido. 31

Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari dedicaram item específico em obra de

sua autoria sobre processo administrativo e expuseram que a querela nominal é antiga,

mas que atualmente o rol dos autores que aderem à expressão “processo

administrativo” vem ganhando prestígio, reservando-se a palavra “procedimento” para

28 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 416-417. 29 Esse é o ensinamento de Ada Pellegrini Grinover, ao afirmar que: “Assim, a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garantias a todos os processos administrativos, não punitivos e punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes” (Op. cit., p. 13). 30 Tratado de derecho administrativo. p. IX-2 31 Procedimento administrativo. Revista do Advogado. Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, nº 34, jul. 1991, p. 63.

29

identificar o complexo dos atos que compõem o processo, ou seja, o iter que vai da

instauração à decisão.

Contudo, anotaram que remanesce corrente valiosa que opta

conscientemente pela denominação “procedimento administrativo” e que assim o faz

visando apartar o processo judicial do administrativo.

Adotam os renomados juristas a expressão “processo administrativo”,

justificando a opção com base em três critérios, o lógico formal, o ideológico e o

normativo. Destacamos o normativo, sobre o qual argumentam os referidos autores que

a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LV, utilizou a expressão “processo

administrativo”.32

Sem desconsiderar as discussões existentes à respeito, seguimos opção

adotada por Celso Antônio Bandeira de Mello, que, apesar de advertir o acerto do título

“processo administrativo”, utilizou as expressões de forma indiscriminada. Assim

também o faremos.33

Desse modo, o processo ou procedimento administrativo envolve uma

sucessão ordenada de atos, fatos e formalidades, todos concatenados e seqüenciados,

voltados à formação da vontade da Administração. Segundo Sérgio Ferraz e Adilson

Abreu Dallari, as etapas procedimentais do processo carregam uma carga genética que 32 FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2001, p. 33-35. 33 O ilustre jurista, em sua obra Curso de direito administrativo, no capítulo destinado ao estudo do procedimento administrativo, já em seu título utiliza os conceitos de forma indiscriminada. Sobre a rotulação “processo” ou “procedimento”, entende o autor que a terminologia adequada é “processo”, sendo o procedimento a modalidade ritual de cada processo. Todavia, considera que não se há de criar um cavalo de batalha, sendo que milita a tradição pelo “procedimento” e a recente terminologia legal por “processo”, de modo que utiliza as duas nomenclaturas de forma indiferente. Para ele: “Procedimento administrativo ou processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo. Isto significa que para existir o procedimento ou processo cumpre que haja uma seqüência de atos conectados entre si, isto é, armados em uma ordenada sucessão visando a um ato derradeiro, em vista do qual se compôs esta cadeia, sem prejuízo, entretanto, de que cada um dos atos integrados neste todo conserve sua identidade funcional própria, que autoriza a neles reconhecer o que os autores qualificam como ‘autonomia relativa’. Por conseguinte, cada ato cumpre uma função especificamente sua, em despeito de que todos co-participam do rumo tendencial que os encadeia: destinam-se a compor o desenlace, em um ato final, pois estão ordenados a propiciar uma expressão decisiva a respeito de dado assunto, em torno dos quais todos se polarizam” (Curso de direito administrativo. 22ª ed., rev. e atual., p. 466-467).

30

imanta todas as atividades do processo, que é a de “propiciar uma decisão quanto

possível acertada e justa”.34

Dessa definição já podemos vislumbrar que está o processo administrativo

vocacionado a veicular o princípio do devido processo legal, cujo propósito precípuo é

garantir um processo que culmine em um resultado justo, protegendo os direitos

fundamentais dos indivíduos. É ele que viabiliza a verificação da validade dos atos

estatais.

Charles D. Cole aponta os seguintes requisitos para que um processo seja

justo: (a) julgador imparcial; (b) intimação dos indivíduos atingidos pelo ato do governo

no direito à vida, liberdade e patrimônio, incluindo o direito de defesa; e (c) intimação

das partes interessadas na pendência.35

Ada Pellegrini Grinover anota três planos nos quais se desdobram as

garantias do contraditório e da ampla defesa: o plano jurisdicional, devendo ser

reconhecidas para o processo penal e não-penal; o plano das acusações em geral, em

que as garantias abrangem todas as pessoas objeto de acusação; e, por fim, o plano do

processo administrativo em que haja litigantes, entendidos estes como titulares de

interesses em conflito.36

Para a autora, dentre as garantias fundamentais para um processo justo está

o contraditório, no qual se insere o direito à prova e se garante a imparcialidade do

julgador37. Nesse sentido, a jurista cita o processualista Antonio Magalhães Gomes

Filho, ao observar que “a exigência prévia para o exercício do complexo de atividades

processuais próprio das partes é a ciência efetiva a respeito de tudo o que se passa no

processo”.38

34FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu, Processo administrativo. p. 91. 35 Op. cit., p. 34. 36 Op. cit., p. 30. 37 Ibidem, p. 31. 38GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios processuais e princípios de direito administrativo no quadro das garantias constitucionais. RDA, nº 16, p. 31.

31

Por tais colocações, constata-se que o contraditório é visto pela mencionada

autora como verdadeira condição de eficácia da prova, de forma que esta restará

comprometida caso não tenha contado, no processo de sua formação, com a efetiva

participação dos interessados. Por conseguinte, as provas devem ser produzidas no

decurso do processo, com a ampla participação das partes.

Héctor Escola, por sua vez, indica, como elementos integrantes da garantia

do devido processo legal no procedimento administrativo, os seguintes: (a) direito de

ser ouvido; (b) direito de oferecer e produzir provas; (c) direito de uma decisão

fundamentada; e (d) direito de o administrado ser representado, assessorado por um

profissional do direito.

Complementa o autor - trazendo uma análise mais geral da garantia do

devido processo, extraída de distintas legislações que o consagram, bem como das

conclusões jurisprudenciais - que os elementos que o compõem são: (a) notificação do

interessado do caráter e fins do processo; (b) oportunidade de apresentação de

manifestação, o que inclui o acesso às informações e antecedentes administrativos

vinculados ao assunto tratado; (c) direito de ser ouvido e oportunidade de apresentar

argumentos e provas que entender pertinentes; (d) direito de se fazer representar e ser

assessorado por advogados, técnicos e outras pessoas qualificadas; (e) direito de ser

devidamente notificado da decisão e dos motivos que a fundamentaram; e (f) direito de

recorrer administrativa ou judicialmente.39

Como se denota, para a satisfação do devido processo legal, não basta um

procedimento encadeado e seqüencial de atos voltados a um resultado final, sendo

imprescindível a existência de um processo que assegure todas as garantias do

contraditório, que engloba a produção de provas com a efetiva participação das partes

envolvidas e a ampla defesa, além de um julgamento realizado por juiz imparcial,

39. Teoria general del procedimiento administrativo, p. 144.

32

mediante procedimentos previamente estabelecidos que assegurem tratamento

isonômico aos envolvidos e eventualmente atingidos pelo ato.

Mas a Constituição Federal brasileira, ao assegurar o contraditório e a ampla

defesa, garantiu a incidência de vários outros princípios, que são verdadeiros corolários

desses de forma que incidem outros princípios que integram e devem ser observados

nos procedimentos administrativos em geral.

Para melhor compreensão, partamos dos princípios gerais indicados pela

doutrina, a serem observados em todos e quaisquer processos administrativos,

considerando, desde logo, que estes e o processo judicial possuem princípios comuns,

à medida que ambos estão voltados à aplicação da lei.

Todavia, uma vez mais invocando a lição de Héctor Escola, consignamos

que o procedimento administrativo é regido por alguns princípios fundamentais, que

vêm sendo reconhecidos de forma pacífica pela doutrina, que os dota de elementos

necessários para que cumpram seu objeto, que é “dar lugar para que a administração

pública possa alcançar as finalidades que lhes são próprias, como gestora do interesse

público. Para esse autor, tais princípios gerais do procedimento administrativo são os

que lhe outorgam individualização e contribuem para diferenciá-lo do procedimento

judicial, com o qual não pode ser confundido.40

Na valiosa lição de Adilson Abreu Dallari e Sergio Ferraz, “incidem sobre o

processo administrativo tanto princípios que lhe são exclusivos quanto princípios

também aplicáveis a outros institutos ou situações jurídicas”, expondo assim as

dificuldades, ou até mesmo a impossibilidade da identificação dos princípios exclusivos

do processo administrativo, por não ser nítida a fronteira dessa modalidade processual

como campo mais vasto da teoria geral do processo.41

40 ESCOLA, Héctor. Teoria general del procedimiento administrativo., p. 123-124. Texto original: “dar lugar a que la administración pública pueda alcanzar las finalidades que le son próprias, como gestora del interes público”. 41 FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu, Processo administrativo, p. 50.

33

Nesse aspecto, apenas reproduziremos as lições daqueles que já se

dedicaram ao assunto, para nos determos nos princípios necessários à configuração do

devido processo, obrigatórios na hipótese de haver “litigantes” ou “acusados”, nas

sábias palavras de Lúcia Valle Figueiredo.42

Se o procedimento administrativo é absolutamente necessário à produção

dos atos administrativos, deverão ser aplicados a todos os procedimentos

administrativos os princípios do artigo 37 da Constituição Federal.

Como observou, com costumeiro acerto, Celso Antônio Bandeira de Mello,

existem princípios gerais aplicáveis a todos os procedimentos administrativos, sendo

que os princípios hão de ser considerados vigorantes obrigatoriamente, mesmo na

ausência de lei que os enuncie, por decorrerem de cânones constitucionais explícitos

ou projeções naturais dos princípios informadores da Constituição brasileira.43

Referido jurista aponta a existência de onze princípios obrigatórios nos

processos administrativos, em decorrência do Texto Constitucional, afirmando que três

deles não se aplicam a todo e qualquer procedimento. São eles: audiência do

interessado, acessibilidade aos elementos do expediente, ampla instrução probatória,

motivação, revisibilidade, representação e assessoramento, lealdade e boa-fé, verdade

material, oficialidade, gratuidade e informalismo. Destaca os dois últimos como não-

aplicáveis aos procedimentos ampliativos de direitos, e o último como não-aplicável aos

procedimentos concorrenciais.44

Não nos ocuparemos de pormenorizar todos esses princípios, mas

procuraremos, oportunamente, abordar aqueles que nos pareçam obrigatórios nas 42 A professora Lúcia Valle Figueiredo aponta os seguinte princípios constitucionais a serem utilizados nos processos administrativos em sua acepção estrita, e que são desdobramentos da aplicação do princípio do devido processo legal: juiz natural ou administrador competente, amplo contraditório, como condição essencial para decisão legal e justa, igualdade entre as partes, motivação das decisões, direito a produção de provas (compreendido no contraditório), verdade material ou princípio inquisitório, informalismo a favor do administrado, direito à revisibilidade (duplo grau), direito à defesa técnica, direito ao silêncio e proibição da reformatio in pejus (Curso de direito administrativo. 8ª ed., p. 443-456). 43 Curso de direito administrativo, p. 489. 44 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo, p. 456-457.

34

hipóteses de existência de acusados ou litigantes, indispensáveis para a constatação

de que determinado procedimento salvaguardou os direitos fundamentais dos

envolvidos ou simplesmente atingidos pelo ato dele resultante.

A Lei Federal de Processo Administrativo traz um rol de princípios a serem

observados pelos três Poderes no exercício da função administrativa, dispostos de

forma expressa no caput de seu artigo 2o (legalidade, finalidade, motivação,

razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança

jurídica, interesse público e eficiência), sendo certo que do parágrafo único do

mencionado dispositivo desdobram-se inúmeros outros princípios, como ocorre de

maneira explícita ou implícita em todo o texto da lei (Lei n° 9.784/99)45. Por óbvio, e

como já foi dito, tal rol de princípios não é exaustivo. A indicação não exaustiva dos

princípios igualmente se dá na lei estadual paulista de processo administrativo (Lei n°

10.177/98).

E embora, a toda evidência, como antes mencionado, o devido processo

legal tenha em mira fundamentalmente o processo penal, porque tende a proteger o

indivíduo em sua liberdade, é ele aplicável a todos os tipos de procedimento; e também

como já consignamos, os princípios que incidem no processo administrativo, quando há

acusados, não são os mesmos que incidem no procedimento administrativo como forma

de realização da atividade administrativa.

Ainda que o regime jurídico administrativo não se confunda com o regime

jurídico penal, é forçoso reconhecer a existência de princípios que se aplicam a ambos

os procedimentos, independentemente da natureza da sanção: penal ou administrativa.

Desse modo, deixando de enfocar de maneira específica cada um dos

princípios arrolados nas mencionadas leis, bem como os princípios indicados pelos

45 Considerando comentário de Sergio Ferraz (Processo administrativo e Constituição de 1988, p. 86-87), acreditamos que a lei federal de processo administrativo andou melhor que a Constituição Federal, que, no entendimento do jurista, teve amesquinhada a redação do caput do artigo 37, com a supressão da referência expressa aos princípios da motivação e da proporcionalidade.

35

doutrinadores que se debruçaram sobre o assunto, passaremos a tratar do processo

administrativo em sentido estrito, ou de segundo grau, segundo denominação adotada

por Giannini46.

Pois bem, considerando que a atividade punitiva do Estado deve ser

desenvolvida por meio de regular processo administrativo, em que deverão ser

garantidos os direitos individuais dos cidadãos, com absoluto respeito ao devido

processo legal, procuraremos indicar, baseados nos estudos já realizados por aqueles

que se dedicaram ao tema, quais princípios deverão incidir para efetivamente

considerarmos tais direitos respeitados.

Como vimos, a doutrina já se ocupou em descrever os princípios gerais que

devem incidir em todo e qualquer processo administrativo, e muito embora possamos

encontrar formas distintas de tratamento por parte de cada doutrinador, não existem

divergências profundas acerca dos princípios gerais incidentes, de maneira que

adotaremos o elenco oferecido por Celso Antônio Bandeira de Mello, acima

mencionado, que a nosso ver abarca todos os princípios possíveis de serem extraídos,

implícita ou explicitamente, do ordenamento jurídico brasileiro.

É certo que nos processos sancionatórios deverão incidir os mesmos

princípios, acrescidos de outros, que não necessitarão estar presentes nos processos

administrativos em que inexistam acusados ou em que não esteja presente a

litigiosidade. Daí a afirmação no sentido de que, nesses casos, alguns princípios do

processo penal incidirão.

Dedicaremos capítulo específico para tratar do procedimento punitivo a ser

desenvolvido no âmbito do Tribunal de Contas, ocasião em que apontaremos os

princípios a serem obrigatoriamente observados.

46 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. p. 417, apud: GIANNINI, Massimo Severo i, Diritto amministrativo, 3ª ed., v. II, Milano, Giuffrè, 1993.

36

CAPÍTULO II LEGALIDADE E SANÇÃO ADMINISTRATIVA

1. Breves considerações introdutórias sobre o princípio da legalidade e sua evolução

O princípio da legalidade receberá tratamento específico e destacado dos

demais princípios a serem apontados no capítulo referente ao procedimento que deve

anteceder o ato punitivo, considerando sua relevância para o adequado estudo do tema

proposto, uma vez que as leis regentes do processo punitivo e o exercício da

competência sancionatória não podem ignorar os princípios e regras constitucionais,

sendo certo que sua leitura só se viabiliza corretamente levando-se em conta os

contornos dados pelo sistema normativo vigente e, conseqüentemente, a noção de

Estado de Direito, cujo conteúdo variará de acordo com o perfil atribuído pelo direito

constitucional de cada país. Por conseguinte, não obstante outros princípios de

inegável importância também incidam, é a partir deste que o tema deve ser analisado.

Legalidade e Estado de Direito são noções inseparáveis, embora comportem

análise individualizada. O princípio da legalidade é o nascedouro do direito

administrativo, sendo correto afirmar que o direito administrativo é verdadeira

conseqüência do Estado de Direito.

Assim é que, embora a Administração Pública, enquanto conjunto de

pessoas e órgãos que exercem a função administrativa do Estado, já existisse em

épocas anteriores, de fato somente passou a se estruturar a partir da formação do

Estado de Direito. Daí a inegável importância dos contornos conferidos pelo

ordenamento jurídico à atuação da Administração Pública, sobretudo em decorrência

do princípio da legalidade, de observância obrigatória no exercício da função

administrativa e, como teremos oportunidade de constatar, com incidência fortemente

marcante no exercício da competência punitiva do Estado.

37

Veremos que um longo caminho precisou ser percorrido para a consagração

do princípio da legalidade tal como concebido atualmente, bem como que há vertentes

do tema, como a proposta voltada à análise das sanções administrativas, as quais

suscitam indagações já enfrentadas pela doutrina, mas ainda tratadas de forma tímida,

que, longe de estarem sedimentadas e pacificadas, estão a reclamar maior atenção por

sua complexidade e relevância, sobretudo em relação à extensão do princípio da

legalidade.

É clássica a afirmação de que a legalidade assenta-se na estrutura do

Estado de Direito, só sendo possível à Administração Pública fazer o que a lei autoriza.

A atividade administrativa é sub-legal, somente podendo ser exercida debaixo da lei.

Fica a idéia perfeitamente clara e assentada de que aqueles que exercem a função

pública estão sujeitos ao preconizado na lei, que é a concretização da vontade geral,

sobreposta, portanto, a qualquer idéia de autoritarismo ou favoritismo, considerando-se

o caráter abstrato e genérico da lei, o que faz com que esta noção se assente também

na idéia de igualdade, porque Estado e indivíduos estarão sujeitos a um quadro

normativo que a todos se impõe.

Nem sempre foi assim, uma vez que o Estado Moderno conheceu uma etapa

que antecedeu o Estado de Direito, identificada como Estado de Polícia, em que a

Administração Pública agia de forma legalmente incondicionada e sem limitações.

Referida fase deixou resquícios ainda plenamente identificados no período

do Estado Liberal, quando o princípio da legalidade era voltado à compatibilização da

obediência à lei com a discricionariedade administrativa, esta concebida de forma

ampla, em que os atos administrativos expedidos no exercício discricionário não eram

passíveis de controle jurisdicional. A discricionariedade era concebida como livre

autonomia e podia ser aplicada onde a lei não regulava.

Mas a concepção de legalidade sofreu forte influência do positivismo jurídico

e consagrou-se no sentido de que a Administração só pode fazer o que a lei permite,

38

resultando em profunda alteração da concepção de discricionariedade, que deixou de

ser entendida como espaço livre de atuação do administrador, que podia fazer tudo o

que a lei não proibia, ganhando novo significado, o de que a Administração só pode

fazer o que a lei permite. Passou então a discricionariedade a ser concebida como um

poder fortemente limitado pela lei.47

Independentemente do conteúdo que se possa emprestar à expressão

Estado de Direito, é certo que o Estado de Direito tem na lei, que realiza o princípio da

legalidade, a essência de seu conceito. 48

Nesse aspecto, exalta o professor José Afonso da Silva a necessidade de

uma superação do positivismo formalista, no sentido de que o conceito da lei não pode

ser o mesmo que imperou no Estado de Direito Clássico, propugnando que a lei possa

influir na realidade social, não permanecendo em uma esfera puramente normativa.49

É, portanto, nesse contexto que se dá a atuação da Administração Pública

que, de acordo com os objetivos fundamentais do Estado de Direito, deve agir nos

limites impostos pela lei em sentido amplo. Destarte, o princípio da legalidade é nuclear

na função administrativa, devendo o administrador público, no exercício dessa função,

aplicar a lei para solucionar os casos concretos, sempre guiado pelo interesse público,

47 Sobre o tema dos limites do exercício do poder discricionário, consulte-se Allan R. Brewer-Carías, (Princípios del procedimiento administrativo) que afirma não existir discricionariedade onde há conceito jurídico indeterminado, porque há somente uma única solução justa na aplicação do conceito ao caso concreto, e que a doutrina e jurisprudência, sobretudo na América latina, estão abandonando a tradicional imunidade jurisdicional na matéria de discricionariedade. Ressalta ainda o autor a relevância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como limitadores da discricionariedade. 48 Diz o professor José Afonso da Silva, invocando Carl Schmitt, que “pode ter tantos significados distintos como a própria palavra ‘Direito’ e designar tantas organizações quanto as que se aplica a palavra ‘Estado’”. In: Curso de direito constitucional positivo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, p.117. 49 “é precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalva a relevância da lei, pois ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito clássico. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser puramente lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas, econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência dos valores socialmente aceitos”. (Ibidem, p. 126).

39

finalidade última da lei, decorrendo daí que a função administrativa é subordinada à

função legislativa, à medida que caberá ao administrador tão-somente colocar em

prática a lei.

Sobre este assunto muito já se escreveu, motivo pelo qual cuidaremos de

reproduzir, de forma perfunctória, as lições deixadas, apenas buscando situar o tema

que pretendemos enfocar.

Acerca da visualização do princípio da legalidade, além de uma regra de

“limite” para a atuação estatal, e com uma proposta para a reconstrução do princípio

para além da garantia formal, podendo também expressar garantia material para os

indivíduos e para a sociedade, recomendamos a leitura do artigo de Eros Grau

intitulado “Algumas notas para a reconstrução do princípio da legalidade”. 50

Em apertada síntese, o jurista observou que, além de instrumento ancilar da

preservação da liberdade, a legalidade também passou a desempenhar o papel de

substituto da legitimidade, podendo, em sua acepção meramente formal, prestar-se a

servir de instrumento de opressão e opróbrio. Com essa observação, propugna pela

revisão construtiva do princípio da legalidade e, repudiando a sua concepção

meramente formal, invoca sua subsistência em termos materiais, segundo ele

“indispensável à realização das vocações autênticas do Direito”. Trata-se, portanto, de

uma visão crítica, fruto de profunda reflexão, em nossa visão de leitura recomendável

àqueles interessados em aprofundar o estudo acerca desse princípio. 51

50 Revista da Faculdade de Direito. v. LXXVIII. São Paulo: Universidade de São Paulo, Jan./Dez 1983, p. 161-166. 51 Transcrevemos parte do texto, por considerarmos relevante para aclarar a proposta que procuramos de forma sucinta traduzir nesse trecho do presente trabalho. No desenvolvimento de suas reflexões, assevera o respeitado jurista que: “ Na consagração da legalidade como critério meramente formal, pois, a ereção de pilastra hábil a dar justificativa ao Direito posto, independentemente de qualquer valoração a propósito de seu conteúdo. Já não compete ao estudioso do Direito, desde então, a avaliação da justiça do poder – tal como exercido sob o manto da legalidade – ou da norma. Incumbe-lhe, pelo contrário, colocar o seu saber a serviço do objetivo de reduzir o quanto mais se possa a ação estatal e, na impossibilidade disso, ao sabor de valores bem definidos. A política da legalidade, desta sorte, conduz à neutralidade axiológica do Direito e à anulação do direito de resistência contra o Direito injusto. O que importa, desde a perspectiva instalada na consagração do princípio, tal como atualmente concebido, é que as normas jurídicas sejam rigorosamente cumpridas. Por conseqüência, a legalidade assume caráter de dogma” (Op. cit., p. 163).

40

Pois bem, o princípio da legalidade, além de referido no caput do artigo 37 da

Constituição Federal, está insculpido artigo 5º, inciso II, sendo verdadeira garantia dos

indivíduos contra o abuso de poder. Segundo a respeitada jurista Lúcia Valle

Figueiredo, a origem do princípio da legalidade radica na proteção dos indivíduos contra

o Estado dentro das conquistas liberais obtidas no final do século XVIII e início do

século XIX, e decorrentes da ênfase excessiva no interesse do Estado em manter

íntegro e sem lesões o seu ordenamento jurídico.52

O princípio está consubstanciado no seguinte enunciado: “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II, da

Constituição Federal), tendo sido erigido como um dos princípios norteadores da

atividade administrativa no artigo 37, caput, da Carta Magna, significando que a

Administração Pública apenas poderá submeter os administrados àquilo que estiver

previamente previsto em lei.

Assim, a regra de conduta negativa imposta aos indivíduos não conferiu o

mesmo tratamento ao Estado, uma vez que, enquanto o particular tem a possibilidade

de fazer tudo o que a lei não veda, a Administração Pública somente está autorizada a

fazer o que a lei lhe confere.

Como observa a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “no âmbito das

relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia de vontade, que lhes

permite fazer tudo o que a lei não proíbe”.53

Segundo já observado, o princípio deve ser concebido de forma diversa

daquela decorrente do positivismo formalista do Estado Liberal, conhecido como Estado

Legal, no sentido de que o Estado deverá submeter-se ao Direito e não à lei formal.54

52 Alguns aspectos teóricos da improbidade administrativa. In BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (coords.). Improbidade administrativa - questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 277. 53 Direito administrativo, p. 68. 54 Acerca do princípio da legalidade, o Ministro Carlos Ayres Britto fez a seguinte observação, em voto proferido nos autos do RMS 24.699/DF: - DJ 01.07.2005: “Só queria fazer uma observação lateral. Esse lapidar conceito de

41

Embora pareça fácil concluir acerca do conteúdo e extensão do princípio da

legalidade, no sentido de que a legalidade deriva da lei, e que, portanto, está na lei o

conteúdo do princípio, é inquestionável que a amplitude deste encontra várias

acepções, algumas bastante amplas.

Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves citam pesquisa realizada por

Charles Eisenmann que identifica três tendências a respeito da questão colocada: de

André de Laubadère, que considera a legalidade como o conjunto das leis

constitucionais, das leis ordinárias, dos regulamentos, dos tratados internacionais, dos

usos e costumes e das normas jurisprudenciais; de Georges Vedel, que numa postura

mais ampla acrescenta a essas os atos administrativos individuais e os contratos; e a

da noção originária mais restritiva, que identifica o princípio da legalidade com a lei

criada pelo legislador. 55

Não é demais observar que tais posicionamentos devem ser considerados

com a devida cautela, já que oriundos de países com outros perfis constitucionais, não

podendo, portando, ser transportados sem temperamentos para a nossa realidade.

Miguel Seabra Fagundes, segundo o qual administrar é aplicar a lei de ofício, talvez esteja a exigir uma atualização. O artigo 37 da Constituição, tão apropriadamente citado por V.Exa., Sr. Ministro Eros Grau, na cabeça desse artigo há uma novidade que não tem sido posta em ênfase pelos estudiosos. Esse artigo tornou o Direito maior do que a lei ao fazer da legalidade apenas um elo, o primeiro elo de uma corrente de juridicidade que ainda incorpora a publicidade, a impessoalidade, a moralidade, a eficiência. Ou seja, já não basta ao administrador aplicar a lei, é preciso que o faça publicamente, impessoalmente, eficientemente, moralmente. Vale dizer: a lei é um dos conteúdos desse continente de que trata o art. 37. Então, se tivéssemos que atualizar o conceito de Seabra Fagundes, adaptando-o à nova sistemática constitucional, diríamos o seguinte: administrar é aplicar o Direito de ofício, não só a lei”. 55 “Para André de Laubadère (Traité, n.º 369), a legalidade é o conjunto (a) das leis constitucionais; (b) das leis ordinárias; (c) dos regulamentos; (d) dos tratados internacionais; (e) dos usos e costumes; (f) das normas jurisprudenciais, entre as quais em primeiro lugar, os princípios gerais do direito – ou seja, quatro elementos de caráter ‘escrito’ dos quais os dois primeiros formam o ; ‘bloco legal’ (Hauriou), os três primeiros o ‘bloco legal das leis e regulamentos’, e dois elementos de caráter não escrito. Georges Vedel (La Soumission de l´Administration à la loi, n 47) encampa uma posição ainda mais ampla de legalidade, acrescendo que “às regras de direito obrigatórias para a Administração vêm unir-se as normas peculiares que as vinculam – as dos atos administrativos individuais e as dos contratos. Assim, compõem o ‘bloco da legalidade’ a totalidade das normas cuja observância impor-se-ia à Administração; a legalidade se identifica então, pura e simplesmente com a regulamentação jurídica em seu todo, com o ‘direito vigente’. Por último, tem-se a noção originária e restritiva do princípio da legalidade, impondo à Administração a observância das normas criadas pelo legislador, as quais se reduzem à lei (lato sensu). In: Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p. 53.

42

Eros Roberto Grau apresenta posição mais aberta do que a adotada pela

maioria dos doutrinadores nacionais, asseverando que o artigo 5º, II, da Carta Magna

consagra o princípio da legalidade em termos apenas relativos, no sentido de que pelo

menos por três oportunidades a Constituição faz referência ao princípio em termos

absolutos, quais sejam: não haverá crime, ou pena, nem tributo, nem exigência de

autorização de órgão público para o exercício da atividade econômica, sem lei que os

estabeleça. Assim, entende que não faria sentido as mencionadas remissões, caso o

princípio consagrado no artigo 5º, II, se desse em termos absolutos.

Em decorrência dessa postura, o ilustre jurista entende que as demais

matérias, que deverão ser colhidas no Texto Constitucional, estão excluídas do

princípio da reserva de lei e podem ser tratadas por regulamentos.56

Nessa linha de raciocínio, Eros Grau pondera que o direito pátrio admite os

denominados “regulamentos delegados”, considerando, ainda, que assim são

chamados de forma indevida, porque não decorrem de uma delegação de função,

intitulando-os de regulamentos autorizados, que são expedidos a partir de atribuição

explícita do exercício e função normativa ao Executivo.

Carlos Ari Sundfeld entende que a análise do princípio da legalidade

comporta vários enfoques distintos, apresentando peculiaridades e graus diversos em

cada situação. Os enfoques indicados pelo autor dizem respeito à criação e

organização de órgãos e pessoas administrativas, à atividade interna da Administração

e ao seu relacionamento com os particulares.

Admite o publicista que em situações de sujeição especial do particular

(vínculo específico do particular com a Administração) diante da lacuna da lei, pode a

Administração, por força da titularidade dos serviços públicos outorgados pela Carta

56O direito posto e o direito pressuposto. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 184. Assim se posiciona o jurista: “(...) se há um princípio de reserva de lei - ou seja, se há matérias que só podem ser tratadas por lei -, evidente que as excluídas podem ser tratadas em regulamentos; quanto à definição do que está excluído nas matérias de reserva de lei, há de ser colhida no texto constitucional; quanto a tais matérias não cabem regulamentos. Inconcebível a admissão de que o texto constitucional contivesse disposição despicienda --- verba cum sunt accipienda”.

43

Magna, regular os direitos e deveres dos particulares que os utilizam. Já com relação

aos atos praticados pela Administração Pública na atividade ordenadora da vida privada

(relações jurídicas decorrentes de autoridade genérica do Estado), os atos

administrativos devem estar amparados na lei.

Observa, entretanto, que essa postura não significa a afirmação de um

legalismo estrito, porque a Administração não age apenas de acordo com a lei, mas ao

que o autor chama de “bloco da legalidade”.57

Acreditamos que o princípio da legalidade deve ser concebido no sentido de

que não cabe a qualquer ato expedido por Poder constituído que não seja o Legislativo

criar ou extinguir direitos de forma originária no ordenamento jurídico. Assim, embora o

regulamento tenha natureza semelhante à da lei, por se tratar de ato dotado de maior

abstração e generalidade, impondo-se a todos, não há de ser incluído como elemento

integrante do princípio da legalidade, assim como também não o integram os contratos,

os usos e costumes e a jurisprudência.58

Nem por isso há de ser o princípio concebido de forma acanhada. É o que se

extrai da lição de Lúcia Valle Figueiredo, sobre ser o princípio da legalidade mais amplo

que a mera sujeição à lei, devendo o administrador submeter-se também ao direito, ao

ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais.59

57 “Tal não significa a afirmação de um legalismo estrito. A administração não age apenas de acordo com a lei; subordina-se ao que se pode chamar de bloco da legalidade. Não basta a existência de autorização legal: necessário atentar para a moralidade administrativa, à boa fé, à igualdade, à boa administração, à razoabilidade, à proporcionalidade - enfim, aos princípios que adensam o conteúdo das imposições legais”. In: Direito administrativo ordenador. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 31-32. 58 Diz Celso Antônio Bandeira de Mello que “para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se, através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder legislativo – que é o Colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral”. In: Curso de direito administrativo, p. 97. 59 Nas palavras da ilustre jurista: “(...) O princípio da legalidade é bem mais amplo do que a mera sujeição do administrador à lei, pois aquele necessariamente, deve estar submetido também ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais, assim também há de se procurar solver a hipótese de a norma ser omissa ou eventualmente faltante”. In: Curso de direito administrativo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 42.

44

Ao se referir ao princípio da legalidade, Paulo Bonavides também o faz

nesse mesmo sentido, qual seja, dando-lhe uma dimensão que vai além da mera

sujeição à lei em sentido estrito, compreendendo também os preceitos jurídicos

vigentes.60

Desse entendimento não diverge Juarez de Freitas, que, comentando sobre

o princípio da legalidade, enfatiza que a submissão da Administração Pública não é

apenas à lei, mas ao direito, observando-se os princípios em sintonia com a teleologia

constitucional.61

Das lições mencionadas e transcritas com o objetivo de trazer à colação o

pensamento de nossos publicistas e mestres, temos que o princípio da legalidade é

modernamente concebido de forma mais ampla, inclusive admitindo ou cedendo

espaço em certa medida para a aplicação simultânea de outras garantias igualmente

60 “A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de que todo poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se exerce ao direito que o regula. Cumpre pois discernir no termo legalidade aquilo que exprime inteiramente conformidade com a ordem jurídica vigente. Nessa acepção ampla, o funcionamento do regime e a autoridade investida nos governantes devem reger-se segundo as linhas mestras traçadas pela Constituição, cujos preceitos são a base sobre a qual se assenta tanto o exercício do poder como a competência dos órgãos estatais. A legalidade supõe, por conseguinte, o livre e desembaraçado mecanismo das instituições e dos atos da autoridade, movendo-se em consonância com os preceitos jurídicos vigentes ou respeitando rigorosamente a hierarquia das normas, que vão dos regulamentos, decretos e leis ordinárias até a lei máxima e superior, que é a Constituição”. In: Paulo Bonavides. Ciência política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.111. 61 “No que tange ao princípio da legalidade (razoável) e da submissão da Administração Pública ao Direito, é de brevemente recordar que se evoluiu desde um legalismo primitivo e descompromissado para uma posição, por assim dizer, principiológica e substancialista. Por razões históricas sobejamente conhecidas, praticamente resta abandonado, ao menos em teoria, um determinado tipo de legalismo estrito, assim como já não prosperam mais visões ou escolas preconizadoras, nos moldes da Escola da Exegese, de uma servidão do intérprete à lei ou, ao que seria pior, a voluntas legislatoris. A sua interpretação sistemática não o sucede nem o antecede: é contemporânea dele. Confere-lhe vida e dinamicidade, porquanto o conteúdo jurídico, por força de sua natureza valorativa, transcende o mera e esparsamente “positivado”. Neste caso, a legalidade faz às vezes de valiosíssimo princípio, porém somente experimentando significado apreciável na correlação com os demais. Pensar o Direito Administrativo exclusivamente como um conjunto de normas seria subestimar, de forma danosa, a complexidade e a riqueza do fenômeno jurídico-administrativo. Assim, a submissão da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações que a qualificam como razoável. Não significa dizer que se possa obedecer alternativamente à lei ou ao Direito. Não. A legalidade devidamente adjetivada razoável requer a observância cumulativa dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional. A submissão razoável apresenta-se menos como submissão do que como respeito. Não é servidão, mas acatamento pleno e concomitante à lei e, sobretudo, ao Direito. Assim, desfruta o princípio da legalidade de autonomia relativa, assertiva que vale para os princípios em geral”. In: O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 60-61.

45

consagradas pela Constituição em socorro dos indivíduos, de forma a garantir seu

papel no desenvolvimento e aplicação dos direitos sociais, sem, contudo, significar seu

afastamento, como aliás não poderia deixar de ser. Não há que se conceber ato

administrativo desgarrado da legalidade, mas tampouco se pode concebê-lo de forma

tacanha.

A atuação da Administração Pública deve ocorrer de acordo com o seu fim

precípuo, qual seja, o atendimento do interesse da coletividade, em plena consonância

com a legalidade, de forma a observar os objetivos que inspiraram o princípio da

legalidade, que são, o controle do poder e as garantias individuais, de modo que os

administrados não sejam surpreendidos, sabendo de antemão quais são as restrições

estabelecidas no ordenamento e válidas para todos.

Pretendemos, portanto, deixar assentado, para o desenvolvimento da idéia

central deste estudo, que o princípio da legalidade, sem qualquer dúvida de

observância inafastável na atuação da Administração Pública, deve ser aplicado de

acordo com o ordenamento jurídico pátrio concebido de forma ampla.62

Assim, a constatação da existência de ato administrativo expedido em

desconformidade com a lei em sentido estrito exige, em princípio, que a autoridade

administrativa competente restaure a ordem jurídica. De fato, os atos ilegais, por força

do princípio da legalidade, devem ser invalidados, ou convalidados quando a natureza

do vício o admitir. 63

62 O professor Eros Grau, ao tratar da interpretação do direito, faz a seguinte afirmação: “A interpretação do direito, é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum”. In: Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 34. 63 Ensina a ilustre professora Weida Zancaner que a restauração da ordem jurídica pode se dar pela fulminação de um ato viciado ou ainda pela correção do vício, aduzindo que: “Há duas formas de recompor a ordem jurídica violada, em razão de atos inválidos, quais sejam, a invalidação e a convalidação. Tanto um como o outro revela-se atuação absolutamente vinculada do administrador, na medida em que não pode optar por invalidar ato que não comporta convalidação, assim como não pode deixar de convalidar ato que comporta restauração” (Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 56).

46

Mas há situações em que, por decorrência de outros princípios e garantias

também albergados pelo ordenamento jurídico, como a boa-fé e a segurança nas

relações jurídicas, o dever de invalidar deve ceder espaço. Vejamos duas situações

evidenciadas pela professora Lúcia Valle Figueiredo: quando o ato viciado não

contaminou outras relações dele decorrentes e não causou dano a outros valores, e

diante de situações já consumadas que geraram direitos adquiridos com boa-fé.64

No campo específico da Administração Pública, Rogério Gesta Leal, citando

Almiro do Couto e Silva65, afirma que:

Aos princípios da legalidade e da proteção da confiança ou da boa fé dos administrados, ligam-se, respectivamente, a presunção ou aparência de legalidade que têm os atos administrativos e a necessidade de que sejam os particulares defendidos, em determinadas circunstâncias, contra fria e mecânica aplicação da lei, com o conseqüente anulamento de providências do Poder Público que geraram benefícios e vantagens, há muito incorporados ao patrimônio dos administrados.66

De fato, concordamos que em algumas situações o desfazimento de um ato

administrativo pode causar um caos maior na ordem jurídica do que sua simples

manutenção, ainda que eivado de nulidade, pois, por vezes, há necessidade da

preservação de situações que o tempo se incumbiu de consolidar. E nesse sentido há

precedentes jurisprudenciais, que datam da década de 1990.67

64 Curso de direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 230-232. 65 Nesse ponto, Almiro do Couto e Silva., refere que: “A Administração Pública brasileira, na quase generalidade dos casos, aplica o princípio da legalidade, esquecendo-se completamente do princípio da segurança jurídica. A doutrina e a jurisprudência nacionais, com as ressalvas apontadas, têm sido muito tímidas na afirmação do princípio da segurança jurídica”. In: Prescrição qüinqüenária da pretensão anulatória da Administração Pública com relação a seus atos administrativos. RDA, p.46-63. 66 LEAL, Rogério Gesta . Dimensões normativas, temporais e político-sociais da revisão do ato administrativo no Brasil: possibilidades. Revista de Direito Administrativo e Constitucional. ano 6. nº 26. Belo Horizonte, Out./Dez. 2006, p.149. 67 Tribunal Regional Federal (1ª Região). Ac. unânime da 1ª Turma publicado em 22 de abril de 1991. MAS 90.01.07444-8-BA. Relator Juiz Plauto. (Informativo semanal – Adv 31/91- p. 483). Ensino superior- registro de diploma – curso de 2º grau concluído – situação fática consolidada. Curso de 2º grau concluído há mais de oito anos, cuja validade não foi contestada pela Faculdade Católica de Salvador, quando permitiu o ingresso do aluno e sua permanência naquele estabelecimento de ensino até a conclusão de seu curso, não deve ser agora invalidado, pois há necessidade de se proteger situação que o tempo se incumbiu de consolidar. Registro de diploma de nível superior que se defere. Precedentes do ex-TRF e deste Tribunal. Apelo e remessa improvidos. Decisão mantida. Tribunal Regional Federal (5ª Região).Ac. unânime da 1ª Turma. Publicado em 19 de abril de 1991. MAS 694-RN. Relator:

47

Rogério Gesta Leal afirma que mesmo na dogmática jurídica há um

consenso a esse respeito, conclusão que extrai da lição de Paulo de Barros Carvalho,

no seguinte sentido:

O princípio da segurança jurídica é decorrência de fatores sistêmicos, dirigido à implantação de um valor específico, qual seja, o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da relação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento das ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas de direito se realiza.68

É claro que em qualquer situação o ato deve ser motivado com a perfeita

demonstração da proteção de outros bens jurídicos em detrimento da invalidação, e,

sobretudo, que se deve estar incontestavelmente diante da existência da boa-fé e da

inexistência de lesão a outros indivíduos e valores, como a moralidade administrativa,

também elevada, pelo legislador constituinte, a princípio norteador da atividade

administrativa.

O administrador deverá atribuir maior ou menor peso a um determinado

princípio, como, por exemplo, a existência da boa-fé e a garantia da segurança jurídica

em face do princípio da legalidade. Desta feita, sua decisão deverá estar revestida das

razões e fundamentos que o levaram a adotar a decisão de manter o ato, ainda que

viciado. Essa atuação, por privilegiar princípios igualmente protegidos pelo direito, que

não a legalidade estrita, há de ser tida como válida porque encontra arrimo no

ordenamento jurídico positivo. Estaremos, pois, diante do confronto entre dois ou mais

princípios, mormente o da legalidade e o da segurança jurídica.

Juiz Francisco Falcão.(informativo semanal-Adv/Coad 23/91, p. 355. Ato administrativo. Princípio da legalidade. Desconstituição desaconselhável. O princípio da legalidade vincula o administrador não só à lei stricto sensu. Salvo raríssimas exceções, é imperioso, sob pena de nulidade, que o administrador dê as razões de fato e de direito determinantes de seu ato. Se a decisão judicial produz uma situação fática consolidada pelo decurso do tempo, sua desconstituição é desaconselhável, mormente quando não causa prejuízos a terceiros. Remessa oficial e recurso voluntário improvidos. 68 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 95. apud Rogério Gesta Leal, p.152.

48

Nessa questão, imprescindível invocar novamente a lição do professor Eros

Grau, que afirma que essa atuação, qual seja, a de atribuir peso maior a um ou outro

princípio, não é discricionária, porque o intérprete está vinculado aos princípios. 69

Assim, a concepção doutrinária do princípio da legalidade já não é tão

rigorosa, no sentido de que a Administração não se encontra restrita as prescrições da

lei em sentido estrito, mas ao ordenamento jurídico, e essa noção deverá orientar o

desenvolvimento do tema proposto no presente trabalho.

2. Ilícito e sanção administrativa

A competência punitiva da Administração Pública é ampla e os precedentes

históricos de sua evolução, inclusive no Brasil, revelam uma atuação estatal pouco

respeitosa às garantias dos indivíduos no que concerne aos limites da pretensão

punitiva.

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, foi a Carta Política de 1988 que

lastreou a reversão desse processo quando corrigiu o viés autoritário dessa velha

postura punitiva do Estado, asseverando, contudo, que infelizmente tal postura

autoritária remanesce e se aninha em numerosas instituições estatais que ainda deixam

69 Diz o Professor que: "A tensão entre princípios é própria ao sistema jurídico, sempre, desde sempre tendo sido assim. O que torna complexa a compreensão dessa circunstância é o fato de o pensamento tradicional ensinar que o direito é dotado de uma universalidade plena ( ele é abstrato e geral), na qual não cabem exceções. Mas é precisamente o inverso disso que se dá. A inserção do direito no mundo da vida, mediante a sua interpretação/aplicação, opera-se em pleno plano que não se pode particularizar senão mediante a exceção, caso a caso. Os mais velhos já o haviam percebido”. E ao ensinar que o afastamento de um princípio implica necessariamente a perda da efetividade da regra que dá concreção ao princípio, aduz que: “E – o que torna tudo mais complexo, portanto, mais belo: inexiste no sistema qualquer regra ou princípio a orientar o intérprete a propósito de qual dos princípios, no conflito entre eles estabelecido, deve ser privilegiado, qual deve ser desprezado. Isso somente se pode saber no contexto do caso, de cada caso, no âmbito do qual se verifique o conflito. Em cada caso, pois, em cada situação, a dimensão do peso ou importância dos princípios há de ser ponderada. A atribuição de peso maior a um – e não outro – não é, porém, discricionária”. (Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, p. 42-43).

49

muito a desejar quando se trata de observar as cláusulas de respeito aos direitos

fundamentais dos indivíduos.70

Ensina o mencionado jurista que o direito punitivo tem raízes muito antigas,

tendo surgido com a formação do próprio Estado e da Administração Pública como

sujeito, propiciando a criação do Direito Administrativo, que cuidou da tipificação das

infrações administrativas e respectivas sanções com a delegação de poderes punitivos

à Administração no contexto do conceito de Estado de Direito qualificado pela

legitimidade de suas normas.71

Não obstante de antigas raízes, trata-se de tema ainda pouco enfrentado,

cujo estudo exige, como ocorre em relação à maioria esmagadora dos institutos

jurídicos, a adoção de posturas prévias, de escolhas que viabilizem sua adequada

delimitação, o que obviamente somente se pode dar no âmbito do sistema jurídico

posto. Assim ocorre com a sanção administrativa, cuja definição e o entendimento de

seu regime jurídico passam por questões que estão longe de encontrar

posicionamentos doutrinários convergentes.

Deveras, são inúmeras as divergências encontradas acerca de diversos

aspectos da questão, dentre as quais podemos mencionar, sem a pretensão de esgotá-

las, os posicionamentos sobre a existência ou não de diferenças ontológicas entre as

sanções administrativas e penais, sua finalidade precípua, se decorrem do mero

exercício da função administrativa, do poder de polícia do Estado, ou se, ao contrário,

possuem autonomia, bem como se existe um ius puniendi unitário do Estado.

Tais divergências são identificáveis, sobretudo, na doutrina alienígena, onde

a literatura é bem menos escassa e as conclusões dessas questões impactam de forma

definitiva, sobretudo quanto ao regime jurídico das sanções administrativas e,

conseqüentemente, aos princípios jurídicos incidentes, cujo entendimento acarreta a

70 OSÓRIO, Fábio Medina, Direito administrativo sancionador,2. ed. Prefácio. 71Ibidem, p. 12.

50

adoção de posturas absolutamente relevantes sobre o procedimento para sua aplicação

e a predeterminação pelo legislador do tipo e da medida de pena para cada delito e,

ainda, do modelo de norma sancionadora, caracterizada por modelos de legalidade

atenuada ou caracterizada de forma cerrada.

Embora a produção literária mais significativa não seja nacional e o tema não

tenha despertado interesses e debates proporcionais à sua importância, alguns juristas

pátrios, como bem observou Celso Antônio Bandeira de Mello, animaram-se a enfrentá-

lo, e o fizeram com acurado zelo e profundidade, resultando em substanciais reflexões

e em estudos de referência obrigatória em face das valiosas contribuições trazidas para

o direito pátrio, consubstanciando-se em obras - mencionadas ao longo deste trabalho ,

de inestimável valor para qualquer estudioso que se proponha a enfrentar o tema.72

Com essas observações iniciais, entendemos não haver como tratar do tema

sem antes abordar tais questões, estabelecendo posições que viabilizem a necessária

coerência na adoção das posturas advindas daquelas reflexões.

Advertimos, de plano, como se verá, que as discussões acerca dos

supramencionados temas controvertidos, por se entrelaçarem, oferecem obstáculos

para uma proposta de discussão absolutamente apartada. E pelo fato de tais

abordagens se confundirem em algumas oportunidades, por decorrerem ou interferirem

umas nas outras, trataremos em um mesmo tópico das discussões relacionadas às

eventuais diferenças substanciais das penas, da existência ou não de um único “ius

puniendi estatal” do regime jurídico das sanções administrativas e do conceito de

sanção administrativa.

O conceito de sanção administrativa, como ocorre com a definição de

qualquer instituto, depende de escolhas, de opções que necessariamente só podem ser

72 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. Prefácio: Nas exatas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “O assunto tem sido objeto de escassas obras monográficas tanto no Brasil como no exterior, possivelmente por se tratar de matéria inçada de dificuldades tais que atemorizam mesmo os administrativistas mais ousados. Só mesmo os especialmente animosos dispõem-se a enfrenta-la”.

51

extraídas do sistema jurídico vigente, embora não dispense conhecimento do direito

comparado, e neste tema o direito europeu é sólido espaço de referência. 73

Todavia, a investigação deve ser realizada em face do contido no sistema

jurídico pátrio, com a exclusão do que não lhe pertence. Nesse sentido, contundente é

a assertiva de Clóvis Beznos quando diz:

Importa, pois, ao examinar-se um sistema jurídico, ter em conta o que ele é, e o que ele alberga dentro de si mesmo como sua estrutura. Os elementos que compõem o repertório de um sistema jurídico são as normas positivas desse sistema.74

A ocorrência de uma conduta prevista na norma jurídica como ilícita é

condição para a sanção, sendo elementos da norma a hipótese de incidência e a

conseqüência jurídica, de forma que o tema envolve um campo próprio dos ilícitos.75

Conforme frisa Vital Moreira, mediante a aplicação das sanções “a

Administração penaliza o cidadão que cometeu um ilícito administrativo”76, de modo

que não há como tratar do tema separadamente em relação a ilícito administrativo ou a

infração administrativa.77

Por essa razão, Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que infração e

sanção são temas indissolúveis, à medida que “o ilícito é tratado em parte da norma, e

a sanção em outra parte dela”, de forma que, nas palavras do citado mestre, o estudo

73 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas, p. 83. 74 BEZNOS, Clóvis. Poder de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 66. 75 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 22ª ed. Op. cit., p. 813. 76 MOREIRA, Vital. As sanções Administrativas. In: As funções da Administração. Disponível em: <http:www.fd.uc.pt//cedipre/pos_graduação/2002_2003/documentos/instrumentos_autoridades_regulação_economica/sançõesadministrativas.pdf>. 77 A doutrina, regra geral, utiliza aos vocábulos “infração” e “ilícito” de forma indistinta, e assim os empregaremos no decorrer deste trabalho, já que a utilização indistinta dos vocábulos em referência não prejudica cada figura jurídica nomeada. De Plácido e Silva conceitua os termos da seguinte forma: “ILÍCITO: do latim ilicittus, de il em vez de in, e licitus (proibido, vedado por lei, em seu sentido próprio quer exprimir o que é proibido ou vedado por lei. Ilícito pois, vem qualificar, em matéria jurídica, todo fato ou ato que importe numa violação ao direito ou em dano causado a outrem, provenha do dolo ou se funde na culpa”, e “INFRAÇÃO: Do latim, infractio, de infringere (quebrar, infringir) designa fato que viole ou infrinja disposição de lei, onde há cominação de pena”. In: Vocabulário jurídico. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 407 e 468.

52

de ambas deve ser feito conjuntamente, sob pena de sacrificar a inteligibilidade quando

da explicação de uma ou de outra. Para o renomado jurista, infração administrativa:

É o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no exercício de função administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera, e sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. 78

Assim, o conceito de sanção administrativa está estritamente vinculado ao de

infração administrativa, à medida que incidirá a sanção administrativa sempre que

alguém cometer uma infração, definida pela lei como de natureza administrativa. Por

essa razão, partindo de um critério formal, Egon Bockmann Moreira afirma que, “o ilícito

punível através de sanções administrativas é aquele oriundo de infrações

administrativas, tal como definidas em lei”.79

Por decorrer a noção de sanção administrativa da noção de infração ou ilícito

administrativo, a doutrina nacional e alienígena muito já debateu sobre a existência de

critérios capazes de apartar de forma objetiva os ilícitos penais dos administrativos.

Como se demonstrará, muitas são as tentativas na busca desses critérios, de forma que

podemos encontrar teorias que apontam diferenças formais e materiais entre essas

figuras.

Todavia, cumpre desde já advertir que todas as tentativas parecem não

superar a conclusão no sentido de que não há diferença ontológica entre umas e

outras, prevalecendo o critério formal, mediante o qual será sanção administrativa

quando aplicada por uma autoridade no exercício da função administrativa, e, em face

da inexistência de critérios objetivos para o estabelecimento de ilícitos de natureza

penal ou administrativa, o legislador poderá estabelecer, de forma discricionária, quais

condutas serão consideradas ilícitos penais ou administrativos, sem critérios de

gravidade ou relevância predeterminados no ordenamento jurídico. 78 Curso de direito administrativo, p. 813-814. 79 Op. cit., p. 107.

53

Dessas considerações decorrem desdobramentos acerca dos limites da

atuação do legislador, ou seja, se poderia este atuar de forma absolutamente livre para

estabelecer os ilícitos como penais ou administrativos.

Diferenciados conceitos de sanção administrativa são encontrados na

doutrina pátria e alienígena e na busca do conceito sempre estão presentes as

discussões em torno da existência ou não de diferenças substanciais entre os ilícitos

que acarretam a aplicação de sanções de natureza administrativa e aqueles que

acarretam sanções de natureza penal, bem como os debates acerca das finalidades

das sanções. Por fim, parte da doutrina busca um conceito autônomo, enquanto outra

parte entende que não pode ser desvinculado da função administrativa.80

Diogo de Figueiredo Moreira Neto aponta que, numa visão histórica, de início

as normas sancionatórias surgiram de forma desordenada, multiplicando-se em

espécies privativas de liberdade, do patrimônio, da honra, dos direitos em geral,

apresentando feições administrativas ou penais, conforme quem fizesse as vezes de

acusador ou julgador, o que propiciou a percepção de que as administrativas não

mantinham diferenças substanciais em relação às normas penais, muito embora

recebessem enormes variações de tratamento e de regime jurídico.

Assim, de acordo com o supracitado jurista, “qualquer fato poderia ser

indiferentemente tipificado na seara administrativa e na penal, sem que houvesse

critérios materiais de gravidade ou importância do bem jurídico a ditar as opções

legislativas”.81

Na literatura nacional e estrangeira, como já se disse, as polêmicas e

divergências são muitas, de forma que cumpre desde já delimitar o que se pretende

80 A título de conferir um panorama mais geral do conceito de sanção, transcrevemos o oferecido por Daniel Ferreira: “a conseqüência determinada pelo ordenamento jurídico a um comportamento comissivo ou omissivo incompatível com a moldura normativa anteriormente estipulada, quer fosse de permissão, de obrigação ou de proibição” (Op. cit., p. 14). 81 MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. In: OSÓRIO, Fábio. P. 13.

54

enfrentar. As discussões acerca da existência ou não de distinção ontológica entre as

sanções administrativas e penais, encontradas quase na totalidade das obras que

tratam do assunto, não podem ser desconsideradas, porque a partir destas surgem

elementos relevantes para pelo menos uma das reflexões que nos propomos fazer

acerca da densidade da norma sancionatória administrativa, que decorre da extensão e

alcance do princípio da legalidade. 82

Por decorrerem as sanções da prática de atos ilícitos, ou seja, da infringência

de normas legais, que podem estar situadas em qualquer ramo do direito, a noção de

ilícito não é exclusiva de nenhum ramo, sendo apuradas as responsabilidades de

acordo com a norma disciplinadora que, via de regra, determina a sanção a ser

aplicada.83

Há, então, a preocupação com o estabelecimento de uma distinção entre os

ilícitos, a fim de enquadrá-los nos respectivos ramos do direito, sendo que a doutrina,

diante da existência de variações no tratamento jurídico, que se desdobram nas razões

que melhor veremos adiante, ocupou-se, sobretudo, com a distinção existente entre as

penas de natureza criminal e as administrativas.

Nesse sentido, Edmir Netto de Araújo, invocando a lição de Themístocles

Cavalcante, aponta como aspecto diferencial o campo de abrangência de uma e outra,

apresentando como elemento diferenciador das penas criminais e administrativas o fato

de terem estas últimas a finalidade interna de propiciar a boa ordem na Administração,

sua credibilidade, respeito e austeridade, ao passo que a responsabilidade criminal

82 82Esclarecemos que durante este trabalho faremos referências à “densidade” das normas jurídicas sancionadoras, utilizando também as referências “abertas” e “elásticas”, por se tratarem de expressões largamente utilizadas pela doutrina nacional e alienígena, que se dedicou ao estudo das normas sancionadoras, à exemplo de Garcia de Enterría (Curso de Derecho Administrativo. p. 172); Rafael Munhoz de Mello (Devido Processo Legal na Administração Pública. p. 167- 168; Gomes Canotilho, que faz referência à “exigência de densidade suficiente na regulamentação legal” (Direito Constitucional. p. 258);Luis Fernando de Freitas santos (A tipicidade no Direito Adminisatrtivo Sancionador. p.263); Régis Fernandes de Oliveira (Infrações e Sanções Administrativas. p.23). 83 Nas palavras do jurista Edmir Netto de Araújo, “( ...) o ilícito é gênero, do qual os ilícitos penal, civil, contábil, administrativo, tributário, fiscal, trabalhista, são espécies, conforme se considere a norma infringida”. In: O ilícito administrativo e seu processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 24.

55

origina-se da violação das normas que protegem interesses essenciais da vida em uma

sociedade política e juridicamente organizada.84

O Juiz Federal Edílson Pereira Nobre Júnior, seguindo critério formulado por

Guido Zanobini, adota a postura de que crime ou delito e infração administrativa são

distintos em sua essência, porque esta última não é tornada concreta pela função

jurisdicional, mas pelo Estado no desempenho de uma competência administrativa.

Embora admita a existência de diferença ontológica, que se situa na autoridade que

aplica a pena, não discorda que ambas estão no âmbito da manifestação punitiva do

Estado.85

Por conseguinte, várias foram as tentativas doutrinárias no estabelecimento

de uma distinção objetiva entre as sanções administrativas e penais. A distinção feita a

partir de um dado formal é mencionada também por Garcia de Enterría e Tomás-

Ramón Fernandez, ao observarem que a diferença decorre da autoridade que impõe as

penalidades, ou seja, as administrativas são imputadas pela Administração Pública e as

penais, pelas autoridades judiciais. Entretanto, questionam se essa divisão responde a

um critério objetivo e se há uma liberdade do legislador para estabelecer ou distribuir a

competência punitiva do Estado.

Nesse sentido, explicam mencionados autores que o problema surgiu como

conseqüência da manutenção, nas mãos do Executivo, de poderes sancionatórios,

inicialmente próprios do “Direito Penal de Polícia” decorrente do regime estabelecido no

Código Penal. Todavia, por decisão do Conselho de Estado, no primeiro conflito entre a

autoridade judicial e a administrativa ficou estabelecido que não obstante o Código

Penal Espanhol tenha “judicializado” as faltas em seu livro III, não estavam eliminados

os poderes repressivos de governadores e alcaides, que poderiam exercê-los

84DE ARAÚJO, Edmir Netto. Op. cit., p. 189. 85 Op. cit., p. 128.

56

paralelamente às penas aplicadas pelo juiz, porque o exercício da autoridade deve ser

livre e desembaraçado, nos termos da decisão.86

Enterría e Fernandez esclarecem que a Constituição espanhola de 1978

acolhe essa dualidade de sistemas em seu artigo 25, não excluindo a competência

sancionatória da Administração, ainda que se reconheça uma primazia da jurisdição

penal sobre a administrativa na aplicação do princípio non bis in idem, de modo que

essa distribuição fica a critério do legislador, sem o estabelecimento de critérios

objetivos de distinção.87

Para estes autores, resulta óbvio que no sistema jurídico espanhol o direito

sancionatório administrativo não se beneficia de menor exigência de condições e limites

do que os da sanção penal, porque se identificam em seus efeitos, sendo freqüentes

sanções administrativas com conteúdos mais aflitivos ou sanções maiores do que as

penais.88

Egon Bockmann Moreira, seguindo a corrente que defende o critério formal,

e afastando a existência de distinção ontológica essencial entre os ilícitos civis, penais

86 Real Decreto de Competencia de 31 de octubre de 1849. Os referidos autores citam Colmeiro, o qul, mesmo reconhecendo tratar-se de funções próprias do poder judicial, justificou a decisão com as seguintes palavras: “la independência de la Administración estaría comprometida si no tuviese ninguna potestad coercitiva” (Op. cit., p. 160). 87 Artigo 25 da Constituição espanhola de 1978: “nadie puede ser condenado o sancionado por acciones u omisiones que em el momento de producirse no constituyan delito, lata o infracción administrativa según la legislación vigente em aquel momento”. Os juristas espanhóis também invocam o artigo 45.3 da Constituição espanhola para demonstrar que o legislador constituinte remeteu ao legislador infraconstitucional a distribuição das penas em administrativas e penais, nos seguintes termos: Art 45.3: “se estabelecerán sanciones penales o, em su caso, administrattivas contra quienes atenten contra el médio ambiente”. Advertem, todavia, que resta um último núcleo irredutível, que são os processos judiciais que podem resultar na aplicação de penas privativas de liberdade e de outros direitos civis e políticos, critério estabelecido a partir da Constituição de 1978, em seu artigo 25.3. (Op. cit. 8ª ed., p. 161). 88 “(...) primero, porque uno y otro se identifican en sus efectos respecto del inculpado, que es lo sustancial, la privación de bienes y derechos, no siendo infrecuente que la sanción administrativa tenga un contenido aflictivo incluso superior al de las penas judiciales (multas superiores, mayores sanciones privativas de libertad, privación de derechos, etc.; segundo, porque la circunstancia de que la sanción se imponga por la Administración sin legale judicium, por mera decisión administrativa, no supone, como se comprende, una ventaja para el ciudadano, de modo que pueda dispensar-se al poder sancionatorio de las garantías exigibles para imponer las penas judiciales, sino antes, bien lo contrario, un gravamen superior, necesitado, si acaso, de mayores garantías previas. De esta regla podrían, como mucho, excluir-se algunas sanciones de autoprotección administrativa, aunque en modo alguno podría exigirse un principio general de excepción”. (Ibidem, p. 159-160).

57

e administrativos, aduz que: “Tal como os ilícitos penais e civis, a conduta será um

ilícito administrativo a depender da específica provisão legal que a positive”. O autor

cita ainda os espanhóis José Garberí Llobregat e Guadalupe Buitrón Ramizes como

adeptos dessa corrente.89

Eduardo Rocha Dias, em obra dedicada ao estudo das sanções

administrativas aplicáveis aos licitantes e contratados, filia-se à corrente que afasta a

existência de diferenças ontológicas entre o ilícito penal e o administrativo, e afirma

que:

A distinção que existe é apenas de grau de valores tutelados, dependendo da maior ou menor repulsa à situação eleita como pressuposto de fato para a aplicação da sanção, na opinião de alguns autores (critério material), ou funda-se em razões de mera política legislativa, como propõem outros (critério formal).90

Fábio Medina Osório, em alentado estudo sobre o direito administrativo

sancionador, traz à baila teses que sustentam a existência de divergências entre as

sanções penais e administrativas, mencionando Travi, que, na Itália, sustentou que a

divergência seria qualitativa, à medida que seriam diversos o conteúdo e os efeitos.

