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0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social O CASO AREZZO: um estudo sobre a interação entre organizações e sociedade nas redes sociais na internet Vanessa Bueno Mol Belo Horizonte 2012

A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NAS REDES SOCIAIS … · O objetivo deste trabalho é, através do estudo de caso das repercussões em torno do lançamento da coleção Pelemania da

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

O CASO AREZZO:

um estudo sobre a interação entre organizações e sociedade nas redes sociais

na internet

Vanessa Bueno Mol

Belo Horizonte

2012

1

Vanessa Bueno Mol

O CASO AREZZO:

um estudo sobre a interação entre organizações e sociedade nas redes sociais

na internet

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação Social.

Orientadora: Profa. Dra. Ivone de Lourdes

Oliveira

Belo Horizonte

2012

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Mol, Vanessa Bueno

M717c O caso Arezzo: um estudo sobre a interação entre organizações e sociedade

nas redes sociais na internet / Vanessa Bueno Mol. Belo Horizonte, 2012.

120 f. : il.

Orientadora: Ivone de Lourdes Oliveira

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Redes sociais. 2. Sistemas sociais. 3. Comunicação nas organizações. 4.

Internet. 5. Facebook (Rede social on-line). I. Oliveira, Ivone de Lourdes. II.

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação

em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 301.175.1

2

Vanessa Bueno Mol

O CASO AREZZO:

um estudo sobre a interação entre organizações e sociedade nas redes sociais

na internet

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação Social.

Ivone de Lourdes Oliveira (Orientadora) – PUC Minas

Eduardo de Jesus – PUC Minas

João José Azevedo Curvello – UCB

Belo Horizonte, 14 de dezembro de 2012.

3

A Deus, pelo privilégio de uma vida maravilhosa;

aos meus pais Nelson e Isabel, pelo amor;

ao meu marido Davi, pelo incentivo e carinho.

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, meu maior alicerce, pelos nobres ensinamentos e

valores apreendidos no cotidiano; pelos esforços desmedidos para que eu tivesse

acesso aos estudos; por acreditarem no meu potencial e confiarem nas minhas

escolhas; por torcerem por mim, em qualquer circunstância.

Especialmente aos meus pais, minhas melhores referências de generosidade,

bondade, sabedoria, honestidade e de amor verdadeiro e incondicional; ao meu

amado irmão Marcelo, que sempre torceu por mim; às cunhadas Sarah, Tiça e

Nadja, e também ao Arthur, pela amizade e pela nossa deliciosa convivência

fraterna; à querida Dalva, pelo carinho materno e pela alegria com que preenche o

nosso dia-a-dia.

À professora Ivone, pessoa admirável, pesquisadora altamente qualificada e

orientadora dedicada, que me conduziu com sabedoria e experiência na realização

deste trabalho e soube me tranquilizar, diante dos percalços dessa trajetória, com

seus conselhos de amiga. Obrigada por compartilhar comigo o seu conhecimento e

pelas oportunidades incríveis que me proporcionou.

Aos admiráveis professores do Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da PUC Minas, em especial ao Júlio, a Dedé e ao Eduardo,

pela acolhida e pelo apoio de sempre; e aos colegas com quem tive o prazer de

conviver durante esses anos de estudo, sobretudo à Viviane e ao Leandro, pela

amizade que espero poder levar para sempre comigo. Não poderia deixar de

agradecer também à professora Ana Thereza, pela presteza em me ajudar, mesmo

diante de seus compromissos com o doutorado na Alemanha.

Ao Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e à

Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), pelo apoio financeiro que me

concederam na condição de servidora; e aos colegas, funcionários e chefes dessas

instituições pela compreensão diante das minhas ausências, permitindo que eu me

dedicasse aos estudos.

Aos meus amigos, recentes ou de longa data. Em especial a Thais, Patrícia e

Jéssica, com quem tenho o privilégio de conviver desde a infância; à Gercione,

amiga de todas as horas; à minha querida prima Aline, por ter sido sempre tão

dedicada aos estudos e se tornado uma referência para mim; ao Wander e a Val,

5

pela honra de me fazer madrinha da Nina e por me proporcionarem a indescritível

experiência de poder vê-la crescer e descobrir o mundo; aos novos queridos

amigos, Marilaine e Louraidan, que espero ter cada dia mais próximos de mim.

E ao Davi, por colorir os meus dias, apoiar as minhas escolhas, caminhar ao

meu lado; pelas palavras de otimismo que não me deixam desistir diante dos

obstáculos; pelos carinhos e cuidados de marido dedicado; e, principalmente, por

me brindar diariamente com o seu amor, fazendo com que a vida valha ainda mais

a pena.

6

A finalidade do homem, ao falar, não é a de recortar, descrever, estruturar o mundo; ele fala, em princípio, para se colocar em relação com o outro,

porque disso depende a própria existência, visto que a consciência de si passa pela tomada de consciência da existência do outro, pela assimilação do outro e ao mesmo tempo pela diferenciação do outro. (...) É falando com

o outro - isto é, falando o outro e falando a si mesmo - que comenta o mundo, ou seja, descreve e estrutura o mundo.

(CHARAUDEAU, 2006, p. 42).

7

RESUMO

O objetivo deste trabalho é, através do estudo de caso das repercussões em torno

do lançamento da coleção Pelemania da Arezzo, analisar o processo de interação

entre organizações e sociedade nas redes sociais na internet. A temática se

inscreve na perspectiva sistêmica, que compreende a comunicação como ação

descentralizada que se estabelece de forma não hierárquica entre sistemas que se

influenciam mutuamente e co-evoluem a partir de perturbações que um imprime ao

outro. Sob esse viés, as organizações são entendidas como sistemas sociais

operacionalmente fechados, que empreendem uma série de esforços a fim de

preservar sua ordem interna; mas que, ao mesmo tempo, também precisam interagir

com os outros sistemas e com o meio em busca de sua própria evolução. Agrupadas

sob a categoria de resposta social, as manifestações de enfrentamento da

sociedade às organizações também são percebidas, neste trabalho, como um dos

inúmeros sistemas sociais capazes de influenciar e modificar a conduta

organizacional. Nesse sentido, buscamos colocar em relação, a partir da página

oficial da Arezzo e de um perfil declaradamente contrário à empresa, ambos

presentes no Facebook, tanto os esforços organizacionais em tentar se proteger de

perturbações externas potencializadas pelas redes sociais; como também as

iniciativas empreendidas pela sociedade no sentido de pressionar a empresa a

mudar de postura. Para isso, adotamos metodologicamente o modelo de Fairclough

(2001), a partir do qual pudemos captar tanto a tentativa da organização em

naturalizar suas ações e exercer seu poder sobre os demais interlocutores, como a

reinterpretação ou apropriação que a sociedade imprimiu a esse discurso, como

instrumento de contestação, constituindo-se numa forma de resistência.

Palavras-chave: Comunicação organizacional. Redes sociais. Resposta social.

Sistemas sociais.

8

ABSTRACT

The work here presented strives to, through the repercussions of the launching of

Arezzo's Pelemania collection, analyze the interaction process between

organizations and society on the internet's social networks. This theme is part of the

systemic perspective, which understand communication as a decentralized action

that presents itself in a non-hierarchy fashion among systems that influence each

other and co-evolve via the disturbance that one causes another. In this point of

view, organizations are comprehended as operationally closed social systems that

undertake a series of actions that intend to preserve it's internal order. But, in doing

so, at the same time, also needs to interact with other systems and with the

environment in which they operate to seek it's own evolution. Gruped under the

social response category, society's confrontation actions against organizations are

also perceived here as one of the incalculable social systems with enough power to

influence and modifty organizations behavior. In this respect, we seek to confront,

analyzing Arezzo's ofical profile and another openly against the company's policy,

both on Facebook, the organization efforts to shield itself from external disturbence

potencialized by social networking, as well as society based initiative to press the

company, demanding it to change it's way of doing business. To that end, it was

used, metodologically speaking, the model developed by Fairclough (2001), which

allowed to capture both the organization's efforts to naturalize it's actions and put into

practive it's power over the other interlocutors, as well as the reinterpretations or

apropriations that society makes of this efforts as instruments of confrontation that

constitute a way of resistance.

Keywords: Organizational communications. Social networks. Social response.

Social systems.

9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Crescimento dos usuários de internet no Brasil.......................... 65

Figura 2 - Montagem divulgada pelo Projeto SalvaCão no Twitter............. 78

Figura 3 - Arezzo anuncia direito de apagar comentários........................... 81

Figura 4 - Arezzo estabelece regras em sua fan page

................................

81

Figura 5 - Postagens apagadas pela Arezzo............................................... 82

Figura 6 - Arezzo interage diretamente com fãs pela primeira vez ............ 85

Figura 7 - Arezzo ignora perguntas sobre o destino da coleção ................ 86

Figura 8 - Imagens fortes conferem apelo emocional ao discurso ............. 88

Figura 9 - Fragilidade dos bichos também é explorada no discurso .......... 90

Figura 10 - Frases de personagens admiráveis compuseram o discurso de boicote à marca ....................................................................

91

Figura 11 - Matérias da mídia repercutiram o apelo ao boicote na página 91

Figura 12 - Membros do movimento se oferecem para enviar mensagens de alerta aos seguidores da fan page ....................

93

Figura 13 - Primeiras mensagens de repúdio à coleção publicadas na fan page ....................................................................................

93

Figura 14 - Arezzo estabelece regras para participação em sua página e usuários protestam ...............................................................

94

Figura 15 - Usuários defendem Arezzo ...................................................... 94

Figura 16 - Manifestantes elogiam mudança de conduta da empresa ....... 95

Figura 17 - Usuárias que apoiam a empresa são atacadas ....................... 96

Figura 18 - Interlocutores cobram retirada dos produtos das lojas ............ 97

Figura 19 - Atores comemoram resultados de seus protestos ................... 98

Figura 20 - Arezzo anuncia encerramento da Pelemania e propõe canal direto para comunicação com a sociedade .....................

101

Figura 21 - Movimento Boicote Arezzo comemora ..................................... 102

10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11

2 ORGANIZAÇÕES, COMPLEXIDADE E COMUNICAÇÃO ..................... 15 2.1 Da sociedade industrial à sociedade do consumo:

novos desafios para as organizações ................................................ 16 2.2 O pensamento sistêmico como lente: por uma mudança

de paradigma.......................................................................................... 25 2.3 Aproximações entre a Comunicação no Contexto

das Organizações e a Teoria dos Sistemas Sociais........................... 34 3 A SOCIEDADE ENFRENTA SUAS ORGANIZAÇÕES: A INTERAÇÃO NAS REDES SOCIAIS NA INTERNET............................ 50 3.1 O sistema de resposta social aplicado ao contexto das organizações ........................................................................................ 52 3.2 Redes sociais e seus efeitos sobre a sociedade e as organizações ......................................................................................... 58 3.3 A onda Facebook .................................................................................. 69

4 O CASO PELEMANIA: O PROCESSO DE INTERAÇÃO ENTRE A AREZZO E A SOCIEDADE NO FACEBOOK ............................................ 73 4.1 Percurso metodológico ........................................................................ 73 4.2 Caracterização descritiva ..................................................................... 76 4.2.1 Pelemania e sua repercussão ............................................................ 76 4.3 Categorias analíticas ............................................................................. 79 4.3.1 Fechamento operacional ................................................................... 79 4.3.2 Resposta Social.................................................................................... 86 4.3.3 Processos sobrecomunicativos ........................................................ 99

5 CONCLUSÃO ............................................................................................ 103

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 106

APÊNDICE ................................................................................................... 113

11

1 INTRODUÇÃO

A motivação principal para a realização do presente estudo funda-se na

análise do processo de interação entre organizações e sociedade nas redes sociais

na internet1. A reflexão parte do pressuposto de que, diante das transformações

decorrentes do advento da tecnologia e da valorização da informação como insumo

para o capitalismo, as organizações precisaram adotar modelos de gestão flexíveis e

formas mais interativas de se relacionarem com a sociedade, mediadas

principalmente por mídias digitais como o Facebook, Twitter, Orkut e blogs.

A temática se inscreve no fato de que, ao mesmo tempo em que essas

plataformas interativas representam para as organizações uma oportunidade de

fortalecimento da relação com seus públicos prioritários, elas também potencializam

as ameaças aos seus tradicionais mecanismos de gestão de imagem e reputação.

Isso ocorre porque as redes sociais na internet, que são mídias mais dialógicas e,

portanto, menos controláveis do que os tradicionais house organs (revista, jornal,

TV, entre outros veículos corporativos), favorecem a manifestação de outros atores

do processo comunicativo, ampliando a visibilidade de seus discursos, inclusive

daqueles que são negativos as próprias organizações.

Embora as organizações estejam cada vez mais presentes nas redes sociais

na internet, entendemos que essa inserção tem sido acompanhada por um

tensionamento entre os princípios interativos e participativos característicos dessas

plataformas digitais e os princípios de racionalidade, observação e programação

organizacionais. Essa tensão afasta, por um lado, a possibilidade de uma mudança

radical por parte das empresas na forma de se relacionarem com seus públicos, o

que se daria por meio de uma abertura maior à interação com a sociedade. Em

outras palavras, por mais que estejam presentes nas redes sociais, espaços vistos

como mais colaborativos e participativos, as organizações continuam operando sob

uma lógica mais rígida, fundamentada nos princípios de gestão e controle, na

tentativa de buscarem reduzir a complexidade do seu entorno e se manterem sólidas

em um terreno que é marcado por incertezas.

1 O termo redes sociais na internet é de Raquel Recuero (2009b), que considera essas mídias como

espaços sociais capazes de permitir a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal; a interação através de comentários; e a exposição pública da rede social de cada ator. Para esta autora, três dos valores mais comumente relacionados aos sites das redes sociais e sua apropriação pelos atores são a visibilidade, a reputação e a popularidade que eles podem possibilitar. Enquadram-se nesta categoria: Orkut, Fotolog, Weblog, Twitter, Facebook, entre outros.

12

Por outro lado, entretanto, esse tensionamento de princípios entre as

organizações e as redes sociais na internet nos sugere que algum tipo de abertura à

interação com o meio externo se tornou ainda mais necessário como estratégia de

aproximação com a sociedade e, em grau maior, como forma de sobrevivência das

organizações em um cenário que se transformou. Assim, podemos dizer que, por

mais que as organizações tenham processos e rotinas internos próprios, vão sempre

sofrer a influência do meio e, a partir dessas influências, precisam se autorrefazer,

se reprogramar, se adaptar e, consequentemente, evoluir.

Para o entendimento dessa abordagem, buscamos inscrever, no Capítulo 2, o

fenômeno da interação entre organizações e sociedade nas redes sociais na internet

na perspectiva da Teoria dos Sistemas Sociais (LUHMANN, 2010). Essa

fundamentação teórica sustenta que as organizações são sistemas sociais que se

fecham para lidar com a complexidade do mundo, caso contrário provavelmente não

sobreviveriam. No entanto, esse fechamento é apenas operacional, já que, para

evoluírem, elas precisam necessariamente entrar em contato com o meio e com os

outros sistemas e fazem isso por meio da comunicação ou dos processos

comunicativos, elementos centrais da teoria em questão.

A Teoria dos Sistemas Sociais também contribui para se pensar a

comunicação como um processo que se estabelece de forma não-hierárquica, entre

sistemas que se influenciam mutuamente e co-evoluem a partir de perturbações que

um imprime ao outro. Sob esse prisma, as organizações são apenas mais um

sistema, entre vários, que lutam por sua autoafirmação. São, portanto, destituídas da

posição central, de supremacia, que por muito tempo ocuparam nos estudos

voltados para a análise da comunicação a partir do contexto organizacional.

Seguindo por esse viés, apresentamos, no Capítulo 3, outro sistema não

menos relevante: o sistema de resposta social2, proposto originalmente por Braga

(2006). O conceito se fundamenta na ideia de que, da mesma forma que a

sociedade se organiza para fazer circular suas impressões e críticas sobre os

produtos midiáticos, pode fazer o mesmo com relação às suas organizações. Essas

manifestações de enfrentamento, por sua vez, têm se materializado, sobretudo, nas

redes sociais da internet, um dos principais dispositivos de fala da

2 Em sua forma original, o conceito de resposta social de Braga (2006) sugere que a sociedade não

apenas sofre os efeitos ou resiste pontualmente, mas se mobiliza para enfrentar sua mídia, fazendo circular, de modo necessariamente trabalhado, o que ela veicula. A proposta deste trabalho é pensar este conceito a partir do contexto organizacional.

13

contemporaneidade. Com uma proposta de interlocução mais colaborativa,

participativa e direta, essas mídias digitais têm reforçado a percepção da

comunicação como um processo de fluxo em que velhas distinções entre emissor,

meio e receptor se confundem e se intercambiam até estabelecerem outras

dinâmicas de interação, impossíveis de serem representadas segundo os modelos

comunicativos tradicionais.

Também no Capítulo 2 trazemos à tona os efeitos das tecnologias digitais

sobre a sociedade e, especialmente, sobre as organizações. Nesse sentido,

percebemos que modos e ferramentas tradicionais utilizados pelas empresas na

relação com outros atores têm se tornado insuficientes diante das possibilidades de

interação trazidas pelas novas plataformas digitais, já que foram pensados para

atender a demandas de um ambiente estável, em que a única função que cabia à

sociedade era a de receptora passiva e estanque. Nesse contexto, também tem

perdido força o papel de mediação dos profissionais da comunicação organizacional,

na medida em que ficou mais difícil exercer a regulação (ou a impressão de

regulação) sobre o processo comunicativo.

Para refletir sobre essas questões, agrupadas sob o fenômeno da interação

entre organizações e sociedade nas redes sociais na internet, propomos a análise

da fan page 3 da Arezzo no Facebook, em um período em que a empresa passou

por uma crise diante da repercussão negativa do lançamento de sua coleção

fabricada com peles de animais. A página traz os esforços das organizações em

tentar se proteger de perturbações externa, por meio de medidas que visam reduzir

a complexidade do seu entorno. Nesse ambiente, é possível perceber evidências da

materialização dos princípios de gestão e controle organizacionais no processo de

interação com a sociedade - um dos objetivos desta pesquisa.

Entretanto, a repercussão negativa da coleção transbordou a fan page e se

manifestou também em outros perfis e comunidades do Facebook. Essas

mensagens de enfrentamento ao discurso organizacional produzidas pela

sociedade, agrupadas sobretudo na página Boicote Arezzo do Facebook, também

foram consideradas como objeto empírico, o que não podia ser diferente, já que

temos a interação como elemento central do presente estudo. Por meio desse

material, buscamos compreender em que medida essas manifestações se

3 O significado do termo equivale à página de fãs, espaço no Facebook destino à criação de perfis

empresariais, por meio dos quais os consumidores podem interagir com suas marcas preferidas.

14

caracterizam como respostas sociais com real poder de influenciar a conduta das

empresas, fazendo com que elas se reprogramem e se adaptem, mesmo na

condição de sistemas movidos por princípios rígidos de funcionamento.

No Capítulo 4, detalhamos esse objeto empírico, bem como os procedimentos

metodológicos utilizados para analisá-lo, que buscou construir uma perspectiva que

nos permitisse a apreensão do movimento comunicacional entre os interlocutores,

bem como os interesses e posicionamentos assumidos por estes, expressos em

discursos, no processo de interação. Para tanto, concentramos nossos esforços no

sentido de verificar como o discurso organizacional da Arezzo em torno da nova

coleção foi articulado pela empresa e como foi percebido e abordado pela

sociedade, no Facebook, a partir da matriz metodológica proposta por Fairclough

(2001). O modelo prevê uma análise tridimensional em que relaciona texto, discurso

e prática social, a partir da qual acreditamos ser possível captar tanto a tentativa da

organização em naturalizar suas ações e exercer seu poder sobre os demais

interlocutores, como a reinterpretação ou apropriação que a sociedade imprime a

esse discurso, como instrumento de contestação e afronta, podendo constituir-se

numa forma de resistência.

No nosso entendimento, essa perspectiva supera a visão unilateral e parcial

da comunicação, que privilegia o ponto de vista da organização ou os resultados das

ações que ela empreendeu, na medida em que considera também as percepções de

outros atores envolvidos. Com isso, tornou-se possível captar o movimento

interacional e o embate de forças presentes nesse processo. Se por um tempo as

organizações puderam garantir algum controle sobre a comunicação, na condição

de emissoras privilegiadas das mensagens, atualmente, ficou ainda mais difícil

sustentar essa premissa. Com o acesso cada vez maior de outros atores às

instâncias da produção de discursos via mídia, as organizações precisaram

aprender a lidar com os estímulos não previstos que passaram a receber com maior

frequência.

A metodologia adotada para a investigação dos principais questionamentos

desta pesquisa também está alinhada ao desafio de pensar a dinâmica

contemporânea das relações entre organizações e sociedade, pressupondo que

esses atores constroem, conjuntamente, processos interacionais, num aprendizado

contínuo, no qual eles se influenciam mutuamente e co-evoluem, em uma relação

materializada em discursos.

15

2 ORGANIZAÇÕES, COMPLEXIDADE E COMUNICAÇÃO

Passamos, nos últimos 40 anos, por transformações que alteraram os

padrões de configuração da sociedade como um todo. Essas mudanças têm em

comum o anúncio da transição de uma economia industrial para uma economia de

serviços, a valorização do conhecimento e da informação como fonte de inovação e

o reconhecimento da tecnologia como fator preponderante para relacionar e

interligar esses fenômenos.

Como consequência, assistimos ao fortalecimento do capitalismo e de sua

cultura consumista em proporções globais jamais verificadas. Fato que acabou

trazendo as organizações à cena contemporânea como protagonistas e operadoras

desse novo sistema. No entanto, até mesmo elas, genuínas materializações

perpetuadoras dos modos capitalistas que emolduram o nosso cotidiano, precisaram

rever seus padrões de funcionamento para se adaptar às mudanças velozes, ao

mercado vulnerável e à concorrência acirrada, sob o risco de se tornarem obsoletas

ou mesmo desaparecerem.

Na tentativa de se manterem sólidas em um terreno marcado por incertezas,

as organizações têm utilizado modelos de gestão mais flexíveis e buscado uma

abertura maior ao diálogo com os ambientes interno e externo, procurando se

apropriar dessa troca para realizar sua própria transformação e evolução. Neste

contexto que se apresenta cada dia mais complexo, a comunicação se torna, então,

central para sua sobrevivência e renovação.

Estar disposto a ouvir as manifestações e a interagir com outros sujeitos

implica a abertura das organizações, enquanto sistemas sociais operacionalmente

fechados, a um ambiente conturbado, incerto e passível de gerar um sistema

caótico, o que contraria diretamente a lógica de controle e gestão organizacional. No

entanto, o exercício de escuta e diálogo tem deixado de ser uma escolha e vem se

impondo às organizações pelas próprias circunstâncias do contexto no qual estão

inseridas. Essa situação tem sido impulsionada nos últimos anos, entre outros

aspectos, pelo surgimento das redes sociais na internet, que têm dado voz e

visibilidade a pessoas comuns, aumentando o potencial de circulação de seus

discursos, inclusive daqueles com menções negativas as próprias organizações.

É este o debate que se propõe neste capítulo. Para isso, serão destacadas,

logo na abertura, as transformações do sistema capitalista nos últimos anos, bem

16

como os desafios impostos às organizações nesse ambiente de oportunidades para

o fortalecimento das relações com seus públicos de interesse, mas também de

riscos e incertezas, na medida em que essa interação tem potencializado os

imprevistos, ameaçando o princípio de ordem que move a lógica empresarial.

Revelada a complexidade do contexto contemporâneo, será abordada a

postura das organizações nesse cenário a partir da Teoria dos Sistemas Sociais,

desenvolvida por Luhmann (2010). Seus pressupostos serão adotados na tentativa

de demonstrar que, embora as organizações sejam a priori sistemas sociais

operacionalmente fechados, elas dependem da relação com o ambiente e com os

outros sistemas sociais para evoluírem (abertura cognitiva), o que só é possível por

meio da comunicação. A partir desse ângulo de análise, pretende-se pensar a

comunicação organizacional sob um enfoque interacional, refutando o viés linear e

simplificador que marcou por anos os estudos na área, conforme será detalhado no

item de conclusão deste capítulo.

2.1 Da sociedade industrial à sociedade do consumo: novos desafios para as organizações

Para buscar compreender o cenário contemporâneo, partimos das

concepções de Bell (1977) a respeito da transição de uma sociedade industrial para

uma sociedade pós-industrial4. O autor defende que a priorização de uma economia

de serviços em detrimento de uma economia de bens e, por sua vez, o surgimento

de um perfil de profissional melhor qualificado para atuar nesse setor, em

substituição aos antigos operários das fábricas, nos conduziram para um período da

história chamado pós-industrialismo.

O conceito é proposto no início da década de 1970, motivado, também, pela

centralidade do conhecimento teórico sobre o empirismo, como fonte de inovação e

de formulação política para a sociedade; pelo planejamento e controle do

desenvolvimento tecnológico; e pela criação de uma “tecnologia intelectual” ou “o

uso do conhecimento científico para especificar as maneiras de fazer as coisas de

4 Bell (1977) considera que a sociedade pós-industrial foi precedida por outros dois tipos de

sociedade: a pré-industrial, do tipo agrário, estruturada segundo moldes tradicionais de rotina e autoridade, cujo trabalho se centrava na força bruta dos músculos e a prosperidade consistia em se alcançar a sobrevivência; e a sociedade industrial, essencialmente produtora de bens e manufaturas, cujo funcionamento estava condicionado às fontes de energia e às máquinas.

17

um modo reprodutível” (BROOKS apud BELL, 1977, p. 44), que se tornou possível

graças à invenção do computador.

Assim como outras teorias do século XX que apostaram no surgimento de

uma nova era, o conceito de sociedade pós-industrial dialoga com as previsões de

Karl Marx5 sobre as transformações na estrutura social do capitalismo. O pensador

apontou, ainda no século XIX, que a expansão do sistema bancário e de crédito e o

crescimento da corporação6 estavam originando o funcionalismo, ligado ao exercício

de funções especializadas, e o trabalho em escritórios, fazendo surgir uma categoria

de ocupação chamada trabalho de superintendência.

De fato assistimos, nos últimos 60 anos, à profusão de novos perfis de

profissionais na sociedade. A classe “profissional e técnica” (BELL, 1977) ou os

“trabalhadores do conhecimento” (DRUCKER, 1998) se diferenciam por exercerem

um trabalho que exige, acima de tudo, a aplicação de conhecimentos teóricos e

analíticos. Por isso, sua qualificação está predominantemente associada a uma

educação formal, tornando o hábito de aprendizado uma exigência contínua. Essa

categoria de trabalhadores tem a informação como matéria-prima e é ela que

designa, gera e sustenta hoje a sociedade pós-industrial, levando Kumar (1997) a

considerar Bell (1977) o principal expositor da ideia de “sociedade da informação”.

A continuidade mais evidente em relação à teoria pós-industrial anterior é vista na interpretação da sociedade moderna como a “sociedade de informação”. Daniell Bell, mais uma vez, foi seu expositor mais eminente. Sua tese sobre a sociedade pós-industrial já isolara o “conhecimento teórico” como aspecto mais importante – a fonte de valor, a fonte de crescimento – da sociedade do futuro. (...) A nova sociedade é hoje definida, e rotulada, por seus novos métodos de acessar, processar e distribuir informação. Bell está tão confiante agora, como em sua análise anterior, que essa situação equivale a uma transformação revolucionária da sociedade moderna. (KUMAR, 1997, p. 15).

