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A CONFIGURAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NA AMÉRICA DO SUL: BRASIL E PAÍSES ANDINOS Autor (a): Juliana Medeiros de Oliveira Orientador: Msc. Alexandre Martchenko Relações Internacionais PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

A CONFIGURAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NA AMÉRICA DO … · Paralelamente, o advento da nova ordem mundial proporcionou uma “redistribuição de poder entre Estados, mercados e sociedade

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A CONFIGURAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NA AMÉRICA DO SUL: BRASIL E PAÍSES ANDINOS

Autor (a): Juliana Medeiros de Oliveira

Orientador: Msc. Alexandre Martchenko  

Relações Internacionais

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

 

 

JULIANA MEDEIROS DE OLIVEIRA

A CONFIGURAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NA AMÉRICA DO SUL:

BRASIL E PAÍSES ANDINOS

Monografia apresentada ao curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador Geral: Profº Msc. Alexandre Martchenko

Brasília – DF

2009

 

 

TERMO DE APROVAÇÃO

Monografia de autoria de Juliana Medeiros de Oliveira, intitulada “A Configuração do

Narcotráfico na América do Sul: Brasil e Países Andinos”, apresentada como requisito parcial

para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Católica de

Brasília, em 20 de novembro de 2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo

assinada:

________________________________________

Prof. Msc. Alexandre Martchenko

Orientador

________________________________________

Prof. Msc. José Romero Pereira Júnior

Relações Internacional - UCB

_________________________________________

Prof. Msc. Fábio Duval

Relações Internacionais – UCB

Brasília – DF

2009

 

 

Dedico este trabalho aos meus pais,

sempre presentes em todas as etapas da minha

vida.

 

 

AGRADECIMENTO

Agradeço aos mestres que ao longo do curso auxiliaram na construção do meu

conhecimento. Ao professor orientador Alexandre Martchenko pelas instruções, paciência e

disponibilidade. Aos meus amigos, familiares e namorado pela compreensão e força. E a

todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desta monografia.

 

 

LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

ABIN – Agência Brasileira de Inteligência

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

ATS – Tipos de Anfetaminas Estimulantes

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras

COCIT – Coordenação-Geral de Combate aos Ilícitos Transnacionais

CONAD – Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas

CREDEN – Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

DEA – Drug Enforcement Administration

DINANDRO – Dirección Antidrogas de la Policía Nacional del Peru

ELN – Exército de Liberação Nacional da Colômbia

UE – União Européia

EUA – Estados Unidos da América

FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNAD – Fundo Nacional Antidrogas

GSI – Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República

LSD – Lysergic Saure Diethylamide

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MJ – Ministério da Justiça

MRE – Ministério das Relações Exteriores

MT – Tonelada Métrica

OBID – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas

OMS – Organização Mundial da Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas

SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia

SPA – Substâncias Psicoativas

THC – Tetraidrocanabinol

UMOPAR – Unidad Móvil de Patrullaje Rural

 

 

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura

UNESP – Universidade Estadual Paulista

UNODC – United Nations Office on Drugs and Crime

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WDR – World Drug Report

WTC – World Trade Center

 

 

RESUMO

OLIVEIRA, Juliana Medeiros. A Configuração do Narcotráfico na América do Sul: Brasil e Países Andinos. 98 p. Trabalho de Conclusão do Curso de Relações Internacionais – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.