Cita ainda, a tese das “infrações da ordem pública”, sustentada principalmente pela

doutrina alemã, na tentativa distinguir as sanções administrativas e penais em razão da

necessária imoralidade daqueles ilícitos e da ausência de valoração nesse sentido no

âmbito das infrações administrativas, que seriam indiferentes à moralidade. Lembra,

ainda, que na mesma linha de raciocínio sustentou-se que no ilícito administrativo não

haveria referência a normas de cultura, que, ao contrário, seriam necessárias no direito

penal.

Contudo, Medina Osório trata de afastar todas as teses, afirmando, quanto à

que se baseia nas diferenças qualitativas, que: “Essa tese, sem embargo, não resiste à

idéia de que as sanções administrativas podem cumprir funções idênticas às funções

89 Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções administrativas (reflexões iniciais acerca da conexão entre os temas). Revista Trimestral de Direito Público - RTDP., p. 107. 90 Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados. São Paulo: Dialética, 1997, p. 17.

58

penais, restaurando a paz no ordenamento jurídico”. Acrescenta ainda que não se pode

dizer que as sanções administrativas preenchem os requisitos clássicos das funções

administrativas, sendo, inclusive, possível outorgar aos juízes essas tarefas

repressoras. Quanto à diferenciação sustentada nas normas de cultura, considera o

ilustre jurista não parecer razoável a distinção a partir dos valores tutelados ou da

imoralidade inerente a umas ou outras infrações, uma vez que valores éticos podem e

devem ser protegidos pelo direito administrativo. 91

Em busca de um critério material, Alejandro Nieto apontou distinção com

base em fundamentos ontológicos a partir da natureza dos dois tipos de ilícitos, que em

sua essência seriam diferentes. Todavia, como observa Eduardo Rocha Dias,

posteriormente adotou a opção formal, à medida que considerou os ilícitos como

conceitos normativos.92

Adotando o critério formal, Régis Fernandes de Oliveira afirma que servem

como critérios de distinção a autoridade, ou seja, o órgão aplicador da sanção e a

específica eficácia jurídica do ato produzido, à medida que o ato sancionador não tem

eficácia de coisa julgada, porque não decorrente de ato jurisdicional.93

O saudoso professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao afirmar que as

sanções administrativa e penal não se confundem, identificou a distinção no

fundamento da responsabilidade, em face do bem jurídico ofendido, de forma que o

infrator estaria sujeito a ambas, sem acarretar o bis in idem. Alertou, todavia, que o

direito positivo é que estabelecerá o ilícito administrativo e o penal, o que se dará

dentro de uma zona de limite.94

91 Direito administrativo sancionador, p. 103-104. 92. Eduardo Rocha Dias cita também Franck Moderne como defensor do critério formal. (Op. cit., p. 17). 93 Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 32 e ss. 94 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha: “Não se confundem a sanção administrativa e a penal. Esta visa punir atos contrários aos interesses sociais e aquela aos da atividade administrativa. A distinção está no fundamento da responsabilidade, tendo em vista o bem jurídico ofendido. Dada a diversidade do fundamento jurídico da punição, pode o infrator se sujeitar a ambas, sem que ocorra o bis in idem, levadas a efeito por órgãos distintos: da Administração Pública e do Poder Judiciário. Esta faz coisa julgada e aquela não. É o direito positivo, entretanto, que estrema os atos considerados de ilícito administrativo e penal, dentro de uma zona de limite”. In: Princípios gerais de direito administrativo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 561-562.

59

E nessa linha é a postura adotada por Celso Antônio Bandeira de Mello, que,

dedicando capítulo específico às sanções administrativas em sua obra Curso de Direito

Administrativo, enfatiza o critério formal ao afirmar que a natureza administrativa da

infração é reconhecida pela natureza da sanção, que, por sua vez, é reconhecida pela

autoridade competente para impô-la, alertando que não há que se cogitar de distinção

substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais,

sendo que o que as aparta é a autoridade competente para impor a sanção.95

A sanção administrativa pode incidir em diversos campos, a exemplo dos

ilícitos fiscais, tributários, econômicos, de polícia, trânsito, atentatórios à saúde pública,

ou qualquer outro campo que comporte uma atuação fiscalizadora e repressiva do

Estado. Por tais razões, para Fábio Medina Osório é muito mais amplo que o direito

penal, inclusive porque atua como instrumento repressivo de múltiplos órgãos e

entidades, diferentemente do que ocorre na esfera criminal.96

Certamente podemos, com tranqüilidade, consignar que no direito pátrio uma

das diferenças entre a sanção administrativa e a penal é a possibilidade sempre

presente de sua revisão, por força do disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição

Federal, que estabelece a unidade de jurisdição e garante que qualquer ato

administrativo estará sujeito à apreciação do Judiciário, que poderá invalidá-lo.

Além disso, a doutrina e jurisprudência pátria não divergem acerca da

independência de instâncias. A responsabilidade penal independe da administrativa,

sendo possível a ocorrência de punição pela mesma conduta reputada como ilegal,

tanto no âmbito administrativo como no âmbito penal, sem afastar a responsabilidade

civil que também poderá incidir.

95 Curso de direito administrativo, p. 813. 96 Op. cit. p. 36-37.

60

Há apenas uma situação que possibilita o afastamento da sanção

administrativa em decorrência de sentença penal: quando a absolvição criminal negar a

existência do fato ou a sua autoria. Tal situação afasta a punição no âmbito

administrativo e, pelas mesmas razões, no âmbito civil. De outra forma, tendo a

sentença penal deixado de condenar o réu por insuficiência de provas, a punição

administrativa não será afetada.97

Como já dissemos, a existência ou não de diferenças substanciais entre as

sanções penais e administrativas não é discussão de menor importância, tampouco tem

fins meramente acadêmicos, e as distinções apontadas pela doutrina não parecem

suficientes para justificar a defesa da existência de diferenças substanciais entre ilícito

penal e administrativo, e nesse aspecto retomamos as palavras de Oswaldo Aranha

Bandeira de Mello, no sentido de que caberá ao legislador a definição, o que, segundo

referido jurista, será feito dentro de uma zona de limite.98

Nota-se que a distinção que se pretende traçar é quase impossível num

plano geral e de princípio, de modo que todas as razões acabam por se revelar

subjetivas, fazendo parecer que o critério formal na identificação de um ilícito penal e

um administrativo é o mais adequado. Esclarece Eduardo Rocha Dias que “Esse foi o

critério adotado pelo direito positivo de vários países europeus”.99

Consideramos que distinção há mesmo de ser feita pelo legislador, sem a

existência de critérios objetivos a orientarem a opção legislativa, pois o estabelecimento

de uma hierarquia de interesses ou de valores a serem defendidos, como pregam

aqueles que buscam o apontamento de diferenças materiais, parece impossível de se

dar, sobretudo quando observamos a existência de infrações de natureza administrativa

97 FIGUEIRDO, Marcelo. “A absolvição por falta de provas não repercute na esfera administrativa, na qual só tem relevância quando fundada nos motivos acima expostos, quais sejam, negativa do fato ou da autoria. Da mesma forma, recorde-se que nem mesmo a prescrição ou absolvição criminal podem influenciar na exclusão do ilícito administrativo”. In: Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 66. 98 Op. cit., p. 562. 99 Op. cit., p. 18.

61

com penas mais severas do que as estabelecidas para ilícitos penais e com graves

repercussões sobre a sociedade como um todo.

Nesse sentido, tendemos a concordar com Fábio Medina Osório, quando

conclui que o legislador possui poderes discricionários para separar os ilícitos penais

dos administrativos, não existindo critérios qualitativos ou mesmo quantitativos a serem

observados.100

Por tudo o que foi visto, acatamos as razões daqueles que afastam a

existência de distinção ontológica e nos filiamos à corrente que adota o critério formal

de distinção, o que, como temos apontado em várias oportunidades, implica

conseqüências relacionadas aos princípios incidentes e ao procedimento sancionatório,

tendo em vista que a inexistência de diferenças qualitativas, a princípio, implicaria a

incidência dos princípios que regem o direito penal para as sanções administrativas.

Embora a discussão não seja meramente acadêmica, trazendo inúmeros elementos de

reflexão, é fato que a natureza da conduta importa mais ao legislador, que estabelecerá

o regime da infração e a sanção decorrente, definindo assim o regime jurídico a ser

observado em cada situação.

Com isso pretendemos superar a questão relacionada à existência de

diferenças ontológicas, para situar a reflexão no regime jurídico das sanções penais e

administrativas. Assim, ainda que possamos considerar que não existem diferenças

substanciais, as sanções administrativas e as penais serão aplicadas no exercício de

funções diferenciadas, a administrativa e a jurisdicional, o que resultará em diferentes

conseqüências jurídicas (v.g.: o ilícito penal pode ser sancionado com pena de prisão e

o administrativo, não – artigo 5º, LXI, da Constituição Federal) e também na incidência

de princípios jurídicos que regem cada ramo do direito. Mas esse posicionamento não é 100 Nesse aspecto, Fábio Medina Osório conclui que: “Na comparação dos elementos entre as infrações penais e administrativas, haveria uma substancial identidade entre os ilícitos penais e administrativos. Prova dessa inegável realidade seria o fato de que o Legislador ostenta amplos poderes discricionários na administrativização de ilícitos penais ou na penalização de ilícitos administrativos. Pode um ilícito ser penal e no dia seguinte amanhecer administrativo ou vice-versa. Não há um critério qualitativo a separar esses ilícitos e tampouco um critério rigorosamente quantitativo, porque algumas sanções administrativas são mais severas do que as sanções penais”. (Op. cit., p. 104).

62

pacífico na doutrina e remete à discussão relacionada à existência ou não de um único

poder punitivo estatal.

Fábio Medina Osório, na obra já citada, diz que vigora fortemente a idéia de

que o Estado possui um único poder punitivo, sendo a mais importante conseqüência

dessa suposta unidade de ius puniendi a aplicação de princípios comuns ao direito

penal e ao direito administrativo, reforçando-se as garantias individuais. Esse mesmo

autor ensina que a doutrina majoritária européia, sobretudo a espanhola, sustenta não

haver diferenças substanciais entre normas penais e administrativas sancionadoras,

citando, dentre outros, Sergio-Espejo Martinez, quando afirma que:

(...) a distinção entre as diversas classes de ilícitos – delito strictu sensu, a falta (equivalente às contravenções do direito brasileiro), as infrações disciplinares e as infrações administrativas em sentido geral – é puramente formal, baseada na pena abstratamente cominada ao ilícito.

Nessa linha de raciocínio, a unidade substancial de normas penais e

administrativas repressoras derrubaria a antiga tese segundo a qual o ramo do direito

administrativo em sua vertente sancionadora teria por objeto apenas a proteção do

ordenamento interno da Administração, e o direito penal teria a incumbência de

proteção do ordenamento externo ou social. Não obstante a existência de críticas

veementes acerca da possibilidade de uma unitária pretensão punitiva do Estado, a

tese é bastante aceita na Europa, sobretudo pelo Tribunal Constitucional Espanhol,

que, segundo consta, encontrou guarida na jurisprudência do Tribunal Europeu de

Direitos Humanos, levando ainda em consideração a ausência de distinção ontológica

entre as sanções penais e administrativas.101

101 Sobre uma visão crítica a respeito da unitária pretensão punitiva do Estado, leia-se Alejandro Nieto. Derecho administrativo sancionador. 2ª ed. ampl. Madrid: Tecnos, 1994, p. 80-81. Ver RJ 1996\4480, Sentencia de 17.05.1996, Recurso 5810/1992, Tribunal Supremo español, Sala 3.ª, Sección 4.ª, Rel. D. Rafael Fernández Montalvo. Teor do jugado: “El artículo 25 de la Constitución donde se reconoce implícitamente la potestad administrativa sancionadora, tiene como soporte teórico la negación de cualquier diferencia ontológica entre sanción e pena. Ahora bien, esta equiparación de la potestad sancionadora de la Administración y el ius puniendi del Estado tiene su antecedente inmediato, su origen y partida de nacimiento en la “doctrina legal” de la vieja sala Tercera del Tribunal Supremo, cuya Sentencia de 9 febrero (RJ 1972\876)inició una andadura muy progresiva y anticipó lúcidamente con los materiales legislativos de la época, planteamientos y soluciones ahora consolidadas.

63

Fábio Medina Osório, filia-se à corrente que considera bastante discutível a

propalada unidade, apontando como linha de crítica mais contundente aquela que,

partindo da existência de uma real e inviolável unidade, concluiria pela existência de um

único regime jurídico constitucional, destinando unitário tratamento às diversas

manifestações do poder de punir estatal, como, por exemplo, conferindo idêntico regime

jurídico às normas penais e de direito administrativo sancionador. 102

Aponta ainda o jurista a existência de contradição entre o discurso retórico

que ampara a teoria, sobretudo na doutrina espanhola, com o conteúdo dos

julgamentos das altas Cortes espanholas, que admitem diferenças entre os regimes ao

sustentarem a aplicação de alguns princípios penais ao direito administrativo

sancionador, mas com “matizes”, o que leva o autor a concluir que:

En efecto, en esta decisión histórica, como así ha sido calificada, en esto auténtico leding case se decía, con clara conciencia de su alcance, que “las contravenciones administrativas no pueden ser aplicadas nunca de un modo mecánico, con arreglo de la simple enunciación literal, ya que se integran en el supra-concepto del ilícito cuya unidad sustancial es compatible con la existencia de diversas manifestaciones fenoménicas, entre las cuáles se encuentran tanto el ilícito administrativo como el penal”. Tal razonamiento se utilizo también por la misma Sala para distintas finalidades y en relación con otras facetas de la potestad sancionadora en varias sentencias posteriores, mientras que en muchas más se da por supuesta esta premisa. Y el Tribunal Supremo añadía, ya entonces “ambos ilícitos exigen” un comportamiento humano, positivo o negativo una antijuricidad, la culpabilidad, el resultado potencial o actualmente dañoso y la relación causal entre este y la acción; por un tanto resulta claro que las directrices estructurales del ilícito tienden, también en el ámbito administrativo, a conseguir la individualización de la responsabilidad y vedan simétricamente cualquier veleidad de crear una responsabilidad objetiva o basada en la simple relación de una cosa, a título de propiedad o posesión, como consecuencia de su dimensión personal. Esta progresiva andadura jurisprudencial encontró eco en otros ámbitos supranacionales e así el Tribunal de Derechos Humanos del Consejo de Europa, con sede en Estrasburgo, se pronuncio en el mismo sentido cuatro años después. La Sentencia de 8 junio 1976, adoptada por el Pleno (caso Engel) se abre con una advertencia preliminar: El convenio no impide que cada Estado pueda eligir entre el uso de la potestad penal (judicial) y la sancionadora o disciplinaria (administrativa), sin que la calificación del ilícito como delito o infracción sea decisiva al respecto, para evitar que al socaire de tal opción puedan eludirse las garantías establecidas en el Convenio. El concepto de materia penal – según el Tribunal – está dotado de autonomía y en su virtud hay que atener con preferencia a la verdadera naturaleza de la contravención, conectada por supuesto a la sanción que se le asigne. El Derecho Penal y el Administrativo, en este aspecto, non son compartimientos estancos y, por ello, la despenalización de conductas para tipificarlas como infracciones, cuya naturaleza intrínseca es la misma, no puede menoscabar los derechos fundamentales o humanos del imputado o acusado. A esta primera decisión seguirán algunas más 21 de febrero (caso Otzurk) y 2 de junio de 1984 (Caso Campbell y Fell) y 22 de mayo de 1990 (caso Weber). Una vez promulgada la Constitución, resulta claro que su artículo25, donde se reconoce implícitamente la potestad administrativa sancionadora tiene como soporte teórico la negación de cualquier diferencia ontológica entre sanción y pena”. 102 Op. cit., p. 128.

64

(...) o discurso generalizante da unidade do ius puniendi estatal esbarra em dificuldades de ordem prática e teórica, visto que os regimes de Direito Penal e do Administrativo Sancionador são efetivamente distintos, não apenas entre si, mas dentro de suas próprias estruturas internas, onde há classes muito diferenciadas de ilícitos que recebem tratamentos normativos peculiares e substancialmente diversos.103

Alejandro Nieto também defende a autonomia do direito administrativo

sancionador em relação ao direito penal, e embora considere indiscutível a aplicação

dos princípios do direito penal ao direito administrativo sancionador, entende que deve

ser definido o seu alcance, devido às peculiaridades. Para ele, o fato de não existirem

diferenças ontológicas não significa que devem ter o mesmo regime jurídico.104

Conquanto não nos pareça possível apresentar diferenças substanciais entre

as sanções administrativas e as penais, e filiando-nos à corrente que adota o critério

formal, no sentido de que o legislador definirá as sanções com liberdade dentro dos

limites constitucionais, entendemos que os regimes jurídicos apresentam diferenças a

justificar a preocupação com o estudo da norma sancionatória administrativa de forma

específica e apartada da penal. A sanção administrativa, como já se disse, decorre do

exercício da função administrativa, que não se confunde com a função jurisdicional,

seara onde ocorrem as penalidades de natureza penal, com as conseqüências

inerentes às decisões judiciais.

Essa questão remete à análise dos princípios, incidindo princípios comuns,

mas cada qual com suas peculiaridades, uma vez que o regime jurídico não é o mesmo.

Com as conclusões acerca da inexistência de diferenças ontológicas com as

sanções penais - o que, como deixamos bastante claro, não afasta a incidência de

princípios do direito penal, de observância tanto pelo legislador, por ocasião da

predeterminação dos ilícitos e respectivas penas, como pelo administrador, por ocasião

da condução o processo administrativo sancionatório e imposição da sanção.

103 Direito administrativo sancionador, p. 129. 104 São as suas palavras: “Decir que dos fenômenos son iguales em la realidad no significa necesariamente que hayan de tener el mismo régimen jurídico”.Derecho administrativo sancionador. 2ª ed. Madrid: Tecnos, 1994, p. 151.

65

Concebendo o poder punitivo administrativo enquanto forma de

manifestação da função administrativa, podemos tratar do conceito de sanção e seus

elementos.

Fábio Medina Osório defende um conceito autônomo, desvinculando a

sanção da idéia de função administrativa punitiva e inserida no direito administrativo

sancionador, propondo um alcance mais ambicioso às sanções veiculadas neste

âmbito.

Indica a definição feita por Suay Rincón como uma síntese correta dos

debates sobre o tema até o início da década de 90 e que, segundo ele, sinaliza quatro

elementos fundamentais, numa dimensão tipicamente européia: (a) autoridade

administrativa (elemento subjetivo); (b) efeito aflitivo (elemento objetivo), que se

subdivide em dois tópicos: (b1) privação de direitos preexistentes e (b2) imposição de

novos deveres; (c) finalidade repressora (elemento teleológico), que consiste na

repressão de uma conduta e restabelecimento da ordem jurídica; e (d) natureza

administrativa do procedimento (elemento formal).

Embora Fábio Medina Osório aponte essa proposta como a que vigora

atualmente de forma majoritária em nosso país, pessoalmente considera que ela

padece de vício substancial, relacionado ao próprio conceito de direito administrativo

nos cenários de jurisdição dual, de forma que o conceito europeu não pode ser aplicado

ao modelo brasileiro, que deve percorrer caminhos próprios.105

Na busca de um conceito retirado do ordenamento nacional, o referido autor

indica os seguintes elementos da sanção, que segundo ele não devem ser

considerados de forma autônoma e individualizada para a conceituação da sanção

administrativa: (a) subjetivo: Administração, Judiciário, entidades de classe que atuam

105 Definição de Suay Rincón: “cualquier mal infligido por la Administración a um administrado como consecuencia de uma conducta ilegal a resultar de um procedimiento administrativo y com uma finalidad puramente represora”.Op. cit., p. 82-84.

66

no controle do exercício das profissões, cabendo ao legislador outorgar poderes

sancionadores; (b) objetivo: efeito aflitivo da medida (privação de direitos, imposição de

deveres, restrição de liberdades, condicionamentos), sempre ligado ao cometimento de

um ilícito administrativo, que se dá tanto no âmbito administrativo como no judicial; e (c)

teleológico da sanção: finalidade punitiva, que para o autor não é incompatível com a

finalidade disciplinar, sendo possivelmente o elemento central do conceito de sanção.106

Segundo Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez:

Por sanção entendemos aqui um mal inflingido pela Administracão a um administrado como consequência de uma conduta ilegal. Este mal (fim aflitivo da sanção) consistirá sempre na privação de um bem ou de um direito, imposição de uma obrigação de pagar uma multa.107

É bastante comum encontrarmos o conceito de sanção administrativa ligado

a eficácia da norma, no sentido de que sua finalidade precípua é a de garantir a

aplicação ou execução da norma jurídica e não no sentido de imposição de castigos ou

represálias. Este critério relacionado à finalidade da sanção também é apontado pela

doutrina como elemento de diferenciação entre as sanções penais e administrativas.

Não aprofundaremos o tema relacionado a esse critério de distinção, porque

já superamos essa questão quando concluímos não existir critério objetivo de distinção,

e nisso se inclui a finalidade da norma sancionatória. Também é de se afastar, a

exemplo do que faz Fábio Medida Osório, o critério bastante difundido na doutrina

relativo à proteção da ordem social interna das instituições e da ordem social externa,

considerando-se que toda sanção, ainda que aplicada apenas no âmbito interno da

106 A definição apresentada pelo autor é a seguinte: “Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo. A finalidade repressora, ou punitiva, já inclui a disciplinar, mas não custa deixar clara essa inclusão, para não haver dúvidas”. Ibidem, p. 84-104. 107 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo & FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. 8. ed. Madrid: Civitas. Em espanhol:”Por sanción entendemos aqui um mal inflingido por la Administración a um administrado como consecuencia de uma conducta ilegal. Este mal (fin aflictivo de la sanción) consistirá siempre en la privación de un bien o de un derecho, imposición de una obligación de pago de una multa.”p. 55.

67

instituição, termina por proteger a ordem geral, tendo sempre, ainda que minimamente,

repercussão externa.

Tampouco, como dissemos, existe direito subjetivo do indivíduo ao

estabelecimento de sanções penais ou administrativas pelo legislador, de forma que a

questão sempre retorna ao mesmo ponto, relacionado à discricionariedade do

legislador, ou ao critério formal.

Além disso, cumpre-nos consignar que o efeito aflitivo ou sofrimento

subjetivo imposto pela sanção é elemento comum às sanções penais, mas não de

forma absoluta, uma vez que, por exemplo, as multas previstas dentre as sanções de

natureza penal estão muito mais próximas do direito civil e administrativo e nem sempre

são cumpridas pelo condenado. Na verdade, pouca importância se dá a quem

efetivamente paga a multa, ou cumpre a pena, existindo uma dissociação do sujeito, o

que não é comum no âmbito penal.

Todavia, importa o assunto relacionado às finalidades das normas

sancionatórias administrativas, que, via de regra, não se confundem com as finalidades

preventivas e ressocializadoras das penas, o que também não deve ser generalizado,

pois as penas variam muito de acordo com o bem protegido, chegando, no âmbito

penal, à segregação do infrator, visando a segurança social. A finalidade da norma

sancionatória importa, no caso, não para o fim de distinção das penas, mas para a

específica análise das normas sancionatórias administrativas.

Fábio Medina Osório, ao traçar distinções entre as finalidades das sanções

penais e administrativas, não sem enfatizar que não servem de critério de distinção,

assevera que:

Também as sanções administrativas obedecem a variantes intensas. Os bens jurídicos podem ser mais restritos no direito administrativo sancionatório do que no penal, visto que resultam ligados ao campo de

68

incidência e aplicação do Direito Administrativo, formal e materialmente delimitado a determinadas hipóteses, situações, fatos e atos.108

Celso Antônio Bandeira de Mello, afastando o objetivo de represália, de

castigo, anota que as sanções são previstas com as finalidades de desestimular a

reincidência do comportamento para aqueles que sofreram a sanção, bem como

constranger ao cumprimento dos comportamentos obrigatórios. São as suas palavras:

“o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar

eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para

induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda

comportamento positivo”. A finalidade seria unicamente a disciplina da vida social.109

Daniel Ferreira, por sua vez, entende que a função precípua da sanção não é

impor castigos, mas sim, num primeiro e mais elevado plano, garantir a eficácia das

normas de conduta previamente reguladas.110

Contudo, a doutrina não é pacífica também quanto a esse aspecto. Eduardo

Rocha Dias, por exemplo, cita Franck Moderne, que aponta, como elemento da sanção

administrativa, dentre outros, a finalidade punitiva.111

Importa extrair, das importantes posições existentes, que a sanção

administrativa é aplicada por quaisquer dos poderes estatais, quando no exercício da

função administrativa, típica ou não. Assim, Celso Antônio Bandeira de Mello, ao definir

infração administrativa, explica que a imposição de sanção “será decidida por uma

autoridade, no exercício de função administrativa – ainda que não necessariamente

aplicada nesta esfera”.112

108 Direito administrativo sancionador, p. 162. 109 Curso de direito administrativo, p. 814-815. 110 Op. cit., p. 15. 111 Op. cit., p. 18. 112 Nesse aspecto, é interessante refletir acerca das penas contempladas na chamada lei de improbidade administrativa (Lei Federal nº 8.429/92), que gerou enorme celeuma por ocasião de sua publicação, encontrando-se atualmente pacificado que as sanções por ela estabelecidas não possuem natureza penal. Tais penas são aplicadas pelo Poder Judiciário no exercício da função típica jurisdicional e não administrativa. Não obstante, alguns juristas, a exemplo de Fábio Medina Osório, defendem sua natureza administrativa, e nesta medida seria a aplicação de pena

69

A competência sancionatória conferida ao Tribunal de Contas, que tem por

função precípua o controle dos atos da Administração Pública, deve ser acompanhada

de instrumentos que viabilizem sua atuação. Deste modo, é razoável compreender que

o legislador constituinte conferiu ao Tribunal de Contas a competência para aplicar

sanções a fim que essa Corte pudesse ter meios de garantir a atuação da

Administração Pública em conformidade com as regras estabelecidas e, bem assim, de

garantir a eficácia de suas decisões, quando desobedecidas. Essa competência, enfim,

teria as finalidades apontadas por Celso Antônio Bandeira de Mello e Daniel Ferreira,

que afastam os objetivos de represália e castigo.

2.1. O alcance do princípio da legalidade em matéria de ilícito e sanção administrativa: monopólio de lei em sentido estrito.

Ensina Eduardo Rocha Dias que em decorrência do princípio da legalidade

exige-se que “os fatos considerados pressupostos do sancionamento assim como as

sanções aplicáveis sejam previamente tipificados por lei formal e não por simples

regulamento (nullum crimen, nulla poena sine lege)”, e explica que esse princípio

encontrou guarida constitucional no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal,

no que se refere a crimes e penas e não a infrações ou sanções administrativas.

Relata o referido jurista que as Constituições de diversos países estenderam

o princípio às sanções administrativas, a exemplo da Espanha e Portugal, e que em

outros, como França, Estados Unidos, Itália e Alemanha, a extensão se deu por criação

jurisprudencial das Cortes Constitucionais, e também por textos legislativos específicos,

no caso dos dois últimos. Acrescenta, todavia, que o princípio sofre algumas mitigações

e que, embora se reconheça que regulamentos e normas inferiores à lei em sentido

material e formal não possam criar infrações, em alguns países são esses atos

admitidos no caso de infrações de menor gravidade e de relações de sujeição especial.

administrativa pelo Judiciário no exercício de sua função jurisdicional e não de função atípica administrativa. As razões expostas pelo autor podem ser examinadas no tópico. Op. cit., p. 169-177.

70

Contudo, o autor conclui no sentido de que no Brasil, em vista da adoção da fórmula

Estado Democrático de Direito:

(...) principalmente a exigência de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não seja mediante lei, somente a lei, em sentido formal e material, e não decreto ou ato normativo de inferior hierarquia, pode instituir infrações e cominar-lhes as respectivas sanções, existindo profunda diferença entre o poder regulamentar do executivo no direito brasileiro e no direito europeu.113

De fato, assim nos parece, sendo perfeitamente possível extrair da Carta

Magna que algumas matérias reclamam postura mais rigorosa, exigindo a existência de

lei em sentido estrito regulando o caso concreto, como seria o caso das sanções

administrativas.

E é nesse sentido a observação feita pelo Ministro Eros Roberto Grau, que,

mesmo adotando posição mais flexível em relação ao alcance do disposto no artigo 5º,

II, da Carta Magna - dispositivo que, no seu entender, consagra o princípio da

legalidade em termos apenas relativos -, ressalva que, dentre outras, a matéria que

cuida da imposição de crimes é uma das situações em que a Constituição faz referência

ao princípio da legalidade em termos absolutos.114

Nessa situação, embora o dispositivo constitucional não faça referência

expressa a infrações e sanções administrativas, acreditamos, não só pelo argumento

invocado por Eduardo Rocha Dias, anteriormente citado, mas também em decorrência

do princípio da separação dos Poderes e pela constatação da ausência de diferenças

ontológicas entre os crimes e as infrações administrativas, que pode ser dado

tratamento semelhante no que diz respeito à incidência dos princípios.

Adotando postura semelhante, Lúcia Valle Figueiredo, ao abordar o princípio

da legalidade e eventual insuficiência de normatização e admitir a possibilidade do uso

da integração no direito administrativo apenas em três situações, afirma que há 113Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 38. 114 Op. cit., p. 184.

71

matérias em que o princípio da legalidade deve ter força absoluta, e que a integração

não pode ocorrer quando levar à imposição de sanções.115

Régis Fernandes de Oliveira afirma que no direito brasileiro não haveria

possibilidade de previsão de infração e sanção sem lei, por força, antes, do artigo 153,

§ 2º, da Constituição de 1969, e, atualmente, do artigo 5º, II, da Constituição Federal

de 1988, que não excepcionou qualquer hipótese, tampouco outorgou poderes à

Administração para agir de forma independente da lei, o que constituiria atuação

arbitrária. 116

Carlos Ari Sundfeld também afasta a possibilidade de delegação, por lei,

dessa competência, nos seguintes termos:

(...) não melhora a situação o fato de o decreto ser editado com base em lei estipulando ‘o regulamento preverá as infrações e sanções aplicáveis para realizar os objetivos da presente lei’. Tal significaria delegação de poder legislativo, gravosa ao princípio da Separação dos Poderes (CF. art. 2º).117

Ainda nesse sentido, Vicente Ferrer Correia Lima, ao tratar do tema inquérito

administrativo, manifesta-se da seguinte maneira:

Somente são punidas, penal e administrativamente, as infrações que estiverem, específica ou genericamente caracterizadas nos respectivos diplomas legais, isto é, no Código Penal, no Estatuto dos Funcionários ou leis correlatas. Nem ao Juiz, nem à autoridade administrativa, é permitido instituir crimes, faltas e penas.118

115 “Há matérias, entretanto, em que o princípio da legalidade teria força absoluta (estrita legalidade), como por exemplo, nas prestações pessoais ou patrimoniais. Tais atos de imposição devem ser respaldados em lei expressa.” E também não sem advertir que o tema deve ser tratado com grande cautela, a ilustre jurista admite a possibilidade de integração no direito administrativo em três situações: diante de norma estreita ou insuficiente, diante de ausência de norma (faltante) ou diante de norma incompleta, havendo a possibilidade da aplicação da analogia para deduzir qual atitude deve ser adotada, trazendo-se a norma de outra ou outras já existentes. Cita Linares, no sentido de que tais conclusões podem ser extraídas de seus ensinamentos. (Op. cit., p. 45-46). 116 Op. cit., p. 36. 117 Op. cit., p. 81. 118 Ensaio jurídico sobre o processo ou inquérito administrativo. Brasília:DASP, 1969, p. 93-94.

72

A Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, ao

discorrer sobre os princípios constitucionais dos servidores públicos, aduz que

“Demissão, no sistema brasileiro é penal. Logo, somente pode ocorrer quando houver

previsão legal da falta autorizativa de tal decisão”.119

Também José Armando da Costa afasta a possibilidade de integração da lei

que institui tipo penal e outras restrições de direitos, fazendo a seguinte afirmação: “No

âmbito do direito punitivo geral (penal, disciplinar e demais setores do direito

Administrativo), o recurso à analogia somente é possível para beneficiar o imputado

(analogia in bonam partem)”.120

Cremos que o princípio estatuído no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna

- “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”-,

tem absoluta aplicabilidade no âmbito das sanções administrativas, ou seja, não há que

se falar em possibilidade de punir, sem a prévia existência de previsão normativa.

Por conseguinte, o princípio da legalidade deve ser tomado em termos

absolutos, uma vez que nossa Carta Política não admite a imposição de penas, ainda

que de natureza administrativa, sem lei que as estabeleça de forma específica, a

exemplo da opção feita pelo legislador estadual, ao adotar referido princípio na lei

estadual de processo administrativo.121

Todavia, se parece não haver dúvida quanto à incidência do princípio da

legalidade em matéria sancionatória administrativa, no sentido de que somente poderão

ser punidas as infrações estabelecidas em diplomas legais, sendo defeso a qualquer

autoridade administrativa instituir ou aplicar faltas e penas não previstas previamente

119 Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 452. 120 Integração e interpretação das normas processuais disciplinares. In: Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 29. 121 A lei estadual de processo administrativo, Lei n.º 10.177/98, adotando o princípio da estrita legalidade, estabeleceu em seu artigo 6º, inciso II, que somente lei poderá prever infrações e prescrever sanções.

73

em lei, ou mesmo utilizar-se da integração, resta pendente a questão da possibilidade

de previsão genérica em lei.122

Assim, se bem concluímos que a sanção administrativa deve ser

estabelecida por lei em sentido estrito e que a aplicação de penalidades administrativas

não pode ser sacada do ordenamento jurídico num processo de integração, com isso

enfrentamos apenas parte do problema. Qual será o grau mínimo de precisão da norma

sancionatória em âmbito administrativo? O que pode ser delegado para

regulamentação e qual a amplitude da margem e liberdade de interpretação pode

deixar a lei para o administrador, sem que sejam feridos os princípios da legalidade

estrita e da separação dos Poderes?

Carlos Ari Sundfeld não admite a existência de lacunas de normas

substantivas no direito administrativo, fazendo a seguinte ponderação: “Se a lei não

limita um direito individual, se não proíbe certo comportamento, a limitação e a proibição

não podem ser impostas pelo administrador, sob pena de violar o § 2º do art. 153 do

Texto Constitucional”. Todavia, considerando que o direito existe para ser aplicado e a

existência de lacuna não pode impedir sua eficácia, admite o suprimento de lacuna

adjetiva, como competência implícita do administrador. Desta forma, conclui o seguinte:

À falta de lei dispondo sobre o procedimento administrativo, necessário à aplicação da sanção prevista pelo legislador, pode a Administração suprir a lacuna, observando os princípios constitucionais, os demais princípios jurídicos e a analogia. Nada obsta, igualmente, que isto seja feito por decreto regulamentar.123

Antonio Carlos Alencar Carvalho, em estudo dedicado à análise de aspectos

do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, diz que a tendência no direito

administrativo disciplinar, em decorrência dos avanços democráticos, é no sentido de

122 Antonio Carlos Alencar Carvalho cita posição de Vicente Ferrer Correia Lima sobre tipicidade: “ Somente são punidas, penal e administrativamente, as infrações que estiverem, especifica ou genericamente, caracterizadas nos respectivos diplomas legais, isto é, no Código penal, no Estatuto dos Funcionários ou leis correlatas. Nem ao Juiz, nem à autoridade administrativa, é permitido instituir crimes, faltas e penas.(grigo nosso). In Contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punições disciplinares de servidores públicos. p. 168. 123 A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense. v. 298. Rio de Janeiro, Maio/Jun. 1987, p. 103.

74

que as faltas mais graves sejam reguladas da forma mais precisa possível em tipos

disciplinares, podendo-se deixar margem maior à discricionariedade administrativa para

as condutas sujeitas a penas mais leves. Para ele, a tipicidade deve ser exigida para

penas mais severas, para subtrair da autoridade administrativa margem ao arbítrio no

manejo abusivo no poder de punir.

Como se denota, em âmbito disciplinar, referido autor admite diferenciação

na densidade da norma, quando se tratar de pena mais branda ou mais severa. Nesse

sentido, afirma que a idéia antiga do direito francês - de que as infrações disciplinares

não careciam de previsão legal, não se aplicando a exigência de tipicidade como no

direito penal e podendo ocorrer punição para condutas que genericamente infrinjam

deveres funcionais em sentido amplo, somente com o rol de penalidade cabíveis - tem

cedido terreno para a obrigatoriedade de previsão legal, taxativa, das falhas sujeitas a

penalidades de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, em nome do

princípio da legalidade.

Admite, ainda, a existência de lei que crie infrações disciplinares com tipo

aberto, mas assevera que não é essa a tendência dos estatutos pátrios, que tipificam

as condutas passíveis de penalidade demissória em modelos hipotéticos com

elementos precisos, que rendem pequena margem para a discricionariedade, sendo,

portanto, infrações de conteúdo preciso. 124

Constata-se portanto, que há uma tendência à imposição da tipicidade para

as infrações administrativas, mesmo no âmbito da atividade administrativa disciplinar,

situada no campo das relações denominadas de sujeição especial, onde a doutrina tem

admitido menor rigor na disciplina legal e maior amplitude no estabelecimento dos

ilícitos através de normas regulamentares.125

124 CARVALHO,Antonio Carlos Alencar . A & C R. de Direito Administrativo. ano 6. nº 26. Belo Horizonte, Out./Dez. 2006, p.169-171. 125 Não trataremos do tema relacionado às relações de sujeição especial, considerando que o trabalho está voltado à análise das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas, cujas relações estão situadas no âmbito da sujeição geral. Em linhas gerais, das lições extraídas dos ensinamentos dos doutrinadores que se dedicaram ao tema, como Renato Alessi, Adolfo Carretero Perez e Guido Zanobini, vemos que a diferença apontada decorre de um regime de dever

75

Definido que deverão os ilícitos e respectivas sanções serem estabelecidos

em lei em sentido estrito, coloca-se a relevante questão relacionada a densidade da

norma, cuja conclusão orientará o aspecto relacionado aos limites impostos aos atos

regulamentares, que enfrentaremos no item subseqüente e cujas conclusões serão

aplicadas na análise voltada à atuação do Tribunal de Contas.

De tudo o que até aqui foi dito, não parece restar dúvida sobre a incidência

do princípio da reserva legal para a instituição de sanções administrativas, por se tratar

de matéria que interfere no âmbito da liberdade dos indivíduos, cuja censura consiste

na aplicação de penalidades administrativas que somente poderão ser criadas por lei

específica. Seria a legalidade como exigência do monopólio de lei formal.

Mas o cerne da questão, se situa no questionamento sobre se a aceitação de

normas de baixa densidade, abertas ou elásticas, instituidores de sanções

administrativa que descrevem as condutas ilegais de forma genérica e ampla afastam a

tipicidade e dão espaço para a mera reserva de lei.

Cumpre alertar que utilizaremos, de forma indistinta os vocábulos tipicidade

e legalidade estrita, considerando-se que na doutrina encontramos autores que utilizam

ambos para designar a situação em que a previsão da infração e respectiva sanção

devem ser veiculadas por lei específica, com a descrição taxativa do ilícito. É a estrita

legalidade denominada por Ferrajoli e reiterada por Peces-Barba Martinez no sentido

de que não significa só a tipificação legal, mas representa como condição indispensável

para que o Juiz possa aplicar a pena, a existência de leis claras e precisas. Diz o jurista

geral (sujeição geral) que atinge a todos, e de um regime decorrente de uma relação jurídica especial, que atinge somente as partes (sujeição especial). Para Carretero Perez o regime geral tem origem no próprio ordenamento jurídico dirigido a todos, sem distinção, ao passo que no regime de especial sujeição os deveres não são gerais e decorrem de uma relação jurídica estabelecida entre o sujeito e a Administração. Para Zanobini, os deveres gerais decorrem imediatamente do ordenamento jurídico e ensejariam as penas de polícia, e os deveres especiais decorrem de um vínculo que coloca os particulares e a Administração em uma relação nova, dando ensejo às sanções disciplinares..Conforme citação de DANIEL, Ferreira. Sanções administrativas. São Paulo, Malheiros, 2001. p. 35-37, apud ZANOBINI, Guido. Le sanzioni amministrative. Torino, Fratelli Bocca Editori, 1924 e PEREZ, Adolfo Carretero, e SANCHEZ, Adolfo Carretero. Derecho administrativo sancionador. Madrid., Editoral Revista de Derecho Privado, 1992.

76

que “(...) só mediante leis claras, precisas e uniformes os direitos devem ser protegidos,

os deveres estabelecidos e as ações danosas castigadas”.126

Com tal esclarecimento, reafirmamos a incidência da reserva legal no âmbito

das sanções administrativas e passamos à discussão acerca da possível convivência

da tipicidade enquanto exigência voltada ao legislador relacionada a descrição do ilícito

e respectiva sanção e as normas abertas ou elásticas.

Importa destacar que a legalidade estrita ou tipicidade é decorrência de

aspiração antiga decorrente do processo de formação do Estado moderno, que vem em

garantia da segurança jurídica, não apenas no sentido da anterioridade da lei que

prescreve os crimes e as penas, mas também relacionada à certeza do direito, no

sentido de que qualquer pessoa possa prever qual comportamento está proibido e

passível de ser apenado, situação que nas palavras de Sérgio de Andréa Ferreira,

extraídas da lição de Norberto Bobbio, se traduz no seguinte:

Por certeza do direito entende-se, o mais das vezes, a determinação, de uma vez para sempre, dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui a um certo tipo de ato ou fato, de modo que o cidadão esteja apto a saber, com antecipação, as conseqüências da própria ação e de regular-se, consabidamente, de conformidade com as normas estabelecidas.

Complementa o autor com o seguinte comentário: “Por certo que essa

certeza não pode ser um apanágio mas os cidadãos devem ter condições de saber,

com antecipação, as conseqüências jurídicas da própria ação.” 127

Considerando-se que não vislumbramos diferenças ontológicas entre as

sanções penais e as administrativas, vemos como tormentosa a questão sobre qual

seria o grau mínimo de precisão exigido pela norma sancionatória administrativa, ou

seja, se as leis que veiculam previsão genérica dos ilícitos e respectivas sanções,

significariam o afastamento do princípio da tipicidade que deve incidir igualmente..

126 História de los derechos fundamentales. p. 159/160. 127 O princípio da segurança jurídica em face das reformas constitucionais. p. 191- 192

77

Isto porque, a legislação nacional que cria os ilícitos administrativos é em sua

esmagadora maioria genérica, como ocorre com a Lei Orgânica do Tribunal de Contas

da União, cujo conteúdo será analisado em capítulo específico, e porque seria

ingenuidade inescusável não aceitar que a lei não pode antever todas as possibilidades

de condutas censuráveis, existindo efetivas dificuldades no estabelecimento detalhado

de todas as condutas ilegais e passiveis de aplicação de sanções, sobretudo

considerando o amplo âmbito de atuação da Administração Pública. Ao mesmo tempo,

reconhecemos que a segurança há que ser conferida e afastamos a utilização do

recurso à analogia em matéria sancionatória.

Desta feita, concluímos que, de fato, nosso ordenamento jurídico exige que o

princípio da legalidade tenha o mesmo alcance em matéria de sanções administrativas

daquele conferido ao direito penal, a exemplo do que ocorre na Espanha, e que a

aceitação das normas que descrevem os ilícitos de forma apenas genérica não afastam

necessariamente o princípio da tipicidade, o que ocorreria apenas se a generalidade

fosse tal, que não conferisse aos indivíduos a possibilidade de saber de antemão quais

são as condutas vedadas pela lei e as respectivas sanções, situação esta não passível

de aceitação, pois acarretaria na impossibilitação do direito de defesa.

Passemos ao item subseqüente, onde aprofundaremos esta questão.

2.1.1. A norma sancionatória e o princípio da tipicidade.

Embora existam divergências doutrinárias sobre o tema, a maioria dos

teóricos defendem a incidência do princípio da tipicidade em matéria de sanção

administrativa, situação em que, a exemplo do que ocorre na legislação penal, a

conduta considerada como crime deve ser descrita na lei, de forma que o ato praticado

corresponda à descrição contida na norma, com a indicação da pena correspondente.

78

A tipicidade é decorrência natural do princípio da reserva de lei, mas com

ele não se confunde porque o princípio da tipicidade vai além, no sentido de que

determinada conduta para ser adjetivada de típica precisa adequar-se a um modelo

descrito na lei, ou seja, a conduta deve subsumir-se na moldura descrita na lei,

havendo uma operação intelectual do Juiz, de conexão entre a infinita variedade de

fatos possíveis da vida real e o modelo típico descrito no texto legal. Se o resultado

desse juízo for positivo, significa que a conduta analisada reveste-se de tipicidade, e ao

contrário, ocorrerá a atipicidade, pois não haverá a correspondência entre o ato

praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de crime contido na lei penal.

César Roberto Bitencourt, sobre as funções do tipo penal diz o seguinte:

Em verdade, o tipo cumpre, além da função fundamentadora do injusto` também uma `função limitadora` do âmbito do penalmente relevante. Assim tudo o que não corresponder a um determinado tipo de injusto será penalmente irrelevante.128

Em linhas gerais, a tipicidade estará presente quando a lei delinear

perfeitamente as restrições impostas e estabelecer as respectivas sanções. Neste

sentido transcrevemos passagem do texto de Garcia de Enterria e Tomás-Ramón

Fernandez: (...) a Lei deve haver determinado de maneira prévia que ‘ações ou omissões’ em concreto constituem ’infração administrativa’, o que exclui causas abertas ou indeterminadas. (...) Esta técnica genérica de qualificação do ilícito volatiza o rigor do princípio da tipicidade, que exige determinações mais claras e precisas e não uma remissão em branco que possa satisfazer qualquer norma mínima, à qual fica assim confiada a delimitação do espaço do ilícito e do proibido ou sancionável, com violação do princípio de legalidade formal.129(destaque nosso)

128 Erro de Tipo & Erro de proibição: Uma análise comparativa.São Paulo: Saraiva. p. 11-12. 129 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo & FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo., p. 165. No original: (...) “la Ley ha de haber determinado de manera previa qué ‘acciones u omisiones’ en concreto constituyen ‘infracción administrativa’, lo que excluye cláusulas abiertas o indeterminadas (...) Esta técnica genérica de calificación del ilícito volatiza el rigor el principio de tipicidad, que exige determinaciones más acotadas y precisas y no una remisión en blanco que pueda llenar cualquier norma mínima, a la cual queda así confiada la delimitación del espacio de lo ilícito y de lo prohibido o sancionable, con violación del principio de legalidad formal”.

79

Na Espanha, por força de dispositivo constitucional, o principio da legalidade

ganha o mesmo alcance em matéria penal e administrativa, situação que pode levar à

afirmação categórica sobre a impossibilidade da existência de punição, decorrente da

prática de atos ilícitos, sem a prévia previsão legal.

E assim é a lição dos catedráticos espanhóis acima mencionados, ao

afirmarem que a atribuição sancionatória da Administração tem que se realizar

precisamente através de lei formal, uma vez que desde a lógica da doutrina das

matérias de reserva legal se justifica a exigência de uma legalidade formal, porque a

infração administrativa define o âmbito do lícito, o limite da liberdade e habilita a

Administração a operar uma privação de bens e direitos sobre o administrado. Para os

renomados juristas: “por uma e outra razão, só a lei pode legitimar a posteridade

sancionatória da Administração e sua medida concreta. O art. 27 LRJAE corrobora

explicitamente esta conclusão”.130

Mas, como se denota, a afirmação vai além, pois nela também está contida a

impossibilidade da existência de cláusulas abertas ou indeterminadas em matéria

sancionatória.

O Estado de Direito, como afirma Eduardo Rocha Azevedo, exige que a

norma tenha um grau mínimo de precisão, suficiente para permitir aos indivíduos a

verificação dos tipos de comportamentos tidos por censuráveis e as respectivas

penalidades a que estarão sujeitos em caso de praticá-las.131

Reforçando esta linha de raciocínio, Marçal Justen Filho, ao fazer referência

às sanções administrativas previstas na lei de licitações, em análise do artigo 87 do 130 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo., p. 160. No original: “por una y otra razón, solo la ley puede legitimar le potestad sancionatoría de la Administración y su medida concreta. El art. 27 LRJAE corrobora explicitamente esta conclusión”. 131 Nesse sentido, diz o autor: “O princípio da tipicidade (lex certa), em sentido positivo, significa que a previsão normativa das sanções e infrações deve assumir um grau mínimo de precisão de modo a permitir aos interessados mensurar o tipo de comportamentos sancionáveis e as punições a que estão sujeitos. Em sentido negativo, significa a proibição de normas incriminadoras em branco. Lembre-se, porém, que exigir uma precisão absoluta constitui um desígnio irrealista, bastando, porém, verificar se é possível estabelecer com certeza um nexo entre a conduta descrita e a punição aplicável” (Op. cit., p. 39).

80

mencionado diploma legal, pondera que a lei não pode remeter a Administração a

faculdade de escolher quando e como aplicar as sanções ali previstas, porque isso

ofenderia o princípio da legalidade, uma vez que não estão explicitadas as condições

de imposição.132

Em outro sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afasta a incidência do

princípio da tipicidade em âmbito administrativo, considerando que não há com relação

ao ilícito administrativo a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal, aduzindo o

seguinte:

Ao contrário do direito penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja (nullum crimem, nulla poena sine lege), no direito administrativo prevalece a atipicidade.

Em face dessa afirmação, e do fato de que a maior parte das infrações não é

definida com precisão, segundo a jurista, fica a maior parte das infrações sujeita ao

juízo discricionário administrativo em cada caso concreto. Por esse entendimento,

destaca a importância do princípio da motivação do ato punitivo pela autoridade, porque

só assim ficará demonstrado o correto enquadramento da falta e a dosagem adequada

da pena.133

A respeitada jurista, aceita, como se denota, que a lei genericamente preveja

as infrações, remetendo à autoridade julgadora a competência discricionária para

enquadrar diante de cada caso concreto a pena que deverá incidir.

Já firmamos nossa posição acerca da incidência da tipicidade na norma

sancionatória administrativa e remetemos a discussão, que ora iniciamos com a posição

de Maria Sylvia, sobre se as normas de baixa densidade, que reduzem a segurança do

132 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, p. 622. 133 . Op. cit., p. 515. Cretella Jr. adota o mesmo entendimento de Maria Sylvia, afirmando o seguinte: “Como a falta administrativa é atípica, diversamente do que ocorre, no campo penal, em que vigora o princípio da tipicidade, também a respectiva sanção é elástica, ficando na dependência do poder discricionário da Administração”.Prescrição da falta administrativa. p. 66.

81

administrado acerca das condutas repelidas pelo Direito e das respectivas sanções,

afastam a incidência desse princípio.

Acerca da postura adotada pela jurista, relacionada à competência

discricionária do administrador no momento da imposição da pena, cumpre ponderar

que os inúmeros princípios norteadores da conduta do administrador por ocasião da

aplicação da pena são ferramentas de controle indispensáveis, que, todavia, para nós

não afastam a discussão acerca da segurança em face da descrição legal.

Não são poucos os juristas que se filiam à corrente que defende a incidência

do princípio da tipicidade no âmbito administrativo, e nesse sentido Régis Fernandes de

Oliveira rebate a postura de Maria Sylvia, afirmando que para a identificação da

infração administrativa impõe-se, além da antijuridicidade, o tipo, que define como “(...)

o conjunto de elementos de comportamento punível previsto na lei administrativa”. E

afastando a discricionariedade conferida por Maria Sylvia, assevera que o juízo de valor

a ser empregado pelo julgador não caracteriza a dispensa do princípio da tipicidade,

asseverando que: “ A descrição da infração deve estar prevista em lei ou em regulamento, quando a hipótese normativa for genérica, incumbindo à Administração limitar as probabilidades fáticas.”134(destaque nosso)

A discricionariedade, enquanto competência expressamente atribuída pela

norma jurídica à autoridade administrativa, a quem confere margem de decisão, não se

confunde com a interpretação do direito. A primeira decorre da formulação de juízos de

oportunidade e conveniência, onde a lei autoriza a escolha daquilo que Eros Grau

denomina de indiferente jurídico, e que segundo nosso entendimento não é conferida à

autoridade encarregada legalmente de aplicar a pena. O poder discricionário se

fundamenta em critérios extrajurídicos e na esfera da aplicação de sanções não incide

a vontade do aplicador, mas a emissão de juízo de legalidade formulado através da

134 Infrações e sanções administrativas. p. 20.

82

atividade interpretativa, que é intelectiva e não se confunde com escolha entre as

possibilidades viáveis.135

Assim, tratando-se de formulação de juízo de legalidade, de interpretação e

aplicação da lei, que deve ser realizado à luz dos princípios constitucionais, o ato de

aplicação da penalidade há de ser objeto de controle pelo Judiciário, e portanto, está

fora dos atos em que a autoridade pode aplicar juízos de conveniência e oportunidade.

Retomando a questão relacionada à tipicidade, é de se notar que além de

não existir unanimidade na doutrina acerca da incidência ou não do princípio da

tipicidade em matéria de sanção administrativa, também não existe unanimidade na

identificação do exato conteúdo da tipicidade. Consideramos que talvez o que existam

são entendimentos divergentes sobre seu conteúdo e daí o afastamento de sua

incidência para alguns.

Melhor explicando, mesmo reconhecendo a existência de um aumento

considerável na legislação moderna dos elementos normativos do tipo, com a

diminuição de sua precisão e firmeza, e o alargamento da função do julgador quanto a

conformidade típica do fato concreto com prejuízo da segurança, entende Régis de

Oliveira, que tal abertura não implica na atipicidade.136 Todavia, como se percebe, para

Maria Sylvia a situação descrita implica no afastamento da tipicidade.

Também há imprecisões relacionadas às situações que exigem a tipicidade e

outras que a dispensam, à exemplo daqueles que defendem que as sanções mais

brandas não dependem da descrição minuciosa do ilícito, mas para as mais graves, a

lei terá que descrevê-los. Tais posturas tornam o terreno por demais pantanoso, porque

consideramos que em qualquer situação ao indivíduo deve ser assegurada a

135 Segundo o Ministro do STF existe a viabilidade de decisão à margem da lei, “(...) porque à lei é indiferente a escolha que o agente da Administração vier a fazer. Indiferente à lei, estranhas à legalidade, não há porque o Poder Judiciário controlar essas decisões.” RMS nº 24.699/DF 136 Op cit. p. 22

83

cientificação antecipada das conseqüências de seus atos e em decorrência a

possibilidade de defender-se de forma plena.

Cumpre primeiro, para bem colocar o tema, consignar o entendimento

esposado por alguns juristas, sobre a tipicidade.

Egon Bockmann Moreira, defendendo a incidência do princípio da tipicidade

afirma: “que o direito sancionador não pode se satisfazer com o respeito ao princípio da

legalidade. É imprescindível o recurso à teoria do tipo”.137

O referido jurista, ao defender a busca do recurso à teoria do tipo, afasta a

existência de normas sancionatórias abertas ou elásticas, para concluir que no direito

administrativo sancionador incide o princípio da tipicidade, que, em suas palavras, “(...)

exige que a legalidade contemple uma descrição específica do comportamento passível

de punição administrativa. É uma descrição clara e minuciosa da conduta cuja

concretização implica uma violação à ordem jurídica- administrativa e faz eclodir o

dever funcional de aplicar a sanção correspondente”.

Afirma ainda o autor que não basta a definição da ação ou omissão proibida,

devendo ocorrer também a definição das conseqüências de seu descumprimento,

sendo necessária a predeterminação normativa de todas as condutas e respectivas

sanções, porque na aplicação da pena não há espaço para juízo de conveniência e

oportunidade.138

Dessa opinião não discrepa Rafael Munhoz de Mello, para quem a lei não

pode criar figuras ilícitas imprecisas e elásticas que não permitam o prévio

conhecimento de qual conduta o legislador quis proibir. Diz o jurista, defendendo a

incidência do princípio da tipicidade, que “Para que a tipicidade seja cumprida, a norma

137 Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções administrativas (reflexões iniciais acerca da conexão entre os temas). RTDP, nº 41. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 112. 138 Ibidem, p. 113.

84

deve conter densidade suficiente, é dizer, deve prever todos os elementos essenciais à

configuração do ilícito, bem como definir a sanção que lhe corresponde”.139

Partindo-se da constatação feita no item anterior, da exigência de lei em

sentido estrito e da não possibilidade de haver delegação legislativa ao administrador,

exceto para estabelecer normas voltadas a propiciar o fiel cumprimento da lei ou suprir

ausência de norma adjetiva, cumpre-nos, neste momento a tarefa de justificar nosso

ponto de vista sobre a possibilidade de se admitir a existência de normas constituídas

por cláusulas genéricas que regem os processos punitivos, sem que com isso se afaste

a tipicidade.

Carlos Ari Sundfeld assevera que no Estado de Direito a lei deve traduzir

padrão de referência que cientifique antecipadamente as pessoas das conseqüências

de seus atos. Invocando Geraldo Ataliba, transcreve que:

O Estado não surpreende seus cidadãos: não adota posições inopinadas que os aflijam. A previsibilidade da ação estatal é magno desígnio que ressuma de todo o contexto de preceitos orgânicos e funcionais postos no âmago do sistema constitucional.140

Marçal Justen Filho acentua que se aplica o princípio da legalidade no

tocante à definição das infrações e na fixação das sanções e, quanto à pena de

demissão, frisa que a gravidade da sanção impede sua aplicação sem previsão legal

das hipóteses de seu cabimento.141

Repetimos, portanto, que em matéria de sanção administrativa o princípio da

legalidade não deve ser atenuado, devendo a norma disciplinar o tratamento a ser dado

ao ilícito prescrito, à medida que não deve haver espaço para aplicação de sanções

sem prévia cominação legal. Todavia, em relação à descrição das condutas trazemos à

baila o sensato comentário de Eduardo Rocha Dias, com o seguinte teor: “lembre-se,

139 Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal na administração pública., p. 168. 140 Direito administrativo ordenador, p. 81. 141 Curso de direito administrativo, p. 665-674.

85

porém, que exigir uma precisão absoluta constitui um desígnio irrealista, bastando,

porem, verificar se é possível estabelecer com certeza um nexo entre a conduta

descrita e a punição aplicável.”142

Concordamos com a observação de Eduardo Rocha Dias, e por essa razão

não afastamos a possibilidade da existência de normas jurídicas de textura aberta, que

instituem ilícitos e respectivas sanções. Todavia, a densidade normativa deve ser

suficiente para garantir o prévio conhecimento dos atos que pretendeu o legislador

proibir, a fim de que, como já consignamos acima, nenhum prejuízo cause à defesa do

atingido.

A Constituição Federal exige a fixação das sanções através de lei formal,

sendo decorrência do Estado de Direito a garantia de que os indivíduos saibam de

antemão quais condutas são proibidas pela lei, pois nisto consiste a previsibilidade da

ação estatal. Só há ilícito se a pessoa descumpre um dever jurídico anteriormente

imposto pelo ordenamento e só há sanção se ocorrer o ilícito. Por tal razão é de rigor

poder saber de antemão qual conduta é tida pelo ordenamento como ilícita.

Sabemos que em geral as normas repressivas são informadas por preceitos

jurídicos indeterminados ou vagos, situação que no plano legal também não pode ser

afastada. Nesses casos, a exemplo da lição de Maria Sylvia, remetemos a solução ao

julgador que em cada caso concreto, com a indispensável observância dos princípios

da proporcionalidade e da motivação, deverá subsumir a conduta à descrição legal,

situação que leva ao campo da interpretação e afasta o juízo discricionário, pois o juízo

de valor sobre o conceito indeterminado empregado pela lei não criará a infração, mas

tornará viável o alargamento do alcance da norma, com a adequação do fato ao texto

legal.143

142 Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 39. 143 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 622.

86

Neste ponto, reiteramos ponderação já feita anteriormente no sentido de que,

por não ser juízo de conveniência e oportunidade, o ato punitivo estará sujeito ao

controle jurisdicional, situação em que o Poder Judiciário verificará se o ato é correto.

Isto porque, na interpretação, sobretudo de textos normativos que veiculam conceitos

indeterminados, inexistirá uma única interpretação, a interpretação verdadeira, a única

correta, de modo que ao Judiciário caberá apenas analisar se o ato foi correto, fazendo,

nas palavras de Eros Grau “(...) atuar as pautas da proporcionalidade e da

razoabilidade, que não são princípios, mas sim critérios de aplicação do direito,

ponderados no momento das normas de decisão”.144

Mas a densidade da norma, embora sofra efeitos decorrentes dos conceitos

indeterminados, não é apenas a norma informada por tais preceitos, mas aquela que

não possibilita a imediata subsunção da conduta praticada ao tipo legal discriminado

como infração e que, tampouco estabelece um rol exaustivo das condutas ilícitas. A

norma sancionatória pode se utilizar de conceitos jurídicos indeterminados, que são

abstratos, imprecisos, dotados de generalidade, como de cláusulas gerais, e em

qualquer situação a solução deve ser dada pelo que se compreende da lei.

A tipicidade formal, segundo Francisco de Assis Toledo consiste na

correspondência que possa existir entre uma conduta da vida real e o tipo legal de

crime constante da lei penal, de modo que um fato da vida real será típico na medida

em que apresentar características essenciais coincidentes com as de algum tipo legal

de crime e será atípico se não se ajustar a nenhum dos tipos existentes. Para ele, tais

considerações põem em destaque a necessidade de se contar com um rol exaustivo de

tipos, que decorre da função de garantia do tipo e se observe o princípio da

anterioridade da lei penal.145

Ora, parece indispensável que a conduta, para ser apenada se ajuste a

algum tipo pré-existente também em âmbito administrativo, onde igualmente deve estar

144 RMS nº 24.699/DF. 145 Princípios básicos de direito penal. p. 125

87

presente a anterioridade da lei. Todavia, a lei poderá prever condutas genéricas e

abranger os casos semelhantes. Trata-se de técnica amplamente empregada no âmbito

administrativo e que confere grande elasticidade e alcance ao texto legal, mas não

afasta a necessidade do estabelecimento da previsão legal da conduta ilícita e

respectivas sanções A tipicidade decorrerá de previsão genérica ou exemplificativa.

Esse é o entendimento de Régis Fernandes de Oliveira.146

Aliás, no direito penal também assim ocorre, embora em situações que

constituem exceções, uma vez que a adequação típica pode ocorrer de forma mediata,

necessitando da ocorrência de outra norma secundária, de caráter extensivo, que

amplie a abrangência da figura típica.