5 Bell (1977) aponta dois esquemas do pensamento de Karl Marx. O esquema número 1, de essência

mais teórica do que empírica, seria o que ele chama de capitalismo puro, focado na apresentação de duas classes principais: os capitalistas, proprietários dos meios de produção, e os proletários. Os primeiros, cada vez em menor número, concentrariam a acumulação progressiva do capital. No entanto, segundo previsões de Marx, os operários, em número bem maior, reagiriam a essa realidade e se revoltariam contra esse sistema, rompendo com o tegumento capitalista. Já no esquema número 2, que nos interessa aqui destacar, reconhece-se o surgimento de outra classe de profissionais, mais especializada no exercício de determinadas funções, constituída por gerentes, empregados técnicos, funcionários de escritório, entre outros. 6 No marxismo clássico, acreditava-se que essas mudanças apressariam o fim do capitalismo,

acirrando a divisão entre capital e trabalho e a disputa entre empresários e operários. Assim, Marx defendia que o sistema bancário, ao tirar das mãos dos capitalistas a distribuição do capital e a função social, acabaria levando a fraudes e crises. Da mesma forma, a função administrativa tenderia a afastar o capitalista do processo de produção e a privilegiar a atuação de profissionais que não detinham os instrumentos do capital. (BELL, 1977).

18

Nesse sentido, pode-se afirmar, conforme Bell (1977), que, se as duas

primeiras revoluções foram em energia – baseadas no vapor e na eletricidade, a

transformação contemporânea se fundamenta essencialmente na informação.

Uma sociedade pós-industrial tem como base os serviços. Assim sendo, trata-se de um jogo entre pessoas. O que conta não é a força muscular, ou a energia, e sim a informação. A personalidade central é a do profissional, preparado por sua educação e por seu treinamento para fornecer os tipos de habilidades que vão sendo cada vez mais exigidos numa sociedade pós-industrial. Se a sociedade industrial se define pela quantidade de bens que caracterizam um padrão de vida, a sociedade pós-industrial define-se pela qualidade da existência avaliada de acordo com os serviços e o conforto – saúde, educação, lazer e artes - agora considerados desejáveis e possíveis para todos. (BELL, 1977, p. 148).

Na base desse sistema social, estão as tecnologias. São elas que formam a

malha que conecta os agentes desse processo e por onde circula a informação, a

moeda mais valiosa do atual modelo capitalista. Com o surgimento da

microeletrônica, das telecomunicações e da informática, na década de 1970, esses

recursos puderam avançar e sua aplicação potencial tem sido percebida em todos

os setores da sociedade. Embora autores como Kumar (1997) contestem que o

advento das tecnologias tenha implicado o estabelecimento de uma “terceira onda”

ou a instauração de princípios completamente diferentes dos verificados na era

industrial, não há dúvidas quanto à sua relevância e ao seu impacto na vida social e

econômica.

Na maioria das áreas, a tecnologia da informação acelerou processos iniciados algum tempo antes, facilitou a implementação de certas estratégias de administração de empresas, mudou a natureza do trabalho no caso de numerosas profissões e apressou certas tendências em lazer e consumo. Mas não produziu mudança radical na maneira como as sociedades industriais são organizadas ou na direção em que evoluem. (KUMAR, 1997, p. 164).

De fato, os imperativos de lucro, poder e controle parecem ser tão

predominantes hoje como foram no período industrial, que também tem raízes

capitalistas. A diferença, entretanto, está na intensidade de suas aplicações,

tornadas possíveis pela revolução nas tecnologias da informação, ferramentas que

foram essenciais para a reestruturação e fortalecimento do capitalismo na década de

1980 e que deram origem a um modelo de operação fundamentado na integração

global entre os mercados financeiros. Essa reconfiguração do processo possibilitou

19

ao capital, ao capitalismo e às empresas capitalistas como um todo aumentarem sua

lucratividade, em particular nos anos 1990.

Segundo Castells (1999), se todas as revoluções apoiaram-se no uso das

informações e do conhecimento, o diferencial desta está no fato de que não se trata

da centralidade do conhecimento/informação, mas de sua aplicação para a geração

de conhecimento/informação e de dispositivos de processamento/comunicação da

informação, em um ciclo de realimentação cumulativo organizado, possibilitado pela

adoção do modelo de rede. Flexível, esse esquema confere, ainda, maior

capacidade de reconfiguração diante das intempéries comuns a uma sociedade

marcada pela mudança e fluidez.

Ainda conforme o autor, em cada país a arquitetura de formação de redes

passou a se reproduzir em centros locais e regionais, de maneira que o sistema todo

ficasse interconectado em âmbito global. O fluxo de capital e de serviços avançados

que circula, hoje, por diversas regiões e nações institui um processo

descentralizado, fazendo com que os centros produtivos e de consumo de serviços

avançados e suas sociedades auxiliares locais se conectem. Essa situação conduz

à formação de uma sociedade em rede, cujo surgimento deve ser entendido a partir

da combinação entre o advento das tecnologias, bem como a apropriação e o uso

social desses recursos, evitando uma visão que sobrevalorize um elemento em

detrimento do outro.

Assim, até certo ponto, a disponibilidade de novas tecnologias constituídas como um sistema na década de 1970 foi uma base fundamental para o processo de reestruturação socioeconômica nos anos 80. E a utilização dessas tecnologias na década de 1980 condicionou, em grande parte, seus usos e trajetórias na década de 1990. O surgimento da sociedade em rede (...) não pode ser entendido sem a interação entre estas duas tendências relativamente autônomas: o desenvolvimento de novas tecnologias da informação e a tentativa da antiga sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia para servir a tecnologia do poder. (CASTELLS, 1999, p. 98).

Possibilitada pela organização em rede, a mudança do perfil da produção dos

bens para a oferta de serviços, ocorrida a partir de 1970, fez com que a sociedade

industrial se transformasse em sociedade do consumo, como defende Rodrigues

(2010). A denominação representa, sobretudo, a transição de uma estrutura

hierárquica, mecanizada, repetitiva e pouco criativa, como nos Tempos Modernos de

Chaplin, para um modelo de capitalismo alicerçado sobre ambientes de trabalho

20

flexíveis, nos quais a hierarquia foi substituída pelo envolvimento em projetos e pelo

apelo à participação individual.

Nesse contexto, Bauman (2008) destaca a transformação de uma sociedade

de produtores, observada nos anos de 1920, que limitava seu consumo a

quantidades e itens necessários à sobrevivência, para uma sociedade movida pelo

consumo imediato e descartável de bens e serviços, fontes de conforto, prazer e

status. Segundo o autor, esse comportamento inaugura uma era marcada por uma

cultura “agorista” – baseada na rápida substituição dos objetos destinados a

satisfazer uma felicidade completa que jamais virá – e, consequentemente, pelo

desperdício. Seu tempo é “pontilhista”, repleto de rupturas e descontinuidades, e

também imprevisível, aberto ao irromper do novo, pois guarda a intensidade de

emoções que começam e terminam ali mesmo.

Essa condição levou Lipovetsky (2004) a afirmar que vivemos a experiência

do excesso. Nesse sentido, o prefixo hiper surge como o mais adequado para se

definir os tempos atuais: hipermodernidade, hipercapitalismo, hiperclasse,

hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo. “O que mais não é hiper?”,

indaga o autor (2004, p. 53), afirmando se tratar de uma modernidade elevada à

“superpotência relativa”, motivada pela via da tecnologia, da mídia, da economia e

do consumo.

Ao clima de epílogo segue-se uma sensação de fuga para adiante, de modernização desenfreada, feita de mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico-científico, cujos efeitos são tão carregados de perigo quanto de promessas. (LIPOVETSKY, 2004, p. 53).

Rodrigues (2010) destaca ainda que o termo rede, tão associado ao

capitalismo contemporâneo, foi amplamente utilizado na crítica ao que se pretendia

um ponto fixo, como Estado, família, tradições e instituições em geral. Com isso,

passaram a ser exaltados valores como mobilidade, fluidez, flexibilidade, entre

outros, que remetiam ao fim das estruturas rígidas. Esse cenário fez surgir formas de

gestão fundamentadas no envolvimento pessoal dos profissionais, que deveriam não

só colocar a sua força de trabalho a serviço das empresas, mas também suas

próprias subjetividades, o que acabou aprofundando os modos de exploração do

capitalismo e a precarização do trabalho.

21

Em outras palavras, se nos tempos do industrialismo, era possível separar as

esferas doméstica e profissional, na medida em que o que se tinha era uma

sociedade disciplinar que se limitava a cumprir uma jornada fixa nas fábricas; na

contemporaneidade, o fim do expediente deixou de significar o fim do trabalho. O

que se verifica, ao contrário, são funcionários cada vez mais envolvidos em uma

rotina de dedicação full time às empresas, que, por sua vez, têm se preocupado

cada vez mais em controlar/monitorar também o que eles têm feito fora do

expediente.

Essa situação pode ser facilmente percebida nas redes sociais na internet,

que representam com bastante fidelidade a ideia de estrutura social baseada em

rede, bem como o tênue limite que vem se estabelecendo entre os campos

profissional e pessoal. Nessas plataformas digitais, a publicação de conteúdos

pessoais tem servido de insumo para desencadear tanto processos de admissão

quanto de demissão de empregados, em um movimento de vigília constante por

parte das organizações.

György Lukács, citado por Rodrigues (2010), chamou de capitalismo

manipulatório esse sistema que já não se contenta mais com a exploração da mão

de obra: ao contrário dos tempos fordistas, em que os seres humanos, embora

fossem tratados como máquinas, exerciam função impessoal e abstrata, atualmente

o que se tem é a atribuição de valor de mercado ao que, até então, estava no campo

da subjetividade. Já para Bauman, também citado por Rodrigues (2010), o

capitalismo atual se define como um sistema parasitário, que só evolui se destruir o

seu hospedeiro ou aquele que o sustenta, ou seja, a própria sociedade do consumo.

Se os cidadãos, entregues à cultura do consumo, são os hospedeiros do

capitalismo, como propõe Bauman, as organizações são, por sua vez, as principais

operadoras desse sistema, sobretudo as privadas com fins lucrativos que,

associadas a instituições menores, vêm atuando em rede na conquista de

mercados. Beneficiárias diretas da globalização, elas têm investido maciçamente no

desenvolvimento da infraestrutura ou das tecnologias que mantêm e revigoram o

capitalismo.

Seu papel relevante no contexto atual se evidencia também pela constatação

de que vivemos em uma sociedade constituída pelos mais diversos tipos de

organizações. É delas a responsabilidade pela execução das principais tarefas

necessárias ao funcionamento da sociedade, assegurando a produção de bens e

22

serviços. As organizações podem, dessa forma, ser vistas enquanto entidades

sociais, econômicas, políticas e como agentes fundamentais de mudança.

Seguindo por esse viés, inferimos também que todos nós pertencemos a uma

ou a mais organizações, seja ela uma instituição de ensino, uma organização

política, cívica ou religiosa, uma associação de estudantes ou uma empresa pública,

privada ou de economia mista. Assim, podemos dizer que a sociedade

contemporânea é também a “sociedade das organizações” (DRUCKER, 1995), na

medida em que são elas que, em conjunto com outros construtores, entre eles os

próprios cidadãos, ajudam a tecer o contexto no qual estamos inseridos. No entanto,

ao mesmo tempo em que constroem este contexto, as organizações precisam

também aprender a lidar com sua complexidade e com os desafios que ele impõe.

Portanto, é preciso considerar que, para além das oportunidades de

fortalecimento dos negócios, o cenário atual se apresenta como um terreno de riscos

e incertezas para as organizações: as mudanças no ambiente econômico,

institucional e tecnológico se tornaram mais velozes, o mercado também está mais

vulnerável e a concorrência deu um salto surpreendente. Com isso, as organizações

precisaram rever posturas e procurar novas formas de organizar. Conforme propõe

Drucker (1995):

Sociedade, comunidade e família são instituições conservadoras. Elas procuram manter a estabilidade e evitar, ou pelo menos, desacelerar, as mudanças. Mas a organização moderna é desestabilizadora. Ela precisa ser organizada para o abandono sistemático de tudo aquilo que é estabelecido, costumeiro, conhecido e confortável, quer se trata de um produto, um serviço ou um processo, um conjunto de aptidões, relações humanas e sociais ou a própria organização. Em resumo, ela precisa ser organizada para mudanças constantes. (DRUCKER, 1995, p. 44).

Esse esforço para se adaptar e sobreviver inclui a busca por modelos de

gestão mais flexíveis e uma abertura maior ao diálogo com a sociedade. Essas

tentativas representam um indício de que antigas lógicas administrativas, baseadas

em padrões rígidos e lineares como o modelo newtoniano-cartesiano7,

predominantes em uma era anterior de produção de massa industrial, já não têm

7 Segundo Bauer (1999), os fundamentos do paradigma cartesiano-newtoniano estão ancorados em

relações ideais ordenadas de causa e efeito. A dualidade e separação entre sujeito e objeto buscam a máxima da objetividade, além de apoiar-se numa observação pretensamente neutra e imparcial, procurando uma maior previsibilidade, regularidade, quantificação e controle. Esse paradigma é, ainda, orientado pela razão instrumental e os sujeitos que o adotam procuram manter a ordem e a uniformidade dos comportamentos em todas as relações.

23

sido suficientes para as análises e operações em um contexto que se constitui cada

dia mais complexo.

Quando a demanda de quantidade e qualidade tornou-se imprevisível, quando os mercados ficaram mundialmente diversificados e, portanto, difíceis de serem controlados, quando o ritmo da transformação tecnológica tornou obsoletos os equipamentos de produção com objetivo único, o sistema de produção em massa ficou muito rígido e dispendioso para as características da nova economia. O sistema produtivo flexível surgiu como uma possível resposta para superar essa rigidez. (CASTELLS, 1999, p. 212).

Assim, o modelo de empresa horizontal, associado à formação de redes

globais, surge, de acordo com Castells (1999), como uma das alternativas para essa

flexibilização por parte das organizações de grande porte. Ele consiste na

construção de um conjunto de relações entre empresas diferentes, mantidas sob

uma estratégia global comum. Seu formato permite a descentralização e crescente

autonomia das unidades que podem, inclusive, concorrer entre si. Essa lógica

favorece a concorrência global, na medida em que facilita à organização que o

gerencia ampliar seu mercado e ter, ao mesmo tempo, acesso a informações

personalizadas sobre cada um deles, criando condições para que se aja localmente,

ao invés de tomar uma decisão de cima para baixo em um cenário que é dinâmico.

Esse sistema, no entanto, não exime as organizações dos erros de

articulação do processo. Pelo contrário, Castells (1999) ressalta que a crescente

interconectividade e a descentralização características da economia global têm

levado a uma maior dificuldade para se evitar a falta parcial ou total entre o que é

desejado e o que está disponível. Da mesma forma, medir os resultados entre as

ações planejadas e as realizadas tem se tornado uma atividade cada vez mais

complexa e não capturável pela lógica numérica. Falta clareza com relação ao peso

que se deve atribuir às variáveis e às vezes não se sabe sequer quais variáveis

devem ser contempladas. Com isso, navega-se em um mar de incertezas, levando

Guimarães (2008) a chamar a atenção para o fato de que nunca se falou tanto em

feeling como no contexto contemporâneo:

Num contexto como esse, fatores alheios à racionalidade interferem constantemente. Longe dos gestores contemporâneos o luxo de poder trabalhar com os cálculos lineares e as metas fixas que outrora norteavam as ações organizacionais! Cobra-se cada vez mais a versatilidade de saber combinar o que nunca foi combinado, o que implica rever as metas e os processos constantemente e também desenvolver habilidades de decidir no âmago das incertezas. (...) No auge da era dos índices numéricos, onde a

24

cada dia aflora uma miríade de gráficos e tabelas, percebe-se que o segredo do sucesso pode estar mesmo é na intuição. (GUIMARÃES, 2008, p. 141).

Outra necessidade que se mostra cada vez mais evidente para garantir a

sobrevivência organizacional no contexto contemporâneo é o estabelecimento de

uma interface maior com os atores internos e também com aqueles que estão no

ambiente externo. Essa lógica que Dijksterhuis, Van Den Bosch e Volberda, citados

por Silva e Rebelo (2003), classificaram como pós-industrial fundamenta-se na

relação dialógica entre organização e ambiente como fonte de auto-renovação do

sistema e co-evolução de seus atores. Conforme os autores, trata-se de um novo

modo de agir e se relacionar, que se diferencia tanto do modelo clássico, que

concebe a organização como espaço de decisões técnicas e racionais cuja

sobrevivência está atrelada a seus fatores endógenos; como do modelo moderno,

que considera o ser humano como um agente, mas ainda sob uma perspectiva

centrada no comportamento manipulador.

A partir da lógica pós-moderna, a interação é, então, colocada como elemento

central de sobrevivência e de renovação das organizações. Sendo assim, se no

nível dos organismos biológicos, a evolução é vital para a sobrevivência da espécie,

nas organizações sociais essa premissa não é diferente. Nessa direção, Bauer,

citado por Silva e Rebelo (2003), alerta no sentido de que quanto mais complexos

vão se tornando os sistemas organizacionais, menos eficazes serão os esforços em

tentar controlá-los de cima para baixo, como no paradigma newtoniano-cartesiano:

Muito mais proveitoso será facilitar as condições para que as organizações se tornem capazes de “dialogar” com as mudanças e surpresas que estarão surgindo o tempo todo ao seu redor e, assim, serem capazes de utilizar essas alterações ambientais como fatores de evolução e como insumos para sua própria transformação interior, emergindo, então, novos padrões internos de organização. (SILVA e REBELO, 2003, p. 793).

A adoção dessa lógica administrativa implica a abertura das organizações a

um ambiente conturbado e passível de gerar desestabilização. Essa situação tem

obrigado as empresas a administrar questões delicadas, como a falta de controle

sobre processos, procedimentos e rotinas fixas que são o que fazem delas

estruturas organizadas. Fato que tem se agravado ainda mais com a disseminação

de formas de interação mediadas por tecnologias como as redes sociais na internet,

uma vez que essas mídias têm favorecido a manifestação de atores sociais

25

anônimos e ampliado a visibilidade de seus diálogos na esfera pública, muitos deles

contendo mensagens negativas às organizações.

No entanto, parece que se chegou a um ponto em que não há mais como

essas interferências não refletirem na própria organização, de forma que ela mesma

se tornou um universo social altamente complexo. Nesse contexto, extrair ordem da

desordem tem sido um desafio para cujo enfrentamento a razão instrumental tem se

mostrado pouco adequada. Por isso, as teorias clássicas rígidas e lineares adotadas

para explicar tais fenômenos têm sido complementadas por novas perspectivas.

Motivados pelas transformações, outros estudos foram desenvolvidos e parte

deles está agrupada em teorias que dizem respeito ao pensamento sistêmico. Essa

corrente, a ser detalhada no próximo item, servirá como prisma a partir do qual se

pretende observar os fenômenos contemporâneos associados às organizações ou

que se realizam no contexto organizacional, em especial o processo de interação

com a sociedade nas redes sociais na internet, que constitui o principal objeto do

presente estudo.

2.2 O pensamento sistêmico como lente: por uma mudança de paradigma

O pensamento sistêmico, que vem despontando como um novo paradigma

com reflexos diretos sobre o fazer científico, propõe, entre outras questões, uma

abordagem multidisciplinar para a construção do conhecimento. Sua operação se

fundamenta na transição de uma lógica essencialmente focada na objetividade para

outra que contempla a intersubjetividade, admitindo, dessa forma, não existir uma

realidade independente de um observador e, inserindo, no processo científico, o

fator da incerteza.

Esse pensamento também se constitui pela substituição do pressuposto da

simplicidade pelo pressuposto da complexidade, exigindo uma forma de pensar que

permite abordar as contradições ao invés de excluí-las. Por fim, é marcado ainda

pela valorização da instabilidade em detrimento da estabilidade, trazendo à cena o

problema da desordem para derrubar um dogma central da física: o de um mundo

ordenado e estável. (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 2005).

Uma investigação histórica a respeito dos primeiros indícios do rompimento

com o paradigma tradicional da ciência revela que o modelo linear passou a ser

26

questionado ainda no século XIX diante das descobertas observadas nos campos da

biologia e da física, entre elas, respectivamente, a teoria da evolução das espécies

de Charles Darwin e a segunda lei da termodinâmica. O evolucionismo de Darwin,

derivado da combinação entre a seleção natural e as mutações aleatórias, contestou

diretamente a perspectiva cartesiana de criação do universo por Deus, defendendo a

tese de um mundo em permanente mudança. A segunda lei da termodinâmica, por

sua vez, propôs pensar a energia a partir de sua dissipação e não de sua

conservação, destacando que os sistemas físicos evoluíam da ordem para a

desordem ou entropia. Essas ideias também ganharam força com a teoria da

relatividade, do físico Albert Einstein. Ao considerar espaço e tempo como relativos

e não mais como absolutos, ele trouxe à ciência uma perspectiva de análise

fundamentada na tensão entre o todo e as partes. (CAPRA, 2006 e 2007).

Essas percepções inovadoras ganharam força no início do século XX, quando

as transformações nas ciências naturais e matemáticas colocaram em dúvida o

modelo linear e mecanicista como o caminho científico mais adequado para se

explicar os fenômenos do mundo. Até então, o que vigorava era uma lógica baseada

na ordem das coisas, no absoluto e no universal. Marcada pela racionalidade

científica, essa visão reduzia os fatos sociais às suas dimensões mensuráveis e via

na normatização os principais meios de garantir a ordem8.

Na passagem do século XIX para o século XX, as organizações e as

reflexões a respeito do seu funcionamento foram estruturadas sob os pressupostos

de um paradigma simplificador. O modelo organizacional ancorado nos princípios de

linearidade e racionalidade foi amplamente descrito por Max Weber, a partir de suas

reflexões sobre a burocracia. Para este autor, a estrutura moderna das organizações

só seria eficiente se possuísse autoridade burocrática, traduzida no formalismo, nas

normas e no desejo de tornar a realidade o mais material possível. Conforme

8 Segundo Capra (2006), impulsionado pelas alterações na física, na astronomia e na matemática, tal

modelo se baseava, principalmente, no método descritivo matemático da natureza, de Francis Bacon, e no método analítico, de Descartes. Um dos pontos mais marcantes dessa visão estava na ênfase às partes em detrimento do todo. Essa estrutura conceitual tornou-se realidade com Isaac Newton, na medida em que este autor propôs uma consistente teoria matemática do mundo, que permaneceu como sólido alicerce do pensamento científico até boa parte do século XX. As leis universais de Newton pareciam confirmar a visão cartesiana e racional da natureza e o universo descrito por este autor se assemelhava a um gigantesco sistema mecânico que funcionava de acordo com leis matemáticas exatas.

27

apontaram Easton e Guddat, citado por Bell (1977, p. 101), “o burocrata vê o mundo

como simples objeto que será administrado por ele”.

Portanto, os esforços para quantificar, medir, ordenar sempre foram uma

busca marcante das organizações na tentativa de dominar suas realidades

complexas. Conforme pontuam Curvello e Scroferneker (2008), mesmo em um

contexto marcado pela complexidade e pela imprevisibilidade dos fenômenos, a

adoção dessa perspectiva simétrica, linear e mecanicista de gerenciamento ainda é

facilmente encontrada em modelos de gestão organizacionais e nos estudos do

campo da Administração.

Organizar e ordenar para melhor controlar. Em suma, esse tem sido o objetivo dos estudiosos dessa área e tem contribuído para construir toda uma ideologia gerencial em que as questões são avaliadas a partir da perspectiva da racionalidade econômica, através da otimização dos meios, com rapidez, em busca da eficácia. Essa racionalidade, aliada às estruturas burocráticas, acaba por impor barreira ao livre trânsito de informações. Só circulam livremente aquelas informações e aquelas idéias voltadas para a produtividade. Tudo o mais é visto como desperdício. (CHANLAT; BEDARD apud CURVELLO e SCROFERNEKER, 2008, p.2).

No entanto, tem sido cada vez mais difícil observar as organizações a partir

das lentes desse modelo clássico, principalmente porque elas estão inseridas em

cenários mutantes e são, por si só, sistemas complexos. Essa percepção, que vem

se expandindo para o campo científico de uma forma geral, abarcando diferentes

áreas e objetos de estudo, tem levado os pesquisadores a defenderem o

pensamento sistêmico como o novo paradigma da ciência.

As primeiras proposições em torno desse pensamento podem ser

encontradas nos preceitos da Teoria Geral dos Sistemas (TGS), formulada pelo

austríaco Bertalanffy (1973) nos anos 30, mas que só ganhou força 20 anos mais

tarde. A TGS buscou enfatizar a inter-relação e interdependência entre os

componentes que formam um sistema, traduzido como “um complexo de elementos

em interação” (BERTALANFFY, 1973, p. 84), ou ainda, um conjunto de objetos

unidos por um determinado objetivo.

Seu fundamento está no fato de que existem sistemas que, na sua interação

com o entorno, constroem formas internas para sua manutenção, buscando

equilíbrio e promovendo transformações adaptativas dinâmicas. No entanto, nesse

processo, o sistema precisa conviver constantemente com a complexidade do

mundo e com os ruídos caóticos dela decorrentes, já que essa complexidade não

28

pode ser abarcada em sua totalidade. Este convívio, por sua vez, exige processos

como descarte, ignorância, indiferença ou aproveitamento.

A TGS inaugura a discussão sobre o caráter aberto dos sistemas e suas

conexões diretas com o ambiente, através do processamento de inputs,

provenientes do meio externo e absorvidos para o meio interno, e da geração de

outputs, resultantes dos processos organizacionais internos, ou seja, de respostas

elaboradas e devolvidas ao mesmo ambiente externo da organização ou do sistema.

Mesmo sofrendo modificações decorrentes dessa relação, esta seria, segundo

Bertalanffy (1973), a condição essencial garantidora da manutenção de

sobrevivência e de equilíbrio dos sistemas abertos. Em outras palavras, é somente a

partir da troca com o ambiente que eles são capazes de manter sua identidade e

coerência, em um processo de contínua aprendizagem e auto-organização.

Partindo dos estudos do campo da Biologia, o autor buscou, a partir da TGS,

um conjunto de ideias aplicáveis a todos os ramos da ciência. Dessa forma, pode-se

entender como sistemas abertos tanto um conjunto de partículas que se atraem

mutuamente, como uma rede de indústria, um circuito elétrico, um computador, um

ser vivo e, o que nos interessa aqui destacar, uma organização.

Embora a sociologia (e presumivelmente a história) trate as organizações informais, outro recente desenvolvimento foi a teoria das organizações formais, isto é, estruturas planejadas, tais como um exército, a burocracia, uma empresa comercial, etc. Esta teoria é “moldada em uma filosofia que adota a premissa de que a única maneira inteligível de estudar uma organização é estudá-la como sistema”, uma vez que a análise dos sistemas trata “a organização como um sistema de variáveis mutuamente dependentes”. Por conseguinte, “a teoria moderna das organizações conduz quase inevitavelmente à discussão da teoria geral dos sistemas”. (SCOTT apud BERTALANFFY, 1973, p. 25).

