A Comunidade de Informações no interior do Brasil: o caso ... · PDF fileComo eles agiam, os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. 2001: p.93. conhecidos

  • Upload
    dotuyen

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • A Comunidade de Informaes no interior do Brasil: o caso da cooperao

    entre o DOPS/MG e o CENIMAR

    Luiz Fernando Figueiredo Ramos1

    Como acredito que na unio de nossos esforos reside a grande arma de ao em

    favor da segurana e desenvolvimento de nosso pas. Coloco-me disposio de

    V.Sa. , esperando contar com a valiosa colaborao desse rgo de segurana.

    Joaquim Janurio de Arajo Coutinho Netto. Contra-Almirante diretor do CENIMAR. Em carta de comunicao de posse dirigida ao chefe do DOPS/MG, 12 de maio de 1971.

    Resumo: Este trabalho procura discutir um aspecto da ao repressiva da ditadura civil-

    militar brasileira, que cooperao entre os servios de segurana, que compunham a

    autodenominada Comunidade de Informaes. O ponto em discusso neste estudo de

    caso a relao entre o Departamento de Ordem Poltica e Social de Minas Gerais

    (DOPS/MG) e, o Centro de Informaes da Marinha (CENIMAR). Mesmo sendo

    consenso entre muitos historiadores dedicados ao estudo da dinmica repressiva da

    ditadura, de que informaes sobre o modus operandi das agncias de represso das

    foras armadas, so escassas e fragmentadas, acreditamos que alguns documentos

    produzidos por estas agncias, hoje encontrados em vrios acervos das policias polticas

    estaduais, disponveis consulta nos arquivos pblicos estaduais, constituem fontes de

    importncia, que podem lanar luz sobre alguns pontos ainda obscuros da histria

    recente do Brasil. Neste sentido, esta comunicao ir discutir a atuao da Comunidade

    de Informaes a nvel regional, com objetivo de trazer a discusso alguns pontos da

    dinmica repressiva do sistema de informaes/segurana da ditadura civil-militar

    brasileira.

    1 Mestrando em Histria Social Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. [email protected]

  • Palavras chave: Comunidade de Informaes, CENIMAR, DOPS/MG.

    2

    Abstract: This paper discusses one aspect of the repression of civil-military dictatorship in

    Brazil, which is cooperation between the security services, who made up the self-styled

    Community Information. The point at issue in this case study is the relationship between the

    Department of Political and Social Order of Minas Gerais (DOPS / MG) and the Information

    Center of the Navy (CENIMAR). Although consensus among many historians have studied

    the dynamics of repressive dictatorship, that information about the modus operandi of the

    agencies of repression of the military, are scarce and fragmented, we believe that some

    documents produced by these agencies, today found in various collections of police state

    policies, available for public inspection at the state archives, are important sources that can

    shed light on some obscure points still recent history of Brazil. In this sense, this paper will

    discuss the role of the Community Information at a regional level, aiming to bring the

    discussion some points of the dynamics of the repressive system of information security /

    civil-military dictatorship in Brazil.

    Keywords: Community Information, CENIMAR, DOPS / MG.

    Um dos temas mais controversos da histria da ditadura civil-militar que governou o Brasil

    entre 1964 e 1985 sem dvida, a denominada Comunidade de Informaes2, responsvel em

    grande medida pelas arbitrariedades do regime, que envolveram: prises extrajudiciais,

    espionagem ilegal, torturas, assassinatos, desaparecimentos forados de pessoas e outras

    formas de medidas coercitivas que estigmatizaram as foras de segurana responsveis diretas

    pela ao repressiva do regime.

    Boa parte do conhecimento sobre a articulao entre os diversos rgos e centros

    repressivos que compunham a Comunidade de Informaes e segurana interna se deve em

    boa parte a abertura dos arquivos dos Departamentos de Ordem Poltica e Social nos estados, 2 Segundo Carlos Fico, a expresso comunidade de informaes que acabou assumindo conotao pejorativa na imprensa e mesmo entre oficiais no integrantes da linha dura era oficialmente usada. O que pode ser comprovado em vrios documentos. FICO, Carlos. Como eles agiam, os subterrneos da ditadura militar: espionagem e polcia poltica. 2001: p.93.

  • conhecidos pela sigla DOPS. Durante boa parte do perodo republicano os DOPS foram

    responsveis pelo policiamento da sociedade, procurando controlar e neutralizar os elementos

    3

    tidos como subversivos3 ordem interna, anarquistas, comunistas, principalmente estes

    ltimos.

    Para efeito deste artigo tomaremos como objeto de analise, um estudo de caso, a

    articulao entre o Centro de Informaes da Marinha (CENIMAR) e o DOPS de Minas

    Gerais. Mas um lado especificamente desta colaborao: a vigilncia e a perseguio s

    organizaes revolucionrias de esquerda e, aos suspeitos de pertencerem a tais grupos.