Não obstante, cumpre consignar que não é o entendimento esposado pela

maior parte da doutrina que se dedicou ao tema. Rafael Munhoz, por exemplo, entende

que a definição do ilícito deve ser precisa e segura e que as figuras ilícitas imprecisas,

elásticas que não permitem a compreensão prévia de qual conduta o legislador quis

proibir, dando ampla margem à decisão administrativa não devem ser admitidas. Admite

o autor a existência de cláusulas abertas apenas nas relações de sujeição especial,

onde o regulamento cumpriria o papel da tipicidade dentro dos limites estabelecidos na

cláusula genérica contida na lei. Afirma que nas relações de sujeição geral, as condutas

devem ser tipificadas na lei formal.147

Cumpre salientar que o mesmo autor, citando Nieto, admite que a tipificação

pode ser bastante flexível, mas não ao ponto de permitir que sejam criadas figuras de

infração que supram as imprecisões da norma por ocasião de sua aplicação.

Assim, entendemos necessário estabelecer que as figuras ilícitas imprecisas

ou elásticas não se confundem com a lei que não permite a compreensão prévia das

condutas que o legislador quis proibir. Esta segunda situação deve ser afastada, mas

146 Infrações e Sanções Administrativas, p. 24. 147 Sanção Administrativa e princípio da legalidade. p.164/179.

88

com isso necessariamente não estamos afastando as normas elásticas ou abertas. O

que não se pode admitir são as normas cuja amplitude torne impossível ou muito

dificultosa a identificação da conduta considerada ilegal pelo legislador, prejudicando o

direito de defesa.

Acompanhando a lição de Régis Fernandes de Oliveira, consideramos que a

descrição dos ilícitos de forma genérica não afasta a incidência do princípio da

tipicidade, mas naturalmente não desconsideramos que normas dessa natureza

diminuem a garantia e a segurança exigidas pela Constituição Federal nos inúmeros

dispositivos mencionados no primeiro capítulo deste estudo.

Por tal razão defendemos que deverão ser alcançadas por outras vias,

indispensáveis para conferir a segurança. Uma delas é o momento de aplicação da

pena, que será tratado em item específico, procedimento a ser conduzido de forma a

conferir a segurança e direitos assegurados na Carta Magna aos acusados em geral. A

viabilidade da descrição mais abrangente dando a possibilidade da busca da decisão

mais adequada faz com que o controle se torne mais sofisticado e impõe rigor no

procedimento. Os regulamentos também podem cumprir esse papel, sem criar ilícitos

novos, mas sim, aclarar, exemplificar, conferindo maior segurança.

Por esta razão entendemos que os regulamentos autorizados, assim

denominados por Eros Grau, que não decorrem propriamente de uma delegação de

função, mas de uma atribuição explícita do exercício da função normativa do Executivo,

são mecanismo admitido por nosso ordenamento jurídico para completar a norma

sancionatória aberta trazendo a segurança necessária e exigida pelo Estado de Direito.

As normas penais em branco e os conceitos indeterminados são

amplamente admitidos e utilizados na legislação penal, não havendo razão para afastá-

los no âmbito administrativo, mas é fato que a lei penal também faz uso da tipificação

genérica invocando, a própria lei, a utilização do dispositivo para as situações análogas.

Assim também ocorre com a lei de improbidade administrativa, que estabelece tipos

89

absolutamente genéricos para a imposição de penalidades bastante graves. Não

afastamos essa realidade no âmbito da lei que estabelece sanções administrativas.

Seria retrocesso inadmissível permitir a existência da lei de textura aberta e

não exigir sua explicitação no plano regulamentar, como admitido por Régis de Oliveira

na passagem que destacamos acima. Basta que as cláusulas legais confiram os

contornos, estabeleçam as situações não admitidas, genericamente. Ao regulamento

caberá o papel de minudenciar as condutas, estabelecer rol exemplificativo.

A nós parece que o que não deve se admitir é que a lei genérica não seja

regulamentada para o fim de esclarecer os indivíduos quanto às condutas que cabem

no tipo genérico estabelecido, o que normalmente ocorre por ocasião da aplicação das

sanções. O regulamento que desborde dessa orientação será passível de controle pelo

Judiciário, situação que amplia a segurança dos indivíduos.

A doutrina, embora admita diferenças entre as relações de sujeição geral e

especial e no Brasil afaste a possibilidade de estabelecimento de ilícito em

regulamento, ainda que nas relações de sujeição especial, onde via de regra seriam

admitidas apenas as cláusulas abertas e a tipificação em regulamento, também não é

uníssona, já que em várias situações invoca a descrição da falta na lei, como ocorre

com freqüência na doutrina que trata das penas disciplinares de maior gravidade, como

a demissão.

Não são raras as normas que prevêem a imposição de punição

administrativa, deixando ao administrador larga margem de atuação no momento de

impor as sanções. Estão presentes nas situações de sujeição especial e geral, como as

infrações das normas de proteção ambiental, de defesa do consumidor, e outras.

O fato de serem normas abertas, ou seja, de descreverem a conduta nem

sempre de forma absolutamente definida e, ainda, de não prescreverem as sanções

respectivas de forma precisa, como ocorre no direito penal, é sem dúvida uma questão

90

que resvala na extensão da aplicação do princípio da legalidade. Todavia, nem sempre

em tais situações podemos considerar peremptoriamente que foi afastada a tipicidade.

Tomemos, apenas para exemplificar, dois dispositivos legais, escolhidos sem

maior critério, já que nosso ordenamento está repleto de leis com conteúdos

semelhantes, no que diz respeito à imprecisão das condutas puníveis e também das

sanções correspondentes.

O disposto no § 2º do artigo 59 da Lei n.º 7347/85 – Código de Defesa do

Consumidor:

Art. 59. As penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão temporária da atividade, bem como a de intervenção administrativa serão aplicadas mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando o fornecedor reincidir na prática das infrações de maior gravidade previstas neste Código e na legislação de consumo. § 1º... § 2º. A pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato desaconselharem a cassação de licença, a interdição ou suspensão de atividade.

Vemos aqui que a lei deixa larga margem de atuação subjetiva, permitindo

que a Administração analise se é aconselhável ou não a cassação, segundo critérios

não estabelecidos ou especificados na lei. Nessa situação, o agente competente para

aplicar a penalidade vai valorar o caso concreto e definir se deve ou não cassar a

licença, interditar ou suspender a atividade, conforme autorizado pela lei.

Note-se que a norma não dá a devida segurança ao administrado acerca da

punição correspondente à prática da infração tipificada, o que dá margem ao tratamento

privilegiado para alguns e rigoroso para outros, ou seja, dá margem do tratamento

diferenciado pela Administração.

91

Todavia, se ato infra-legal estabelecer de forma exemplificativa as situações

em que a Administração considera desaconselhável a cassação, a interdição ou a

suspensão, aumentará a segurança na medida em que o administrado conhecerá

previamente os parâmetros adotados para a decisão pela intervenção, situação que

também reduzirá o âmbito de atuação do Administrador e consequentemente a

viabilidade de tratamento diferenciado em situações semelhantes, já que estará

submetido a uma regra geral e abstrata orientadora de sua atuação, sem que com isso

esteja criando ilícito ou sanção não previstos em lei.

Um segundo exemplo está disposto no artigo 104, inciso II, da Lei Orgânica

do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, quando dispõe que:

Art. 104 – O Tribunal de Contas poderá aplicar multa de até 2.000 (duas mil) vezes o valor da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP) ou outro valor unitário que venha a substituí-la, aos responsáveis por: I-... II- ato praticado com infração à norma legal ou regulamentar.

Nesta situação, igualmente há ampla margem de atuação subjetiva,

permitindo que a autoridade aplique a multa dentro de uma larga escala de valores, o

que, como já se falou, é admissível, considerando que deverá o agente valorar a

conduta em face de sua gravidade e aplicar o valor condizente, de forma motivada e

proporcional.

Todavia, como ocorre no exemplo anterior, a norma não dá a devida

segurança ao administrado nesta situação, acerca da sanção aplicável à conduta, o que

dá margem a desvios e abusos por parte do aplicador da norma.

Afinal, todas as infrações a normas legais e regulamentos serão passíveis de

punição, inclusive aquelas praticadas sem intenção do agente e que não causam danos

de qualquer natureza, e de conteúdo meramente formal? Pode ficar no âmbito de

valoração do aplicador da sanção essa decisão?

92

A aplicação da sanção é indisponível, devendo incidir em toda e qualquer

situação em que se constata inobservância de qualquer natureza à norma legal.

Trata-se de ato vinculado, à medida que não cabe ao administrador decidir,

diante do caso concreto, se aplicará a sanção estabelecida na norma. Constatada a

ocorrência do fato tipificado como irregular, surge o inafastável dever de aplicar a

sanção. Esta afirmação não afasta, tampouco resolve o problema acerca da ampla

possibilidade de valoração na aplicação da sanção, diante das possibilidades

estabelecidas na lei.

É certo que a atuação do administrador no exercício da competência

sancionatória é bastante limitada, devendo o agente interpretar e levar a norma diante

do caso concreto para o campo da certeza, utilizando-se para tanto dos princípios

constitucionais, sobretudo os da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade. Mas

seriam estas efetivas garantias para os indivíduos contra eventuais abusos e

arbitrariedades da Administração?

Diz Régis Fernandes de Oliveira, ao tratar da proporcionalidade das sanções

administrativas, que “a dosagem da penalidade a ser imposta atenderá à finalidade

objetivada pela lei. Será discricionária dentro dos limites legais, mas vinculada à

finalidade a ser alcançada”148. De fato, teremos aqui importante forma de controle da

atuação da Administração Pública e de defesa dos indivíduos, que sempre poderão

buscar a invalidação do ato perante o Poder Judiciário. Trata-se de garantia inafastável.

A lei, por seu caráter genérico e impessoal, não teria mesmo condições de

especificar todas as condutas e respectivas sanções, mas em matéria de sanção

administrativa, pelo fato de se tratar de uma das formas mais gravosas de atuação da

Administração, há de existir uma preocupação maior com a descrição da conduta tida

por ilegal, ainda que não de forma exaustiva e absolutamente detalhada.

148 Infrações e sanções administrativas., p. 73.

93

Jescheck e Weigend, tratando do significado da técnica legislativa para a

função garantista da lei penal consideram que a lei deve vincular o juiz de modo mais

forte possível, porque uma redação legal que tente incorporar em detalhes todos os

pressupostos possíveis da punibilidade, deve ficar necessariamente incompleta.

Apresentam como soluções para minimizar essa realidade, a utilização de conceitos

comuns, seguidos de uma lista exemplificativa.149

Por esse entendimento, consideramos que o regulamento poderá cumprir o

papel de detalhar, estabelecendo quais condutas seriam passíveis da aplicação da

pena, nos termos previstos genericamente na lei, conferindo maior segurança aos

indivíduos sem que isso acarretasse na delegação de competência legislativa.

Evidentemente sempre poderá ocorrer abuso, que será passível de controle pelo Poder

Judiciário.

Citamos passagem do voto do Ministro Eros Grau em decisão proferida por

unanimidade de votos dos membros integrantes da 1ª Turma do Supremo Tribunal

Federal, em recurso ordinário interposto em mandado de segurança, onde restou clara

a aceitação da desnecessidade da tipificação estrita que subsuma rigorosamente a

conduta à norma, para a aplicação de penalidade administrativa, no caso, a pena de

demissão:

Nesse ponto, importa deixar consignado que, embora no campo administrativo não seja necessária a tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta á norma, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinar, sem que ao acusado seja propiciada a ampla defesa (CB, art. 5º,LV).150(destaque nosso)

Para concluir, consignamos que a legalidade estrita não se refere somente

aos pressupostos da punição, mas também ao estabelecimento das conseqüências

149 Tratado de derecho penal. p. 136/137. 150 RMS 24.699/DF– 1ª Turma. Supremo Tribunal Federal. DJ 01.07.2005. Ementário nº 2198-2.

94

jurídicas respectivas, de forma que as leis que conferem espaço muito amplo para a

determinação da pena também resvalam no princípio da lei em sentido estrito.

95

CAPÍTULO III O TRIBUNAL DE CONTAS

1.Breve histórico e evolução das competências do Tribunal de Contas da União.

Dada a natureza humana, existe uma tendência inata de todo administrador

de bens utilizá-los em benefício próprio ou em desacordo com estabelecido na lei. A

observação de que o homem tende a abusar do poder levou o Barão de Montesquieu a

aprimorar e sistematizar a teoria da separação dos poderes, anteriormente concebida

por Aristóteles. O ponto fundamental da teoria da separação dos poderes reside na

necessidade dos poderes instituídos serem controlados por órgãos diferenciados.

Subjaz, nessa doutrina, a idéia de proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos,

tendo a mesma influenciado de forma definitiva o moderno Estado de Direito.

Atualmente a teoria da tripartição dos poderes vem sofrendo severas críticas

relacionadas à sua insuficiência e incompatibilidade com as dimensões do Estado

contemporâneo, chegando-se mesmo a afirmação de que perdeu autoridade, vigor e

prestígio, porque os valores que a inspiraram desapareceram ou estão em via de

desaparecer, não havendo mais lugar para a prática de um princípio rígido de

separação, onde o povo é o verdadeiro detentor do poder e o Estado assumiu

responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu151.

Não obstante as críticas, indubitavelmente a teoria cumpriu papel

fundamental na evolução jurídica do poder político, tendo sido um dos mais valiosos

instrumentos para a organização do poder e salvaguarda dos direitos individuais,

subsistindo na organização atual do Estado facetas que ainda se aplicam

perfeitamente, sendo uma delas, a relativa ao controle por órgãos diferentes e

independentes do órgão controlado. A necessidade desse controle permanece viva

porque é decorrência lógica do Estado de Direito.

151 BONAVIDES,Paulo. Ciência Política. 10ª edição. Malheiros. São Paulo. 1999. p.146.

96

Por essa razão, consideramos que poucas instituições possuem papel tão

relevante e indispensável como aquela criada com o objetivo primordial de fiscalizar e

controlar os gastos públicos. Roque Citadini salienta que:

(...)nos dias atuais, não existe país democrático sem um órgão de controle com a missão de fiscalizar a boa gestão do dinheiro público. São exceções apenas os regime ditatoriais – nos quais o que os dirigentes menos querem e menos aceitam é o controle de seus atos – e os Estados de forte atraso na organização política e econômica152

O controle de contas de determinado órgão, por outro distinto dele, é tradição

do nosso direito constitucional sendo que desde o nascimento do Estado brasileiro,

esse controle, mediante ação fiscalizadora, é exercido pelo Poder Legislativo, que o faz

com o auxílio do Tribunal de Contas.

Historicamente o Tribunal de Contas surgiu no Brasil por iniciativa de Ruy

Barbosa, sendo atualmente entidade prevista no ordenamento jurídico em âmbito

constitucional, com atribuições fiscalizatórias e controladoras da atividade

administrativa.

Inicialmente faremos uma breve explanação sobre o surgimento e a evolução

das competências constitucionais do Tribunal de Contas no ordenamento nacional, a

fim de que seja possível situar adequadamente sua competência sancionatória, ocasião

em que também situaremos a natureza dessa competência, desempenhada no

exercício de função controladora.

Só é possível afirmar que um Estado é de Direito se existirem instituições e

mecanismos hábeis para garantir sua submissão à lei, de modo que, no exercício de

suas funções, a Administração Pública se sujeita ao controle externo por parte dos

poderes Legislativo e Judiciário, além de exercer, ela mesma controle sobre seus

próprios atos.

152 CITADINI,Antônio Roque. O Controle Externo da Administração Pública, p.12.

97

Angélica Petian, em artigo dedicado ao estudo da competência do Tribunal

de Contas para declarar a inconstitucionalidade, expõe que nas sociedades mais

remotas já era possível identificar um sentimento coletivo acerca da necessidade de

controle dos atos praticados pelas pessoas incumbidas de gerir a coisa pública, com o

objetivo de preservá-la. Segundo a citada autora, na Grécia antiga as contas dos

arcontes, administradores dos arcondados gregos, eram julgadas por um colegiado

com a finalidade de verificar o nível de satisfação da sociedade em relação às

atividades por eles desenvolvidas e a conclusão de que os atos por eles praticados não

atendiam às expectativas da coletividade poderia levar à aplicação de pena de

decapitação, de acordo com o juízo do colegiado.153

Como se verifica, nas civilizações antigas pode-se constatar a existência

desse controle e, igualmente, já se visualiza a aplicação de sanções em decorrência de

atuação em desconformidade com as expectativas da sociedade.

A consagração do direito à prestação de contas como direito fundamental

ocorreu em 1789, com a previsão, no artigo 15 da Declaração dos Direitos do Homem e

do Cidadão, de que a sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público.

Todavia, menciona a autora acima citada que anteriormente, na França, de 1318, já

havia sido instalada a Chambre des Comptes, órgão integrante do Parlamento francês

que tinha por competência examinar as contas anuais dos agentes reais, aprovando-as

ou não. A decisão só era passível de ser reformada pelo rei.

Em 1807, Napoleão substituiu a Chambre de Comptes pela Cour dês

Comptes, em funcionamento até os dias atuais. Esta instituição teve grande influência

na criação e desenvolvimento das instituições de controle em outros países, de forma

que órgãos de controle foram criados por toda a Europa.

153 PETIAN, Angélica. O controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos pelos Tribunais de Contas. Fórum Administrativo, Direito Público. ano 7. nº 74. Belo Horizonte: Fórum, Abr. 2007, p. 17-29.

98

No Brasil, segundo José Afonso da Silva, a tentativa de instituir Tribunal de

Contas surgiu pela primeira vez em 1826, por idéia dos Senadores do Império,

Visconde de Barbacena e José Inácio Borges. Não obstante as tentativas, o Império

não teve seu Tribunal de Contas154 idéia que só ganhou força com a Proclamação da

República, em 1889.

Dessa forma, durante o governo de transição da Monarquia para a

República, foi editado o Decreto 966-A, de 7 de novembro de 1890, da lavra do então

Ministro da Fazenda Rui Barbosa, criando o Tribunal de Contas, órgão destinado ao

exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesa pública.

Todavia, o Tribunal de Contas institucionalizou-se somente na Carta de

1891, através do artigo 89 das Disposições Gerais, com as funções de liquidar as

contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade. Foi efetivamente instalado em

1893, quando se iniciou a fiscalização das contas públicas, de forma independente do

Poder Executivo, num modelo bastante influenciado pelo francês.

Não obstante a independência garantida, sobretudo pela permanência dos

Ministros nos cargos, as decisões do Tribunal passaram a ser fortemente contestadas

pelo Poder Executivo, que as via como provocações e passou a reduzir suas

competências através de decretos.

A Constituição Federal de 1934, com a preeminência das preocupações

sociais, em ambiente inteiramente diverso daquele que deu origem à Constituição de

1891, ampliou as competências do Tribunal de Contas, inserindo-o no capítulo

denominado “dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais”, juntamente

com o Ministério Público.

A Carta outorgada de 1937, segundo Paulo Bonavides e Paes de Andrade

“conhecida como ‘a polaca’ por assimilar muitos elementos da vaga autoritária que

154 Curso de direito constitucional positivo. p. 753.

99

assolava a europa na época”155, inseriu o Tribunal de Contas no âmbito do Poder

Judiciário, e, em consonância com o regime político da época, conhecido como Estado

Novo, restringiu a competência desta instituição, suprimindo a função de emitir parecer

prévio sobre as contas do Presidente da República.

O liberalismo do Texto Constitucional de 1946, pôs fim à ditadura de Vargas,

restaurou o princípio federativo, as liberdades e garantias individuais e buscou devolver

ao Legislativo e ao Judiciário a dignidade e prerrogativas de um regime democrático.

Nesse contexto, o Tribunal de Contas reassumiu as competências antes suprimidas e,

de acordo com José Afonso da Silva, “ganhou grande prestígio dadas as suas

relevantes e independentes atribuições constantes do art. 77”.156

A partir de 1946, as Constituições brasileiras passaram a tratar do Tribunal

de Contas no capítulo destinado ao Poder Legislativo, de forma que tanto na

Constituição de 1967 como na Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, os Tribunais de

Contas foram disciplinados em seção integrante do capítulo do Poder Legislativo, mas

especificamente destinada à fiscalização financeira e orçamentária. Cumpre registrar

que as alterações promovidas no texto de 1967 diminuíram substancialmente as

prerrogativas do Tribunal de Contas, que só voltaram a ser elevadas por ocasião da

promulgação da Carta de 1988.

A Constituição Federal de 1988, além de consolidar as conquistas advindas

com a Carta de 1946, ampliou as atribuições do Tribunal de Contas, acrescentando a

competência para exercer a fiscalização operacional, ao lado da financeira,

orçamentária, contábil e patrimonial. E além do exame sob o aspecto da legalidade,

introduziu a competência para avaliar os aspectos da legitimidade e economicidade dos

atos da Administração Pública direta e indireta.

155 História constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Jaeiro: Paz e Terra, 1991. p.331 156 Op. cit., p.753.

100

Desta forma, fortalecendo o papel do controle, de limitar o exercício do

poder, a Constituição Federal colocou o Tribunal de Contas ao lado do Poder

Legislativo, para auxiliá-lo no controle externo, com atribuições bastante ampliadas,

uma vez que a atual noção de legalidade, antes concebida por um ângulo puramente

formal, em sua evolução superou essa concepção, passando-se a exigir do

administrador uma conduta não apenas em consonância com a lei, mas com o Direito,

como teremos oportunidade de aprofundar em capítulo específico.

O controle externo da função administrativa prescrito pela Constituição

Federal, nos artigos 70 e seguintes, compreende dois aspectos: o político, atribuído aos

órgãos do Poder Legislativo, e o técnico, exercido pelo Tribunal de Contas. O controle

externo também é exercido pelo Poder Judiciário.157

O controle exercido pelo Tribunal de Contas, de natureza técnica, está

previsto na redação do artigo 71 da Constituição Federal, que determina que o controle

externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de

Contas da União, compreendendo a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,

operacional e patrimonial, com o objetivo de verificar a legalidade, legitimidade e

economicidade das atividades administrativas.

Estão sujeitos a esse controle todos os órgãos, ou seja, o próprio Legislativo,

o Executivo e o Judiciário, além de qualquer pessoa que não necessariamente integre a

estrutura organizacional do Estado, mas que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou

administre dinheiros, bens e valores públicos.

Sem entrar no mérito da discussão acerca da independência do Tribunal de

Contas em relação ao Poder Legislativo, tema que suscita bastante polêmica, apenas

consignaremos que nos filiamos à corrente daqueles que consideram a Corte de

157 O direito brasileiro adotou o sistema de jurisdição una, possuindo o Judiciário o monopólio do controle jurisdicional, de forma que o controle externo também é exercido pelo Poder Judiciário que por força do disposto no artigo 5º, XXXV é o único Poder competente para apreciar com força de coisa julgada a lesão ou ameaça a direitos individuais ou coletivos.

101

Contas órgão independente e autônomo, situado no arcabouço constitucional, retirando

suas competências diretamente da Constituição Federal. Invocamos em abono a essa

postura, argumento utilizado por Angélica Petian, de que o Tribunal de Contas não se

insere “em nenhum dos elencos que enumeram os órgãos que compõem os Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário, como se depreende da leitura dos artigos 44, 76 e

92.”158

Trata-se de órgão auxiliar do Poder Legislativo, mas não subordinado, e que

tampouco integra sua estrutura. Foi criado posteriormente a teoria da separação dos

poderes e não se insere nas linhas rígidas da tripartição, a exemplo do que ocorre com

o Ministério Público. Todavia, não o concebemos como um dos poderes da República,

mas, adotando o entendimento do Ministro Celso de Mello e Odete Medauar159, o

consideramos um conjunto orgânico autônomo. A subordinação hierárquica a qualquer

poder representaria limitação e até mesmo a inviabilidade da efetivação da função de

controle em sua plenitude.

Suas relevantes atribuições estão arroladas no artigo 70 e vários incisos do

artigo 71 da Carta Magna160.

158 O controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos pelos Tribunais de Contas. Fórum Administrativo p. 17- 29. 159 MENDAUAR, Odete: “Se a função é de atuar em auxílio ao legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da Constituição é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes. A nosso ver, por conseguinte, o Tribunal de Contas configura ´instituição estatal independente´.”In Controle da Administração Pública. p.140. Em sentido semelhante, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes cita manifestação do Ministro Celso de Mello: “(...) como o Texto maior desdenhou designá-lo Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder. Basta-nos uma conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico perfeitamente autônomo”.In Tribunais de Contas: Enquadramento na estrutura tripartite dos poderes. Revista Fórum Administrativo. p.6527. 160 As atribuições do Tribunal de Contas da União são agrupadas por José Afonso da Silva da seguinte forma: “(1) emissão de parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, dentro do prazo de sessenta dias a contar de seu recebimento;(2) julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Pode Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; não se trata de função jurisdicional, pois não julga pessoas nem dirime conflitos de interesses, mas apenas exerce um julgamento técnico das contas; (3) apreciação para fins de registro, da “legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargos de provimento em comissão, bem como as das concessões de aposentadoria, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório”, que significa “apreciar para fins de registro?” Por certo que isso não há de ter sentido puramente cartorário. O texto significa que, se os atos forem ilegais, recusa o registro,

102

O Tribunal de Contas da União é composto por 9 Ministros e, conforme

dispõe o artigo 73 § 1º da Constituição Federal, para a nomeação deverão cumprir os

seguintes requisitos: ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, possuir idoneidade

moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e

financeiros ou de administração pública e mais de 10 anos de exercício de funções ou

efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos relacionados aos assuntos

mencionados.

Aos Ministros do Tribunal de Contas da União, por força do estabelecido no §

3º do artigo 73 da Carta Magna são asseguradas as mesmas garantias, prerrogativas,

impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.

O processo de escolha se dará de acordo com o estabelecido no § 2º do mesmo

dispositivo constitucional, sendo um terço pelo Presidente da República, com

aprovação do Senado Federal, escolhidos dentre os indicados em lista tríplice do

Tribunal e de forma alternada entre auditores e membros do Ministério Público junto ao

Tribunal de Contas, e dois terços são escolhidos pelo Congresso Nacional.

A abrangência das atribuições da Corte de Contas faz com que a matéria

relacionada à natureza jurídica de seus atos encerre acirradas controvérsias em âmbito

doutrinário e jurisprudencial. Respeitados juristas defendem que, com exceção dos

assinará prazo para que o órgão ou entidade competente adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei (art 71,IX), corrigindo e invalidando os atos viciados; (4) inspeção e auditoria de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de comissões Técnicas ou de inquérito, nas unidades administrativas de todos os Poderes, quer da administração direta ou indireta, assim como nas fundações e sociedades instituídas ou mantidas pelo Poder Público; (5) fiscalização das contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do trabalho constitutivo, assim como da aplicação de qualquer recurso repassado pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a estado, ao distrito Federal ou a Município; (6) prestação de informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas ou Comissões, sobre fiscalização de sua competência e sobre resultados de inspeções ou auditorias; (7)aplicação de sanções previstas em lei aos responsáveis, no caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas; (8) assinação de prazos a órgãos ou entidades para providências necessárias ao exato cumprimento da lei, quando verifique ocorrência de ilegalidade de atos ou procedimentos sob seu controle; (9)sustação da execução de ato impugnado, se não tomadas, no prazo assinado,as providências para a correção das ilegalidades e irregularidades, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; (10) representação à autoridade competente sobre irregularidades ou abusos apurados; (11) elaboração de relatório trimestral e anual a ser encaminhado ao Congresso Nacional, conforme consta do art.71,§ 4º. (In: Curso de direito constitucional positivo. p. 755-756).

103

aspectos processuais ou de manifesta ilegalidade, a decisão da Corte de Contas se

impõe ao Judiciário no que concerne aos aspectos técnicos, ocorrendo um

abrandamento no princípio da unidade de jurisdição, quando a própria Constituição

confere a competência privativa aos Tribunais de Contas para julgar as contas dos

administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos (inciso II

do artigo 71 da Constituição Federal).161

Em relação à emissão de parecer prévio sobre as contas anuais do

Presidente da República, competência inserida no inciso I do artigo 71, já se posicionou

o Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança nº 1.197-9, que se trata de

pronunciamento técnico, sem conteúdo deliberativo ou vinculante, destinado apenas a

subsidiar a decisão do Poder Legislativo.

Todavia, em relação ao contido no inciso II do artigo 71, não obstante

inúmeras manifestações de respeitados juristas em sentido contrário - ou pela natureza

161 Dentre eles podemos citar Jorge Ulisses Jacobi, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Aires Brito, o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Roque Citadini e Jarbas Maranhão, Conselheiro do Tribunal de Contas da União. Jorge Ulisses Jacobi: o princípio da unidade de jurisdição sofre abrandamento pela própria Constituição, que admite a competência privativa (quanto ao mérito, aspectos processuais podem ser submetidos ao Judiciário) das cortes de contas para julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.In: Tribunais de Contas do Brasil. p. 143. .Min. Carlos Aires Brito: a função jurisdicional do Estado é competência exclusiva do Poder Judiciário. (...) Algumas características de jurisdição, no entanto, permeiam os julgamentos a cargo dos Tribunais de Contas. Primeiramente, porque os Tribunais de Contas julgam sob o critério exclusivamente objetivo. Segundamente, porque o fazem com a força ou a irretratabilidade que é própria das decisões judiciais com trânsito em julgado. Isto, quanto ao mérito das avaliações que as Cortes de Contas fazem incidir sobre a gestão financeira, orçamentária, patrimonial, contábil e operacional do Poder Público. Não, porém, quanto aos direitos propriamente subjetivos dos agentes estatais e das demais pessoas envolvidas nos processos de contas, porque aí prevalece a norma constitucional que submete à competência judicante do Supremo Tribunal Federal a impetração do hábeas corpus, mandado de segurança e hábeas data contra o TCU (Art. 102, inciso I, alínea d)...” In: O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista Diálogo Jurídico. ano I. nº 9. Salvador/Bahia, Dezembro de 2001, p. 8. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br, acesso em agosto de 2007. Conselheiro Roque Citadini: No caso de países como o Brasil, onde existe o monopólio de jurisdição com os órgãos do Judiciário, as decisões dos Tribunais de Contas, são normalmente questionadas apenas quando não tiver sido obedecido o direito de defesa pelo órgão de fiscalização das contas ou contiverem ilegalidade manifesta. A regra é a de que o conteúdo da apreciação de contas não tenha revisão – exceto nos casos citados – até porque, como afirmava Seabra Fagundes, tendo os Tribunais de Contas competências precisas e fixadas pela Constituição para exercer o controle e fiscalização das contas públicas e o fazendo na forma da lei, não há porque o Judiciário fazê-lo em autêntico ‘bis in idem’.In: RIBEIRO Manuel: “O Tribunal de Contas tem funções jurisdicionais e pratica atividades próprias do Poder Judiciário. (...) As suas decisões não podem voltar a ser apreciadas na esfera judicial” In Revista de Direito Administrativo n º 68. Atividade jurisdicional do Tribunal de Contas. Abr/jun. 1962. p. 52. Seabra Fagundes: “O Tribunal de Contas não é simples órgão administrativo, mas exerce uma verdadeira judicatura sobre os exatores, os que têm em seu poder, sob sua gestão, bens e dinheiros públicos”. In: O Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. E Ed. Rio de janeiro. Forense, 1984.

104

meramente administrativa das Cortes de Contas, ou pelo primado da unidade de

jurisdição, ou ainda, invocando o princípio da separação dos poderes162 - o Supremo

Tribunal Federal, no Mandado de Segurança nº 55.821/67-STF, de relatoria do Ministro

Vitor Nunes Leal, já firmou posição no seguinte sentido: “salvo nulidade decorrente de

irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade, é do Tribunal de Contas a

competência exclusiva para julgamento das contas dos responsáveis por haveres

públicos”.

Apesar disso, cumpre consignar que no Mandado de Segurança nº 20.999, o

Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, enfatizando o princípio da

unidade de jurisdição, manifestou-se da seguinte forma: “é preciso evoluir cada vez

mais no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado

da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial”.

E nesse sentido, a professora Lúcia Valle Figueiredo, discordando da tese

acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, anota que o termo “julgar” empregado na

Constituição é inadequado, considerando-se o monopólio de jurisdição pelo Judiciário.

Para a respeitada jurista, o termo não pode denotar atividade excludente da apreciação

do Poder Judiciário, explicando que o Texto Constitucional não traz qualquer

impedimento para que se postule tutela jurisdicional depois da aprovação pelo Tribunal

de Contas.163

Na linha desse entendimento manifestaram-se também Luiz Roberto Siqueira

Castro, consignando que a atuação do Tribunal de Contas não revela função

jurisdicional em face do princípio da separação dos poderes do Estado,164 e Maria

Sylvia Zanella Di Pietro, asseverando, por sua vez, que:

162 Defendem a natureza administrativa das decisões do Tribunal de Contas, diante do princípio da unidade de jurisdição, dentre outros, Luciano Ferraz, Lúcia Valle Figueiredo, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Odete Medauar, Cretella Jr., Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Mario Mazagão. Na mesma linha, mas invocando o princípio da Separação dos Poderes, defende Luiz Roberto Siqueira Castro. 163 Curso de Direito Administrativo. 8ª edição. Malheiros. 2006. p.368. 164RTCERJ. ano 18, nº 38 ,Out/Dez, 1997, p.46.

105

(...) embora o dispositivo fale em ‘julgar’ (inciso II do art. 71), não se trata de função jurisidicional, porque o Tribunal apenas examina as contas tecnicamente, e não aprecia a responsabilidade do agente público, que é de competência exclusiva do Poder Judiciário; por isso se diz que o julgamento das contas é uma questão prévia, preliminar, de competência do Tribunal de Contas, que antecede o julgamento do responsável pelo Poder Judiciário.165

E ainda nesse sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello cita opinião de

Mário Mazagão, que fez a seguinte afirmação: “Em face da Constituição Federal, não

existe, no Brasil, o Contencioso Administrativo”, concluindo que, em completo estudo

sobre o contencioso administrativo no Brasil, devia ser havida por inconstitucional

porque a Constituição de 1891 revogou diretamente esse instituto e estabeleceu a

jurisdição una, afeta, com exclusividade, ao Poder Judiciário.166

Em sentido contrário à jurisprudência firmada e nos filiando as teses que

afastam a natureza jurisidicional das decisões do Tribunal de Contas, uma vez que

suas decisões não têm força de coisa julgada e também por não reconhecemos

natureza política em quaisquer de suas atribuições, comungamos com a opinião

daqueles que consideram que suas decisões, inclusive as decorrentes do estabelecido

no inciso II do artigo 71, têm natureza meramente administrativa, podendo ser revista

pelo Poder Judiciário, por força do princípio da unidade de jurisdição adotada pelo

sistema constitucional brasileiro.

Muito embora, na realidade brasileira, além do Tribunal de Contas da União

existam, ainda, 26 Tribunais de Contas Estaduais, 4 Tribunais de Contas Estaduais

dos Municípios (Goiás, Bahia, Ceará e Piauí), 1 Tribunal de Contas do Distrito Federal

e 2 Tribunais de Contas Municipais (São Paulo e Rio de Janeiro), estes últimos agora

só viáveis se préexistentes à Carta de 1988167, a análise enfocará o Tribunal de Contas

da União, aplicando-se as conclusões, no que couber, aos demais Tribunais de Contas,

165 Direito administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 615. 166 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Tribunais de Contas:natureza, alcance e efeitos de suas funções. RDP nº 73. São Paulo. Ed. RT. p. 182 167 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 31, § 4º proibiu expressamente a criação de Tribunais, Conselhos ou Órgãos de Contas Municipais

106

pelo princípio da simetria e em sintonia com o disposto no artigo 75 da Constituição

Federal, que estendeu a disciplina a ele conferida às demais Cortes de Contas,

limitando-se a estabelecer o número de Conselheiros que integrarão os Tribunais de

Contas estaduais. No mais, remeteu a disciplina de cada qual às Constituições dos

respectivos Estados e Municípios.

As competências do Tribunal de Contas estão detalhadamente expostas no

artigo 71 do Texto Constitucional e não nos ocuparemos de todas, mas apenas

fixaremos nosso estudo na competência estabelecida no inciso VIII desse dispositivo,

que, a exemplo das demais, está destinada a viabilizar o desempenho da função de

controle para a qual foi o órgão instituído.

Originariamente, o controle era ligado apenas à noção de arrecadação, pois

no medievo, estaria voltado apenas à arrecadação dos recursos para a Coroa. Todavia,

como função evoluiu muito, atingindo atualmente uma dimensão que encampa, por

exemplo, a revisão qualitativa e a racionalização da despesa pública, uma vez que no

modelo constitucional consagrado em nosso país, o controle deve abarcar a legalidade,

a legitimidade e a economicidade, sendo os controles operacional e contábil absorvidos

pelos anteriormente apontados.

A tendência do modelo atual é a de cada vez mais investir no controle de

gestão, onde é possível a verificação de indicadores de eficiência e eficácia dos atos

controlados. Todavia, na prática, ainda se observa excessiva concentração de ações

voltadas ao controle meramente formal.168

168 Nesse sentido, Maximo Severo Giannini, ao agrupar a função de controle por gêneros, como: controle técnico, contábil, de gestão, de eficiência ( que considera uma espécie limitada ao controle de gestão, e de inspeção, este de natureza formal, comenta o seguinte: “La tendenza odierna è nel senso dellábbandono dei controlli formali, che sono molto costosi e danno risultati non sempre validi, e di preferire i controlli tecnici e di gestione, per i quali tuttavia si è ancora allá ricerca di modelli soddisfacenti”. Istituzioni di Diritto Amministrativo. p. 51/52.

107

2. A competência sancionatória aplicada no exercício de função de controle estabelecida na Carta de 1988.

A sanção é um dos instrumentos colocados à disposição do Tribunal de

Contas pelo legislador constituinte, no sentido de que este bem realize o controle das

contas públicas. Sem a possibilidade de impor sanções certamente suas funções se

esvaziariam porque se trata de elemento que impõe ao administrador o cumprimento

das obrigações determinadas. Nesse sentido, diz Helio Saul Mileski que “(...) Não

havendo sanção, na prática, qualquer decisão do órgão de controle resultaria em mera

recomendação”.169

Iniciaremos o presente tópico invocando lição do Ministro do Supremo

Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, em artigo dedicado ao tratamento do regime

constitucional dos Tribunais de Contas, por considerarmos que as observações, da

forma colocada, contribuirão para facilitar o entendimento sobre o ponto de partida que

adotaremos para análise da disciplina da competência sancionadora do Tribunal de

Contas.

O eminente Ministro esclarece que a função de controle externo exercida

pelo Tribunal de Contas e pelo Poder Legislativo é a mesma, mas as competências são

distintas, de forma que, as competências do Congresso Nacional estão arroladas nos

incisos IX e X do artigo 49 da Constituição Federal e as do Tribunal de Contas da União

estão arroladas no artigo 71 da mesma Carta Magna, anotando que parte dessas

competências o Tribunal de Contas federal desempenha como forma de auxílio do

legislativo, e outra parte sequer é exercida sob esse regime de obrigatória ação

conjugada.

Nesse contexto, invocando a distinção entre função e competências,

esclarece, no caso, que a função é uma só, o controle externo, e as competências são

múltiplas. Assim, a função é a atividade que justifica a existência do órgão e as

169 O controle da gestão pública. p. 328

108

competências são poderes instrumentais ao exercício da função, sendo meios para o

alcance de específica finalidade.170

As sanções, são, portanto, uma das competências conferidas ao Tribunal de

Contas para bem desempenhar a função controladora, que segundo Bento José

Bugarin possui três elementos constitutivos, a saber: a) verificação, que consiste no

exame da conduta do sujeito controlado em face de uma determinada norma ou

princípio; b) juízo, que consiste na conclusão sobre a conformidade do ato examinado à

norma ou princípio e c) providência, que é a medida corretiva adotada pelo controlador,

ou a proposta para a adoção de providências pela autoridade controlada.171

As modalidades de controle existentes são classificadas de várias formas

pela doutrina, porque são várias as espécies de controle (interno, externo, preventivo,

simultâneo ou sucessivo, administrativo, jurisdicional, político, controle sobre atos,

controle sob atividades e etc.). Tradicionalmente, quanto ao momento de seu exercício,

o controle é classificado em prévio, que ocorre antes do ato e visa impedir a prática de

ato ilegal ou contrário ao interesse público; concomitante, que ocorre ao tempo de

elaboração do ato e visa à correção de distorções, imperfeições e impropriedades, e

posterior, que é a modalidade mais comum, tendo por objetivo rever os atos já

praticados para corrigi-los, desfazê-los ou simplesmente confirmá-los.

Pelos termos utilizados pela Constituição, mesmo anteriormente, nas Cartas

que antecederam a atual, é possível concluir que o legislador constitucional optou, em

princípio, pelo modelo francês, do controle a posteriori, com algumas exceções, como a

possibilidade da sustação de atos prevista no inciso X do artigo 71 da Carta Magna.

A distinção dessas fases assume importância em matéria sancionatória, pois,

defendemos que na modalidade do controle prévio, por sua própria finalidade

preventiva e corretiva, não devem incidir sanções. Umas das primeiras garantias do

170 O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista Diálogo Jurídico. ano I. nº 9. Salvador/Bahia, Dezembro de 2001, p. 6. 171 O Tribunal de Contas da União e o controle da administração pública. p.13

109

direito penal, cuja regra se aplica perfeitamente às sanções administrativas, porque se

trata de imputação de penas, é o princípio da retribuição ou do caráter de conseqüência

do delito que a pena tem. Assim, explica Luigi Ferrajoli, invocando Hart que “(...) Graças

a ele, a pena não é um prius, senão um posterius, não uma medida preventiva ou ante

delictum, senão uma sanção retributiva ou post delictum”.172

As sanções caberão apenas nas modalidades concomitante, quando

constada a consumação de despesa irregular e, a posteriori, cuja legalidade da

despesa é apreciada apenas quando já efetuada, cabendo em muitas situações apenas

providenciar a punição dos culpados. Tais questões serão aprofundadas no item

subseqüente.

A competência sancionadora da Corte de Contas está estabelecida dentre as

demais competências arroladas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição Federal

é instrumento conferido pelo legislador constituinte para que melhor seja

desempenhada a função de controle, constitucionalmente adjudicada ao Tribunal de

Contas.

Conforme se extrai do artigo 71, inciso VIII, da Constituição Federal, o

Tribunal de Contas, no exercício do controle externo da Administração Pública, terá por

competência, dentre outras, “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de

despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá,

entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário”.

Tal competência sancionatória, desconhecida nos textos das Constituições

anteriores, é haurida diretamente da Carta Magna, e, sem dúvida, dentre todas as

competências relacionadas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição, como a

consultiva, a fiscalizadora, a de informação, a corretiva e ainda outras apontada pela

doutrina de acordo com a classificação que se adota, a sancionatória é que menos

recebeu atenção doutrinária. Depende seu efetivo desempenho, de previsão legal das

172 Direito e Razão. p. 297.

110

sanções aplicáveis, tendo a Constituição imposto verdadeiro dever de agir ao legislador

quando ordenou que preveja as punições a serem aplicadas pelo Tribunal de Contas e

quais fatos darão ensejo à aplicação desta ou daquela penalidade.

Importa contextualizar tal competência no universo do “ius puniendi” estatal.

O direito sancionador é um só. É gênero que comporta algumas espécies – o penal, o

civil e o administrativo – admitindo essas, algumas subespécies que não devem ser

objeto de maior preocupação, na medida em que só importa para o desenvolvimento

deste estudo estabelecer que a sanção administrativa não se confunde com a penal ou

a civil, embora alguns autores enquadrem a sanção administrativa como sub-espécie

da civil.173

O tema sobre as diferenças entre as sanções administrativas e penais já foi

abordado no capítulo anterior, razão pela qual, nesta oportunidade, nos limitaremos a

afirmar que a sanção administrativa engloba diversos sistemas punitivos e é aplicada

por autoridade administrativa ou autoridade no exercício de função administrativa, tais

como as disciplinares, as decorrentes do exercício do poder de polícia, as aplicadas

pelas corporações profissionais cujos integrantes exercem atividade privada que o

Direito reputa como de interesse público (OAB, CREA, CRM e etc).

As sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas se enquadram na espécie de

sanção administrativa, porque são aplicadas por autoridade administrativa, porém no

exercício da função controladora, que embora revele a natureza administrativa de seus

atos, não é a função administrativa propriamente dita, de executar a lei de ofício, mas

de fiscalizar a adequada execução pelos órgãos dos Poderes do Estado e de todos

aqueles que estão sob sua jurisdição.

Com tais considerações, deixamos desde já consignado que as decisões do

Tribunal de Contas que implicam no estabelecimento de sanções, são de natureza

173 BRITO DOS SANTOS, Carlos Frederico. Improbidade Administrativa: Reflexões sobre a Lei nº 8.429/92. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2007. p.2.

111

administrativa, sempre passíveis de revisão pelo Poder Judiciário. Quanto a esse

aspecto não nos parece remanescer nenhuma dúvida ou divergência doutrinária,

porque como já apontamos adrede, as maiores discussões sobre a natureza dos atos

do Tribunal de Contas estão concentradas precipuamente na competência insculpida

no inciso II do artigo 71.174

Como já demonstramos no item anterior, alguns renomados juristas

reconhecem que o Tribunal de Contas também desempenha função jurisdicional em

algumas situações, e ainda há aqueles que lhe confere dimensão parlamentar.175

Cumpre destacar que a natureza de seus atos não se confunde com sua função. Em

nosso entendimento seus atos são de natureza administrativa pelas razões que já

consignamos adrede, mas sua função é fiscalizadora.

Por essa razão, embora não seja pacífico o entendimento acerca da

natureza jurídica dos atos do Tribunal de Contas, a afirmação que ora fazemos está

relacionada tão somente a competência sancionatória, onde não nos parece existir

maiores controvérsias, uma vez que estas estão situadas em outras competências.

Vejamos:

O próprio Tribunal de Contas da União já se manifestou no sentido de que

não exerce função administrativa estrito senso, uma vez que está encarregado do

exercício do controle externo da Administração Pública Federal, quando da apreciação

da legalidade das aposentadorias, reformas e pensões. Tal posicionamento está

consignado na Decisão nº 1020/2000, proferida na ocasião em que aquela Corte

174 Não são poucos os autores que admitem e defendem que o Tribunal de Contas exerce função jurisdicional. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, que encampa essa tese, cita Frederico Pardini, que invoca o artigo 73 da Carta Magna porque o dispositivo fala em “jurisdição em todo o território nacional”, como faz em relação ao STF e aos Tribunais Superiores. Cita ainda, dentre outros, Seabra Fagundes, Roberto Rosas, Pinto Ferreira e Pontes de Miranda. In: Tribunais de Contas do Brasil: Jurisdição e Competência. Editora Fórum. 1ª edição. 2003. p.138/146. 175 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. Rio: São Paulo: Freitas Bastos, 1956. v.2 ps.134/136.

112

apreciou a sua submissão à lei federal de processo administrativo, para concluir que

não está obrigado a se submeter à integralidade daquela lei.176

Todavia, defendemos que a lei federal de processo administrativo incide no

âmbito de atuação do Tribunal de Contas da União, porque seus atos são de natureza

administrativa, razão pela qual não vislumbramos argumentos razoáveis para justificar

seu afastamento.

Referida lei regula o processo administrativo no âmbito da Administração

direta e indireta federal, e também se aplica aos órgãos do Poder Legislativo e

Judiciário no exercício da função administrativa. Assim dispõe expressamente o artigo

1º, § 1º, da Lei Federal nº 9.784/99.

O entendimento de que o Tribunal de Contas não se enquadra na estrutura

de qualquer do Poderes do Estado, não é argumento hábil para afastar a incidência da

lei que estabelece normas básicas de processo administrativo visando à proteção dos

administrados e o cumprimento dos fins da Administração. Seria absolutamente

desarrazoado concluir que a lei se aplica aos órgãos dos Poderes do Estado porque

assim estabelece explicitamente, não se aplicando aos demais órgãos que não se

enquadram nessa estrutura, quando desempenham atividade administrativa.

Além disso, o argumento invocado na decisão citada, há que ser afastado

porque, quando o Tribunal de Contas aprecia ato de aposentadoria, pensão ou revisão

de proventos, está exercendo atividade administrativa no exercício da função de

controle. Os precedentes da Súmula Vinculante nº 03 demonstram claramente que o

Supremo Tribunal Federal fez a ressalva em relação à incidência dos princípios do

contraditório e da ampla defesa nas situações de apreciação da legalidade do ato de

concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, apenas por se tratarem de atos

complexos, que começam na Administração Pública e são concluídos no Tribunal de

176 BRASIL, Tribunal de Contas da União. Solicitação. Decisão 1020/2000 – Plenário. Processo nº TC- 013.829/2000-0. Relator: Ministro Marcos Vinícius Vilaça. Brasília, 29 de novembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 dez. 2000.

113

Contas da União. Em tais situações o contraditório e o direito à ampla defesa só

incidirão após a apreciação da legalidade do ato concessivo.

É importante observar ainda que, em tais precedentes, a exemplo do que

ocorreu no voto do Ministro Gilmar Mendes no Mandado de Segurança nº 24.268-0/MG,

há a invocação da lei de processo administrativo para a afirmação de que o Tribunal de

Contas deve observar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesse voto, o

Ministro deixa consignada apenas sua insegurança quanto à aplicabilidade do artigo 54

da lei – que trata do prazo de 5 anos para a anulação do ato – considerando, de

qualquer forma, que havia uma relação com a segurança jurídica a ser considerada e

que as situações criadas, em algum momento devem se tornar estáveis. Este tema,

relacionado à segurança das relações jurídicas e sua relação com o tempo, receberá

tratamento específico.

Por ora, basta consignarmos que a Súmula Vinculante nº 03 do STF, tem em

seus precedentes a invocação da lei federal de processo administrativo, estando

vazada nos seguintes termos:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando a decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Repetimos, portanto, que as discussões acirradas e que geram controvérsias

estão concentradas na competência insculpida no inciso II do artigo 71 da Carta Magna,

diante da utilização do vocábulo “julgar”.

Convém lembrar que o Tribunal e Contas possui lei própria que disciplina

suas atribuições e atividades, de forma que a lei de processo administrativo incidirá

apenas de forma subsidiária. Nesse sentido é clara a lição de Celso Antonio Bandeira

de Mello, que assevera, em relação ao âmbito de incidência de lei de processo

administrativo, o seguinte: “É importante anotar que a lei em causa aplica-se apenas

114

subsidiariamente aos processos administrativos específicos, regidos por leis próprias, que a elas continuarão sujeitos. Como é lógico, aplica-se integralmente a

quaisquer outros processos administrativos”.177(destaque nosso)

Fixamos, pois, o entendimento de que as sanções aplicadas pelo Tribunal de

Contas são de natureza administrativa e que, portanto, sua criação e aplicação estão

submetidas ao regime jurídico administrativo.

Todavia, por serem aplicadas no exercício da função controladora, há que se

perquirir se sofrem influxos decorrentes dessa específica função, que não é a mesma

desempenhada pela Administração Pública enquanto executa a lei de ofício, ou pelos

demais Poderes do Estado, quando exercem de forma atípica a função administrativa.

As decisões do Tribunal de Contas se revestem de caráter administrativo, mas não

decorrem do exercício de função administrativa enquanto atividade que importa na

direta prestação de serviços pelo Estado à coletividade como um todo.

Assim, há doutrinadores, a exemplo de Pedro José Decomain, que entendem

apropriado que se sustente se revestirem as decisões do Tribunal de Contas de caráter

de efetivos atos de controle porque se destinam a verificar se a atividade objeto de

exame guardou conformação aos parâmetros constitucionais e legais pelos quais

deveria ser pautada. Defende que por não se tratar da direta prestação de serviços

públicos específicos, também não se revestem de caráter administrativo, mas possuem

natureza de atividade de controle em face de suas atividades ou ações que são

desenvolvidas no âmbito do controle externo da administração Pública.178

Assim, embora as decisões do Tribunal de Contas, segundo nosso

entendimento, sempre estejam sujeitas ao controle pelo Poder Judiciário, não podem

ser descumpridas pelos órgãos administrativos, que estarão a elas vinculados, podendo

177 Curso de Direito Administrativo. p. 491. 178 Tribunais de Contas no Brasil. p. 168

115

a Administração Pública também se valer do Judiciário para solicitar a reapreciação de

decisão do Tribunal de Contas que eventualmente entender equivocada.

E nessa linha de raciocínio, considerando as semelhanças existentes com a

função administrativa, Maria Silvia Zanella Di Pietro considera que “(...) não se pode

colocar a decisão proferida pelo Tribunal de Contas no mesmo nível que uma decisão

proferida por órgão integrado na Administração Pública. Não teria sentido que os atos

controlados tivessem a mesma força que os atos de controle”.179

Nesse sentido é que analisaremos também a existência de sanções

semelhantes previstas nas leis de aplicabilidade simultânea pelo Tribunal de Contas e

outros órgãos do Poder, no exercício da atividade administrativa, por exemplo em

relação aos servidores públicos ou aos contratantes com o Poder Público. Há situações

ainda, que as penas previstas, por sua gravidade, parecem reclamar reserva de

competência judicial, sendo incompatíveis e excessivas para conferir efetividade ao

desempenho da função fiscalizadora.

Tais situações ficam no âmbito da atuação do legislador, que estabelecerá

as sanções e deverá observar os limites, inclusive decorrentes de competências

conferidas a outros órgãos para aplicação das penalidades assemelhadas e da mesma

natureza. Estaria eventual conflito de competências afastado em face da natureza

controlada a justificar a aplicação da sanção?

É o que procuraremos enfrentar no item subseqüente.

3. Limites do legislador para o estabelecimento das sanções a serem aplicadas pelo Tribunal de Contas e a competência regulamentar.

A análise das sanções passíveis de serem aplicadas pelos Tribunais de

Contas deve partir da ordem jurídica consubstanciada na Constituição de 1988, pois é

179 Coisa julgada :aplicabilidade a decisões do Tribunal de Contas da União. p. 33.

116

dela que retiramos o fundamento de validade das normas infraconstitucionais e só a

partir daí teremos condições de analisar o conteúdo da legislação. Serão passíveis de

aplicação as sanções previstas na lei, que deverá observar os ditames constitucionais,

sob pena de inconstitucionalidade.

Nesse sentido é a lição do jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, quando

adverte que fora da Constituição não há direito punitivo possível ou viável, afirmando

que: “qualquer debate travado em uma sociedade democrática sobre o Direito Público

Punitivo não pode ignorar, menos ainda, desprezar os princípios e regras

constitucionais”.180

Perfilhando essa postura, referido jurista arrola dispositivos constitucionais a

serem observados nessa matéria181, e esclarece que o patamar constitucional não se

dá apenas em nível de controle repressivo e fulminante, mas em patamar hermenêutico

que permite o ajuste do conteúdo das leis às normas constitucionais que lhes são

aplicáveis182, e é essa proposta que desenvolveremos no item subsequente, em que

analisaremos o conteúdo da legislação infraconstitucional que estabelece as sanções

administrativas a serem aplicadas pelos Tribunais de Contas, em face dos limites

normativos gerais e abstratos estabelecidos na Constituição Federal.

Referida lei poderá padecer do vício de inconstitucionalidade se desbordar

dos contornos materiais estabelecidos na Carta Magna e também se não descrever os

ilícitos e sanções de forma suficiente para permitir aos indivíduos saberem com

180 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 10. 181 São os seguintes os dispositivos constitucionais que o autor arrola, insculpidos nos incisos do artigo 5º: III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou privação da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em casos de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. (ibidem., p. 10). 182 Ibidem, p. 11.

117

segurança qual a conduta proibida e a respectiva sanção, nos termos tratados no

capítulo em que nos referimos à norma sancionatória e o princípio da tipicidade.

Sabemos que o Poder Legislativo desempenha sua função típica de criar a

lei, com discricionariedade desconhecida no âmbito dos demais Poderes do Estado,

que possuem fortes limites à atuação discricionária na aplicação da lei. Todavia, a

liberdade do legislador não é absoluta, e deve respeitar os standards fixados na

autorização prévia, de modo que os limites estabelecidos na Constituição não podem

ser ultrapassados.

Por essa razão, nossa Constituição previu e reservou ao Poder Judiciário o

controle de constitucionalidade das leis, que nos Estados Unidos da América encontra

célere caminho através do devido processo legal em sua dimensão substantiva. Sobre

esse controle, comenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que:

(...) a Suprema Corte dos Estados Unidos largamente se serviu da Quinta Emenda á Constituição, que proíbe ao Congresso despojar qualquer pessoa de sua ”vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo de direito (without due process of law) para fulminar o conteúdo de certas leis. E o fez com toda facilidade, visto que essa expressão é vaga”.183

E o respeitado professor Celso Antônio Bandeira de Mello, tratando do

desvio de poder, afirma que: “por ser, como visto, a utilização de uma competência fora

da finalidade em vista da qual foi instituída, também pode irromper em leis expedidas

com burla aos fins que constitucionalmente deveriam prover”.184

Assim, embora seja possível reconhecer que o legislador goza de

discricionariedade para definir se determinada conduta será considerada ilícito penal ou

administrativo, o mesmo não se pode admitir em relação à criação das sanções, pois se

em nosso ordenamento não existem regras objetivas orientando a atuação do legislador

na escolha da natureza da pena, o mesmo não se dá em relação ao seu 183 Do processo legislativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.277. 184 Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 76.

118

estabelecimento das condutas ilícitas, porque no âmbito penal ou administrativo as

sanções devem ser instituídas nos limites e para as finalidades previstas no

ordenamento jurídico.

Sabemos que as competências são verdadeiros poderes-deveres e que a lei

os confere aos administradores para que estes possam atingir as finalidades da lei.

Nesse contexto, quando a Carta Magna estabelece que o Tribunal de Contas poderá

aplicar sanções previstas na lei, esta deverá observar os contornos conferidos pelo

legislador constituinte, uma vez que a penalidade não é um fim em si mesmo, mas

busca atingir o objetivo visado na lei, e esses são os limites a serem observados pelo

legislador.

Além disso, são de indiscutível observância no processo de criação da lei, os

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e embora as discussões acerca da

declaração de inconstitucionalidade de lei com fundamento nos mencionados princípios

sejam infindáveis, erguendo-se a acusação de que podem conduzir ao governo dos

juízes, que podem fazer prevalecer suas opiniões políticas em determinadas situações

o que em parte, reputamos verdadeiro, trata-se aparentemente de risco com o qual o

sistema deve lidar, já que o controle há de ser feito, e dentro do sistema que se

convencionou chamar de checks and balances, o papel do controle é limitar o exercício

do poder, partindo-se da premissa de que todo detentor do poder tende a dele abusar.

Não obstante as críticas atuais e a suposta crise da tripartição dos Poderes,

acreditamos que a concepção e os fundamentos da teoria não estão superados.185

Desse modo, negamos liberdade absoluta do legislador na criação das

infrações administrativas e respectivas sanções. As infrações devem ser criadas para

atingir as finalidades da lei, e as sanções devem guardar proporcionalidade com sua

185 Em relação a esta questão o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho diz que o exemplo predileto dos acusadores do controle de constitucionalidade é o que ocorreu nos Estados Unidos da América, quando durante a primeira parte do New Deal, a Suprema Corte Americana atuou de forma claramente prepotente. In: Do processo legislativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 277.

119

gravidade, não só por ocasião de sua aplicação, devendo a proporcionalidade também

estar contemplada na lei.

No caso, a Constituição Federal estabeleceu que competirá à Corte de

Contas “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade

das contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações,

multa proporcional ao dano causado ao erário” (inciso VIII do artigo 71).

As sanções a serem aplicadas pelo Tribunal de Contas devem ser criadas

em sintonia com a função de controle e devem ser estabelecidas na medida necessária

e indispensável para instrumentalizar o desempenho dessa específica função. Uma lei

restritiva, característica das leis que impõem sanções, mesmo adequada e necessária,

pode ser inconstitucional por adotar cargas coativas de direitos desmedidas,

desproporcionais em relação aos resultados que se pretende obter

Ademais, o legislador deve adotar as necessárias cautelas para não

estabelecer situações que possam ensejar pronunciamentos díspares na aplicação de

sanções igualmente de natureza administrativa estabelecidas no âmbito de outras

funções, a executiva, a legislativa e a jurisdicional.

Com esta afirmação não estamos afastando o entendimento assentado no

sentido de que as penas podem ser aplicadas de forma concomitante diante de

infrações administrativas, civis e penais, mas que a titularidade para a aplicação de

sanções de natureza administrativa iguais, não deve ser conferida a autoridades

diferenciadas, sob pena de causar pronunciamentos diferenciados. Nessa situação

determinado indivíduo poderia sofrer a aplicação de penalidade de natureza

administrativa em razão da mesma conduta, por duas autoridades ou mesmo, duas

autoridades poderiam aplicar penas diferenciadas, por exemplo, em sua gradação.

Detalharemos este assunto no próximo item, quando trataremos da análise da Lei

Orgânica do Tribunal de Contas da União e teremos oportunidade de concretizar a

questão ora colocada.

120

Assim, os limites ao legislador infraconstitucional estão dados pela

Constituição. Está vedada a criação de sanções a serem aplicadas pelos Tribunais de

Contas que desbordem das hipóteses delineadas pelo constituinte no dispositivo supra

transcrito. Cumpre, portanto, analisar esses contornos.

Apenas para aclarar o conteúdo da preocupação colocada neste tópico,

mencionamos trecho do voto proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo

Tribunal Federal, na Reclamação nº 2138, em que se discutia o foro privilegiado de

agentes políticos, sob a alegação de que não estariam submetidos à lei de improbidade

administrativa, mas aos crimes de responsabilidade.

Em determinada passagem de seu voto, ao firmar seu convencimento no

sentido de que estão os agentes políticos submetidos à lei de improbidade, e, portanto

não gozam de foro privilegiado, fez a seguinte observação, que, embora longa,

consideramos relevante transcrever:

Por fim, senhora Presidente, como eu já adiantei neste meu voto, há um ponto em que o meu entendimento converge parcialmente com o do eminente relator. É que, a meu sentir, não cabe ao juiz de primeira instância decretar, muito menos em ação de improbidade, a perda do cargo político, do cargo de ministro de Estado, por ser esta uma modalidade de punição que é típica do elenco de mecanismos de controle e aferição da responsabilidade política no sistema presidencial de governo. Trata-se, como já adiantei, de elemento característico de checks-and-balances tal como magistralmente concebido na Convenção de Filadélfia, onde pela primeira vez se institucionalizou o sistema do governo sob o qual vivemos há mais de um século.

E para concluir, deixa consignado o seguinte:

O juiz de primeiro grau pode sim, conduzir ação de improbidade contra autoridades detentoras de prerrogativa de foro. Em consequência, poderá aplicar todas as sanções previstas na Lei 8.429/1992, salvo uma: não poderá decretar a perda do cargo político, do cargo estruturante à organização do estado, pois isto configuraria um fator de

121

desestabilização político-institucional para a qual a lei de improbidade administrativa não é vocacionada.186

Nossa proposta passa ao largo da discussão jurídica colocada na

Reclamação nº 2138 à medida em que esta não tem interesse direto ao assunto tratado

neste trabalho. Todavia, tem o condão de aclarar a discussão que permeia os limites da

atuação do legislador na criação de penas a serem impostas pelo Tribunal de Contas.