O crime organizado não é um fenômeno recente. Ele se manifesta em diferentes formas, contudo aparentemente seu seguimento mais lucrativo é o narcotráfico. O fim da Guerra Fria, bem como, os avanços tecnológicos possibilitaram o aumento de fluxos de bens, capitais e pessoas entre países. Este contexto favoreceu a emergência de novos pólos de poder que direta ou indiretamente influenciam as relações entre Estados. O narcotráfico, portanto, ascende à condição de ator do sistema internacional à medida que ganha proporções maiores se integrando a política, economia e sociedade mundiais. Ademais, sua capacidade de estruturar-se em rede possibilita a integração entre diferentes organizações narcotraficantes, favorecendo suas práticas ilícitas principalmente em locais instáveis, com instituições frágeis e carência social. Diante desse quadro, destaca-se a América do Sul, por nela se encontrarem os três maiores produtores de cocaína do mundo, bem como países que servem como zona de trânsito de psicoativos ilícitos a seus mercados consumidores, localizados principalmente na Europa e nos Estados Unidos da América. Os primeiros regimes internacionais que versaram sobre o narcotráfico priorizaram a análise do tema focada apenas em um viés, sendo ele a repressão à oferta de drogas. Contudo, a militarização do combate a tal modalidade de crime organizado não tem surtido efeitos consideráveis, o que sugere a necessidade de um novo debate com vistas à mudança de perspectiva das políticas antidrogas. Baseando-se na lógica neo-liberal, percebe-se que devido à transnacionalidade do narcotráfico tais políticas apenas lograrão êxito se forem realizadas por meio de cooperação internacional.

Palavras-chave: América do Sul. Narcotráfico. Transnacionalidade. Regimes Internacionais. Zona de trânsito.

 

 

ABSTRACT

Organized crime is not a recent phenomenon. It manifests itself in different ways, however narco-traffic is its most lucrative sequence. The end of the Cold War, as well as technological advances enabled the increase of flows of goods, capital and people between countries. This context led to the emergence of new poles of power that directly or indirectly influence the relations between states. The narco-traffic, therefore, uprise the condition of an international´s system actor as it gets larger proportions integrating with the worldwide politics, economy and society. Moreover, its ability to structure in a network, enables the integration between different drug organizations, furthering their illegal practices mainly in unstable places, that has weak institutions and a social deprivation. Given this situation, South America is highlight, since the three largest producers of cocaine in the world are located in this region, as well as some countries that serve as a transit area for ilicits psychoactives to consumer markets, mainly located in Europe and United States of America. The first international regime related to narco-traffic gave priority to the analysis of just one topic, the repression of drug supply. However, the militarization of this type of crime has not produced significant effects, what suggests the need for a new debate about another drug policy perspective. Based on neo-liberal logic, it is observed that due to the transnational nature of narcotrafficking such policies will only be successful if they are carried out through international cooperation.

Keywords: South America. Organized crime. Narco-traffic. Transnational. International regimes. Transit area.

 

 

SUMÁRIO

1. Introdução ........................................................................................................................... 10

1.1. Problema e a sua importância ....................................................................................... 10

1.2. Hipótese ........................................................................................................................ 13

1.3. Objetivos ....................................................................................................................... 14

1.3.1. Objetivo Geral .................................................................................................. 14

1.3.2. Objetivos Específicos ....................................................................................... 14

1.4. Metodologia .................................................................................................................. 14

2. Referencial Teórico ............................................................................................................ 16

2.1. Revisão Bibliográfica ................................................................................................... 16

2.2. Marco Teórico ............................................................................................................... 23

3. Desenvolvimento..................................................................................................................30

3.1. Capítulo 1 ...................................................................................................................... 30

3.2. Capítulo 2 ...................................................................................................................... 47

3.3. Capítulo 3 ...................................................................................................................... 63

4. Conclusão ............................................................................................................................ 80

5. Referências Bibliográficas ................................................................................................. 85

6. ANEXOS..............................................................................................................................91

6.1 Anexo A .......................................................................................................................... 91

6.2 Anexo B .......................................................................................................................... 97

 

 

10

1. Introdução 1.1 Problema e sua importância

Este estudo pretende demonstrar a configuração do narcotráfico1 na América

do Sul, com ênfase no Brasil e na Região Andina, a partir da década de 1990. Para

tanto faz-se necessário relembrar conceitos e fatos históricos que contribuíram para

a consolidação do crime organizado.

As Relações Internacionais não são uma ciência exata e precisa. Ao

contrário, o estudo das relações entre diferentes atores do sistema internacional

caracteriza-se por cenários variados, responsáveis pelas vertentes que o conduz.