Além de Bertalanffy, o matemático americano Wiener também trouxe

contribuições importantes para o pensamento sistêmico, por meio da Teoria

Cibernética. Suas reflexões, publicadas nas décadas de 1940 e 1950, se

fundamentam na ideia de que certas funções de controle e de processamento de

informações semelhantes em máquinas e seres vivos são equivalentes e redutíveis

aos mesmos modelos e as mesmas leis matemáticas. (ESTEVES DE

VASCONCELLOS, 2005; 2012).

Em suas pesquisas, Wiener se interessou particularmente pelo princípio que a

engenharia de controle denomina como feedback. Em linhas gerais, ele consiste em

29

realimentar o sistema com as informações sobre o próprio desempenho realizado a

fim de compensar os desvios em relação ao desempenho desejado. Nesse sentido,

conforme Primo (2008), o conceito de feedback era articulado como redutor de

oscilação, na medida em que a estabilidade de um sistema comunicativo dependia

da eliminação do ruído.

Embora a Cibernética de Wiener tenha colocado o sistema como foco,

adotando, portanto, uma perspectiva mais complexa de análise científica, ela acabou

supervalorizando os efeitos corretivos do feedback negativo e, consequentemente,

desconsiderando os efeitos desintegradores do feedback positivo. Enfoque que, por

sua vez, acabou limitando a teoria à capacidade de autoestabilização ou

automanutenção do sistema.

Conforme Esteves de Vasconcellos (2012), coube a Magoroh Maruyama, em

1963, avançar nas reflexões de Wiener, ao considerar a capacidade de

automudança do sistema, resultante de retroação positiva ou retroação

amplificadora de desvios, por meio da Segunda Cibernética. Essa teoria contribuiu

para a constituição de um contexto muito propício ao questionamento da crença do

conhecimento objetivo do mundo, proporcionando uma valorização cada vez maior

às noções de autonomia (o fato de serem os sistemas regidos por suas próprias leis)

e auto-referência (operação que toma a si mesma como objeto).

A partir daí, a consequência natural foi assumir que as noções cibernéticas

não eram independentes dos ciberneticistas, ou seja, que elas não se aplicavam

somente aos sistemas cibernéticos observados, mas também aos próprios cientistas

como observadores. De acordo com Esteves de Vasconcellos (2012), essa

perspectiva conduziu Heinz von Foerster, na década de 1970, a propor uma

Cibernética da Cibernética ou Cibernética de Segunda Ordem. Por meio dela,

Foerster buscou reforçar que a objetividade clássica não passava de um ideal,

defendendo, ainda, a participação do observador como elemento imprescindível

para a ciência. Essa corrente inovou ao trazer à tona uma teoria do observador,

contribuindo para que os seres vivos conheçam como eles próprios conhecem: “o

observador, reconhecendo sua inevitável relação com o sistema que observa, se

observa observando” (VASCONCELLOS, 2005, p. 3), ideia que aponta para o

reconhecimento de uma construção intersubjetiva da realidade.

Para o desenvolvimento de suas ideias, Heinz von Foerster recorreu a outro

personagem considerado importante no desenvolvimento das teorias sistêmicas, o

30

chileno Humberto Maturana, pesquisador que lançou, nos anos 1980, a Teoria da

Autopoiese – sobre a vida e o funcionamento dos seres vivos. Por meio dela,

Maturana questionou a possibilidade de conhecimento objetivo do mundo, bem

como a ruptura entre ciência (domínio da coisa, da precisão) e filosofia (domínio do

sujeito, da especulação), defendida por Descartes, ainda no século XVII.

Em conjunto, essas reflexões trouxeram uma mudança epistemológica

considerável para a ciência: de uma crença na possibilidade de conhecimento

objetivo e estável do mundo, defendida pelo paradigma tradicional, para outra

perspectiva fundamentada na intersubjetividade e na instabilidade.

Complementarmente a essas ideias, coube a Morin (2008) reforçar ou desenvolver

melhor um terceiro pressuposto fundamental ao pensamento sistêmico: a

complexidade. Sua concepção parte da ideia de que complexidade é tecido

(complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos

inseparavelmente associados ou, ainda, de acontecimentos, ações, interações,

retroações, acasos, que constituem o mundo fenomenal. Sua compreensão requer a

consciência do risco e da incerteza. Dessa forma, assumir o pensamento complexo

é, para Morin, inevitavelmente admitir a existência do paradigma da simplicidade:

Assim, o paradigma da simplicidade é um paradigma que põe ordem no universo e expulsa dele a desordem. A ordem reduz-se a uma lei, a um princípio. A simplicidade vê que o Uno pode ser ao mesmo tempo Múltiplo. O princípio da simplicidade quer separa (sic) o que está ligado (disjunção), quer unifica (sic) o que está disperso (redução). (MORIN, 2008, p. 86).

Entretanto, conforme destaca o autor, a complexidade não se reduz à

incerteza, devendo ser percebida como “a incerteza no seio de sistemas ricamente

organizados” (MORIN, 2008, p. 52). Nesse sentido, está ligada à mistura de ordem e

desordem, como forças complementares que se tensionam. O que o pensamento

complexo pretende, na verdade, é lembrar que a realidade é mutante e o

imprevisível pode e vai surgir a qualquer momento.

Apropriando-se das ideias de Bertalanffy, Morin (2008) se dedica a pensar

essa realidade a partir da interação entre os sistemas abertos e o seu entorno,

destacando que as leis que regem essa relação não são de equilíbrio, mas de

desequilíbrio, recuperado ou compensado, ou de dinamismo estabilizado. Além

disso, a intelegibilidade do sistema está não apenas nele próprio, de forma

endógena, mas também na sua relação com o meio. O conceito de sistema aberto

31

abre as portas para o surgimento de uma teoria da evolução, que se institui a partir

da interação entre sistema e ecossistema. Transposta para o contexto

organizacional, essa visão equipara as organizações a um sistema aberto que, para

evoluir, necessita da interação com o meio exterior.

Na concepção de Morin (2008), em um universo onde os sistemas sofrem o

aumento da desordem e tendem a desintegrar-se, é sua organização que permite a

eles reprimir, captar e utilizar essa desordem para manutenção de sua própria

sobrevivência. Essa atividade, entretanto, não exime os sistemas dos riscos de

degradação ou de degeneração:

Qualquer organização, como qualquer fenômeno físico, organizacional, e, bem entendido, vivo, tende a degradar-se e a degenerar-se. O fenômeno da desintegração e da decadência é um fenômeno normal. Por outras palavras, o que é normal não é que as coisas durem sem se modificarem, isso seria pelo contrário inquietante. Não há nenhuma receita de equilíbrio. A única maneira de lutar contra a degenerescência está na regeneração permanente, por outras palavras, na aptidão do conjunto da organização em reorganizar-se, ao fazer frente a todos os processos de desintegração. (MORIN, 2008, p. 130).

Deriva desse pensamento o princípio da auto-eco-organização, proposto por

Morin (2008) enquanto processo necessário para a evolução dos sistemas abertos.

Ao mesmo tempo em que o sistema auto-organizador se destaca do meio e se

distingue dele, pela sua autonomia e individualidade, liga-se tanto mais a ele pelo

crescimento da abertura e da troca que acompanham qualquer progresso de

complexidade. O sistema auto-eco-organizador não se basta, portanto, a ele próprio

e necessita de um meio estranho para existir.

Esse conceito guarda semelhança com a “criticalidade auto-organizada”

proposta por Nussenzveig (1999), comportamento que remete à capacidade de um

sistema complexo9, como são as organizações, de se adaptar a ponto de alcançar

uma situação intermediária entre ordem e caos. “Um sistema complexo adaptativo

nessa situação também está em evolução constante, mas, quanto mais muda, mais

se torna diferente, como acontece com um ser vivo.” (NUSSENZVEIG, 1999, p. 17).

Podemos dizer que uma empresa auto-organiza-se no seu mercado em um

fenômeno que é ao mesmo tempo ordenado e aleatório. Ordenado porque ela o faz

9 Segundo Nussenzveig (1999), tal como o cérebro, esses sistemas se caracterizam por seu

dinamismo e evolução constante, por ser um sistema aberto em interação com o ambiente, por sua não-linearidade e por sua capacidade adaptativa (a própria arquitetura básica do sistema vai mudando à medida que ele evolui e interage com o ambiente).

32

obedecendo a métodos e procedimentos internos, bem como a rotinas e padrões

fixos; aleatório porque não há certeza sobre as hipóteses e as possibilidades de

vender os produtos e os serviços. Nesse sentido, o próprio mercado se constituiu

como um bom exemplo de mistura de ordem e caos.

Ao princípio da auto-eco-organização somam-se outros três que têm sido

associados ao pensamento complexo e, nesse sentido, também têm contribuído

para perceber as organizações enquanto sistemas abertos, cujo funcionamento não

se limita às rotinas internas rígidas e a falta de controle sobre o devir se anuncia

como necessária à sua evolução. São eles: os princípios dialógico, recursivo e

hologramático.

O princípio dialógico propõe a convivência possível entre noções antagônicas,

defendendo que no seio da dualidade, existe unidade. Nas palavras de Morin (2008,

p. 107): “A ordem e a desordem são dois inimigos: uma suprime a outra, mas ao

mesmo tempo, em certos casos, colaboram e produzem organização e

complexidade.”

Já o princípio recursivo destaca uma ruptura com a ideia linear de

causa/efeito, de produto/produtor, de estrutura/superestrutura. Segundo sua lógica,

tudo o que é produzido volta sobre o que o produziu num ciclo autoconstitutivo, auto-

organizador e autoprodutor. No cerne de seu funcionamento, estão as interações.

Segundo Morin (2008, p. 108), “um processo recursivo é um processo em que os

produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que os

produziu.”

O terceiro dos princípios, o hologramático, consiste, por sua vez, na ideia de

que a parte está no todo e o todo está na parte. Sua lógica, entretanto, vai além da

visão reducionista, que só vê as partes, ou da holística, que se interessa somente

pelo todo. Nesse processo, em que as características do todo retroagem sobre as

partes e vice-versa, é preciso evitar uma visão simplista de que o todo é a soma das

partes. Dessa forma, “o todo é simultaneamente mais e menos que a soma das

partes.” (MORIN, 2008. p. 124).

Apresentados separadamente apenas para efeitos de sistematização, esses

três princípios se inter-relacionam, conformando o quadro complexo no qual se dão

as interações entre as organizações e o ambiente que as cerca, na perspectiva de

Morin (2008), nos levando a crer que:

33

As organizações consideradas a partir dessa lente paradigmática estão em constante processo de ordem e desordem, de junção e disjunção, de certeza e incerteza, provocando e estimulando movimentos simultâneos de auto-organização, auto-produção e auto-eco-organização. (...) Para as organizações contemporâneas implica confrontar-se, no seu cotidiano, com realidades, situações e acontecimentos não mais tão previsíveis e tangíveis, resignificando as suas ações e suas práticas. (CURVELLO e SCROFERNEKER, 2008, p. 7).

O paradigma da complexidade, com raízes na Teoria Geral dos Sistemas, de

Bertalanffy (1973), tem contribuído para reforçar que a interação nas organizações

ultrapassa o caráter unilateral que sempre marcou os estudos da área, uma vez que

esse processo passa a ser analisado sob uma perspectiva dialógica, recursiva e

hologramática. Em outras palavras, é fruto da relação entre atores sociais que,

inseridos em um contexto específico, disputam sentido, afetando-se mutuamente.

Buscamos, portanto, a partir das reflexões de Morin (2008), destacar a

complexidade não só no contexto geral do pensamento sistêmico, mas também

enquanto elemento constitutivo das relações sociais, inclusive no contexto

organizacional, além de valorizar o processo interativo das organizações com o meio

no qual estão inseridas como condição para se manterem vivas e evoluírem.

Embora se defenda a apropriação das ideias de Morin para se pensar nos

processos comunicativos observados no contexto organizacional, acredita-se que

considerar as organizações como sistemas abertos significa partir do pressuposto de

que estamos falando de organizações naturalmente propensas ao diálogo ou à

interação. Entretanto, na verdade, o que se observa é o contrário, ou seja, as

organizações são, a priori, sistemas fechados, com leis e normas próprias a

preservar e uma identidade a se zelar.

Nesse sentido, pode-se supor que a interação com o ambiente representa um

risco em potencial que as empresas, em geral, preferem evitar, sob a ameaça de

verem ruir suas estruturas de funcionamento e ordem. A indisposição para o

intercâmbio com o meio, no entanto, não significa sua não ocorrência. Mesmo

operando sob uma lógica de gestão e controle, as organizações estão sujeitas às

contingências do ambiente. Contudo, não é exagero afirmar que essa relação

acontece em virtude de certa pressão das irritações provenientes do entorno e não

propriamente por iniciativa das organizações.

34

Essa abordagem remete à Teoria dos Sistemas Sociais10, de Luhmann (2006,

2010), outra vertente do pensamento sistêmico e principal lente a partir da qual se

pretende observar a interação entre organizações e sociedade nas redes sociais na

internet. Sob a perspectiva luhmanniana, as organizações são, essencialmente,

sistemas fechados, auto-referentes e autopoiéticos (que constroem a si mesmos),

caso contrário estariam impossibilitadas de estabelecer seus próprios limites de

existência, de formar sua identidade e, consequentemente, de empreender seu

desenvolvimento autônomo de aprendizado e evolução.

No entanto, esse fechamento operacional não significa um isolamento

termodinâmico às contingências do mundo, conforme preconiza o autor. As

organizações, mesmo enquanto sistemas sociais fechados, mantêm relações inter-

sistêmicas (por meio de acoplamentos estruturais), observam a complexidade do

seu entorno e selecionam os elementos (informações) que serão importantes para a

evolução de seus processos e para sua adaptação ao meio externo. No centro

dessa dinâmica, está a comunicação ou, segundo Luhmann, os processos

comunicativos (kommunicationsprozesses).

Constituindo uma perspectiva teórica relativamente nova nas ciências sociais,

a Teoria dos Sistemas Sociais parece oferecer uma contribuição de grande valia

para os investigadores do campo da comunicação organizacional, uma vez que

reúne fundamentos aplicáveis tanto ao campo das organizações como ao campo da

comunicação. Por isso, na tentativa de relacionar organização, comunicação e

complexidade, conforme proposto neste capítulo, problematizamos a formulação

teórica de Luhmann no próximo item, apresentando as principais linhas de seu

pensamento.

2.3 Aproximações entre a comunicação no contexto das organizações e a Teoria dos Sistemas Sociais

Embora guarde grande semelhança com os pressupostos de Bertalanffy

(1973) e de Morin (2008), o paradigma sistêmico de Luhmann (2010) trilha um

caminho próprio. A principal diferença se refere à configuração do próprio sistema:

10

De acordo com Soares (2006), podemos, a partir desse arcabouço teórico, visualizar como sistema desde as células até o sistema social mundial, que reúne os demais sistemas, como os Estados, as organizações empresariais, as organizações da sociedade civil, os meios de comunicação, o sistema jurídico, o sistema econômico, o sistema político, entre outros.

35

ele é fechado, e não aberto. Conforme aponta Soares (2006), é fechado porque

precisa estabelecer um limite entre suas operações internas e as operações do

ambiente que são desordenadas.

O ambiente, que aparece na teoria de Luhmann como parte fundamental e

constitutiva da realidade social, é sempre mais caótico que o sistema. A explicação

está no fato de que o sistema é capaz de fixar suas próprias fronteiras, demarcando

sua diferença em relação ao seu entorno, o que equivale a dizer que entre as

inúmeras possibilidades que estão a seu dispor, ele seleciona apenas algumas delas

a fim de reduzir a complexidade do meio e poder continuar operando. Faz isso

porque, se optasse por todas, certamente não sobreviveria. (KUNZLER, 2004).

Pela ótica da teoria luhmanniana, essa diferenciação entre o que é sistema e

o que é meio só é possível porque os sistemas são caracterizados pelo fechamento

operacional segundo o qual eles produzem um tipo de operação exclusiva que os

particulariza. Esse processo se dá por meio da auto-organização e da autopoiese11,

entendidas, respectivamente, como a construção de estruturas próprias dentro dos

sistemas e a capacidade dos sistemas de produzir não apenas suas estruturas, mas

também elementos operacionais a partir de construções internas e elaborações

próprias. Em outras palavras, o sistema produz suas estruturas de funcionamento

(auto-organização), mas vai além, na medida em que produz também a si mesmo

(autopoiese).

Segundo Marcondes Filho (2009), autopoiese deriva, etimologicamente, do

grego autós, que equivale a próprio, somado a poiein, fazer, ou ao substantivo

poiésis, autofazer-se, autoconstrução, autoengendramento. Ou ainda:

A autopoiése, como vimos, é a produção dos elementos, das estruturas e do desenvolvimento do sistema a partir de operações recursivas a outros elementos internos do sistema, que realizam seus processos comunicativos com dotação interna de sentido e utilizando um repertório próprio. A auto-referência ocorre na produção interna de sentido, mas também ocorre porque há produção interna de sentidos: porque produz internamente seus sentidos, o sistema pode realizar a auto-referência, que se consolida na próxima construção interna. A dotação interna de sentido é a chave para o desenvolvimento do sistema. E o sistema se desenvolve apenas porque em algum momento é capaz de realizar isso. (NEVES, 2005, p. 50).

11

Segundo Neves e Neves (2008), este conceito foi desenvolvido pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela para destacar a capacidade dos sistemas em se definir (criar identidade) a partir de suas próprias operações, mantendo sua harmonia independentemente das condições externas.

36

A partir do conceito de autopoiese, Luhmann buscou explicitar a autonomia do

sistema em relação ao ambiente, visão diferenciada da noção de input-output

simples, desenvolvida pelas teorias tradicionais, pela qual os sistemas podem ter

respostas programadas diante de determinadas entradas/estímulos. Conforme

assinala Neves (2005), ainda que no modelo baseado na noção de input-output a

forma que o sistema utiliza para construir suas respostas não seja conhecida, a

resposta propriamente dita pode ser esperada com grandes chances de êxito.

(...) o ambiente não pode operar no sistema, nem o sistema pode operar no ambiente. Um não atua sobre o outro, nem decide pelo outro. A observação, a irritação, a seleção e a informação são consideradas operações internas do sistema. Portanto, não existem inputs nem outputs. O sistema não importa elementos prontos e acabados do ambiente. Uma vez selecionado um elemento, este será processado pelo sistema de acordo com a função que desempenha. É importante saber que o ambiente não participa desse processo. Ao fechar-se, o sistema não permite que o ambiente lhe determine coisa alguma. Desse modo pode construir seu próprio conhecimento e conhecer o ambiente que lhe é distinto. (KUNZLER, 2004, p. 130).

No entanto, para Luhmann (2010), o fechamento dos sistemas é apenas

operacional, uma vez que é inevitável a possibilidade de troca com o ambiente, bem

como a internalização de novas rotinas e procedimentos, a qualquer momento. O

próprio esforço de diferenciação do sistema na tentativa de se reafirmar enquanto tal

já implica, por si só, uma dependência em relação ao meio e uma pressuposição de

que ele é parte fundamental desse processo.

Portanto, a autopoiese, principal desencadeadora da diferenciação entre

sistema e meio, opera na confluência da produção dos elementos internos ao

sistema (fechamento operacional) com sua abertura cognitiva, ou seja, sua

capacidade de ser estimulado pelo ambiente por meio de informações, que

aparecem sob o formato de irritações, perturbações ou ruídos. Embora não as

considere como elementos internos, o sistema se abre para perceber e observar

essas manifestações externas e se apropria delas como fontes para sua autopoiese.

Essa troca, por sua vez, não está condicionada a hierarquias. No máximo, pode-se

falar em relações de interdependência entre sistema e meio. (NEVES, 2005).

A combinação entre o fechamento operacional e a abertura cognitiva se

apresenta como essencial para que os sistemas mantenham-se em funcionamento e

assegurem sua existência por meio da diferenciação em relação ao seu entorno.

Dessa forma, Luhmann (2010) defende que sistema e ambiente precisam ser

37

compreendidos como dois campos complementares que compõem, juntos, a

sociedade complexa, apesar de estarem separados por uma fronteira que os

diferencia, fazendo o seguinte alerta:

Pode-se ter a impressão de que esse elemento teórico é um retorno à antiga tese dos sistemas fechados; isto é, uma volta à questão da entropia. Na realidade, este não é o caso, já que no preceito do encerramento operacional cabe distinguir entre operação e causalidade. Por encerramento não se entende isolamento termodinâmico, mas somente fechamento operacional; ou seja, que as operações do sistema se tornem recursivamente possíveis pelos resultados das operações específicas do sistema. (LUHMANN, 2010, p. 103).

Nesse sentido, a tendência é a de que, em um ambiente mais complexo, o

sistema também se torne mais complexo, ainda que não na mesma proporção. Da

mesma forma, o aumento da complexidade de um sistema pode estimular o

aumento da complexidade de outros sistemas que o observam. Assim, conforme

pontua Kunzler (2004), ao mesmo tempo em que a complexidade do ambiente

diminui, a complexidade interna do sistema aumenta. Isso acontece porque o

número de possibilidades dentro dele passa a ser maior, podendo, inclusive, chegar

a ponto de provocar sua autodiferenciação em subsistemas12.

O sistema não tem uma estrutura imutável que enfrenta um ambiente complexo. É condição para esse enfrentamento que o próprio sistema transforme-se internamente, criando subsistemas, deixando de ser simples e tornando-se mais complexo, ou seja, evoluindo. (KUNZLER, 2004, p. 125).

Essa evolução se nutre da complexidade do ambiente que cria

constantemente possibilidades inesperadas para o sistema. É a partir do

imprevisível, e não do planejado, que os sistemas evoluem. Nesse processo, no

entanto, não existe um agente externo que modifica o sistema: é ele mesmo que o

faz para sobreviver no ambiente, por meio da autopoiese. Porém, vale retomar e

reforçar a ideia de que a evolução do sistema não ocorre de forma isolada: ela

depende das irritações (manifestações ou informações) do ambiente. Só elas podem

levá-lo a mudar suas estruturas.

12

Kunzler (2004) exemplifica essa passagem a partir do sistema Direito, dizendo que ele se diferenciou, inicialmente, em público e privado; depois, em direito constitucional, administrativo, penal, civil, comercial etc.

38

São esses os principais fundamentos da teoria luhmanniana. Eles se aplicam

a três dos quatro tipos de sistema13 considerados pelo autor: vivos, psíquicos e

sociais. Os sistemas vivos são, por exemplo, as células, os animais e o corpo

humano. Seu diferencial está no fato de eles serem capazes de manterem-se a si

mesmos, sem esperar pela disposição do ambiente em lhes suprir algum tipo de

falta. Já o sistema psíquico é a consciência humana e seu elemento são os

pensamentos. Por fim, temos os sistemas sociais, movidos essencialmente pela

comunicação. É para este último, sobretudo, que Luhmann direciona seu olhar, já

que visa à elaboração de uma teoria geral da sociedade.

Sistemas sociais, na acepção luhmanniana, são sistemas autopoiéticos, fechados operacionalmente e auto-referentes, formados a partir de uma diferenciação com o ambiente externo. Essa diferenciação ocorre com o estabelecimento de uma marca, que possibilita ao sistema estabelecer o que lhe pertence e o que não lhe pertence. Sistemas sociais operam a partir de processos comunicativos, que adquirem sentido a partir da rede recursiva interna, cujo acesso ao ambiente é fechado. O ambiente é formado pelos outros sistemas existentes e por informações desorganizadas. (NEVES, 2005, p. 2).

Apropriando-se dos conceitos propostos por Luhmann, podemos considerar

as organizações como um dos vários sistemas sociais que compõem o sistema

mundo. Elas se afirmam, portanto, como a ordenação de determinada parcela do

todo social que funciona de maneira mais autônoma e previsível dentro das

fronteiras e dos limites definidos por operações que lhe são próprias. Nesse sentido,

constituem-se como instâncias operacionalmente fechadas, auto-referentes e

autopoiéticas, na medida em que empreendem uma série de esforços para buscar

reduzir a complexidade do seu entorno imprevisível e caótico, em uma tentativa de

se autopreservarem e evoluírem.

A comunicação surge, neste contexto, como elemento central para o

estabelecimento dessa dinâmica, uma vez que, para evoluir, as organizações

precisam realizar trocas com o meio que as cerca, o que só é possível através dos

processos comunicativos. Portanto, antes de seguir adiante na caracterização das

organizações enquanto sistemas sociais, faremos uma breve exposição sobre o

entendimento de Luhmann a respeito do fenômeno da comunicação.

13

Luhmann considera ainda os sistemas não-vivos, que são incapazes de produzirem-se a si mesmos. Para manterem-se, dependem do ambiente. Exemplo: uma máquina que estraga não é capaz de consertar-se sozinha. (KUNZLER, 2004).

39

Na visão do autor (2010), a comunicação, ou os processos comunicativos, se

constituem de três partes distintas e indissociáveis: 1) a seleção da informação; 2) a

seleção do ato de comunicação ou a participação; e 3) a seleção realizada no ato de

entender (ou de não entender) a informação e o ato de comunicar, traduzida como

compreensão. Nas palavras de Soares (2006),

A informação, pois, constitui-se como o start da comunicação e, numa dimensão mais ampla, como a matéria-prima para o funcionamento dos sistemas. Caracteriza-se, objetivamente, pela observação da novidade por um sistema. A participação constitui-se como o momento intermediário da comunicação. Nesta etapa, há a incorporação da novidade como válida para os processos de auto-reprodução do sistema. E por fim a participação faz um sentido para o sistema, quando então temos a compreensão. (SOARES, 2006, p. 42).

É a partir da compreensão que se desencadeiam as consequências da

incorporação da novidade (informação), que podem acarretar desde a

desestruturação dos padrões cognitivos do sistema, seu desequilíbrio,

enfraquecimento, destruição até seu fortalecimento e complexificação. Ou, ainda,

resultar simplesmente na manutenção estável do mesmo processo autopoiético que

vigorava anteriormente, sem ocasionar qualquer alteração ao sistema.

Soares (2006) chama a atenção para a semelhança desse modelo com o

esquema proposto pelas tradicionais Teorias da Comunicação, que divide o

fenômeno comunicacional nos processos de emissão, mensagem e recepção.

Conforme destaca a autora, a diferença, contudo, reside no fato de que, ao invés de

pensar tais elementos como autônomos, deve-se pensar que a comunicação só se

completa quando todos eles se combinam. Portanto, podemos dizer que a

abordagem do processo comunicativo na Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann

contradiz a metáfora da simples transferência (transmissão) de informação de um

emissor para um receptor passivo.

Em resumo: a metáfora da transmissão não é útil, pois implica demasiada ontologia. Ela sugere que o emissor transmite algo que é recebido pelo receptor; mas este não é o caso, simplesmente porque o emissor não dá nada, no sentido de perder algo. A metáfora do possuir, ter, dar e receber, não serve para compreender a comunicação. A metáfora da transmissão coloca a essência da comunicação no ato de transmissão, no ato de partilhar a comunicação. Ela dirige a atenção e os requisitos de habilidade para o emissor. Entretanto, o ato de partilhar a comunicação não é mais do que uma proposta de seleção, uma sugestão. Somente quando se retoma essa sugestão e se processa o estímulo é que se gera a comunicação. (LUHMANN, 2010, p. 297).