De fato, na respeitável opinião do eminente Ministro existem sanções não

passíveis de serem aplicadas pelo magistrado de primeira instância, e, para nós, essa

reflexão também há de ser feita acerca das penalidades passíveis de serem aplicadas

pelo Tribunal de Contas no exercício da função controladora das atividades

administrativas do Estado.

Não se trata, em hipótese alguma, de amesquinhar a atividade do Tribunal

de Contas. Pelo contrário, seu papel dentro da estrutura do Estado é de inafastável

relevância e suas atribuições de fundamental interesse para a sociedade. Cumpre,

portanto, ressaltar sua importância e buscar respostas para o direcionamento de uma

correta e efetiva atuação.

Por óbvio que o exercício da competência punitiva, quando em conformidade

com os ditames constitucionais, confere seriedade ao órgão e efetividade às suas

decisões. Nesse contexto, embora estejamos nos referindo ao Tribunal de Contas,

consideramos que essa meta deve ser buscada por qualquer um dos Poderes do

Estado, que atualmente vivem crise seríssima de credibilidade e de legitimidade. Nesse

sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera que:

A crise de legitimidade que aponta no horizonte brasileiro decorre basicamente de dois pontos. Um é a insatisfação generalizada com a conduta do Estado; outro, com a dos governantes, os ‘políticos’. A primeira resulta do imenso descompasso entre as promessas da Constituição e sua concretização.187

186 Reclamação nº 2138. DF. Relator Min. Nelson Jobim. Voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa. 187 Constituição e governabilidade: ensaio sobre a (in)governabilidade brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 89.

122

A aplicação das penalidades dentro dos contornos previstos na Constituição

Federal não só em relação às penalidades mas à atuação nos limites gizados pela

Carta Magna, concorre para fortalecer e dar credibilidade, conferindo maior legitimidade

à instituição.

Assim, estariam os limites direcionados à finalidade de suas próprias

atribuições. As penas mais severas, como o impedimento para ocupar cargos públicos

por determinados períodos, por exemplo, não nos parece se coadunarem com a

orientação constitucional, como aprofundaremos no item subseqüente.

Estabelecendo a Constituição que as penalidades deverão ser aplicadas em

decorrência de ilegalidade de despesa e de irregularidade de contas, deverá a lei voltar-

se a descrever as condutas de acordo com essas diretrizes.

Todavia, não há como negar que as hipóteses apontadas abarcam situações

muito amplas. Sabemos que por uma diversidade muito abrangente de motivos as

contas são rejeitadas, e igualmente, por inúmeras situações, despesas são

consideradas ilegais. E é por esta razão que consideramos que a lei que cria as

sanções deve igualmente prescrever as condutas a serem apenadas, de forma menos

vaga, menos imprecisa.

O ilustre Ministro Joaquim Barbosa, em outra interessante passagem de seu

já invocado voto, constatando as diferenças nas tipificações das duas leis discutidas, a

saber, a de improbidade administrativa e a de crimes de responsabilidade, trata do grau

de especificidade de conduta a ser exigido nas leis e explica, sobre a Lei nº 1.079/1950,

que:

(...) essa vagueza, essa aparente imprecisão, essa parcimônia descritiva na tipificação, se explicam pela natureza eminentemente política do processo de responsabilização dos agentes políticos que, não podemos

123

esquecer, é a versão local do impeachment do direito norte-americano (...).188

A Carta Política brasileira definiu que as sanções a serem aplicadas pelo

Tribunal de Contas no exercício de sua competência punitiva deverão estar

estabelecidas em lei, afastando-se assim, em sintonia com todo o sistema, a

possibilidade do estabelecimento de sanções através de ato infra-legal.

A competência para criar sanções foi reservada ao Poder Legislativo, sendo

matéria de reserva de lei, que, em sentido formal, qualifica-se como instrumento

constitucional de preservação da integridade de direitos e garantias fundamentais, de

modo que o princípio da reserva legal atua como expressiva limitação constitucional ao

poder do Estado, cuja competência regulamentar não se reveste de suficiente

idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações.

Caberá, portanto à Corte de Contas regulamentar sua aplicação, sem criar

novas obrigações ou restrições de direitos, sob pena de incidir em domínio

constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material de lei em sentido formal.

Caberá ainda à Corte de Contas a aplicação das sanções.

Delimitamos, portanto em dois aspectos a atuação do Tribunal de Contas no

exercício da competência sancionatória: regulamentar e aplicar as sanções previstas na

lei.

Ambos os aspectos comportam análise em relação aos limites estabelecidos

na Constituição, a serem observados pelo órgão de controle de contas. Trataremos da

competência regulamentar nesta oportunidade e remeteremos a relacionada ao ato

punitivo ao próximo capítulo.

Se é verdade que o ordenamento jurídico pátrio veda a criação de sanções

ou situações que restrinjam direitos e criem deveres através de ato infra-legal, há que 188 Reclamação nº 2138. DF. Relator Min. Nelson Jobim. Voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa.

124

se perquirir quais são os contornos e limites materiais dos atos regulamentares

expedidos pelo Tribunal de Contas no exercício da competência sancionadora.

A questão colocada nesta oportunidade, retoma o debatido tema acerca das

exigências mínimas necessárias na descrição das condutas ilícitas e respectivas

sanções na lei.

Cumpre lembrar, a afirmação de que nosso sistema jurídico exige que a lei

minimamente descreva as condutas censuradas e respectivas sanções, de forma a

garantir a antecipada ciência dos indivíduos, e com isso resguardando em sua plenitude

o direito de defesa. Todo indivíduo deve ter a possibilidade de saber antecipadamente

se sua ação é punível ou não antes de praticá-la.

Podemos constatar que, nos casos das sanções aplicáveis pelo Tribunal de

Contas, tanto pelos contornos conferidos pela Constituição Federal, quanto pela

descrição das infrações na Lei Orgânica do TCU, a exemplo de grande parte das

normas que definem ilícitos administrativos, que a adequação do ilícito na maioria das

situações dependerá de outra norma – financeira, orçamentária, etc.

Trata-se de fórmula perfeitamente aceita, até mesmo na Espanha, onde a

Constituição exige expressamente a tipificação nos mesmos parâmetros do Direito

Penal, como já destacamos neste trabalho.189 O fenômeno das normas que dependem

de outras para sua aplicação, também ocorre em âmbito penal, ainda que com menor

freqüência. Tratam-se das normas designadas pela doutrina, de normas penais em

branco.

189 Eduardo Rocha Dias cita Alejandro Nieto quando o jurista espanhol alerta para as diferenças e peculiaridades do mandato de tipificação em sede de direito administrativo sancionador e em sede de direito penal: “ O Tribunal Constitucional Espanhol, a propósito, na sentença 219/89, já considerou legítima a remição a outras leis para complementação do tipo da infração: `No vulnera la exigencia de lex certa la remissión que el precepto que tipifica lãs infraciones realice a otras normas que impongan deberes y obligaciones concretas de includible cumplimiento de forma que su conculcación se asuma como elemento definidor de la infración sancionable misma, siempre que sea asimismo previsible, com suficiente grado de certeza, la consecuencia punitiva derivada de aquel incumplimiento o transgresión”. Os Tribunais de Contas e o sancionamento administrativo de licitantes e contratados. p. 206

125

Como já consignamos anteriormente, num plano legal é quase impossível

que o legislador descreva todas as condutas passíveis de serem sancionadas,

sobretudo pela diversidade da atuação estatal, cujas sanções podem incidir em

decorrência de ilícitos fiscais, tributários, econômicos, de polícia, de trânsito,

atentatórios saúde pública, ou qualquer outro campo que comporte uma atuação

fiscalizadora e repressiva do Estado.

Assim, a norma estabelecedora de sanções administrativas, embora também

deva descrever os ilícitos aos quais corresponderão as sanções, poderá se utilizar de

cláusulas genéricas, afastando-se a necessidade de o legislador esgotar os conceitos

ou reduzir de forma radical a vagueza semântica, situação, inclusive, que poderia levar

a lei a ficar defasada da realidade social, que é extremamente dinâmica. Neste ponto, a

elasticidade conceitual cumpre importante papel de manter o texto atualizado, sem que

com isso se tolere arbitrariedades, porque o tipo sancionador deve conter grau mínimo

de certeza e previsibilidade acerca da conduta reprovada.

A dificuldade sempre residirá em verificar se, de fato, a descrição legal

cumpriu seu papel mínimo garantindo antecipadamente a ciência ao interessado, do

conteúdo do ato dado por censurável e sua consequência. Por obvio que nem todas as

normas “abertas” ou “elásticas” estarão aptas a cumprir a função inasfastável de

possibilitar essa identificação e, consequentemente, garantir em sua amplitude o direito

de defesa. Todavia, nessas situações incidirá o mecanismo de controle de

constitucionalidade da lei.

Defendemos que no plano infralegal, os regulamentos possuem papel

relevante no sentido de esclarecer, de descrever de forma mais detalhada, garantindo

desta forma, a ciência antecipada da conseqüência dos atos considerados ilícitos. Não

deverá o regulamento se limitar a estabelecer a gradação da pena, mas sim, deverá

também descrever as condutas ilícitas genericamente previstas na lei. Por óbvio esse

detalhamento não poderá criar tipo novo, tampouco sanção não prevista anteriormente

na lei. Além disso, não suprirá insuficiência legal. Se a lei de textura aberta não cumpriu

126

o mínimo exigido pelo Estado de Direito, não caberá ao regulamento suprir tal

deficiência.

As cláusulas gerais possibilitam a circunscrição em determinada hipótese

legal de uma variedade de situações cujas características específicas serão formadas

por via jurisprudencial e não legal, e, nas palavras de Fábio Medina Osório “(...) abrindo

possibilidade, também, em alguns casos, que os próprios efeitos sejam determinados

por decisões jurisprudenciais”.190

Nesse sentido, defendemos que na competência sancionatória da Corte de

Contas está incluída a obrigação de, através de norma regulamentadora, criar efetivas

condições para a aplicação da norma legal sancionatória, descrevendo as condutas

genericamente previstas na lei como irregulares, ainda que não de forma exaustiva, em

disposição exemplificativa, a possibilitar que a compreensão da norma abranja outras

situações assemelhadas não catalogadas. Como já asseveramos, esta competência

deve se dar nos limites da lei, mas deve estar voltada, sobretudo, a minimizar a

generalidade desta, conferindo maior segurança aos indivíduos.

A lei também não deve abrir espaço para uma atuação administrativa

arbitrária. Há situações em que a própria lei estabelece as situações a serem

consideradas pelo aplicador para a caracterização da gravidade (circunstâncias

atenuantes ou agravantes), como, por exemplo, a reincidência, o prejuízo ou lesão ao

erário, a improbidade, a violação ao interesse público etc., de forma que o aplicador

deverá esclarecer os motivos ensejadores da imposição da penalidade, com base na

descrição legal, pois a processualização das decisões dentro do cânone da

razoabilidade é instrumento hábil a garantir o equilíbrio das relações entre a autoridade

e a liberdade.

Mas em outras oportunidades a lei é omissa. Segundo nosso entendimento,

não pode o legislador deixar ao critério do administrador, de forma absolutamente livre,

190 Direito Administrativo Sancionador. p. 272.

127

a decisão acerca da gravidade da infração e respectiva pena, mas deve estabelecer

contornos mínimos e seguros, conferindo parâmetros para a gradação segundo a

gravidade do ato, para que sejam evitadas arbitrariedades.

Nesta linha de raciocínio, diz Luciano Ferraz que:

(...) As hipóteses em que a regulamentação, por intermédio de atos normativos, têm lugar se apresentam quando o texto da lei se mostra insuficiente, incompleto, sendo necessário: a)desdobrar seu conteúdo sintético; b) limitar a discricionariedade administrativa definindo regras procedimentais para a Administração ou caracterizando fatos, situações ou comportamentos enunciados na lei, mediante conceitos vagos, os quais, para a exata definição, envolvam critérios técnicos (normas administrativas em branco).191

Não se trata de delegação de função legislativa porque não estaria o

legislativo abdicando de seu exercício, uma vez que a lei estabelece os limites, os

standards necessários para que se possa saber de antemão se o executor se

conformou ou não à orientação da lei. Há, portanto, parâmetros prévios de legalidade a

orientar o ato regulamentar.

O mesmo autor, em artigo dedicado a examinar a competência normativa do

Tribunal de Contas, assevera que: “as competências dos Tribunais de Contas

conquanto não possam ser mitigadas pela legislação infraconstitucional, podem ser

ampliadas por esta via”. Uma primeira leitura da afirmação pode levar ao entendimento

de que o autor considerou que a norma infraconstitucional pode ampliar as

competências dos Tribunais de Contas. Todavia, como não poderia deixar de ser, no

decorrer da leitura e contextualizada a frase, denota-se que o entendimento é no

sentido de que o legislador pode minudenciar as atribuições das Cortes de Contas para

que estas possam desempenhar melhor suas funções, no contexto em que afirma que:

(...) as leis orgânicas dos Tribunais de Contas, em geral prescrevem-lhes atribuições genéricas para o exercício da parcela que lhes cabe no

191 Poder de Coerção e poder de sanção dos tribunais de contas: Competência normativa e devido processo legal. Fórum Administrativo. Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, ano 2, n. 14 p . 438/439

128

controle externo da Administração. Contudo, hipóteses há em que as leis orgânicas não estabelecem minuciosamente todos os detalhes para que a obrigação pública de prestar contas seja adimplida pelo responsável (v.g. prazo, forma, rotinas). Quando isso acontece tem cabimento a edição de um ato normativo subseqüente.

Assim, ressaltando que os limites dessa competência são dados pela lei, o

autor trata da competência normativa do Tribunal de Contas, no sentido de que seus

atos normativos podem estabelecer as situações concretas que dão lugar à obrigação

pública de prestar contas e acrescentamos que também poderão esclarecer em rol

exemplificativo, as situações passíveis de apenação.192

Todavia, já é possível adiantar que, pela amplitude do conteúdo das fórmulas

adotadas pelo legislador constituinte, ilegalidade de despesa ou irregularidade de

contas, provavelmente a solução será remetida ao agente responsável pela aplicação

da penalidade, que deverá agir diante das peculiaridades do caso concreto, situação

que não exime a lei de conferir maior precisão e segurança aos indivíduos, a fim de que

a atuação do aplicador da pena não encontre abrangência extrema dando espaço a

arbitrariedades.

O papel do intérprete na aplicação da sanção será objeto de capítulo

específico, mas nesta oportunidade, diante da constatação que fizemos, cumpre

destacar sua responsabilidade, e nesse aspecto invocamos alerta de Eros Grau, no

seguinte sentido:

(...) os textos normativos carecem de interpretação não apenas por não serem unívocos ou evidentes – isto é, por serem destituídos de clareza - mas sim porque devem ser aplicados a casos concretos, reais ou fictícios (Muller). Quando um professor discorre, em sala de aula, sobre a interpretação de um texto normativo sempre o faz – ainda que não se dê conta disso – supondo a sua aplicação a um caso, real ou fictício. O fato é que a norma é construída, pelo intérprete, no decorrer do

192 Poder de coerção e poder de sanção dos tribunais de contas: competência normativa e devido processo legal. Revista Diálogo Jurídico. nº 13. Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, Abril-Maio de 2002. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br, acesso em agosto de 2007.

129

processo de concretização do direito. O texto, preceito jurídico, é, como diz Friedrich Muller, matéria que precisa ser “trabalhada”.193

Daí a relevância da detida análise da situação concreta, papel que só pode

ser desempenhado pelo aplicador da lei.

No próximo item, indicaremos de forma exemplificativa algumas situações da

lei orgânica do Tribunal de Contas da União e de seu regimento interno, onde teremos

oportunidade de demonstrar de forma mais clara esta proposta os aspectos apontados

neste item.

3.1. As multas

Conferiremos, em face do dispositivo constitucional que outorga a

competência sancionadora (inciso VIII do artigo 71), especial atenção às multas, não só

pelo fato de ser a modalidade mais comum de punição, como observa o ilustre

professor Celso Antônio Bandeira de Mello194, mas porque uma primeira compreensão

do dispositivo constitucional nos leva a entender que a pena de multa só poderia ser

aplicada em razão da ocorrência de efetivo dano ao erário.

Pretendeu o legislador constituinte afastar a previsão de pena de multa

diante da ausência de dano ao erário ou, ao contrário, além da possibilidade do

estabelecimento de multa, mesmo na ausência de dano, também pretendeu garantir a

previsão legal de multa proporcional ao dano limitando essa proporcionalidade ao valor

máximo do dano apurado?

Antes da análise do dispositivo constitucional, consideramos adequada uma

breve explanação sobre a multa, enquanto modalidade sancionatória largamente

utilizada no âmbito administrativo, mas também no penal e civil.

193 Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, p.19. 194 Curso de direito administrativo. p. 828.

130

A doutrina costuma conferir naturezas diversificadas a essa modalidade de

sanção, conforme prevista na lei, podendo se revestir de caráter coercitivo ou de

reparação civil. Seguindo essa linha, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, em sua

sempre atual obra “Princípios gerais do direito administrativo”, ensina que: “se

coercitiva, visa a forçar, ante a intimidação da sua aplicação, torne o infrator a

desobedecer às determinações ordinatórias de serviço ou legais. Se de composição de

prejuízos, objetiva simplesmente compensar o dano presumido pela infração

cometida”.195

Luciano Ferraz denomina de multa-coerção aquela destinada a obrigar o

indivíduo a observar o cumprimento das obrigações impostas por lei e de multa-sanção

aquelas voltadas à punição dos infratores, possuindo caráter reparador.196

O dispositivo constitucional consubstanciado no inciso VIII do artigo 71 da

Carta Magna, fez referência expressa à multa, utilizando-se da expressão “multa

proporcional ao dano causado ao erário”. As noções universais das palavras são

apenas um vetor a ser seguido na busca do conteúdo da norma, uma vez que não

podemos nos conduzir apenas por elas, mas é preciso buscar o tratamento que lhes é

conferido pelo ordenamento jurídico. Assim, para o Direito, o dano geralmente é

considerado em decorrência da violação de um direito que cause prejuízo a terceiros.

Todavia o prejuízo não está adstrito à dimensão material, mas abrange também a moral

e outros direitos intangíveis. Trata-se, portanto, de conceito jurídico bastante

abrangente.

No caso, pelo conteúdo das expressões utilizadas, concluímos que há estrita

ligação com o dano em seu aspecto monetário, de forma que parece não restar

qualquer dúvida quanto ao conteúdo pecuniário estabelecido pelo legislador na parte

final do dispositivo, ao fazer referência à “multa proporcional ao dano causado ao

195 Princípios gerais de direito administrativo, p. 562. 196 Poder de coerção e poder de sanção dos tribunais de contas: competência normativa e devido processo legal. p.439.

131

erário”. O legislador deverá estabelecer multa a ser aplicada na proporcionalidade do

dano apurado.

Mas o dispositivo constitucional delegou para o legislador infra- constitucional

a previsão para o estabelecimento das sanções, prescrevendo que a lei deverá, entre

outras cominações, estabelecer a multa proporcional ao dano causado ao erário.

O texto comporta interpretações divergentes pelo menos em dois aspectos, a

saber: no que se refere à possibilidade de o legislador infra-legal criar a pena de multa

quando não há dano ao erário e quanto à possibilidade da previsão de sanções,

inclusive a multa, aplicáveis a atos não relacionados com a ilegalidade de despesas e

irregularidade de contas. Como veremos seriam atos relacionados ao comportamento

dos agentes controlados em face de determinações e atuação do Tribunal de Contas no

exercício da atividade controladora, como por exemplo, o não atendimento de

determinação no prazo estabelecido, sonegação de documentos e outras.

Reside a dúvida na fórmula utilizada. Cumpre transcrevê-la novamente, para

facilitar a visualização e compreensão. Reza o inciso VIII do artigo 71 da Carta Magna

que compete ao Tribunal de Contas “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que

estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário.”(destaques nossos).

Por qual razão não se limitou o legislador constituinte em remeter

genericamente a competência para o legislador infra-constitucional para estabelecer

sanções, optando por consignar que as mesmas devem ser aplicadas em face da

existência de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas. Optou ainda por fazer

referência expressa às multas, que deverão ser proporcionais ao dano causado ao

erário. Em não havendo dano não incidiria a pena de multa, mas apenas outras

cominações previstas na lei? Dessas outras cominações estaria excluída a

132

possibilidade do estabelecimento de multa, que somente seria viável diante da

existência de efetivo dano?

Régis Fernandes de Oliveira, sobre o inciso VIII do artigo 71, diz que o

legislador outorgou um feixe de competências ao próprio Tribunal de Contas no tocante

à aplicação de sanções, alertando, pelo texto do dispositivo, o seguinte:

(...) Então, temos, primeiro, que ter uma lei; segundo, estabelecer quais as sanções previstas em lei; terceiro,havendo a ilegalidade deve haver a imposição dessa sanção, é um dever do administrador público tão logo detecte uma ilegalidade, necessariamente, estabeleça multa proporcional ao dano causado ao erário.197 (destaque nosso)

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes considerando que tradicionalmente as Leis

Orgânicas dos Tribunais de Contas prevêem a aplicação de multas, observou que

ocorreu certa confusão por ocasião do advento da Carta de 1988, que teria limitado a

aplicação de multa aos casos de ilegalidade com dano ao erário. Todavia, afasta essa

interpretação, defendendo que basta a ocorrência de grave infração à ordem moral para

a incidência da multa. Aparentemente, não é o que se extrai do Texto Constitucional.

Consideramos que os raros comentários existentes acerca do conteúdo do

dispositivo constitucional são insuficientes para espancar as dúvidas suscitadas. O fato

de existir uma prática reiterada, uma tradição na aplicação da pena de multa pelo

Tribunal de Contas não justifica a possibilidade de sua permanência, se inexistir

adequação ao Texto Constitucional. Ora, se concluirmos que a interpretação adequada

é no sentido de que o legislador constituinte pretendeu que fosse prevista a pena de

multa apenas em situações em que haja dano, a tradição deve ser interrompida com a

imediata adequação da lei à Constituição.

O problema da multa está relacionado ao teor do dispositivo constitucional e

deve ser solucionado através de métodos interpretativos do Texto. O primeiro vetor a

197 Fiscalização financeira e orçamentária. p. 219

133

ser observado é o de que as normas restritivas de direitos, em geral, devem ser

interpretadas literalmente.

Todavia, a expressão literal da lei nem sempre esgota a sua total

compreensão. O conteúdo real da norma pode ter menor ou maior alcance que a sua

literalidade, mas em certos setores do Direito, não se permite que a lei tenha alcance

maior do que o expressado em sua literalidade, e sujeitam-se a esse regime restritivo

as normas que instituem sanções e outras limitações à liberdade do cidadão.

A Inteligência da lei é única e deve se compor dos vários métodos

disponíveis, que deverão se entrosar estabelecendo o alcance do preceito legal. Para

perscrutar o aspecto escrito da norma, o exegeta lança mão do método literal e, para

traduzir seus elementos intrínsecos, utiliza o método lógico.

Segundo José Armando da Costa “(...) o método literal trabalha com os

elementos gramatical, lingüístico e verbal. E o lógico, com os elementos racional,

sistemático e histórico”. Acrescenta ainda que “(...) Toda e qualquer lei se preordena a

cumprir finalidade de ordem prática. É o que se chama de ratio legis (razão da lei), a

qual não se confunde com a ocasio legis, que é o momento histórico condicionador da

decisão política que redundou na elaboração da lei”198

Luís Roberto Barroso ensina que:

O intérprete da Constituição deve partir da premissa de que todas as palavras do texto Constitucional têm uma função e um sentido próprios. Não há palavras supérfluas na Constituição, nem se deve partir do pressuposto de que o constituinte incorreu em contradição ou obrou com má técnica. Idealmente, ademais, deve o constituinte, na medida do possível, empregar as palavras com o mesmo sentido sempre que tenha que repeti-las em mais de uma passagem. De toda sorte, a eventual equivocidade do Texto deve ser remediada com a busca do espírito da norma e o recurso aos outros métodos de interpretação (...)199

198 Interpretação e integração das normas processuais disciplinares. p.20 199 Interpretação e aplicação da constituição. p. 130- 131.

134

No intuito de justificar a possibilidade da aplicação da pena de multa,

desvinculada da existência de dano, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes aponta como

requisitos legais para a aplicação da pena de multa: a) ilegalidade do ato (violação de

ordem legal); b) despesa ou irregularidade de contas (situação em que esclarece, que o

fato gerador deve estar ligado a despesa ou contas, não devendo incidir multa, por

exemplo em situação de condescendência, onde a autoridade deixa de punir

disciplinarmente um servidor; c) previsão em lei; d) limite máximo, que não pode

ultrapassar o valor do dano, conforme fixado na Constituição; e) ampla defesa e

contraditório.200

É de se notar que a postura adotada, ao mesmo tempo que defende a

possibilidade da aplicação de multa independentemente da ocorrência de efetivo dano

ao erário, também estabelece que o fato gerador deve estar relacionado a despesa ou

contas, o que parece bastante sensato, considerando-se que a Constituição submeteu

a aplicação de penalidades à existência de duas situações condicionantes, ilegalidade

de despesa e irregularidade de contas.

O jurista agrega ainda ao raciocínio, que o legislador constituinte fixou o

limite máximo para a multa em caso de lesão, que não poderá ultrapassar o valor do

dano, interpretação que parece conferir à parte final do dispositivo o sentido de que o

legislador pretendeu que, em ocorrendo dano, a multa, que a ele deve ser proporcional,

não poderá ultrapassar o seu valor.

A discussão não é meramente acadêmica. Ao contrário, é árdua na medida

em que o Tribunal de Contas, como veremos, conferiu clara ênfase à multa,

estabelecendo sua aplicação para sancionar parte significativa dos atos estabelecidos

na lei orgânica como ilícitos.

200 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Multas aplicadas pelos Tribunais de Contas: Limites do poder punitivo pecuniário e devido processo legal.p.1432- 1433.

135

Há que se perquirir se a Lei Orgânica da Corte de Contas poderia prever a

pena de multa em situações em que não se constata a existência de dano ao erário,

mas apenas outras modalidades de sanções e, ainda, se seria possível a instituição de

pena de multa para situações que não estejam relacionadas a “irregularidade de contas

ou ilegalidade de despesas”, vetores estabelecidos na Carta Magna para a instituição

de sanções de qualquer natureza a serem aplicadas pela Corte de Contas.

Acreditamos que o argumento razoável para defender a possibilidade de

aplicação da pena de multa independentemente da existência de dano ao erário seria o

de que as competências conferidas ao desempenho da função controladora foram

muito ampliadas e já não estão mais voltadas apenas às questões financeiras e

orçamentárias de forma estrita, embora sempre estejam vinculadas e estes vetores.

Além disso, o dispositivo parece estabelecer que o legislador constituinte quis garantir a

previsão legal de multa na proporcionalidade do dano, onde buscou limitar seu valor

máximo, sem, todavia, excluir a viabilidade da criação de multas para outras situações.

No próximo item estamos nos propondo a examinar algumas penas de

natureza diversa das multas estabelecidas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da

União. Os dispositivos relacionados às multas serão abordados nesta oportunidade,

considerando-se os questionamentos e ponderações lançados acima.

A Lei Federal nº 8.443 de 16 de julho de 1992 - Lei Orgânica do Tribunal de

Contas da União - dispõe sobre sanções no capítulo V, que é constituído por seis

artigos, subdivididos em duas seções.

A primeira seção estabelece genericamente no artigo 56 que o Tribunal de

Contas da União poderá aplicar aos administradores ou responsáveis, na forma

prevista na lei e seu regimento interno, as sanções previstas naquele capítulo. A seção

II, dedicada às multas, prevê no artigo 57 sua aplicação diante da constatação de

débito, na proporcionalidade de até cem por cento do dano causado ao erário, estando

em plena consonância com o disposto na Constituição Federal, pelo menos, no que diz

136

respeito à existência de lesão ao erário. Trata-se da denominada pela doutrina, multa-

sanção, ressarcitória ou reparatória.

O artigo subseqüente, prevê a possibilidade da aplicação de multa no valor

de R$ 42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), desvinculada, portanto, da

existência de efetivo dano ao erário, a ser aplicada nas várias infrações elencadas em

seus sete incisos, que tratam desde contas julgadas irregulares de que não resulte

débito, até o não atendimento no prazo fixado e sem justificativa, de diligência ou

decisão do Tribunal. 201

Percebe-se, portanto, que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União

previu a aplicação de pena de multa em face da existência de dano ao erário, quando

com ele deverá guardar proporcionalidade, mas também previu a incidência da pena de

multa para situações em que o dano não esteja presente – caso do artigo 58, inciso I –

contas julgadas irregulares de que não resulte débito. E mais, previu a aplicação de

multa para situações que não cuidam sequer de irregularidade de contas ou ilegalidade

de despesas – situações dos incisos IV a VII e parágrafo 1º.

Tratam-se das multas denominadas pela doutrina de multa-coerção, uma vez

que claramente voltadas a cumprir uma função intimidadora, na medida em que buscam

dar efetividade às determinações expedidas pela Corte de Contas, fazendo com que os

responsáveis sejam compelidos a cumpri-las. Poderia a lei estabelecer esta modalidade

de multa? Inquestionável que são de elevada relevância para a eficácia da função

controladora.

Primeiro cumpre reafirmar que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da

União conferiu clara ênfase às multas, na medida em que dedicou seção específica a 201 As infrações descritas são as seguintes: Inciso I - contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do parágrafo único do artigo 19 desta lei; Inciso II – ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; Inciso III – ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao erário, Inciso IV – não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, a diligência do relator ou a decisão do Tribunal; Inciso V – obstrução do livre exercício das inspeções e auditorias determinadas; Inciso VI- sonegação de processo, documento ou informação, em inspeções ou auditorias realizadas pelo tribunal; VII – reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.

137

elas. Quatro dos seis artigos que compõem o capítulo das sanções são relacionados às

penas de multa. As demais sanções estão previstas nos artigos 60 e 61, sendo que a

prevista no artigo 61, não deve ser classificada como sanção, sendo verdadeira medida

acautelatória (solicitação pelo Ministério Público para que a Advocacia Geral da União

adote medidas para arrestar bens dos responsáveis em débito).

Não vemos como de fácil solução as questões aventadas e também

consideramos que não podem ser solucionadas pela via da tradição. Não importa se o

Tribunal de Contas historicamente aplica pena de multa para situações que não

resultem em dano ao erário e ainda, para situações desvinculadas dos vetores

constitucionais “ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas”.

Compreendemos a posição adotada por aqueles que defendem a

possibilidade da previsão de multa para tais situações, por serem a multas-coerção

penalidades que cumprem perfeitamente o papel de conferir eficácia às decisões e

determinações exaradas no exercício da função de controle.

Todavia, não vislumbramos autorização constitucional para a previsão de

sanções de qualquer natureza, desvinculadas ou que não decorram de atos que

tenham resultado em ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, exatamente

porque o legislador constituinte estabeleceu que competirá ao Tribunal de Contas

“aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de

contas, as sanções previstas em lei...” Ora, parece que a lei somente poderá

estabelecer sanções para as situações que tenham dado causa às situações

especificadas na Carta Magna.

A função controladora, como já afirmamos, não se confunde com a função

administrativa, no exercício da qual a Administração Pública aplica sanções

administrativas visando compelir os indivíduos a observarem as leis e regulamentos que

estabelecem limites à liberdade e propriedade, com o propósito de organizar a vida em

138

sociedade. É função específica, cujos contornos estão traçados na Constituição Federal

que confere a competência sancionatória a ser exercida nos limites traçados.

Concordamos que tal entendimento levará inexoravelmente a criticas no

sentido de que referidas sanções – as estabelecidas na lei em desacordo com os

vetores constitucionais - concorrem para dar eficácia às determinações do Tribunal de

Contas, sobretudo as relacionadas a atraso na resposta de diligências, obstrução de

auditorias e inspeções, sonegação de processo, reincidência no descumprimento de

ordens do Tribunal de Contas, não cumprimento de decisões, mas nem por isso

podemos considerar que houve autorização constitucional para sua previsão.

Mas cumpre também perquirir se estaria a eficácia das ações do Tribunal de

Contas comprometida pelo fato de não poderem ser aplicadas multas ou outro tipo de

sanção quando inexistente situação de irregularidade de contas ou ilegalidade de

despesa. Afinal não são estes os bens protegidos pela ação fiscalizatória? Os estatutos

dos servidores públicos e as leis que regulam a atuação dos agentes políticos contém

inúmeras penalidades a serem aplicadas para agentes públicos desidiosos, de modo

que o Tribunal de Contas pode requerer a instauração de procedimento para apuração

dessas condutas em face do desatendimento ou obstrução de sua ação. A sanção seria

aplicada no âmbito do órgão controlado, porque atinente a comportamento relacionado

com o desempenho funcional dos agentes públicos, e não à função de controle externo

exercida pelo Tribunal de Contas.

Com isso queremos demonstrar que existem mecanismos de punição dos

agentes responsáveis e embora reconheçamos que tal entendimento possa dificultar a

eficácia das determinações da Corte de Contas, tendemos a concordar com Jorge

Ulisses Jacoby no sentido de que o fato gerador da sanção deve estar relacionado a

despesa ou contas, pois assim prescreve a Constituição. Nesse sentido, as

denominadas penas-coercitivas estariam vedadas à Corte de Contas, quando

desvinculadas da irregularidade de contas e de despesas ilegais. Ao contrário, se com

tais vetores relacionados, seriam plenamente cabíveis.

139

Concluímos, portanto, que algumas das multas previstas na Lei Orgânica do

Tribunal de Contas da União não estão em conformidade com o Texto Constitucional.

São aquelas previstas nos incisos IV a VIII e § 1º do artigo 58 do diploma legal

mencionado.

Todavia, este não foi o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal

Federal no Recurso Especial interposto pelo Estado de Santa Catarina na ação direta

de inconstitucionalidade que visava à declaração de inconstitucionalidade de

dispositivos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas daquele Estado, que prescrevem a

aplicação de pena de multa em situações idênticas às estabelecidas na Lei Orgânica do

Tribunal de Contas da União.202

Nesta ação, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina acatou parte

da pretensão e julgou inconstitucional os vários dispositivos da lei que guardam

redação correspondente à dos artigos 57 e 58 da Lei Federal nº 8.443/92 (LOTCU),

considerando que as multas devem guardar proporcionalidade com o dano e ainda

deverão estar vinculadas às expressões “ilegalidade de despesas” e “irregularidade de

contas”.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, reviu a decisão para desvincular a

aplicação de multa das expressões ilegalidade de despesa e irregularidade de contas,

vislumbrando a existência de autorização legislativa em toda a sua plenitude.

Considerou ainda que a expressão irregularidade de contas abriga os comportamentos

enumerados pelas leis organizativas dos Tribunais de Contas, argumentando ainda que

várias das unidades federadas adotaram o padrão da Lei Federal nº 8443/92.

Com o respeito devido a mais alta Corte do país, alguns argumentos

invocados no acórdão parecem insustentáveis. Não vislumbramos como a expressão

“irregularidade de contas", possa abarcar as situações estabelecidas nos incisos IV a

202 RE nº 190.985- Santa Catarina. Relator Min. Néri da Silveira. 14/02/1996. DJ 24/08/2001

140

VII do artigo 58 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União. Não são situações

relacionadas às condutas dos agentes enquanto gestores que praticam atos passíveis

de gerar a irregularidades nas contas, mas de descumprimento de determinações que,

embora visem a consecução da função controladora, não tem como fato gerador a

irregularidade das contas. Seriam em sua generalidade comportamentos irregulares no

âmbito funcional.

Dentre os vários argumentos utilizados na decisão, podemos citar aquele

que considera aplicável a multa porque possui grau de severidade bem mais brando do

que aquelas penalidades impostas outrora, cuja situação poderia até dar ensejo à pena

de detenção. Além disso também foi considerado que a sanção, através de multas, já

era prática cometida ao Tribunal de Contas antes da vigência da Constituição Federal

de 1988.

Outro argumento merecedor de citação (porque, em nosso entender, é

incompreensível, está na seguinte passagem do voto do Ministro Relator Néri da

Silveira: “(...) Então, se a lei é o meio legítimo para assegurar ao Tribunal de Contas

afastar os obstáculos que se interpuserem em seu caminho, como pode ser ela taxada

de inconstitucional?” Acreditamos que o fato da lei ser o meio idôneo e legítimo de

assegurar a imposição de sanções pelo Tribunal de Contas, não pode levar a conclusão

de que será a mesma incontestavelmente constitucional, sejam quais forem suas

previsões. Se o legislador sempre atuasse de maneira ideal, jamais haveria

necessidade de subordinar a compreensão da lei à Constituição.

Portanto, não consideramos juridicamente hábeis e sustentáveis, embora

invocados pelo órgão maior da pirâmide jurisdicional, no precedente citado, os

argumentos utilizados para a defesa da constitucionalidade das multas-coerção, dentre

os quais, repetimos, estão a prática reiterada pelo Tribunal de Contas nesse sentido, a

menor severidade das penas em relação ao passado, bem como que a expressão

irregularidade de contas abrange as situações descritas nos incisos atinentes às

141

condutas dos gestores relacionadas ao cumprimento de obrigações e determinações

que dizem respeito ao procedimento fiscalizatório.

Acreditamos juridicamente relevante o argumento no sentido de que as

multas-coerção são importantes para conferir eficácia à atuação da Corte de Contas,

pois os agentes não podem ser relapsos demonstrando descaso, desatendendo as

determinações ou dificultando o exercício das inspeções. Contudo, como já afirmamos,

não vislumbramos no Texto Constitucional autorização para a criação de tais

penalidades, desvinculadas dos vetores estabelecidos: irregularidade de contas e

ilegalidade de despesa.

4. Análise jurídica crítica da legislação infra-constitucional que disciplina as sanções administrativas aplicáveis pelo Tribunal de Contas.

Não temos por pretensão a realização de análise detalhada de todas as

sanções estabelecidas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, mas apenas a

de destacar algumas situações que aparentemente destoam dos parâmetros e

diretrizes estabelecidos na Constituição Federal, além de tecer breve comentário acerca

do tratamento, para nós ainda deficiente, conferido pelo legislador às sanções, que, por

vezes, revelam preocupação ainda bastante tímida em relação ao tema, gerando a

necessidade de maior reflexão em face do conteúdo do instituto e das diretrizes

estabelecidas no Texto Constitucional, já tratadas em várias passagens deste trabalho.

Na referida lei, além das multas, há ainda a previsão de sanções nos artigos

60 e 61, que, apesar de inseridas na seção que trata das multas, dispõem sobre duas

outras modalidades de sanções, a saber: inabilitação pelo período de cinco a oito anos

para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da

Administração Pública, caso a maioria do Plenário considere grave a infração cometida;

bem como a possibilidade de solicitação, por intermédio do Ministério Público à

Advocacia Geral da União, das medidas necessárias ao arresto de bens dos

responsáveis julgados em débito, devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens

142

arrestados e sua restituição. Como já nos manifestamos anteriormente, não nos parece

que a solicitação do arresto de bens possa ser caracterizada como sanção, possuindo

natureza que mais se aproxima de medida cautelar.

No corpo da lei existem ainda outras referências às sanções, que não estão

inseridas no capítulo próprio mas na seção destinada à fiscalização dos atos e

contratos, constantes do capítulo que trata da fiscalização a cargo do Tribunal de

Contas. São elas: a possibilidade prevista no artigo 46, de a Corte de Contas declarar a

inidoneidade de licitante, quando comprovada fraude à licitação, para participar, por até

cinco anos, de licitação da Administração Pública Federal e o estabelecimento da

responsabilidade solidária, previsto no § 1º do artigo 44 à autoridade superior

competente que não afastar o responsável no prazo determinado, nos termos

estabelecidos no caput do dispositivo.

Destacaremos, para maior reflexão as medidas cautelares, ainda que não

possuam natureza sancionatória. O artigo 44, autoriza no curso de qualquer apuração,

o afastamento cautelar temporário do responsável diante da existência de indícios

suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou

dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao erário e

inviabilizar o seu ressarcimento, bem como a decretação da indisponibilidade de bens

do responsável por prazo não superior a um ano, independentemente das medidas

previstas nos artigos 60 e 61 da lei.

Explicamos o motivo do destaque dessas medidas cautelares. É que, na

verdade o assunto merece reflexão por muito se assemelharem às sanções, sobretudo

o estabelecimento de solidariedade à autoridade, mas também porque na prática, como

veremos, são aplicadas com nítido caráter sancionatório.

O Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 155 de 04 de dezembro de

2002 trata das sanções no Título VII, estabelecendo no capítulo II a gradação das

multas considerando o valor máximo fixado na lei. No capítulo III denominado “outras

143

sanções” disciplina o procedimento para a aplicação da pena de inabilitação para o

cargo ou função prevista no artigo 60 da Lei 8.443/92 e faz referência à pena de

declaração de inidoneidade, nos mesmo termos da lei.

No título subseqüente cuida das medidas cautelares, na forma estabelecida

no artigo 44 da Lei 8.443/92.

Este é o quadro geral dos dispositivos que tratam das sanções

administrativas aplicáveis pelo Tribunal de Contas da União.

A referida lei pode ser considerada dentre aquelas que a doutrina denomina

de “aberta” ou “elástica”, na medida em que descreveu parte significativa dos ilícitos de

forma ampla e imprecisa, e a mesma amplitude e imprecisão ocorreu em relação ao

estabelecimento das sanções correspondentes.

A lei remete a gradação para o regimento interno, que a estabelece nos

vários incisos do artigo 268, delimitando os valores a cada uma das condutas

censuráveis arroladas na lei. Tais valores são delimitados em percentuais que variam

para cada situação.

Já nos posicionamos anteriormente no sentido de que os regulamentos

devem cumprir o relevante papel na disciplina infra-legal das sanções administrativas,

sobretudo, no sentido de esclarecer, explicitar, exemplificar, conferindo maior

segurança no que diz respeito ao ilícito genericamente previsto na lei e à pena

correspondente. A gradação da pena de multa cumpre esse relevante papel, desde que

a lei não tenha previsto a possibilidade de variação entre valores com diferenças

exorbitantes. Essa gradação delimita o âmbito de atuação subjetiva do julgador e

confere segurança na medida em que norma geral e abstrata estará estabelecendo

critérios e parâmetros de forma isonômica, o que reduz a margem de arbítrio.

144

Por essa razão, acreditamos que o regimento interno teria por função, além

de estabelecer a gradação da pena de multa, descrever as condutas consideradas

censuráveis de forma a facilitar a visualização dos atos ilícitos. Explicamos: se a lei

estabelece que será aplicada a sanção de multa que variará de acordo com os valores

fixados, diante de contas julgadas irregulares, cumprirá ao regulamento explicitar ainda

que de forma exemplificativa as situações ensejadoras de julgamento pela

irregularidade de contas.

Mas o que se constata é que a Constituição se refere, por exemplo, a

irregularidade de despesas, e a lei descreve como ilícito o ato praticado com grave

infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária,

operacional e patrimonial. Ora, são infindáveis as normas e regulamentos a serem

observados, gerando enorme dificuldade na identificação da conduta que

eventualmente poderá vir a ser punida. Ao regulamento competirá estabelecer um rol

das situações que normalmente dão ensejo ao julgamento, por exemplo por

irregularidade de despesas. Pode decorrer de um contrato irregular, de irregularidade

em adiantamento e etc. São irregularidades que comportam graus extremamente

diferenciados de gravidade, de forma que a gradação da pena também deverá se dar

em face das situações arroladas. Outras, não previstas, mas assemelhadas, desde que

passíveis de serem inseridas no tipo estabelecido na norma, encontrarão parâmetros

mais seguros para serem aplicadas. Consideramos que se trata de inestimável

contribuição a ser conferida pelo regulamento em matéria de sanção administrativa.

Cremos que as dificuldades do legislador em descrever todas as

possibilidades de condutas ilícitas podem e devem ser atenuadas no âmbito

regulamentar, porque a autoridade que aplica as penas, pela especialidade da matéria

possui maiores condições de estabelecer um rol exemplificativo, com base nos

precedentes, guardados os limites estabelecidos na lei.

Com tais considerações, não podemos concluir que o Regimento Interno do

Tribunal de Contas da União desempenhou esse desiderato, uma vez que se limitou a

145

repetir as disposições da lei com a indicação da gradação em relação aos incisos que

descreveram os ilícitos. Apenas de forma exemplificativa citaremos algumas das

situações:

O artigo 267 do regimento interno regulamenta a multa estabelecida no

artigo 57 da Lei nº 8.443/92 que assim dispõe: “Quando o responsável for julgado em

débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor

atualizado do dano causado ao erário.” Reza o artigo 267 do regimento: “ Quando o

responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem

por cento do valor atualizado do dano causado ao erário, conforme estabelecido no

artigo 57 da Lei nº 8.443, de 1992”.

O regimento repetiu a disposição genérica da lei, sem introduzir nenhum

elemento acerca da descrição da conduta, não contribuindo para aumentar a segurança

ao indivíduo, além daquilo já dito na lei, no sentido de que, por qualquer ato de que

resulte débito, poderá ser multado em valor até cem por cento do dano apurado. Não

há qualquer referência à gravidade do ato, reincidência ou elementos capazes de

orientar a decisão do julgador. É de se notar que o regimento não estabelece gradação

para tipos de atos que resultem em débito.

A gradação vem apenas em relação à regulamentação do artigo 58 da lei,

que fixa valor de multa nas situações genéricas dos seus sete incisos. Mas também

nessa situação, limita-se a repetir os ilícitos genericamente descritos na lei, tais como

“contas julgadas irregulares sem débito”, mas com a ocorrência de uma das situações

estabelecidas no três primeiros incisos do artigo 58 da lei orgânica. São eles: “ato

praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil,

financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial, e atos de gestão ilegítimo ou

antieconômico de que resulte injustificado dano ao erário”, estes agrupados em uma

situação única de gradação, entre cinco e cem por cento do valor da multa estabelecido

na lei.

146

A estabelece em seu artigo 16, inciso III, as situações em que as contas

serão julgadas irregulares. São elas: a) omissão do dever de prestar contas; b) prática

de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou

regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; desfalque ou

desvio de dinheiros, bens ou valores públicos. Há ainda no § 1º do mesmo dispositivo a

hipótese de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável

tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestação de contas.

É certo que algumas delas são objetivas e dispensam descrição mais

detalhada da conduta, mas outras, como ato de gestão ilegítimo ou infração genérica à

norma contábil, orçamentária, operacional ou patrimonial, são de amplitude tal que

exigem maior detalhamento no regimento interno e não mera repetição dos ilícitos

genericamente descritos na lei.

Ora, se admitimos que a lei pode, dentro dos limites já tratados neste

trabalho, estabelecer as sanções e descrever as condutas de forma genérica, o

regimento deverá proporcionar a identificação da conduta considerada como ilegal. Não

pode criar situação nova, mas pode e deve descrever, por exemplo, o que será

considerado como ato de gestão ilegítimo para fins de aplicação das sanções previstas

na lei, ainda que de forma exemplificativa.

Sabemos, que o administrador está cercado dos limites decorrentes do

regime de direito administrativo e alguns do regime penal para aplicar sanções, mas a

margem de sua atuação não deve ser tão ampla, cabendo aos atos normativos delineá-

la, sob pena de assim não o fazendo, trazer inadmissível insegurança jurídica aos

indivíduos sujeitos às cláusulas demasiadamente genéricas da lei e regulamento, e

também inadmissível margem de atuação do administrador.

Por sua vez, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas faz referência à boa-fé no

§ 2º do artigo 12, inserido na seção que trata do processo de tomada de contas, como

147

elemento atenuador para fins de saneamento do processo. No capítulo relacionado às

sanções, não há na lei, tampouco no regimento interno, referências às situações

atenuantes ou agravadoras para a finalidade específica de orientar a autoridade na

aplicação das penas estabelecidas.

Ponderamos ainda que, com relação ao procedimento, não há como

considerar que alguns aspectos estejam de acordo com os preceitos constitucionais, a

exemplo do procedimento que resulta na grave decisão de inabilitar o responsável para

a ocupação de cargo ou função pública. O procedimento estabelecido no Regimento

Interno revela a supressão de etapas indispensáveis ao salvaguardo dos direitos dos

indivíduos, uma vez que, segundo o preconizado, após o Plenário decidir pela maioria

de seus membros acerca de sua gravidade, decidirá sobre o período da inabilitação e

aplicará a sanção. Depois de aplicada, segundo dispõe o § 3º do artigo 270, o Tribunal

de Contas comunicará ao responsável e à autoridade competente para o cumprimento

da decisão.

Nesta oportunidade, passaremos a realizar análise jurídica crítica em relação

a algumas das sanções já mencionadas, porque de duvidosa constitucionalidade. São

elas:

Artigo 60 da LOTCU:

sem prejuízo das sanções previstas na seção anterior e das penalidades administrativas, aplicáveis pelas autoridades competentes, por irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas da União, sempre que este, por maioria absoluta de seus membros, considerar grave a infração cometida, o responsável ficará inabilitado, por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública

O dispositivo legal comporta questionamentos que vão desde a possibilidade

de o legislador estabelecer sanção dessa natureza a ser aplicada pelo Tribunal de

Contas, o que poderia significar intromissão indevida no âmbito de competência do

148

Poder Executivo, até a severidade da sanção que, aparentemente, não tem qualquer

relação com a eficácia da função de controle.

A ocupação de cargos e funções de confiança é realizada na forma e

condições estabelecidas nas leis de organização dos Poderes, sendo a indicação para

a ocupação dos cargos em comissão e das funções de confiança, ato discricionário da

autoridade competente dentro da estrutura do órgão.

A decisão sobre a inabilitação para ocupação do cargo interfere na esfera de

competência privativa do Poder controlado, que inclusive dispõe de legislação

específica regulamentando as situações em que poderá ser aplicada a pena de

destituição, a exemplo dos incisos V e VI, do artigo 127, da Lei federal nº 8112/90, que

dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União. É típica situação que

poderá dar ensejo a pronunciamentos díspares por parte das autoridades competentes

para aplicação da mesma sanção.

Este raciocínio ainda trás a lume a manifestação do Ministro Joaquim

Barbosa na Reclamação nº 2138, já transcrita neste capítulo em item anterior, quando

considerou que não cabe ao Juiz de primeira Instância decretar a perda de cargo

político por ser punição típica dos mecanismos de aferição de responsabilidade política

no sistema presidencial de governo. Aduziu ainda o Ministro que a decretação da perda

do cargo estruturante à organização do Estado configuraria fator de desestabilização

político-institucional.203

Pela generalidade da lei, não é possível saber de antemão quais cargos

estariam sujeitos à sanção, mas, na linha do raciocínio empregada pelo Ministro

Joaquim Barbosa, defendemos que em nenhuma hipótese poderia a Corte de Contas

aplicar a pena de inabilitação para ocupantes de cargos estruturantes de qualquer dos

Poderes controlados.

203 Reclamação nº 2138. DF. Relator Min. Nelson Jobim. Voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa.

149

Acreditamos que nessa situação, a Corte de Contas poderia apenas

determinar que o órgão controlado adote as providências legais instaurando

procedimento disciplinar para apuração e, em sendo necessário, afaste cautelarmente o

agente, decisão que não poderia deixar de ser acatada.

Outra previsão da lei que consideramos passível de discussão quanto à

constitucionalidade, está inserida no âmbito das medidas cautelares, que, embora não

se confunda com as sanções, também desperta discussão quanto à sua

constitucionalidade. Está disciplinada no artigo 44 da LOTCU e vazada nos seguintes

termos:

No início do curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao erário ou inviabilizar o seu ressarcimento § 1º- Estará solidariamente responsável a autoridade superior competente que, no prazo determinado pelo Tribunal, deixar de atender à determinação prevista no caput do artigo. § 2º - Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.

A norma comete ao Tribunal de Contas da União atribuição reservada com

exclusividade ao órgão controlado, pois somente a ele caberá afastar ou suspender

servidores, em conformidade com os procedimentos previstos na lei que regula o

regime jurídico que são submetidos, ressalvadas as situações decorrentes de decisões

judiciais.204

204 A discussão acerca da constitucionalidade do artigo 44 da lei Federal nº 8.443/92 foi alegada incidentalmente no MS 22.801-6-DF, através do qual o Ministro Relator Menezes Direito concedeu a segurança ao Presidente do Banco Central do Brasil para afastar a ordem do Tribunal de Contas da União para quebrar o sigilo bancário de instituições financeiras privadas. Pelo não cumprimento da determinação por entender que não havia autorização legal para o TCU determinar a quebra de sigilo, foi aplicada multa ao Presidente do Banco Central com base no artigo 58, inciso IV da Lei 8.443/92, além da ameaça do afastamento temporário do exercício de suas funções, prevista no artigo 44 da mesma lei. Na referida ação o Procurador Geral da República manifestou-se no sentido da inconstitucionalidade

150

Aqui igualmente incide a questão relacionada aos ocupantes de cargos

estruturais, uma vez que o afastamento temporário interferirá na organização do Poder

e poderá gerar crise político-institucional. Não vislumbramos como viável o afastamento

temporário de agente público, senão por força de determinação judicial ou pelo próprio

órgão a que está o responsável subordinado, no caso do Poder Executivo, nos termos

do artigo 147 da Lei Federal nº 8112/90.

A indisponibilidade de bens, prevista no § 2º do artigo 44 da Lei Federal nº

8.443/92 é ato de extrema severidade que afeta direito fundamental que, segundo

nosso entendimento não poderá ser decretada pela Corte de Contas, tampouco pelo

órgão controlado.

A Constituição Federal consagra a tutela jurídica da propriedade, sendo

portanto, prerrogativa de ordem jurídica. É certo que não possui caráter absoluto

porque em nosso sistema constitucional não há direitos e garantias que se revistam de

caráter absoluto, mesmo porque, razões de relevante interesse público e de

convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente a adoção por parte

dos órgãos estatais de medidas restritivas, desde que respeitados os termos

estabelecidos na Carta Magna. Trata-se de valor constitucionalmente assegurado, cuja

proteção normativa busca erigir e reservar sempre em favor do indivíduo e contra a

ação expansiva do arbítrio do poder Público.

A decretação de indisponibilidade de bens, ato que se reveste de extrema

gravidade jurídica só deve ser decretada em caráter de absoluta excepcionalidade,

quando existentes fundados elementos que se justifiquem à partir de critério

essencialmente apoiado na prevalência do interesse público. A relevância do direito

do artigo 44, questão apontada pelo Ministro Gilmar Mendes. Todavia, a alegação incidental de inconstitucionalidade não foi enfrentada, por ter a segurança sido concedida só pela impossibilidade da quebra de sigilo pelo TCU. O Relator considerou que não havia razão para enfrentar a inconstitucionalidade porque a ordem seria concedida na linha da medida liminar.

151

assegurado impõe cautela e prudência porque importa em inquestionável restrição à

esfera jurídica das pessoas afetadas.

Somente o Poder Judiciário poderia decretar tal medida, porque a relevância

da questão exige que o órgão incumbido de aplicá-la tenha os predicados que só a

magistratura possui. A ruptura do círculo de imunidade do valor constitucional só se

justificará desde que ordenada por órgão estatal investido de competência jurídica para

suspender a eficácia do princípio de proteção à propriedade.

Acreditamos que somente o Poder Judiciário poderá dispor de poder de

decretar essa medida excepcional, sob pena de a autoridade administrativa interferir

indevidamente na esfera de direito constitucionalmente assegurada ás pessoas. A

intervenção jurisdicional é fator de preservação do regime das franquias individuais, de

forma que acreditamos tratar-se de matéria de reserva jurisdicional.

Dentro dessa perspectiva revela-se de inteira pertinência a invocação do

devido processo legal em sua dimensão substantiva, como instrumento de expressiva

limitação constitucional ao próprio poder do Estado, sendo forma de controle que

examina a necessidade, razoabilidade e justificação das restrições aos direitos

individuais, não admitindo que a lei ordinária desrespeite a Constituição, considerando

que as restrições ou exceções estabelecidas pelo legislador ordinário devem ser

justificadas por evidente interesse público.

A solidariedade estabelecida no § 1º do mesmo dispositivo legal, possui nítido

conteúdo sancionatório, e não tem relação com a ilegalidade de despesa ou

irregularidade de contas, mas, novamente, com conduta do agente público em

detrimento de determinação da Corte de Contas, razão pela qual não encontra respaldo

constitucional, conforme raciocínio que desenvolvemos adrede.

152

Por fim, há a sanção estabelecida na seção destinada à fiscalização dos atos

e contratos, inserida no capítulo que trata da fiscalização a cargo do Tribunal,

estabelecida no artigo 46, e vazada nos seguintes termos:

Verificada a ocorrência de fraude comprovada á licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.

Trata-se de sanção semelhante à estabelecida no artigo 87 da Lei nº

8.666/93, cuja competência para aplicação é conferida às autoridades administrativas

indicadas na lei, razão pela qual alguns doutrinadores consideram que foi o dispositivo

revogado pela lei geral de licitações, norma especial e posterior àquela, razão pela qual

afastam a possibilidade de sua aplicação pelo Tribunal de Contas, o que geraria conflito

de atividades.

Outros, contudo, e mesmo o Tribunal de Contas da União, que permanece

aplicando essa penalidade, consideram que o dispositivo não foi revogado e que a

declaração de inidoneidade poderá ser aplicada pela autoridade administrativa

competente, nos termos da Lei Federal nº 8.666/93 e também pelo Tribunal de Contas,

nos termos da Lei Orgânica diante do pressuposto específico estabelecido nesta lei,

que é a fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas no curso de sua atuação

fiscalizatória.205

Nesta questão, o Supremo Tribunal Federal já afastou a alegação da

existência de conflito positivo de atribuições em mandado de segurança, em que o

Ministro dos Transportes requereu liminar para suspender o processo no âmbito do

Tribunal de Contas da União, com a fixação da sua competência para proferir decisões

sobre o caso até decisão final do conflito, argumentando que o pressuposto lógico para

que o Tribunal de Contas da União pudesse aplicar sanção administrativa seria o

exercício do poder de polícia e não o exercício do poder de fiscalização.

205 Eduardo Rocha Dias defende a aplicabilidade do dispositivo legal pelo TCU e aponta Floriano Azevedo marques Neto em defesa da tese contrária, no sentido de que o dispositivo da LOTCU foi revogado pela lei geral de licitações. Os Tribunais de Contas e o sancionamento administrativo de licitantes e contratados. p. 207- 208.

153

A alegada existência de conflito foi afastada porque o Supremo Tribunal

Federal considerou que são diversas e inconfundíveis as áreas de atuação, no caso,

entre o Ministério dos Transportes e o Tribunal de Contas da União, já que o segundo

age como órgão de controle externo de legalidade.

Segundo nosso entendimento é inafastável o reconhecimento de que são

diversas e inconfundíveis as áreas de atuação, de modo que a sanção de natureza

administrativa aplicada pela Corte de Contas no exercício do controle externo sofre

influxos decorrentes da função controladora. Todavia, tal reconhecimento não implica

em concluir que em toda e qualquer situação estará afastado o conflito de

competências, que como já destacamos, deve ser evitado pelo legislador. Já

demonstramos algumas situações em que essa realidade está presente.

É preciso sempre ter em mente os vetores constitucionais que devem orientar

o estabelecimento das penalidades a serem aplicadas pelas Cortes de Contas, cujas

condutas sempre devem estar relacionadas à ilegalidade de despesa ou irregularidade

de contas. No caso, a pena de aplicação de inidoneidade diante da constatação de

fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas parece estar em consonância com

os contornos constitucionais.

Para encerrar este capítulo consignamos que aspecto a ser investigado diz

respeito ao elemento subjetivo da culpa, que importa para todos os tipos de sanções

em todos os âmbitos de atuação do Poder Público. Todavia, no âmbito do Tribunal de

Contas, devido às dificuldades na aferição dos responsáveis pelos atos puníveis

administrativamente, a questão ganha relevância, porque costuma-se punir o ordenador

da despesa, independentemente do nível de responsabilidade envolvido no ato

administrativo considerado em desacordo com a lei. E nesse contexto, invocamos

novamente o saudoso Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que, ao afirmar que o juiz

pode reduzir a multa aplicada administrativamente se considerar que foi abusiva, aduz

154

que: “entretanto, não poderá desobrigar o infrator do pagamento de qualquer multa,

salvo se considerar que inexistiu culpa do multado, e, então, ela não se justifica”.206

Voltaremos a abordar o aspecto da culpa no capítulo subseqüente, quando

trataremos do ato punitivo e o procedimento que o antecede.

206 Princípios gerais de direito administrativo, p. 563.

155

CAPÍTULO IV

O PROCEDIMENTO PUNITIVO

1. O ato punitivo: procedimento a ser observado pelo Tribunal de Contas.

A imposição da sanção administrativa é um ato jurídico e como tal deve ser

aplicado através de procedimento que confira as garantias necessárias à defesa dos

interessados em sua plenitude. Por esta razão dedicamos o primeiro capítulo deste

trabalho ao tema do devido processo legal, onde já tivemos oportunidade de traçar os

elementos que o integram e demonstrar sua importância no Estado de Direito, sendo,

portanto, garantia inafastável a ser observada no processo desenvolvido no âmbito do

Tribunal de Contas. Neste capítulo apontaremos os princípios a serem observados no

procedimento que culminará na aplicação da punição.

O devido processo legal é tema que tem evoluído consideravelmente em

nosso País com evidentes reflexos no âmbito do Tribunal de Contas, tendo inclusive

sido objeto da edição da Súmula nº 03 do Supremo Tribunal Federal que estabelece

que a Corte de Contas está obrigada a observar o devido processo legal em seus

procedimentos.

E não poderia ser diferente, pois a observância de certos atos prévios é

condição da prática de qualquer ato administrativo. Não obstante, cumpre consignar

que a evolução que mencionamos não significa que o devido processo legal esteja

sendo aplicado de forma satisfatória. Pelo contrário, evoluiu, mas para atingir a sua

plenitude nos termos tratados no primeiro capítulo deste trabalho, garantindo

efetivamente a realização da justiça no caso concreto, ainda precisa evoluir muito. Não

são poucas as decisões do Tribunal de Contas da União anuladas pelo Poder Judiciário

por ausência do direito de ampla defesa dos interessados atingidos pelos atos.

E a questão assume especial relevância em matéria sancionatória onde os

atos procedimentais que propiciam a oportunidade de defesa aos acusados são

156

frequentemente olvidados ou ainda, não são realizados de maneira a conferir em sua

plenitude as garantias albergadas pelo devido processo legal em sua dimensão

adjetiva.

Segundo Carlos Ari Sundfeld, a peculiaridade da sanção administrativa em

relação à penal está ligada ao procedimento que exige.207 Concordamos plenamente

com a afirmação, cuja posição já deixamos firmada no capítulo II deste trabalho. Deste

modo, a imposição de penas no âmbito penal exige um procedimento judicial e a

sanção administrativa seguirá um rito em consonância com o procedimento

administrativo e as peculiaridades do regime de direito administrativo, o que não

significa que não possam ter concomitâncias, sobretudo no que diz respeito ao direito

de defesa em sua plenitude.