Meados dos anos 70 aos anos 80 do século XX representaram um marco no

estudo das Relações Internacionais. Estudiosos e analistas tinham a atenção

voltada para o conflito bipolar entre as superpotências norte-americana e União

Soviética. O cenário internacional da época desenhava-se em torno desse conflito

ideológico e indireto denominado Guerra Fria, o qual dividia o mundo em dois pólos

de poder: os defensores e propagadores do capitalismo frente aos do comunismo.

No entanto, a União Soviética já não possuía tanta estabilidade. Muito

dinheiro era gasto em áreas de defesa e segurança enquanto outros setores do país

eram deixados de lado. Estando evidentes as falhas no sistema socialista, deu-se

início à Glasnost e à Perestroika, os quais, respectivamente, consistiam em uma

reestruturação política e uma reestruturação econômica do país, a primeira visando

à transparência política. Contudo, essas tentativas de reformas não obtiveram o fim

desejado, contribuindo, dentre outros fatores, para a dissolução da União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991.

Ademais do ocorrido descrito acima, a crise do sistema socialista teve como

seu maior símbolo a queda, em 1989, do muro de Berlim, o qual dividia a Alemanha

Oriental (socialista) e a Alemanha Ocidental (capitalista).

A Guerra Fria, então, chegava ao fim. O mundo deixava de ser bipolar para,

aparentemente, tornar-se unipolar. Os Estados Unidos da América (EUA) eram,

                                                            1  De acordo com Oliveira (2007, p.8) “O narcotráfico abarca a produção (plantio, processamento), o transporte (nacional, transnacional) e o comércio de substâncias psicoativas consideradas ilícitas pela Comunidade Internacional”. 

 

 

11

portanto, a potência econômica, política e militar mais influente e poderosa do

mundo. A premissa não deixa de ser verdadeira, embora a unipolaridade do sistema

internacional não tenha perdurado.

Em contrapartida ao poderio absoluto que aparentemente os Estados Unidos

detinham frente ao resto do mundo, a América do Sul passava por um momento de

“crise política e emergência de novas ameaças à segurança da região” (DUPAS,

2005, p.133). Para Dupas (2005, p. 133), um dos pontos comuns entre os países da

região era a existência de uma forte interlocução com os EUA. Significa dizer que os

posicionamentos ideológicos norte-americanos frente ao novo sistema internacional

atingiam, de uma forma ou outra, a América do Sul.

Paralelamente, o advento da nova ordem mundial proporcionou uma

“redistribuição de poder entre Estados, mercados e sociedade civil” (MATHEWS,

1997, p. 50). As premissas capitalistas tomaram uma proporção maior do que já era

constatado à época da Guerra Fria. Houve uma mudança de perspectiva quanto ao

papel do Estado na economia, este deixando de ser controlador e adquirindo um

caráter mais liberal. Portanto, começa-se a repensar a soberania absoluta do Estado

como ator principal do sistema. Novos pólos de poder ganham mais destaque pela

influência que conseguem exercer no andamento das relações internacionais.

O contexto descrito anteriormente tem por objetivo evidenciar características

do crime organizado. Segundo Juan Gabriel Tokatlian (1999, p. 168), o “crime

organizado floresce, amplia-se e aprofunda suas raízes com mais força no

capitalismo”. O narcotráfico, sendo uma das modalidades de crime organizado

transnacional, também se enquadra nessa prerrogativa.

A problemática ganha amplitude, já que, dentro desta nova configuração, os

anos 1990 caracterizaram-se pelo aumento/necessidade de fluxos de capitais,

pessoas, informações, bens e serviços pelo mundo. Ademais, a globalização influiu

no desenvolvimento tecnológico e em sua rápida expansão para diversos países do

globo, facilitando a relação e troca de mercadorias entre Estados, bem como um

aproveitamento mais eficaz de recursos. Todos estes fatores também auxiliam de

forma benéfica o comércio de psicoativos ilícitos2. Fator demonstrado por Mathews

                                                            2 “Psicoativos ilícitos consistem em produtos que têm a capacidade de alterar as funções do sistema nervoso central podendo implicar mudanças fisiológicas ou comportamentais” (OLIVEIRA, 2007, p. 29).

 

 

12

(1997, p. 58), que afirma que os grupos criminosos tiram vantagens da globalização

agindo através de vários nódulos, configurados em rede e sem um poder central.