40

Assim, a informação, antes de participada ou compreendida, nada mais é do

que um ruído ou irritação no sistema ou em seu ambiente. Essa manifestação, por

sua vez, pode ser convertida em comunicação a partir do momento em que o

sistema social lhe atribui um sentido. Para Kunzler (2004), o sentido é o mecanismo

que os sistemas acionam para selecionar quais, dentre as infinitas possibilidades do

ambiente, irão chamar sua atenção, ou seja, irão irritá-lo. O que não faz sentido para

o sistema é descartado, remanescendo na complexidade do ambiente como

possibilidade de futuro. Na percepção de Neves (2005), podemos entender, ainda, o

sentido como elemento com dupla função, na medida em que ele estrutura

internamente o sistema e, ao mesmo tempo, serve de irritação ou informação para

outros sistemas.

Segundo a teoria luhmanniana, o sentido possui três dimensões: material,

temporal e social. A primeira constitui a própria diferenciação entre sistema e meio,

ou seja, é a diferenciação entre o que tem significado e o resto dos eventos do

mundo. A segunda dimensão diferencia os aspectos estruturais e os aspectos

variáveis ou o estado original e o estado posterior de uma estrutura após a

ocorrência de certos eventos. Por fim, a dimensão social diferencia os participantes

do processo comunicativo e está centrada no reconhecimento do alter (o outro)

como sujeito ativo e essencial para que a comunicação se realize. (NEVES, 2005).

Essa perspectiva conduz a uma visão relacional da comunicação, na medida

em que em nenhum momento o sentido é tomado como posição pré-fixada,

principalmente porque o alter e visto como um sistema de onde provêm as

informações passíveis de serem convertidas ou potencialmente convertidas em

comunicação. Esta visão é reforçada pela etapa da compreensão, que aliada à

informação e à participação, fecha o ciclo dos processos comunicativos de

Luhmann.

Tais processos ajudam os sistemas com sua auto-organização, com suas operações internas, e garantem assim a manutenção de uma identidade sistêmica própria em relação ao ambiente. É como se os sistemas se valessem desse recurso para controlar o caos comunicacional em que estão inseridos e manter um espaço de tranqüilidade para produzir suas próprias comunicações. (SOARES, 2006, p. 35).

No que diz respeito ao ciclo dos processos comunicativos, Luhammn (2010)

alerta, ainda, para a possibilidade de a comunicação não se efetivar. Nesse sentido,

o autor aponta três motivos desencadeadores dessa dificuldade. O primeiro deles é

41

a alta probabilidade de que alguém não compreenda o que o outro quer dizer, tendo

em vista o isolamento e a individualização da sua consciência: “O sentido só se

pode entender em função do contexto, e para cada um o contexto é, basicamente, o

que a sua memória lhe faculta” (LUHMANN, 2006, p. 42). Em segundo lugar, é

improvável que uma comunicação chegue a mais pessoas do que as que se

encontram presentes numa situação dada. O problema, portanto, se situa na

extensão espacial e temporal. Luhmann (2006, p. 42) defende que, “mesmo quando

a comunicação conta com transmissores móveis e permanentes, é improvável que

possa encontrar a atenção devida, já que os indivíduos têm diferentes interesses em

situações distintas”. Por fim, tem-se que a terceira improbabilidade é a de obter o

resultado desejado, já que o fato de uma comunicação ter sido entendida não

assegura que ela também tenha sido aceita.

Esse enfoque traz uma perspectiva inovadora para os estudos sobre a

comunicação no contexto das organizações, na medida em que coloca como uma

realidade perfeitamente possível o risco de que as comunicações não se completem,

de que os enunciados materializados em house organs, intranets, redes sociais e

outras ações empreendidas pelas organizações na sua relação com outros sistemas

e com o meio não façam sentido para seus supostos destinatários. (SOARES,

2006).

Além disso, ao incluir o alter no processo comunicativo, a proposta

luhmanniana reforça a ideia de que a comunicação, observada a partir do contexto

das organizações, não deve ser percebida como ação que se centraliza na emissão

e na mensagem. Conforme destaca Soares (2006, p. 118), “é na instância da

recepção, sobretudo, que se define o êxito da comunicação”. A ideia, portanto, é de

ruptura com a linearidade, uma vez que reconhecer a alteridade valoriza a ideia da

existência e da geração de sentidos diferentes daqueles que foram prescritos pela

esfera organizacional.

Também se pode dizer que a alusão às improbabilidades da comunicação

contribui para indicar que o controle sobre as contingências do ambiente

organizacional é um ideal inalcançável: o ambiente será sempre complexo e, por

mais que se busque reduzir esta complexidade, por meio dos processos

comunicativos, as organizações estarão, de uma forma ou de outra, sujeitas às

irritações e manifestações imprevisíveis do meio no qual estão inseridas.

42

Mesmo assim, enquanto sistemas sociais operacionalmente fechados, cuja

sobrevivência está condicionada ao estabelecimento de uma fronteira que garanta

sua diferenciação em relação ao ambiente, as organizações parecem não ter

alternativa se não enfrentar essas contingências. Fazem isso, porém, como

estratégia de defesa, sem qualquer garantia de que seus esforços trarão resultados,

ou seja, de que conduzirão ao fortalecimento de sua imagem, à preservação de sua

identidade e, consequentemente, à sua sobrevivência. Para tal empreendimento,

elas se fundamentam em princípios rígidos de programação, racionalidade e

observação, apontados por Neves (2005) como característicos dos sistemas sociais,

na condição de serem operacionalmente fechados. São esses princípios que, por

sua vez, se constituem como força motriz da lógica de gestão e controle

organizacional.

Segundo o autor, a programação está relacionada à criação de objetivos

prévios e requisitos mínimos que possam amenizar o impacto dos elementos

imprevisíveis sobre suas operações internas. Os programas mais comumente

encontrados nos sistemas sociais são os finalísticos, que coordenam as operações

do sistema para determinados resultados elaborados internamente; e os

condicionais, que determinam os requisitos nos quais certos programas

comunicativos deverão ser realizados.

Os finalísticos estabelecem quais seleções devem ser acionadas para se

atingir determinado fim e coordenam a participação das pessoas nos diversos

processos comunicativos. Os condicionais, por sua vez, fornecem a conduta social

aos participantes, traduzida em rituais, costumes e, transposta para o contexto das

organizações, na própria cultura organizacional, incluindo aí também seus códigos e

processos.

No entanto, conforme sugere Luhmann, citado por Soares (2006), o princípio

da programação, empreendido pelas organizações no sentido de superar a

imprevisibilidade dos fenômenos, pode não se efetivar, levando-nos a questionar até

que ponto esse esforço é válido:

Afinal, em que medida as organizações efetivamente implementam seus planos? As comunicações

com as quais precisam lidar a cada momento não invalidariam o que foi pensado de antemão? E,

mesmo se é possível comunicar de acordo com o planejado, seria possível, por causa disso, controlar

a realidade que dessa comunicação advém? Parece que, devido às diversas improbabilidades de

completude da comunicação, tal controle não passa de uma quimera. (SOARES, 2006, p. 41).

43

A racionalidade - o segundo dos três princípios citados por Luhmann (2006) –

diz respeito à tentativa do sistema em demarcar sua diferença em relação ao

ambiente. Isso se dá, principalmente, a partir do princípio da observação ao meio e a

outros sistemas, bem como da auto-observação a seus processos internos.

Entendida dessa forma, podemos dizer que a racionalidade pressupõe a

averiguação, pelo sistema, da repercussão dos efeitos do ambiente sobre si e pode

ser traduzida em operações de vigília. Associa-se, portanto, ao terceiro dos

princípios: a observação. É necessário ressaltar que se trata de uma racionalidade

defensiva, no sentido de que pretende acolher e neutralizar tanto quanto possível as

ameaças provenientes do meio, sem nunca chegar a dominá-lo. (LUHMANN, 2006).

Pensada a partir dos princípios de programação, racionalidade e observação,

que orientam a conduta das organizações enquanto sistemas sociais

operacionalmente fechados, a comunicação se apresenta sob uma visão

reducionista ou, conforme sugere Fausto Neto (2008), como iniciativa associada à

função de “radar”, na medida em que atua como:

dispositivo cuja atividade visaria proteger, através de captura, processamento, análise e de disseminação de informação as atividades e a vida de uma organização face às manifestações do ambiente que lhe oferecem perigo ou restrições ao seu funcionamento. (FAUSTO NETO, 2008, p. 42).

Sob essa perspectiva, temos também uma comunicação organizacional

vinculada à função de mecanismo corretor, que preza pela “reintrodução da

assepsia no lugar da sujeira” (FAUSTO NETO, 2008, p. 43), no sentido de sanar a

instabilidade e proporcionar a clareza; ou, ainda, vinculada à função de regulação,

que busca retirar as possibilidades de paradoxos, sem que se pergunte até que

ponto o dissenso não estaria relacionado com a comunicação, como um processo

que não se realiza de maneira simétrica.

No entanto, é preciso considerar que existem, nessa dinâmica, pontos cegos,

conforme propõe Luhmann, citado por Neves (2005), que surgem porque o sistema

não é capaz de exercer sua racionalidade a todo o momento, o que acaba fazendo

com que incidam sobre ele influências externas – situação que Neves (2005) chama

de processos sobrecomunicativos e que será detalhada adiante. O conceito também

guarda semelhança com os pontos de fuga ou apagões, sugeridos por Fausto Neto

(2008), que tomam o lugar de mecanismos de regulação idealizado por políticas e

estratégias planejadas.

44

As aproximações entre as análises de Fausto Neto e Luhmann a respeito,

respectivamente, dos pontos de fuga e pontos cegos contribuem para contestar uma

das premissas mais consolidadas nas organizações: a de que é possível centralizar

a comunicação nas mãos dos profissionais, sejam eles jornalistas ou relações

públicas, instituídos como responsáveis oficiais por esse processo. Por mais que se

tente controlar, a comunicação acaba ultrapassando a fala autorizada, devido a sua

complexidade e amplitude. Ela está também no não-planejado, no imprevisível, nas

fissuras. É justamente a partir dessa tensão entre o organizado/desorganizado que

ela existe e se renova. (BALDISSERA, 2008).

Essas são evidências reais da complexidade em que se encontram as

organizações em seus processos comunicativos. Demonstram, ainda, que muitos –

e incontroláveis – são os sentidos decorrentes da relação entre as organizações e

seus interlocutores e que os efeitos de uma mensagem não estão na competência

específica de um dos polos (produção/recepção), uma vez que não podemos

estabelecer os modos como o outro lidará com ela, nem sequer que aquela

comunicação se completará ou será aceita. É justamente a partir dessa incerteza

que as organizações se transformam e evoluem na tentativa de se adaptarem à

complexidade de seu meio.

Os efeitos desta defasagem são vistos pelas análises dos processos organizacionais como “ruídos”, “perturbações” etc., e é em função deles que se buscam os mecanismos corretores. Mas, na realidade, estes fenômenos são as molas constituintes de novas possibilidades de reconhecimento dos sentidos diversos. Não se trata de corrigir a comunicação, reposicionando-a em um lugar de estabilidade. Mas admitir que é na diversidade de sentidos produzidos em “feixe de relações” que se constitui a multinatureza da vida das próprias organizações. (FAUSTO NETO, 2008, p. 55).

Vimos até aqui que, enquanto sistemas sociais, as organizações operam a

partir de processos comunicativos. Estes, por sua vez, se constituem por meio de

três etapas complementares e indissociáveis: a informação, que se caracteriza pela

observação da novidade pelo sistema; a participação, quando o sistema incorpora a

novidade como válida para seus processos de auto-reprodução; e a compreensão,

quando a participação faz sentido para o sistema, desencadeando nele

consequências pela incorporação da novidade, ou seja, da informação. Nesse

processo, é preciso considerar os riscos de incomunicação, uma vez que não se

pode garantir que sempre haverá compreensão por parte dos sistemas, nem que a

45

comunicação será necessariamente aceita, uma vez que ela também pode ser

rejeitada.

No entanto, os sistemas sociais só são capazes de evoluir mediante uma

comunicação que seja compreendida. Nas palavras de Luhmann, citado por Soares

(2006, p. 43), “o processo de evolução (mudança) deve ser entendido como êxito: é

graças à comunicação que a sociedade consegue criar suas estruturas sociais”. É

também por meio da comunicação que as organizações conseguem manter e

fortalecer suas estruturas, mediante operações que visam reduzir a complexidade do

ambiente no qual estão inseridas, diferenciando-se dele.

Para isso, elas acionam princípios como a programação, a observação e a

racionalidade, que são constitutivos de seu fechamento operacional, por meio da

autopoiese - é esse processo que possibilita ao sistema social gerar e reproduzir

internamente seus próprios elementos de funcionamento. Por meio dessas

operações, ele busca garantir a ordem intra-sistêmica ou, em outras palavras, a

própria sobrevivência. Esse fechamento, entretanto, é apenas operacional, uma vez

que nenhum sistema pode evoluir somente a partir de si mesmo:

Isso significa que as transformações das estruturas, que só podem ser efetuadas dentro do sistema (de modo autopoiético), não se produzem ao bel-prazer do sistema, mas devem se afirmar em um meio que o próprio sistema não pode perscrutar totalmente, e não pode, afinal, incluir em si mesmo, através do planejamento. (LUHMANN, 2010, p. 129).

Essa perspectiva conduz à afirmação de que, para além de um

funcionamento intra-sistêmico, existe também uma relação com o meio e,

consequentemente, com os demais sistemas nele presentes. Em outras palavras,

por mais que os sistemas sociais, a exemplo das organizações, tenham autonomia

para gerir suas produções de sentido, necessitam de outros sistemas para funcionar

de maneira plena. Assim, pode-se dizer que é somente a partir do conjunto dessas

relações intra e inter-sistêmicas que os sistemas sociais alcançam a evolução.

Na tentativa de se buscar explicar essa relação inter-sistêmica, Luhmann

(2010) propõe o conceito de acoplamento estrutural como principal elo entre sistema

e ambiente. Conforme sugere o autor, por meio desse mecanismo, um sistema

utiliza as estruturas de funcionamento de outro sistema, não apenas como

perturbação, mas como ferramenta auxiliar de funcionamento de suas operações.

Ele chama a atenção para o fato de que o acoplamento estrutural provoca

46

influências no sistema, mas não necessariamente determina o que acontece nele, já

que isso deteria a autopoiese e culminaria em sua destruição.

O conceito de acoplamento estrutural especifica que não pode haver nenhuma contribuição do meio capaz de manter o patrimônio de autopoiesis de um sistema. O meio só pode influir causalmente em um sistema no plano da destruição, e não no sentido da determinação de seus estados internos. (LUHMANN, 2010, p. 130).

Assim, podemos dizer que os acoplamentos estruturais admitem uma

diversidade grande de formas e podem influir no sistema, desde que haja

compatibilidade com a autopoiese. Da mesma maneira, tem-se que o acoplamento

não está ajustado à totalidade do meio, mas somente a uma parte escolhida de

maneira seletiva, de forma que apenas um recorte do meio está acoplado

estruturalmente ao sistema. O restante, portanto, fica de fora, influindo sobre ele

como irritações que, por sua vez, surgem do confronto interno de expectativas intra-

sistêmicas com as perturbações externas.

Essas irritações não são simplesmente transferidas de um sistema ao outro

ou do meio ao sistema. São, na verdade, autoirritações, na medida em que é o

próprio sistema que as seleciona conforme suas expectativas, atribuindo a elas um

sentido específico. Segundo Neves (2005):

O sistema encontra na sua própria rede recursiva as maneiras de tratar aquela irritação e de produzir um processo comunicativo a partir dela, ou mesmo de ignorar aquela irritação e não selecioná-la como informação válida. Esta possibilidade está colocada na capacidade de distinção, própria do sistema, entre auto-referência e elementos externos, que gera um processo cognitivo e um processo comunicativo a partir de irritações externas, mas com a construção interna de elementos do sistema. (NEVES, 2005, p. 58).

Como a teoria parte do princípio do fechamento operacional, Neves destaca

que o desenvolvimento autônomo do sistema em relação ao ambiente, simultâneo a

uma relação do sistema com o ambiente, é um dos elementos de geração de conflito

e desestabilização. Entretanto, estas não são prejudiciais, mas auxiliam seu

desenvolvimento, uma vez que sistemas complexos requerem um alto grau de

instabilidade “para permitir uma reação continuada a si próprios e a seus ambientes,

e eles precisam reproduzir continuamente esta instabilidade.” (LUHMANN apud

NEVES, 2005, p. 55).

47

Portanto, pode-se dizer que o acoplamento estrutural tem um papel

importante no processo de evolução de um sistema, já que lhe direciona

perturbações frequentes provenientes do ambiente acoplado. Essa evolução, na

verdade, se configura mais como co-evolução, na medida em que é recíproca, ou

seja, se estende aos sistemas acoplados:

Esses ruídos são produzidos em ambos os lados do acoplamento e, no caso de dois sistemas acoplados, essas irritações mútuas geram um fluxo estrutural e ocasionam a evolução recíproca, com a produção de informações para ambos os sistemas, pois, apesar de autopoiéticos, ambos podem observar os sentidos produzidos em uma mesma ocorrência no âmbito do acoplamento. (NEVES, 2005, p. 56).

Neves (2005) defende que, nessas operações, os sistemas sociais podem

sofrer influências externas, que provocariam eventuais obstruções à sua reprodução

autopoiética, originando o que ele chama de processos sobrecomunicativos. O

conceito visa explicar, sem o abandono das premissas da Teoria dos Sistemas

Sociais, que podem ocorrer eventos de influência externa em sistemas

autopoiéticos. Segundo o autor, essas influências resultariam de processos de

observação continuada ou de desvios de acoplamento.

A observação continuada consiste no fato de o sistema observado sofrer

influência do sistema que observa sem o conhecimento ou consentimento daquele.

Isso se daria em pontos cegos no campo de auto-observação e na interseção de

funcionamento do acoplamento estrutural ocorridos no âmbito do sistema. Já os

desvios de acoplamento dizem respeito a falhas no processo de diferenciação no

momento do funcionamento de operações ocorridas no âmbito das relações entre

sistemas sociais, ou seja, na interseção de processos comunicativos de sistemas

acoplados. Conforme Neves (2005), nesse caso os processos comunicativos se

completam, mas ao final deles, o sentido obtido pelo sistema sofre um desvio, pois

se compôs simultaneamente de parcelas de processos comunicativos dos outros

sistemas envolvidos no acoplamento.

Transpondo essas ideias para o contexto organizacional, percebemos que as

organizações se instituem como sistemas sociais operacionalmente fechados que,

por meio de processos comunicativos próprios, buscam preservar sua identidade e

garantir sua sobrevivência diante de um ambiente complexo. Fazem isso a partir da

autopoiese, processando informações e realizando seleções que lhe são típicas. No

48

entanto, esse ciclo só se completa se combinado simultaneamente à abertura à

relação com outros sistemas, por meio de acoplamentos estruturais.

Dessa forma, podemos falar em acoplamentos entre as organizações e outros

sistemas sociais, tais como a política, a economia, o entretenimento, os meios de

comunicação de massa, entre outros. Conforme explicitado por Luhmann (2010),

nessas relações não existem hierarquias, na medida em que os sistemas

influenciam-se mutuamente e co-evoluem14 a partir de perturbações que um imprime

ao outro.

Temos ainda que na relação que estabelecem com outros sistemas, por meio

de acoplamentos estruturais, as organizações, mesmo enquanto sistemas

consolidados e autopoiético, correm o risco de sofrer influências externas resultantes

das operações de observação continuada e de desvios de acoplamento, o que

representa uma ameaça à sua ordem interna.

Apresentada em detalhes a Teoria dos Sistemas Sociais, nossa hipótese é a

de que, a exemplo do paradigma da complexidade, de Morin (2008), a teoria

sistêmica de Luhmann (2010) aponta diretrizes que possam contribuir para se

pensar a comunicação organizacional sob uma perspectiva mais dialógica,

recursiva15 e, consequentemente, menos linear e mecanicista. Ressaltamos, no

entanto, que Luhmann traz novos elementos para esta discussão na medida em que

não só evidencia a complexidade do mundo, mas procura também debater como as

organizações conseguem sobreviver em meio a este cenário.

Essas possibilidades serão estudadas a partir de um caso real, no qual se

propõe o recorte de um ponto de interseção relacional entre uma organização em

específico e um conjunto de indivíduos, presentes em um mesmo contexto de

interação: uma mídia das redes sociais na internet, o Facebook. Para isso,

partiremos do pressuposto de que as organizações são sistemas fechados, que

empreendem uma série de esforços para conservarem sua identidade, mas que,

simultaneamente, precisam se abrir ao intercâmbio com o meio, em busca de sua

evolução ou autopoiese. Nesse processo, que se dá por meio da comunicação, elas

14

Na concepção luhmanianna, evolução não significa necessariamente ascendência, mas transformação. O conceito está relacionado à questão da autopoiese. 15

Entendemos que o princípio hologramático, que também é apresentado por Morin como elemento de sua Teoria da Complexidade, seria mais um ponto de diferença do que de semelhança com as ideias de Luhmann: enquanto a perspectiva hologramática diz respeito à relação entre o todo e as partes; a luhmanniana defende os sistemas como unidades independentes, que garantem a sua autonomia por meio da diferenciação que estabelecem com os outros sistemas e com o meio.

49

buscam se proteger de perturbações externas, mas acabam sendo também

influenciadas pelos outros sistemas com os quais se relacionam, ou, de acordo com

Luhmann, aos quais se acoplam.

Para verificar essas hipóteses, consideramos um sistema que reúne as

manifestações de resistência ou de enfrentamento da sociedade ao que é produzido

e veiculado por uma determinada organização. Embora tenham permanecido por

muito tempo às margens das pesquisas que se propõem a analisar o processo

interativo no contexto das organizações, essas manifestações sempre existiram e,

nos últimos anos, como surgimento de mídias mais interativas na internet, elas

ganharam mais visibilidade. Assunto que, por sua vez, será abordado no próximo

capítulo.

Para avançar nessa discussão, também evidenciaremos, no item a seguir, as

principais características das redes sociais na internet, plataformas digitais que vêm

despontando na sociedade por sua promessa diferenciada de interlocução,

fundamentada em uma comunicação mais direta e na oportunidade de uma relação

mais próxima. Essa reflexão nos conduz de uma percepção

linear/matemática/simplista a respeito da comunicação no contexto organizacional

para outra mais complexa e menos hierárquica. Aponta, ainda, para a necessidade

de mudança nos padrões tradicionais e unilaterais adotados pelas organizações no

relacionamento com seus interlocutores.

50

3 ASOCIEDADE ENFRENTA SUAS ORGANIZAÇÕES16: A INTERAÇÃO NAS

REDES SOCIAIS NA INTERNET

No Capítulo 2, vimos que, segundo o paradigma luhmanniano, a sociedade é

composta por unidades sistêmicas que buscam extrair do caos e da incerteza ordem

suficiente para permitir a conservação de seu equilíbrio. Nesse sentido, podemos

considerar como sistemas desde a unidade mínima, que são as células, até o

sistema social mundial, onde se situam outros sistemas, a exemplo das

organizações.

Vimos também que, enquanto sistemas sociais fechados, as organizações

operam a partir de processos comunicativos. Nesse sentido, podemos dizer que é

por meio da comunicação que elas conseguem garantir a sua própria sobrevivência,

realizando operações que visam reduzir a complexidade do ambiente no qual estão

inseridas, diferenciando-se dele.

Esse fechamento, entretanto, é apenas operacional, uma vez que nenhum

sistema pode evoluir somente a partir de si mesmo. Para além de um funcionamento

intra-sistêmico, existe também uma relação com o meio e, consequentemente, com

os demais sistemas nele presentes. É somente a partir do conjunto dessas relações

intra e inter-sistêmicas que se alcança a evolução.

A perspectiva sistêmica contribui para se pensar a comunicação como um

processo que se estabelece de forma não hierárquica entre sistemas que se

influenciam mutuamente e co-evoluem a partir de perturbações que um imprime ao

outro. Aplicada ao contexto das organizações, a teoria luhmanniana sugere que os

processos comunicativos não são uma ação centralizada. Sob esse prisma, as

organizações devem ser percebidas como mais um sistema, entre vários, que luta

por sua autoafirmação.

Sendo assim, da mesma forma que apresentamos as organizações a partir da

Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann, pretendemos evidenciar, neste capítulo,

outro sistema não menos relevante: o de resposta social. Proposto por Braga (2006),

ele vem se somar aos outros dois que a teoria da comunicação já reconhece existir:

o de produção e o de recepção.

16

O título faz referência à obra de Braga (2006): A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiatizada.

51

Sua hipótese se fundamenta na ideia de que a sociedade não só tem

experiências diferenciadas com os produtos midiáticos que consome como também

se organiza para enfrentar a sua mídia, podendo até mesmo provocar mudanças

nos conteúdos que ela produz. Transpondo essas ideias para o contexto

organizacional, temos que, da mesma forma que a sociedade se mobiliza para fazer

circular suas impressões e críticas sobre os produtos midiáticos, pode fazer o

mesmo com relação a suas organizações.

Essas manifestações de enfrentamento – seja à mídia ou, o que nos interessa

aqui destacar, às organizações – sempre estiveram presentes no contexto

extramidiático, como em cafés, fóruns presenciais e cineclubes. No entanto,

conforme se pretende enfatizar neste trabalho, é natural que uma sociedade

midiatizada também prefira agir via mídia na tentativa de obter efeitos sociais e

culturais abrangentes e permeadores. (BRAGA, 2006).

No atual contexto, pode-se dizer que a flexibilidade da rede informatizada

mundial tem feito da internet um dos principais dispositivos sociais de fala. Essa

prerrogativa é reforçada pelo advento das redes sociais, sobretudo no Brasil, que se

formaram a partir da comunicação mediada por computador. Entre os atrativos

dessas mídias digitais está o fato de que elas têm possibilitado a sujeitos anônimos

e cidadãos comuns produzir e disseminar via mídia seus próprios discursos,

inclusive os de crítica às práticas organizacionais.

Apresentadas as principais ideias que nortearão este capítulo, seguiremos

adiante discutindo, inicialmente, o sistema de resposta social, associando-o ao

contexto das organizações. Na sequência, abordaremos o conceito de redes sociais

na internet, bem como suas implicações nas dinâmicas da sociedade e dos

processos comunicativos empreendidos pelas organizações. Por fim, serão

evidenciadas as principais características do Facebook, enquanto mídia social de

maior audiência no Brasil e enquanto dispositivo social de crítica à organização que

pretendemos adotar como objeto empírico deste trabalho.

52

3.1 O sistema de resposta social aplicado ao contexto das organizações

À luz da teoria luhmanniana, vimos que as organizações são apenas um dos

vários sistemas que se valem dos processos comunicativos na busca por sua

autoafirmação. Em uma relação que não se estabelece de forma hierárquica, esses

sistemas influenciam-se mutuamente e co-evoluem, sem que necessariamente um

predomine sobre o outro. Sob esse enfoque, a organização é destituída de uma

posição de supremacia, que por muito tempo vigorou nas pesquisas da área. Passa,

portanto, a operar em conjunto com outros sistemas não menos atuantes que ela,

que também são capazes de produzir suas próprias estruturas e, inclusive, de reagir

aos produtos e discursos organizacionais.