Assim, não basta um procedimento meramente formal, mas há necessidade

da existência de um procedimento que garanta a efetiva participação do acusado, a fim

de que possa o mesmo exercer efetivamente o direito de ampla defesa, produzindo as

provas necessárias, inclusive periciais, caso a situação exija, além do direito de que tais

provas sejam efetivamente apreciadas.

Com isso queremos afirmar que o Tribunal de Contas e nesse caso a

Administração Pública de um modo geral, deve se abster de utilizar os jargões tão

conhecidos como “a parte não trouxe elementos novos ou suficientes para alterar ou

afastar as conclusões anteriores”. É preciso que sejam explicitadas as razões pelas

quais estão sendo afastadas as alegações, os motivos pelos quais os argumentos não

serão aceitos.

Pelo fato de os agentes estatais exercerem poderes em nome de uma

finalidade estabelecida na lei, e, portanto, desempenharem função pública, não se pode

discutir acerca da obrigatoriedade da instauração de um procedimento sempre que um

207 A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense. Vol 298. abril.maio.junho 1987 – Forense. p. 99)

157

ato unilateral expedido pelo Poder Público possa vir a atingir a esfera de direitos de

alguém.

O processo é forma de garantir o equilíbrio entre a liberdade do indivíduo que

poderá vir a ser atingido pelo ato unilateral e a autoridade, própria de quem exerce

função. Nesse sentido são preciosas as palavras de Carlos Ari Sundfeld:

(...) O processo garante, então, que a vontade funcional, que se expressará no ato, não seja empolgada pela vontade do agente, mas signifique uma vontade equilibrada, esclarecida, racional, imparcial. Em suma, assegura que o agente não se transforme em fim, mas guarde apenas seu papel de intermediário.208

Daí a importância do procedimento. Não só pelas razões que mencionamos,

mas porque concluímos que em termos de sanção administrativa embora os ilícitos e as

sanções devam estar previstos em lei, a norma nem sempre será absolutamente

abrangente classificando todos os ilícitos de forma taxativa, de modo que, conforme já

consignamos anteriormente parte significativa da solução é remetida ao momento da

aplicação da penalidade. Por esta razão também ressaltamos a enorme

responsabilidade da autoridade julgadora.

Edílson Pereira Nobre Júnior estabelece um vínculo entre a aplicação da

pena e sua finalidade e a vinculação ao interesse público protegido, levando em conta,

sobretudo, a existência de normas abertas que podem redundar na punição de conduta

que na prática seja inidônea para lesar bem jurídico de interesse coletivo, invocando

para tanto no momento da aplicação da pena, o princípio da insignificância, com a

relevação de situações em que não há lesão a bens jurídicos da coletividade, afirmando

o seguinte: “basta que a autoridade incumbida de aplicar a regra se guie pela senda de

somente infligir sanção quando o preceito inobservado disser respeito a um dever

pessoal do agente”.

208 A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense, p. 101- 102

158

Enfrentando a inafastável existência de conceitos indeterminados, entende o

autor que tais tipos hão de ganhar tecnicidade a fim de que obtenham nos casos

concretos, a delineação da conduta que decorra dos deveres e proibições, invocando a

necessidade de que a autoridade administrativa, nessas situações “(...) ao valorar tais

tipos, busque a sua vinculação com o interesse público, contido, tácita ou

explicitamente, na norma de Direito”. 209

Em lapidar conclusão, afirma que eventual injustiça pode ser contornada com

a incidência de um juízo de proporcionalidade, de sorte a se exigir um razoável motivo

para se impor a restrição de direito que a pena acarreta.

Nesse sentido, os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e motivação

deverão estar presentes, sob pena de nulidade do ato sancionatório.

Dois fatos nunca são totalmente iguais. Serão diferentes porque singulares,

irrepetíveis os motivos, a gravidade do dano, a intensidade da culpa. São

especificidades que fazem com que cada fato seja diferente do outro, embora

possivelmente previstos na mesma figura jurídica. Competirá, portanto, ao julgador a

análise concreta da situação a ele submetida com a devida individualização que

requererá, inevitavelmente juízos de valor, de gravidade, de insignificância, que são

subjetivos. São critérios numerosos que escapam a uma pré-determinação legal. Não

são exaustivos e por isso a necessidade da motivação.

No âmbito do Tribunal de Contas tais juízos assumem especial relevância

exatamente diante da função controladora que exerce. A Corte de Contas examina atos

administrativos da Administração Pública praticados por vários agentes, nem sempre

sendo fácil a identificação do responsável. Por vezes, um ato irregular subscrito por

determinada autoridade decorreu de práticas anteriores não cabendo a essa autoridade

a responsabilização. Vejamos:

209 Sanções administrativas e princípios de direito penal. Revista de Direito Administrativo – RDA, p. 138-139.

159

No julgamento das contas de determinada Autarquia, poderá chegar a Corte

de Contas à conclusão de que a gestão temerária levou a entidade a déficit

insustentável e portanto ensejador da rejeição das contas daquele determinado

exercício fiscal, com todas as conseqüências à autoridade gestora. Todavia, a situação

deficitária pode ter decorrido de gestões anteriores, de modo que é preciso singularizar

a situação concreta para analisar os atos daquele gestor que responderá pela contas

do exercício julgado. Não é rara a constatação de que gestores que atuam visando o

saneamento das finanças, que por vezes demora a se concretizar, têm as contas

rejeitadas em decorrência de gestões anteriores, e portanto, de atos de gestão

temerários, que de fato geraram a situação ensejadora da rejeição das contas, mas que

não podem ser imputados àquela autoridade.

É certo e inafastável que a Administração Pública é contínua e a alteração

dos gestores não interrompe a responsabilidade de cada qual em dar a devida

continuidade aos procedimentos necessários para que a entidade cumpra as

finalidades para as quais foi instituída. Mas em caso de responsabilização pela prática

de atos ilegais ou irregulares, não há como conferir de forma indiscriminada a

responsabilidade a todos que responderam pela entidade, mas somente àqueles que

agiram, que adotaram posturas que contribuíram para a irregularidade do ato.

Pois bem, no primeiro capítulo concluímos que o devido processo legal não

possui um rol taxativo e exaustivo de procedimentos e princípios prévios que garantam

de antemão sua observância, devendo ser aplicado em cada situação concreta.

Todavia, essa realidade não impossibilita a indicação dos princípios que, em

geral, devem incidir, de forma que no item subseqüente cuidaremos dos princípios a

serem observados pelo Tribunal de Contas, no procedimento que culminará no ato

punitivo.

160

1.1 Princípios aplicáveis à atividade punitiva do Tribunal de Contas.

Trataremos a seguir dos princípios informadores da atividade sancionatória

do Tribunal de Contas, que não destoam dos princípios a serem observados pelos

órgãos do Estado em geral, no exercício do ius puniendi estatal.

A despeito da relevância da questão, o direito positivo pátrio jamais se

preocupou em estabelecer um rol de princípios norteadores da atividade punitiva do

Estado, inclusive a serem observados pelo legislador por ocasião da criação dos ilícitos

e sanções administrativas, e não o fez também a Lei Federal de Processo

Administrativo (Lei nº 9.784/99), que dedicou ao Capítulo XVII um único artigo

relacionado ao tema das sanções, o 68, situação que, nas palavras de Rafael Munhoz

de Mello, “(...) contrasta com a legislação atual de outros países, nos quais há grande

preocupação em disciplinar – e, de conseqüência, limitar – a atividade punitiva da

Administração Pública”.210

García de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez comentam sobre a imensa

lacuna que causa a ausência de um quadro normativo geral que defina os princípios

gerais que devam incidir para a aplicação de sanções administrativas, afirmando,

todavia, que tal lacuna, em seu país, foi suprida pelas remissões do Tribunal

Constitucional em 30 de janeiro e 8 de junho de 1981, no sentido de que os princípios

gerais que regem o direito penal devem incidir, uma vez que se tratam, ambos, de

manifestação do ordenamento punitivo do Estado. Esclarecem os juristas espanhóis

que essa postura é refletida pela própria Constituição espanhola, em seu artigo 25, que

cuida do princípio da legalidade, e também por reiterada jurisprudência do Tribunal

210 Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na Administração Pública. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 143-185. O autor menciona como exemplos: Lei nº 689, de 24 de novembro de 1981, da Itália; a Gesets uber Ordnungswidrigkeiten alemã, de 19 de fevereiro de 1987 e a Lei espanhola nº 30, de 26 de novembro de 1992. A Lei Estadual 10.177/98, no título que trata dos Princípios da Administração Pública, estabeleceu em seu artigo 6º o princípio da reserva legal para a previsão de infrações ou prescrição de sanções. Dispõe o artigo 6º, II: “Somente a lei poderá: (...) II - prever infrações ou prescrever sanções”.

161

Supremo da Espanha, de modo que um mesmo bem jurídico pode ser protegido por

técnicas administrativas ou penais.211

Os catedráticos espanhóis esclarecem que o Tribunal Constitucional

construiu entendimento no sentido de que os princípios penais não se aplicariam em

sua generalidade, ressalvando as relações de sujeição especial. Mas tal

posicionamento foi alterado pela Sentença de 29 de março de 1990, que

aparentemente marcou uma postura definitiva do Tribunal Constitucional sobre a

matéria, no sentido de que não deveria ser estabelecida diferenciação decorrente da

espécie de sujeição - geral ou especial - no âmbito da incidência dos princípios

constitucionais e os direitos fundamentais neles subjacentes.

Festejando o caminho adotado pelo Tribunal Constitucional, concluem esses

juristas que: “(...) sempre deverá ser exigível no campo sancionatório administrativo

(não há dúvida no penal) o cumprimento dos requisitos constitucionais de legalidade

formal e tipicidade como garantia da segurança do cidadão”. 212

O mesmo não ocorre em nosso país, na medida em que não há um quadro

normativo explícito a ser aplicado na Administração Pública, o que não significa, por

óbvio, a inexistência de garantias, mas há o desafio na identificação desses princípios,

e, embora as realidades de outros países só possam ser utilizadas como referências

uma vez que as soluções devem ser encontradas no direito positivo brasileiro, é

indiscutível que são referências de profunda valia.

A sanção administrativa é o resultado final de um procedimento que culmina

na expedição de um ato jurídico, de modo que, como aduz Carlos Ari Sundfeld, seu

estudo pode aproveitar à teoria dos atos, podendo-se afirmar que “(...) todo ato

sancionador tem como motivo, a ocorrência de uma infração de um ato ilícito, que 211 Todavia, as sentenças de amparo à matéria estabeleceram a aplicação nos seguintes termos: “Los princípios inspiradores del orden penal son de aplicación, com ciertos matices, al derecho sancionador, dado que ambos son manifestaciones del ordenamiento punitivo del Estado”, de modo que tais matizes precisavam ser concretizadas. Op. cit., p. 164-165. 212 Curso de derecho administrativo, p. 165.

162

constitui o pressuposto de fato da emanação do ato. Portanto, a legalidade do ato

sancionador pressupõe a anterior ocorrência do motivo, sem a qual não se abre a

possibilidade de sancionar”.213

Inegável a relevância da verificação da ocorrência dos requisitos

(pressupostos de sua prática, competência, formalidades, causa e procedimento) do ato

sancionador a fim de constatar sua legalidade. Todavia, perfilhando o caminho proposto

por Celso Antônio Bandeira de Mello, que incluiu nos pressupostos do ato

administrativo os requisitos procedimentais, como “atos que devem, por imposição

normativa, preceder a determinado ato”214, nos preocuparemos nessa oportunidade

com o procedimento, ou seja, com a observância de atos prévios que necessariamente

devem ser levados em conta pela Administração.215

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, citando Alejandro Nieto e Heinz Mattes,

esclarece que a partir da década de 1960 as Cortes Constitucionais européias deram

início a um movimento de equiparação das garantias, arrolando, lado a lado, as penais

e administrativas, de modo que os princípios penais passaram a ser aplicáveis aos

processos administrativos punitivos, na ausência de um sistema de garantias expressas

na Administração Pública, acrescentando que o direito penal era a fonte inspiradora

para a construção dogmática ainda incipiente no direito administrativo sancionador,

assentado em tradicional doutrina e jurisprudência, nacionais e comparadas.

Seguindo o ponto de vista de Enrique Ruiz Vadillo, no sentido de que

“prepondera hoje, a tese, de que os princípios penais são aplicáveis ao Direito

213 A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense. v. 298, Rio de Janeiro: Forense, Abr./Maio/Jun. 1997, p. 99. 214 Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 77. 215 Lúcia Valle Figueiredo, nessa mesma linha de pensamento, ao tratar das formalidades legais do ato administrativo, considera que o tema está intimamente ligado ao tema do procedimento administrativo, e pondera que o cumprimento das formalidades legais é requisito indispensável à validade do ato, além de ser garantia fundamental do Estado de Direito, do due process of law. Observa, contudo, que os autores brasileiros não têm se preocupado com este importante tema como os autores estrangeiros. Aponta o procedimento administrativo como a maneira pela qual se exercita a função administrativa e cita Giannini no sentido de que tende a compor o interesse público primário. Afirmando que existem atos que não prescindem de processo administrativo formal e vinculado, complementa o raciocínio de que o procedimento adequado condiciona a emanação dos atos e é responsável pela democratização da atividade administrativa (Curso de direito administrativo. 8ª ed., p. 202-203).

163

Administrativo sancionador, com matizes, a efeito de assegurar aos acusados as

básicas garantias constitucionais comuns ao Direito Público Punitivo”, concluiu Moreira

Neto que o fundamento dessa construção vai além do princípio isonômico, para garantir

também obediência ao devido processo, que interdita a arbitrariedade dos Poderes

Públicos e a ausência de distinções substanciais entre ilícitos penais e

administrativos.216

Hodiernamente encontramos ilícitos classificados como administrativos, com

sanções mais severas do que as impostas a muitos atos qualificados pelo legislador

como crimes, de forma que a discussão acerca dos princípios que os informam não é

de menor importância.

Ainda, em face da inafastável existência de normas que não definem de

forma precisa as condutas tidas por ilegais e consideradas pelo legislador como

infrações administrativas - normas estas, comumente denominadas pela doutrina

nacional e alienígena como “abertas” ou “elásticas”, e, claro, não só por essa razão,

estamos convencidos de que a forma mais segura de garantir uma atuação justa e

imparcial do Estado no exercício da atividade punitiva, é por meio da observância de

um procedimento legítimo, que assegure a ampla participação dos indivíduos que

poderão vir a ser atingidos pelo ato final decorrente do procedimento administrativo.

A doutrina e a jurisprudência já trataram de buscar no ordenamento jurídico

algumas garantias inafastáveis e de observância obrigatória para a imposição de

sanções administrativas, que deverão ser sempre externadas por atos devidamente

motivados.

Segundo Canotilho, o Estado de Direito tem como corolários os princípios da

legalidade, segurança jurídica, proibição de excesso, proteção jurídica e garantias

processuais, que bastam para a formação de um regime jurídico punitivo.217

216 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo,In: OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 13-14. 217 Direito constitucional e teoria da Constituição. p. 491- 527.

164

Além dos princípios estatuídos no caput do artigo 37, o artigo 5º da

Constituição Federal estabelece os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos,

arrolando, ainda no Capítulo I, os direitos individuais e coletivos que hão de ser

observados no processo que antecede a aplicação de qualquer penalidade

administrativa, decorrentes do princípio do devido processo legal, dentre eles, como

registrado anteriormente, os do contraditório e da ampla defesa, consubstanciados no

inciso LV do mencionado dispositivo constitucional.

Embora seja inegável a influência do regime protetivo do direito penal, a

sanção administrativa se dá de acordo com o conjunto sistematizado de regras e

princípios peculiares ao direito administrativo, ou seja, incide o regime jurídico

administrativo. Assim, ainda que exista extrema proximidade dos regimes, a atividade

punitiva estatal resultante da função administrativa possuirá suas próprias

peculiaridades, tal como ocorre com a penal.

Nesse sentido, citando Quintero Olivares, Rafael Munhoz de Mello adverte

que “Os princípios que regem o poder punitivo do Estado, que devem ser observados

quando da aplicação das sanções penais e administrativas, não são os de direito penal,

mas sim os que decorrem do Estado de Direito”218.

Muitos autores afirmam categoricamente que devem incidir os princípios do

direito penal, mas isso não contradiz a afirmação supra, ou seja, a incidência de

princípios inerentes ao direito penal igualmente decorre das proteções albergadas pelo

Estado de Direito.

Destarte, parece adequado concluir que o procedimento sancionatório deve

observar princípios que decorrem do Estado de Direito, que, além de ser o Estado

submetido à lei, também é o Estado que garante a existência de direitos individuais que

218 Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal na administração pública. p. 157.

165

podem ser opostos contra o próprio Estado. E em se tratando de competência

sancionatória, esses princípios abrigarão também alguns próprios do processo penal,

voltados à proteção do sujeito sancionado, o que não significa que o processo

sancionatório deixará de ter natureza administrativa.

Com isso estamos afirmando que existem princípios comuns à atividade

punitiva do Estado, seja ela no âmbito judicial ou administrativo, estando voltados à

limitação da atuação punitiva do Estado, todos decorrentes da Constituição Federal.

Nesse sentido, o Tribunal de Contas estará igualmente submetido aos mesmos

princípios, ainda que no exercício da função controladora, que apesar de receber

influxos resultantes dessa específica função, como retratamos no capítulo anterior,

estará submetido aos mesmos princípios norteadores dos procedimentos punitivos em

geral.

Na busca da identificação desses princípios, não estaremos desbravando

seara desconhecida, à medida que vários estudiosos já se debruçaram sobre o tema.

Para Rafael Munhoz de Mello, os princípios do Estado de Direito arrolados

pelo constitucionalista português Gomes Canotilho bastam para a formação de um

regime jurídico punitivo.219

Daniel Ferreira, defensor de um próprio e apartado regime jurídico-

administrativo sancionador, afasta a importação de princípios de direito penal para o

direito administrativo, defendendo a idéia da existência de um regime jurídico

sancionador afeto à teoria geral do direito e à noção de função pública, de forma que,

independentemente da natureza da sanção, serão reconhecidos alguns princípios como

de cogente aplicação. Seriam, para ele, princípios representativos de normas comuns à

atividade punitiva do Estado, na esfera judicial ou administrativa, dispostos no artigo 5º

da Constituição Federal.220

219 Sanção administrativa e princípio da legalidade. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Devido processo legal na administração pública, p. 158. 220 Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 86. (Coleção temas de direito administrativo).

166

Edílson Pereira Nobre Júnior, juiz federal e professor da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, em artigo dedicado ao tema, apesar de apontar

diferenças ontológicas entre as penas e os ilícitos administrativos, conclui que, estando

ambos no âmbito da atividade punitiva do Estado, em linha de princípio nada obsta -

pelo contrário, em sua palavras, recomenda-se - “serem os postulados retores da

aplicação das punições criminais, cuja sistematização doutrinária e legislativa é bem

anterior à ordenação das sanções administrativas, a estas aplicáveis”. Considerando,

porém, a necessidade de sempre serem levadas em conta as peculiaridades das

últimas, finca os balizamentos emergentes do direito penal, para nortear o desempenho

das atribuições punitivas da Administração, agrupando-as da seguinte forma:

legalidade, tipicidade, culpabilidade, proporcionalidade, retroatividade da norma

favorável, non bis in idem, non reformatio in pejus.221

Acreditamos, por conseguinte, que os princípios que necessariamente

deverão ser observados nos procedimentos administrativos sancionatórios são

desdobramentos dos princípios caracterizadores do Estado de Direito, que visam

proteger os indivíduos da própria atuação do Estado, que, em decorrência de um

regular procedimento, deverá proferir decisões imparciais e justas.

Decorrem, ainda, do princípio do devido processo legal (inciso LIV do artigo

5º da CF), que conforme evidenciado, como garantia tem em mira fundamentalmente o

processo penal, tendendo a proteger o indivíduo em sua liberdade. E por isso, nos

processos administrativos punitivos, não há como afastá-los, pois visam a proteção dos

acusados em geral.

221 Sanções administrativas e princípios de direito penal. RDA, nº 219, jan./mar. 2000, p. 128 e 130. Ensina o jurista que a incidência de postulados criminais à apuração de responsabilidade administrativa não é privilégio de nosso país, citando o direito hispânico, que equipara os delitos das infrações administrativas e exige tipificação prévia, bem como a incidência de princípios da ordem penal ao direito administrativo sancionador, por força de entendimento do Tribunal Supremo. Dentre outras, cita a Sentença 1.397, de 27 de fevereiro de 1991, que explicitou alguns dos princípios incidentes, com destaque para a antijuridicidade, tipicidade, imputabilidade, culpabilidade e punibilidade.

167

O Supremo Tribunal Federal já admitiu a proximidade do processo judicial

com o administrativo no exercício do ius puniendi estatal, conforme se depreende do

voto do Relator, Ministro Celso de Melo, no MS 20.994, que foi acolhido à unanimidade

pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a consagração, na Constituição Federal, do

contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV) implicou o reconhecimento, no âmbito do

processo administrativo disciplinar, de clara limitação aos poderes da Administração,

em contrapartida à crescente intensificação do grau de proteção jurisdicional

dispensada aos direitos dos agentes públicos. Considerando-se que a concreção da

responsabilidade criminal é privativa do Judiciário, a aproximação do processo

administrativo frente ao judicial é traduzível, pelo menos no plano formal, pela implícita

constatação de que os parâmetros aplicáveis ao ius puniendi, no tocante aos crimes ou

delitos, são extensíveis, na medida do possível, à responsabilização pela prática de

infrações administrativas.222

Sem a pretensão de esgotar o assunto no que se refere à indicação dos

princípios, mas apenas na expectativa de identificar e arrolar aqueles que nos parecem

indispensáveis para as garantias retrocitadas, também esclarecemos que, com exceção

do princípio da legalidade, que recebeu tratamento apartado no capítulo II em face de

sua relevância no desenvolvimento dos aspectos polêmicos travados no decorrer deste

trabalho, os demais serão citados com meras referências sem o compromisso de

esgotar seus conteúdos.223

Iniciemos lembrando que são inafastáveis os princípios decorrentes do

devido processo legal, com a observação de que apenas diante das situações

concretas é que será possível a constatação de que o princípio do “due process of law”

foi efetivamente observado, sendo, portanto, tais princípios meramente indicativos.

222 MS 20.999. RDA 179-180, p. 117-123. 223 A relevância a que nos referimos não significa em hipótese alguma o estabelecimento de alguma hierarquia ou grau de importância entre os princípios arrolados. É que, como se verá, o conteúdo do princípio da legalidade assume especial relevância em face das discussões que introduziremos mais à frente, sobre sua extensão em matéria sancionatória administrativa.

168

Sobre o princípio do devido processo legal, consignamos a observação de

Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari no minucioso estudo monográfico sobre o

processo administrativo, no sentido de que referido princípio não pertence ao âmbito

interno do processo administrativo, mas o antecede, sendo seu principal fator

determinante.

Explicam os referidos autores que todos os princípios indicados como

incidentes no processo administrativo estão nele embutidos e destacando a pouca

importância que boa parte da doutrina e membros do Poder Judiciário dão a eles, e

também a dificuldade que o intérprete tem de extrair todo o riquíssimo conteúdo do

princípio do devido processo, assinalam ser conveniente analisar aqueles que pareçam

de maior aplicabilidade ou utilidade prática para a solução dos problemas que surgem

em matéria de processo administrativo.224

Outra importante observação é a de que muitos princípios que arrolaremos

abrigam outros, como própria decorrência de sua aplicação. Nessas situações

procuraremos, sempre que possível, tratá-los conjuntamente. Tais princípios, como

observa Héctor Escola, não se excluem, pelo contrário, devem ser reunidos para uma

aplicação harmônica, resultando em um procedimento eficaz e simples, e que ao

mesmo tempo respeite os interesses e direitos dos administrados.225

Por fim, como derradeira observação, invocando lição de Carlos Roberto

Siqueira Castro, consignamos haver uma importante garantia do processo penal, ínsita

ao postulado do “due process of law”, que assegura a presunção de inocente aos

224 Segundo os autores, “a garantia do devido processo legal já compreende uma série de direitos, deveres e responsabilidades, conforme muito bem observou o então professor e agora Ministro Celso Mello (Constituição Federal anotada, p. 341), dizendo ele, em síntese, que visa a ‘garantir a pessoa contra a ação arbitrária do estado e a colocá-la sob a imediata proteção da lei’, abrangendo, entre outros, ‘os seguintes direitos: (a) direito à citação e ao conhecimento de teor da peça acusatória; (b) direito a um rápido e público julgamento; (c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação destas para o comparecimento perante os Tribunais; (d) direito ao procedimento contraditório; (e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis editadas ex post facto; (f) direito à plena igualdade com a acusação; (g) direito de não ser usado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas ou ilegitimamente produzidas; (h) (sic) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; (i) privilégio contra a auto-incriminação; (j) direito de não ser subtraído ao seu juiz natural” (Op. cit., p. 51-52). 225 Tratado general del processo administrativo. Buenos Aires: Depalma, p.149.

169

acusados até que sobrevenha a condenação definitiva com o trânsito em julgado, a

qual, a nosso ver, também deve ser observada no âmbito do processo administrativo

sancionatório, no caso, até que se ultime o procedimento e ocorra a preclusão

administrativa, pois, como dissemos anteriormente, existem infrações e sanções delas

decorrentes muito mais severas que ações tipificadas como crimes.

Trata-se da presunção de inocência, que embora não mencionada

expressamente até a nossa Constituição de 1988, já estava consagrada na Declaração

de Direitos adotada pela ONU em 1948, cujo art. 11 enuncia o seguinte:

Toda pessoa acusada de prática de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, no curso do processo público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Diz Carlos Roberto Siqueira Castro que, conquanto tal previsão somente

tenha integrado nosso ordenamento constitucional em 1988, consubstanciada no inciso

LVII do artigo 5º, a presunção de inocência já era ampla e expressamente aceita por

nossos Tribunais, como consectário lógico do princípio do devido processo legal.226

Na seqüência, iniciaremos pelos princípios gerais do processo administrativo

de segundo grau ou em sentido estrito, para, ao final, tratarmos dos princípios

incidentes especificamente nos processos sancionatórios.

Princípios da legalidade, da igualdade, da impessoalidade e da finalidade.

Além da previsão constitucional insculpida no inciso II do artigo 5º, o

princípio da legalidade, inerente ao Estado de Direito, encontra importante referência

na Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99), no caput do seu artigo 2º,

que arrola os princípios de observância obrigatória pela Administração Pública.

226 Estabelece o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal brasileira: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. In: O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 287-291.

170

Como já mencionamos, o princípio da legalidade foi objeto de atenção

específica no Capítulo II deste trabalho, pois é componente indissociável da

competência sancionatória, de forma que nessa oportunidade bastará destacar a sua

relevância para o tema, no sentido de que assegura genericamente que a ninguém será

imposta obrigação de fazer ou não fazer, sem prévia cominação legal, ou seja, que o

Estado, no exercício de qualquer de suas funções, só poderá agir debaixo da lei e em

busca de suas finalidades.

Significa, segundo afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, que o Poder

Público só poderá expedir regulamentos, decretos e atos que coartem a liberdade dos

administrados, se existir prévia autorização legal.227

Importa relembrar, invocando lição do saudoso e sempre atual jurista

Geraldo Ataliba, que no exercício da competência legislativa também não há plena

liberdade do legislador, visto que os representantes do povo, verdadeiro detentor do

poder, quando decidem de modo inaugural, genérico e abstrato as diretrizes para a

atuação do Estado, estarão presos à vontade do constituinte. São suas palavras:

(...) daí o especial significado que assume, entre nós, o princípio da legalidade, como expressão primeira da representatividade. Na sua conformidade, toda ação estatal subordina-se à lei e desta depende. Toda ação pública tem por base e limite a lei.228

Trata-se, portanto, de garantia dos indivíduos contra a arbitrariedade e abuso

do poder, sendo fator de estabilidade das relações entre estes e o Estado.

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta, além do inciso II do artigo 5º, outras

fontes constitucionais do princípio da legalidade, como o artigo 37, caput, e o artigo 84,

IV, que, segundo o ilustre jurista, atribuem ao princípio da legalidade compostura muito

227 Curso de direito administrativo., p. 100. 228 República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 153-154.

171

estrita e rigorosa, “não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus

grilhões”.229

O princípio da legalidade não se esgota em si mesmo, sendo meio de

implementação de muitos outros princípios, mas seguindo o entendimento esposado

por Alberto Martins, destacamos o da isonomia, haja vista que a lei é o meio mais

eficaz de sua implementação. Diz o autor: “(...) isto porque, a última razão de ter-se

obrigado a Administração a agir segundo a lei foi a clara e nobre intenção republicana

de igualar os Homens, dando a cada um o que é seu”.230

Nesse sentido, indispensável invocar novamente as sábias ponderações de

Celso Antônio Bandeira de Mello, que ao abordar o princípio da legalidade consignou

que quando o Estado está submetido a um quadro normativo, concretizado mediante

normas gerais e abstratas, e por isso mesmo impessoais, está sujeito a ações que

afastam favoritismos, perseguições ou desmandos, apontando para a implementação

do princípio da isonomia e também, como se denota de sua lição, ao da

impessoalidade. Para o jurista, o princípio da impessoalidade é o próprio princípio da

igualdade ou isonomia 231. São suas palavras: “O princípio da legalidade contrapõe-se,

portanto, visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos

governantes.”232

A Constituição Federal de 1988 introduziu o princípio da impessoalidade - que surgiu pela primeira vez com essa denominação - explicitamente no caput do artigo

229 Segundo o mesmo autor há situações excepcionais em que a Carta Magna afasta a incidência do princípio da legalidade e faculta que o Presidente da República enfrente situações anômalas, que exigem uma atuação ágil. É o caso das medidas provisórias (art. 62, parágrafo único); decretação do Estado de Defesa (art. 136) e do Estado de Sítio (arts. 137 a 139). In: Curso de direito administrativo. 22ª ed., Op. cit., p. 99 e p. 103. 230 Os princípios do processo sancionatório na Lei paulista 10.177/98. In: MUÑOZ Guilhermo Andrés & SUNDFELD, Carlos Ari (coords.). As leis de processo administrativo: Lei federal 9.784/99 e Lei paulista 10.177/98. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 175. 231Op. cit., p. 110. 232 Ibidem, p. 97.

172

37. Embora esse não apareça de forma expressa na Lei Federal de Processo

Administrativo (Lei nº 9.784/99), está implicitamente nela contido.233

Esse é o posicionamento adotado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao

apontar que quando a Lei Federal exige, no artigo 2º, parágrafo único, inciso III,

“objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de

agentes ou autoridades”, está aquele princípio se referindo, e o faz nos dois sentidos

que sua leitura admite, em relação aos administrados ou em relação à própria

Administração.234

A doutrina apresenta posições diferenciadas quanto ao conteúdo do princípio

da impessoalidade, sobretudo no que diz respeito a confundir-se com o princípio da

isonomia previsto no caput do artigo 5º da Carta Magna. Lúcia Valle Figueiredo, por

exemplo, assinala que apenas numa primeira leitura poder-se-ia concluir que o princípio

da impessoalidade consubstancia-se no da igualdade, mas que não é assim, e que

embora estejam próximos não se confundem. Afirma que a impessoalidade pode levar

à igualdade, mas com ela não se confunde235.

Em brevíssimas palavras, o princípio da igualdade abriga o tratamento

isonômico dos envolvidos, de modo que o administrador deverá agir segundo regra

objetiva e previamente estabelecida, em todas as situações. É a igualdade entre as

partes, admitindo-se certas “desigualações”, quando coerentes e justificadas. Assim,

situações diferenciadas podem ser estabelecidas, desde que decorram de igualdades

233 Podemos ainda encontrar outras referências constitucionais a esses princípios no art. 37, inciso XXI (licitação) e inciso II (concurso público). 234 Segundo a autora, referido princípio dá margens a diferentes interpretações, pois quando se exige impessoalidade da Administração, tal atributo pode se dar em relação aos administrados ou em relação à própria Administração. No primeiro sentido, estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear a atividade administrativa, que não pode atuar beneficiando ou prejudicando determinadas pessoas, e no segundo sentido, significa que os atos da Administração não são do funcionário que os pratica, mas do órgão ou entidade administrativa da Administração Pública. Cita José Afonso da Silva, ao dizer que “as realizações governamentais não são do funcionário ou da autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as produzira”. No que tange à Lei Federal de Processo Administrativo, lembra ainda que, nos artigos 18 a 21, que estabelecem normas sobre impedimento e suspeição, está a lei se referindo ao princípio da impessoalidade. In: Direito administrativo. 14ª ed. p. 71. 235 Curso de direito administrativo. 8ª ed. rev., ampl. e atual., p. 63.

173

ou desigualdades existentes e que o estabelecimento das diferenciações seja

devidamente demonstrado.236

A ilustre professora Lúcia Valle Figueiredo afirma que o princípio da

igualdade é um limite ao legislador e ao aplicador da lei, juiz ou administrador, pois

estes não são livres e devem respeitar os princípios constitucionais. Nessa medida, traz

à baila a relevantíssima diferenciação entre a igualdade na lei e perante a lei. A

igualdade na lei seria a aplicação do princípio sem discriminações, no momento de

aplicar a lei. A igualdade perante a lei é a garantia de que a lei a ser aplicada preservou

os princípios constitucionais e os direitos e garantias dos indivíduos.237

Ainda incluiremos outro princípio nesse primeiro “bloco” e assim o estamos

fazendo apenas por uma questão de sistematização, pois, como já dissemos, os

princípios terminam por se desdobrar em outros que os complementam ou que

contribuem para a sua implementação. Aqui, agrupamos os princípios que identificamos

como implementadores do princípio da legalidade e, a seguir, inseriremos o princípio da

finalidade, diante de sua estreita proximidade com a legalidade. Assim é que o

consagrado mestre Celso Antônio Bandeira de Mello considera que a finalidade

236 A respeito do conteúdo do princípio da igualdade, citamos algumas passagens do voto do brilhante Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.330-1 –DF: “O substantivo ‘igualdade’ mesmo significando qualidade das coisas iguais (e, portanto, qualidade das coisas idênticas, indiferenciadas, colocadas no mesmo plano ou situadas no mesmo nível de importância), é valor que tem no combate aos fatores de desigualdade o seu modo próprio de realização. Quero dizer: não há outro modo de concretizar o valor constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. O desvalor da desigualdade a proceder e justificar a imposição do valor da igualdade”. E mais à frente: “Nessa vertente de idéias, anoto que a desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se trata de uma discrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade. Isso, lógico, debaixo do primacial juízo de que a desejada igualdade entre as partes é quase sempre obtida pelo gerenciamento do entrechoque de desigualdades (uma factual e outra jurídica, esta última a contrabalançar o peso da primeira). Com isso se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Ruy Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais, sim, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se desigualem”. Recomendamos também a leitura da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo jurídico do Princípio da Igualdade. 237 Op. Cit., p. 48-49.

174

encarta-se no princípio da legalidade, uma vez que compreender o objetivo da lei é

condição para entendê-la.238

Tem o princípio da finalidade papel importantíssimo para manter o

administrador circunscrito ao que pretendeu a previsão normativa ao lhe conferir

competência. As competências são instrumentos colocados apenas para que o agente

público atinja as finalidades da lei, ou seja, desempenhe a função administrativa apenas

para atingir as finalidades buscadas pela lei, que sempre são o interesse público

primário, e não o interesse da Administração e, menos ainda, do administrador.

Não é por outra razão que Celso Antônio Bandeira de Mello o coloca como

encartado na legalidade. Por óbvio que não basta a mera previsão legal, mas, como

afirmam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “é preciso examinar, também, à luz das

circunstâncias do caso concreto, se o ato em exame atendeu ou concorreu para o

atendimento do específico interesse público almejado pela previsão normativa

genérica”.239

O princípio da finalidade não está expresso na Carta Magna, tratando-se de

princípio implícito. Sem afastar a relevância que assume em qualquer questão, veremos

que em matéria sancionatória o princípio da finalidade atinge fundamental e

inquestionável importância.

No plano infraconstitucional, está expressamente disposto dentre os

arrolados no artigo 2°, caput, da lei federal de processo. A lei estadual paulista, além de

inserí-lo dentre os princípios arrolados no artigo 4º, foi além, expressando no artigo 5º o

conteúdo já explorado pela doutrina. Assim, essa lei, dirigindo-se ao intérprete e ao

aplicador da norma administrativa, impõe que: “a norma administrativa deve ser 238 O tema é abordado pelo jurista da seguinte forma: “não se compreende uma lei, não se entende uma norma, sem entender qual o seu objetivo Donde, também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de sintonia com o escopo por ela visado. Implementar uma regra de Direito não é homenagear exteriormente sua dicção, mas dar satisfação a seus propósitos. Logo, só se cumpre a legalidade quando se atende à sua finalidade. Atividade administrativa desencontrada com fim legal é inválida e por isso judicialmente censurável”. In: Curso de direito administrativo, p. 74. 239 Op. cit., p. 58.

175

interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público que se

dirige”.

Como já comentado, o princípio da finalidade assume especial relevância em

tema de atuação punitiva do Estado, sendo um dos aspectos que os doutrinadores

apontam para diferenciar as penas e as infrações administrativas. Muitos doutrinadores

fixam na finalidade da punição a diferenciação ente sanção penal e administrativa,

como veremos mais adiante.

Carlos Ari Sundfeld adverte para a importância do estudo do princípio da

finalidade no tema de sanção administrativa, dizendo o seguinte: “tem grande

importância, ao estudar-se a sanção administrativa em conexão com o procedimento

que a deve anteceder, atentar para sua finalidade”. Segundo ele, é sempre a de impor

uma conseqüência desfavorável ao infrator, para castigá-lo, quando assume tom

didático, seja para permitir sua recuperação, seja para ressarcir o lesado do prejuízo

que lhe foi causado240. As sanções devem levar sempre em consideração o objetivo

principal para o qual foram instituídas.

Assim também entende Alberto Martins, que, referindo-se aos princípios do

processo administrativo aplicáveis ao processo sancionatório, indica o da finalidade,

com a seguinte observação: “sua aplicação ao Processo Sancionatório é de grande

importância e faz com que a Administração fique impedida de agir com desatenção à

finalidade legal, o que não raro ocorre”.241

Princípios do contraditório e da ampla defesa e seus corolários

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, vazados nos termos

estabelecidos no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, como já vimos, são

240A defesa nas sanções administrativas. Revista Forense, v. 298, Abr./Maio/Jun. 1987, p. 100. 241Op. cit., p. 181.

176

inerentes ao devido processo legal e têm como corolários vários outros princípios que

deverão incidir para que efetivamente restem observados.

O princípio do contraditório é visto como condição essencial para a garantia

de uma decisão justa em face do conteúdo substancial do devido processo legal, à

medida que para sua observância não basta um procedimento encadeado e seqüencial

de atos voltados a um resultado final, sendo necessário, sim, um processo que

assegure todas as garantias do contraditório, que engloba a produção de provas com a

efetiva participação das partes envolvidas e a ampla defesa, além de um julgamento

realizado por juiz imparcial, mediante procedimentos previamente estabelecidos que

assegurem tratamento isonômico aos envolvidos e eventualmente atingidos pelo ato.

Embora o contraditório e a ampla defesa não se confundam, é comum

encontrarmos, na doutrina e também nas referências jurisprudenciais relacionadas às

garantias dos sujeitos no desenvolvimento do processo em que haja acusados ou

litigantes, menção a ambos, sem maior preocupação no estabelecimento do conteúdo

de cada um de forma absolutamente apartada, uma vez que se complementam.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio do contraditório supõe o

conhecimento dos atos processuais pelo acusado e seu direito de resposta ou de

reação, sendo inerente ao direito de defesa e decorrente da bilateralidade do processo,

à medida que, quando uma parte alega uma coisa, há de ser ouvida também a outra,

dando-se-lhe oportunidade de resposta.242

No mesmo sentido é o entendimento de Carlos Roberto Siqueira Castro, ao

afirmar que o princípio do contraditório desdobra-se na existência da informação e na

possibilidade de reação.243

242 Direito administrativo, p. 412. 243 Op. cit., p. 293.

177

Assim, acreditamos que na informação estará implícita a necessidade da

ciência efetiva de tudo o que se passa no processo, ao passo que na reação estará

compreendida a interferência direta do administrado na produção das provas

necessárias a sua defesa. Na reação surgem os elementos configuradores da ampla

defesa, quando incidirão os princípios indispensáveis a sua garantia. Com isso

queremos afirmar que a prévia e integral ciência aos envolvidos e atingidos, bem como

a possibilidade de reagir, é conteúdo do princípio do contraditório, e na reação, no seu

efetivo exercício, estará o conteúdo da ampla defesa.

Desse modo, a ampla defesa seria desdobramento, conseqüência lógica do

contraditório, que por sua vez deve ser entendido como a interferência ampla na defesa

e produção da prova.

Egon Bockmann Moreira tratou de forma bastante aprofundada do conteúdo

dos princípios do contraditório e da ampla defesa, dedicando capítulo específico para

um deles, razão pela qual recomendamos a leitura de sua obra para maior

aprofundamento sobre o tema. Em linhas gerais, todavia, seu entendimento não destoa

daquilo que até aqui foi dito, no sentido de que o contraditório “significa a participação

do administrado na integralidade do processo administrativo, no exercício do direito de

influenciar ativamente a decisão a ser proferida”. Para o jurista, o contraditório vai além

da mera garantia formal da cientificação de tudo o que se passa no processo às partes

e aos interessados, envolvendo também seus desdobramentos substanciais, ou seja, a

garantia de que se alcancem resultados concretos a partir da participação dos

interessados.244

Com relação à ampla defesa, diz o autor tratar-se de “garantia de poder

defender-se e articular suas razões, garantia de que essas razões serão apreciadas e

levadas em conta, garantia de um processo legítimo e garantia do respeito a um Estado

Democrático de Direito.”245

244 Processo administrativo – princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999, p. 276-277. 245 Ibidem, p. 298.

178

Via de regra, para que se considere observado o princípio, a defesa deve ser

prévia e para que seja efetivamente assegurada os prazos devem ser exeqüíveis,

devem ser compatíveis e proporcionais ao grau de dificuldade do caso concreto, a fim

de que se possibilite a adoção das providências necessárias para o cumprimento do

devido processo legal em sentido material, pois a mera observância do prazo legal

pode apenas garantir o devido processo em sua dimensão formal, já que, diante do

caso concreto, este pode ser insuficiente e, portanto, não cumprir sua finalidade.

No princípio da ampla defesa também está inserido o direito de recorrer e

isso em decorrência dos próprios dispositivos constitucionais consubstanciados nos

incisos LIV e LV do artigo 5º da Lei Fundamental brasileira. Mas a Lei Federal de

Processo Administrativo, Lei nº 9.784/99, ao tratar dos recursos em seu Capítulo XV,

inclui expressamente o direito à interposição de recursos no conteúdo da ampla

defesa.246

Conforme se concluiu dos ensinamentos doutrinários, decorrerão do

contraditório e da ampla defesa os seguintes princípios:

Direito de audiência dos interessados, que, segundo entendimento de

Héctor Escola, constitui-se, em essência, na possibilidade de ser ouvido no curso do

procedimento administrativo, tendo a possibilidade de fazer escutar as razões e

alegações no momento oportuno, tendo como único limite o decoro e a boa ordem do

procedimento.

De acordo com o jurista argentino, para que se cumpra o princípio da

audiência do interessado, não basta a mera formalidade da notificação, devendo

ocorrer a efetiva possibilidade de o administrado ser ouvido, o que inclui a oportunidade

246 Celso Antônio Bandeira de Mello diz que os dispositivos consubstanciados nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal consagram “a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a propriedade, de quem quer que seja e a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito de recorrer das decisões tomadas” . In: Curso de direito administrativo.

179

de conhecer todos os elementos do procedimento, seu caráter e finalidade, devendo

ainda as informações ser leais.247

Como se denota, a garantia não se resume a uma única manifestação,

requerendo a oportunidade de o interessado se manifestar durante todo o

desenvolvimento do processo e com livre acesso ao expediente administrativo, o que

significa que lhe devem ser franqueadas vistas do processo, de modo que as

informações, ainda que declaradas reservadas, confidenciais ou secretas, não lhe

poderão ser ocultadas, e nesses casos deverá ser exigida a observância das

precauções e cuidados necessários à segurança das informações sigilosas.

Correlato a esses direitos está o direito à representação ou direito de ser

assistido por pessoa capaz. Trata-se de assessoramento profissional técnico

qualificado, não somente quando o administrado esteja impossibilitado de se defender

pessoalmente, mas quando considerar adequada a representação, por qualquer outro

motivo, como, por exemplo, a necessidade de apurações técnicas que demandem a

realização de perícia.248

Lúcia Valle Figueiredo, denominando-o de defesa técnica, afirma que o

direito está ínsito no direito de ampla defesa inserido no processo penal, uma vez que

sempre que houver “acusação” (processo sancionatório ou disciplinar), se a parte não

se defender por meio de advogado, deverá ser nomeado defensor. Se não houve

constituição de defesa, seja por revelia ou por vontade da parte, a nomeação de

defensor dativo é obrigatória, sob pena de nulidade, tal qual ocorre no processo

penal.249

247 Nessa senda, informa que a Corte Suprema de Justiça argentina tem entendimento no sentido de que: “la audiencia del interesado supone la leal información del mismo de la existencia de la cuestión que le incumbe, porque lo que la garantía constitucional tutela no es la mera formalidad de la citación de los litigantes, sino la posibilidad de su efectiva participación útil en el litigio”.Op. cit., p. 145. 248 No processo tributário, o Decreto 70.235/72, alterado pela Lei n.º 8.748/93, prevê a figura do perito do sujeito passivo em seu artigo 18, parágrafo 1.º. Não se aplica, porém, somente ao processo tributário. 249 Op. cit., p. 452.

180

Para Jesus Gonzalez Salinas, a prova no processo administrativo serve de

contrabalanço à prerrogativa da Administração, já que esta funciona como juiz e

parte.250

Diz Héctor Escola que para que a defesa seja completa não basta ser

ouvido, devendo ser reconhecida ao interessado a possibilidade de produzir provas e

efetivamente produzí-las antes da decisão que colocará fim ao procedimento. Assim, o

efetivo contraditório inclui o direito à produção das provas necessárias à demonstração

do direito.

O renomado autor cita Gordillo, para quem o direito de oferecer e produzir provas compreende: (a) que toda prova razoável seja produzida, devendo a decisão de

não a aceitar ser feita com extrema cautela e razoabilidade; (b) que as provas sejam

produzidas antes da decisão; e (c) possibilidade de controle da produção das provas

pelo administrado, não só com referência às produzidas por ele, mas às que a própria

Administração tenha feito, ou mesmo outra parte envolvida. 251

Como se constata, é possível que o administrador indefira a produção de

prova requerida pela parte, desde que demonstre que as provas são impertinentes,

procrastinatórias ou tenham por finalidade tumultuar o processo. Também estão

vedadas as provas ilícitas.252

250 Em relação ao procedimento sancionatório, o jurista argentino cita a lei de processo administrativo argentina, que dispõe em seu artigo 136 o seguinte: “El instructor ordenará la práctica de cuantas pruebas y actuaciones conduzcan al esclarecimiento de los hechos y a determinar las responsabilidades susceptibles de sanción”. In: Procedimiento administrativo. Universidad Del Norte Santo Tomas de Aquino – Católica de Tucuman. Argentina: UNSTA, 1982, p. 138. 251 Op. Cit., p. 147. 252 A Lei n.º 9.784/99, em seu artigo 30, veda expressamente a utilização de provas obtidas de maneira ilícita. A professora Lúcia Valle Figueiredo informa, em sua obra Curso de Direito Administrativo, que no caso de gravação de conversas a jurisprudência tem aceitado a prova quando aquele que pretende utilizá-la tenha participado, caso contrário deve ser recusada. Quanto à escuta telefônica como prova utilizável, a jurista cita acórdão do STF, proferido nos autos do HC 69.912-0-RS, Rel Min Sepúlveda Pertence, no sentido de que deve haver autorização legislativa, até agora não editada, indicando as hipóteses e formas admitidas.a fim de que o juiz possa, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição Federal, autorizar a interceptação de comunicação para fins de investigação. (Op. cit., p. 449-450).

181

O direito à notificação do interessado inclui, certamente, a notificação do

teor da decisão, a partir da qual surge o direito de recorrer ou o direito ao duplo grau,

inerente ao contraditório e à ampla defesa.

Trata-se do direito ao reexame da matéria, o que engloba a possibilidade da

revisão da decisão, pela mesma autoridade (reconsideração), ou por autoridade

hierarquicamente superior (revisão). Assim, conforme asseveram García de Enterría e

Tomás Ramón Fernandez, os recursos administrativos têm como nota característica a

finalidade impugnatória dos atos e disposições preexistentes e são interpostos e

resolvidos perante a própria Administração, que reúne, neste caso, a dupla condição de

juiz e de parte.253

Celso Antônio Bandeira de Mello considera que o princípio da revisibilidade é

princípio geral de direito, além de embasar-se no direito de petição previsto no artigo 5º,

XXXIV, da Constituição Federal. Ademais, considera estar ele implícito na estrutura

hierarquizada da Administração Pública.254

Na mesma linha é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que o

denomina de princípio da pluralidade de instâncias decorrente do poder de autotutela

da Administração e que lhe permite rever seus próprios atos quando ilegais,

inconvenientes ou inoportunos, existindo tantas instâncias administrativas quantas

forem as autoridades com atribuições superpostas na estrutura hierárquica. Assim, o

administrado que se sentir lesado pode interpor recursos hierárquicos até chegar à

autoridade máxima da organização administrativa. 255

Isso sem prejuízo da inafastável viabilidade da revisão dos atos pelo Poder

Judiciário, conforme garantia insculpida no inciso XXXV do art 5º da Constituição

253 Curso de derecho administrativo,.p. 416-417. 254 Curso de Direito Administrativo. 22 ed., p. 487. 255 Op. cit., p. 515-516.

182

Federal, direito que decorre do devido processo legal, como já destacamos no início

deste capítulo.256

Todavia, embora a revisibilidade pelo Poder Judiciário seja garantia

inafastável, concordamos plenamente com Lúcia Valle Figueiredo, quando observa que

remeter o administrado a via mais onerosa, quando a questão pode ser resolvida pela

via administrativa, afronta os princípios do informalismo a favor do administrado, da

verdade material, economia processual e gratuidade.257

Princípio da motivação

Em texto publicado sob o título “Processo Administrativo e Constituição de

1988”, o professor da Universidade Católica carioca, Sérgio Ferraz, lamenta que, por

ocasião da elaboração do artigo 37 da Carta Magna, restou amesquinhada sua

redação, com a supressão dos princípios da motivação e da proporcionalidade. Não

obstante, constata o ilustre jurista que os processos administrativos hão de ser

motivados, não só por simetria e aplicação analógica ao que a Constituição dispôs para

o ato judicial no inciso IX do artigo 93, mas, sobretudo e diretamente, em razão da

garantia de ampla defesa insculpida no inciso LV do artigo 5º:

(...) somente realizável, na sua inteireza, se declarada e conhecida a motivação do agir administrativo (através do desvendamento da motivação fazendo-se, ao mesmo tempo, cristalina e pública a proporcionalidade da atuação da Administração Pública.258

Na mesma linha de raciocínio, a professora Lúcia Valle Figueiredo afirma que

o fundamento constitucional do princípio da motivação está albergado no inciso X do

artigo 93 da Carta Magna, que obriga sejam as decisões administrativas do Judiciário 256 O esgotamento da via administrativa, como condição para que se recorra às vias judiciais, depende do estabelecido no ordenamento de cada país. No Brasil, não se exige o exaurimento da via administrativa para que o administrado possa se valer da via judicial. Na Espanha, por exemplo, o esgotamento administrativo é obrigatório. Já na França, trata-se de mera opção do administrado. (ENTERRÍA, García de. Op. cit., p. 418-419) 257 Op. cit., p. 451. Sobre o assunto, recomendamos a leitura do texto “Recursos no processo administrativo”, de autoria de Cássio Scarpinella Bueno, constante da sua obra As leis de processo administrativo – Lei Federal nº 9.784/99 e Lei paulista nº 10.177/98 (São Paulo: Malheiros, 2000), em que o autor, às p. 187-226, analisa o tratamento dado aos recursos pelas leis federal e estadual paulista de processo administrativo. 258RTDP, nº 1, 1993, p. 86-87.

183

motivadas, já que, se o Judiciário, no exercício de sua função atípica, está obrigado a

motivar seus atos, não haveria razão para estar o administrador isento da mesma

obrigação. 259

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta ainda vários outros dispositivos

constitucionais em que estaria albergado o princípio da motivação, voltados à

valorização da cidadania e à soberania popular (artigo 1º, incisos I e II, e parágrafo

único), às garantias constitucionais relativas ao direito de informação sobre dados e

registros administrativos (artigo 5º, XXXIII, XXXIV, “b”, e LXXII), no dever administrativo

de publicidade (artigo 37, caput), e por fim, por aplicação analógica ao disposto no

artigo 93, incisos IX e X, da Carta Magna. Explica o ilustre mestre que tais dispositivos

demonstram haver um projeto constitucional que assegura a transparência da

Administração, no sentido de que está assegurado ao administrado não somente saber

o que a Administração faz, mas também por que o faz.260

O conteúdo do princípio é a exposição administrativa, ainda que sucinta, das

razões que levaram à prática do ato, a explicitação das circunstâncias de fato que,

ajustadas às hipóteses normativas, determinaram a sua prática.

Explica Lúcia Valle Figueiredo que não se trata de mera alusão a dispositivos

legais, pois isto não serve para justificar a prática do ato, de forma que faz

esclarecedora distinção entre a motivação e a fundamentação do ato. A alusão aos

dispositivos legais seria fundamentação, mas não motivação.261

Héctor Escola, por sua vez, referindo-se ao direito de uma decisão motivada

ao tratar do direito do administrado de ser ouvido, afirma ser dever geral da

Administração motivar seus atos. Para o jurista, na motivação da decisão devem estar

mencionadas as causas que a determinaram, como garantia da regularidade da

259Curso de direito administrativo, p. 52-53. 260Op. cit., p. 486. 261 Ibidem, p. 193-194.

184

atuação administrativa, entendendo, igualmente, tratar-se de eficaz meio de controle da

Administração.

Diz o referido autor que essa regra, de observância obrigatória pelo

administrador, se transforma para o administrado na prerrogativa de que, ao motivar o

ato, deva-se fazer menção às suas pretensões e alegações, aceitando-as total ou

parcialmente ou afastando-as mediante as devidas razões.262

Assim, as petições feitas pelos interessados devem ser objeto de

conhecimento e manifestação, resultando em obrigação de duas ordens para a

Administração: considerar os argumentos e razões do administrado, referindo-se a elas

por ocasião da decisão, e resolver expressamente, aceitando ou afastando as razões

alegadas.

O direito a uma decisão fundamentada, que conheceu e enfrentou as

manifestações introduzidas durante a instrução do processo, ou seja, a motivação das

decisões, é uma das formas mais eficazes de controle dos atos administrativos, pois, se

não explicitadas as razões condutoras do ato, não será viável aferir se este se manteve

dentro da competência administrativa e da razoabilidade.

O princípio está ainda expresso dentre o rol de princípios norteadores do

processo administrativo em âmbito federal, conforme o artigo 2º da Lei nº 9.784/99263.

Referida lei dedicou o Capítulo XII ao princípio da motivação e definiu no artigo 50, in

verbis: “Os atos administrativos deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e dos

fundamentos jurídicos”. Complementou, no § 1º desse dispositivo, que a motivação

deve ser explícita, clara e congruente. 264

262 Tratado general de processo administrativo, p. 148. 263 A lei de processo administrativo paulista, nº 10.177/98, também previu expressamente o princípio da motivação em seu artigo 4º, dentre os demais princípios regedores da atuação administrativa. 264 No entanto, a lei não adotou a corrente doutrinária segundo a qual todos os atos administrativos necessitam de motivação. Isto porque, no artigo 50 a lei arrola as situações em que o ato deverá ser motivado. Aparentemente, esse tratamento legal não é adequado, configurando restrição do âmbito de incidência do princípio, o que é intolerável, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, que aponta, por exemplo, não constar no rol os atos ampliativos de direito. Lúcia Valle Figueiredo lembra que a Administração não pode conceder a alguns o que nega a outros sem

185

A ausência, prévia ou concomitante, da motivação configura vício por si só

capaz de gerar a nulidade do ato praticado.

Princípio do juiz natural

O princípio do “juiz natural” ou “administrador competente” está previsto

nos incisos LIII e XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal. É o primeiro princípio a

ser citado por Lúcia Valle Figueiredo quando trata do procedimento administrativo,

como pertinente ao devido processo legal. Segundo a jurista, trata-se do juiz

competente para o feito, já designado pela norma, ou o administrador já com a

competência anteriormente estabelecida para o fato.265

Traduz-se como verdadeira garantia de um julgamento imparcial, vedando-se

a designação de administrador ad hoc ou órgão colegiado posteriormente à ocorrência

do fato. A competência deve preexistir ao fato, e não ser atribuída apenas para dada

situação.266

Se a existência de um Judiciário independente é requisito à qualificação do

Estado como de Direito, é elemento indispensável à configuração do devido processo

legal, ao lado da ampla defesa e do contraditório, que ele seja imparcial, ou seja, que

inexistam foros privilegiados e tribunais de exceção. Estão excluídas destas situações

as hipóteses de foro especial, pois, como observa o saudoso Geraldo Ataliba, trata-se

motivação. Constitucionalmente, a motivação se torna obrigatória em outras hipóteses, razão pela qual entendemos que o rol não pode ser tido como exaustivo, apesar de não ter dado qualquer indicação nesse sentido. Se for tido por exaustivo, estaremos diante de uma restrição inconstitucional. 265 Op. cit., p. 444. A Lei Federal nº 9.784/99 regulou o instituto da competência em seu Capítulo VI, em que procurou limitar as ações de avocação e de delegação, largamente utilizadas na Administração Pública, muitas vezes a ponto de desnaturar o administrador competente. 266 Lúcia Valle Figueiredo aponta as exceções relacionadas à mudança legal de competências para situações em geral, e não para situação específica ou para comissões que tenham de ser formadas para situações singulares (Cf.. Curso de direito administrativo. 8. ed., p. 444).

186

de hipóteses previstas na própria Constituição, que não se confundem com privilégio,

nem com exceção.267

Cássio Scarpinella Bueno destaca a relevância do princípio, sobretudo

quando analisado em seu contexto histórico de perseguições, a ponto de alguns juristas

identificá-lo como o único pressuposto processual de existência do processo, ou seja, o

único requisito que necessariamente deve estar presente para que se possa conceber a

atuação do Estado-juiz. Diz, ainda, que a doutrina não hesita em indicar o princípio da

imparcialidade como decorrência do princípio do juiz natural, ou como fator que o

complementa.268

A jurisdição é fixada pelas regras do instituto da competência, as quais

estabelecerão antecipadamente quais órgãos ou agentes investidos nos cargos serão

competentes para determinadas ações, sempre de forma anterior e abstrata. No âmbito

do processo administrativo não é diferente, e é por essa razão que Lúcia Valle

Figueiredo, como mencionado adrede, faz referência ao “administrador competente”

como aquele já competente antes da ocorrência do fato.

Princípio da publicidade

O princípio da publicidade está explicitamente previsto no caput do artigo

5º da Constituição Federal e também contemplado nos incisos XXXIII e XXXIV desse

mesmo dispositivo, relativos, respectivamente, ao direito de informação e de certidão.

Egon Bockmann Moreira indica ainda os incisos LX e LXXII do artigo 5°, o

caput e § 3°, II, do artigo 37, e o inciso IX do artigo 93, todos da Constituição Federal, 267 República e Constituição, p. 155. Ao tratar dos instrumentos e condições da República, Geraldo Ataliba cita Balladore Pallieri (Diritto Costituzionale, p. 85), dizendo: “Balladore Pallieri demonstra a impossibilidade de qualificar-se como estado de direito aquele onde o Poder judiciário não seja efetivamente imparcial, como aliás decorre da própria proposta contida na mitologia grega e traduzida ma imagem de Têmis, a Deusa da Justiça: uma mulher que segura a balança do direito de olhos vendados, exatamente para não saber a quem favorece ou a quem desagrada o movimento do peso da balança. Este é o símbolo máximo da imparcialidade que, desde as mais remotas eras, se desejou da magistratura judicial” (Op. cit., p. 88). 268 Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 115-117.

187

como dispositivos que dão magnitude ao princípio da publicidade, ampliado, segundo

ele, pela Carta Magna de forma jamais vista na história constitucional brasileira.269

Trata-se de princípio inerente ao Estado Democrático de Direito, sendo dever

da Administração manter plena transparência de seus atos e comportamentos,

considerando-se que exerce o poder em nome do povo, nada tendo a esconder dos

verdadeiros titulares do poder.

Ainda, acrescenta Egon Bockmann Moreira que a finalidade do princípio da

publicidade é levar a informação definida e precisa ao conhecimento dos interessados,

e, se restrita a divulgação tanto no que diz respeito ao seu conteúdo como em relação

às pessoas a serem alcançadas, não se poderá reputar como atendido o princípio.270

No âmbito do processo administrativo, o princípio possui inegável relevância,

à medida que a publicidade manterá informados os sujeitos afetados individualmente

pelo Estado. Nesse sentido, afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o princípio aplica-

se ao processo administrativo, por ser pública a atividade da Administração, de modo

que os processos que ela desenvolve devem estar abertos ao acesso dos interessados,

que seriam todos os que eventualmente tenham algum interesse atingido por ato

constante do processo, ou que atuem na defesa do interesse coletivo ou geral.271

Tem, portanto, o princípio da publicidade a função de tornar público o ato

administrativo, tornando-o oficial, e, por outro lado, a de cientificar os interessados dos

procedimentos instaurados que, de alguma forma, possam vir atingi-los.

A lei federal de processo prevê, no inciso V do artigo 2º, que os atos

administrativos devem ser oficialmente publicados, ressalvando as hipóteses de sigilo

estabelecidas na Carta Magna. Por óbvio que a divulgação estabelecida deve ser

realizada de forma a atingir o objetivo do princípio insculpido no caput do art. 37 da

269 Processo administrativo – princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999, p. 117. 270 Processo administrativo – princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999, p. 125. 271 Op. cit., p. 510.

188

Carta Magna, que é o de dar conhecimento, ciência, dos atos praticados pela

Administração, não só às partes e interessados, mas neste caso também a todos os

administrados.