Em suma, a globalização atingiu a economia global como um todo, direta ou

indiretamente. Suas conseqüências foram estendidas de forma positiva para as

elites liberais, enquanto a rápida difusão tecnológica ocasionava maior disparidade

entre as camadas menos ricas da sociedade. No entanto, como já citado, benefícios

foram também estendidos ao comércio ilícito, possibilitando o aperfeiçoamento do

crime organizado transnacional em suas diversas modalidades.

O Crime Organizado Transnacional não é recente. Porém, suas estruturas e

atividades se aperfeiçoaram ao longo do tempo. Muitas vezes, o crime organizado é

confundido com a máfia e com o terrorismo. Contudo, existem fatores que os

diferenciam entre si. O terrorismo tem um fim político, enquanto o crime organizado

está atrelado ao capitalismo, almejando poder e dinheiro. No que concerne à

diferenciação entre máfia e crime organizado, têm-se conceitos parecidos. No

entanto, o crime organizado não se prende a uma ideologia ou têm hierarquias

permanentes (OLIVEIRA, 2007, p. 8), diferentemente do que ocorre com as máfias. O foco do trabalho será a região sul-americana pelo fato de alguns países que

a compõem apresentarem características que tornam o ambiente propício para a

atuação do crime organizado. Especificamente, os países centrais do estudo são:

Brasil e países da Região Andina3. Na década de 1990, por exemplo, “a instabilidade

política e vulnerabilidade de alguns governos facilitaram o advento do narcotráfico e

de outras práticas ilícitas” (DUPAS, 2005, p. 133). Essa problemática atravessou o

século XX e ainda se faz fortemente presente no século XXI.

No entanto, o narcotráfico incide no Brasil em uma perspectiva diferente de

como a problemática se dá nos demais países da Região Andina. Isso porque a

realidade brasileira não é exatamente a mesma destes países, situação que será

explicitada no desenvolvimento deste estudo. Ademais, o Brasil “recebe os efeitos

do narcotráfico, devido, principalmente, à extensão de suas fronteiras, que muitas

vezes carecem de vigilância adequada” (MONTOYA, 2007, p. 147).

Além disso, nos mandatos de Reagan e Bush, intensificam-se nos Estados

Unidos políticas de repressão à oferta de drogas afetando diretamente a região

                                                            3 Para esse estudo serão considerados tais países da Região Andina: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

 

 

13

estudada neste trabalho, principalmente a Região Andina, já que se concentram nela

grande parte da produção e tráfico de drogas (DUPAS, 2005, p. 168).

Sendo o narcotráfico um crime organizado de caráter transnacional, ele não

deve ser tratado como um crime cometido por pessoas e grupos isolados

(TOKATLIAN, 1999, p. 169). Transnacional remete à idéia de que o crime vai além

das fronteiras nacionais. Suas relações são entre redes locais, regionais e

internacionais. Dessas redes participam agentes públicos, empresas privadas,

pessoas das mais variadas nacionalidades. Além disso, o crime é organizado porque

não segue uma linha de ação única, mas sim um conjunto de ações ilícitas que

terminam por se atrelar. A fim de exemplificar a afirmativa, basta recordar que o

dinheiro gerado de maneira ilícita por organizações criminosas sempre precisa ser

lavado, caracterizando outra modalidade de ação, o da lavagem de dinheiro4.

A proporção que este novo e poderoso ator das relações internacionais

ganhou é algo quase imensurável. “Suas atividades estão situadas em uma zona

cinza entre o legal e o ilegal” (NAIM, 2006, p. 6). Portanto, devido a sua presença

em atividades estatais, entranhando-se na economia, na política e na sociedade, o

narcotráfico põe em cheque alguns pressupostos, como, por exemplo, a soberania e

autonomia do Estado-nação. Neste caso, vê-se a necessidade de se estudar o

problema sob ótica multilateral, já que o multilateralismo caracteriza tanto os fluxos

do comércio ilícito como as Convenções visando o combate ao crime organizado em

suas mais diversas formas.