Mais do que reflexos do processo de recepção, acredita-se que essas

manifestações de enfrentamento, que sempre estiveram à margem dos estudos

sobre os fenômenos da comunicação, se configuram como posicionamentos críticos

organizados de respostas às mensagens produzidas e disseminadas pelas

organizações. Para fundamentar essa abordagem, propõe-se a apropriação do

conceito de sistema de resposta social, de Braga (2006), adaptando-o ao contexto

organizacional.

Em sua forma original, esse sistema corresponde a atividades de respostas

produtivas e direcionadoras da sociedade em interação com os produtos midiáticos.

Para Braga (2006), a sociedade não apenas sofre os efeitos ou resiste

pontualmente, mas se mobiliza para enfrentar sua mídia, fazendo circular, de modo

necessariamente trabalhado, o que ela veicula. Faz isso por meio de ações que

podem ser contrapositivas, interpretativas, proativas, corretoras de percurso,

controladoras, seletivas, polemizadoras, laudatórias, de estímulo, de ensino, de

alerta, de divulgação e até de venda.

Como defende o autor, a abrangência dos processos midiáticos na sociedade

não se esgota nos subsistemas de produção e de recepção. Questionando o

dualismo entre mídia e sociedade, em que a primeira assume o papel ativo de

geradora de mensagens, e a segunda, na melhor das hipóteses, questiona as

interferências, mas na posição de recebedora, Braga sugere uma análise do

fenômeno da comunicação a partir de uma perspectiva menos

informacional/unidirecional. Para ele, desde as primeiras interações midiatizadas, a

sociedade age e produz não só em conjunto com os meios de comunicação, ao

53

atribuir a eles objetivos e processos, mas também sobre seus produtos,

redirecionando-os e conferindo a eles sentido social.

Esse processo não é necessariamente caracterizado por ações de retorno

direto e pontual do receptor para o emissor, mas por respostas “diferidas e difusas”

(BRAGA, 2006, p. 22), ou seja, que circulam na sociedade, tornando-se de domínio

comum, podendo ou não chegar ao emissor original como retorno. Para o autor,

portanto, o sistema de resposta social é da ordem da circulação - não aquela vista

sob a perspectiva econômica, de fazer chegar o produto ao consumidor, mas sim a

que tem início após a recepção, depois de completada a processualidade mais

comercial.

É relevante, para percebermos o sistema de interação social sobre a mídia, que a circulação de produtos midiáticos na sociedade não se faz apenas como “escolher e acolher” segundo critérios culturais anteriores, mas gera um trabalho social dinâmico: respostas. (BRAGA, 2006, p. 29).

Nas reflexões de Fausto Neto (2009), a circulação aparece como um novo

espaço de produção, funcionamento e regulação de sentidos, alimentado pela

interdiscursividade entre os pólos da emissão e da recepção. Sob essa perspectiva,

ela deixa de ser um elemento invisível no processo de comunicação para assumir o

papel de dispositivo capaz de organizar novas possibilidades de interação e, de

modo específico, com a missão de reforçar a existência da recepção.

O autor considera, ainda, que a emergência do conceito de circulação tem

relação direta com o advento das tecnologias, uma vez que elas têm permitido a

inserção de receptores junto ao próprio sistema de produção das mídias,

fortalecendo a interação entre os atores do processo comunicativo, removendo

posições cristalizadas (o receptor também pode ser produtor e vice-versa) e

estabelecendo novas naturezas de vínculos.

A complexificação tecnológica muda os ambientes, as temporalidades, as práticas sociais, os processos, o status dos sujeitos, as lógicas de contatos entre eles e os modos de envio uns com os outros, diluindo fronteiras cristalizadas, em favorecimento desta nova „zona de contato‟, mas também de indeterminações. (FAUSTO NETO, 2009, p. 10).

Além de reforçar o caráter de circulação do processo comunicativo, o sistema

de resposta social também se caracteriza por ter um grau menor de

institucionalização e normatividade. Segundo Braga (2006), isso se dá porque ele

não se fundamenta em ações sociais formalmente concertadas, mas em processos

54

que, independentemente da sua origem, desempenham uma mesma funcionalidade.

Em outras palavras, o sistema de resposta social consiste mais em uma “classe de

atividades”, com relativa autonomia e dispersão, que faz e se desfaz, que se

reconfigura, do que em “objetos organizados”, tais como empresas e outras

instituições, grupos humanos articulados ou os próprios meios de comunicação.

Os diferentes dispositivos e ações específicas não fazem sistema institucionalizado entre si, mas participam, pela natureza mesmo de suas atividades, de um sistema social mais amplo, caracterizado pelo fato de fazer circular ideias, informações, reações e interpretações sobre a mídia e seus produtos e processos – e de produzir respostas. (BRAGA, 2006, pág. 30, destaque do autor).

De acordo com o autor, essas respostas estão evidenciadas e sistematizadas

em dispositivos sociais, que consistem em “formas socialmente geradas e tornadas

culturalmente disponíveis como matrizes para a realização de falas específicas” ou

ainda em “lugares materiais ou imateriais nos quais se inscrevem (necessariamente)

os textos” (BRAGA, 2006, p. 36). Desse modo, enquadram-se nessa categoria os

cineclubes, os sites de crítica à mídia, as revistas cujo tema é a própria mídia, as

produções acadêmicas sobre os meios, os processos de autocrítica da imprensa,

entre outros.

Projetando o sistema de resposta social para o contexto das organizações,

temos que, da mesma forma que a sociedade é capaz de se organizar para fazer

circular impressões e críticas sobre os produtos midiáticos, pode fazer o mesmo com

relação ao que é gerado e disseminado por suas organizações. Essas

manifestações, geralmente classificadas como ruídos ou perturbações no processo

comunicativo, ganham nova perspectiva a partir das ideias de Braga: passam a ser

entendidas como respostas organizadas de enfrentamento com reais possibilidades

de provocar mudanças nos discursos e nas condutas organizacionais.

Embora sejam diferidas e difusas, ou seja, não impliquem retorno pontual,

direto e estruturado às empresas, as respostas podem ser encontradas nos mais

diversos dispositivos sociais, tais como debates e audiências públicas; reuniões de

sindicatos e associações; nas conversas informais no cafezinho; e em espaços nos

jornais destinados ao leitor. No entanto, para alcançar uma circulação mais

abrangente, essas manifestações têm se materializado, sobretudo, nas redes sociais

na internet, um dos principais dispositivos sociais de fala da contemporaneidade.

55

Conforme destaca Braga (2006), em uma sociedade influenciada pelos padrões

midiáticos, é natural que seus atores também queiram agir via mídia.

Além disso, enquanto nova possibilidade de interação, essas mídias têm

permitido uma interlocução mais dialógica, colaborativa, participativa e direta, o que

tem atraído a adesão de um número cada vez maior de cidadãos. Sua lógica

também contesta diretamente o ultrapassado modelo que pressupõe um emissor,

em condições favoráveis, transmitindo informações a um receptor, passivo. Nesses

novos ambientes, os participantes – sejam eles pessoas comuns, ONGs, empresas

públicas ou privadas de grande porte, mídia de massa, celebridades ou autoridades

políticas – utilizam, gratuitamente, os mesmos recursos, a partir dos quais criam e

disseminam suas próprias mensagens, fazendo circular midiaticamente os mais

diversos sentidos.

Esses atores sociais, que se incluem nas plataformas digitais em evidência na

contemporaneidade, produzem e dão visibilidade a seus conteúdos e a si próprios,

muitas das vezes motivados estritamente por questões ligadas ao entretenimento e

ao lazer. Mas são eles também que, em outros momentos, pressionam os governos,

em busca de mais transparência e abertura ao diálogo, e que contestam e negociam

com as empresas e com outros indivíduos e grupos segmentados. Nesse cenário

que destaca protagonistas mais ativos, o Estado já não pode tudo no ambiente da

democracia; a universidade não é mais a única fonte credenciada de produção de

conhecimento; a igreja católica agora tem de dividir espaço com outras orientações

religiosas; e as empresas, sistema social que nos interessa aqui destacar, não

podem mais considerar que suas decisões estão restritas aos escritórios e às linhas

de produção. (NASSAR, 2008).

Sendo assim, podemos considerar as redes sociais na internet como uma

ferramenta com potencial para alavancar as lutas sociais contemporâneas, seja de

indivíduos, movimentos ou organizações, na medida em que têm contribuído para

unir e mobilizar pessoas e entidades de diferentes países ou localidades em prol de

causas locais ou transnacionais, como educação, saúde, direitos humanos, defesa

de minorias étnicas e preservação do meio ambiente. Essa prática fundou, na

década de 1990, um novo tipo de ativismo, chamado ciberativismo, ativismo digital

ou ativismo online, conforme destaca Rigitano (2003):

56

A utilização da rede por parte desses grupos visa, dentre outras coisas, poder difundir informações e reivindicações sem mediação, com o objetivo de buscar apoio e mobilização para uma causa; criar espaços de discussão e troca de informação; organizar e mobilizar indivíduos para ações e protestos on-line e offline”. (RIGITANO, 2003, p. 3).

Segundo Moraes (2001), a internet tem permitido a movimentos sociais

ultrapassar barreiras geográficas e fusos horários, na medida em que se configuram

como um canal público de comunicação, livre de regulamentação e controle externo,

por meio do qual é possível disseminar informações e análises que contribuem para

o questionamento de hegemonias constituídas: “O ciberativismo alicerça campanhas

e aspirações a distância, no compasso de causas que se globalizam”. (MORAES,

2001, p. 9).

Pelo dinamismo e pela possibilidade de participação via mídia que as redes

digitais proporcionam, a ação de atores antes desconsiderados nos estudos de

comunicação nas organizações tem ganhado força e visibilidade. No entanto,

mesmo reconhecendo a existência de um sistema de interação social sobre as

organizações, conforme buscamos construir nesse capítulo por meio do conceito de

resposta social de Braga (2006), temos ciência de que não podemos incorrer à visão

ingênua de que a sociedade estaria, de forma majoritária e qualificada, sabendo

enfrentar ou corrigir as distorções do que é produzido e disseminado pelas

empresas. Ou ainda de que as redes sociais estariam sendo utilizadas

prioritariamente como instrumento para o alcance de relevantes conquistas políticas

e sociais.

Conforme sugere Braga (2006), assim como o sistema de produção

apresenta conteúdos questionáveis do ponto de vista da qualidade do que oferece, o

sistema de interação também pode ser “frágil, esparso, pobre de recursos (materiais,

conceituais, criativos e operacionais), de pouco alcance e de visão pouco

abrangente” (BRAGA, 2006, p. 42). Portanto, é preciso considerar que, embora a

internet e suas redes sociais tenham potencial para contribuir em prol da

contestação de valores hegemônicos, sejam eles disseminados pelas mídias de

massa ou, o que nos interessa aqui destacar, pelas organizações, não é exagero

dizer que boa parte dos usuários dessas plataformas digitais está mais interessada

em se divertir e relaxar do que em se engajar em causas voltadas para a

transformação e melhoria do mundo.

57

Relatórios de 2011 do Nielsen e NM Incite apontam que os principais fatores

de estímulo ao uso das redes sociais nos Estados Unidos são, em primeiro lugar, a

manutenção de contato com familiares e amigos; em segundo, a possibilidade de

encontrar novas amizades; e, em terceiro, o entretenimento (BARBOSA, 2011).

Outra motivação para o acesso está no fato de essas plataformas permitirem a

exposição pessoal dos usuários, por meio da atualização de seus perfis. Essa

tendência tem provocado um deslocamento em direção à intimidade de pessoas

comuns ou, segundo Sibilia (2008, p. 34), “uma curiosidade crescente por aqueles

âmbitos de existência que costumavam ser catalogados de maneira inequívoca

como privados”.

Diante desse contexto, Antoun (2010) critica o que denomina de “cântico da

blogosfera libertadora, entoado por entusiasmados ciberativistas e coletivos de

criação e partilha”:

a profusão dos sites de fans de ídolos e programas da cultura de massa, as conversas recorrentes sobre os temas das TVs e grandes jornais, e as repetições em cascata de bordões e ritornelos propagandísticos erguem um gigantesco tsunami onde se guarda a maior parte do que existe na internet (Jenkins, 2006), em tudo distante da recombinação criadora e da atitude libertária preconizada em vários mantras (Terranova, 2004). (ANTOUN, 2010, p. 2)

O fato de os atores presentes nas plataformas digitais estarem envolvidos

com questões mais de ordem pessoal ou ligadas ao entretenimento do que

propriamente com causas de fato relevantes tem suscitado a reflexão do que

Morozov17, citado por Lima, (2012) denomina como “ativismo preguiçoso”, cuja

participação está menos atrelada às ideologias de seus membros e mais à ação

cômoda de clicar em determinado link ou retransmitir certa mensagem. Atitude que

tem sido favorecida também pela possibilidade de a participação ser anônima, o que

acaba encorajando à ação, na medida em que exime o usuário das possíveis

consequências negativas de seus atos. (RECUERO, 2009b; SILVEIRA, 2009).

Vimos, portanto, que o sistema de resposta social vem para reforçar a

atuação de outros atores no processo de interação com as organizações. Conforme

exposto, embora essas manifestações sempre tenham existido, observamos que

17

Segundo o autor, para que os indivíduos sejam efetivamente mobilizados a contribuir, é necessário oferecer-lhes mecanismos de ação efetiva no ambiente online e offline. Um exemplo seria o convite, por meio das ferramentas da plataforma digital, para uma passeata ou o convite para uma ação que só pode ser executada na internet, como o uso de cliques que são revertidos em doações por parte de empresas parceiras.

58

elas vêm ganhando maior visibilidade a partir das redes sociais, uma vez que essas

plataformas digitais têm permitido não só a materialização desses discursos, como

também sua circulação em maior escala.

Embora o uso das novas tecnologias, a exemplo das redes sociais, não esteja

sendo direcionado propriamente para a conquista de causas relevantes, os efeitos

que elas vêm provocando demonstram que algo tem, de fato, se alterado, sobretudo

nos modos de a sociedade se relacionar e se comunicar, conforme buscamos expor

a seguir.

3.2 Redes sociais e seus efeitos sobre a sociedade e as organizações

“Era da informação” (CASTELLS, 2009), “Era do virtual” (BAUDRILLARD,

2002), “Sociedade midiatizada” (BRAGA, 2007; FAUSTO NETO, 2007; FERREIRA,

2008), “Hipermodernidade” (LIPOVETSKY, 2004). Muitos têm sido os termos

utilizados para se caracterizar o contexto contemporâneo. Por detrás dessa

diversidade de expressões, é possível identificar um denominador comum: a

influência das novas tecnologias da comunicação e da informação.

As reflexões sobre o advento da tecnologia na contemporaneidade têm sido

marcadas por visões maniqueístas, que ora tendem para um pessimismo

exacerbado, ora se aproximam de uma visão de deslumbramento. Virilio, citado por

Parente (2004), foi um dos estudiosos que percebeu com certo temor a mudança

que o elemento virtual trouxe à relação do homem com o espaço. Para ele, o

ciberespaço está levando a sociedade ao enclausuramento ou, em outras palavras,

à inércia polar.

A hipótese de Virilio se fundamenta na ideia de que futuramente o espaço se

concentrará em um único ponto fixo que não mais se estenderá: não haverá campo

de tênis, mas um campo virtual; não haverá passeio de bicicleta, mas exercícios em

home-trainer; não haverá guerra, mas videogame. A exemplo do Flaneur, de Walter

Benjamin, Virilio cria a figura do paralítico tecnologizado para representar

simbolicamente as limitações do homem contemporâneo.

Com uma visão menos extremista, Parente (2004) recorre aos conceitos18 de

heterotopia, de Foucault, e de pantopia, de Serres para refutar a ideia de que o

18

Parente (2004) afirma que os termos heterotopia e pantopia possuem uma lógica aproximada, que aponta para o desejo de reunião de todos os lugares em um só lugar.

59

ciberespaço corresponde à anulação do espaço, defendendo que o que se vive,

atualmente, é a justaposição de todos os lugares em um só, unindo o próximo e o

longínquo, de forma simultânea.

No que diz respeito à relação do homem com o tempo, Parente (2004)

observa mudanças no cenário atual. Entre elas, a presença de uma

multitemporalidade, formada a partir da combinação de acontecimentos singulares

que remetem ao passado, ao presente e ao futuro, agrupados em uma espécie de

mapa dobrável e desdobrável, que se refaz a cada nova conexão.

O desenvolvimento da história da tecnologia se parece muito com as descrições das teorias do caos e do tempo topológico: acontecimentos que parecem afastados estão muito próximos, ou o contrário. Na verdade, seria mais exato dizer que a multitemporalidade nos leva a uma outra concepção e imagem do tempo. O tempo multitemporal passa e não passa, ele percola, diz Serres, mas não passa de modo uniforme e contínuo. (PARENTE, 2004, p. 94).

A multiplicação de temporalidades divergentes - horário flexível, tempo livre,

tempo dos jovens, tempo da terceira idade - também é defendida por Lipovetsky

(2004), que aponta, ainda, para uma supervalorização do tempo presente, surgida a

partir dos anos 90 com a globalização neoliberal e a revolução informática, como

outro efeito da crescente tecnologização da sociedade.

Essas duas séries de fenômenos se conjugam para “comprimir o espaço tempo”, elevando a voltagem da lógica da brevidade. De um lado, a mídia eletrônica e informática possibilitaram a informação e os intercâmbios em “tempo real”, criando uma sensação de simultaneidade e de imediatez que desvaloriza sempre mais as formas de espera e de lentidão. De outro, a ascendência crescente do mercado e do capitalismo financeiro pôs em xeque as visões estatais de longo prazo em favor do desempenho a curto prazo, da circulação acelerada dos capitais em escala global, das transações econômicas em ciclos cada vez mais rápidos. (LIPOVETSKY, 2004, p. 62).

Também atento às possíveis alterações no cenário contemporâneo em

decorrência do advento da tecnologia, Baudrillard (2002) prevê que as máquinas,

com sua inteligência artificial, estariam em vias de tornar o pensamento humano

inteiramente inútil, o que traria consequências desastrosas para a humanidade. Para

ele, a combinação entre humano e computadores culminará na redução do

pensamento à inteligência, quando, na verdade, aquele vai além por ser inacabado,

jamais verificável e pressupor a troca, o que só é possível a partir do

reconhecimento da existência do outro:

60

Assim, os homens da Inteligência Artificial atravessarão seu espaço mental imóveis, agarrados a seus computers. O Homem Virtual será um deficiente motor e cerebral. É a esse preço que será operacional. (BAUDRILLARD, 2002, p. 119).

Lyotard, citado por Parente (2004), também percebe com certo pessimismo

os efeitos da tecnologia sobre o corpo humano e, ainda, sobre o destino da arte. Seu

alerta diz respeito ao risco de a informação, cujas mensagens são codificadas em

linguagem de máquina, transformar o saber em pura mercadoria para circular em

redes de reprodução do capital. As hipóteses do autor se fundamentam na

representação de um mundo dominado pelo cálculo digital, que anula o aqui e

agora, suporte do sentimento estético tão valioso à arte.

Contestando essas perspectivas, Parente (2004) defende que as tecnologias

de informação e comunicação podem trazer algo de positivo, como a constituição de

um novo espaço de lutas, que o autor denomina como biopolítico. O termo, forjado

por Foucault para designar uma das modalidades de exercício do poder sobre a

população enquanto massa global, ganha nova interpretação de Negri e Lazzarato,

passando a ser entendido não mais como “poder sobre a vida”, mas como “potência

da vida” ou “biopotência da multidão”.

O problema dessas colocações é antes de tudo estratégico: Lyotard, Virilio e Baudrillard não perceberam que as tecnologias de informação e comunicação constituem um novo espaço de lutas entre outros. Um espaço ainda mais importante, porque se tornou uma dimensão do sistema produtivo, e a este respeito não tem outro limite senão a finitude de nossos desejos. (PARENTE, 2004, p. 109).

Para Di Felice (2008), após as revoluções decorrentes da escrita, do

surgimento da impressão e da difusão da cultura de massa19, a presente fase

corresponde a uma quarta revolução comunicativa, implementada pelas tecnologias

digitais. Afinal, além de permitir o alcance das informações a um público ilimitado e a

transmissão em tempo real de uma quantidade infinita de mensagens, é a primeira

19

O autor considera que essas foram as três grandes evoluções comunicativas que marcaram o surgimento de uma nova forma de comunicar e de novas práticas de socialização e de interação com o meio ambiente. Conforme especifica, a escrita, no século V a.C., no Oriente Médio, marcou a passagem da cultura e da sociedade oral para a cultura da sociedade da escrita. A segunda delas, ocorrida na metade do século VI, na Europa, foi provocada pela invenção dos caracteres móveis e pelo surgimento da impressão criada por Gutenberg, que causou a difusão da cultura do livro e da leitura, até então restrita a grupos privilegiados. A terceira, por sua vez, desenvolveu-se no Ocidente, na época da Revolução Industrial, entre os séculos XIX e XX, e caracteriza-se, sobretudo, pelo início da cultura de massa e difusão de mensagens veiculadas pelos meios de comunicação eletrônicos.

61

vez na história da humanidade que o processo e o significado do ato de comunicar

estariam sendo radicalmente transformados, na medida em que:

a comunicação se torna um processo de fluxo em que as velhas distinções entre emissor, meio e receptor se confundem e se trocam até estabelecer outras formas e outras dinâmicas de interação, impossíveis de serem representadas segundo os modelos dos paradigmas comunicativos tradicionais (Shannon-Weaver, Katz-Lazarsfeld, Eco-Fabbri etc.). (DI FELICE, 2008, p. 23).

O autor destaca ainda que, enquanto na forma analógica (rádio, televisão e

jornais), a comunicação se exprime pelo repasse de informações de um emissor em

direção a um receptor através de um fluxo unilateral distribuído por canais e com a

intervenção de ruídos, a comunicação digital se apresenta como um processo

comunicativo em rede e interativo. Neste caso, a distinção entre emissor e receptor

é substituída por uma interação de fluxos informativos entre atores e redes, criando

um processo comunicativo entre arquiteturas informativas (site, blog, comunidades

virtuais), conteúdos e pessoas.

Em resumo, pode-se dizer que “a comunicação eletrônica sistematicamente

remove os pontos fixos, as fundações que eram essenciais às teorias modernas” (DI

FELICE, 2008, p. 46). Além disso, não requer vultuosos recursos econômicos; não é

necessariamente ligada a uma ideologia ou a uma determinada orientação política; e

promove ações sem objetivo nem conteúdo iniciais, convidando os atores à

construção e à participação, com resultados imprevisíveis.

Esse conjunto de elementos favorece o que Lévy e Lemos (2010) classificam

como a liberação da palavra, o primeiro dos três princípios da cibercultura. Para os

autores, essa transformação se dá com o surgimento de funções comunicativas que

permitem a qualquer pessoa, e não apenas as empresas de comunicação, consumir,

produzir e distribuir informação sob qualquer formato, em tempo real e para qualquer

lugar do mundo sem ter de despender grandes montantes financeiros ou pedir

concessão ao Governo para operar canais de TV e rádio.

Isso retira das mídias de massa o monopólio na formação da opinião pública e da circulação de informação. Surgem novas mediações e novos agentes, criando tensões políticas que atingem o centro da polis em sua dimensão nacional e global. (LÉVY; LEMOS, 2010, p. 25)

Somada a essa emergência de vozes e discursos, geralmente subjugados na

edição da informação pelos mass media, destaca-se um segundo princípio apontado

62

pelos autores, o da conectividade generalizada, cujo significado está relacionado à

descentralização e interconexão de informações sob vários formatos e à ideia de

formação de uma rede de conversação mundial. Esses elementos, por sua vez,

provocam o que Lévy e Lemos (2010) chamam de reconfiguração social, cultural e

política, que é vista como o terceiro princípio da cibercultura. Ela se traduz no fato de

que aparecem, pela primeira vez, dois sistemas em retroalimentação e conflito: o

massivo e o pós-massivo. Na estrutura massiva, a emissão flui de um polo

controlado para as massas; na pós-massiva, ocorre não só a liberação da emissão,

como também a circulação e conversação dessa produção.

Ao serem combinados, os três princípios apresentados anteriormente

conduzem a uma perspectiva comunicacional mais colaborativa, plural e aberta. A

justificativa apresentada por Lévy e Lemos (2010) é a de que, enquanto as mídias

de massa, desde a tipografia até a televisão, operavam a partir de um centro

emissor que irradiava mensagens para uma multiplicidade receptora na periferia, as

redes sociais na internet funcionam em um espaço descentralizado, sob a lógica de

muitos para muitos. Portanto, em vez de ser exclusiva das mídias tradicionais de

massa (jornais, revistas, emissoras de rádio e TV) ou de poderosas organizações

capazes de arcar com os custos de sua engrenagem, a comunicação realizada a

partir das mídias digitais é empreendida por pessoas que fornecem, ao mesmo

tempo, os conteúdos e a crítica e que se organizam em redes de troca.

Com otimismo exacerbado, Lévy e Lemos (2010) defendem, ainda, que o uso

de ferramentas de comunicação sem controle de emissão por vozes livres e

independentes está provocando mudanças globais na esfera política em direção a

uma ciberdemocracia planetária, que consiste, de forma simplificada, em um

aprofundamento da democracia ou da deliberação coletiva na era da cibercultura.

Segundo os autores, espera-se, cada vez mais, a utilização do potencial dessas

novas mídias digitais para a expressão dos movimentos sociais e das reivindicações

político-ativistas.

Antoun (2010) vê o fenômeno da extensão do acesso à esfera da produção a

outros atores como um choque de poder entre as mídias irradiadas de massa ou os

veículos da comunicação massiva, representados principalmente pela TV, jornal e

rádio, e as redes sociais na internet, que o autor classifica como mídias distribuídas

de grupo ou interfaces da comunicação coletiva. Esse processo culmina no que ele

chama de infowar e netwar. O primeiro consiste no uso intensivo dos grandes meios

63

massivos, pertencentes às corporações, para gerar a impressão de realidade sobre

algum tipo de acontecimento. O netwar, por sua vez, está relacionado ao uso de

interfaces de comunicação da internet para disseminar narrativas sem lugar na mídia

corporativa.

Para ele, embora a mídia irradiada de massa seja uma valiosa máquina de

construção e destruição instantânea de reputação social, operando no curto prazo,

as mídias distribuídas de grupo têm se revelado um instrumento poderoso de

sustentação de reputação duradoura, agindo no longo prazo. Essa disputa, na visão

do autor, pode ser representada a partir das sensações de que “todo mundo está

falando isso”, referente às mídias de massa, e “meu amigo recomendou”, ancorada

na suposta confiabilidade da fonte de informação das mídias distribuídas de grupo.

O fato é que a mídia irradiada vem sofrendo sucessivos e inesperados revezes em áreas onde antes o seu domínio tinha por limite o orçamento monetário de quem a contratava. Cada vez mais ela vê seu lugar de mediadora social da opinião pública ser denunciado e rejeitado por partes significativas das grandes massas, que antes se deixavam de bom grado representar. (ANTOUN, 2010, p. 141).