A lei silencia acerca da declaração de sigilo, apesar de ressalvar as

situações previstas na Constituição, imprescindíveis para a segurança da sociedade e

do Estado.272

Todavia, ainda que o processo seja sigiloso, deve ser preservada a garantia

de pleno acesso do interessado e seus representantes legais, para preservação da

amplitude de defesa. Caso contrário, segundo Egon Bockmann Moreira, estaria sendo

afrontada a razoabilidade.273

Princípios da moralidade, da lealdade e da boa-fé

O princípio da moralidade foi constitucionalizado no caput do artigo 37 da

Constituição de 1988 como um dos princípios norteadores da atividade da

Administração Pública, e, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, assumiu foros de

pauta jurídica, de modo que sua violação implica ilicitude que sujeita a conduta viciada

à invalidação. De acordo com o renomado professor, compreendem-se em seu âmbito

os princípios da lealdade e da boa-fé, porque a Administração não deve agir de forma

astuta e maliciosa, mas sim com sinceridade, não confundindo ou dificultando o

exercício dos direitos por parte dos cidadãos.274

O princípio da moralidade busca fazer com que, no exercício da função

pública, os agentes ajam em conformidade com os princípios éticos. Seria o conjunto

das condutas administrativas realizadas em dada época, de acordo com o que a

sociedade deseja ou espera. Todavia, sabemos que o conceito de ética, cujo objeto de

272 Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, sobre o assunto, afirmam que quando a lei for omissa, somente poderá haver segredo de ordem lógica, ou seja, nas situações em que a prévia divulgação das ações a serem empreendidas pode torná-las inúteis, mas advertem que não se pode perder de vista de que a regra geral é a publicidade. 273 Op. cit., p. 124. 274 Op. cit., p. 115.

189

estudo é a moral, é bastante relativo e variável, de modo que a definição do conteúdo

do princípio da moralidade não é tarefa fácil.

Comenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro que alguns autores não aceitam a

existência desse princípio porque o conceito de moral administrativa é vago e

impreciso, ou que acaba por ser absorvido pelo princípio da legalidade. Assevera,

todavia, que a distinção entre moral e direito é antiga, sendo que a idéia de imoralidade

administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à idéia de desvio de poder. A imoralidade

estaria na intenção do agente, e por essa razão muitos entenderam que se reduzia a

uma das hipóteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, qual seja, a

ilegalidade quanto aos fins.

Contudo, conclui a renomada professora que, em face do direito positivo

brasileiro, a moralidade não se identifica com a legalidade, sendo princípios

autônomos.275

Igualmente, Weida Zancaner, discorrendo sobre os princípios da

razoabilidade e moralidade como essenciais à concreção e à persistência do Estado de

Direito, lembra que o princípio da moralidade, mesmo quando ainda não recepcionado

pelo direito positivo, não passou desapercebido pelos juristas, a exemplo de Hauriou e

seu discípulo Welter, que já o viam como obediência às regras da boa administração,

voltada à missão da Administração Pública, associada à idéia finalística do direito, ou

seja, às idéias de interesse público e de função, coincidindo, assim, com o princípio da

legalidade em sentido amplo.

Porém, pondera a jurista que a compreensão do princípio da moralidade

como princípio autônomo é mais consentânea com as idéias que embasam o Estado

Democrático de Direito, e ainda, que sua redução ao da legalidade “obstaculariza que o

275 Direito administrativo, p. 77-78.

190

perfil constitucional do Estado Democrático de Direito se concretize em sua

inteireza”.276

Egon Bockmann Moreira, acompanhando o conceito formulado por Marçal

Justen Filho277, entende que o conteúdo do princípio da moralidade não se exaure em

comandos concretos e definidos, não havendo possibilidade de definição apriorística da

moralidade, uma vez que o termo é, por excelência, aberto, fluido. Acrescenta, todavia,

que a adoção de definições fechadas limitaria o conceito que naturalmente é amplo e

implicaria prestígio à moral conservadora.278

E quanto a esse aspecto, invocamos novamente Weida Zancaner, que, ao

consignar tratar-se a moralidade de conceito de experiência e de valor, ou dos

denominados pela ciência jurídica como conceitos indeterminados, assevera que essa

situação não impede sua compreensão e tampouco sua aplicação, afirmando que tais

conceitos promovem a comunicação jurídica.

Afirmando que a moralidade, ao ser absorvida pelo direito posto, se espraia

por todo o sistema normativo, concorda a ilustre professora com o conceito oferecido

por Marçal Justen Filho, no sentido de que o princípio “contempla a determinação

jurídica da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis

segundo as circunstâncias de cada caso”. E em conclusão aduz que:

Esta posição, isto é, a compreensão do princípio da moralidade com um plus ao princípio da legalidade, inclusive enquanto autônomo em relação a este, é a aceitação de valores éticos e morais pelo sistema jurídico, valores que se espraiam por todo o sistema porque ajudaram a compor o perfil constitucional do estado adotado por uma determinada sociedade em uma determinada época. 279

276 Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do estado social e democrático de Direito. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (org.). Direito administrativo e constitucional: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 629. 277 “O princípio da moralidade é, por assim dizer, um princípio jurídico em ‘branco’, o que significa que seu conteúdo não se exaure em comandos concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no Direito legislado” (Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. O princípio da moralidade pública e o direito tributário. RTDP, nº 11, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 44-58). 278 Ibidem, p. 95. 279 Op. cit., p. 632.

191

Após tecer valiosas considerações históricas sobre a evolução do princípio

da moralidade, Lúcia Valle Figueiredo também distingue a moral administrativa da moral

comum. Transpondo para o mundo jurídico a acepção de morale retirada do

Vocabulaire Técnique et Critique de André Lalande, afirma que “o princípio da

moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração que,

em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os standards

comportamentais que a sociedade deseja e espera.”280

Marcio Cammarosano, em sua brilhante tese de doutorado apresentada à

Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, posteriormente

publicada, sem desconsiderar as dificuldades desde sempre existentes nas discussões

que envolvem o direito e a moral, propõe-se a desvendar o conteúdo do princípio da

moralidade em face dos preceitos constitucionais e, situando o estudo no plano da

ciência do direito – e, portanto, tendo por objeto do direito posto -, adverte já no início

de sua obra que o princípio da moralidade administrativa, em face do primado da

segurança jurídica e da relatividade da moral, não pode ser considerado como referido

direta e imediatamente à moral comum, mas sim ao próprio direito. Afirma que “é

moralidade jurídica”. 281

O renomado jurista não considera equivocadas as construções teóricas que

buscam um fundamento jurídico para conformar a atuação do administrador público a

determinados valores prevalecentes na sociedade, mas sim a suposição de que:

(...) o princípio da moralidade administrativa nos remete a uma ordem normativa superior, ou paralela, suplementar ou subsidiária à ordem jurídica posta; a uma ordem que ‘reflete ou condensa uma moral extraída do conteúdo da ética socialmente afirmada’, ou que possa se identificar com ideais de uma justiça absoluta; a uma ordem que permita superar, enfim, a distinção entre o Direito e a Moral.282

280 Curso de direito administrativo, p. 57. 281 O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa., p. 14 e 19. 282 Ibidem.

192

Assim, embora advirta que não se deva voltar as costas para as concepções

valorativas prevalecentes na sociedade em um dado momento histórico, conclui que o

princípio da moralidade remete à moralidade jurídica e não à comum. Trata-se de

conteúdo jurídico que incorpora no direito posto os valores que seleciona e

institucionaliza, valores esses consubstanciados em normas jurídicas que os expressam

em conceitos jurídicos indeterminados, retirados do mundo da cultura. Destarte,

reporta-se o princípio a valores albergados no sistema jurídico, “cuja intelecção e

aplicação não pode se dar fora desse mesmo sistema, ainda que permeável, pela

própria fluidez dos conceitos normativos, às concepções significativas prevalecentes em

dada sociedade e em dado momento histórico.”283

Marcelo Figueiredo, um dos juristas nacionais que tratou do tema de forma

pioneira, após informar em nota de rodapé não haver encontrado no “texto das

constituições do mundo ocidental contemporâneo qualquer alusão ao princípio da

moralidade tal como vazado na Constituição brasileira”284, aponta em sua obra

basicamente três fases no desenvolvimento do tema da moralidade administrativa:

como elemento interno da legalidade; com a tônica voltada ao controle do ato

administrativo, em que se constata a necessidade de verificação dos motivos e

finalidades consideradas pelo agente público, com apoio nas teorias dos motivos

determinantes e do desvio de poder; e a moralidade sob a perspectiva da ética, do

desejo de um governo honesto.285

A moralidade, como se constata da evolução das fases indicadas pelo citado

professor, difere da legalidade, porque nem tudo que é legal é honesto, encontrando-se

a moralidade administrativa vinculada à idéia de legitimidade, sendo composta de

regras da boa administração. Defende que há um substrato ético-moral que preside as

relações sociais, terreno em que o direito vai buscar os valores reinantes em dado

tempo e lugar.286

283 O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa, p. 74-75 e 82. 284 O controle da moralidade na Constituição, p. 16. 285 Ibidem, p. 86. 286 Ibidem, p. 19.

193

Por sua vez, Hely Lopes Meirelles, ao tratar dos princípios básicos da

Administração Pública, diz que além de atender à legalidade os atos do administrador

público também devem se conformar com a moralidade e a finalidade administrativas,

para que sua atuação seja legítima. Também seguindo a orientação no sentido de que

a moral administrativa não se confunde com a moral comum, aduz que aquela está

ligada ao conceito de bom administrador, sendo composta por regras de boa

administração, voltada à busca do bem comum e, nesse sentido, à idéia de função

administrativa.287

Independentemente das riquíssimas discussões que o princípio alberga, que

podem ser vislumbradas facilmente pela mera descrição do entendimento de alguns

estudiosos, em relação tanto ao seu conteúdo como à sua autonomia, é cediço em

nossa doutrina e jurisprudência que a observância da ética e do princípio da moralidade

na Administração Pública pode e deve ser imposta, existindo uma variedade de

instrumentos de controle. Um deles é a ação popular prevista no inciso LXXIII do artigo

5º da Constituição Federal, por meio da qual qualquer cidadão poderá requerer a

anulação de ato atentatório à moral administrativa.

A Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99) inseriu o princípio

da moralidade no caput do artigo 2º, dentre os demais a serem observados pela

Administração Pública na condução do processo administrativo, exigindo, no inciso IV

287 Analisando a teoria da moralidade administrativa, Hely Lopes Meirelles conclui que “constitui hoje em dia, pressupostos da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep. Art 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como ‘o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração’’”. Citando ainda doutrina de Hauriou, aduz que “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir entre o bem e o Mal, o honesto do desonesto. E ao atuar não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos – non omne quod licet honestum est. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum”. (Direito administrativo brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 79).

194

do parágrafo único do mesmo dispositivo, “atuação segundo padrões éticos de

probidade, decoro e boa-fé”.

Conforme acima consignado, entende Celso Antônio Bandeira de Mello que

se compreendem em seu âmbito os princípios da lealdade e da boa-fé. E nessa linha

também Maria Sylvia Zanella Di Pietro assinala que a Administração deve agir com boa-

fé, e que isto faz parte de sua moralidade.288

De igual forma, Lúcia Valle Figueiredo fala do princípio da boa-fé antes de

abordar a moralidade administrativa, por considerar a estrita simbiose existente entre

eles, de modo a considerar que a boa-fé está implícita no princípio da moralidade.

Indica estar o princípio agasalhado expressamente no artigo 231, § 6º, da Carta Magna,

e em diversas leis regedoras da atividade administrativa, como a de licitações,

concessões e permissões de serviços públicos, e em variadas passagens do Código

Civil.289

Assim é que os princípios da lealdade e da boa-fé aparecem na legislação

infraconstitucional no sentido de que deve a Administração agir de forma sincera, leal e

honesta, afastando-se comportamentos ardilosos e desleais.

Para Egon Bockman Moreira, o princípio da boa-fé baseia-se na confiança

no comportamento alheio, que tem os componentes da ética e da segurança jurídica,

no sentido de que a conduta administrativa deve guiar-se pela transparência,

estabilidade e previsibilidade. Afirma que “A boa-fé impõe a supressão de surpresas,

ardis ou armadilhas.”290

Segundo Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, trata-se de importante

instrumento para decisão sobre a manutenção de ato eivado de alguma irregularidade,

à medida que a boa-fé do particular envolvido deve ser levada em consideração, já que

288 Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 109. 289 Op. cit., p. 54. 290 Op. cit., p. 107.

195

sua intenção é relevante para o direito, “no tocante à decisão de validar ou invalidar um

ato, manter ou desconstituir uma situação jurídica, de aplicar ou não uma

penalidade.”291

Mas a boa-fé não está voltada apenas à Administração, devendo instruir o

comportamento de todos os envolvidos na relação processual, dispondo o artigo 4º da

lei federal de processo administrativo que os particulares devem “proceder com

lealdade, urbanidade e boa-fé” e “não de modo temerário”(incisos II e III). Está

relacionado com a boa-fé o dispositivo da lei que veda a produção de provas ilícitas,

desnecessárias, protelatórias ou impertinentes (art. 38, § 2º).

Princípios da eficiência, da oficialidade, da verdade material e do informalismo

O princípio da eficiência, já implícito em nossa Carta Política, foi galgado a

princípio constitucional explícito por meio da Emenda Constitucional nº 19/98, que, por

ocasião da chamada Reforma Administrativa do Estado, o introduziu no rol do caput do

artigo 37, juntamente com outros dispositivos que tinham por propósito a substituição

do modelo burocrático pelo gerencial, com o abrandamento dos controles rígidos dos

procedimentos e incrementação do controle de resultados.

Foi, portanto, introduzida no bojo desses novos valores, significando, para

Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, que as concepções puramente formalísticas

foram superadas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade, da economicidade

e da razoabilidade em benefício da eficiência. Desse modo, meras formalidades

burocráticas devem ser superadas quando resultarem em empecilho à realização do

interesse público, devendo o formalismo ceder diante da eficiência.292

A forma como se deu a introdução do referido princípio rendeu muita crítica

doutrinária, não por se entendê-lo indesejável, mas porque o poder constituinte

291 Processo administrativo, p. 83. 292 Processo administrativo., p. 78.

196

derivado pretendeu instalar um novo modelo de Administração guiado por motivação

ideológica, mediante emenda constitucional. Nas palavras de Egon Bockmann Moreira:

(...) pretendeu outorgar à Administração pública uma máxima não jurídica, típica da administração e da economia, que se referem basicamente em desempenho de entes privados. Para tais Ciências, o conceito do termo ‘eficiência’ pertence à relação entre trabalho, tempo, investimento e resultado lucrativo obtido em determinada ação empresarial. 293

Trata-se, portanto, de conceitos diversos daqueles essenciais à

Administração Pública.

Nesse sentido, também a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro realçou a

acentuada oposição entre o princípio da eficiência pregado pela ciência da

administração e o da legalidade, inerente ao Estado de Direito, e, invocando Jesús

Leguina Villa, asseverou que a eficácia que a Constituição exige da Administração não

deve se confundir com a eficiência das organizações privadas, não resultando em valor

absoluto diante dos demais.294

O respeitado jurista Celso Antônio Bandeira de Mello referiu-se ao princípio

de forma sumária, considerando sua fluidez e dificuldade de controle ao lume do direito,

afirmando só poder ser o princípio concebido na intimidade do princípio da legalidade,

293 Processo administrativo e princípio da eficiência. In MUÑOZ, Guilhermo Andrés & SUNDFELD, Carlos Ari (coords.). As leis do processo administrativo: Lei federal 9.784/99 e Lei paulista 10.177/98., p. 325-326. 294 Parcerias na Administração Pública. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 295-296. Transcrevemos a seguir parte do alerta feito por Jesús Leguina Villa, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por consideramos de extrema lucidez suas ponderações para o entendimento do conteúdo do princípio da eficiência. Diz o jurista espanhol: “Agora, o princípio da legalidade deve ficar resguardado, porque a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constituía um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiência. Por ouro lado, o princípio da legalidade está acompanhado de uma constelação de direitos, valores e garantias constitucionais que a eficácia administrativa não pode desconhecer. A igualdade perante a lei, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica e o controle efetivo dos gastos públicos – que são, entre outros, pilares básicos do ordenamento jurídico da administração – condicionam ou limitam, em concreto, o alcance do princípio da eficácia. Não se deve esquecer que o Direito administrativo deve garantir simultaneamente os interesses gerais e os direitos e interesses individuais, não sendo razoável seu abandono em prol da sacralização de uma lógica eficiente, que não consegue ver na legalidade pública outra coisa senão insuportáveis obstáculos que devem ser eliminados a todo custo”.

197

sendo uma faceta do princípio da boa administração, já tratado de forma mais ampla

pelo direito italiano.295

Não obstante as críticas, sobretudo pelo pouco que inovou, uma vez que

sempre coube à Administração Pública agir com eficiência, é possível extrair

interpretação proveitosa em conjunto com os demais princípios insculpidos na redação

original do artigo 37 da Constituição Federal, de modo que o agir de forma eficiente

jamais poderia suplantar qualquer dos demais princípios, mas estaria relacionado com o

modo de agir da Administração para atingir as finalidades da norma com resultados

positivos e satisfatórios.

E assim o fez a doutrina, perquirindo o que mudou com a inclusão desse

princípio. Em busca da resposta, Lúcia Valle Figueiredo extraiu do princípio outro

significado, além da eficácia já esperada da Administração. Aliando-o ao artigo 70 da

Carta Magna, levou a eficiência para o campo do controle, que não deve ser exercido

apenas do ponto de vista da legalidade, mas também da legitimidade e economicidade.

É sua a seguinte afirmação: “(...) portanto, praticamente chegando-se ao cerne, ao

núcleo, dos atos praticados pela Administração Pública, para verificação se foram úteis

o suficiente ao fim a que se preordenaram, se foram eficientes”. Acrescenta ainda que o

controle jurisdicional também pode se tornar mais eficaz, analisando os atos

administrativos sob o enfoque de mais esse princípio. 296

Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que o princípio da eficiência apresenta dois

aspectos a serem considerados: quanto ao modo de atuação do agente público, que

deve agir com o melhor desempenho possível de suas atribuições para atingir os

melhores resultados, e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a

Administração Pública, com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na

prestação do serviço público.297

295 Curso de direito administrativo. p. 118. 296 Curso de direito administrativo, p. 64-65. 297 Op. cit., p. 83.

198

O princípio da eficiência não é em geral indicado pela doutrina como

informador do processo administrativo, mas está previsto expressamente no caput do

artigo 2º da lei federal de processo, e ainda, conforme afirma Egon Bockmann Moreira,

está implícito em diversos outros dispositivos da referida lei. Afirma o jurista que “sob o

aspecto processual a eficiência garante o desenvolvimento de um processo célere,

simples, com finalidade predefinida, econômico e efetivo”. Continua o autor

desenvolvendo seu raciocínio, dizendo que nenhuma dessas qualidades é inédita, mas

que unidas conferem noção processual plena ao princípio da eficiência, devendo o

processo se desenvolver de forma contínua e coordenada, no mais curto espaço de

tempo possível, não podendo parar ou ser desenvolvido em ritmo lento.298

É de se notar a relevância da colocação, pois, ao contrário do processo

judicial, o administrativo é orientado pelo princípio da oficialidade e, com a exceção

indicada por Celso Antônio Bandeira de Melo, relativa aos processos instaurados em

exclusivo benefício individual do interessado, deve a Administração instaurá-lo e

conduzi-lo, impulsionando-o até a produção do ato final conclusivo. E nesse sentido a

lei federal de processo estabelece a impulsão de ofício em todas as fases do processo

(artigos 2º, parágrafo único, inciso XII, 5º, 29, 36 e 37), além de estabelecer prazos para

a prática dos atos processuais por parte da Administração e dos particulares.

Deflagrado o processo, surgirá para a Administração a obrigação de

impulsioná-lo. Para Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “(...) o processo, uma vez

instaurado, não pode ficar paralisado, pois isso corresponderia a deixar descurado, em

estado latente, um interesse público. Há interesse público na decisão em si mesma,

seja lá qual venha a ser.”299

E no sentido de que o processo não deve se revestir de formalidades

extravagantes, também em socorro da eficiência, Egon Bockmann Moreira invoca o

princípio da informalidade a favor do administrado, para assegurar que meras

298 Processo administrativo e princípio da eficiência. As leis do processo administrativo: Lei federal 9.784/99 e Lei paulista 10.177/98. p. 334-336. 299 Op. Cit., p. 85.

199

imprecisões formais não venham prejudicar os envolvidos, de modo que as

formalidades devem se dirigir fundamentalmente à garantia dos direitos, prestando-se o

formalismo à segurança das pessoas envolvidas. Indica o jurista que, em cumprimento

à simplicidade do processo, a lei federal determina que devem ser elaborados

formulários padronizados para assuntos que versem sobre pretensões equivalentes

(artigo 7º da Lei n° 9.784/99), bem como que os atos não dependem de forma

determinada, exceto quando a lei expressamente a exigir (artigo 22), devendo ser

realizados da forma menos onerosa para os interessados (artigo 26, § 2º).300

Existem tantos outros dispositivos na lei que apontam para a simplicidade do

procedimento e informalismo, no intuito de facilitar a vida dos indivíduos, sem contudo

afastar o caráter formal do processo, uma vez que a celeridade decorrente da busca de

eficiência não pode implicar supressão de fases e procedimentos, o que resultaria na

distorção do princípio e perda do caráter de segurança do processo administrativo.

Assim, o formalismo deve ser moderado com a adoção de condutas simples que, nas

palavras de Héctor Escola, dariam lugar a um procedimento dinâmico, gerando uma

atividade útil para o interesse geral.301

Gordillo adverte sobre a importância da interpretação congruente do princípio

da eficiência com os demais princípios, uma vez que a celeridade, simplificação e

economia processual não podem implicar em prejuízo à defesa do interessado.302

O princípio da oficialidade, ou da impulsão de ofício, tem correlação lógica

com o princípio da verdade material ou inquisitório, informador do processo

administrativo e do processo penal, em oposição ao processo civil regido pelo princípio

dispositivo, em que o juiz se deve ater ao princípio da verdade formal, ou seja, às

provas produzidas pelas partes, que podem ou não coincidir com a verdade material.303

300 O princípio do informalismo também não se aplica a todos os processos administrativos, não incidindo nos concorrenciais. 301 Op. cit., p. 132. 302 Tratado de derecho administrativo. p. IX-46. 303 Assim é o entendimento de Héctor Escola ao afirmar o seguinte:“La administración, dejando de lado el panorama que pretenda ofrecerle el administrado, debe esclarecer os hechos, circunstancias y condiciones,

200

Deste modo, a autoridade administrativa não fica adstrita à provas

produzidas nos autos, nem está obrigada a restringir seu exame ao que foi alegado,

podendo buscar elementos que repute necessários á formação de seu convencimento,

em decorrência do princípio da oficialidade e da indisponibilidade do interesse público.

Princípio da segurança jurídica

Trata-se de princípio geral do direito, que foi explicitamente inserido no inciso

XIII do artigo 2º da Lei Federal nº 9.784/99, vedando a aplicação retroativa de nova

interpretação, uma vez que a Administração Pública, acompanhando a evolução dos

fatos e do direito, freqüentemente altera a interpretação dada a determinadas normas

jurídicas e com isso muda a orientação normativa, atingindo situações já consolidadas e

reconhecidas na vigência da interpretação anterior, gerando insegurança jurídica.

Assim, acatando, na lei, doutrina consolidada sobre o assunto, pretendeu o

legislador proteger tais situações, vedando que a alteração de entendimento sobre

determinada questão as atinja, preservando a interpretação anteriormente válida

conferida às situações já resolvidas.304

Adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro que essa situação não se confunde

com a anulação de atos ilegais, já que não se pode levar ao absurdo de a

Administração não poder anular os atos praticados com inobservância da lei. Também

diz que esse princípio tem muita relação com o da boa-fé, pois se a Administração

adotou determinada interpretação e a aplicou corretamente ao tempo em que foi

expedida, deve respeitar a boa-fé daqueles que foram atingidos, visto que “não é

tratando, por todos los medios admisibles, de precisarlos en su real configuración, para luego, sobre ellos, poder fundar una efectiva decisión.” Op. cit., p. 127. 304 Nesse sentido, já dizia Hely Lopes Meirelles que: “a mudança de interpretação da norma ou da orientação administrativa não autoriza a anulação dos atos anteriormente praticados, pois tal circunstância não caracteriza ilegalidade, mas simples alteração de critério da administração, incapaz de invalidar situações jurídicas regularmente constituídas” (Op. cit., p. 180-181).

201

admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor das

interpretações jurídicas variáveis no tempo”.305

Todavia, o princípio da segurança jurídica não se esgota nesse conteúdo,

servindo de base a vários institutos jurídicos, como os da decadência e da prescrição,

conforme observa Maria Sylvia na obra acima anotada.

Marcio Cammarosano dedicou capítulo específico ao tema segurança

jurídica em sua obra sobre o princípio da moralidade, consignando que:

O valor da segurança está significativamente referido já no preâmbulo da Constituição, que, ao instituir um Estado Democrático, a ele se reporta como um daqueles que se destina a assegurar. E o artigo 5º, caput, da nossa Lei maior volta a prescrever a inviolabilidade, dentre outros direitos, da segurança. 306

É de notar, portanto, que o conteúdo do princípio vai muito além do contido

na lei federal de processo, que naquele contexto tem objetivo bastante específico.

Trata-se de princípio implícito na Constituição Federal, voltado a zelar por um dos

maiores interesses do direito, que é a estabilidade das relações jurídicas, onde

encontra importante arrimo no instituto da prescrição. Está ainda intimamente ligado à

boa-fé e à certeza do direito, no sentido de que o administrado deve conhecer de

antemão as conseqüências de seus atos, em face do que está prescrito no

ordenamento jurídico.

Assim, como já observamos, a segurança jurídica tem estreita relação com

os efeitos conferidos pelo direito ao tempo, tanto no sentido indicado por Maria Sylvia,

relacionado à prescrição e à decadência, como, enquanto dimensão do processo, no

intuito de assegurar um razoável tempo de sua duração. E quanto a isso não discrepa a

doutrina, conforme se vislumbra das afirmações dos seguintes juristas.

305 O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa. Editora Fórum. 2006, p. 85. 306 O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa, p. 33.

202

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello: “O estado de pendência eterna

parece-nos incompatível com o objeto nuclear da ordenação jurídica, que é a ordem, a

estabilidade”.307

Para Diogenes Gasparini:

Não se justifica uma instabilidade jurídica, mesmo que potencial, por todo o sempre. Destarte, decorrido um certo prazo, o ato, mesmo que inválido, firma-se, estabiliza-se, não podendo mais ser anulado, quer administrativa, quer judicialmente.308

Ao seu turno Hely Lopes Meirelles explica que:

A nosso ver, a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação de ato no âmbito da Administração e pelo Poder Judiciário. E justifica-se essa conduta porque o interesse da estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração ou entre esta e seus servidores é também de interesse público, tão relevante quanto os demais. Diante disso, impõe-se a estabilização dos atos que superem os prazos admitidos para sua impugnação, qualquer que seja o vício que se lhe atribua.309

O Supremo Tribunal Federal já assentou, em acórdão de relatoria do Ministro

Gilmar Mendes, que a proteção da confiança tem assento constitucional no princípio do

Estado de Direito, e no plano federal, na lei de processo, posição que já podia ser

verificada em remotos acórdãos, tais como os datados, respectivamente, de 1989, do

Superior Tribunal de Justiça, no MS 009-DF, e de 1978, do Supremo Tribunal Federal,

no RE 85179/RJ.310

Nessa oportunidade, preocupamo-nos apenas em estabelecer linhas gerais

sobre o conteúdo do princípio da segurança jurídica, tendo em vista que se trata de

tema a ser retomado, na ocasião em que abordaremos - voltados ao exercício da

307 Curso de direito administrativo, p. 440. 308 Direito administrativo, p. 90. 309 Op. cit., p. 183. 310 STF- MS 24.268/MG; STJ- MS 009-DF. Órgão julgador: 1ª Sessão. Rel. Min. Pedro Accioli. Julgado em 31 de outubro de 1989. Revista do STJ, Brasília. V. 17, p. 195, 1990 e STF. RE 85179/RJ. Rel. Bilac Pinto. DJ 02/03/78.

203

competência punitiva do Tribunal de Contas e à inexistência de um poder-dever eterno

de revisão - o princípio da segurança jurídica e os limites temporais para a anulação

dos atos no exercício da função controladora.

Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

O princípio da razoabilidade está implícito na Constituição brasileira e tem

por conteúdo, em linhas gerais extraídas das lições de Celso Antônio Bandeira de

Mello, a tentativa de controle dos atos à disposição do administrador público, sobretudo

aqueles que comportam discricionariedade, de modo que, quando o administrador tiver

de valorar situações concretas, ou seja, quando estiver diante de mais de uma situação

possível, depois de interpretar a norma a ser aplicada, não poderá decidir segundo

seus valores próprios, mas sim em sintonia com o senso comum das pessoas, com

critérios aceitáveis do ponto de vista racional.

Destarte, quando a lei confere ao administrador certa margem de liberdade

diante da diversidade de situações possíveis, a providência mais adequada deve ser

escolhida no atendimento do interesse público, de forma que não serão apenas

inconvenientes, mas também ilegítimas, e, portanto, invalidáveis judicialmente, as

condutas desarrazoadas, incoerentes ou praticadas com imprudência e insensatez, pois

tais providências não podem estar de acordo com a finalidade da lei.

É de notar, por conseguinte, que o princípio da razoabilidade funda-se nos

mesmos preceitos que arrimam os princípios da legalidade e finalidade, de forma que a

correção judicial dos atos considerados irrazoáveis deve se limitar a corrigir a

ilegalidade, visto que não pode ser substituída a vontade do administrador pela do juiz.

Existindo discrição, é ao administrador e não ao juiz que cabe decidir qual seria a

medida mais adequada.

A exemplo de outros princípios de que já cuidamos, estamos tratando de

princípio ditado por conceito indeterminado, uma vez que a razoabilidade também não

204

pode ser aferida de forma objetiva, estando seu conteúdo repleto de conceitos

plurissignificativos. Todavia, conforme adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, a

impossibilidade absoluta de saber qual seria a melhor solução não afasta a viabilidade

de constatar que a adotada efetivamente não o foi. 311

Lúcia Valle Figueiredo diz ser o princípio de fundamental importância no

exercício da função administrativa, porque por meio da razoabilidade das decisões é

que se pode aferir e contrastar se estas estão dentro da moldura comportada pelo

Direito. Citando Ricasén Siches, acrescenta que o princípio da razoabilidade “traduz a

relação de congruência lógica entre o fato (o motivo) e a atuação concreta da

administração.”312

Referida jurista, a exemplo do que também faz Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

trata o princípio da razoabilidade juntamente com o princípio da proporcionalidade.

Destaca, porém, este último, por considerá-lo um plus em relação ao primeiro, e, apesar

de entender que eles se imbricam a ponto de quase se confundirem, não afasta a

possibilidade de diferenciá-los, e o faz apontando que a proporcionalidade está voltada

à verificação da inexistência de excessos da Administração.

Explica, portanto, que a proporcionalidade está voltada à adequação das

medidas tomadas diante das necessidades administrativas, no sentido de que “só se

sacrificam interesses individuais em função de interesses coletivos, de interesses

primários, na medida da estrita necessidade, não se desbordando do que seja

realmente indispensável para a implementação da necessidade pública”.313

Maria Sylvia Zanela Di Pietro entende que, embora a lei federal de processo

administrativo faça referências apartadas dos dois princípios, o da proporcionalidade

está contido no da razoabilidade, porque este, “dentre outras coisas, exige

311 Curso de direito administrativo, p. 105-106. 312 Op. cit., p. 50. 313 Ibidem, p. 51.

205

proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela

tem que alcançar”.314

Ao lado da razoabilidade, este princípio resume-se na direta adequação das

medidas tomadas às necessidades administrativas. As competências administrativas só

devem ser exercidas na medida necessária para o cumprimento da finalidade pública a

que estão atreladas, qualificando-se a proporcionalidade enquanto coeficiente de

aferição da razoabilidade dos atos estatais.

Assim, trata-se de princípios voltados à contenção dos excessos, visando

inibir e neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são

inerentes, notadamente na produção de atos legislativos e regulamentares. 315

Paulo Bonavides, discorrendo com maestria acerca do princípio da

proporcionalidade no início do capítulo que dedica ao tema, inserido em sua obra Curso

de Direito Constitucional, cita a advertência feita por Xavier Philippe, “de que há

princípios mais fáceis de compreender do que definir”, e insere a proporcionalidade na

categoria desses princípios. 316

Segundo o mesmo autor, em nosso país é princípio vivo, elástico e voltado à

proteção do cidadão contra o excesso do Estado, servindo de “escudo à defesa dos

direitos e liberdades constitucionais”. Afirma que:

No Brasil a proporcionalidade pode não existir enquanto norma geral de direito escrito, mas existe como norma esparsa no texto constitucional. A noção mesma se infere de outros princípios que lhes são afins, entre os quais avulta, em primeiro lugar, o princípio da igualdade, sobretudo em se atentando para a passagem da igualdade-identidade à igualdade-

314 Direito administrativo, p. 81. 315 Não estando o presente estudo voltado especificamente aos princípios regedores do processo administrativo, bastará os contornos gerais de seus conteúdos. Todavia, como não poderia deixar de ser, trata-se de princípios de conteúdo muito rico, de modo que Carlos Roberto Siqueira Castro e Paulo Bonavides são leituras indispensáveis para o aprofundamento do tema (Cf. Carlos Roberto Siqueira Castro. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006; Paulo Bonavides. Curso de direito constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997). 316 Op. cit., p. 356.

206

proporcionalidade, tão característica da derradeira fase do Estado de direito.317

Em relação ao tema de sanções administrativas, são princípios de inegável

relevância, uma vez que as sanções devem ser adequadas aos fins da lei,

correspondentes à gravidade da infração cometida, sendo vedada a proibição de

excesso, e a razoabilidade deve nortear a decisão do agente competente, consistindo

em forma de controle da conformidade do ato punitivo.

No sentido da proporcionalidade entre meios e fins, a lei federal de processo

administrativo a contemplou implicitamente no artigo 2º, parágrafo único, inciso VI.

Considerando tudo o que já foi dito, passaremos a tratar dos princípios do

direito penal que consideramos extensíveis à responsabilização pela prática de

infrações administrativas, destacando, como vimos, que a incidência dos postulados

criminais não é privilégio de nosso sistema jurídico.

Direito ao silêncio

Lúcia Valle Figueiredo defende que o direito ao silêncio é princípio

plenamente aplicável ao processo administrativo sancionatório ou disciplinar. Fazendo

suas as palavras de Rogério Lauria Tucci, diz que:

(...) representa o direito ao silêncio, por certo, a proteção constitucional assegurada contra a auto-incriminação, de sorte a não se poder concluir desfavoravelmente ao indiciado, ao acusado, pelo simples fato de ter-se

317 Curso de Direito Constitucional, p. 395. Paulo Bonavides aponta diversos dispositivos da Constituição brasileira, onde a aplicação do princípio da proporcionalidade se insere: “Incisos V, X e XXV do art. 5º. Sobre direitos e deveres individuais e coletivos; incisos IV e XXI do art. 7º sobre direitos sociais; § 3º do art. 36 sobre intervenção da União nos estados e no Distrito federal; inciso IX do art. 37 sobre disposições gerais pertinentes à administração pública; § 4º, bem como alíneas c e d do inciso III do art. 40 sobre aposentadoria de servidor público, inciso V do art. 40 sobre competência exclusiva do Congresso nacional; inciso VIII do art. 71 da seção que dispõe sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária; parágrafo único do art. 84 relativo à competência privativa do presidente da república; incisos II e IX do art 129 sobre funções constitucionais do ministério Público; caput do art. 170 sobre princípios gerais da atividade econômica; caput e §§ 3º, 4º e 5º do art. 173 sobre exploração da atividade econômica pelo estado; § 1º do art. 174 e inciso IV do art. 175 sobre prestação de serviços públicos”.

207

calado, isto é, de abster-se de prestar declarações, em especial das que possam incriminá-lo.318

Trata-se, portanto, de prerrogativa constitucional, uma vez que a

Constituição protege aquele que se abstém de prestar declarações que possam

prejudicá-lo - inciso LXIII do art. 5º -, sendo proteção contra a auto-incriminação, de

forma a não se poder concluir desfavoravelmente ao indiciado pelo fato de este se ter

calado, abstendo-se de prestar declaração, em especial a que possa incriminá-lo.

Lúcia Valle, invocando Edgar Silveira Bueno, aduz que ninguém está

obrigado a oferecer elementos que contribuam para a sua condenação, e na dúvida

quanto à conveniência de depor, poderá permanecer calado, uma vez que o silêncio

não tem valor negativo à defesa do preso ou do réu, que sequer precisa explicar as

razões que o levam ao silêncio.319

Impossibilidade de reformatio in pejus

Trata-se de princípio do direito penal que deve incidir de forma absoluta em

processos sancionatórios, a despeito do tratamento dado pela lei federal do processo

administrativo ao assunto, que possibilitou a reformatio in pejus em seu artigo 64,

parágrafo único.

Pela disciplina da lei, o ato ilegal sempre poderá ser revisto, exceto se

precluso, uma vez que a Administração, ao tomar ciência de uma irregularidade através

de recurso, terá a obrigação de restabelecer a legalidade do ato, e essa atividade, pela

dicção do artigo 64, parágrafo único, poderá agravar a situação do recorrente em razão

do recurso, estabelecendo a lei, como condição prévia, apenas que o recorrente seja

cientificado para formular suas alegações finais.

318 Curso de direito administrativo, p. 453 e 455. 319 Curso de direito administrativo., p. 454.

208

Parece que agiu o legislador de forma coerente, à medida que, se assim não

fosse, estaria a Administração impedida de rever os atos ilegais, tratando-se, pois, de

preservar e legalidade.

Para Lúcia Valle Figueiredo, não se trata de reformatio in pejus, mas de

natural conseqüência da função administrativa. Afirma a autora ser mero ato de controle

da legalidade em face da nulidade do procedimento e estar a Administração adstrita à

legalidade.320

Essa situação pode limitar o direito de recurso e, conseqüentemente, de

ampla defesa, porquanto o interessado pode ficar receoso de piorar a situação, de

forma que, embora a lei não faça qualquer ressalva, não deve se aplicar aos processos

sancionatórios, como decorrência dos princípios de direito penal aplicáveis ao processo

administrativo sancionatório.321

Irretroatividade

O princípio da irretroatividade está consagrado nos incisos XXXIX e XL da

Carta Magna, proibindo a aplicação de sanção a fato que, à época em que foi praticado,

não era considerado ilícito. É corolário dos princípios da legalidade e da segurança

jurídica, tendo em vista que o legislador não pode prescrever penas para condutas já

consumadas.

Embora a Constituição vede a retroatividade dos efeitos da lei, também

permite que a lei retroaja em benefício do réu. Trata-se da retroatividade da lei mais

benigna.

320 Curso de direito administrativo, p. 455. 321 Diz Alberto Martins que a Lei estadual nº 10.177/98, em seu artigo 49, vedou a incidência da reformatio in pejus nos processos sancionatórios. Assim disciplina o dispositivo legal: “A decisão de recurso não poderá, no mesmo procedimento, agravar a restrição produzida pelo ato ao interesse do recorrente, salvo casos de invalidação”. (Op. cit., p. 183).

209

Rafael Munhoz de Mello, fazendo suas as palavras de Geraldo Ataliba,

ressalta que “(...) a irretroatividade das leis decorre do Estado de Direito, no qual a

segurança jurídica ΄postula absoluta e completa previsibilidade da ação estatal pelos

cidadãos e administrados’”.322

Referido princípio, próprio do direito penal, aplica-se aos processos

administrativos sancionatórios em sua plenitude, pois está voltado a assegurar que os

indivíduos conheçam de antemão as conseqüências que a lei prescreve para

determinados atos considerados ilícitos.

Princípio da legalidade estrita ou tipicidade.

Segundo o princípio da reserva legal insculpido no inciso XXXIX do artigo

5˚ da Carta Magna, os crimes e as respectivas penas somente poderão ser criados

mediante lei em sentido formal, o que exclui a possibilidade de outras fontes normativas

para a incriminação e punição.

No âmbito das infrações administrativas tampouco há divergências

doutrinárias acerca da obrigatoriedade da existência de lei criando as infrações e as

penalidades decorrentes, ou seja, não se discute tratar-se de matéria de reserva de lei.

Desse modo, também no âmbito administrativo não deve haver espaço para

aplicação de sanções sem prévia cominação legal, de forma que o princípio

estabelecido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna – “não há crime sem lei

anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” - tem absoluta

aplicabilidade no âmbito das sanções administrativas, ou seja, não há que se falar em

possibilidade de punir, sem a prévia existência de previsão em lei em sentido estrito.

322 Sanção administrativa e princípio da legalidade. In FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Devido processo legal na administração Pública. Coleção Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, p.169.

210

Assim, em matéria de sanção administrativa, o princípio da legalidade deve

ser tomado em termos absolutos. A nossa Carta Política não admite a imposição de

penas, ainda que de natureza administrativa, sem lei que as estabeleça de forma

específica.

Em matéria de sanções administrativas o princípio da legalidade há de ter o

mesmo alcance daquele estabelecido no direito penal material, o que redunda no

reconhecimento da incidência do princípio da tipicidade que decorre do princípio da

legalidade, mas com ele não se confunde, resultando em situação em que a lei deve

descrever de modo preciso a conduta ilícita e definir a sanção que lhe corresponde.

A idéia básica do princípio da legalidade estrita reside em que o castigo não

deve depender da arbitrariedade dos órgãos aplicadores da pena, no âmbito judicial ou

administrativo. As sanções devem ser fixadas pelo legislador legitimado

democraticamente para tanto, de modo que o princípio é fonte de segurança jurídica

para os indivíduos.

O tipo não se confunde com o princípio da reserva legal. Na verdade são

princípios que se complementam. Através do tipo são descritos os elementos nodais de

uma conduta como ilícita e a dimensão da respectiva sanção, descrevendo a lei, com

firmeza e minúcias o fato concreto ao qual se pretende aplicar determinada sanção.

Na Espanha, segundo ensinam Garcia de Enterría e Tomás-Ramón

Fernandez, o princípio da legalidade impõe a exigência material absoluta de

predeterminação normativa das condutas e sanções correspondentes, incidindo o

princípio da tipicidade. Consignam estes autores, pois, que não cabem cláusulas

genéricas ou indeterminadas de infração que permitam ao órgão aplicador da pena

atuar com excessivo arbítrio. 323

323 Os juristas citam sentença constitucional de 29 de março de 1990, e esclarecem ser: “(...) exigência que afecta a la tipificación de lãs infraciones, a la graduación y escala de lãs sanciones y a la correlación entre unas y otras, de tal modo que ... el conjunto de lãs normas aplicables permita predicir, com suficiente grado de certeza, el tipo y el grado de sanción susceptible de ser impuesta”. Op. cit., p. 117.

211

Como já observamos anteriormente, a doutrina alienígena é relevante e

indispensável fonte de informação, mas não apta para fornecer as respostas para a

realidade de nosso ordenamento jurídico. Assim, ainda que encontremos em diversos

países o reconhecimento da incidência do princípio da tipicidade em matéria de

sanção administrativa, servirá a informação apenas como referência e jamais para

fundamentar eventual conclusão acerca do que dispõe o direito posto brasileiro a esse

respeito.

Reconhecemos que a descrição da infração e respectiva sanção devem

estar previstas em lei permitindo aos indivíduos o conhecimento prévio do

comportamento que poderá resultar na aplicação de sanção e que a analogia não pode

ser utilizada para caracterizar uma infração administrativa.

Todavia, há que se estabelecer discernimento entre mera legalidade e e

tipicidade. Sendo a tipicidade concebida como elemento indispensável ao afastamento

da analogia e da irretroatividade, a exemplo do que faz Ferrajoli, então só poderemos

entender que incidirá em âmbito administrativo.324 E nesse sentido, será necessário

admitir que as normas que fixam os ilícitos e respectivas sanções estarão submetidas à

legalidade estrita, ainda que com baixa densidade, situação inadmitida por Ferrajoli,

que vincula a exatidão dos elementos do tipo à estrita legalidade.

Não há na doutrina nacional unanimidade sobre o assunto, na medida que,

como já consignamos no Capítulo II, alguns autores entendem que a tipicidade não

324 Luigi Ferrajoli faz distinção entre mera legalidade e legalidade estrita, levando o conteúdo desta segunda a uma proximidade muito grande com a tipicidade. Esclarece o jurista italiano que a legalidade estrita , que tem função garantista, reside no fato de que os delitos estejam predeterminados pela lei de maneira taxativa, sem reenvio (ainda que seja legal) a parâmetros extralegais, a fim de que sejam determinados pelo juiz mediante asserções refutáveis e não mediante juízos de valor autônomos. Entende o jurista que as normas por ele denominadas de – modelos penais de legalidade atenuada, caracterizadas por figuras delituosas elásticas e indeterminadas, por espaços de fato e não de direito, abrem espaço à analogia, inclusive in malam partem. Faz portanto, distinção entre legalidade ampla e estrita, conferindo à primeira apenas legitimação formal ao fazer equivaler à simples reserva de lei qualquer que seja o modo em que as leis estejam formuladas, limitando-se a exigir que os pressupostos das penas estejam estabelecidos de antemão por um ato legislativo, e à segunda –estrita legalidade-, a legitimação material, que condiciona a validade das leis vigentes à taxatividade de seus conteúdos e exige uma lei penal dotada de referências empíricas para que seja possível a sua aplicação em proposições verificáveis. Op Cit., p. 306/307.

212

incide em matéria de sanções administrativas e a maioria defende sua incidência,

considerando, pelo que se denota, que a existência de tipos abertos não afasta a

tipicidade. Não é essa a lição de Ferrajoli e de Garcia de Enterría e Tomás-Ramón

Fernandez, que afastam a aceitação de tipos abertos. Consideram estes juristas que

essa situação implica no afastamento do que Ferrajoli denomina de legalidade estrita

(noção que associa á irretroatividade e proibição de analogia).

Todavia, devemos enfrentar o fato de que são incontáveis os elementos

normativos do tipo, situação que reduz a firmeza e precisão de sua descrição, levando

o legislador a estabelecer tipos demasiadamente amplos, conferindo grande

elasticidade ao texto legal. Cumpre, portanto, remeter estas considerações aos

aspectos já enfrentados no Capítulo II, quando concluímos que a existência de leis

com baixo grau de densidade no que diz respeito à descrição dos ilícitos e sanções,

não afastam necessariamente a tipicidade.

Para a eficácia da função garantista da lei sancionatória a técnica legislativa

assume papel essencial. Diante de tudo o que já foi dito neste trabalho sobre esta

intrincada questão, consideramos que nesta oportunidade cumpre apenas reafirmar que

a tipicidade é princípio que incide no âmbito administrativo sancionatório enquanto

exigência que pesa sobre o legislador por ocasião da elaboração da lei sancionadora.

Culpabilidade

O inciso XLV do artigo 5º da Constituição Federal abriga o princípio da culpabilidade, vedando a aplicação de sanção a quem não tiver colaborado, ao menos

de forma culposa, para a prática da conduta reputada pela lei como ilícita.

A teoria da culpa surgiu com a evolução do direito penal, que em sua gênese

tinha a responsabilidade apenas como objetiva, e somente com o aprimoramento da

cultura começou-se a perceber a diferença existente entre o causar inevitavelmente um

dano e o causar um dano evitável. Desse modo esse importante aspecto do agir

213

humano – a evitabilidade do fato, passou a assumir importância para a aplicação das

penas, ou seja o querer ou não querer humano de evitar ou provocar determinados

acontecimentos, e ao lado da evitabilidade descobriu-se igualmente a previsibilidade e

a voluntariedade do resultado danoso.

Assim a noção de culpa desenvolveu-se em face da existência de

previsibilidade, mas sem a voluntariedade do resultado danoso, decorrendo a

tipicidade do crime culposo da prática de conduta não diligente causadora de lesão ou

perigo a um bem jurídico protegido. Nesse sentido diz Cezar Roberto Bitencourt:

(...) Contudo, a falta de cuidado objetivo devido, configurador da imprudência, negligência ou imperícia, é de natureza objetiva. Em outros termos, no plano da tipicidade, trata-se, apenas, de analisar se o agente agiu com o cuidado necessário e normalmente exigível.325

Portanto, culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada

numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível. Como

afirma Cerezo Mir, “ (...) o fim perseguido pelo autor é geralmente irrelevante, mas não

os meios escolhidos, ou a forma de sua utilização.”326

No momento da aplicação da pena há que ser feito o juízo de culpabilidade,

pois como afirma Bockelmann “(...) Pena pressupõe culpabilidade, nulla poena sine

culpa. Culpabilidade....é, pois, a mais nítida característica do conceito de crime”.327

Garcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez indicam o princípio da

culpabilidade dentre os que incidem no direito sancionatório administrativo. Explicam

que outrora se pretendeu afastar a existência de dolo ou culpa para a punição

administrativa, qualificando-se a responsabilidade como objetiva, situação alterada pela

jurisprudência desde os meados dos anos setenta e, depois, pela regra de aplicação

dos princípios do direito penal ao direito sancionador.328

325 Erro de tipo & erro de proibição. p. 38 326 Curso de derecho penal español. p. 279 327 Relaciones entre autoria e participación. p. 31. 328 Curso de derecho administrativo., p. 173.

214

É pois a culpa reconhecida de forma harmoniosa pela doutrina penal como

condição para a aplicação da pena, e assim é a sua aplicação no âmbito das sanções

administrativas reconhecida também em nosso país, pois a responsabilização do

infrator deve ser estudada à luz do enfoque dado pela Constituição Federal, que, como

observa Régis Fernandes de Oliveira:

(...) estendeu a sua proteção, expressamente, aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral, assegurando-lhes o contraditório e a mais ampla defesa, além da presunção de inocência (art. 5º LV e LIV)”. Analisando o quadro normativo pátrio afirma o jurista que “(...) a responsabilidade objetiva do suposto infrator, presumidamente inocente até final decisão na esfera administrativa (art. 5º LVII, da CF) não pode mais ser admitida(...)329

Invocando palavras de Vital Moreira, também se manifesta Egon Bockmann

Moreira nesse mesmo sentido: “(...) Com a aplicação de sanções administrativas a

administração visa punir atuações ilícitas que pressupõem a culpa do agente pela

violação de uma regulamentação preexistente” 330

Assim, a culpa deve ser considerada como requisito para sua imputação,

incidindo este princípio do direito penal na esfera administrativa.

Finalizamos este item com a conclusão de que, resulta inegável a influência

do regime protetivo do direito penal, consubstanciado, sobretudo, nos direitos

consagrados nos vários incisos do artigo 5º da Constituição Federal, em matéria de

sanção administrativa.

Cumpre mencionar, apenas a título de complementação o tratamento

dispensado pelas Leis nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública federal, e n.º 10.177, de 30 de

329 Infrações e sanções administrativas. p. 25 330 Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções administrativas: reflexões iniciais acerca da conexão entre os temas. p. 106

215

dezembro de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração

Pública estadual paulista. Ambas estabelecem os princípios a serem observados pela

Administração Pública no processo administrativo.

Entretanto, no que se refere a sanções administrativas, constata-se que as

aludidas leis foram tímidas. Na lei estadual o assunto veio disciplinado na Seção III do

Capítulo III, que apenas uniformizou o procedimento, ressalvando a aplicação da

legislação específica sobre a matéria respectiva. Isto porque, como advertem Sérgio

Ferraz e Adilson de Abreu Dallari, “a lei não se aplica aos atos e procedimentos que

contem com disciplina legal específica” 331

A Lei Federal também nada inovou nessa questão, apenas estabelecendo,

de forma explícita, como já consignamos neste trabalho, que os atos administrativos

que imponham sanções deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e

fundamentos jurídicos (artigo 50, caput e inciso II).

2. O limite temporal para imposição de sanções administrativas pelo Tribunal de Contas: segurança jurídica e razoável duração do processo

Um dos fundamentos do Estado de Direito consagrado em nossa

Constituição é a segurança jurídica, de modo que, além de estabelecer os direitos

individuais, cuidou a Carta Magna de institutos voltados à garantia do cumprimento

desses direitos. Dentre os instrumentos voltados à estabilidade das relações jurídicas

estão a prescrição, a preclusão e a decadência, todos de inegável importância para o

Estado de Direito.

O direito a um prazo razoável de duração do processo também está inserido

dentre as garantias voltadas à estabilização das relações e à segurança jurídica,

porque situações de pendência conduzem a instabilidade, que é repelida pelo Direito. O

tempo é variável que não pode ser desprezada em face dos direitos, porque exerce

331 Processo administrativo, p. 38.

216

papel da maior importância na teoria geral do Direito, em hipóteses legais de aquisição

e extinção de deveres e direitos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, “Pacto de San José

da Costa Rica”, reconheceu dentre os inúmeros direitos dos indivíduos arrolados no

extenso rol de seu capítulo segundo, especificamente no artigo 25, relacionado à

proteção judicial, o direito a um recurso simples e rápido, nos seguintes termos:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

Em evidente reconhecimento da importância de procedimentos céleres em

âmbito judicial ou administrativo, a Constituição brasileira garantiu aos indivíduos o

direito a duração razoável do processo consubstanciado no inciso LXXVIII do artigo 5º,

vazado nos seguintes termos: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de

sua tramitação”.

Trata-se, sem dúvida, de primado a ser observado com rigor para a

subsistência do Estado de Direito, o que não significa admitir a supressão de fases

necessárias e indispensáveis para, igualmente, garantir outros direitos individuais

assegurados pela Carta Magna. A celeridade e a observância dos procedimentos

necessários à garantia de um processo que culmine em uma decisão justa são medidas

que não se excluem, ao contrário, que devem se complementar.

O tema aqui invocado tem relação com diversos princípios regedores da

atividade administrativa estatal já tratados no item anterior, tais como o da segurança

jurídica, da impulsão de ofício do processo, da eficiência e outros a exemplo da

manifestação de Paulo de Barros Carvalho ao tratar dos princípios incidentes no

processo administrativo tributário, quando faz referência expressa à rapidez,

217

simplicidade e economia como fatores externos que devem inspirar a figura do protótipo

do procedimento porque em suas palavras: “(...) A rapidez interessa a todos. O direito

existe para ser cumprido e o retardamento na execução de atos ou nas manifestações

de conteúdo volitivo hão de sugerir medidas coibitivas, tanto para a Fazenda, como o

particular”. Prossegue afirmando que situações indefinidas não se compadecem com a

segurança e as garantias das relações jurídicas.332

Por certo que esse conteúdo se aplica a qualquer das funções do Estado,

inclusive a função controladora desempenhada pelo Tribunal de Contas.

Não negamos as dificuldades existentes em torno da questão, e

principalmente o fato de que a morosidade normalmente é justificada pela necessidade

da observância da ampla defesa e do contraditório, dentre outras dificuldades

invariavelmente relacionadas à falta de estrutura dos órgãos públicos. Todavia, tais

argumentos devem ser considerados como elementos para a busca de soluções viáveis

no sentido de os direitos previstos na Constituição serem efetivamente garantidos.

Jamais poderão ser reconhecidos como juridicamente hábeis a justificar a

inobservância de dispositivos constitucionais.

Como se denota, estamos tratando do tempo, fator não desprezado pelo

ordenamento jurídico e, portanto, fato jurídico desencadeador de direitos e deveres em

decorrência de sua passagem. E, de acordo com o que prescreve a Constituição, o

fator tempo também deverá ser motivo de atenção do agente público responsável pela

condução processual, uma vez que está consagrado o direito a duração razoável do

processo.

Certamente, a duração razoável do processo somente poderá ser averiguada

no caso concreto, de forma que seria impossível a lei estabelecer o prazo de duração

para cada tipo específico de processo. Os processos possuem suas especificidades,

que de acordo com cada situação demandarão maior ou menor tempo de duração.

332 Processo administrativo tributário. p.288.

218

Assim, a celeridade jamais poderá justificar a supressão de etapas e a demanda de

maior tempo é passível de controle, de modo que sempre será possível identificar

eventual desídia, abandono, descaso e, ao contrário, situações em que houve, de fato,

necessidade da utilização de maior tempo para a conclusão do processo. Não obstante,

poderá a lei fixar prazos máximos para a instauração e conclusão dos processos.

Nossa proposta é de demonstrar que a duração razoável do processo

também é elemento de inegável relevância para a segurança das relações jurídicas,

razão pela qual retomaremos e aprofundaremos as anotações já inseridas no item

anterior sobre o princípio da segurança jurídica, quando enfocamos sua vertente

relacionada à modificação dos atos, sobretudo diante da superveniência de nova

interpretação, situação que a lei federal de processo administrativo enfatizou e visou

proteger.

Nesta oportunidade nos dedicaremos a explorar a segurança jurídica em sua

dimensão temporal no que diz respeito ao direito a um deslinde processual ágil,

portanto, mais relacionada com a proteção à confiança das pessoas. Trata-se da

vertente subjetiva da segurança jurídica.

Sobre segurança jurídica, encontramos em texto de autoria de Almiro Couto

e Silva informações preciosas. Em considerações preliminares observa o jurista que

não obstante seja bastante comum encontrarmos referências à boa-fé, segurança

jurídica e proteção à confiança como se fossem expressões sinônimas, na verdade são

noções que embora pertençam a mesma constelação de valores, de algum modo se

diferenciam sem contudo afastarem-se completamente umas das outras.333

Também já tratamos do princípio da boa- fé no item anterior, de forma que

nesta oportunidade fixaremos nossa atenção no princípio da segurança jurídica,

333 Revista de Direito Administrativ.o nº 237. Rio de janeiro, julho/set/2007. p.272

219

aspecto relevante para o desenvolvimento da proposta relativa ao tempo razoável de

duração do processo. 334

J.J.Gomes Canotilho, trata a segurança jurídica como elemento constitutivo

do Estado de Direito, asseverando o seguinte:

O homem necessita de segurança para conduzir, pacificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção á confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica.335

Como se denota, estaria a segurança jurídica voltada aos elementos objetivos

do ordenamento (estabilidade, segurança de orientação) e a proteção à confiança mais

relacionada aos elementos subjetivos de segurança (confiabilidade e previsibilidade). 336

É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução da paz jurídica um

elemento nuclear do Estado de Direito material e também vê como aspecto do princípio

da segurança o da confiança:

(...) O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protege-la, porque poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica

334 Sobre a segurança jurídica, ensina Almiro do Couto e Silva que esse princípio se ramifica em duas partes: “uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção do direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada...” “ A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.” ibdem. p. 273- 274. 335 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 256 336 Almiro do Couto e Silva condensou os pontos principais, segundo ele atualmente dominantes no direito comparado e brasileiro sobre os dois princípios, da seguinte forma: “a)(...) a manutenção no mundo jurídico de atos administrativos inválidos por ilegais ou inconstitucionais (p.ex. licenças, autorizações, subvenções, atos pertinentes a servidores públicos, tais como vencimentos e proventos, ou de seus dependentes, p.ex. pensões, etc.); b) a responsabilidade do Estado pelas promessas firmes feitas por seus agentes, notadamente em atos relacionados com o planejamento econômico; c) responsabilidade pré-negocial do Estado; d) o dever do Estado estabelecer regras transitórias em razão de bruscas mudanças introduzidas no regime jurídico(p.ex. da ordem econômica, do exercício de profissões, dos servidores públicos).” Op. Cit. p. 277- 278

220

vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica.337

Na Alemanha, o princípio da segurança jurídica, denominado como “princípio

da proteção à confiança” nasceu por construção jurisprudencial tendo por objetivo

predominante a preservação dos atos inválidos, ou pelo menos de seus efeitos, quando

presente a boa-fé. No Brasil, não foi previsto em âmbito constitucional, mas está

presente em leis esparsas, dentre elas, a lei federal de processo administrativo (Lei nº

9.784/99), a lei que dispõe sobre a ação declaratória de constitucionalidade e direta de

inconstitucionalidade (Lei 9868/99) e a lei que regula a argüição de descumprimento de

preceito fundamental (Lei 9.882/99).338

No âmbito jurisprudencial pátrio ainda há timidez, sendo escassas as

decisões invocando o princípio da segurança jurídica, até porque, pelo fato de termos

consagrados em nível constitucional a garantia ao direito adquirido, à coisa julgada e ao

ato jurídico perfeito, normalmente a invocação se dá em relação a estas garantias, mas

a jurisprudência vem avançando nesse sentido.339

Os institutos jurídicos que estabelecem prazos extintivos de direitos e

deveres em decorrência da passagem do tempo têm em mira o interesse público pela

estabilidade das relações, indispensável para o convívio em sociedade. Concorrem eles

para a agilidade dos processos, negando um direito ilimitado à atuação estatal. Diga-se

337 Derecho justo: fundamentos de ética jurídica. p. 91. 338 Lei Federal 9.784/99, inclui o princípio da segurança jurídica dentre os princípios a serem obedecidos pela Administração pública, em seu artigo 2º, nos seguintes termos “ A Administraçao Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. A Lei Federal nº 9.868/99, dispõe em seu artigo 27, o seguinte: “ Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. E .a lei Federal 9.882/99 dispõe em seu artigo 11: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” 339 Segundo informa Almiro do Couto e Silva existem três decisões do Supremo Tribunal Federal “enfrentando diretamente o tema e afirmando, em conclusão, que a segurança jurídica integra o princípio do Estado de Direito, sendo, pois, limite ao poder da administração Pública de anular seus atos administrativos”. Op cit. p. 280

221

de passagem que se trata de importantíssimo instrumento garantidor de justiça, que

também atua no sentido de assegurar a racionalidade da função do Estado, evitando

que os cidadãos fiquem à mercê de um poder absolutamente despido de limites

temporais.

Anteriormente, quando nos referimos ao princípio da legalidade com o

objetivo de fixar nosso entendimento acerca de seu conteúdo e dimensão,

demonstramos que embora se trate de princípio nuclear do Estado de Direito, de

inafastável relevância e de observância obrigatória pelo administrador público, em

determinadas situações, ainda que excepcionais, deve a legalidade ceder espaço a

outros princípios que diante de determinado caso concreto, deverão prevalecer para

resguardar a segurança das relações jurídicas.

Nesse sentido, deixamos assentado que ao princípio da legalidade

modernamente se atribui dimensão maior do que a observância à lei em sentido estrito,

sendo necessária a aplicação de preceitos jurídicos vigentes, de forma que a

Administração, sobretudo no exercício da auto-tutela, deve observância a outros

princípios igualmente consagrados pelo ordenamento jurídico, não sendo sua

submissão restrita à lei mas ao Direito.