Devido a tais fatores elucidados, se torna importante uma análise da

configuração do narcotráfico na Região Andina e Brasil, visto que essa atividade

ilícita provoca um aumento significativo de violência, corrupção e concentração de

poder econômico na região.

1.2 Hipótese

O narcotráfico é uma modalidade do crime organizado transnacional que se

encontra amplamente presente na América do Sul, contribuindo tanto para a

                                                            4 “Por meio da lavagem de dinheiro, é possível ocultar a fonte dos lucros ilegais e construir uma história legítima que permita fazer investimentos no mundo da economia legal. (...) O fator mais importante no esquema de lavagem é a transformação do dinheiro vivo em outro tipo de moeda, para que possa ser escondido mais facilmente e que seja possível gastá-lo mais rapidamente” (MONTOYA, 2007, p. 385).

 

 

14

desestabilização política como para problemas de caráter social, econômico e de

segurança na região.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral O presente trabalho tem por objetivo geral apresentar a configuração do

narcotráfico na América do Sul, especificamente no Brasil e nos países Andinos, a

partir da década de 1990, bem como suas conseqüências políticas e econômicas

nessa região.

1.3.2 Objetivos Específicos

• Conceituar crime organizado transnacional, comparando-o com os

conceitos de máfia e terrorismo. Posteriormente, dar ênfase à conceituação

de narcotráfico. E, a fim de auxiliar a compreensão do trabalho, abordar

aspectos conceituais e teóricos.

• Descrever a configuração do narcotráfico na América do Sul (Brasil e

Países Andinos); seus principais focos e meios de atuação. Discorrer sobre

como o Brasil encara e trata o problema do narcotráfico na América do Sul.

• Fazer uma reflexão sobre Regime Internacional que versa sobre o

narcotráfico. Descrever a postura norte-americana frente à problemática que

atinge o Brasil e os países andinos.

1.4 Metodologia Este estudo foi desenvolvido mediante pesquisas em fontes primárias, tal

como a entrevista com fonte de Inteligência do Estado, que encontra-se no Anexo A

deste trabalho, bem como fontes secundárias, tais como: livros, revistas, periódicos

 

 

15

nacionais e internacionais, bem como publicações e artigos disponíveis em sítios da

internet.

Ademais, foram utilizados como fonte de informação e pesquisa acordos

multilaterais e bilaterais relacionados à temática, sendo eles: a Convenção das

Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, a Convenção contra o

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, além de Acordos de

Cooperação Jurídica e Assistência Mútua em Matéria Penal entre a República

Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América, da República da

Colômbia e da República do Peru.

Os dados numéricos, tabelas e mapas apresentados no trabalho foram

principalmente baseados no World Drug Report 2009. Lembrando que, visto que a

temática aborda uma atividade ilícita, os dados apresentados não possuem total

veracidade ou precisão.

Na elaboração do trabalho foram observadas as regras da Associação

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

 

 

16

2. Referencial Teórico 2.1 Revisão Bibliográfica

Para a abordagem da atuação e conseqüências do narcotráfico na América

do Sul é necessário, primeiramente, o entendimento do que seja o crime organizado

transnacional, bem como seu papel na configuração das relações internacionais

contemporâneas. Nesse contexto, uma das obras utilizadas para realização do

trabalho será “Ilícito” de Moisés Naím.

Naím (2006) analisa a situação dos diferentes tipos de crime através de

exemplificações que demonstrem a complexidade e amplitude do tema. O autor

mostra que o comércio ilícito não é algo novo. Pelo contrário, aparece já na

Antiguidade, porém em uma forma menos sofisticada e interligada através do

contrabando.

Nos anos 90, a problemática ganha destaque após as mudanças econômicas

e políticas mundiais em transição nesse período. As reformas econômicas

enfraqueceram o controle dos governos nas fronteiras, facilitando os fluxos de bens,

capitais e pessoas, permitindo, segundo Naím (2006, p.54), a comercialização de

produtos que no passado não podiam ser transportados.

Novas regulamentações econômicas também atingiram o negócio das drogas.

“À medida que os custos envolvidos nesses negócios caíram, também diminuíram os

custos de todas as transações ao longo da complicada cadeia que une os

fornecedores aos consumidores finais do produto” (NAIM, 2006, p. 214).