Vistos tanto sob perspectivas positivas quanto negativas, os efeitos

provocados pelas tecnologias vêm demonstrar que algo tem, de fato, se alterado,

sobretudo nos modos de a sociedade se relacionar e se comunicar. É nesse cenário

que a internet surge como um dos elementos centrais que tem contribuído para

essas transformações, como destacam Lévy e Lemos (2010):

As mídias interativas, as comunidades virtuais e a explosão da liberdade de expressão trazidas pela Internet abrem um novo espaço de comunicação, inclusive, transparente e universal, que é levado a renovar profundamente as condições da vida pública no sentido de uma maior liberdade e responsabilidade dos cidadãos. (LEVY; LEMOS, 2010, p.33).

De acordo com Recuero (2009a), entre as mais populares ferramentas da

comunicação mediada por computador presentes na internet estão o Facebook,

Twitter, Orkut, os weblogs e os fotologs, classificados, pela autora, como espaços

utilizados para a expressão das redes sociais ou, de forma mais simplificada, como

sites de redes sociais. O que diferencia essa forma de comunicação das demais é,

principalmente, o modo como permitem a visibilidade:

64

Sites de redes sociais foram definidos por Boyd & Ellison (2007) como aqueles sistemas que permitem i) a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal ii) a interação através de comentários; e iii) a exposição pública da rede social de cada ator. (RECUERO, 2009a, p. 102).

Conforme destaca a autora (2009a), movidos pela necessidade de exposição

pessoal, os atores têm se apropriado da visibilidade possibilitada por esses sites na

busca por valores igualmente importantes, como a reputação, a popularidade e a

autoridade20. Atraídos por esses atributos, os usuários, especialmente os brasileiros,

têm aderido cada vez mais a esses recursos que, além de serem gratuitos, em sua

grande maioria, possuem uma interface amigável, de fácil utilização/navegação.

Segundo o Ibope Nielsen Online21 (2012), o número total de usuários no

Brasil com acesso à internet em qualquer ambiente (domicílios, trabalho, escolas,

lan houses ou outros locais) chegou a 82,4 milhões (aproximadamente 38% da

população) no primeiro trimestre de 2012. O crescimento foi de 3% sobre os 79,9

milhões do trimestre anterior e de 5% sobre os 78,2 milhões do primeiro trimestre de

2011, conforme mostra a Figura 1.

Desse total, 97% utilizam redes sociais, conforme pesquisa da Comscore22,

divulgada por Paula (2012). O Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos, da

Espanha e do Reino Unido, que têm 98% de penetração de mídias colaborativas em

sua população online.

No ranking dos favoritos, o Facebook aparece em 1º lugar em 126 dos 137

países analisados, com 900 milhões de usuários em todo o mundo e 36,1 milhões

no Brasil (um aumento de 192% em relação a 2010). Na sequência, vem o Orkut,

com 34,4 milhões de usuários, seguido pelo Windows Live, com 13,3 milhões, e pelo

Twitter, com 12,5 milhões. Ainda segundo a Comscore, o Brasil ocupa atualmente a

quinta colocação entre as maiores comunidades em redes sociais no mundo e o

acesso a esses sites já é a segunda principal atividade dos brasileiros, atrás apenas

das visitas a portais.

20

Segundo Recuero (2009a), a reputação está relacionada com as impressões que os demais atores têm de outro ator, ou seja, com o que as pessoas pensam de você, por exemplo. Já a popularidade remete à audiência e a autoridade, ao poder de influência. 21

O Ibope Nielsen Online é a unidade de negócios do Grupo Ibope que realiza pesquisas sobre a utilização da internet no Brasil e América Latina, gerando informações detalhadas sobre os hábitos de navegação dos internautas, a atividade publicitária online e o comportamento das pessoas nas redes sociais, além de entregar estudos customizados com foco no mapeamento de cenários para o meio digital. 22

A Comscore é uma empresa de pesquisa de mercado que fornece dados de marketing e serviços para muitas das maiores empresas da internet.

65

Hornik, citado por Santaella e Lemos (2010, considera que existem três fases

distintas da evolução das redes sociais na internet (RSIs). A primeira delas surgiu

por volta de 1995 e se caracterizou, principalmente, pela possibilidade pioneira de

interatividade em tempo real para redes socialmente configuradas (ICQ, MSN); em

2009, veio uma nova fase marcadas pelo apelo do entretenimento, do marketing

social, dos contatos profissionais (Orkut, MySpace) e pelo compartilhamento de

arquivos, interesses etc.; por fim, em 2004, os aplicativos para mobilidade

(Facebook e Twitter) ganharam força e o uso de jogos sociais como Farmville e a

Mafiawars se tornou generalizado.

Figura 1 - Crescimento dos usuários de internet no Brasil

Fonte: IBOPE NIELSON ONLINE, 2012

As autoras detalham que as redes sociais na internet foram pioneiras em

reunir em uma mesma interface todas as possibilidades de comunicação até então

disponíveis, como comentários, chats, mural de recados, fóruns, repositório coletivo

de documentos, fotos etc. Segundo elas, as RSIs avançaram ainda mais nos últimos

anos por se integrarem com múltiplas redes, plataformas e funcionalidades através

do uso de aplicativos e de mídias móveis. Tal fato levou a uma inversão na lógica de

navegação característica do ciberespaço que vigorava nos anos 1990, sobretudo na

que tange à temporalidade e à estrutura de interface.

No que diz respeito à temporalidade, observa-se que a dinâmica de

renovação de conteúdo em um primeiro momento era pontual, organizada a partir de

posts catalogados através de datas e da atualização periódica de conteúdo.

Atualmente, entretanto, observa-se um deslocamento temporal radical em direção à

66

experiência de um presente contínuo, fazendo com que o passado das interações

deixe de ser importante. Conforme Santaella e Lemos (2010), o mais importante é

estar presente, fluir junto com o movimento temporal presente, em um fluxo contínuo

de interação. “A conexão é tão contínua a ponto de se perder o interesse pelo que

aconteceu dois minutos atrás. Apenas o movimento do agora interessa.”

(SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 62).

Com relação à estrutura da interface, assiste-se a uma mudança na forma de

acesso, na medida em que ela já não se dá exclusivamente ou prioritariamente

através de pontos fixos, mas de forma nômade e mutante, facilitada pelos

dispositivos móveis e pela tecnologia wireless (redes sem fio). Lemos e Levy (2010,

p. 108) consideram que se tem, pela primeira vez, “a potência da mobilidade

acoplada à mobilidade informacional, isto é, a possibilidade de consumir, produzir e

distribuir informação em deslocamento pelo espaço urbano”. Também foi necessário

redimensionar a interface para uma tela bem menor, a dos aparelhos smartphones23

que, tal qual o modelo de envio de mensagem via SMS, fez com que surgisse toda

uma nova forma de comunicação em rede, conhecida como microblogging, que tem

atualmente o Twitter como seu principal representante:

Ao adaptar a interface aos dispositivos móveis, o espaço limitado de 140 caracteres trouxe consigo uma miríade de novas demandas comunicacionais: para intercambiar links, os usuários necessitavam de links menores – surgem os diminuidores de URLs, como bit.ly, ow.ly etc.; para organizar seus contatos e/ou follows era preciso desenvolver uma nova funcionalidade – surgem as listas no Twitter; para creditar e fazer referências mantendo a fidelidade à fonte original, era preciso haver uma nova sintaxe – surge a microssintaxe com seus vias @, cc, >>>, / etc. (esta lista provavelmente continua a crescer enquanto o leitor lê esse livro). (SANTAELLA; LEMOS, 2010, p. 61).

Como vimos até aqui, essa nova forma de interagir, possibilitada pelas redes

sociais na internet, contribuiu para se perceber o processo comunicativo sob outro

viés: de um sistema centrado em um polo emissor, sem possibilidade de conexão e

configurando massas de usuários, para outro onde qualquer um, mesmo com

poucos recursos, passa a ter a chance de produzir informação, interagir e cooperar,

redimensionando, dessa forma, a supremacia das mídias de massa.

As organizações, sobretudo as empresariais, viram esse cenário como

oportunidade para uma maior aproximação e consequente fortalecimento da relação

23 Os smartphones são aparelhos celulares que agregam também várias funções de computadores,

permitindo, inclusive, o acesso à Internet.

67

com seus públicos de interesse. Conforme apontado pela Burson-Marsteller (2012),

a terceira edição do estudo Global Social Media Check-up24, de julho deste ano,

mostrou que 87% das 100 maiores empresas do mundo têm perfis em pelo menos

uma rede social, o que representa um aumento de 10% desde 2010. No entanto,

inserir-se nessas plataformas digitais tem significado, para as organizações, uma

verdadeira mudança de paradigma na forma de se relacionar com a sociedade.

Nassar (2008) destaca que durante grande parte do século XX, as grandes

empresas atuaram em ambientes onde predominavam o protecionismo econômico e

o amordaçamento político. Assim, de 1960 a 1990, a maioria delas, sobretudo as

estatais, pode minimizar e controlar sua comunicação e seu relacionamento com a

sociedade a partir da restrição do acesso aos meios de comunicação. Isso era feito

a partir da adoção ou do uso de mídias totalmente controladas pelas empresas,

como revistas, jornais e materiais audiovisuais, que se caracterizavam, sobretudo,

pela baixa interatividade e pela pouca abrangência. Por questões políticas,

tecnológicas e por seu alto custo, essas mídias eram ainda operadas

exclusivamente por especialistas (jornalistas, relações públicas e publicitários),

pertencentes ao quadro de funcionários. Entre os objetivos, estava o de divulgar as

mensagens da organização sem provocar controvérsia ou estimular pontos de vista

que divergiam do empresarial.

Entretanto, segundo o autor, esse cenário começou a se modificar ao final

dos anos 1980, por influência da instauração da democracia no Brasil e na maioria

dos países latino-americanos e, também, pela chegada de novas tecnologias de

comunicação. Para ele, desde 1990 a comunicação organizacional tem-se realizado,

cada vez mais, a partir de plataformas tecnológicas digitais possibilitadas pelo

advento da internet. Uma das consequências desse processo é o enfraquecimento

da comunicação centrada na empresa:

Essa utilização de mídias digitais por novos usuários não-especialistas em comunicação, em suas inúmeras formas de uso, além das mudanças nos comportamentos comunicacionais e relacionais, enfraqueceu a comunicação empresarial centrada na empresa, com a criação de novos protagonistas dos processos comunicativos. (NASSAR, 2008, p. 194).

24

Realizado pela Burson-Marsteller, empresa global líder em relações públicas, o estudo buscou observar como as 100 maiores empresas do mundo - entre elas a Ford, Honda, Toyota, Sony, HP, Wallmart, Verizon, AT&T, Samsumg e BP - utilizam mídias de destaque como Twitter, Facebook, YouTube e Google +.

68

Por esses motivos, Nassar considera que conceitos e ferramentas tradicionais

utilizados pelas organizações na relação com a sociedade têm se tornado

insuficientes diante das novas possibilidades de interação das plataformas digitais,

já que foram pensados para atender a demandas de um ambiente social estável, em

que o único papel que cabia à sociedade era o de receptora passiva e estanque.

No atual contexto, marcado pelo advento das tecnologias digitais e pela

intensificação do fluxo de informação (CASTELLS, 1999), também tem perdido força

o papel de mediador, que era exercido principalmente pelas mídias de massa e, no

contexto organizacional, prioritariamente pelas empresas. Na medida em que

surgem novos participantes, pensadores e operadores de mídias e produtores de

conteúdo, todos se transformam em mediadores e – por que não? – em

comunicadores, fazendo com que seja repensada a questão de que a comunicação

organizacional está concentrada exclusivamente nas mãos dos profissionais da

área.

Pode-se afirmar que empresas e instituições – no ambiente digital onde os operadores (...) “estão desterritorializados, mais desatrelados de um enraizamento espaço-temporal preciso”, como descritos por Lévy (2003, p. 21) – perderam a capacidade de impedir ou regular quem participa do processo de comunicação organizacional. (NASSAR, 2008, p. 199).

No entanto, mesmo nesse cenário em que a regulação da comunicação

organizacional tornou-se uma tarefa menos gerenciável, observa-se que o

movimento de inserção das organizações nas redes sociais na internet tem sido

acompanhado pela tentativa de se administrar o risco que a presença nessas

plataformas digitais representa. Afinal, as organizações ganharam a companhia de

outros atores que agora também têm a chance de agir via mídia, fazendo circular

seus próprios discursos e sentidos, sejam eles favoráveis ou contrários às

organizações.

Por isso, ao mesmo tempo em que essas novas formas de interação

trouxeram oportunidades inéditas de as empresas transmitirem os sentidos que

desejam, fortalecendo vínculos com seus públicos prioritários, elas também

configuram ameaça aos mecanismos tradicionais de gestão da comunicação

organizacional. Historicamente interessadas em captar, como radares, e controlar as

manifestações que oferecem perigo ou restrições ao seu funcionamento (FAUSTO

NETO, 2008), as organizações têm se infiltrado em um ambiente arriscado, que

69

tende a potencializar a imprevisibilidade dos fenômenos. Portanto, é nesse cenário

de forte tensão entre os princípios norteadores do sistema organizacional,

fundamentados na lógica de controle, gestão e observação; e os princípios

constituintes das mídias das redes sociais, pautados pela participação, diálogo e

colaboração, que as interações entre organizações e outros atores têm se

estabelecido.

Não é difícil encontrar, como resultado desse processo, manifestações de

enfrentamento ao discurso organizacional midiatizado. Esse conteúdo, que se

aproxima do que Braga (2006) chama de resposta social, consiste em mais um

indício de que os interlocutores têm vez e voz no processo comunicativo,

enfrentando não só a mídia, como destaca o autor, mas também as organizações

com as quais eles se relacionam, como propomos neste trabalho.

Não foram as redes sociais que trouxeram a premissa de que os intelocutores

são capazes de produzir seus próprios sentidos, refutando, inclusive, em muitos

casos, aqueles que lhe são impostos. Entretanto, acreditamos que essas mídias têm

contribuído para materializar as interpretações e respostas desses atores, uma vez

que elas deixam rastros de suas ações.

Além disso, complementarmente ao que propõe Braga, tornou-se possível

encontrar em um dispositivo de fala compartilhado – e não necessariamente em

dispositivos diferentes – manifestações e posicionamentos assumidos pelos atores

envolvidos no processo de interação. Portanto, a conciliação dos discursos da

organização e de seus interlocutores em um ambiente gerenciado oficialmente por

funcionários do setor de comunicação das empresas, fato raro até bem pouco tempo

atrás, tem sido observada nas redes sociais, a exemplo do Facebook, objeto

empírico deste trabalho que será detalhado no próximo item.

3.3 A onda Facebook

Por tudo o que foi destacado até aqui, pode-se dizer que tem sido cada vez

mais difícil sustentar uma das premissas que marcou por muito tempo os estudos

sobre comunicação no contexto das organizações: de que a comunicação é feita

exclusivamente por seus responsáveis oficiais, sejam eles jornalistas, relações

públicas ou publicitários. Nas redes sociais, o que se observa é que a comunicação

70

organizacional tem ultrapassado a fala autorizada, ela está também nas fissuras e

no não-planejado. (BALDISSERA, 2008).

Esse é o cenário que tem sido observado no ambiente das redes sociais na

internet, sobretudo no Facebook (originalmente, the Facebook), que reúne em uma

mesma plataforma perfis de organizações, movimentos sociais, celebridades e de

pessoas comuns da sociedade. Nesse ambiente, porém, todos estão aptos a emitir,

compartilhando a mesma ferramenta, opiniões e discursos, a partir da criação de

perfis próprios ou personalizados.

Criado em 2004 pelo americano Mark Zuckerberg enquanto ele era aluno de

Harvard, o Facebook nasceu com o objetivo de formar uma rede de contatos no

momento em que o jovem norte-americano sai do secundário (High School) e vai

para a universidade, o que, nos Estados Unidos, geralmente representa uma

mudança de cidade e no espectro de relações. No ano seguinte, a plataforma foi

aberta para escolas secundárias (RECUERO, 2009a). Hoje, reúne mais de 900

milhões de usuários no mundo, destes 168 milhões só na America Latina, onde

cresceu 47% em 2011.

Entre os latinos, o Facebook é mais acessado por mulheres (51%) do que por

homens (49%), segundo a Ler ebooks25 (PINHEIRO, 2012). A maior parte dos

usuários têm idades entre 18 e 24 anos, grupo que representa 33% do público

presente na plataforma, seguidos por usuários situados na faixa etária de 25 a 34

anos (26%) e de 35 a 44 (13%). O percentual de acessos entre adolescentes, com

idades entre 16 e 17 anos, é de 9%. Ainda segundo a pesquisa, estima-se que, no

Brasil, onde o número de usuários latinos ativos mais cresceu no último ano (144%),

50 milhões de pessoas utilizem essa mídia.

No ranking mundial das redes sociais mais populares da internet, o Facebook

também aparece em primeiro lugar, com mais de 7 bilhões de visitas, seguido pelo

Twitter (555 milhões), Google+ (170 milhões), Linked-in (150 milhões) e Pinterest

(11,7 milhões). Segundo a Comscore, em dezembro de 2011, o Facebook também

superou o Orkut, que era seu maior concorrente no Brasil, tornando-se a maior rede

social do País. (FACEBOOK..., 2012).

A partir da criação de um perfil, o Facebook permite ao usuário veicular ou

compartilhar conteúdo multimídia (textos, links, vídeos, fotos) com amigos ou outros

25

Blog que tem como objetivo a promoção da leitura em suporte eletrônico e a divulgação de experiências de utilização de livros eletrônicos em contexto escolar.

71

usuários da plataforma autorizados e que podem ser organizados em grupos

(família, trabalho, conhecidos, melhores amigos). Entre os principais recursos de

interação, estão o botão “curtir” e o espaço para comentários, que são associados

aos conteúdos postados. A plataforma permite, ainda, a criação de álbuns de

fotografia, o contato privado via chat e a possibilidade de marcar e identificar lugares

onde o usuário esteve (ckeck-in). Reúne também uma série de aplicativos e jogos.

Recentemente foi criada no Facebook a “linha do tempo”, uma nova forma de

organização dos conteúdos que permite a usuários e empresas exibir suas ações,

das mais recentes até as mais antigas, remetendo às primeiras informações

compartilhadas na interface. Esse recurso permite a visualização da história dos

membros do site com poucos cliques - antes, não havia uma maneira prática de

resgatar atividades concretizadas há muito tempo na plataforma. Ele possibilita

ainda esconder o que achar que precisa ser omitido, destacar posts antigos e

escolher uma foto de capa, cartão de visita dos usuários que acessam a sua página.

(A LINHA..., 2011).

Mas o que leva as pessoas a interagirem com as empresas através do

Facebook e de outras mídias das redes sociais? De acordo com pesquisa da

eMarketer26, divulgada em junho de 2012, a razão mais popular para se curtir a

página de uma marca é a lealdade (49%), em seguida vem o desejo de acompanhar

notícias sobre produtos (46%) e a busca por recompensas (46%), bem como o

interesse por promoções (43%). (A LINHA..., 2011).

Os dados contrariam o que pensam os profissionais de marketing, que

apostam (57%) no conteúdo relevante como a principal razão para os consumidores

curtirem a página de um empresa, conforme apurado por outra pesquisa do mesmo

grupo. Ainda segundo o estudo, outros 41% acham que os usuários curtem para

manter um diálogo e 40% apostam no acompanhamento de notícias sobre a marca

e seus produtos como principal atrativo. (POR QUE..., 2012).

A pesquisa aponta ainda caminhos para que as marcas possam construir

lealdade e melhorar a relação com seus consumidores. Segundo os entrevistados, o

atendimento a consultas e reclamações é a principal razão para eles se manterem

leais (34%), recompensas por compras e feedbacks ficaram na segunda colocação

(20%).

26

Empresa especializa na análise de dados referentes ao marketing, às mídias e ao comércio digital.

72

Outro dado interessante nesse sentido, obtido por meio de pesquisa da Hi-

Mídia e da M.Sense27, é que, nas redes sociais, os consumidores querem interagir

com as marcas e não apenas ter acesso a conteúdo. Para 87% dos entrevistados,

pior do que ter um problema com a marca, é tentar contato por meio das redes

sociais e não obter resposta. Nesse sentido, as marcas que interagem com o

usuário estão na preferência de 76% dos pesquisados. (FACEBOOK: APENAS...,

2012).

Somadas a essas questões, acreditamos que um dos principais atrativos

dessa mídia, que compõe o grupo das chamadas redes sociais na internet, está no

fato de ela ter trazido um potencial inteiramente novo para a expressão pública dos

cidadãos, uma vez que se trata de canais por onde a troca de opiniões – sejam elas

reativas, de apoio, de protesto ou associadas ao entretenimento – se dá

publicamente, sob o olhar atento dos demais usuários que por ali navegam.

(OLIVEIRA; SIMEONE; PAULA, 2012).

Assim, temos que as redes sociais na internet, sobretudo o Facebook, não só

imprimem nova dinâmica à relação entre organizações e sociedade, como deixam

rastros da conversação que se estabelece entre esses atores. É no embate de

forças captado a partir da análise de seus discursos que pretendemos observar

como se dá essa interação, assunto que será abordado no capítulo seguinte.

27

Empresas especializadas em estudos sobre o mercado digital.

73

4 O CASO PELEMANIA: O PROCESSO DE INTERAÇÃO ENTRE A AREZZO E A SOCIEDADE NO FACEBOOK

Além de pesquisa bibliográfica, este trabalho se compõe metodologicamente

por investigação empírica realizada a partir da análise de material veiculado pela

Arezzo e por um movimento de oposição à empresa, intitulado Boicote Arezzo, em

suas respectivas páginas no Facebook, em abril de 2011.

A seleção do corpus foi intencional e compreende 88 postagens publicadas

em um período no qual a Arezzo enfrentou uma crise desencadeada pela má

repercussão de sua coleção Pelemania, produzida com couro e pele verdadeiros de

animais.

Pensada de forma a conferir um ar de exclusividade e pretenso status a seus

consumidores, a linha acabou gerando um efeito contrário bastante negativo para a

empresa, provocando ampla discussão nas redes sociais em torno da crueldade

contra os animais, com repercussão também nas mídias de massa.

4.1 Percurso metodológico

A coleta dos dados se deu entre março e abril de 2012, em um primeiro

momento por meio da captura, formatação e impressão de 21 postagens, com seus

respectivos comentários, extraídas da página oficial da Arezzo no Facebook28.

Também conhecida como fan page , ela é um dos principais canais utilizados pela

empresa para a construção de uma estratégia de relacionamento junto aos clientes

e para a divulgação dos produtos de suas coleções, normalmente apresentados por

meio de imagens publicitárias atrativas e de textos leves e descontraídos.

Complementarmente, também incluímos no percurso metodológico a coleta

de dados secundários sobre o lançamento da coleção, por meio de buscas no

Google que retemessem às palavras “Arezzo” e “Pelemania”. Foi quando

identificamos que a polêmica havia repercutido não só nas redes sociais na internet,

como também nos portais de notícia, como Folha, UOL e IG.

As matérias publicadas por esses veículos também nos revelaram a

existência de movimentos nas redes sociais declaradamente contrários à atitude da

28

Atualmente, ela conta com 178 mil adeptos (acessado em 17/10/2012), número 40 vezes superior ao verificado no período em que a empresa enfrentou a crise decorrente do lançamento da coleção – à época, a fan page reunia 4.500 usuários, conforme matéria do Portal IG. (GAZZONI, 2011).

74

Arezzo. Esses apontamentos nos despertaram para o fato de que as manifestações

haviam transbordado a página oficial da empresa e se espalhado por outros perfis

do Facebook. Por meio de uma pesquisa mais apurada, identificamos que o mais

ativo deles, que também reunia o maior número de pessoas em torno da causa, era

o Boicote Arezzo, cujas 67 postagens tratamos de incorporar ao corpus.

Criada no Facebook em 18 de abril de 2011, data em que a polêmica em

torno da Pelemania foi noticiada pelas mídias de massa, a página é definida por

seus idealizadores, também responsáveis pelo projeto Ajuda Animal29, como uma

iniciativa sem fins lucrativos contrária ao “assassinato de animais indefesos para a

venda de suas peles” (BOICOTE AREZZO, 2012). Com mil adesões logo no primeiro

dia de sua criação, o perfil alcançou a marca de quatro mil seguidores nos dois dias

seguintes30 – número bastante semelhante ao registrado na fan page da Arezzo à

época.

Com os materiais selecionados, partimos, então, para a definição de quais

seriam os procedimentos para sua análise. Nossa escolha visou captar a tensão

presente na relação entre empresa e sociedade, a fim de apreendermos os

interesses e posicionamentos assumidos pelos atores em relação. Para isso,

submetemos o material coletado à técnica de análise crítica de discurso (ACD),

segundo modelo tridimensional proposto por Fairclough (2001), em que são

relacionados, dialeticamente, texto, discurso e prática social.

Por texto, entende-se qualquer instância da linguagem em uso, falada ou escrita; por prática discursiva, a interação específica em que se configuram os processos de construção de sentidos entre os interlocutores, que se relacionam aos processos de produção, distribuição e consumo textual. Já a prática social é tida como a dimensão social mais ampla, recortada em aspectos econômicos, políticos e institucionais particulares em que o discurso é gerado. (OLIVEIRA; LIMA; MONTEIRO, 2011, p. 8).

Nosso interesse foi por uma análise que considerasse, além do texto em seu

sentido estrito, também os aspectos sociocognitivos de produção e interpretação

textual do discurso, principalmente os modos de interpelação dos interlocutores a

partir de certos vieses ideológicos, enquadrados por Fairclough na categoria prática

discursiva.

29

Organização não governamental, sem fins lucrativos, de caráter social, educativo e ambiental, desenvolvida com o objetivo de defender a causa de proteção aos animais. (AJUDA ANIMAL, 2012). 30

Na data do último acesso (19/11/12), o perfil reunia 7.958 usuários e continuava em atividade, embora já não se referisse mais diretamente à causa que deu origem a seu nome.

75

Os aspectos ideológicos e sua relação com o discurso são, por sua vez,

classificados pelo autor como prática social, categoria por meio da qual buscamos

perceber como o texto se insere em focos de luta hegemônica, entendida muito mais

como a negociação ou a construção de alianças do que como a dominação de

classes subalternas. É neste sentido que a perspectiva da ACD, pela análise das

práticas discursivas, relaciona texto e prática social dialeticamente.

O modelo de Fairclough (2001) contribui, ainda, para se pensar em uma

prática discursiva com potencial para transformar a sociedade e não apenas para

reproduzir convencionalmente suas estruturas. Para o autor (2001, p. 55), a

transformação consiste na forma “como os sujeitos podem contestar e

progressivamente reestruturar a dominação e as formações mediante a prática”.

Nesse sentido, o que buscamos por meio desse modelo foi uma análise de

discurso focada na variabilidade, na mudança e na luta entre as forças sociais.

Temos, portanto, o conceito de discurso atrelado a um “modo de ação, uma forma

em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros,

como também um modo de representação” (FAIRCLOUGH, 2011, p. 91). Assim,

podemos dizer que, na medida em que elaboram o mundo, através dos seus

discursos, os atores também constroem suas relações e identidades.