É a partir dessa noção que deveremos desenvolver o tema proposto no

presente tópico, uma vez que a revisão do ato administrativo encontra limites em outros

princípios, como o da boa-fé e da segurança jurídica, este último tendo como

consectário inafastável, o tempo. Tudo visa à preservação da ordem. Afirma Celso

Antônio Bandeira de Mello que “O estado de pendência eterna parece-nos incompatível

com o objetivo nuclear da ordenação jurídica, que é a ordem, a estabilidade”.340

Ao enfatizarem a relevância do princípio da segurança jurídica, Sérgio Ferraz

e Adilson Dallari comentam que a doutrina e a jurisprudência têm sido muito tímidas em

340 Curso de direito administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.463-464.

222

sua afirmação, e também invocam as palavras de Almiro do Couto e Silva, no seguinte

sentido:

Ao dar-se ênfase excessiva ao princípio da legalidade da Administração Pública e ao aplicá-lo a situações em que o interesse público estava a indicar que não era aplicável, desfigura-se o Estado de Direito, pois se lhe tira um dos seus fortes pilares de sustentação, que é o princípio da segurança jurídica, e acaba-se por negar a justiça.341

O problema relacionado à dimensão temporal para a revisão do ato

administrativo até há pouco tempo comportava muita polêmica, predominando o

entendimento segundo o qual os atos viciados poderiam ser revistos a qualquer tempo

em decorrência da necessária observância dos princípios da legalidade e da auto-

tutela, segundo os quais a Administração Pública deve atuar sempre visando o

restabelecimento da legalidade.

Todavia, tal entendimento não era pacífico, e com o advento da Lei Federal

de Processo Administrativo nº. 9.784/99, que fixou em seu artigo 54, o prazo

decadencial de 5 anos para a anulação dos atos administrativos de que decorram

efeitos favoráveis para os destinatários, o tema tomou outro rumo, existindo atualmente

disciplina legal limitando essa atuação da Administração Pública no tempo.342

Assim, o procedimento instaurado pela Corte de Contas para analisar a

conformidade dos atos praticados pela Administração Pública com os dispositivos legais

pertinentes, deve também ser submetido a limite temporal vez que se trata de regra

geral do direito, a qual todos os órgãos devem se submeter. De igual forma devem

estar sujeitas a um limite temporal as penalidades aplicadas em decorrência da

fiscalização.

341 Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p.167. 342 A lei Estadual de processo administrativo nº10.177/98, adotou o mesmo sistema, e fixou em seu artigo 10º o prazo de dez anos para a administração pública anular seus atos inválidos, excetuando as situações em que a irregularidade não resultou em prejuízo ou os atos forem passíveis de convalidação.

223

Os indivíduos não devem permanecer por períodos de tempo

excessivamente longos no aguardo do deslinde de processos instaurados no âmbito do

órgão controlador. Essa situação, além de permitir que as pendências fiquem em aberto

impedindo a consolidação dos direitos, implica invariavelmente em prejuízo ao direito

de defesa na medida em que a passagem do tempo dificulta a obtenção de informações

necessárias aos esclarecimentos pertinentes.

Parte significativa da doutrina e jurisprudência contemporânea tem se

posicionado no sentido de que não é possível realizar a revisão dos atos a qualquer

tempo quando consolidados direitos subjetivos incorporados ao patrimônio de servidor.

Sobre o assunto, Marcelo Figueiredo afirma que: “a prescrição, em princípio, atinge

todas as pretensões e ações, quer veiculem direitos pessoais, quer reais, privados ou

públicos. No tema da prescrição, a imprescritibilidade é sempre excepcional”.343

Importa fazermos as devidas distinções entre os institutos. Conforme ensina

Maria Helena Diniz, o instituto da prescrição “foi criado como medida de ordem pública

para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante

da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo

indeterminado”. Assim, trata-se a prescrição de fato jurídico, uma vez que o

ordenamento confere ao fato “passagem do tempo” o efeito jurídico da perda do direito

de ação, que, segundo a renomada jurista, “constitui-se como uma pena para o

negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de certo prazo, ante uma

pretensão resistida”.344

Como se denota, a prescrição não atinge o direito propriamente dito, mas sim

a possibilidade de agir processualmente, de forma que o sujeito passivo da ação não

proposta poderá cumprir com sua obrigação, caso queira, uma vez que poderá dispor

da prescrição que lhe beneficia. Desse modo, caso alguém pague uma dívida prescrita,

esse valor não poderá ser reclamado posteriormente.

343 Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. São Paulo: Malheiros, 1995. p.102. 344 Curso de direito civil brasileiro. 25 ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 388/389.

224

Já a decadência, instituto referido na lei de processo administrativo federal,

bastante confundido com o da prescrição pelo fato de, segundo Maria Helena Diniz,

“terem o traço comum da carga deletéria do tempo aliada à inatividade do titular do

direito”345, na verdade com a prescrição não se confunde, pois opera a extinção do

direito propriamente dito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal fixado

para o seu exercício. Perece o direito, não sendo mais viável ao titular exercitá-lo. A

decadência, ao contrário da prescrição, é irrenunciável, não se suspende nem se

interrompe.

Por meio da prescrição civil adquirem-se e extinguem-se direitos e

obrigações; a prescrição penal é sempre extintiva do poder-dever de punir do Estado.

O fato é que, em âmbito administrativo, embora existam leis esparsas

estabelecendo prazos prescricionais para a Administração Pública agir, a exemplo do

que ocorre com a punição de servidores públicos, não existe um tratamento geral, como

o assunto requer e, por isso, as dificuldades em sua aplicação no âmbito de atuação do

Tribunal de Contas, cuja lei orgânica não cuidou do assunto.

Todavia, a Corte de Contas, ao analisar os atos dos administradores, os dá

por regulares ou não e na segunda hipótese tais atos devem ser anulados,

invariavelmente atingindo a esfera jurídica de terceiros, tanto no aspecto de reparação

civil como no âmbito de eventual aplicação de penalidades, razão pela qual não temos

dúvida e reiteramos a afirmação de que o processo submetido à análise da Corte de

Contas igualmente deve ser submetido a prazos.

Como vimos, a regra geral do direito é a prescrição. A imprescritibilidade só

pode ser admitida se assim for expressamente estabelecida. Esta afirmação nos obriga

ao enfrentamento da questão relacionada ao estabelecido no § 5º, do artigo 37 da Carta

345 Curso de direito civil brasileiro, p. 409.

225

Magna de forma mais aprofundada, considerando as divergências doutrinárias e

jurisprudenciais existentes.

Assim, embora não se trate da prescrição da pretensão punitiva, tema central

deste tópico, consideramos adequado, nesta oportunidade, tecer breves considerações

por se tratar de assunto que não pode ser desprezado porque inúmeras decisões dos

Tribunais de Contas resultam na determinação de ressarcimento ao erário. A presente

análise também contribuirá para a condução do raciocínio que respaldará a defesa do

prazo a ser considerado para a prescrição para aplicação de sanções, que não se

confunde com o prazo para o julgamento dos atos administrativos sob controle da Corte

de Contas.

Explicitaremos as razões pelas quais nos filiamos à corrente que não confere

ao dispositivo a interpretação segundo a qual se trata de disposição excepcionadora da

prescrição, alertando que vários e respeitados juristas defendem a tese no sentido de

que a Constituição Federal estabeleceu a imprescritibilidade para as ações que visam o

ressarcimento ao erário.346

Como regra geral, a violação de um direito faz nascer para seu titular a

pretensão que se extingue pela prescrição, sendo certo que as regras que estabelecem

prazos extintivos tem em mira o interesse público pela estabilidade das relações,

indispensável para o convívio em sociedade, de forma que, para nós, o artigo 37, § 5º

da Constituição Federal deve ser entendido sob esse enfoque.

Em alentado parecer intitulado “Ação de Improbidade Administrativa –

Decadência e Prescrição, Ada Pellegrini Grinover, manifestando entendimento pela

prescritibilidade da pretensão ressarcitória do Poder Público, ressalta, citando vasta

doutrina nacional e alienígena, o caráter público do preceito legal que institui a

346 Podemos apontar como juristas de escola que adotam essa postura, Celso Antonio Bandeira de Mello (In: Curso de Direito Constitucional, p. 1015), Uadi Lammêgo Bulos (In: Constituição Federal Anotada, p. 615) e José Afonso da Silva (In: Curso de direito constitucional positivo. p. 653) e Marino Pazzaglini Filho (In: Improbidade Administrativa. p. 202)

226

prescrição, para demonstrar que outro entendimento não pode ser emprestado ao

artigo 37 § 5º da Constituição Federal, advertindo que “nem mesmo o apelo ao

interesse público do direito de cuja extinção se cogita pode superar as regras que

estabelecem – via prescrição ou decadência – o fenômeno extintivo”. Invocando lição

de Câmara Leal, a jurista cita a seguinte passagem:

Ora, na prescrição, dando-se o sacrifício do interesse individual do titular do direito, pelo interesse público da harmonia social, que exige a estabilidade do direito tornado incerto, é evidente que sua instituição obedeceu, direta e principalmente, à utilidade pública e que a norma que a estatui é de ordem pública. 347

Prossegue a referida autora citando a doutrina de Elody Nassar que

invocando o conteúdo ético das normas que estabelecem os efeitos estabilizantes das

relações, considera um paradoxo angustiante extrair do disposto no artigo 37 § 5º da

Constituição Federal que as ações de ressarcimento são imprescritíveis, afirmando que

: É notório princípio de exegese não presumir que disposições normativas novas infirmam as precedentes, sobretudo quando implicam rompimento com larga tradição legislativa anterior, a menos que isto resulte clara e induvidosamente dos termos do regramento superveniente”. E prossegue: “Daí porque afirmar que se a regra é de prescritibilidade das ações condenatórias, não se pode afirmar derrogada essa regra em face do disposto no § 5º do art. 37 da Constituição da República.348

No mundo jurídico é pacífico o entendimento de que o titular de direito deve

por sua inércia, ser punido com a perda da ação, segundo a máxima “o Direito não

socorre os que dormem” (Dormientibus non succurrit ius).

Fábio Medina Osório, revendo posição anterior a respeito do tema,

escreveu:

Até mesmo um crime de homicídio (art. 121, caput, do CP) sujeita-se a prazo prescricional, por que uma ação de danos materiais ao erário

347 Interesse Público. p. 56. 348 Op cit., p. 61

227

escaparia desse tratamento? Dir-se-á que essa medida não constitui uma sanção, eis a resposta. Sem embargo, tal medida ostenta efeitos importantes e um caráter nitidamente aflitivo de um ponto de vista prático. Ademais, gera uma intolerável insegurança jurídica a ausência de qualquer prazo prescricional.349

Cumpre consignar que até mesmo dentre os renomados juristas que se filiam

à tese da imprescritibilidade há ponderações em face dos princípios. José Afonso da

Silva se filia a essa corrente, mas não sem assentar que: “É uma ressalva constitucional

e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não

socorrem a quem fica inerte (dormientibus non succurrit ius)”.350

Lúcia Valle Figueiredo, que outrora se filiara ao entendimento pela

imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, após reflexão mais

aprofundada reviu a posição para concluir que se aplica o maior prazo prescricional

previsto no Código Civil (art. 205 do CC).351

Ensina Pontes de Miranda que a prescrição, em princípio, alcança todas as

pretensões e ações, mesmo que se trate de direitos pessoais, dos reais, privados ou

públicos.352

Considerando tais relevantes premissas, acreditamos que a correta exegese

do mencionado dispositivo constitucional é no sentido de que a prescrição da pretensão

punitiva dos atos ilícitos praticados pelos agentes, servidores públicos ou não, está

expressa no § 5º, do artigo 37 da Constituição Federal e esse dispositivo, ao fazer a

ressalva relacionada às respectivas ações de ressarcimento, pretendeu excluir da lei

que estabelecerá os prazos prescricionais para os ilícitos o estabelecimento de prazo

para as ações de ressarcimento.

349 Direito administrativo sancionador. p. 66. 350 Curso de direito constitucional positivo. p. 653. 351 Direito público: Estudos. p.38. 352 Tratado de Direito Privado. p 164

228

Por tais razões defendemos que a interpretação razoável para o dispositivo é

a de que o legislador não pretendeu tornar imprescritíveis as ações de ressarcimento, já

que não o fez de forma clara e expressa como no outros exemplos mencionados, mas

que remeteu à lei específica, que deveria tratar dos prazos prescricionais apenas os

prazos para os atos ilícitos I) que importem em enriquecimento ilícito; II) que causem

prejuízo ao erário; e III) atos que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Este também é o entendimento de Rita Andréa Rehem Almeida, ao afirmar o

seguinte: “Ora, o artigo 37 § 5º, da Constituição apenas afirma que as ações de

ressarcimento decorrentes de prejuízos causados ao erário não estarão sujeitas ao

prazo prescricional a ser estabelecido em lei para ilícitos praticados por agentes

públicos. Em momento algum afirmou que estas ações de ressarcimento seriam

imprescritíveis”353

Assim, entendemos que pretendeu o legislador constituinte que referida lei

não deveria tratar da prescrição para as ações de ressarcimento oriundas dos atos

ilícitos acima mencionados, mas que a essa matéria poderiam ser aplicadas as regras

que disciplinam os prazos prescricionais para ressarcimento a exemplo da disciplina

estabelecida na lei geral, o Código Civil que, aliás, dedica um título à prescrição e à

decadência, ou por analogia, em leis que tem a mesma natureza, como a lei da ação

popular. 354

353 A prescrição e a lei de improbidade administrativa. p. 56 354 A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da RESP nº 406.545/SP já decidiu e aplicou por analogia o prazo é o estabelecido no artigo 21 da Lei 4717/65 a aplicação do prazo estabelecido na lei de Ação popular, declarando-a prescrita, eis que, segundo entendimento adotado por aquele Tribunal, a Ação Civil Pública não veicula bem jurídico mais relevante que o da ação popular. Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade. Prescrição. Cerceamento de defesa. Ausência.(...)6. A Ação Civil Pública não veicula bem jurídico mais relevante para a coletividade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à mingua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo qüinqüenal para a prescrição das ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio”. Assim também entendeu a 5ª Câmara de Direito Público do tribunal de Justiça do estado de São Paulo, aplicando analogicamente o prazo prescricional da Lei nº 4.717/65, ao julgar a AC nº 164.059-5: Prescrição. Ação Civil Pública. Ministério Público estadual. EDIS. Devolução de diferenças de vencimentos além do devido. Prescrição qüinqüenal. Existência. Se as eventuais irregularidades teriam ocorrido no ano de 1990 e a ação civil pública somente foi proposta em 1998, já se havia consumado, portanto, o prazo prescricional. Na falta de dispositivo expresso na lei 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública. Aplicação analógica e

229

Não há controvérsia acerca do recebimento pela Constituição do prazo para a

propositura da ação popular, não havendo razão plausível para que não seja aplicado

nas ações civis públicas que visem o ressarcimento ao erário público. Acreditamos ser

este o melhor entendimento a ser adotado para a correta aplicação do disposto no

artigo 37,§ 5º da Constituição Federal, por tratar-se de lei que rege as relações de

interesse público, visando a proteção de bens jurídicos assemelhados àqueles a que a

lei de ação popular visa proteger. Se não esse, como já se disse, o prazo previsto no

Código Civil, outra variável que não se pode ignorar.

Ao tecer considerações sobre o novo Código Civil, com o propósito de

transmitir maior segurança às relações jurídicas, Nelson Nery Jr. E Rosa Maria de

Andrade Nery lembram que: “quando não houver previsão expressa na lei para o

exercício da pretensão condenatória, o prazo de prescrição dessa pretensão é o

determinado pela norma ora comentada: dez anos.”355

Diante dos argumentos colacionados afastamos a interpretação no sentido da

imprescritibilidade, que seria incompatível com o ordenamento de um país constituído

num Estado Democrático de Direito, onde é garantido a todos a igualdade perante a lei.

Ao contrário estaria sendo atribuído um direito ilimitado à atuação estatal. Estamos nos

referindo, portanto, a importantíssimo instrumento garantidor de justiça, que também

atua no sentido de assegurar a racionalidade da atuação estatal, evitando que os

cidadãos fiquem à mercê de um poder absolutamente despido de limites temporais.

Consignado o nosso entendimento acerca da prescritibilidade da ação de

ressarcimento ao erário público destacamos que o tema foi abordado em face da

atuação do Tribunal de Contas que como já mencionamos, inúmeras vezes resulta na

determinação de recomposição ao erário diante de irregularidades constatadas.

subsidiariamente, por guardar estrita similitude com a ação popular, a Lei 4.717/65, que, em seu art. 21, estabelece por prazo prescricional de 5 (cinco) anos. Recurso do autor desprovido” (Relator Desemb. Xavier de Aquino, j. 21.06.01). Todavia, cumpre consignar que existem decisões pela imprescritibilidade, sendo assunto não pacificado. 355 Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotadas. p. 117

230

Contudo, a abordagem está voltada, sobretudo, a demonstrar que os prazos

prescricionais relacionados ao ressarcimento ao erário, à atividade controladora dos

atos e à pretensão punitiva no âmbito do Tribunal de Contas, pela ausência de

prescrição na lei especial, devem buscar, por via da analogia, fundamento em diplomas

legais diferenciados diante do conteúdo dos atos, ou seja, diplomas legais que protejam

bens ou direitos assemelhados, a exemplo do que já consignamos sobre o prazo para a

ação de ressarcimento ao erário.

Tais diplomas provavelmente não serão os mesmos para a atividade de

controle dos atos, com ou sem determinação de ressarcimento ao erário e para os atos

que importam na imputação de sanções. Todavia, considerando que no âmbito público

predominam as leis que estabelecem prazos prescricionais em cinco anos, como

veremos a seguir, embora cada qual encontre seu fundamento em diplomas legais

diferenciados, o prazo será o mesmo, de cinco anos.

Por isso, independentemente da existência de dano ao erário a ser

ressarcido, pela lógica de tudo que foi consignado acerca do conteúdo da segurança

jurídica e a inviabilidade de os indivíduos permanecerem perpetuamente sujeitos à

revisão de atos praticados cujos efeitos já se estabilizaram no tempo e também a

aplicação de sanção administrativa pelos atos praticados, a Corte de Contas no

exercício da função controladora também estará sujeita a prazos para a análise dos

atos submetidos à sua fiscalização e para a imputação de sanções.

Cumpre averiguar qual seriam esses prazos, considerando-se que a lei

orgânica do Tribunal de Contas silenciou a esse respeito. Iniciaremos com os prazos

relacionados à atividade de controle, que importará no julgamento pela adequação ou

não do ato controlado.

Existem vários diplomas legais estabelecendo prazos prescricionais, a

exemplo do Código Civil, que fixa a prescrição em dez anos, quando a lei não haja

fixado prazo menor, o Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/66 - que fixa o prazo de

231

cinco anos para a cobrança de créditos tributários, a lei de improbidade administrativa –

Lei 8.429/92 - que fixa o lapso temporal de cinco anos para a aplicação das penas

previstas para os atos de improbidade assim descritos na lei, contados da data do

término do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, a lei da ação

popular – Lei 4.717/65 que fixa em cinco anos a prescrição para a propositura da ação,

a lei federal que rege o regime jurídico dos servidores públicos – Lei 8.112/90, que fixa

em cinco anos o limite máximo para a ação disciplinar, a lei que dispõe sobre a

prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica – Lei 8.884/94, que

fixa em cinco anos contados da data do ilícito o prazo prescricional para as ações

tendentes a punir os ilícitos nela previstos.356

Também há os diplomas que fixam prazos prescricionais para a ação do

administrado em face da Administração, à exemplo do Decreto nº 20.910/30, que com

força de lei estabelece o prazo prescricional de cinco anos para a propositura de ação

contra a Fazenda Pública Federal visando a cobrança de dívidas passivas desses entes

federados ou a Lei 9.494/97, que fixa o prazo de cinco anos para a reparação de danos

causados por agentes de pessoa jurídica de direito público. Muitos juristas defendem

que o prazo estabelecido para o administrado igualmente deveria incidir para a

Administração Pública, invocando, portanto, a incidência do decreto Federal nº

20.910/32 para a prescrição administrativa.357

Como observou Celso Antonio Bandeira de Mello, o prazo de cinco anos é

uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público voltadas

a fixação de prazos prescricionais.358

Na ausência de especificação legal, assevera o jurista que o prazo

prescricional ou decadencial para que o Poder Público invista contra atos nulos ou 356 A Lei nº 8.884/94, fixava os prazos prescricionais em seu artigo 28, que foi revogado pela Lei nº 9.873/99 que prescreve os prazos prescricionais para as ações punitivas da Administração Pública no exercício do poder de polícia. Todavia, fica mantido o prazo de cinco anos. 357 Nesse sentido, Helena Ragoni de Moraes Correia se filiando a esse entendimento, cita Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella Di Pietro. A prescrição administrativa como limite à autotutela da administração pública. p. 62. 358 Op cit. p.1014.

232

anuláveis é o de cinco anos previsto na Lei Federal nº 9.784/99, que não estabelece

distinção alguma entre atos nulos e anuláveis, situação que atenua essa distinção.359

Alguns doutrinadores adotam entendimento segundo o qual, a Corte de

Contas no desempenho da função controladora estará submetida à lei de processo

administrativo naquilo que sua lei orgânica não disciplinou e, portanto, ao prazo

decadencial estabelecido no artigo 54 da Lei 9.784/99 para a invalidação dos atos

fiscalizados.

Essa é a posição adotada por Jorge Jacoby Fernandes, que ao cuidar do

limite temporal a ser observado para a invalidação dos atos ilegais, esclarece:

(...) para os casos em que não há regra específica sobre o tema, desde 1999, vigora, para a Administração Federal – que pode ser validamente aplicada por analogia nas demais esferas de governo – a regra da impossibilidade de anular atos com efeitos favoráveis para os destinatários após o quinto ano, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé..360

Ana Maria Goffi Scartezzini, em parecer sobre decisão do Tribunal de

Contas em concessão de aposentadoria externou opinião no sentido de que não

poderia o Tribunal de Contas determinar à Administração Pública a revisão de ato

inquinado quando já operada a decadência do direito de revê-lo pela própria

Administração, de modo que, para que o controle seja validamente exercido é preciso

que não se tenha escoado o prazo de cinco anos. São as palavras da jurista:

Assim, o ato de controle só poderá ser validamente exercido se emanado no prazo decadencial previsto para a atuação do órgão controlador, ao qual não se confere o poder de exercer sua atividade sem qualquer limitação, especialmente de tempo, uma vez que poderá ocasionar restrição ou supressão de direitos já concedidos aos servidores.361

359 Curso de direito administrativo. p. 463. 360 Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência.Belo Horizonte: Fórum, 2003, p.68-69. 361 O Tribunal de Contas e a concessão de aposentadoria. p. 221.

233

O Supremo Tribunal Federal vem fixando o entendimento de que a lei

federal de processo administrativo tem aplicação subsidiária nos procedimentos do

Tribunal de Contas, não só no que diz respeito às garantias processuais, que, diga-se

de passagem são inúmeros em face do corrente desatendimento ao devido processo

legal, mas também no aspecto relacionado ao prazo estabelecido no artigo 54 da Lei nº

9.748/99.362

Mas tais posicionamentos não são pacíficos. Há entendimentos divergentes

na doutrina, no âmbito do próprio Tribunal de Contas da União e na jurisprudência de

nossos Tribunais. Procuraremos dar um panorama dos posicionamentos existentes

para assentar e justificar nosso posicionamento.

Sergio Honorato dos Santos, abordando o prazo de prescrição das ações

de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade, filia-se à jurisprudência

dominante no Tribunal de Contas da União no sentido de que se aplica a regra geral do

artigo 205 do Código Civil para a prescrição dos débitos apurados pela Corte de

Contas. Informa o autor que alguns julgados daquela Corte dão notícia de que o prazo

previsto na Lei nº 8.429/92 (improbidade administrativa), o previsto na Lei nº 9.873/99

(prescrição para o exercício da pretensão punitiva pela Administração Pública Federal

Direta e Indireta) e o previsto no Decreto nº 20.910/32, não se aplicam ao Tribunal de

Contas. Assim é que, embora existam posições divergentes no sentido de que são 362 Relacionados ao procedimento que assegure a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa as seguintes decisões: MS nº 24.421-6/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 11.10.2007; MS 24.519/DF. Rel. Min. Eros Grau. DJU 02.12.2005; MS 23.550/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 31.10.2001 e MS 23.550-1/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 31.10.2001. E especificamente sobre a incidência do artigo 54 da Lei Federal nº 9.784/99, citamos os seguintes julgados: MS 26.782-8. Rel. Min Cezar Peluso. DJU 22.02.2008, através do qual afirma o Senhor Ministro relator o seguinte: “ (...)Tais ascensões funcionais são, pois, atos jurídicos perfeitos, já que não podem ser alcançados pela revisão do Tribunal de Contas, após o quinquênio legal previsto na Lei 9.784/99 (art. 54(, por força da decadência...” e ainda o MS 26.363-6-DF. Rel. Min Marco Aurélio. DJU 17.12.2007, onde o Ministro Relator faz a seguinte afirmação: “ (...)Realmente, a Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, é linear quanto à passagem de mais de cinco anos, a obstaculizar a revisão de atos administrativos. A atuação do Tribunal de Contas faz-se nesse campo, não estando em jogo ato complexo. A partir dela é que o órgão fiscalizado toma medidas visando a tornar ineficazes os atos praticados. Não cabe versar a problemática referente ao princípio da especialidade. A lei mencionada no parecer – nº 8.443/92 – disciplina a atuação do Tribunal de Contas da União, não contendo preceito regedor da matéria. Somente com a Lei nº 9.784/99 veio à baila a fixação de prazo decadencial para a revisão de atos administrativos, pouco importando que o fenômeno ocorra, ou não, a partir do crivo do Tribunal de Contas em fiscalização efetuada. Em síntese, haverá, depois de mais de cinco anos do aperfeiçoamento a revisão de ato implementado pela administração Pública. O que interessa ter presente é que o Tribunal de Contas não atua no campo jurisdicional mas no administrativo”.

234

imprescritíveis as ações que visam o ressarcimento ao erário, no âmbito da Corte de

Contas prevalece o entendimento segundo o qual incide a regra geral do Código

Civil.363

É de se notar que a definição desse prazo se dá no bojo da discussão

acerca da cobrança de débitos apurados pelo Tribunal de Contas e não para o

julgamento dos atos. Todavia, não há como afastar os reflexos que uma ação causa na

outra, uma vez que a irregularidade com a constatação de débito acarretará, além da

determinação para a invalidação do ato, também na determinação para o

ressarcimento. Todavia, o Tribunal de Contas, no exercício da função de controle não

invalida o ato administrativo no exercício da auto-tutela, princípio próprio da

Administração Pública. A Corte de Contas julga os atos regulares ou irregulares, razão

pela qual questionamos se o mesmo prazo decadencial há de ser aplicado ao órgão de

controle. Acreditamos que não.

Já consignamos que, segundo nosso entendimento, o prazo para a ação de

ressarcimento ao erário é o de cinco anos estabelecido na lei de ação popular, e temos

razões para considerar que o mesmo prazo deve se aplicar para o julgamento dos atos

submetidos a seu crivo.

É que, como observamos, o Tribunal de Contas não invalida atos no

exercício da auto-tutela, parâmetro utilizado pela lei de processo administrativo federal

para estabelecer o prazo decadencial de cinco anos, mas os julga, não devendo ser

submetido ao mesmo prazo decadencial estabelecido para a Administração Pública no

363 Os julgados mencionados pelo autor são: Acórdãos nº 1.727/03 da 1ª Câmara; 1.905/03 da 1ª Câmara; 904/03 da 2ª Câmara; 2.584/03 da 1ª Câmara; 157/04 da 2ª Câmara; 1.905/03 da 1ª Câmara; 71/00 e 248/00, ambos do Plenário ; 8/97 da 2ª Câmara; 11/98 da 2ª Câmara e 05/03 da 2ª Câmara. O prazo de prescrição das ações de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade que causem dano ao erário. p. 73. Cumpre consignar que existem posições, ainda que minoritárias, no sentido de que incide o prazo prescricional de cinco anos da data da efetiva realização da Inspeção e/ou Auditoria ou da ciência dos fatos denunciados, por ser mais consentâneo com a natureza da atividade administrativa da Corte de Contas, a exemplo do voto proferido pelo Conselheiro Antonio Carlos Andrada no processo nº 687.138. Helena Ragoni de Moraes Coelho, defendendo a incidência do prazo previsto no artigo 59 da Lei 9.784/99 para a Administração Pública, não fazendo referência ao Tribunal de Contas, afasta a incidência do prazo geral do Código Civil, aduzindo que a prescrição qüinqüenal não envolve direitos reais, seguindo-se para estes a regra geral prevista no Código Civil. A prescrição administrativa como limite à autotutela da administração pública. p.65.

235

exercício do poder dever de rever os atos irregulares. Por essas razões este não parece

ser o prazo mais adequado para incidir analogicamente, de forma que, para nós, o

prazo decadencial de cinco anos se aplica somente à Administração, que deverá

cumprir determinação da Corte de Contas para invalidar ato praticado, ainda que há

mais de cinco anos, e portanto, precluso para a Administração no exercício da auto-

tutela, mas não para o órgão de controle, no exercício da função fiscalizadora.

Mas, diante do silencio da Lei Orgânica da Corte de Contas, qual norma

incidiria?

Celso Antonio Bandeira de Mello, que outrora sustentava que na ausência

de lei específica incidiria por analogia os prazos estabelecidos na lei civil, reconsiderou

a opinião lecionando que em tema de prescrição a analogia deve buscar inspiração em

regras de direito público.364

De fato, acreditamos que, também nesta situação deverá ser aplicado

analogicamente o prazo prescricional da Lei de Ação Popular – Lei Federal nº 4.717/65,

pelos mesmos motivos já consignados acima, quando defendemos sua aplicabilidade

para a contagem dos prazos para as ações de ressarcimento ao erário. Trata-se de

prazo mais consentâneo com a função do Tribunal de Contas, além do fato de que os

bens jurídicos protegidos pela Corte de Contas podem ser igualados àqueles protegidos

pela lei de ação popular para a finalidade do estabelecimento de prazos legais para a

extinção do direito de ação com a finalidade de revê-los. Referida lei estabelece em seu

artigo 21 o prazo prescricional de cinco anos para a ação prevista na lei. Em se

tratando de prazo prescricional também estará sujeito à suspensão e interrupção, que

deveriam estar previstos em lei própria, considerando as especificidades dos

procedimentos do Órgão de controle.

364 São as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “(...) parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público”. Op. Cit., p. 1013- 1014.

236

Nessa situação, consideramos que a lei deveria estabelecer que a

instauração de procedimento no âmbito da Corte de Contas, visando o controle do ato,

seria causa de interrupção do prazo prescricional, de forma que à partir dessa data

recomeçaria a contagem dos cinco anos para o exercício da função de controle.

Todavia, na ausência de fixação de prazo específico, entendemos que

devem incidir as regras incidentes na ação popular, no sentido de que o prazo

prescricional deve ser interrompido com a citação dos interessados, quando o lapso

temporal será reiniciado. Considerando-se que no processo administrativo não há

citação, ocorreria com a notificação ou intimação, enfim, a partir do ato que de forma

inequívoca der ciência àqueles que serão atingidos pela decisão, da existência e

conteúdo do processo instaurado.

Passemos à análise do prazo para o exercício da pretensão punitiva. Como já

observamos acima, referido prazo há que se pautar em lei que busque proteger direitos

da mesma natureza.

As sanções administrativas, a exemplo das demais sanções jurídicas devem

estar sujeitas à prescrição porque a perpetuidade da pretensão punitiva estatal em

qualquer das esferas em que o “ius puniendi” é exercido, tenderia a prolongar

indefinidamente situações litigiosas, abalando a estabilidade da ordem jurídica.

Cretella Jr. adverte o seguinte:

(...) Por isso é insustentável a tese da imprescritibilidade da sanção administrativa, defendida por ilustres cultores do direito administrativo, porque o fundamento da prescrição tem de ser buscado na categoria jurídica, sendo o mesmo para o direito penal e para o direito disciplinar, havendo diferenças, é claro, apenas naquilo que o direito positivo de cada país preceituou para uma e outra figura.365

365 Comentários à Constituição Brasileira de 1988. p. 2262

237

No processo administrativo sancionatório além de a Administração ter o

dever de exercer as prerrogativas punitivas que são indisponíveis, deve agir com

eficiência, garantindo que sejam efetivamente punidos aqueles que fizeram por

merecer; a paralisação significaria ao mesmo tempo dispor de competência obrigatória

e deixar os potencialmente atingidos em situação de instabilidade e insegurança,

aguardando indefinidamente o ato conclusivo, situação, por óbvio, não tolerada pelo

Direito.

Nesse aspecto é interessante o comentário de José Armando da Costa,

fazendo referência à punição disciplinar:

(...) A autoridade incumbida de aplicar a penalidade, entretanto, tem um prazo para fazê-lo. Lançará a punição, no momento adequado, no calor da infração, a fim de alcançar os efeitos psiciológicos a que visa. Caindo em inércia, perde a oportunidade de colimar o principal objetivo, que é o de assegurar a ordem e a disciplina administrativas. a inércia, por maior lapso de tempo, significa que a autoridade deseja relegar a infração ao esquecimento. E há regras positivas que obrigam ao esquecimento, desde que não aplicadas, de logo.366

Assim, a pretensão punitiva do Estado deve estar limitada no tempo, de

modo que este não tem o direito de exercê-la indefinidamente, a exemplo do que ocorre

no direito penal. Cumpre relembrar que até para as penas estabelecidas na Lei nº.

8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa, que estabelece penalidades bastante

severas voltadas a punir condutas consideradas pelo legislador de razoável gravidade -

há regra de prescrição estabelecida em seu artigo 23. A prescrição acarreta a perda do

poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva no prazo

estabelecido na lei.

Não resta dúvida que estará o Tribunal de Contas submetido igualmente a

prazos para aplicar sanções sob pena de, além da situação de insegurança que gera,

criar dificuldades intransponíveis para a realização da defesa na amplitude exigida pelo

366 Teoria e prática do direito disciplinar. p. 273.

238

Estado de Direito nas condições já abordadas amplamente no primeiro capítulo deste

trabalho e no item anterior. Neste sentido invocamos novamente palavras de Cretella Jr:

(...) Nem teria sentido que a sanção pairasse, indefinidamente, como a espada de Dâmocles, sobre o infrator da norma, para ser aplicada muito mais tarde, quando os fatos, as circunstâncias de local e tempo, os documentos, as testemunhas, as provas tivessem de vir à tona para extemporânea valoração pelo aplicador da pena, dentro de quadro bem diverso daquele que cercava o fato e o autor, na época da consumação.367

Também nesse diapasão é a lição de Jorge Jacoby Fernades, que sobre o

assunto asseverou o seguinte:

(...) as penalidades, mesmo a multa que tem caráter pecuniário, estão sujeitas à prescrição. O julgamento pelos tribunais de contas muitas vezes ocorre tardiamente: citações, intimações, diligências, tudo em nome da garantia da ampla defesa e do contraditório, ou até mesmo sobrecarga de trabalho e falta de racionalização nas rotinas podem impedir a aplicação daquelas. O tema já deveria estar sendo regulado nas respectivas leis orgânicas, mas em pesquisa empreendida nada foi encontrado.368

Assim, há que se perquirir a qual prazo estaria submetido o Tribunal de

Contas e como deve ser computado, considerando-se o silêncio sobre o assunto em

sua lei orgânica? O tema requer análise criteriosa da legislação que estabelece prazos

prescricionais da pretensão punitiva do Estado.

O recurso à analogia deve dar preferência às normas de direito público,

sobretudo as de direito administrativo onde já verificamos que regra geral são fixadas

em cinco anos. Para nós, dentre as várias normas, a que mais se adequa para fim de

aplicação analógica de prazos prescricionais da pretensão punitiva no exercício da

função de controle, é a Lei Federal nº 9.873/99 que estabelece prazos de prescrição da

ação punitiva pela Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia

visando apurar infração à legislação em vigor.

367 Prescrição da falta administrativa. p. 5 368 Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo Horizonte: Fórum, 2003 p. 551.

239

Como já mencionamos acima, há decisões do Tribunal de Contas da União

afastando a incidência dessa lei em seu âmbito de atuação por considerar que o

Tribunal de Contas não atua no exercício do poder de polícia. De fato, como já

destacamos neste trabalho, sobretudo no capítulo relacionado ao Tribunal de Contas e

o exercício da competência sancionatória sua atuação se dá no âmbito da função

controladora, de forma que as sanções aplicadas no exercício dessa atividade não se

confundem com o poder de polícia da Administração Pública. Mas seria este um

argumento hábil a afastar a aplicação analógica da mencionada lei? Seria adequada a

invocação do prazo decadencial estabelecido na Lei Federal nº 9.748/99?

Na verdade precluindo a oportunidade de atuação do Poder Público sobre a

matéria sujeita à sua apreciação, extingue-se o poder de punir. Trata-se de um dos

casos representados pela influência do tempo a que se refere Ruy Cirne Lima, em que

o tempo serve de medida para a duração da possibilidade de praticar um ato com

eficácia jurídica.369

Já tratamos ainda que de forma perfunctória dos institutos da prescrição e da

decadência. Cumpre, contudo, salientar na esteira do que faz Ada Pellegrini Grinover,

que embora as distinções entre ambos resultem desdobramentos relevantes, nem

sempre tal missão é isenta de dificuldades, existindo mesmo quem na doutrina afirme

que não existe critério capaz de distinguir consistentemente os prazos decadenciais e

prescricionais.370

Mas a doutrina fornece informações suficientes para orientar a distinção dos

fenômenos, a exemplo da lição de Amorim Filho, segundo a qual “(...) os potestativos

são os únicos direitos que podem estar subordinados a prazos de decadência, uma vez

que o objetivo e efeito desta é, precisamente, a extinção dos direitos não exercitados

dentro dos prazos fixados”.371

369 Princípios de direito administrativo. p. 281 370 Ação de improbidade administrativa. decadência e prescrição. P. 57. 371 Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. p. 19-20.

240

Assim, as ações condenatórias estariam sujeitas aos prazos prescricionais e

as constitutivas à decadência. Explica Orlando Gomes que a distinção baseia-se na

estrutura do direito atingido pelo decurso do tempo, no seguinte sentido: “Os direitos

providos de pretensão seriam prescritíveis, eis que o exercício da pretensão por meio

de ação judicial visa à obtenção de sentença condenatória”.372

Desta forma, os prazos prescricionais atingem pretensões que são em sua

maioria veiculadas por ações condenatórias e os prazos decadenciais atingem os

direitos potestativos ou de sujeição. Não é por outra razão que os prazos estabelecidos

no Código Penal são prescricionais uma vez que buscam estabelecer limites temporais

à pretensão punitiva do Estado, constituindo causa extintiva da punibilidade.

A prescrição acarreta na perda do direito de ação, não atingindo, portanto, a

própria infração. O direito atingido pela prescrição é o de aplicar a sanção, de forma

que a impossibilidade da instauração de processo administrativo para a imputação de

sanção, é conseqüência indireta.

Pelas noções fixadas pela doutrina, podemos concluir que o prazo a que

estará o Poder Público submetido para exercer a pretensão punitiva é prescricional e

não decadencial, razão pela qual já afastamos de plano a incidência do artigo 54 da lei

Federal nº 9.748/99.

Adrede mencionamos várias leis estabelecedoras de prazos prescricionais e

nesta oportunidade nos preocuparemos com aquelas relacionadas a aplicação de

penalidades a fim de justificar nosso posicionamento sobre a incidência por analogia da

Lei nº 9.873/99.

Encontramos discussões relacionadas, sobretudo, ao prazo prescricional

para cobrança de multa administrativa em vários âmbitos de atuação do Poder Público,

372 Introdução ao direito civil. p. 431.

241

todas afastando a incidência do Código Civil considerando a impropriedade de sua

aplicação analógica às relações jurídicas de cunho administrativo. E nesse sentido, o

STJ já considerou inaplicável o prazo do Código Civil por tratar-se de crédito de

natureza administrativa, asseverando a Ministra Eliana Calmon o seguinte: “Se a

relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Público, não

tem aplicação a prescrição constante do Código Civil”.373

As invocações fazem referência normalmente à lei nº 8.884/94 – Código

Tributário Nacional, cujo artigo relativo aos prazos prescricionais foi revogado pela Lei

nº 9.873/99 ao Decreto Federal nº 20.910/32, à Lei nº 8.112/90 e aos prazos

prescricionais para a punição disciplinar previstos nas leis nºs 75/93 e 80/90,

respectivamente do Ministério Público e da Defensoria Pública, que não fixam prazos

superiores a cinco anos, a Lei nº 8.429/92 que fixa em cinco anos a prescrição para a

aplicação das penas por ato de improbidade administrativa e a Lei nº 6.838/80 que

prevê o prazo máximo de cinco anos para a punição das infrações disciplinares dos

profissionais liberais e o Estatuto da OAB – Lei nº 8.906/94, que também prevê o prazo

máximo de cinco anos. Todas são voltadas ao estabelecimento de prazos prescricionais

para a pretensão punitiva, com exceção do CTN e do Decreto Federal de 1932, cuja

aplicação principiológica da isonomia impõe a incidência recíproca dos prazos

estabelecidos para os indivíduos.

Parece, na verdade, que a Lei Federal nº 9.873/99 que versa sobre o

exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal colocou uma pá de cal

sobre a celeuma existente, fixando nessa seara prazo consentâneo com a legislação

pública em geral, afastando a discussão sobre a incidência dos prazos do Código Civil.

Pudemos apurar que o prazo prescricional estabelecido na referida lei para o

exercício da pretensão punitiva é aplicado também pelo CADE – Conselho

Administrativo de Defesa Econômico, que inclusive vem reconhecendo de forma

reiterada a incidência da prescrição intercorrente nos termos do § 1º, do artigo 1º da Lei

373 Resp. 623.023/RJ. DJ 14.11.2005

242

nº 9.873/99, pela CVM- Comissão de Valores Mobiliários, pelo Conselho Estadual de

Trânsito do Rio Grande do Sul. Igualmente tem sido reconhecido de forma reiterada

para aplicação nos prazos prescricionais de dívida de natureza não tributária, como

ocorre com as multas aplicadas pela fiscalização do trabalho, situações em que os

Tribunais Regionais do Trabalho vêm aplicando analogicamente os prazos do Decreto

Federal nº 20.910/32 e da Lei Federal nº 9.873/98.374

Pois bem, ainda que as sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas não

decorram do exercício do poder de polícia, considerando a natureza administrativa de

seus atos sancionatórios expedidos no uso da prerrogativa do ius imperii do Estado,

não vislumbramos razões para afastar a incidência analógica da lei editada para tratar

da prescrição na esfera federal para o exercício da ação punitiva, que inclusive

estabelece prazo de cinco anos, de acordo com o contido nas leis que regem as

relações de natureza administrativa em geral, garantindo ainda a isonomia que se

procurava assegurar com a invocação dos prazos do Decreto Federal nº 20.910/32.

Referida lei nº 9.873/99 como se denota, fixou o prazo geral de cinco anos,

mas também fixou regras importantes voltadas à regulação da prescrição intercorrente,

que se dará em três anos quando o procedimento estiver paralisado, pendente de

despacho, e ainda estabelece as situações de interrupção e de suspensão da

prescrição, excepcionando expressamente as infrações de natureza tributária e

funcionais. Fixou ainda que incidirão os prazos da prescrição penal quando o fato

também constituir crime.

A lei estabeleceu como momento inicial para a contagem do prazo o da data

da prática do ato ou no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver 374 Parecer PROCADE nº 025/2007. Relator Conselheiro Abraham Benzaquen Siczú; Parecer PROCADE nº 572/2006. Conselheiro Abraham Benzaquen Siczú. Recurso 08012.003376/2003-08. Rel. Cons. Miguel Tebar Barrinuevo; recurso nº 08012.000705/1999-11. Rel. Cons. Cleveland Prates Teixeira. Também constatamos a aplicação subsidiária da lei no âmbito da CVM (Inquérito Administrativo nº 10/96), na cobrança de multas decorrentes de infração à legislação do trabalho (TRT 14ª Região. Proc 00243.2007.101.14.00-0. 1ª Turma. Rel. Dês. Ricardo Turesso; TRT – 5ª Região – AGR 2002.05.00.015410-5. rel. Dês. Ridalvo Costa. DJU 03.05.2005 e TRF da 4ª Região. Apelação Cível nº 458.280/PR 3ª Turma. Relatora Dês. Tais Schilling Ferraz. DJ 25/04/2002.) e ainda, para a suspensão da carteira nacional de habilitação, considerando que o Código Nacional de Trânsito não previu prazo específico (Conselho Nacional de Trânsito do Rio Grande do Sul – Relator Liéverson Luiz Perin. 09.05.2006).

243

cessado. Os processos instaurados no âmbito do Tribunal de Contas teriam o condão

de interromper esse prazo?

Aqui também seria igualmente indispensável que a lei Orgânica do Tribunal

de Contas disciplinasse as situações interruptivas expressamente, enumerando

taxativamente as causas interruptivas da prescrição, considerando-se as peculiaridades

dos procedimentos fiscalizatórios. De qualquer modo, a Lei nº 9.873/99 institui

situações que na ausência de norma específica podem ser utilizadas analogicamente

pela Corte de Contas, desde que de forma devidamente fundamentada em relação à

situação fática e a prescrição legal.

.

Para nós, prazo prescricional para a Corte de Contas aplicar as sanções

previstas na lei teria início igualmente na data do fato, ou seja, quando o mesmo se

concretiza, exceto se tratar de infração continuada ou permanente, cujo prazo se

iniciará apenas quando estiver cessado. Importa estabelecer que uma infração

instantânea poderá ter efeitos permanentes, situação que não impedirá o lapso do

prazo prescricional, porque o que impede a prescrição é a permanência da conduta ou

sua reiteração.375 A lei poderia definir em tese quais seriam os casos de infrações

permanentes, mas as continuadas só podem ser constatadas diante de cada caso

concreto.

Pois bem, o prazo poderia ser interrompido igualmente por aplicação

analógica da lei, nas situações nela estabelecidas, incidindo inclusive a prescrição

intercorrente prevista em seu § 1º, do artigo 1º. Vejamos as situações:

Estabelece a lei que os processos paralisados por mais de três anos,

pendentes de julgamento ou despacho serão arquivados de ofício ou a requerimento

das partes, sem prejuízo da apuração de responsabilidade funcional decorrente da

375 O aumento abusivo de preços é uma conduta instantânea de efeitos permanentes, mas a data a ser considerada é a do aumento abusivo dos preços e não de quando cessou seus efeitos. Ao contrário, exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa (art. 21,VII da Lei 8.884/94) é inicialmente instantânea, mas se a cada adquirente de seus produtos é exigida a exclusividade, teremos a continuidade do ato infracional, quando o termo inicial da prescrição será o do último ato.

244

paralisação. Essa prescrição poderá ser interrompida em três situações, a saber: I- pela

citação do indiciado ou acusado; por qualquer ato inequívoco, que importe em apuração

do fato e pela decisão condenatória recorrível. As situações de suspensão da

prescrição estão previstas no artigo 3º da lei, relacionadas à celebração de termos de

compromisso referidos em algumas leis específicas mencionadas no texto, situação,

portanto, em que estará excluído o Tribunal de Contas, que não possui dentre suas

atribuições a elaboração de termos de compromissos ou de ajustes de condutas.

Todavia, a sistemática poderá ser adotada em lei específica para a Corte de Contas.

Defendemos que a interrupção da prescrição somente se dará com o

estabelecimento do contraditório, ou seja, á partir da intimação das partes interessadas,

a exemplo do que ocorre no processo civil, ou nos termos estabelecidos na Lei Federal

nº 9.873/99, que dispõe que a interrupção e suspensão da prescrição do direito de punir

somente quando há processo devidamente instaurado. Deve-se entender que tal

exigência legal só será atendida com a efetiva citação dos interessados.376

Segundo esse raciocínio a existência de procedimento no âmbito do Tribunal

de Contas não será suficiente para interromper a prescrição, porque a pretensão

punitiva somente se materializará com a intimação dos envolvidos. Nesse sentido deve

ser a intelecção do inciso II do artigo 2º da lei. O ato passível de provocar a interrupção

deve se relevar inequívoco de apuração dos fatos e para nós esse ato é a intimação do

interessado da instauração de procedimento visando a apuração dos fatos.

Todavia, cumpre observar que a regra é bastante vaga e pode dar origem a

interpretações várias e situações equivocadas. Por isso insistimos que melhor seria se

lei específica adotasse as causas de interruptivas e suspensivas de forma expressa de

acordo com a realidade específica dos procedimentos próprios do Tribunal de Contas.

376 Essa proposta está inserida em texto de autoria de Marcelo Vicente de Alkimim Pimenta, denominado “A prescrição da ação punitiva do tribunal de Contas da União”. In: Revista Fórum Administrativo – Direito Público-FA. ano 7, nº 71. Belo Horizonte, Jan. 2007, p.51.

245

Não obstante a postura por nós adotada, consignamos que o prazo

prescricional de cinco anos, estabelecido na Lei Federal nº 8.429/92, para as sanções

aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de

mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública também nos parece

adequado para aplicação analógica ao Tribunal de Contas no exercício da pretensão

punitiva. Referida lei estabelece em seu artigo 23, que as ações destinadas a levar a

efeito as sanções nela previstas prescrevem em até cinco anos, contados do término do

exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança.

246

SÍNTESE DOS CAPÍTULOS

CAPÍTULO I

• o princípio do devido processo legal evoluiu de forma paulatina no Brasil, e só

ganhou fôlego e expressiva atenção do legislador constituinte na Carta de 1988,

que o constitucionalizou no artigo 5º, inciso LIV, e o estendeu para a esfera

administrativa no inciso LV desse mesmo dispositivo;

• no âmbito da Administração Pública, o devido processo legal é veiculado por

meio do processo administrativo, instrumento que viabiliza a verificação da

validade dos atos estatais. Para sua satisfação, não basta um procedimento

encadeado e seqüencial de atos voltados a um resultado final, sendo

imprescindível a existência de um processo que assegure todas as garantias do

contraditório, que engloba a produção de provas com a efetiva participação das

partes envolvidas e a ampla defesa, além de um julgamento realizado por juízo

imparcial, mediante procedimentos previamente estabelecidos que assegurem

tratamento isonômico aos envolvidos e eventualmente atingidos pelo ato;

• a Constituição Federal brasileira, ao assegurar o contraditório e a ampla defesa,

garantiu a incidência de vários outros princípios que lhes são verdadeiros

corolários, de forma que também, estes devem ser observados nos

procedimentos administrativos em geral;

• o devido processo legal que tem em mira fundamentalmente o processo penal

porque tende a proteger o indivíduo em sua liberdade, é aplicável a todos os

tipos de procedimentos, sendo a sanção administrativa ato jurídico cuja

legalidade depende da existência de procedimento prévio, desenvolvido com

absoluto respeito ao devido processo legal;

• embora a ordem constitucional brasileira tenha acolhido expressamente a

cláusula de devido processo legal, não há na doutrina, um consenso ou definição

quanto ao conteúdo e limites da cláusula, de modo que a verificação da efetiva

aplicação do devido processo legal em sua dimensão adjetiva somente será

247

viável diante de cada caso concreto, constatação que não afasta a viabilidade da

indicação de requisitos mínimos e indispensáveis para sua concretização.

CAPÍTULO II

• a concepção doutrinária atual do princípio da legalidade já não é tão rigorosa

como aquela fortemente influenciada pelo positivismo jurídico que vigorava no

Estado de Direito Clássico, de forma que a Administração não se encontra

restrita às prescrições da lei em sentido estrito, mas ao ordenamento jurídico;

• não existem diferenças ontológicas entre as infrações e sanções penais e as

infrações e sanções administrativas, prevalecendo o critério formal de distinção,

mediante o qual será sanção administrativa quando aplicada por uma autoridade

no exercício da função administrativa, e penal, quando aplicada no exercício da

função jurisdicional. Em face da inexistência de critérios objetivos qualitativos ou

quantitativos a orientar o legislador, poderá este estabelecer quais condutas

serão consideradas ilícitos penais ou administrativos, sem critérios de gravidade

ou relevância predeterminados no ordenamento jurídico, definindo dessa forma o

regime jurídico a ser observado em cada situação;

• não obstante a inexistência de diferenças substanciais, as sanções

administrativas e as penais serão aplicadas no exercício de funções

diferenciadas, a administrativa e a jurisdicional, o que resultará em diferentes

conseqüências jurídicas e também na incidência de princípios jurídicos que

regem cada ramo do direito.;

• ainda que o regime jurídico administrativo não se confunda com o regime jurídico

penal, é forçoso reconhecer a existência de princípios que se aplicam a ambos

os procedimentos, independentemente da natureza da sanção, penal ou

administrativa. Todavia, as diferenças entre os regimes jurídicos justificam a

preocupação com o estudo apartado, uma vez que, mesmo diante da incidência

de princípios comuns, existem peculiaridades decorrentes do regime a que cada

um se submete;

248

• a sanção administrativa é aplicada por quaisquer dos Poderes estatais, quando

no exercício de função administrativa, típica ou não. O Tribunal de Contas, ao

aplicar sanções, o faz no exercício da função controladora, com a finalidade de

conferir eficácia às suas decisões. Os objetivos de represália ou castigo,

identificados por muitos doutrinadores dentre as finalidades das sanções, devem

ser afastados, uma vez que as penalidades são instrumentais, sendo meio de

garantir a atuação da Administração Pública em conformidade com as regras

estabelecidas e, bem assim, de garantir a eficácia de suas decisões, quando

desobedecidas;

• ilícitos e sanções administrativas são matérias de reserva de lei em sentido

estrito, de forma que a lei que institui ilícitos e respectivas sanções não pode se

satisfazer com o respeito ao princípio da legalidade, devendo o legislador

observar também o princípio da tipicidade, a exigir que contemple a lei descrição

dos comportamentos censurados e as respectivas sanções. Por tais razões, e

também porque sanções importam restrição a direitos, fica afastada a

possibilidade de integração da lei diante da ausência de norma, sendo vedada a

utilização do recurso à analogia, que somente será possível se em benefício do

imputado (analogia in bonam partem);

• as normas com cláusulas genéricas, denominadas pela doutrina de estrutura

“aberta” ou “elástica”, cujos limites não são precisos, são admitidas em nosso

sistema jurídico, inclusive em matéria sancionatória, uma vez que não afastam

necessariamente o princípio da tipicidade. Todavia, em decorrência de exigência

do próprio Estado de Direito, serão inadmissíveis se não possuírem um mínimo

de densidade normativa que permita aos indivíduos saberem com segurança e

antecipadamente quais são as condutas proibidas e as respectivas sanções, ou

que tornarem muito dificultosa ou impossível a identificação da conduta

considerada ilegal pelo legislador;

• a aplicação de sanções administrativas, mesmo diante de normas que não

delimitem, com traços absolutamente nítidos, pormenorizados e exaustivos,

todas as situações fáticas passíveis de serem por elas alcançadas, é atividade

interpretativa que não se confunde com a competência discricionária, que

249

decorre da possibilidade conferida pela lei para formulação de juízos de

oportunidade e conveniência. O poder discricionário fundamenta-se em critérios

extrajurídicos, e na esfera da aplicação de sanções não incide a vontade do

aplicador, mas a emissão de juízo de legalidade, formulado mediante atividade

interpretativa - que é intelectiva - não se confundindo com escolha entre

possibilidades viáveis e está sujeita ao controle jurisdicional;

• em nosso ordenamento jurídico, os regulamentos não podem restringir direitos

ou criar obrigações. Nem por isso deixam de ter papel de extrema relevância em

matéria sancionatória. Diante da inegável tendência legislativa de prever ilícitos e

sanções de forma cada vez mais genérica, seja pela inviabilidade da previsão

taxativa e antecipada de todas as condutas passíveis de sanção, seja também

com o intuito de conferir menos rigidez ao ordenamento e permitir que este

acompanhe o dinamismo da sociedade, os regulamentos devem cumprir o papel

de, sem criar novos ilícitos ou sanções correspondentes, regulamentar a

aplicação da lei, aclarando e descrevendo de forma mais detalhada as condutas

genericamente previstas no diploma legal, ainda que não o faça de forma

exaustiva, mas mediante rol exemplificativo, a viabilizar a abrangência de

situações semelhantes, criando efetivas condições para a aplicação da norma;

• a legalidade estrita não se refere somente à descrição da conduta ilícita, mas

também ao estabelecimento das conseqüências jurídicas respectivas, de modo

que as leis que conferem espaço muito amplo para a determinação da pena

também resvalam no princípio da lei em sentido estrito.

CAPÍTULO III

• o Tribunal de Contas é entidade instituída no ordenamento jurídico pátrio em

âmbito constitucional, como órgão auxiliar, do Poder Legislativo no exercício do

controle externo de natureza técnica. Embora o Texto constitucional tenha

empregado o vocábulo “auxiliar”, o Tribunal de Contas não possui relação de

subordinação e tampouco integra a estrutura do Legislativo, retirando suas

competências diretamente da Constituição;

250

• sem desconsiderar as acirradas discussões existentes em âmbito doutrinário e

jurisprudencial em torno da natureza dos atos produzidos pela Corte de Contas,

defendemos que são atos revestidos de natureza administrativa. Afastamos,

portanto, as teses que defendem a natureza jurisdicional, porque o ordenamento

constitucional brasileiro adotou o sistema da jurisdição una, cabendo apenas ao

Poder Judiciário julgar de forma definitiva, além de não prever o contencioso

administrativo. Afastamos, igualmente, as teses que lhes emprestam natureza

política, reservada ao Poder Legislativo;

• o Tribunal de Contas aplica sanções no exercício da função controladora, por

força de autorização constitucional consubstanciada no inciso VIII do artigo 71 da

Constituição Federal, que remete a previsão das sanções para lei

infraconstitucional, a serem estabelecidas na medida necessária para

instrumentalizar o desempenho da função de controle, sendo inconstitucionais

normas coativas de direitos estabelecidas de forma desmedida ou

desproporcional aos resultados que se pretende obter;

• são várias as modalidades de controle existentes, segundo as classificações

doutrinárias. Tradicionalmente, o controle é classificado, quanto ao momento de

seu exercício, em prévio, concomitante e posterior. Em matéria sancionatória, a

distinção dessas fases assume relevância, na medida em que, segundo nosso

entendimento, não devem ser aplicadas sanções na fase de controle prévio, por

sua própria finalidade preventiva e corretiva. A sanção deve ser aplicada como

conseqüência da prática do delito, não sendo a pena, pois, medida preventiva,

mas sendo uma sanção pós delito ou retributiva;

• a competência sancionatória conferida ao Tribunal de Contas é haurida

diretamente da Carta Magna, e, sem dúvida, dentre todas as competências

relacionadas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição, é a que menos

recebeu atenção doutrinária. Depende, seu efetivo desempenho, de previsão

legal das sanções aplicáveis, tendo a Constituição imposto verdadeiro dever de

agir ao legislador quando ordenou que preveja as punições a serem aplicadas

pelo Tribunal de Contas. Contudo, o legislador infraconstitucional deve observar

os parâmetros e limites constitucionais, que são os vetores estabelecidos na

251

regra autorizadora, quais sejam, ilegalidade de despesa e irregularidade de

contas. A lei deverá descrever as condutas de acordo com essas diretrizes, pois

o fato gerador da sanção deve estar relacionado com estes vetores;

• as sanções impostas pelo Tribunal de Contas se enquadram na espécie sanção

administrativa, porém aplicadas no exercício da função controladora, que não se

confunde com a função administrativa propriamente dita, no sentido de executar

a lei de ofício, mas sim, de fiscalizar a sua adequada execução pelos órgãos dos

Poderes do Estado e por todos aqueles que estão sob sua jurisdição, razão pela

qual sofre influxos decorrentes da função controladora, não se confundindo com

a desempenhada pela Administração Pública, ao aplicar sanções no exercício do

poder de polícia;

• a redação do inciso VIII do artigo 71 da Constituição Federal dá ensejo a

interpretações divergentes atinente à pena de multa, modalidade mais comum de

punição aplicada pela Corte de Contas. A fórmula empregada, qual seja, “multa

proporcional ao dano causado ao erário”, pode levar ao entendimento de que

esta modalidade de sanção apenas poderá ser prevista em face da constatação

de efetivo dano em seu aspecto pecuniário. Todavia, afastamos esse

entendimento para considerar que é possível a previsão legal da pena de multa,

mesmo diante da inexistência de dano ao erário, em decorrência da ampliação,

pela Constituição de 1988, das competências conferidas ao Tribunal de Contas,

que já não se encontram mais restritas às questões financeiras e orçamentárias.