Argemiro Procópio Filho (1999) acredita que processos de integração regional

como o MERCOSUL e a União Européia (EU) também se constituem em vetores

que contribuem para facilitar o narcotráfico. Um exemplo é o grande fluxo de bens e

pessoas na região da Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai.

O narcotráfico é apenas um dos crimes globais que transformam o sistema

internacional, “modificando suas regras, introduzindo novos atores e reconfigurando

o poder na política e economia mundiais” (NAIM, 2006, p. 11).

O sistema pós-guerra fria e da globalização confere aos países da Região

Andina, região esta que será objeto de estudo deste trabalho, características

comuns, sendo elas:

 

 

17

as crises políticas dos anos 90 e início de 2000; forte interlocução com Estados Unidos da América (EUA); os impactos do conflito colombiano estão presentes em quase todas as fronteiras dos países dessa região. Tais fatores contribuem para a vulnerabilidade da região, bem como para a atuação do narcotráfico (DUPAS, 2004, p. 133).

O enfoque na região ganha mais importância porque ela tem o narcotráfico

inserido em sua agenda política “de forma intensa, em razão de nela se situarem os

principais produtores e o maior mercado de cocaína, além de outras drogas ilegais”

(PROCOPIO, 1997, p. 100).

O narcotráfico se modifica paralelamente às transformações proporcionadas

pelo mundo globalizado. Os novos circuitos de poder desenham complexas

territorialidades, geralmente em forma de território-rede (HAESBAERT, 2005). Logo,

há uma nova territorialidade do narcotráfico, que, como uma grande empresa,

trabalha ilicitamente para a construção e controle de conexões e redes (fluxos de

pessoas, mercadorias e informações).

As redes de narcotráfico atuais são diferentes dos modelos dos cartéis do

crime organizado ou ainda das máfias. Hoje, “as redes de tráfico de drogas são

altamente descentralizadas” (NAIM, 2006, p. 211). Segundo Naím (2006), a

configuração do narcotráfico em redes permitiu, ainda: o desenvolvimento de uma

rede de abastecimento, uma nova concepção e montagem global de produtos, uma

mudança no papel dos portos de passagem nas rotas de tráfico, e a emergência de

um mercado financeiro ilícito em pleno funcionamento. Para exemplificar vê-se que

“a tática atual do narcotráfico no Brasil e na América Latina parece ser a

descentralização, muitos e pequenos negócios.” (PROCOPIO, 1997, p. 96).

Logo, o tráfico de drogas é apenas mais uma modalidade do crime

organizado que ultrapassa fronteiras. Sendo assim, o foco do estudo não é apenas a

Região Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Inclui também o

Brasil, dando ênfase a região fronteiriça com a maioria desses países, excluindo

apenas o Equador.

O Brasil não é mais considerado apenas uma região de trânsito das drogas. O

País também “processa, importa e exporta vários tipos de drogas” de acordo com as

necessidades de mercado (PROCOPIO, 1997, p. 76). Ademais, o problema do

narcotráfico torna-se ainda mais grave “em virtude da extensão e dificuldade de

acesso às áreas de fronteira, dificultando até mesmo a própria presença do Estado”

(PROCOPIO, 1997, p. 100).

 

 

18

O que a maioria dos autores estudiosos do narcotráfico propõe, mesmo que

de forma indireta, é olhá-lo além de sua caracterização criminosa. Ou seja,

considerar sua configuração empresarial. Alguns autores consideram o narcotráfico

como uma “empresa transnacional dedicada ao tráfico de drogas ilegais, que não

paga impostos e gera os maiores lucros” (SANTANA, 1999, p. 101).

O narcotráfico possui uma logística de mercado5 assim como em uma

empresa comum. A logística prioriza o desenvolvimento tecnológico para otimização

dos objetivos da empresa. Com o narcotráfico ocorre algo semelhante. Sua

produção e tráfico serão destinados a um local onde o narcotraficante sabe que

existe mercado consumidor. Ademais, no que concerne a distribuição do produto, o

narcotráfico possui diferentes rotas de trânsito de uma natureza facilmente mutável e

rápida (PROCOPIO, 1999).