A ideia remete às três funções da linguagem que compõem o modelo

tridimensional de Fairclough: identitária, relacional e ideacional. A primeira se

relaciona ao modo pelo qual as identidades sociais são construídas no discurso; já a

função relacional diz respeito aos modos como as relações sociais entre os

interlocutores são representadas e negociadas no discurso; por fim, a ideacional, se

refere às formas pelas quais os discursos significam o mundo, com seus processos,

entidades e relações. Podemos entender as funções identitária e relacional como

referentes ao papel do discurso na construção do “eu”, enquanto a função ideacional

se aproxima do que o autor classifica como a construção da realidade social ou do

mundo.

Seguindo a abordagem de Fairclough (2001), empreendemos a análise do

material empírico a partir de três categorias que se evidenciaram nos discursos dos

atores, trazendo marcas do embate de forças entre eles: fechamento operacional,

resposta social e processos sobrecomunicativos.

Na categoria fechamento operacional, denominação que remete à Teoria dos

Sistemas Sociais de Luhmann (2010), reunimos evidências dos esforços da

76

empresa, enquanto sistema social operacionalmente fechado, em controlar o

processo de interação com a sociedade. Percebemos tal atitude como uma tentativa

da Arezzo de impor unilateralmente o seu discurso mesmo em um espaço, o

Facebook, percebido como favorável à livre manifestação dos atores.

Por meio da categoria resposta social, destacamos a formação de um

movimento da sociedade de oposição à Arezzo diante do lançamento da Pelemania

e da conduta adotada pela empresa de impor regras de participação aos usuários

nas redes sociais. Portanto, notamos que, mais do que simplesmente receber e

acatar fala e atitude empresariais, alguns atores se organizaram para cobrar da

Arezzo uma mudança de postura.

A categoria processos sobrecomunicativos, por sua vez, tornou-se evidente

quando observamos que, apesar dos esforços da empresa em tentar manter suas

regras e padrões rígidos de funcionamento, ela acabou sofrendo influências

externas durante o processo de interação. A denominação remete ao conceito

proposto por Neves (2005), que visa explicar, sem o abandono das premissas da

Teoria dos Sistemas Sociais, que podem ocorrer eventos de influência externa em

sistemas autopoiéticos, marcados pelo fechamento operacional. Na investigação,

nossos esforços foram no sentido de identificar as mudanças sofridas pela empresa

na relação com a sociedade.

A seguir, iniciamos as análises contextualizando a repercussão da polêmica

em torno da coleção Pelemania. Na sequência, examinaremos o material empírico,

considerando as três categorias já mencionadas.

4.2 Caracterização descritiva

4.2.1 Pelemania e sua repercussão

Fundada em 1972, pelos irmãos Anderson e Jefferson Birman, a Arezzo se

define, em seu site institucional (www.arezzo.com.br), como a maior marca de varejo

de calçados femininos fashion da América Latina. Atualmente, sua rede de franquias

conta com 308 lojas distribuídas em mais de 90 municípios, permitindo a presença

da marca em todos os estados brasileiros e também na Bolívia, Paraguai, Portugal e

Venezuela. Ainda segundo o site, nos últimos 12 meses a receita líquida da empresa

foi de R$ 624 milhões. No mesmo período, o volume de vendas, por sua vez, atingiu

77

a marca dos oito milhões de produtos - entre sapatos, bolsas e acessórios – e o

número de clientes cadastrados chegou a 1 milhão.

A despeito de ter alcançado notoriedade no mercado latino, a empresa se viu

envolvida, em abril do ano passado, em uma crise provocada pelo lançamento de

sua coleção de inverno chamada Pelemania que, conforme sugere o nome, trouxe

artigos fabricados com peles verdadeiras de animais, em especial coelhos, raposas

e couro de cabra.

A linha de bolsas, sapatos e echarpes foi lançada oficialmente no dia 14 de

abril de 2011, em um evento na loja Oscar Freire, em São Paulo, provocando, em

um primeiro momento, a fúria de internautas simpatizantes à causa de defesa dos

animais. Em 18 de abril, as manifestações contra a coleção, até então concentradas

nas redes sociais na internet, principalmente em blogs e no Twitter, foram

repercutidas também pelas mídias de massa.

Segundo a reportagem do portal UOL (COLEÇÃO..., 2011), veiculada em 18

de abril de 2011, a polêmica ganhou maiores proporções quando o Projeto

SalvaCão31 (FIG. 2) postou uma montagem no Twitter associando os produtos da

marca a animais mortos, fazendo com que o assunto se tornasse o segundo mais

comentado do Brasil nos Trending Topics (TTs)32 naquele dia. A matéria registra,

ainda, convocação divulgada na página Boicote Arezzo no Facebook para um

protesto em frente a uma das lojas da empresa, em que os manifestantes são

orientados a levar faixas, cartazes e bichos de pelúcia ensanguentados para chamar

a atenção.

Também no dia 18 de abril, a Folha.com publicou matéria alusiva ao assunto,

Uso de pele animal é tendência, defende presidente da Arezzo, destacando

entrevista com o fundador do grupo Arezzo, Anderson Birman. Na oportunidade, o

empresário tentou se defender das críticas justificando que as peles de raposa -

segundo ele, principal foco da polêmica por se tratar de um animal que está fora da

cadeia alimentar - foram importadas e legalizadas, “com certificado de origem, com

certificado de regularidade, tudo dentro do que os parâmetros de sustentabilidade

permitem”. (GRANJEIA, 2011).

31

O Projeto SalvaCão (www.projetosalvacao.org) é uma iniciativa de um grupo de amigos que se

uniu para ajudar os animais de rua ou em situações de maus-tratos e violência. 32

Lista em tempo real das frases mais publicadas no Twitter pelo mundo.

78

O argumento, porém, não convenceu. Além de manifestações pulverizadas

nas redes sociais - em blogs, no Twitter e no Facebook -, na fan page da Arezzo

uma legião de usuários também se revoltou publicando mensagens indignadas no

espaço destinado a comentários, em resposta às postagens em que a empresa

apresentava os produtos da nova coleção.

Figura 2 - Montagem divulgada pelo Projeto SalvaCão no Twitter

Fonte: BOICOTE AREZZO, 2011

Diante da repercussão negativa da Pelemania, que rapidamente se espalhou

pela Internet, a Arezzo foi acusada de apagar comentários em sua página oficial no

Facebook, conforme informou o portal IG (GAZZONI, 2011). Considerado como uma

tentativa de silenciar os manifestantes, o ato foi justificado pela empresa como uma

medida necessária para manter o nível das discussões: “as redes sociais são um

espaço aberto para que todos possam expressar suas opiniões, entretanto, nos

reservamos o direito de retirar mensagens com conteúdo ofensivo e agressivo.”

(AREZZO, 2012).

A assessora de imprensa da Arezzo, Caroline Muzzi, se defendeu das

acusações de censura dizendo que foram apagados precisamente seis comentários

considerados ofensivos e com linguagem de baixo calão, em respeito aos clientes,

conforme postagem do Facebook, intitulada Beauty and pain does not go together

(NUNES, 2012). Segundo noticiado pelo IG (GAZZONI, 2011), a empresa também

79

utilizou recursos de moderação para impedir que os manifestantes comentassem

livremente em sua página. As medidas, no entanto, acabaram polemizando ainda

mais o debate e motivando novos protestos nas redes sociais.

Diante da pressão da sociedade e da repercussão negativa da coleção nas

mídias de massa, a empresa decidiu recolher os produtos da Pelemania de todas as

lojas do Brasil, retirando, em um primeiro momento, as peças de pele exótica e,

posteriormente, também as de pele sintética, para que não restassem dúvidas sobre

o encerramento da coleção. A Arezzo se comprometeu ainda a não utilizar mais

peles em suas coleções futuras. No entanto, mesmo recuando, a empresa evitou

debater a causa sobre o uso de pele de animais na moda, a qual considerou “ampla

e controversa”, segundo comunicado publicado em sua página no Facebook.

Do ponto de vista financeiro, a ação representou um impacto de 1,1% do

suprimento das lojas da marca Arezzo ou de 0,6% do suprimento de vendas do

grupo, conforme informou seu co-proprietário, em um fórum da Unisinos, em maio de

2011, em Porto Alegre (AREZZO FALA..., 2011). O maior prejuízo, entretanto, foi à

sua imagem, já que a Arezzo precisou enfrentar uma legião de furiosos

consumidores e defensores das causas ambientais.

4.3 Categorias analíticas

A fim de apresentar as especificidades do nosso objeto, passamos agora para

uma etapa de caracterização descritiva do corpus selecionado, a partir de uma

leitura qualitativa das postagens da Arezzo, em sua fan page , e pelo movimento

Boicote Arezzo, em seu perfil no Facebook. Este trabalho, descrito em detalhes no

Anexo I, foi analisado a partir das três categorias já mencionadas, conforme a

seguir.

4.3.1 Fechamento operacional

O fechamento operacional, conforme proposto por Luhmann (2010), consiste

em ações de diferenciação que o sistema social estabelece em relação ao meio e

aos demais sistemas a fim de impor um limite entre suas operações internas e as

operações do ambiente, que são desordenadas. É através desse fechamento que os

80

sistemas sociais, a exemplo das organizações, garantem a ordem, a manutenção de

seus padrões de funcionamento e, consequentemente, sua própria sobrevivência.

Para realizar essa operação, os sistemas acionam princípios rígidos de

programação, racionalidade e observação33, força motriz da lógica de gestão e

controle organizacional. Foram esses elementos que buscamos identificar a partir da

análise do corpus que compõe este trabalho, em uma tentativa de evidenciar que as

organizações são, a priori, sistemas sociais fechados, com leis e normas próprias a

preservar. Nesse sentido, temos que a interação com o ambiente e com os demais

sistemas, potencializada por meio das plataformas digitais, representa uma ameaça

que as empresas, em geral, preferem evitar, sob o risco de terem sua ordem

desestabilizada.

Podemos considerar que a Arezzo encontrou no Facebook uma oportunidade

de legitimar sua atuação junto aos interlocutores, o que justifica a sua inserção nesta

mídia. No entanto, notamos que, uma vez presente nessa plataforma, a empresa

não abdicou de sua lógica de controle e gestão organizacional para adotar, por

completo, os princípios participativo, colaborativo e democrático atribuídos às redes

sociais. Em referência à teoria luhmanniana, podemos dizer ainda que, ao

estabelecer uma relação de acoplamento estrutural com outro sistema, no caso, o

Facebook, a Arezzo teve o cuidado de utilizar atributos e recursos dele que lhe

interessavam diretamente, sem, no entanto, abandonar as operações que lhe

permitiam se autopreservar.

Esse fato se evidencia nas postagens de 18 e 28 de abril, como podemos ver

nas Figuras 3 e 4, quando a empresa veio a público para anunciar que se sentia no

direito de apagar comentários dos usuários com conteúdo ofensivo e agressivo, bem

como para expor as regras de participação dos interlocutores em sua fan page . As

mensagens foram recebidas com protesto pela sociedade, que reagiu afirmando que

a Arezzo estaria impedindo a discussão democrática e livre nas redes sociais.

O fechamento operacional também se confirma diante do fato de a empresa

ter apagado postagens referentes à coleção Pelemania, conforme observado na

coleta de dados para este trabalho. O processo se deu entre março e abril de 2012,

33

Segundo Neves (2005), a programação está relacionada à criação de objetivos prévios e requisitos mínimos que possam amenizar o impacto dos elementos imprevisíveis sobre suas operações internas; a racionalidade está ligada à tentativa do sistema social em demarcar sua diferença em relação ao meio; a observação, por sua vez, diz respeito as operações de vigília do sistema social para estabelecer os limites de suas operações em relação ao ambiente e aos demais sistemas.

81

mas voltamos a visitar a fan page em agosto do mesmo ano para verificar se os

administradores haviam feito alguma modificação. Foi quando identificamos que 11

das 20 postagens extraídas três meses antes haviam sido apagadas, sendo que

sete delas continham referências diretas à Pelemania. Entre as mensagens

removidas, estão as de divulgação dos produtos da coleção, bem como o convite

para o seu lançamento, conforme exemplo a seguir da Figura 5.

Figura 3 - Arezzo anuncia direito de apagar comentários

Fonte: AREZZO, 2011

Figura 4 – Arezzo estabelece regras em sua fan page

Fonte: AREZZO, 2011

82

Foram excluídas também postagens que, embora não se referissem

diretamente à coleção, continham no espaço de comentários opiniões e protestos da

sociedade sobre o assunto. Houve, no entanto, um cuidado por parte da empresa

em deixar publicados seus comunicados oficiais sobre o tema em questão. Os

outros quatro posts removidos pela Arezzo remetiam a produtos de coleções

passadas, anteriores à Pelemania.

Figura 5 - Postagens apagadas pela Arezzo

Fonte: AREZZO, 2011

83

Figura 5 - Postagens apagadas pela Arezzo

Fonte: AREZZO, 2011

Antes de constatarmos a remoção desses posts, tivemos acesso, por meio de

matéria veiculada pelos portais IG (GAZZONI, 2011) e Uol (COLEÇÃO..., 2011), à

informação de que a Arezzo havia apagado de sua página comentários negativos de

seus interlocutores, outro indício do acionamento do controle no processo de

interação com a sociedade. Segundo noticiou o perfil Boicote Arezzo (2011), no dia

27 de abril, a empresa também se valeu de recursos de moderação oferecidos pelo

Facebook para impedir a publicação de críticas: permitiu a postagem de comentários

somente daqueles que curtiam a fan page , coibindo a livre manifestação de outros

84

atores que, embora presentes no Facebook, não pertenciam à rede de amigos da

empresa.

Notamos ainda que, quando se abriu a uma interação mais direta com a

sociedade, se dirigindo pontualmente a usuários que comentavam em sua página, a

Arezzo também teve o cuidado de selecionar as mensagens às quais iria responder.

Tal atitude foi observada, pela primeira vez, no dia 28 de abril, 15 dias após

registrarmos as primeiras manifestações de protesto contra a Pelemania (FIG. 6).

Nesse sentido, observamos que a empresa ignorou principalmente perguntas

relacionadas ao destino que daria aos artigos de peles exóticas e a respeito do uso

que faria do dinheiro arrecadado com as peças já vendidas (FIG. 7).

Fato que vem para confirmar que nas relações com outros sistemas e com o

meio, processo a que Luhmann (2010) chama de acoplamento estrutural, as

organizações sofrem influências, mas não se deixam determinar por características

que não lhe são próprias, selecionando apenas algumas das irritações que lhe são

direcionadas. Fazem isso a fim de evitar a obstrução da sua autopoiese, o que

possivelmente culminaria em sua destruição.

A partir das análises realizadas, arriscamo-nos a dizer que, embora as

organizações, a exemplo da Arezzo, estejam cada vez mais presentes nas redes

sociais na internet, essa inserção tem sido acompanhada por um tensionamento

entre os princípios interativos e participativos característicos das plataformas digitais

e os princípios rígidos de controle e gestão que regem a lógica empresarial.

A seguir, avançaremos nas análises a partir de novas reflexões agrupadas

sob a categoria de resposta social, por meio da qual abordaremos as manifestações

da sociedade contra a Arezzo, procurando apontar as principais características do

que entendemos ser um sistema de resposta social à organização.

85

Figura 6 - Arezzo interage diretamente com fãs pela primeira vez

Fonte: AREZZO, 2011

86

Figura 7 - Arezzo ignora perguntas sobre o destino da coleção

Fonte: AREZZO, 2011

4.3.2 Resposta Social

Por resposta social entendemos as manifestações de enfrentamento da

sociedade às organizações. Optamos pela adoção do conceito, que em sua forma

original foi proposto por Braga (2006), por acreditarmos que ele reforça a ideia de

que, para além do processo de recepção, pode haver um movimento de retorno,

direto ou indireto, à instância da produção, capaz de influenciá-la e modificá-la.

O discurso emitido pela Arezzo por meio de sua fan page certamente foi

recebido por um grande número de pessoas, reunidas em rede no Facebook. No

entanto, o processo comunicativo não se encerrou na instância da recepção.

Movidos por questões pessoais ou envolvidos com causas sociais maiores, alguns

interlocutores resolveram transformar sua indignação em discursos que foram

remetidos à empresa, seja diretamente, através de comentários na fan page , ou

indiretamente, por meio de outros perfis nas redes sociais, a exemplo do Boicote

Arezzo.

Embora não tenham sido respondidas em sua totalidade, essas

manifestações, diferidas e difusas, influenciaram, em alguma medida, o sistema de

produção. São exemplos disso o fato de a Arezzo ter cedido à pressão social,

retirado das lojas sua coleção de peles exóticas e ter mudado o seu discurso,

comprometendo-se a não fabricar mais artigos com peles exóticas

Portanto, acreditamos que, por seu potencial transformador e também por

suas características particulares, as respostas sociais se configuram como um

87

sistema social, com funcionamento e regras próprias. Trata-se, entretanto de um

sistema bem menos organizado, que se faz e se desfaz com facilidade, ao sabor das

vontades e iniciativas sociais, em movimentos influenciados por discussões e

polêmicas repercutidas pelas mídias de massa.

Na investigação, identificamos o perfil Boicote Arezzo como um movimento

organizado de resposta social à empresa. A iniciativa, que ganhou identidade no

Facebook logo após a repercussão da Pelemania nas mídias de massa, deu clareza

e publicidade a seus objetivos, procurando também mobilizar seus membros, por

meio de um discurso próprio e de incentivo à realização de ações de enfrentamento

direto a Arezzo.

Para isso, os idealizadores da página se apropriaram do discurso

organizacional, conferindo a ele um novo significado. Por meio de uma construção

discursiva apoiada em um forte apelo emocional, eles buscaram sensibilizar a

sociedade, valendo-se de imagens e textos que ora referenciavam a crueldade

contra os animais (FIG. 8), ora mostravam o quanto eles eram felizes na natureza,

seu habitat natural (FIG. 9). Como resultado, eles viram aumentar o número de

seguidores de mil para quatro mil, em apenas dois dias de criação do perfil.

Os comentários da página se dividiam entre manifestações indignadas de

usuários que taxavam a empresa de “mizerável (sic)”, “nojenta”, despresível (sic)”,

“canalha”, com apelos direto ao boicote, e relatos de dó e de pesar diante do

maltrato à “beleza da natureza”. Uma das postagens divulgada em 19 de abril

chama a atenção por trazer um vídeo apresentado como o novo comercial da

coleção, mas que mostra, na verdade, cenas fortes do que seria o processo para a

retirada da pele dos animais para comercialização. Nos comentários, alguns atores

confessaram ter chorado ao ver as imagens, enquanto outros revelaram não terem

conseguido chegar ao final do vídeo diante de tamanha crueldade.

O discurso construído pelo movimento valeu-se, ainda, de frases de efeito,

cuja autoria foi atribuída a personagens admiráveis ou ícones da história, como

Leonardo da Vinci, Charles Darwin e Mahatma Gandhi (FIG. 10).

Matérias jornalísticas que abordaram a polêmica coleção da Arezzo também

foram postadas pelos administradores do perfil de boicote à empresa, como forma

de mostrar a repercussão do assunto (FIG 11). Entre elas, a da Rede Bom Dia,

informando que a garota-propaganda da marca, Glória Pires, havia se manifestado

por meio de sua assessoria no Twitter, esclarecendo que não havia participado da

88

campanha de peles de animais, em uma tentativa de desvincular sua imagem da

coleção.

Em uma postagem de 18 de abril de 2011, os administradores da página

também polemizaram trecho de entrevista com o presidente da Arezzo, divulgada

pela Folha.com, na qual ele defendeu o uso de pele de raposa como uma tendência

mundial.

Figura 8 - Imagens fortes conferem apelo emocional ao discurso

Fonte: BOICOTE AREZZO, 2011

Também encontramos, em postagem de 19 de abril de 2011, insinuações

sobre uma suposta cobertura parcial por parte de um grande site. Sem citar nomes,

os organizadores da página reclamaram do fato de as notícias trazerem apenas a

opinião da Arezzo. Em contrapartida, os organizadores da página Boicote Arezzo

também comemoram, em um post de 18 de abril de 2011, o fato de terem sido

citados em sites com audiência significativa como Terra, Uol, Vogue (Globo), Bol,

além de diversos blogs.

Na página de boicote a Arezzo, além de serem convidados para o debate em

torno da polêmica coleção Pelemania, os usuários também foram orientados a

realizar algumas ações mais ostensivas de ataque à marca. Uma delas visou driblar

89

o recurso de moderação habilitado pelos administradores da página da Arezzo, por

meio do qual só era permitida a publicação de comentários por pessoas que curtiam

a fan page .

A orientação que partiu dos gerenciadores do Boicote Arezzo foi para que os

usuários curtissem a página oficial da empresa, com vistas exclusivamente a

publicar seus comentários e, na sequência, saíssem dela para não se deixarem

passar por fãs da marca. O pedido foi acompanhado pela promessa de que todo o

conteúdo postado pela empresa em sua fan page seria publicado na página do

Boicote, como forma de manter os membros desta informados.

Outra alternativa sugerida para contornar a proibição da publicação de

mensagens na fan page foi a utilização do recurso de citação do Facebook, que

consiste na publicação dos comentários na própria página do Boicote ou nos perfis

pessoais dos usuários, acompanhados pelo uso do @ associado ao nome da página

onde se pretendia ver o comentário publicado. Dessa forma, utilizando-se @Arezzo

ficaria garantida a postagem do comentário também no perfil oficial da empresa no

Facebook. Visando reforçar essa recomendação, foi criada também a página “Não

curto a Arezzo – só curti a FanPage para Boicotar a Pelemania”, que recebeu 271

adesões.

Os seguidores do Boicote foram convidados, ainda, para um protesto pacífico

na porta de uma das lojas do grupo. No texto que traz as instruções para a

manifestação, pede-se para que os manifestantes levem bichos de pelúcia

ensanguentados, fotos impressas de animais que tiveram a pele retirada, além de

faixas, cartazes, filmadoras e máquinas fotográficas, para o registro e divulgação

posterior da ação. Os participantes também são orientados a avisarem a imprensa e

pessoas ligadas a associações de proteção aos animais sobre o encontro. O local

da manifestação foi divulgado de modo privado para os 255 confirmados, segundo

registro da página de convocação do evento. No entanto, a julgar pela falta de

notícias sobre ação nas mídias de massa e no próprio perfil Boicote Arezzo,

acreditamos que o protesto não tenha acontecido.

90

Figura 9 - A fragilidade dos bichos também foi explorada no discurso

Fonte: BOICOTE AREZZO, 2011

91

Figura 10 - Frases de personagens admiráveis compuseram o discurso de boicote à marca

Fonte: BOICOTE AREZZO, 2011

Figura 11 - Matérias da mídia repercutiram o apelo ao boicote na página

Fonte: BOICOTE AREZZO, 2011

Em outra postagem, os organizadores do movimento sugerem a seus

seguidores que contribuam com uma ação de contato direto com os integrantes da

página oficial da empresa no Facebook a fim de alertá-los sobre a coleção

Pelemania e sobre a prática de crueldade da empresa contra os animais. Em uma

atitude organizada e planejada, os mentores do Boicote solicitaram que seus

membros contribuíssem com o envio de 25 a 50 mensagens para a lista de

seguidores da fan page da Arezzo. “Dividindo esta monumental tarefa entre vários

voluntários será viável obtermos estes resultados rapidamente”, afirmaram no post.

92

Aqueles que se dispusessem deveriam comentar com a frase “participo com”

seguida do número de mensagens que estivesse disposto a remeter, bem como os

nomes dos destinatários. No total, 39 pessoas se comprometeram a contribuir,

algumas por meio de envio de mensagens até maiores do que o proposto

inicialmente (25-50), conforme a Figura 12.

Os seguidores do perfil Boicote Arezzo foram incentivados, ainda, a enviar e-

mails de protesto para a empresa criticando a coleção Pelemania; a assinar e a

divulgar abaixo-assinado do Move Institute contra o uso de peles em eventos e

editoriais de moda; bem como a substituir, durante um mês, as fotos de seus perfis

por imagens com seus animais ou simplesmente por fotos de animais.

Como vimos, com exceção do convite para manifestação na porta de uma das

lojas Arezzo, a maioria das ações de ativismo se concentrou exclusivamente na

internet. Mesmo assim o movimento trouxe conquistas do ponto de vista ambiental,

pressionando não só a Arezzo, mas também outras grifes com atuação no Brasil, a

abolirem a comercialização de artigos feitos com peles de animais, conforme será

explicitado na categoria processos sobrecomunicativos, próxima a ser abordada.

De forma não tão organizada quanto o perfil Boicote Arezzo, notamos

também que as respostas sociais se fizeram presentes na própria fan page da

empresa (FIG. 13). Por meio de inúmeros comentários, a sociedade se manifestou a

favor da defesa dos animais e criticou também a tentativa da organização em

censurar a participação em um espaço percebido como dialógico (FIG. 14).

O que vimos, portanto, foi um protesto realizado de forma espontânea por

pessoas em rede, ali reunidas em torno de uma causa comum, sem um indício

explicito da existência de uma entidade formal por trás dessa iniciativa. Apesar de

seu caráter informal, a ação culminou em uma verdadeira onda negativa que tomou

conta de um espaço institucional, que até ali sempre esteve sob o controle da

empresa.

Diante da polêmica, alguns usuários saíram em defesa da empresa alegando

hipocrisia por parte de muitos dos consumidores, que estariam repudiando a coleção

de peles, mas seriam adeptos ao consumo de carne e ao uso de acessórios e

roupas de couro (FIG. 15). Registram-se, também, manifestações favoráveis ao fato

de a Arezzo de ter reconhecido o erro e tentado se redimir retirando de circulação

sua coleção Pelemania (FIG. 16).

93

Figura 12 - Membros do movimento se oferecem para enviar mensagens de alerta aos seguidores da fan page

Fonte: BOICOTE AREZZO, 2011

Figura 13 - Primeiras mensagens de repúdio à coleção publicadas na fan page

Fonte: AREZZO, 2011

94

Figura 14 - Arezzo estabelece regras para participação em sua página e usuários protestam

Fonte: AREZZO, 2011

Figura 15 - Usuários defendem Arezzo

Fonte: AREZZO, 2011

95

Figura 16 - Manifestantes elogiam mudança de conduta da empresa

Fonte: AREZZO, 2011

No entanto, uma vez que correspondiam à minoria do grupo, os atores que

declararam apoio à empresa acabaram sofrendo represálias. Foram os casos de

Izabella Person e Vívian Cunha, usuárias atacadas por insinuarem que as críticas a

Arezzo viriam de pessoas que não tinham poder aquisitivo para consumir os

produtos da marca (FIG. 17).

Para não incorrermos a uma visão ingênua sobre o poder transformador das

redes sociais, é importante reiterarmos que as respostas da sociedade às

organizações existiam mesmo antes do surgimento dessas plataformas digitais e

que continuarão a existir também nos ambientes offlines. Também é preciso

considerar que essas respostas não são necessariamente bem elaboradas, do ponto

de vista crítico e interpretativo. Como destaca Braga (2006), tal como os sistemas de

produção e emissão, o sistema de resposta social apresenta falhas com relação à

qualidade dos seus conteúdos e discursos.