Além disso, o dispositivo faz crer que o legislador constituinte quis garantir a

previsão, na lei, da sanção de multa proporcional ao dano, buscando também

limitar seu valor máximo, mas com isso não afastou a viabilidade da previsão de

multa para outras situações;

• o direito pátrio repele o bis in idem, admitindo a aplicação de sanções para a

mesma conduta considerada ilícita no âmbito civil, administrativo e penal, por se

tratarem de instâncias autônomas e independentes, que implicam em diferentes

conseqüências jurídicas. As penas de natureza administrativa aplicadas pela

Corte de Contas para a mesma conduta prevista em legislação específica, a

serem também aplicadas pelos órgãos controlados no exercício de sua função

252

administrativa, também não caracterizam bis in idem porque são diversas e

inconfundíveis as áreas de atuação. Todavia, embora a função seja diferenciada

e independente, nem sempre implicará em diferentes conseqüências jurídicas,

situação que deve ser evitada pelo legislador;

• pelas razões consignadas no item anterior, o legislador deve adotar as

necessárias cautelas para não criar situações passíveis de dar ensejo a

pronunciamentos díspares relativamente aos Poderes controlados, no que se

refere à aplicação de sanções igualmente de natureza administrativa

estabelecidas no âmbito de outras funções do Estado, como ocorre com as

sanções destinadas a punir desvios de conduta de natureza disciplinar. A cautela

também deve ocorrer em relação à criação de sanções que eventualmente

possam implicar intromissão na esfera de competência constitucionalmente

reservada aos Poderes controlados;

• a fórmula utilizada no dispositivo constitucional – inciso VIII do artigo 71-

comporta interpretações divergentes em dois aspectos: no sentido de não se

admitir a criação de penas de multa na ausência de dano ao erário; e

impossibilitar a criação de sanções afetas a atos não relacionados com

ilegalidade de despesa e com irregularidade de contas. Afastamos a

interpretação que apenas admite a criação da pena de multa em face da

existência de dano ao erário, por considerarmos que o dispositivo pretendeu

garantir, além de outras cominações, - em que não se excluem, necessariamente

as multas -, à previsão da multa proporcional ao dano, estatuindo também que o

valor da multa não deve ultrapassar o valor do dano apurado. Já em relação aos

vetores constitucionais – ilegalidade de despesas e irregularidade de contas –,

consideramos tratar-se de limites estabelecidos para a criação de sanções que

não podem ser instituídas para situações não relacionadas a essas duas

situações expressamente demarcadas pela Constituição;

• reputamos desconformes com a diretriz constitucional, as sanções previstas na

LOM do Tribunal de Contas da União, Lei Federal nº 8.443/92, em que não

estejam presentes as hipóteses de irregularidade de contas ou ilegalidade de

253

despesas. São exemplos os incisos IV a VIII e parágrafo 1º do artigo 58, da

referida Lei;

• não vislumbramos no dispositivo constitucional autorização para a Lei Orgânica

do Tribunal de Contas criar sanções de qualquer natureza, desvinculadas ou que

não decorram de atos que tenham resultado em despesa ilegal ou gerado a

irregularidade de contas, de forma que as condutas decorrentes de

comportamento funcional dos agentes fiscalizados deverão ser apuradas e

sancionadas no âmbito do próprio órgão controlado, porque atinentes a

comportamentos relacionados ao desempenho funcional e não à função de

controle externo exercida pelo Tribunal de Contas;

• a impossibilidade da aplicação de sanções para condutas não relacionadas aos

vetores ilegalidade de despesa e irregularidade de contas não compromete a

eficácia das determinações do Tribunal de Contas, o qual além de possuir

competência para lançar mão de medidas cautelares para garantia da eficiência

da sua função fiscalizatória, pode determinar que o órgão controlado instaure o

procedimento competente para apuração de responsabilidade funcional em

decorrência do desatendimento de suas determinações. O órgão controlado não

poderá deixar de atender o que lhe foi determinado pela Corte de Contas nesse

sentido, existindo, portanto, mecanismos próprios de punição dos agentes

públicos, veiculados em legislação específica;

• a medida cautelar de afastamento temporário do responsável, prevista no artigo

44 da LOTCU, embora não se confunda com sanção, remete àquele Tribunal

atribuição reservada com exclusividade ao órgão controlado, ao qual caberá

afastar ou suspender servidores em conformidade com os procedimentos

previstos na lei que regula o regime jurídico a que estão submetidos, ressalvadas

as situações decorrentes de decisões judiciais. Nesta situação, do artigo 44, se a

medida alcançar ocupantes de cargos estruturais do órgão controlado, o

afastamento interferirá na organização do Poder e poderá gerar uma crise

político-institucional. Além disso, na prática, verifica-se a utilização da medida

com caráter nitidamente sancionatório;

254

• a pena de inabilitação para a ocupação de cargo ou emprego público, prevista no

artigo 60 da LOTCU, também esta prevista no Estatuto dos Servidores Públicos

da União (Lei Federal nº 8.112/90, art. 147, incisos V e VI), a ser aplicada pela

autoridade administrativa indicada na lei. Esta situação poderá dar ensejo a

pronunciamentos díspares pelas autoridades competentes.. Por tal razão,

consideramos que a Corte de Contas deveria apenas determinar a instauração

de procedimento para apuração e aplicação da penalidade no âmbito do órgão

controlado;

• a pena mencionada no item anterior, é, ainda revestida de severidade

aparentemente incompatível com as punições necessárias à eficácia do exercício

da função de controle. Por outro lado, a generalidade da lei não torna possível

saber de antemão quais cargos estariam sujeitos à sanção. Defendemos que

referida penalidade não pode ser aplicada a ocupantes de cargos estruturantes

de quaisquer dos Poderes controlados, sob pena de configurar fator de

desestabilização político-institucional;

• a indisponibilidade de bens, prevista no § 2º do artigo 44 da LOTCU, é ato de

extrema severidade que afeta direito fundamental, visto que a Constituição

Federal consagra a tutela jurídica da propriedade. Segundo nosso entendimento,

a relevância do direito assegurado impõe cautela e prudência, porque a medida

causa inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas, de modo

que somente o Poder Judiciário poderia decretá-la, por exigir predicados que só

a magistratura possui. A ruptura do círculo de imunidade do valor constitucional

só se justificará se ordenada por órgão estatal investido de competência jurídica

para suspender a eficácia do princípio de proteção à propriedade. A intervenção

jurisdicional é fator de preservação do regime das franquias individuais, de forma

que acreditamos tratar-se de matéria de reserva jurisdicional;

• a pena de declaração de inidoneidade prevista no artigo 46 da LOTCU é

semelhante à sanção estabelecida no art. 87 da Lei Federal nº 8.666/93, cuja

competência para aplicação é conferida às autoridades administrativas indicadas

na lei. Todavia, o ilícito tipificado na lei geral de licitações e a sanção

correspondente não se confundem com o pressuposto previsto na LOTCU, que é

255

a fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas no curso da atuação

fiscalizatória. A sanção, no caso, também não é a mesma, além de estar

relacionada com a condicionante “ilegalidade de despesa” a que se refere a

Constituição Federal. A par disso, são inconfundíveis as áreas de atuação, pois a

Administração aplica a sanção administrativa no exercício do controle interno, e o

Tribunal de Contas, no exercício do controle externo;

• o Regimento Interno do Tribunal de Contas da União não desempenhou seu

relevante papel de conferir maior segurança na disciplina legal das sanções

administrativas, qual seja, o de esclarecer, explicitar, ainda que em rol

exemplificativo, as condutas ilícitas genericamente previstas na lei, facilitando

sua visualização, limitando-se a repetir as disposições da lei com a indicação da

gradação em relação aos incisos que descreveram os ilícitos.

CAPÍTULO IV

• O Tribunal de Contas, no exercício da competência sancionatória, está sujeito à

observância do devido processo legal. Todavia, historicamente a Corte de

Contas da União não adota, nos processos desenvolvidos em seu âmbito de

atuação, instrumentos que garantam a efetiva participação dos interessados, de

modo que a postura reiterada e a evolução do tema no direito pátrio culminou

com a expedição da Súmula nº. 03 do STF, estabelecendo a obrigatoriedade da

observância do devido processo legal nos procedimentos instaurados pelo

Tribunal de Contas;

• a amplitude do conteúdo das fórmulas adotadas pelo legislador constituinte como

vetores para o estabelecimento das sanções a serem aplicadas pelo Tribunal de

Contas – ilegalidade de despesas e irregularidade de contas -, aliada à baixa

densidade das normas sancionatórias, torna necessário um controle mais

sofisticado na aplicação da sanção, impondo rigor no procedimento e

aumentando a responsabilidade do aplicador da pena, que deve observar com

rigor a cláusula do devido processo legal e os princípios correlatos voltados a

garantir uma decisão imparcial e justa;

256

• o julgador deverá analisar a situação concreta com a devida individualização,

utilizando juízos de valor de gravidade, de insignificância, que são subjetivos, e

inúmeros outros que escapam de uma pré determinação legal. Igualmente, por

esta razão deverá ser guiado pelos princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade. A ausência de motivação gera a nulidade do ato;

• os princípios informadores da atividade sancionatória do Tribunal de Contas não

destoam dos princípios a serem observados pelos órgãos do Estado em geral no

exercício do ius puniendi estatal, mas o elemento subjetivo da culpa ganha

relevo no âmbito do Tribunal de Contas devido às dificuldades na identificação

dos responsáveis pelos atos passíveis de punição, sendo comum a aplicação de

penalidades aos ordenadores de despesa, independentemente da averiguação

do nível de responsabilidade envolvido no ato considerado ilegal. A sanção

somente deverá incidir quando o preceito inobservado disser respeito a um dever

pessoal do agente apenado.

• em nosso ordenamento jurídico, ao contrário do que ocorre na Espanha, não há

um quadro normativo explícito que defina os princípios gerais que devam incidir

para a aplicação de sanções, de forma que a conclusão pela incidência de

princípios do direito penal é fruto de criação doutrinária, inspirada em decisões

das Cortes Constitucionais européias, que, a, partir da década de 1960, deram

início a um movimento de equiparação das garantias, incluindo os princípios

penais nos processos administrativos punitivos;

• a presunção de inocência é garantia do processo penal a ser observada no

âmbito do processo administrativo punitivo, sendo ínsita ao postulado do “due

processo of law”, devendo se presumida a inocência do acusado até que se

ultime o procedimento e ocorra a preclusão administrativa, pois em nosso

sistema jurídico existem infrações e decorrentes sanções muito mais severas do

que ações tipificadas como crimes;

• a segurança jurídica é um dos fundamentos do Estado de Direito, e uma das

formas que o ordenamento jurídico buscou para conferir estabilidade às relações

jurídicas foi por meio da criação de instrumentos jurídicos voltados a garantir que

os procedimentos, que possam vir a atingir esferas jurídicas dos indivíduos,

257

devam ser limitados no tempo, de forma a não perdurarem indefinidamente,

criando situação de instabilidade. Nesse sentido, a Constituição brasileira

consagrou o direito a uma razoável duração do processo;

• os instrumentos jurídicos que estabelecem prazos extintivos de direitos e

deveres em decorrência da passagem do tempo têm em mira o interesse público

pela estabilidade das relações, indispensável para o convívio em sociedade. São

também instrumentos de inegável valor no sentido de assegurar a racionalidade

da atuação do Estado, evitando que os indivíduos fiquem à mercê de um poder

absolutamente despido de limites temporais;

• os procedimentos instaurados pela Corte de Contas visando a análise da

conformidade dos atos praticados pela Administração Pública estão submetidos

a limites temporais porque se trata de regra geral do direito à qual se submetem

todos os órgãos. Igualmente, estarão sujeitos a um limite temporal os

procedimentos que resultem na aplicação de penalidades;

• a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União silencia sobre esta matéria, e à

míngua de previsão de prazos prescricionais e decadenciais específicos, é

inafastável a incidência da analogia legis em regras de direito público, porque a

imprescritibilidade é exceção que deve ser tratada de forma taxativa e específica;

• o Tribunal de Contas da União está sujeito a limites temporais pelo menos em

três situações, a saber: quando suas decisões determinam ressarcimento ao

erário, quando suas decisões invalidam atos administrativos e quando aplica

penalidades;

• segundo nosso entendimento, o artigo 37, § 5º, da Carta Magna não veicula

regra excepcionadora da regra geral da prescritibilidade, de modo que as

decisões do Tribunal de Contas que resultam em determinação de ressarcimento

ao erário, segundo nosso entendimento, prescrevem no prazo de cinco anos,

incidindo analogicamente o artigo 21 da Lei nº. 4717/65 - Lei da Ação Popular.

Trata-se de prazo mais consentâneo com a função do Tribunal de Contas, além

do fato de que os bens jurídicos protegidos pela Corte de Contas podem ser

igualados àqueles protegidos pela Lei da ação popular, para a finalidade do

258

estabelecimento de prazos legais para a extinção do direito de ação que objetive

a revisão dos atos;

• embora defendamos a posição segundo a qual a Lei de Processo Administrativo

Federal se aplica ao Tribunal de Contas da União naquilo que sua Lei Orgânica

não disciplinou, afastamos a incidência do prazo decadencial estabelecido em

seu artigo 54 para o julgamento dos atos submetidos ao seu controle. Afastamos

também a incidência dos prazos estabelecidos na lei civil porque consideramos

que em tema de prescrição a analogia deve buscar inspiração em regras de

direito público. A Corte de Contas, no desempenho da função controladora, não

invalida os atos no exercício da auto-tutela, parâmetro utilizado pela lei para fixar

o prazo decadencial para a Administração Pública, mas os controla, não

devendo ser submetida ao mesmo prazo decadencial estabelecido para a

Administração Pública no exercício do poder-dever de rever os atos irregulares.

Para nós, o prazo decadencial de cinco anos se aplica somente à Administração,

e não para o órgão de controle, no exercício da função fiscalizadora. Assim, a

Administração deverá cumprir determinação da Corte de Contas para invalidar

ato praticado, ainda que tenha decorrido mais de cinco anos, e, portanto,

precluso para a Administração no exercício da auto-tutela. Nessa situação, a

Corte de Contas estará igualmente submetida à prescrição qüinqüenal prevista

na Lei da ação popular, a contar da data ato;

• a referida lei estabelece em seu artigo 21 o prazo prescricional de cinco anos

para a ação prevista na lei. Em se tratando de prazo prescricional, também

estará sujeito à suspensão e interrupção. Considerando as especificidades dos

procedimentos do Órgão de controle, seria indispensável que a Lei Orgânica do

Tribunal de Contas da União disciplinasse as próprias regras sobre o tema.

Nesse sentido, consideramos que lei específica deveria prever que a instauração

do procedimento fiscalizatório no âmbito do Tribunal de Contas, seria causa de

interrupção do prazo prescricional, a começar a fluir novamente a partir dessa

data. Todavia, no silêncio, devem incidir igualmente as regras aplicadas na ação

popular;

259

• o exercício da pretensão punitiva é indisponível, de forma que o Estado deve agir

com eficiência, garantindo que sejam efetivamente punidos os indivíduos que

incidiram nas condutas consideradas ilícitas pelas normas jurídicas. A demora ou

paralisação equivale a dispor da competência obrigatória e, ainda, a deixar os

potencialmente atingidos em situação de instabilidade e insegurança, hipóteses

não toleradas pelo direito. Portanto, a punição deve ser lançada em tempo

adequado, pois também está limitada no tempo;

• no caso da pretensão punitiva, o Tribunal de Contas da União estará submetido

ao prazo prescricional de cinco anos, contado da data da prática do ato, na

conformidade da Lei 9.873/99, que fixa prazos de prescrição da ação punitiva da

Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia. Embora o

Tribunal de Contas não exerça poder de polícia, a lei mencionada se aplica

analogicamente, por ser de natureza pública e estabelecer prazo consentâneo

com a legislação pública em geral para aplicação de penalidades;

• em se tratando de prazo prescricional, também estará sujeito à suspensão e

interrupção, que a exemplo do que consignamos em relação ao prazo

prescricional para o exercício da função de controle do ato, deveriam estar

dispostas em lei própria, considerando as especificidades dos procedimentos do

Órgão de controle. Todavia, na ausência de lei específica, poderá ser utilizada,

igualmente, a Lei 9.873/99, que fixou regras voltadas à incidência da prescrição

intercorrente e situações de interrupção e suspensão da prescrição;

• defendemos que a interrupção do prazo prescricional para a aplicação de

sanções no âmbito da Corte de Contas somente se dará com o estabelecimento

do contraditório, a partir da intimação das partes interessadas, a exemplo do que

ocorre no processo civil, de modo que a existência de procedimento no âmbito

do Tribunal de Contas não será suficiente para interromper a prescrição da

pretensão punitiva, que somente se materializará com a intimação dos

envolvidos;

• não obstante a postura por nós adotada, consignamos que o prazo prescricional

de cinco anos, estabelecido na Lei Federal nº 8.429/92, para aplicação das

sanções aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício

260

de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública, também nos

parece adequado para aplicação analógica ao Tribunal de Contas no exercício

da pretensão punitiva. Referida lei estabelece em seu artigo 23, que as ações

destinadas a levar a efeito as sanções nela previstas prescrevem em até cinco

anos, contados do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou

de função de confiança.

261

CONCLUSÕES

1. o Tribunal de Contas desempenha função de controle, atividade que justifica sua

criação. Para o desempenho dessa função o legislador constituinte lhe conferiu

competências múltiplas, que são poderes instrumentais para bem desempenhá-

la. Dentre tais competências está a sancionadora, prevista no inciso VIII do artigo

71 da Carta Magna, que, sem dúvida, dentre todas as competências

relacionadas nos vários incisos do artigo 71 da Constituição, é a que menos

recebeu atenção doutrinária. Depende, seu efetivo desempenho, de previsão

legal das sanções aplicáveis, tendo a Constituição imposto verdadeiro dever de

agir ao legislador. Contudo, o legislador infraconstitucional deve observar os

parâmetros e limites constitucionais, que são os vetores estabelecidos na regra

autorizadora, quais sejam, ilegalidade de despesa e irregularidade de contas. A

lei deverá descrever as condutas de acordo com essas diretrizes. Nesses

termos, o fato gerador da sanção deve estar diretamente relacionado a despesas

ou a contas. Além disso, tais sanções também deverão ser estabelecidas na

medida necessária para instrumentalizar o desempenho da função controladora,

sendo inadmissíveis normas coativas desmedidas ou desproporcionais aos

resultados que se pretende obter, consubstanciado na finalidade da norma.

2. são várias as modalidades de controle existentes, segundo as classificações

doutrinárias. Tradicionalmente, o controle é classificado, quanto ao momento de

seu exercício, em prévio, concomitante e posterior. Em matéria sancionatória, a

distinção dessas fases assume relevância, na medida em que não entendemos

possível a aplicação de sanções na fase de controle prévio, por sua própria

finalidade preventiva e corretiva. A sanção deve ser aplicada como conseqüência

da prática do ilícito, não sendo a pena, pois, medida preventiva, mas sim, de

natureza repressiva, pós delito ou retributiva;

3. as sanções impostas pelo Tribunal de Contas se enquadram na espécie sanção

administrativa, porém aplicadas no exercício da função controladora. Embora

essa função revele a natureza administrativa dos atos do Tribunal de Contas,

não é função administrativa propriamente dita, no sentido de executar a lei de

262

ofício, mas de fiscalizar a sua adequada execução, pelos órgãos dos Poderes do

Estado e por todos aqueles que estão sob sua jurisdição, razão pela qual, sofre

influxos decorrentes da função controladora, não se confundindo com a

desempenhada pela Administração Pública, que aplica sanções no exercício do

poder de polícia;

4. a redação do inciso VIII do artigo 71 da Constituição Federal dá ensejo a

interpretações divergentes atinente à pena de multa, modalidade mais comum de

punição aplicada pela Corte de Contas. A fórmula empregada, qual seja, “multa

proporcional ao dano causado ao erário”, pode levar ao entendimento de que

esta modalidade de sanção apenas poderá ser prevista em face da constatação

de efetivo dano em seu aspecto pecuniário. Todavia, afastamos essa

interpretação por considerar que é possível a previsão legal da pena de multa,

mesmo diante da inexistência de dano ao erário, em decorrência da ampliação,

pela Constituição de 1988, das competências conferidas ao Tribunal de Contas,

que já não se encontram mais restritas às questões financeiras e orçamentárias.

Além disso, o dispositivo faz crer que o legislador constituinte quis garantir a

previsão, na lei, da sanção de multa proporcional ao dano, buscando também

limitar seu valor máximo, mas com isso não afastou a viabilidade da previsão de

multa para outras situações não vinculadas à ocorrência de dano;

5. reputamos desconformes com os vetores constitucionais as sanções previstas na

LOM do Tribunal de Contas da União, Lei Federal nº 8.443/92, relacionadas a

comportamentos em que não estejam presentes os vetores - irregularidade de

contas ou ilegalidade de despesas-, (São exemplos os incisos IV a VIII e

parágrafo 1º do artigo 58, da referida Lei). Nessas situações, as medidas

tendentes à aplicação das penas deverão ocorrer no âmbito do órgão controlado,

que deverá apurar a ocorrência da infração de natureza funcional e aplicar a

sanção nos termos preconizados na legislação específica;

6. o direito pátrio repele o bis in idem, admitindo a aplicação de sanções para a

mesma conduta considerada ilícita no âmbito civil, administrativo e penal, por se

tratarem de instâncias autônomas e independentes, implicando em diferentes

conseqüências jurídicas. As penas de natureza administrativa aplicadas pela

263

Corte de Contas para a mesma conduta prevista em legislação específica, a

serem também aplicadas pelos órgãos controlados no exercício de sua função

administrativa, também não caracterizam bis in idem porque são diversas e

inconfundíveis as áreas de atuação, mas nem sempre implicará em diferentes

conseqüências jurídicas, situação que deve ser evitada pelo legislador;

7. pelas razões consignadas no item anterior, o legislador deve adotar as

necessárias cautelas para não criar situações passíveis de ensejarem

pronunciamentos díspares relativamente aos Poderes controlados, no que se

refere à aplicação de sanções igualmente de natureza administrativa

estabelecidas no âmbito de outras funções do Estado, como ocorre com as

sanções destinadas a punir desvios de conduta de natureza disciplinar. A cautela

também deve ocorrer em relação à criação de sanções que eventualmente

possam implicar intromissão na esfera de competência constitucionalmente

reservada aos Poderes controlados;

8. situação típica da mencionada no item anterior é a pena de inabilitação para a

ocupação de cargo ou emprego público, prevista no artigo 60 da LOTCU e

também no Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei Federal nº 8.112/90,

art. 147, incisos V e VI), a ser aplicada pela autoridade administrativa indicada na

lei. Consideramos que a Corte de Contas deveria apenas determinar a

instauração de procedimento para apuração e aplicação da penalidade no

âmbito do órgão controlado;

9. a pena mencionada no item anterior, é, ainda revestida de severidade

aparentemente incompatível com as punições necessárias à eficácia do exercício

da função de controle. Por outro lado, a generalidade da lei não torna possível

saber de antemão quais cargos estariam sujeitos à sanção. Defendemos que

referida penalidade não pode ser aplicada a ocupantes de cargos estruturantes

de quaisquer dos Poderes controlados, sob pena de configurar fator de

desestabilização político-institucional;

10. a indisponibilidade de bens, prevista no § 2º do artigo 44 da LOTCU, é ato de

extrema severidade que afeta direito fundamental, visto que a Constituição

Federal consagra a tutela jurídica da propriedade. Segundo nosso entendimento,

264

a relevância do direito assegurado impõe cautela e prudência, porque a medida

causa inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas, de modo

que somente o Poder Judiciário poderia decretá-la, por exigir predicados que só

a magistratura possui. A ruptura do círculo de imunidade do valor constitucional

só se justificará se ordenada por órgão estatal investido de competência

jurisdicional para suspender a eficácia do princípio de proteção à propriedade. A

intervenção jurisdicional é fator de preservação do regime das franquias

individuais, de forma que acreditamos tratar-se de matéria de reserva do Poder

Judiciário;

11. a pena de declaração de inidoneidade prevista no artigo 46 da LOTCU é

semelhante à sanção estabelecida no art. 87 da Lei Federal nº 8.666/93, cuja

competência para aplicação é conferida às autoridades administrativas indicadas

na lei. Todavia, o ilícito tipificado na lei geral de licitações e a sanção

correspondente não se confundem com o pressuposto previsto na LOTCU, que é

a fraude comprovada e apurada pela Corte de Contas no curso da atuação

fiscalizatória. A sanção, no caso, também não é a mesma, além de estar

relacionada com a condicionante “ilegalidade de despesa” a que se refere a

Constituição Federal. A par disso, são inconfundíveis as áreas de atuação, pois a

Administração aplica a sanção administrativa no exercício do poder de polícia, e

o Tribunal de Contas, no exercício da função de controle;

12. as normas sancionatórias veiculadas por cláusulas genéricas aumentam a

responsabilidade da autoridade competente para aplicar a pena, exigindo

controle mais eficiente, porque a viabilidade da descrição abrangente confere a

possibilidade da busca da decisão mais adequada, impondo rigor no

procedimento, que deve ser conduzido, de forma a conferir a segurança e

direitos assegurados na Carta Magna aos acusados em geral. A aplicação de

sanções, por meio de procedimento legítimo que assegure a ampla participação

dos interessados, é a forma mais eficaz e segura de afastar os riscos de atuação

arbitrária em face das normas que não definem de forma clara e precisa as

condutas ilícitas e respectivas sanções, garantindo-se assim uma atuação justa

e imparcial do Estado;

265

13. os princípios informadores da atividade sancionatória do Tribunal de Contas não

destoam dos princípios a serem observados pelos órgãos do Estado em geral no

exercício do ius puniendi estatal, mas o elemento subjetivo da culpa ganha

relevo no âmbito do Tribunal de Contas devido às dificuldades na identificação

dos responsáveis pelos atos passíveis de punição, sendo comum a aplicação de

penalidades aos ordenadores de despesa, independentemente da averiguação

do nível de responsabilidade envolvido no ato considerado ilegal. A sanção

somente deverá incidir quando o preceito inobservado disser respeito a um dever

pessoal do agente apenado.

14. os procedimentos instaurados pela Corte de Contas visando a análise da

conformidade dos atos praticados pela Administração Pública estão submetidos

a limites temporais porque se trata de regra geral do direito à qual se submetem

todos os órgãos. Igualmente, estarão sujeitos a um limite temporal os

procedimentos que resultem na aplicação de penalidades;

15. a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União silencia sobre esta matéria, e, à

míngua de previsão de prazos prescricionais e decadenciais específicos, é

inafastável a incidência da analogia legis em regras de direito público, porque a

imprescritibilidade é exceção que deve ser tratada de forma taxativa e específica.

A Corte de Contas estará sujeita a limites temporais pelo menos em três

situações, a saber: quando suas decisões determinam ressarcimento ao erário,

quando julga os atos administrativos submetidos ao seu controle e quando aplica

penalidades.

16. segundo nosso entendimento, o artigo 37, § 5º, da Carta Magna não veicula

regra excepcionadora da regra geral da prescritibilidade, de modo que as

decisões do Tribunal de Contas que resultam em determinação de ressarcimento

ao erário prescrevem no prazo de cinco anos, incidindo analogicamente o artigo

21 da Lei nº. 4717/65 - Lei da Ação Popular, que veicula bem jurídico de

relevância semelhante aos protegidos pelo Tribunal de Contas;

17. embora defendamos a posição segundo a qual a Lei de Processo Administrativo

Federal se aplica ao Tribunal de Contas da União naquilo que sua Lei Orgânica

não disciplinou, afastamos a incidência do prazo decadencial estabelecido em

266

seu artigo 54 para o julgamento dos atos submetidos ao seu controle. Afastamos

também a incidência dos prazos estabelecidos na lei civil porque consideramos

que em tema de prescrição a analogia deve buscar inspiração em regras de

direito público. A Corte de Contas, no desempenho da função controladora, não

invalida os atos no exercício da auto-tutela, parâmetro utilizado pela lei para fixar

o prazo decadencial para a Administração Pública, mas os “julga”, não devendo

ser submetida ao mesmo prazo decadencial estabelecido para a Administração

Pública no exercício do poder-dever de rever os atos irregulares. Para nós, o

prazo decadencial de cinco anos se aplica somente à Administração, que deverá

cumprir determinação da Corte de Contas para invalidar ato praticado, ainda que

exarada após este prazo, e, portanto, precluso para a Administração no exercício

da auto-tutela, mas não para o órgão de controle, no exercício da função

fiscalizadora. Nessa situação, a Corte de Contas estará igualmente submetida à

prescrição qüinqüenal prevista na Lei da ação popular, a contar da data do ato.

Trata-se de prazo mais consentâneo com a função do Tribunal de Contas, além

do fato de que os bens jurídicos protegidos pela Corte de Contas podem ser

igualados àqueles protegidos pela Lei da ação popular, para a finalidade do

estabelecimento de prazos legais para a extinção do direito de ação que objetive

a revisão dos atos;

18. referida lei estabelece em seu artigo 21 o prazo prescricional de cinco anos para

a ação prevista na lei. Em se tratando de prazo prescricional também estará

sujeito à suspensão e interrupção, que deveriam estar previstos em lei própria,

considerando as especificidades dos procedimentos do Órgão de controle, de

modo que seria indispensável que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da

União disciplinasse as próprias regras. Nesse sentido, consideramos que lei

específica deveria prever que a instauração do procedimento fiscalizatório no

âmbito do Tribunal de Contas seria causa de interrupção do prazo, que

recomeçaria a correr a partir dessa data, desconsiderando-se, portanto, o prazo

já decorrido da data da prática do ato. Todavia, no silêncio, devem incidir

igualmente as regras aplicadas na ação popular;

267

19. o exercício da pretensão punitiva é indisponível, de forma que o Estado deve agir

com eficiência, garantindo que sejam efetivamente punidos os indivíduos que

incidiram nas condutas consideradas ilícitas pelas normas jurídicas. A

paralisação significa dispor da competência obrigatória e, ainda, deixar os

potencialmente atingidos em situação de instabilidade e insegurança, hipótese

não tolerada pelo direito. Portanto, a punição deve ser lançada em tempo

adequado, pois também está limitada no tempo;

20. no caso da pretensão punitiva, o Tribunal de Contas da União estará submetido

ao prazo prescricional de cinco anos, contado da data da prática do ato, na

conformidade da Lei 9.873/99, que fixa prazos de prescrição da ação punitiva da

Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia. Embora o

Tribunal de Contas não exerça poder de polícia, a lei mencionada se aplica

analogicamente, por ser de natureza pública e estabelecer prazo consentâneo

com a legislação pública em geral para aplicação de penalidades. A prescrição

acarreta na perda do direito de ação, não atingindo, portanto, a própria infração,

constituindo causa extintiva da punibilidade. O direito atingido pela prescrição é o

de aplicar a sanção, de forma que a impossibilidade da instauração de processo

administrativo para a imputação de sanção é conseqüência indireta;

21. em se tratando de prazo prescricional, também estará sujeito à suspensão e

interrupção, que, a exemplo do que já consignamos em relação ao prazo

prescricional para o controle dos atos, deveriam estar dispostos em lei própria,

considerando as especificidades dos procedimentos do Órgão de controle, de

modo que seria indispensável que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da

União disciplinasse as regras de prescrição para a aplicação de penalidades.

Todavia, na ausência de lei específica, poderá ser utilizada, igualmente, a Lei

9.873/99, que fixou regras voltadas à incidência da prescrição intercorrente e

situações de interrupção e suspensão da prescrição;

22. a interrupção do prazo prescricional para aplicação de sanções no âmbito da

Corte de Contas somente se dará com o estabelecimento do contraditório, a

partir da intimação das partes interessadas, a exemplo do que ocorre no

processo civil, de modo que a existência de procedimento no âmbito do Tribunal

268

de Contas não será suficiente para interromper a prescrição da pretensão

punitiva, que somente se materializará com a intimação dos envolvidos;

23. não obstante a postura por nós adotada, consignamos que o prazo prescricional

de cinco anos, estabelecido na Lei Federal nº 8.429/92, para aplicação das

sanções aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício

de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública, também nos

parece adequado para aplicação analógica ao Tribunal de Contas no exercício

da pretensão punitiva. Referida lei estabelece em seu artigo 23, que as ações

destinadas a levar a efeito as sanções nela previstas prescrevem em até cinco

anos, contados do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou

de função de confiança.

269

ANEXOS

ANEXO A

LEI Nº 8.443, DE 16 DE JULHO DE 1992.

Mensagem de veto Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de

Contas da União e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta

e eu sanciono a seguinte lei:

TÍTULO I

Natureza, Competência e Jurisdição

CAPÍTULO I

Natureza e Competência

Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos

termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:

I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens

e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da

administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo

poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra

irregularidade de que resulte dano ao erário;

II - proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de

suas Casas ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira,

orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das

entidades referidas no inciso anterior;

270

III - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos

termos do art. 36 desta lei;

IV - acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades

referidas no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de

demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno;

V - apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no regimento interno, a

legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta

e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal,

excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das

concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias

posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

VI - efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos

fundos de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição

Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos;

VII - emitir, nos termos do § 2º do art. 33 da Constituição Federal, parecer prévio

sobre as contas do Governo de Território Federal, no prazo de sessenta dias, a contar

de seu recebimento, na forma estabelecida no regimento interno;

VIII - representar ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados,

indicando o ato inquinado e definindo responsabilidades, inclusive as de Ministro de

Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente;

IX - aplicar aos responsáveis as sanções previstas nos arts. 57 a 61 desta lei;

X - elaborar e alterar seu regimento interno;

XI - eleger seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes posse;

271

XII - conceder licença, férias e outros afastamentos aos ministros, auditores e

membros do Ministério Público junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta

médica a licença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses;

XIII - propor ao Congresso Nacional a fixação de vencimentos dos ministros,

auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal;

XIV - organizar sua Secretaria, na forma estabelecida no regimento interno, e

prover-lhe os cargos e empregos, observada a legislação pertinente;

XV - propor ao Congresso Nacional a criação, transformação e extinção de cargos,

empregos e funções de quadro de pessoal de sua secretaria, bem como a fixação da

respectiva remuneração;

XVI - decidir sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão,

partido político, associação ou sindicato, na forma prevista nos arts. 53 a 55 desta lei;

XVII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a

respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares

concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no regimento

interno.

§ 1° No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal

decidirá sobre a legalidade, de legitimidade e a economicidade dos atos de gestão e

das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a

renúncia de receitas.

§ 2° A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter

normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.

§ 3° Será parte essencial das decisões do Tribunal ou de suas Câmaras:

I - o relatório do Ministro-Relator, de que constarão as conclusões da instrução (do

relatório da equipe de auditoria ou do técnico responsável pela análise do processo,

272

bem como do parecer das chefias imediatas, da unidade técnica), e do Ministério

Público junto ao Tribunal;

II - fundamentação com que o Ministro-Relator analisará as questões de fato e de

direito;

III - dispositivo com que o Ministro-Relator decidirá sobre o mérito do processo.

Art. 2° Para desempenho de sua competência o Tribunal receberá, em cada

exercício, o rol de responsáveis e suas alterações, e outros documentos ou informações

que considerar necessários, na forma estabelecida no regimento interno.

Parágrafo único. O Tribunal poderá solicitar ao Ministro de Estado supervisor da

área, ou à autoridade de nível hierárquico equivalente outros elementos indispensáveis

ao exercício de sua competência.

Art. 3° Ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e

jurisdição, assiste o poder regulamentar, podendo, em conseqüência, expedir atos e

instruções normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos

processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de

responsabilidade.

CAPÍTULO II

Fiscalização a Cargo do Tribunal

SEÇÃO IV

Fiscalização de Atos e Contratos

Art. 41. Para assegurar a eficácia do controle e para instruir o julgamento das

contas, o Tribunal efetuará a fiscalização dos atos de que resulte receita ou despesa,

273

praticados pelos responsáveis sujeitos à sua jurisdição, competindo-lhe, para tanto, em

especial:

I - acompanhar, pela publicação no Diário Oficial da União, ou por outro meio

estabelecido no regimento interno:

a) a lei relativa ao plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias, a lei

orçamentária anual e a abertura de créditos adicionais;

b) os editais de licitação, os contratos, inclusive administrativos, e os convênios,

acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres, bem como os atos referidos no

art. 38 desta lei;

II - realizar, por iniciativa própria, na forma estabelecida no regimento interno,

inspeções e auditorias de mesma natureza que as previstas no inciso I do art. 38 desta

lei;

III - fiscalizar, na forma estabelecida no regimento interno, as contas nacionais das

empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou

indireta, nos termos do tratado constitutivo;

IV - fiscalizar, na forma estabelecida no regimento interno, a aplicação de

quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros

instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município.

§ 1° As inspeções e auditorias de que trata esta seção serão regulamentadas no

regimento interno e realizadas por servidores da Secretaria do Tribunal.

§ 2° O Tribunal comunicará às autoridades competentes dos poderes da União o

resultado das inspeções e auditorias que realizar, para as medidas saneadoras das

impropriedades e faltas identificadas.

Art. 42. Nenhum processo, documento ou informação poderá ser sonegado ao

Tribunal em suas inspeções ou auditorias, sob qualquer pretexto.

274

§ 1° No caso de sonegação, o Tribunal assinará prazo para apresentação dos

documentos, informações e esclarecimentos julgados necessários, comunicando o fato

ao Ministro de Estado supervisor da área ou à autoridade de nível hierárquico

equivalente, para as medidas cabíveis.

§ 2° Vencido o prazo e não cumprida a exigência, o Tribunal aplicará as sanções

previstas no inciso IV do art. 68 desta lei.

Art. 43. Ao proceder à fiscalização de que trata este capítulo, o Relator ou o

Tribunal:

I - determinará as providências estabelecidas no regimento interno, quando não

apurada transgressão a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira,

orçamentária, operacional e patrimonial, ou for constatada, tão-somente, falta ou

impropriedade de caráter formal;

II - se verificar a ocorrência de irregularidade quanto à legitimidade ou

economicidade, determinará a audiência do responsável para, no prazo estabelecido no

regimento interno, apresentar razões de justificativa.

Parágrafo único. Não elidido o fundamento da impugnação, o Tribunal aplicará ao

responsável a multa prevista no inciso III do art. 58 desta lei.

Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a

requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento

temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no

exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou

inspeção, causar novos danos ao erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.

§ 1° Estará solidariamente responsável a autoridade superior competente que, no

prazo determinado pelo Tribunal, deixar de atender à determinação prevista no caput

deste artigo.

275

§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior,

poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta lei,

decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável,

tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em

apuração.

Art. 45. Verificada a ilegalidade de ato ou contrato, o Tribunal, na forma

estabelecida no regimento interno, assinará prazo para que o responsável adote as

providências necessárias ao exato cumprimento da lei, fazendo indicação expressa dos

dispositivos a serem observados.

§ 1° No caso de ato administrativo, o Tribunal, se não atendido:

I - sustará a execução do ato impugnado;

II - comunicará a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

III - aplicará ao responsável a multa prevista no inciso II do art. 58 desta lei.

§ 2° No caso de contrato, o Tribunal, se não atendido, comunicará o fato ao

Congresso Nacional, a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar, de imediato,

ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

§ 3° Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias,

não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito

da sustação do contrato.

Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal

declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de

licitação na Administração Pública Federal.

Art. 47. Ao exercer a fiscalização, se configurada a ocorrência de desfalque,

desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, o Tribunal

276

ordenará, desde logo, a conversão do processo em tomada de contas especial, salvo a

hipótese prevista no art. 93 desta lei.

Parágrafo único. O processo de tomada de contas especial a que se refere este

artigo tramitará em separado das respectivas contas anuais.

CAPÍTULO V

Sanções

SEÇÃO I

Disposição Geral

Art. 56. O Tribunal de Contas da União poderá aplicar aos administradores ou

responsáveis, na forma prevista nesta lei e no seu regimento interno, as sanções

previstas neste capítulo.

SEÇÃO II

Multas

Art. 57. Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal

aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao erário.

Art. 58. O Tribunal poderá aplicar multa de Cr$ 42.000.000,00 (quarenta e dois

milhões de cruzeiros), ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada

como moeda nacional, aos responsáveis por:

I - contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do parágrafo

único do art. 19 desta lei;

277

II - ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza

contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial;

III - ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao

erário;

IV - não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, a diligência do

Relator ou a decisão do Tribunal;

V - obstrução ao livre exercício das inspeções e auditorias determinadas;

VI sonegação de processo, documento ou informação, em inspeções ou auditorias

realizadas pelo Tribunal;

VII - reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.

§ 1° Ficará sujeito à multa prevista no caput deste artigo aquele que deixar de dar

cumprimento à decisão do Tribunal, salvo motivo justificado.

§ 2° O valor estabelecido no caput deste artigo será atualizado, periodicamente,

por portaria da Presidência do Tribunal, com base na variação acumulada, no período,

pelo índice utilizado para atualização dos créditos tributários da União.

§ 3° O regimento interno disporá sobre a gradação da multa prevista no caput

deste artigo, em função da gravidade da infração.

Art. 59. O débito decorrente de multa aplicada pelo Tribunal de Contas da União

nos do art. 57 desta lei, quando pago após o seu vencimento, será atualizado

monetariamente na data do efetivo pagamento.

Art. 60. Sem prejuízo das sanções previstas na seção anterior e das penalidades

administrativas, aplicáveis pelas autoridades competentes, por irregularidades

constatadas pelo Tribunal de Contas da União, sempre que este, por maioria absoluta

de seus membros, considerar grave a infração cometida, o responsável ficará

278

inabilitado, por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo

em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública.

Art. 61. O Tribunal poderá, por intermédio do Ministério Público, solicitar à

Advocacia-Geral da União ou, conforme o caso, aos dirigentes das entidades que lhe

sejam jurisdicionadas, as medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis

julgados em débito, devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua

restituição.

§ 1° Os auditores serão também convocados para substituir ministros, para efeito

de quorum, sempre que os titulares comunicarem, ao Presidente do Tribunal ou da

Câmara respectiva, a impossibilidade de comparecimento à sessão.

§ 2° Em caso de vacância de cargo de ministro, o Presidente do Tribunal

convocará auditor para exercer as funções inerentes ao cargo vago, até novo

provimento, observado o critério estabelecido no caput deste artigo.

Art. 112. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 113. Revogam-se as disposições em contrário, em especial o Decreto-Lei n°

199, de 25 de fevereiro de 1967.

Brasília, 16 de julho de 1992; 171° da Independência e 104° da República.

FERNANDO COLLOR

Célio Borja

Este texto não substitui o publicado no DOU de 17.7.1992

279

ANEXO B

RESOLUÇÃO Nº 155, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002

Aprova o Regimento Interno do

Tribunal de Contas da União.

O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, no uso da atribuição que lhe

conferem os arts. 73 e 96, inciso I, alínea a, da Constituição Federal e os arts. 1º, inciso

X, e 99 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, resolve:

Art. 1º Fica aprovado o Regimento Interno do Tribunal de Contas da

União, cujo inteiro teor consta do Anexo a esta Resolução.

Art. 2º A Presidência do Tribunal nomeará comissões encarregadas da

atualização e revisão das normas atuais, a fim de adequá-las às novas disposições do

Regimento Interno.

Art. 3º Fica revogada a Resolução Administrativa nº 15, de 15 de junho de

1993.

Art. 4º Esta Resolução entrará em vigor em 1º de janeiro de 2003.

TÍTULO VII

SANÇÕES

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 266. O Tribunal de Contas da União poderá aplicar aos administradores

ou responsáveis que lhe são jurisdicionados as sanções prescritas na Lei nº 8.443, de

1992, na forma estabelecida neste título.

280

Parágrafo único. Às mesmas sanções previstas neste título ficarão sujeitos,

por responsabilidade solidária, na forma prevista no § 1º do art. 74 da Constituição

Federal, os responsáveis pelo controle interno que, comprovadamente, tomarem

conhecimento de irregularidade ou ilegalidade e delas deixarem de dar imediata ciência

ao Tribunal.

CAPÍTULO II

MULTAS

Art. 267. Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o

Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao

erário, conforme estabelecido no art. 57 da Lei nº 8.443, de 1992.

Art. 268. O Tribunal poderá aplicar multa, nos termos do caput do art. 58 da

Lei nº 8.443, de 1992, atualizada na forma prescrita no § 1º deste artigo, aos

responsáveis por contas e atos adiante indicados, observada a seguinte gradação:

I – contas julgadas irregulares, não havendo débito, mas comprovada

qualquer das ocorrências previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 209, no valor

compreendido entre cinco e cem por cento do montante definido no caput deste artigo;

II – ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de

natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial, no valor

compreendido entre cinco e cem por cento do montante a que se refere o caput;

III – ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado

dano ao erário, no valor compreendido entre cinco e cem por cento do montante

referido no caput;

281

IV – descumprimento, no prazo fixado, sem causa justificada, à diligência

determinada pelo relator, no valor compreendido entre cinco e cinqüenta por cento do

montante a que se refere o caput;

V – obstrução ao livre exercício das auditorias e inspeções determinadas, no

valor compreendido entre cinco e oitenta por cento do montante a que se refere o

caput;

VI – sonegação de processo, documento ou informação, em auditoria ou

inspeção, no valor compreendido entre cinco e oitenta por cento do montante a que se

refere o caput;

VII – descumprimento de decisão do Tribunal, salvo motivo justificado, no

valor compreendido entre cinco e cinqüenta por cento do montante a que se refere o

caput;

VIII – reincidência no descumprimento de decisão do Tribunal, no valor

compreendido entre cinqüenta e cem por cento do montante a que se refere o caput.

§ 1º A multa de que trata o caput será atualizada, periodicamente, mediante

portaria da Presidência do Tribunal, com base na variação acumulada no período, pelo

índice utilizado para atualização dos créditos tributários da União.

§ 2º Nos casos em que ficar demonstrada a inadequação da multa aplicada

com fundamento nos incisos IV, V, VI ou VII, o Tribunal poderá revê-la, de ofício,

diminuindo seu valor ou tornando-a sem efeito.

§ 3º A multa aplicada com fundamento nos incisos IV, V, VI, VII ou VIII

prescinde de prévia audiência dos responsáveis, desde que a possibilidade de sua

aplicação conste da comunicação do despacho ou da decisão descumprida ou do ofício

de apresentação da equipe de fiscalização.

282

Art. 269. O débito decorrente de multa aplicada pelo Tribunal, nos termos do

artigo anterior, quando pago após o seu vencimento, será atualizado monetariamente

na data do efetivo pagamento.

CAPÍTULO III

OUTRAS SANÇÕES

Art. 270. Sem prejuízo das sanções previstas nos arts. 267 e 268 e das

penalidades administrativas aplicáveis pelas autoridades competentes, por

irregularidades constatadas pelo Tribunal, sempre que este, por maioria absoluta de

seus membros, considerar grave a infração cometida, o responsável ficará inabilitado,

por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em

comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública federal, nos

termos do art. 60 da Lei nº 8.443, de 1992.

§ 1º O Tribunal deliberará primeiramente sobre a gravidade da infração.

§ 2º Se considerada grave a infração, por maioria absoluta de seus

membros, o Tribunal decidirá sobre o período de inabilitação a que ficará sujeito o

responsável.

§ 3º Aplicada a sanção referida no caput, o Tribunal comunicará a decisão

ao responsável e à autoridade competente para cumprimento dessa medida.

Art. 271. Verificada a ocorrência de fraude comprovada a licitação, o Plenário

declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de

licitação na administração pública federal, nos termos do art. 46 da Lei nº 8.443, de

1992.

283

Art. 272. O Tribunal manterá cadastro específico das sanções aplicadas com

fundamento nos arts. 270 e 271, observadas as prescrições legais a esse respeito.

TÍTULO VIII

MEDIDAS CAUTELARES

Art. 273. No início ou no curso de qualquer apuração, o Plenário, de ofício,

por sugestão de unidade técnica ou de equipe de fiscalização ou a requerimento do

Ministério Público, determinará, cautelarmente, nos termos do art. 44 da Lei nº 8.443,

de 1992, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de

que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a

realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao erário ou inviabilizar o seu

ressarcimento.

Parágrafo único. Será solidariamente responsável, conforme o § 1º do art. 44

da Lei nº 8.443, de 1992, a autoridade superior competente que, no prazo fixado pelo

Plenário, deixar de atender à determinação prevista no caput.

Art. 274. Nas mesmas circunstâncias do artigo anterior, poderá o Plenário,

sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 270 e 275, decretar, por prazo não

superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos

considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração, nos

termos do § 2º do art. 44 da Lei nº 8.443, de 1992.

Art. 275. O Plenário poderá solicitar, por intermédio do Ministério Público

junto ao Tribunal, na forma do inciso V do art. 62, à Advocacia-Geral da União ou,

conforme o caso, aos dirigentes das entidades que lhe sejam jurisdicionadas, as

medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito,

devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua restituição, nos

termos do art. 61 da Lei nº 8.443, de 1992.

284

Art. 276. O Plenário, o relator, ou, na hipótese do art. 28, inciso XVI, o

Presidente, em caso de urgência, de fundado receio de grave lesão ao erário ou a

direito alheio ou de risco de ineficácia da decisão de mérito, poderá, de ofício ou

mediante provocação, adotar medida cautelar, com ou sem a prévia oitiva da parte,

determinando, entre outras providências, a suspensão do ato ou do procedimento

impugnado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão suscitada, nos termos

do art. 45 da Lei nº 8.443, de 1992.

§ 1º O despacho do relator ou do Presidente, de que trata o caput, será

submetido ao Plenário na primeira sessão subseqüente.

§ 2º Se o Plenário, o Presidente ou o relator entender que antes de ser

adotada a medida cautelar deva o responsável ser ouvido, o prazo para a resposta será

de até cinco dias úteis.

§ 3º A decisão do Plenário, do Presidente ou do relator que adotar a medida

cautelar determinará também a oitiva da parte, para que se pronuncie em até quinze

dias, ressalvada a hipótese do parágrafo anterior.

§ 4º Nas hipóteses de que trata este artigo, as devidas notificações e demais

comunicações do Tribunal e, quando for o caso, a resposta do responsável ou

interessado poderão ser encaminhadas por telegrama, fac-símile ou outro meio

eletrônico, sempre com confirmação de recebimento, com posterior remessa do original,

no prazo de até cinco dias, iniciando-se a contagem do prazo a partir da mencionada

confirmação do recebimento.

§ 5º A medida cautelar de que trata este artigo pode ser revista de ofício por

quem a tiver adotado.

285

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 4 de

dezembro de 2002.

VALMIR CAMPELO

Vice-Presidente,

no exercício da Presidência

(Publicada no DOU de 09.12.2002, Seção 1, p.125)

286

ANEXO C LEI N° 4.717, DE 29 DE JUNHO DE 1965

Regula a Ação Popular.

DA AÇÃO POPULAR

Artigo 1° - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a

declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos

Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista

(Constituição, Artigo 141, Parágrafo 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a

União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais

autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio do patrimônio ou

da receita anual de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal,

dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades

subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 1° - Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e

direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

§ 2° - Em se tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou custeio o

tesouro público concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da

receita anual, bem como de pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as

conseqüências patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão por limite a repercussão

deles sobre a contribuição dos cofres públicos.

§ 3° - A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou

com documento que a ele corresponda.

§ 4° - Para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer as entidades, a que se refere

este artigo, as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso

indicar as finalidades das mesmas.

287

§ 5° - As certidões e informações a que se refere o parágrafo anterior, deverão ser

fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos

requerimentos, e só poderão ser utilizadas para a instrução de ação popular.

§ 6° - Somente nos casos em que o interesse público, devidamente justificado, impuser

sigilo, poderá ser negada certidão ou informação.

§ 7° - Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta

desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz após

apreciar os motivos do indeferimento e salvo em se tratando de razão de segurança

nacional, requisitar umas e outras; feita a requisição, o processo correrá em segredo de

justiça, que cessará com o trânsito em julgado de sentença condenatória.

Artigo 2° - São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no

artigo anterior, nos casos de:

a) - incompetência;

b) - vício de forma;

c) - ilegalidade do objeto;

d) - inexistência dos motivos;

e) - desvio de finalidade.

Parágrafo Único - Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as

seguintes normas:

a) - a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições

legais do agente que o praticou;

b) - o cicio de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de

formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

288

c) - a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato imposta em violação de lei,

regulamento ou outro ato normativo;

d) - a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em

que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao

resultado obtido;

e) - o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim

diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

Artigo 3° - Os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou

das entidades mencionadas no Artigo 1°, cujos vícios não se compreendam nas

especificações do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais,

enquanto compatíveis com a natureza deles.

Artigo 4° - São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados

por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no Artigo 1°.

I - A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência quanto às condições

de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais;

II - A operação bancária ou de crédito real, quando:

a) - for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, estatutárias,

regimentais ou internas;

b) - o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de

escritura, contrato ou avaliação.

III - A empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:

a) - o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou

administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma

geral;

289

b) - no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que

comprometam o seu caráter competitivo;

c) - a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na

limitação das possibilidades normais de competição.

IV - As modificações ou vantagens, inclusive prorrogações, que forem admitidas, em

favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e

concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos

instrumentos;

V - A compra e venda de bens móveis e imóveis, nos casos em que não cabível

concorrência pública ou administrativa, quando:

a) - for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, ou constantes

de instruções gerais;

b) - o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época de

operação;

c) - o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da

operação.

VI - A concessão de licença de exportação ou importação, qualquer que seja sua

modalidade, quando:

a) - houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de

instruções e ordens de serviço;

b) - resultar em exceção ou privilégio, em favor de exportador ou importador.

VII - A operação de redesconto quando, sob qualquer aspecto, inclusive o limite de

valor, desobedecer a normas legais, regulamentares ou constantes de instruções

gerais;

290

VIII - o empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando:

a) - concedido com desobediência de quaisquer normas legais, regulamentares,

regimentais ou constantes de instruções gerais;

b) - o valor dos bens dados em garantia na época da operação, for inferior ao da

avaliação.

IX - A emissão quando efetuada sem observância das normas constitucionais, legais e

regulamentadores que regem a espécie.

DA COMPETÊNCIA

Artigo 5° - Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação,

processá-la e julgá-la, o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada

Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou

ao Município.

§ 1° - Para fins de competência, equiparam-se a atos da União, do Distrito Federal, do

Estado ou dos Municípios, os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas

jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas sejam

acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às

quais tenham interesse patrimonial.

§ 2° - Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa

ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar

simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do

Estado, se houver.

§ 3° - A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que

forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos

fundamentos.

291

§ 4° - Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo

impugnado.

DOS SUJEITOS PASSIVOS DA AÇÃO E DOS ASSISTENTES

Artigo 6° - A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades

referidas no Artigo 1°, contra as autoridades, funcionários ou administradores que

houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por

omissas, tiverem dado oportunidade à lesão e contra os beneficiários diretos do

mesmo.

§ 1° - Se não houver beneficiário direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou

desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste

artigo.

§ 2° - No caso de que trata o Inciso II, Item "b", do Artigo 4°, quando o valor real do bem

for inferior ao da avaliação inexata e os beneficiários da mesma.

§ 3° - A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de

impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor,

desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante

legal ou dirigente.

§ 4° - O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da

prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-

lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus

autores.

§ 5° - É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do

autor da ação popular.

292

DO PROCESSO

Artigo 7° - A ação obedecerá ao procedimento ordinário, previsto no Código do

Processo Civil, observadas as seguintes normas modificativas:

I - Aos despachar a inicial o juiz ordenará:

a) - além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério Público;

b) - a requisição, às entidades indicadas na petição inicial, dos documentos que tiverem

sido referidos pelo autor (Artigo 1°, Parágrafo 6°), bem como a de outros que se lhe

afigurem necessários ao esclarecimento dos fatos, fixando prazos de 15 (quinze) a 30

(trinta) dias para o atendimento.

§ 1° - O representante do Ministério Público providenciará para que as requisições, a

que se refere o inciso anterior, sejam atendidas dentro dos prazos fixados pelo juiz.

§ 2° - Se os documentos e informações não puderem ser oferecidos nos prazos

assinalados, o juiz poderá autorizar prorrogação dos mesmos, por prazo razoável.

II - Quando o autor o preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com o prazo

de 30 (trinta) dias, afixados na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do

Distrito Federal, ou da Capital do Estado ou Território em que seja ajuizada a ação. A

publicação será gratuita e deverá iniciar-se no máximo 3(três) dia após a entrega, na

repartição competente, sob protocolo de uma via autenticada do mandado;

III - Qualquer pessoa, beneficiada ou responsável pelo ato impugnado, cuja existência

ou identidade se torne conhecida no curso do processo e antes de proferida a sentença

final de primeira instância, deverá ser citada para a integração do contraditório, sendo-

lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas. Salvo quanto a

beneficiário, se a citação se houver feito na forma do inciso anterior;

IV - O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias prorrogáveis por mais 20 (vinte), a

requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova

293

documental, e será comuns a todos os interessadas, correndo da entrega em cartório

do mandato cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital;

V - Caso não requerida, até o despacho saneador, a produção de prova testemunhal ou

pericial o juiz ordenará vista às partes por 10 (dez) dias; para alegações sendo-lhe os

autos conclusos, para sentença, 48 (quarenta e oito) horas após a expiração desse

prazo; havendo requerimento de prova; o processo tornará o rito ordinário;

VI - A sentença quando não prolata em audiência de instrução e julgamento, deverá ser

proferida dentro de 15 (quinze) dias do recebimento dos autos pelo juiz.

Parágrafo Único - O proferimento da sentença além do prazo estabelecido, privará o

juiz da inclusão em lista de merecimento para promoção, durante 2 (dois) anos, e

acarretará a perda, para efeito de promoção por antiguidade, de tantos dias, quantos

forem os do retardamento; salvo motivo justo, declinado nos autos e comprovado

perante o órgão disciplinar competente.

Artigo 8° - Ficará sujeita à pena de desobediência salvo motivo justo devidamente

comprovado, a autoridade, o administrador ou o dirigente, que deixar de fornecer, no

prazo no Artigo 1°, Parágrafo 5°, e Artigo 7°, I, "b").

Artigo 9° - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição de instância serão

publicados editais nos prazos e condições previstos no Artigo 7°, Inciso II, ficando

assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público,

dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o

prosseguimento da ação.

Artigo 10 - As partes só pagarão custas e preparo a final.

Artigo 11 - A sentença que julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade

do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela

sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários

causadores de dano, quando incorrerem em culpa.

294

Artigo 12 - A sentença incluirá sempre na condenação dos réus, o pagamento, ao autor,

das custas e demais despesas judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a

ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado.

Artigo 13 - A sentença, que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide

manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas.

Artigo 14 - Se o valor da lesão ficar provado no curso da causa, será indicado na

sentença, se depender de avaliação ou perícia, será apurado na execução.

§ 1° - Quando a lesão resultar da falta ou isenção de qualquer pagamento, a

condenação imporá o pagamento devido, com acréscimo de juros de mora e multa legal

ou contratual, se houver.

§ 2° - Quando a lesão resultar de execução fraudulenta, simulada ou irreal de contratos,

a condenação versará sobre a reposição do débito, com juros de mora.

§ 3° - Quando o réu condenado perceber dos cofres públicos, a execução far-se-á por

desconto em folha até o integral ressarcimento do dano causado, se assim mais convier

ao interesse público.

§ 4° - A parte condenada a restituir bens ou valores, ficará sujeita a seqüestro e

penhora, desde a prolação da sentença condenatória.

Artigo 15 - Se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática

de falta disciplinar a que a lei comine a pena de demissão ou a de rescisão de contrato

de trabalho, o juiz, "ex-ofício", determinará a remessa de cópia autenticada das peças

necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção.

Artigo 16 - Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória

de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o

representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob

pena de falta grave.

295

Artigo 17 - É sempre permitido às pessoas ou entidades referidas no Artigo 1°, ainda

que hajam contestado a ação, promover, em qualquer tempo, e no que as beneficiar, a

execução da sentença contra os demais réus.

Artigo 18 - A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no

caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de provas neste caso,

qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de

nova prova.

Artigo 19 - Da sentença que concluir pela improcedência ou pela carência da ação,

recorrerá o juiz, "ex-ofício", mediante simples declaração no seu texto, da sentença que

julgar procedente o pedido caberá apelação voluntária, com efeito suspensivo.

§ 1° - Das decisões interlocutórias poderão ser interpostos os recursos previstos no

Código de Processo Civil.

§ 2° - Das decisões proferidas contra o autor popular e suscetíveis de recurso, poderão

recorrer qualquer cidadão e o representante do Ministério Público.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 20 - Para os fins desta Lei, consideram-se entidades autárquicas:

a) - o serviço estatal descentralizado com personalidade jurídica, custeado mediante

orçamento próprio, independente do orçamento geral;

b) - as pessoas jurídicas especialmente instituídas por lei, para a execução de serviços

de interesse público ou social, custeados por tributos de qualquer natureza ou por

outros recursos oriundos do Tesouro Público;

c) - as entidades de direito público ou privado a que a lei tiver atribuído competência

para receber e aplicar contribuições parafiscais.

Artigo 21 - A ação prevista nesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos.

296

Artigo 22 - Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil naquilo em

que não contrariem os dispositivos desta Lei, nem a natureza específica da ação.

297

ANEXO D

LEI No 9.873, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1999.

Conversão da MPv nº 1.859-17, de

1999

Estabelece prazo de prescrição para o

exercício de ação punitiva pela Administração

Pública Federal, direta e indireta, e dá outras

providências.

Faço saber que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA adotou a Medida Provisória nº 1.859-

17, de 1999, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Antonio Carlos Magalhães,

Presidente, para os efeitos do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição

Federal, promulgo a seguinte Lei:

Art. 1oPrescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal,

direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à

legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração

permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§1oIncide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos,

pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou

mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da

responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

§2oQuando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a

prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

Art. 2oInterrompe-se a prescrição:

I-pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;

II-por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

298

III-pela decisão condenatória recorrível.

Art. 3oSuspende-se a prescrição durante a vigência:

I-dos compromissos de cessação ou de desempenho, respectivamente, previstos nos

arts. 53 e 58 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994;

II-do termo de compromisso de que trata o § 5o do art. 11 da Lei no 6.385, de 7 de

dezembro de 1976, com a redação dada pela Lei no 9.457, de 5 de maio de 1997.

Art. 4oRessalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações

ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição

operará em dois anos, a partir dessa data.

Art. 5oO disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos

processos e procedimentos de natureza tributária.

Art. 6oFicam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.859-

16, de 24 de setembro de 1999.

Art. 7oEsta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8oFicam revogados o art. 33 da Lei no 6.385, de 1976, com a redação dada pela Lei

no 9.457, de 1997, o art. 28 da Lei no 8.884, de 1994, e demais disposições em

contrário, ainda que constantes de lei especial.

Congresso Nacional, em 23 de novembro de 1999; 178o da Independência e 111o da

República.

Senador ANTONIO CARLOS MAGALHÃES

Presidente

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 24.11.1999.

299

ANEXO E

LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1990

Mensagem de veto Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

PUBLICAÇÃO CONSOLIDADA DA LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1990, DETERMINADA PELO ART. 13 DA LEI Nº 9.527, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1997.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Capítulo V

Das Penalidades

Art. 127. São penalidades disciplinares:

I - advertência;

II - suspensão;

III - demissão;

IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;

V - destituição de cargo em comissão;

VI - destituição de função comissionada.

Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

300

Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.

§ 1o Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o servidor que, injustificadamente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica determinada pela autoridade competente, cessando os efeitos da penalidade uma vez cumprida a determinação.

§ 2o Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, na base de 50% (cinqüenta por cento) por dia de vencimento ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.

Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício, respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar.

Parágrafo único. O cancelamento da penalidade não surtirá efeitos retroativos.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção;

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

301

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases:(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e relatório; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

III - julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 1o A indicação da autoria de que trata o inciso I dar-se-á pelo nome e matrícula do servidor, e a materialidade pela descrição dos cargos, empregos ou funções públicas em situação de acumulação ilegal, dos órgãos ou entidades de vinculação, das datas de ingresso, do horário de trabalho e do correspondente regime jurídico. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2o A comissão lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu, termo de indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo anterior, bem como promoverá a citação pessoal do servidor indiciado, ou por intermédio de sua chefia imediata, para, no prazo de cinco dias, apresentar defesa escrita, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição, observado o disposto nos arts. 163 e 164. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o Apresentada a defesa, a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, opinará sobre a licitude da acumulação em exame, indicará o respectivo dispositivo legal e remeterá o processo à autoridade instauradora, para julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 4o No prazo de cinco dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no § 3o do art. 167. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 5o A opção pelo servidor até o último dia de prazo para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

302

§ 6o Caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em que os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 7o O prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar submetido ao rito sumário não excederá trinta dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por até quinze dias, quando as circunstâncias o exigirem. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 8o O procedimento sumário rege-se pelas disposições deste artigo, observando-se, no que lhe for aplicável, subsidiariamente, as disposições dos Títulos IV e V desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.

Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão.

Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração efetuada nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.

Art. 136. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, nos casos dos incisos IV, VIII, X e XI do art. 132, implica a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível.

Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.

Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.

Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

303

I - a indicação da materialidade dar-se-á: (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

a) na hipótese de abandono de cargo, pela indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

b) no caso de inassiduidade habitual, pela indicação dos dias de falta ao serviço sem causa justificada, por período igual ou superior a sessenta dias interpoladamente, durante o período de doze meses; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

II - após a apresentação da defesa a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor, em que resumirá as peças principais dos autos, indicará o respectivo dispositivo legal, opinará, na hipótese de abandono de cargo, sobre a intencionalidade da ausência ao serviço superior a trinta dias e remeterá o processo à autoridade instauradora para julgamento. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:

I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;

II - pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta) dias;

III - pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias;

IV - pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição de cargo em comissão.

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.

§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

304

§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.

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