Tal como os procedimentos de uma empresa comum, o narcotráfico possui

uma administração da cadeia de suprimentos envolvendo a compra de materiais

para o processamento das drogas, sua conversão em produto final e posteriormente

sua entrega ao consumidor final. Porém, existe um fator que dificulta medir

precisamente o impacto do narcotráfico na economia mundial: sua interligação com

o comércio lícito. As estruturas do narcotráfico e sua operação respondem tanto a

estímulos de mercado, em sua dimensão transnacional e global, como a fatores e circunstâncias de ordem doméstica e mesmo local que definem o modo de inserção de um país no contexto do narcotráfico internacional e as condições específicas de seu funcionamento (PROCOPIO; SANTANA, 1999, p. 100).

No início da década de oitenta, por exemplo, “o narcotráfico figurava como o

empreendimento transnacional mais destacado dos países da América Latina.”

(SANTANA, 1999, p. 99) E hoje, já no século XXI, a região “figura de maneira

destacada na divisão internacional de cultivos e produtos ligados ao tráfico de

drogas ilegais” (SANTANA, 1999, p. 101).

Na visão de Adalberto Santana (1999), a globalização contribui para o

aprofundamento do crime organizado. “A globalização é, em um só tempo,

                                                            5 Segundo Philip Kotler (2004), logística de mercado consiste em um planejamento, implementação e controle dos fluxos de materiais e bens finais, dos pontos de origem aos pontos de uso para atender as exigências do consumidos.

 

 

19

includente e excludente, ou, se se prefere, marca e aprofunda diferenças sociais.”

(SANTANA, 1999, p.103)

Ainda segundo Santana (1999), quanto ao posicionamento estadunidense

frente à problemática, tem-se que o narcotráfico ganha destaque no momento em

que não se tem outra potência militarmente emergente. A esse fator agrega-se a

entrada de milhares de imigrantes ilegais procedentes da América Latina e de outras

regiões periféricas do mundo. Diante dessas proposições, associam-se “drogas e

imigrantes ilegais como duas ameaças que enfrenta o mundo ocidental frente à

periferia.” (SANTANA, 1999, p. 104)

Por outro lado, os atentados de 11 de setembro de 2001 ao World Trade

Center (WTC) mudaram as prioridades norte-americanas no que concerne a

manutenção da integridade e segurança de seu território, levando o combate ao

narcotráfico a segundo plano (NAIM, 2006).

O discurso norte-americano em relação à problemática que atinge tanto seu

país quanto aos países sul-americanos mantêm-se linear ao longo dos anos. Os

Estados Unidos partem da premissa de que o narcotráfico é uma ameaça que vem

de fora. Nessa ótica, seu tratamento ao problema se dirige a combater

narcotraficantes e produtores de drogas (SANTANA, 1999, p. 106). Ou seja, “para

eliminar o consumo há que se começar por eliminar a oferta” (DEL OLMO, 1994, p.

127). No entanto, onde há demanda há oferta. “O consumo dos grandes mercados,

como o dos Estados Unidos, é um fenômeno que impacta de forma direta o

crescimento do narcotráfico latino-americano” (SANTANA, 1999, p. 106).

Para ilustrar a complexidade do problema tem-se ainda que “mais de 2

milhões de pessoas, segundo o PNUD, estão diretamente empregadas na produção

e no comércio das drogas, o que contribui em grande medida para as economias

das nações que as produzem.” (SANTANA, 1999, p. 107) No caso boliviano, por

exemplo, grande parte da população pobre dedica-se ao cultivo da folha de coca. A

erradicação desse bem geraria um impacto econômico e social em proporções muito

grandes.

Em 1978 havia no Chapare (Bolívia) 15.000 famílias dependentes do cultivo da coca, que em 1986 aumentariam para 70.000, o que teria permitido que na região do Chapare ficassem concentrados 85% da população camponesa dedicada ao cultivo de coca para o narcotráfico (DUPAS, 2005, p. 157).