No entanto, acreditamos que o diferencial está no fato de que, com as

plataformas digitais, essas respostas têm sido dadas também via mídia, o que tende

a aumentar o potencial de circulação e alcance dos discursos dos atores. A

repercussão do caso Pelemania é um exemplo disso, já que o assunto se tornou

conhecido a partir de sua circulação nas redes sociais, promovida por cidadãos

comuns presentes nessas plataformas, que retuitaram (reproduziram) a mensagem

no Twitter, fazendo-a ficar entre os tópicos mais comentados, ou a compartilharam

no Facebook. Fato que acabou chamando também a atenção das mídias

tradicionais.

96

Figura 17 - Usuárias que apoiam a empresa são atacadas

Fonte: AREZZO, 2011

A facilidade de “estar junto a” - familiares, amigos ou as próprias empresas

com as quais interagimos -, proporcionada pelas redes sociais na internet, tem

levado à formação de novos tipos de ativismo. Percebemos, na postagem do dia 28

de abril de 2011, em que a empresa anunciava o encerramento da Pelemania, que

além dos comentários favoráveis e contrários à empresa, a sociedade também se

manifestou no sentido de cobrar efetivamente a retirada dos produtos de circulação.

Como fiscalizadores da ação anunciada pela Arezzo, seus interlocutores

passaram a denunciar, através do Facebook, as lojas do grupo que ainda estavam

vendendo os artigos da coleção, solicitando providências imediatas à empresa para

a suspensão de sua comercialização (FIG. 18).

Em suma, na investigação, notamos que as ações de enfrentamento à Arezzo

não ultrapassaram o ambiente online. A pressão da sociedade foi exercida,

basicamente, por meio de cliques: curtir, compartilhar, comentar, publicar, enviar e-

97

mails. Essa condição nos leva a apontar o surgimento de um ativismo

essencialmente digital, que não ultrapassa os limites do “www”. Ou, ainda, valendo-

se de expressão mencionada por um dos usuários dos perfis analisados, um

“ativismo de sofá”, que é cômodo para quem o realiza e, em alguns casos, é

também anônimo, não comprometendo seus atores.

Figura 18 - Interlocutores cobram retirada dos produtos das lojas

Fonte: AREZZO, 2011

98

Essa nova forma de protesto tem confortado os manifestantes na medida em

que causa neles a sensação de que estão, do aconchego de seus lares,

contribuindo para o bem da humanidade. Conforme apresentado a seguir, na Figura

19, as mensagens mostram que os usuários não só comemoraram o fato de a

Arezzo ter pedido desculpas e recuado, como também se reconheceram como os

responsáveis por tal atitude, apontada por eles como consequência da repercussão

dos protestos nas redes sociais.

Notamos que no mês seguinte à eclosão da crise, o tema referente à coleção

Pelemania foi perdendo força, tendo sido comentado pela sociedade, de forma bem

menos expressiva, em apenas três posts. Em junho, por sua vez, com o lançamento

da coleção Arezzo Verão 2012, as referências à Pelemania não apareceram mais na

fan page . No perfil Boicote Arezzo, as causas de proteção aos animais e de repúdio

ao uso de peles nas condições continuam em vigor, embora o foco já não seja mais

a Arezzo, mas outras grifes nacionais e internacionais que ainda adotam essa

política.

Figura 19 - Atores comemoram resultados de seus protestos

Fonte: AREZZO, 2011

99

Figura 19 - Atores comemoram resultados de seus protestos

Fonte: AREZZO, 2011

4.3.3 Processos sobrecomunicativos

Na categoria analítica processos sobrecomunicativos, reunimos evidências de

que, mesmo operando segundo princípios rígidos de gestão e controle, a Arezzo

sofreu em algum momento, influências externas a tal ponto de terem modificadas

suas políticas.

O primeiro indício da ocorrência desse processo sobrecomunicativo foi

observado no comunicado oficial emitido pela Arezzo em 18 de abril de 2011, por

meio do qual a empresa cede à pressão da sociedade e anuncia a retirada dos

produtos com peles exóticas de suas lojas no Brasil (FIG. 20).

A atitude agradou, porém, não convenceu os idealizadores da página de

boicote à empresa no Facebook, que justificaram sua insatisfação alegando que o

pronunciamento dava margem à interpretação de que os artigos continuariam sendo

vendidos em outros países onde a Arezzo também atua.

100

Tal fato motivou a publicação na página do Boicote de longa postagem, no dia

20 de abril, com apelo para que o boicote à empresa continuasse. "Eles param de

matar, quando você para de comprar", alertou o texto. Também foi destacada, na

publicação, a necessidade de expandir o movimento de boicote a outras grifes cujas

coleções traziam artigos com peles de animais.

Diante da continuidade dos protestos, a Arezzo veio a público, no dia 28, para

anunciar definitivamente o encerramento da Pelemania e o recolhimento de produtos

sintéticos da coleção das lojas. Mais do que isso: no comunicado, a empresa

também se comprometeu a não mais utilizar peles de animais em coleções futuras,

abrindo mão do que considerava como tendência da moda.

Em tom mais leve e amigável do que o observado em seus pronunciamentos

anteriores, em que ameaçou apagar comentários e estabeleceu regras de

participação a seus interlocutores, a Arezzo se declarou sensível às manifestações

da sociedade e defendeu o caráter colaborativo da internet como instrumento para a

cocriação no mundo da moda. Nesse sentido, anunciou a abertura de um canal

direto para que os internautas pudessem tirar dúvidas pela própria fan page e pelo

site oficial.

Também abdicou, pela primeira vez desde o início da polêmica em torno da

coleção, de uma comunicação baseada essencialmente na emissão ou na produção

de mensagens para, enfim, utilizar sua página no Facebook como canal de diálogo,

respondendo diretamente aos questionamentos de seus interlocutores. Na

investigação, verificamos que os protestos repercutiram em outras empresas: além

da Arezzo, também assumiram o compromisso de não mais utilizarem peles de

raposa, coelhos e outros animais em suas criações as grifes Iódice, Colcci e Bob

Store, conforme publicado pelo perfil Boicote, que comemorou a notícias com

referência direta à força e proporção alcançadas pelo movimento (FIG. 21).

101

Figura 20 - Arezzo anuncia encerramento da Pelemania e propõe canal direto para comunicação com a sociedade

Fonte: AREZZO, 2011

102

Figura 21 - Movimento Boicote Arezzo comemora

Fonte: BOICOTE AREZZO, 2011

103

5 CONCLUSÃO

Nossas análises apontaram para o reconhecimento de que, embora presente

no Facebook, ambiente mais dialógico e aberto à livre manifestação dos atores, a

Arezzo continuou operando segundo princípios rígidos de gestão, controle e

seleção. Inscrevemos essa postura no que Luhmann (2010) denomina como

fechamento operacional e a entendemos como uma tentativa da empresa em se

autopreservar diante da complexidade do mundo. Segundo operações próprias, a

Arezzo buscou, no processo de interação com a sociedade, estabelecer seus limites

internos, a fim de se diferenciar dos demais sistemas. Fez isso como uma forma de

defesa ou de preservação de sua autopoiese - processo através do qual ela constroi

a si mesma, se autorrefaz.

Considerar as organizações como sistemas sociais operacionalmente

fechados significa, principalmente, reconhecer que elas não são instituições abertas

ou naturalmente propensas à interação, na medida em que esse processo

representa um risco em potencial para a manutenção de sua ordem. Nesse sentido,

as redes sociais na internet vêm para desorganizar ou desestabilizar as

organizações, na medida em que potencializam o diálogo e facilitam a participação

de outros atores, inclusive daqueles que se opõem diretamente às empresas. Assim,

temos que, se por um lado a inserção no Facebook representou uma oportunidade

de legitimação da Arezzo diante de seus interlocutores; por outro, significou um risco

do qual a empresa buscou a todo custo se proteger.

A indisposição para a interação, entretanto, não significa sua não ocorrência,

uma vez que para evoluir os sistemas precisam, necessariamente, manter relações

com o meio. Como vimos, mesmo operando segundo princípios rígidos, a Arezzo foi

influenciada pelas contingências de outro sistema não menos importante, o de

resposta social. Menos organizado e mais efêmero – capaz de fazer-se e desfazer-

se ao sabor das discussões em voga na sociedade -, esse sistema reuniu, neste

trabalho, as manifestações de contestação da sociedade à empresa. O

reconhecimento de sua existência reforça a ideia de que, para além do processo de

recepção, pode haver um movimento de enfrentamento à instância da produção,

capaz de influenciá-la e modificá-la. Foi o que observamos nos protestos contra a

empresa empreendidos pelo perfil Boicote Arezzo e por interlocutores que se

manifestaram diretamente na fan page .

104

Nesse sentido, como resultado das pressões exercidas pelo sistema de

resposta social, a Arezzo retirou os produtos das lojas e reformulou completamente

o seu discurso: abandonou o tom sisudo e impositivo que marcou os primeiros

anúncios oficiais a respeito da coleção; propôs uma relação mais próxima a seus

interlocutores no Facebook, adotando, inclusive, uma interação direta via

comentários; e declarou que não utilizaria mais produtos feitos com peles exóticas

em coleções futuras.

A mudança de postura da Arezzo nos remete ao fato de que, embora a

empresa tenha tentado evitar as influências externas, em pontos cegos do processo

de interação com a sociedade, que tomaram o lugar de mecanismos de regulação

idealizado por políticas e estratégias planejadas, essa passagem se deu,

culminando no que Neves (2005) denomina como processos sobrecomunicativos –

conceito que visa explicar que podem ocorrer eventos de influência externa mesmo

em sistemas autopoiéticos.

Acreditamos, portanto, que o estudo da comunicação no contexto das

organizações através da perspectiva sistêmica aponta para uma importante

tendência de pesquisa da área, na medida em que ela contribuiu para se pensar a

comunicação como um processo que se estabelece de forma não hierárquica entre

sistemas que se influenciam mutuamente e co-evoluem a partir de perturbações que

um imprime ao outro. Nesse sentido, os processos comunicativos, que se

materializam nos discursos, são entendidos como uma ação descentralizada e as

organizações, por sua vez, como apenas mais um sistema, entre vários, que luta por

sua autoafirmação.

Sem incorrer a uma visão ingênua sobre o poder transformador das redes

sociais, observamos que seu diferencial, em relação aos demais meios pelos quais a

sociedade vem elaborando e difundindo suas respostas, está na possibilidade de

essas respostas poderem ser dadas via mídia, o que aumenta o seu potencial de

circulação e alcance. Foi o que aconteceu no caso Pelemania: o assunto se tornou

conhecido ao ser retuítado e compartilhado, respectivamente, no Twitter e no

Facebook, provocando uma onda de comentários negativos contra a Arezzo de

relevante proporção.

Acreditamos, portanto, que o conceito de circulação tem relação direta com o

advento das tecnologias, uma vez que elas têm permitido a inserção de receptores

junto ao próprio sistema de produção das mídias, fortalecendo a interação entre os

105

atores do processo comunicativo, removendo posições cristalizadas (o receptor

também pode ser produtor e vice-versa) e estabelecendo novas naturezas de

vínculos. Tal situação tem contribuído ainda para um hibridismo e, ao mesmo tempo,

uma disputa entre mídias irradiadas de massa (mídias tradicionais) e as mídias

distribuídas de grupo (redes sociais), remetendo ao que Antoun (2010) denomina

como infowar e netwar. Por meio das redes sociais, movimentos sociais ou

pequenos grupos, a exemplo do Boicote Arezzo, ganharam a chance de disputar a

primazia da narrativa com Estados, instituições e corporações, conversando e

argumentando com os mais variados membros que frequentam sua teia de páginas.

Ressaltamos ainda que novas questões surgiram ao longo da realização do

trabalho, sobretudo nas análises, como a identificação de um tipo de ativismo

essencialmente online, mas capaz de provocar resultados concretos no ambiente

offline, ou ainda a possibilidade de perceber o processo de autopoiese, para tornar

administrável a complexidade, sob a perspectiva do sistema de resposta social. No

entanto, não pudemos tocar em todas elas, por se tratarem de problemas que

exigem uma avaliação mais aprofundada.

Por fim, destacamos que esta pesquisa nos permitiu ampliar os

conhecimentos não só sobre a interação entre organizações e sociedade em novos

ambientes digitais – as redes sociais na internet – como também perceber o

discurso atrelado à prática social, o que foi possível a partir da adoção da matriz

metodológica de Fairclough (2001). Esse modelo nos permitiu pensar a dinâmica

contemporânea das relações entre organizações e sociedade, pressupondo que

esses atores constroem, conjuntamente, processos interacionais, num aprendizado

contínuo no qual eles se influenciam mutuamente e co-evoluem, em uma relação

materializada em discursos.

Sob essa perspectiva, notamos que, apesar dos esforços planejados de

comunicação da organização, a interação escapa ao seu controle e é moldada pela

experiência vivida cotidianamente com seus interlocutores. Assim, temos que, se por

um lado o discurso tem força para preservar a ordem estabelecida, por outro, guarda

em si potencialidade para transformá-la, agindo sobre a realidade social.

106

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APÊNDICE

Síntese do mapeamento das postagens na fan page da Arezzo no Facebook em abril de 2011

Nº Data Postagem Análise/Comentários

01 01/04 Arezzo divulga sandália camurça colorida peep toe.

74 pessoas curtiram o produto, que só recebeu elogios nos comentários.

02 04/04 Arezzo divulga sapatilhas de camurça coloridas.

110 pessoas curtiram os produtos, que só receberam elogios nos comentários.

03 07/04 Arezzo divulga sandália de animal print.

142 pessoas curtiram o produto, que só recebeu elogio nos comentários.

04 11/04 Arezzo divulga vaga para contratação de webdesigner.

5 pessoas curtiram a postagem e algumas perguntaram os meios para envio do curriculum vitae.

05 11/04 Arezzo divulga sapatilha de animal print.

118 pessoas curtiram o produto, que só recebeu elogios nos comentários.

06 12/04 Arezzo divulga coleção de esmaltes da marca.

94 pessoas curtiram os produtos. Nessa postagem já é possível identificar algumas críticas à coleção Pelemania, a exemplo dos comentários das usuárias Ana Mattioni (“é com sangue de raposa isso aí?”) e Carol Lee (“não obrigada, não cosumo nada dessa empresa anti-ética”).

07 12/04 Arezzo divulga o primeiro produto da coleção Pelemania: um scarpin com detalhe em pele de coelho que, conforme o apelo de venda da empresa, “deixa luxuoso até os looks mais básicos”.

168 pessoas curtiram o produto, que foi compartilhado por 12 usuários. Nos comentários, em meio aos elogios, que eram maioria, é possível encontrar algumas mensagens de repúdio à coleção Pelemania.

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08 13/04 Arezzo divulga oferta de vaga de estágio.

Embora não remetesse à Pelemania, a postagem também chegou a ser ironizada pelos usuários: “se for carnificeiro, já tem emprego garantido” e “jogaram a culpa da Pelemania em um coitado de um estagiário e agora estão contratando outro... aliás... pra ter uma idéia [sic] brilhante dessas deve ter sido um estagiário mesmo... só pode”.

09 13/04 Arezzo divulga mais um produto da coleção Pelemania, desta vez sem a imagem, com os seguintes dizeres: “Depois do sucesso do scarpin de ontem, resolvemos mostrar que a pele de coelho também pode fazer parte de looks mais casuais. Que tal esse coturno para o a dia a dia!”. O texto contém ainda uma chamada para o website oficial da marca, com a promessa de que lá é possível encontrar muito mais sobre a coleção.

Apenas 26 pessoas curtiram a mensagem, 142 a menos do que o registrado na primeira mensagem de divulgação da Pelemania, no dia anterior.

10 14/04 Arezzo convida usuários do Facebook para o lançamento oficial da coleção Pelemania, na loja da Oscar Freire, em São Paulo.

Com apenas 7 “curtidas”, a mensagem recebeu cinco comentários, dois contendo conteúdo ofensivo, de crítica à coleção.

11 14/04 Arezzo divulga mais um produto da coleção Pelemania, desta vez com imagem: uma bota com detalhe em lã de ovelha.

33 pessoas curtiram o produto. Entre críticas e elogios, os comentários suscitaram também a discussão em torno do método utilizado para a obtenção da lã, se correspondia ou não a um procedimento doloroso para o animal.

12 14/04 Arezzo divulga sapatilha de paetês, não pertencentes à coleção Pelemania.

54 pessoas curtiram o produto. Embora não pertencesse à Pelemania, ele foi criticado por usuários, que condenaram a atitude da empresa em comercializar artigos produzidos com peles exóticas.

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13 14/04 Arezzo faz novo convite para que clientes conheçam a coleção Pelemania, na Oscar Freire, que “está com desfile e DJ neste momento”, diz o texto.

7 pessoas curtiram a postagem. Dos quatro comentários, dois são de duras críticas à coleção: “#Pelemaniameucu” e “Coleção imunda... feita sobre morte de animais... porq não tire a pele flácida e enrugada de vocês... sua velhotas infelizes (sic)”.

14 18/04 Arezzo vem a público para expor regras de participação em sua fan page e para antecipar um posicionamento oficial a respeito da coleção Pelemania.

A mensagem, que foi mais comentada (60) do que curtida (37), provocou discussão sobre a postura da empresa em apagar mensagens dos consumidores, em um espaço aberto e favorável à participação. Diante da polêmica, alguns usuários saíram em defesa da empresa alegando hipocrisia por parte de muitos dos consumidores, que, segundo eles, estariam repudiando a coleção, mas seriam adeptos ao consumo de carne e ao uso de acessórios e roupas de couro.

15 18/04 Arezzo divulga comunicado oficial informando que não entendia como sendo de sua responsabilidade o debate de uma causa “tão ampla e controversa”, mas que, “em respeito aos consumidores contrários ao uso desses materiais”, iria recolher de todas as lojas do Brasil as peças com peles exóticas em sua composição.

A postagem foi comentada por 253 pessoas e curtida por 73. Entre mensagens de crítica à conivência da empresa em torno da crueldade contra os animais, registram-se, também, manifestações favoráveis ao fato de a Arezzo ter reconhecido o erro e tentado se redimir, retirando a coleção das lojas. É possível identificar ainda um número significativo de mensagens em que os usuários não só comemoram o fato de a Arezzo ter pedido desculpas e voltado atrás, como também se reconhecem como os responsáveis por tal atitude, apontada por eles como consequência da repercussão dos protestos nas

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redes sociais. Alguns, inclusive, se autointitulam ativistas e chegam a defender a força e o alcance do chamado “ativismo de sofá”, termo mencionado por um dos usuários.

16 19/04 Arezzo divulga nova mensagem sobre a retirada dos produtos da Pelemania de circulação, reiterando que se sente no direito de apagar comentários agressivos e desrespeitosos, contendo palavrões ou expressões ofensivas.

A postagem foi curtida por 82 pessoas e comentada 221 vezes. Novamente, surgem insinuações por parte dos usuários de que a empresa estaria impedindo a discussão democrática e livre em sua fan page . A minoria que se manifestou favoravelmente à empresa acabou sofrendo represálias por parte dos próprios usuários. Foram os casos de Izabella Person e Vívian Cunha, usuárias atacadas pelo grupo por insinuarem que as críticas a Arezzo viriam de pessoas que não tinham poder aquisitivo para consumir os produtos da marca.

17 20/04 Arezzo divulga sapatilha que não faz qualquer referência à coleção Pelemania.

100 pessoas curtiram o produto. No entanto, mesmo depois de comunicar oficialmente a retirada da coleção Pelemania de circulação, persistiram piadas e comentários negativos a respeito do assunto. A Arezzo também foi acusada de estar agindo como se nada tivesse acontecido.

18 28/04 Arezzo retoma o assunto Pelemania, após se manter quatro dias em silêncio no Facebook. Empresa vem a público para anunciar o encerramento da coleção, por meio do recolhimento não só dos produtos com peles verdadeiras, mas também daqueles com material sintético. Na mensagem, a

126 pessoas curtiram a postagem. Além dos comentários favoráveis e contrários, o comunicado, desta vez, incitou a sociedade a cobrar efetivamente a retirada dos produtos de circulação. Como fiscalizadores da ação anunciada pela empresa, os usuários passaram a

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Arezzo se compromete ainda a não comercializar mais qualquer produto feito com peles de animais e informa a abertura de um canal direto para que os internautas possam tirar dúvidas pela própria fan page ou pelo website. Em tom mais leve e amigável, a empresa também se declarou sensível às manifestações e defendeu o caráter colaborativo da internet como instrumento para a co-criação no mundo da moda. Buscou, ainda, reforçar que dispunha de um portfólio de produtos diversificados, em uma possível tentativa de fazer a sociedade entender que havia errado com a Pelemania, mas que os acertos, obtidos com as outras coleções, haviam sido muito maiores.

denunciar, através do Facebook, as lojas do grupo que ainda estavam vendendo os produtos, solicitando providências imediatas à empresa para a suspensão da comercialização. Também, pela primeira vez, em uma possível tentativa de honrar com o compromisso assumido de transformar sua fan page em um canal direto para a sociedade tirar dúvidas, a Arezzo interagiu diretamente com os usuários por meio de comentários, respondendo apenas aos questionamentos que guardavam proximidade ou tinham relação com os temas abordados em seu pronunciamento oficial.

19 28/04 Arezzo divulga produto que não pertence à coleção Pelemania.

44 pessoas curtiram a postagem. O produto recebeu elogios, mas os comentários negativos eram maioria. Observamos, ainda, que eles foram emitidos principalmente por usuários que, em postagens anteriores, já vinham se manifestando contrariamente à empresa: “O biquinho do sapato já já pia”, “queremos couro sintético”, “cárcere privado, tortura e assassinato em série, tudo legalizado e certificado”, “quem vê beleza na crueldade e ignorante ou trabalha na Arezzo”, foram alguns dos comentários postados por usuários.

20 28/04 Arezzo divulga regras de participação em sua fan page , declarando publicadamente que não iria mais tolerar: o uso de expressões de baixo-calão;

48 pessoas curtiram a postagem, que recebeu 128 comentários. Mais uma vez, pesaram sobre a empresa insinuações de censura em um

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a publicação de ofensas e difamações entre os internautas; e a prática de flood (publicação, por um único usuário, de grande número de postagens seguidas ou a divulgação de mensagens com conteúdo repetido).

canal considerado essencialmente democrático e participativo. Interagindo diretamente com os usuários, a empresa tentou afastar essa percepção, esclarecendo que o espaço continuava aberto para comentários, desde que ofensas ficassem de fora das manifestações. Entre as manifestações a respeito desta postagem, verificamos a de uma mulher que revelou ter se sido ofendida por outros usuários da página por demonstrar em interesse em adquirir um produto da Arezzo, reforçando as represálias sofridas por aqueles que se mantiveram ao lado da empresa. Aproveitando a onda de críticas à Arezzo, alguns consumidores insatisfeitos publicaram comentários com problemas particulares que tiveram na aquisição de produtos com defeito ou com qualidade questionável. Foram registradas, pela primeira vez no mês de abril, um número significativo de mensagens alusivas a este assunto (16, ao todo) e, mais uma vez, a empresa optou por não responder às perguntas.

21 29/04 Arezzo divulga bolsa metálica, não pertencente à Pelemania.

49 pessoas curtiram o produto. Comentários se dividem entre elogios e críticas (ainda com referências à Pelemania).

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Síntese do mapeamento das postagens da página do Boicote Arezzo no Facebook em abril de 2011

Apelo emocional

Postagem Análise/Comentário

18/04 (Foto projeto SalvaCão) 20/04 (Nota Arezzo) 20/04 (4 postagens diferentes com imagens de animais usados para a extração de peles)

Para convocar a sociedade à luta a favor dos animais e contra a Arezzo, o movimento Boicote explorou imagens com cenas fortes de raposas, coelhos e cães tristes em cativeiro ou em que apareciam mortos, ensanguentados ou sendo despelados com requintes de crueldade. Nos comentários, usuários indignados chamaram a Arezzo de “mizerável [sic]”, “nojenta”, despresível [sic]”, “canalha”, com apelos direto para o “boicote” à marca.

Álbum de fotos (“Casacos são lindos sim! Mas com eles [animais] vestindo”)

Em contraponto às imagens que remetiam à tortura, também foram utilizadas fotos que mostravam o lado dócil dos animais, vivendo com tranquilidade em seus habitats, com seus filhotes. Acompanhavam as fotos a seguinte legenda: “Peludinha e confortável... cada um [sic] com a sua pele que nasceu! Não tire o que não lhe pertence, ninguém tem esse direito”. Nos comentários, os relatos eram de dó e pesar diante das ações que atentavam contra a “beleza da natureza”.

19/04 (Doris Day) 18/04 (Jeremy Bentham) 18/04 (Julia Allen Field) 18/04 (Mahatma Gandhi) 18/04 (Leonardo da Vinci) 18/04 (Charles Darwin) 18/04 (Dr. Louis Camurti)

O discurso construído pelo movimento valeu-se, ainda, de frases de efeito, cuja autoria foi atribuída a personagens admiráveis da história, como Leonardo da Vinci, Charles Darwin e Mahatma Gandhi.

Hibridismo com as mídias de massa

18/04 (Rede Bom Dia) 18/04 (Época) 18/04 (O Repórter) 18/04 (Referência à entrevista com o presidente da Arezzo divulgada pela

Matérias jornalísticas que abordaram a polêmica coleção da Arezzo também foram postadas pelos administradores do perfil de boicote à empresa, como forma de

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Folha.com) 18/04 (Administradores comemoram fato de terem sido citados em sites de considerável audiência – Uol, Terra e Bol) 19/04 (Administradores da página reclamam de suposta cobertura parcial por parte de um veículo)

mostrar ou de comentar a repercussão do assunto.

Ativismo

18/04 (Usuários são convocados a enviar e-mails de protesto para caixa da Arezzo) 18/04 (Convite para protesto pacífico em frente a uma das lojas) 19/04 (Como postar no mural da Arezzo sem ser seguidor da página) 21/04 (Convite para assinatura de abaixo-assinado contra o uso de peles de animais na moda) 22/04 (“Conscientizar”: convite para alertar usuários da fan page sobre atitude cruel da empresa contra os animais) 27/04 (Convite para curtir a página “Não curto a Arezzo – Só curti a fan page para boicotar a Pelemania”)

Usuários da página foram convidados a realizar algumas ações de ordem prática para pressionar a empresa e também para burlar recursos de moderação da fan page .

Conquistas

20/04 (Usuários do perfil Boicote Arezzo não se convencem sobre nota da Arezzo de retirada de produtos de peles das lojas) 26/04 (Iódice se compromete a abolir uso de peles de animais em suas coleções) 27/04 (Colcci se compromete a abolir o uso de peles de animais em suas coleções) 28/04 (Usuários do perfil Boicote Arezzo comemoram nota em que Arezzo anuncia encerramento da Pelemania e se compromete a abolir uso de peles em coleções futuras) 29/04 (Bobstore se compromete a abolir o uso de peles de animais em suas coleções)

O primeiro comunicado da Arezzo, de que retiraria das lojas do Brasil os produtos com peles exóticas agradou, porém, não convenceu os idealizadores da página de boicote à empresa no Facebook, o que levou a um reforço da campanha de boicote à marca. Nos comentários, o apoio foi unânime. O movimento desencadeou um efeito dominó sobre outras empresas de moda que faziam uso de peles de animais em suas coleções. No dia 28/04, o comunicado da Arezzo a respeito do encerramento da Pelemania e da mudança de postura quanto ao uso de peles em suas coleções foi recebido com comemoração.