    Polcia e Foras Armadas no combate s organizaes guerrilheiras

    A entrada oficial das Foras Armadas no combate s organizaes revolucionrias de

    esquerda comea a ser ensaiada em meados de 1968, a partir da edio do Ato Institucional

    nmero cinco (AI-5) em dezembro e do redimensionamento do CENIMAR no mesmo ano.

    Com o crescimento das aes da guerrilha urbana, no ano seguinte, emitido um decreto que

    subordinava as polcias militares estaduais ao Exrcito, um ano depois esta medida

    reforada com o Decreto n 66.862 de oito de julho de 1970 que aprovava o Regulamento

    para as polcias militares e corpos de bombeiros 4. A partir de ento tem incio uma poltica

    voltada especificamente para a represso aos inimigos internos do regime.

    O relacionamento entre os rgos que compunham a Comunidade de Informaes e

    segurana interna, em alguns casos acabou sendo problemtico, e em outros, houve uma

    3 Entendemos que o termo subversivo empregado pelos agentes das foras de segurana civis e militares conservadores, tem conotao pejorativa, pois, aplicava-se em todos que manifestava alguma discordncia do regime independente de oposio armada. Embora entendamos que tais grupos so subversivos no sentido de que desejavam subverter o status quo vigente. Por isso utilizaremos o termo entre aspas.

    4 Disponvel em: http://www.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes,action?id=197250. Em 18-11-2008.

  • intensa cooperao. As medidas de segurana interna, tomadas entre 1969 e 1970, e o

    estabelecimento do SISSEGIN, propiciaram um relacionamento prximo entre as foras de

    4

    coercitivas do regime militar. Esta coordenao conforme mostramos ficou a cargo do

    Exrcito, porm conforme mostra Antunes, a direo das aes se davam a nvel dos Estado-

    maiores, e o CENIMAR e o CISA, por serem centros subordinados aos respectivos

    ministrios, formalmente estavam acima do SISSEGIN, e para uma coordenao de alto nvel

    CIE, CISA e CENIMAR seria necessrio um superrgo para isso, porque essa

    coordenao descontentava os mais altos escales5.

    Esse arcabouo burocrtico acabou conjurando alianas que em alguns casos

    ultrapassavam a capacidade de coordenao dentro deste sistema, gerando uma grande

    margem de autonomia dos diversos centros repressivos, que compunham a Comunidade de

    Informaes, a colaborao entre os mesmos eram de acordo com os interesses de cada

    ministrio ou dos prprios rgos, isto no caso do CISA e do CENIMAR6.

    O redimensionamento do CENIMAR

    Das trs Foras Armadas, a Marinha foi a primeira a constituir um rgo voltado para

    a rea de informaes. Em 20 de novembro de 1947 criado o Servio Secreto da Marinha

    (SSM), porm este servio s seria regulamentado oito anos mais tarde, em 1955 com

    alterao no nome, rebatizado de Servio de Informaes da Marinha (SIM). Dois anos depois

    mais uma alterao, de acordo com o decreto n 42.688 de 21 de novembro de 1957, passa a

    chamar-se CENIMAR, ficando subordinado ao Estado-Maior da Armada. No artigo 1 fica

    5 Fiza de Castro. Idem. 1994: p.79.

    6 Para a colaborao entre os centros de informaes, a capacidade de articulao entre os mesmos e margem de autonomia que em alguns casos escapavam a hierarquia e ao controle dos comandantes, bem como o surgimento de comandos paralelos e as alianas com policiais, ver respectivamente: ANTUNES, SNI & ABIN. 2002: p.79-98, FICO. Como eles agiam, 2001: p.71-143, GASPARI. A Ditadura Escancarada, 2002: p.175-179.

  • estabelecido que: tem por finalidade a obteno de informaes de interesse da Marinha do

    Brasil, na conformidade dos planos, de acordo com o Estado-Maior da Armada7. Durante o

    regime militar, o CENIMAR ficaria famoso devido a sua capacidade operacional e eficincia,

    5

    o que de alguma forma, fez com que criasse alguns mitos em torno do rgo, sobretudo pelo

    ar de mistrio que gerava, at mesmo entre outros setores da Comunidade de Informaes.

    De fato o CENIMAR era considerado o servio de informaes mais fechado que

    havia naquela poca, entretanto, isto no que quer dizer que o mito de tal eficincia se deve a

    este fato, no acervo do DOPS/MG sob a guarda do APM, encontramos documentos anteriores

    ao golpe de 1964, onde so pedidos, confirmao de informes e pedidos de busca, no entanto

    a tal eficincia, se d pela antiguidade do centro em relao aos outros e pela experincia na

    rea de informaes, onde j teria uma cultu