 

 

20

Para enfrentar o problema, uma das diretrizes adotadas é a prática de

substituição de cultura, que visa erradicar plantações ilícitas para posteriormente

substituí-la por algum bem lícito. Segundo Naim (2006, p. 216), a dificuldade de se

alcançar resultados é que o capital destinado a esse tipo de programa nem sempre é

suficiente, portanto, não proporcionando às famílias que cultivam precursores de

drogas ilícitas o mesmo retorno financeiro. Além disso, “uma política de erradicação

completa conduziria a uma desestabilização crítica das bases econômicas de

sobrevivência das populações andinas” (DUPAS, 2005, p. 158).

No entanto, no que concerne a linha de visão norte-americana sobre o

problema há que se lembrar que quando Ronald Reagan lança sua cruzada anti-

drogas, a cocaína era proveniente principalmente da América Latina, esta sendo

responsável por cultivar, processar e transportar a droga (DEL OLMO, 1994, p. 128).

Esse motivo levou o presidente norte-americano a priorizar sua política de ataque a

oferta de drogas, dando inclusive ajuda financeira para programas de erradicação do

cultivo e oferta (DEL OLMO, 1994, p. 128).

Em contrapartida, a globalização trouxe consigo a facilidade de acesso a bens

e novas tecnologias. Assim, a produção de drogas também é algo globalizado.

Quando há demanda, mas há dificuldades impostas por políticas de supressão às

drogas, alguns países, antes apenas considerados como rotas de trânsito começam

a produzir para consumo interno próprio. Como é o caso da produção de maconha

nos Estados Unidos, que tem 50 por cento de seu montante destinado ao consumo

local (SANTANA, 1999, p. 108).

Segundo Naim (2006), a culpa do embate entre governo e traficantes não é

necessariamente apenas da globalização. O fato é que as agências do governo

encarregadas de combater as organizações criminosas internacionais são

burocracias. Essas “burocracias públicas tendem, em toda parte, a exibir certos

padrões previsíveis” (NAIM, 2006, p. 215). As burocracias governamentais tendem a

ter orçamentos direcionados, limitações políticas e legais, e, por fim, dificuldades

para operar de forma efetiva fora de suas fronteiras (NAIM, 2006, p. 216).

Por outro lado, as redes narcotraficantes podem agir aonde as burocracias

nem sempre tem alcance imediato. Ademais, as redes de tráfico detêm um alcance à

tecnologia que consiste em um dos fatores primordiais para o desenvolvimento de

suas atividades. Nota-se, portanto, que as mudanças no sistema internacional

sugerem uma modificação das linhas de ação contra a problemática.

 

 

21

Governos ainda insistem em combater prioritariamente a oferta das drogas.

Para eles, tomar medidas de proteção nas fronteiras nacionais contra invasores

estrangeiros é uma resposta mais rápida ao problema do que aplicar esforços para

dissuadir os cidadãos de consumir os produtos ou contratar os serviços (NAIM,

2006, p. 220). Além disso, contenção da demanda exige esforços complexos e

implicações políticas. No entanto, o principal objetivo do narcotráfico é o lucro. Logo,

se não há demanda, não há lucro, prejudicando o poder da oferta (NAIM, 2006, p.

220).

Nesse contexto, é interessante notar que os países andinos e até mesmo o

Brasil têm suas políticas de repressão as drogas muito influenciadas pelos Estados

Unidos. O fato é que, mesmo atualmente, existe ainda um alto grau de dependência das organizações multilaterais, tanto de alcance global como regional, e dos próprios países individualmente em relação à ajuda dos Estados Unidos para implementação de suas respectivas estratégias de combate ao narcotráfico (PROCOPIO, 1997, p. 101).

Mesmo temerosos e descontentes com a influência norte-americana em seu

território e formulação de suas políticas, “os países andinos, principais produtores de

coca, foram alvo preferencial de ações norte-americanas destinadas a reduzir a

produção, inclusive com o envolvimento direto de efetivos militares” (PROCOPIO,

1997, p. 102).

A postura norte-americana reitera mais uma vez o que já foi dito acima: “foi no

plano externo, e mais especificamente na repressão à produção e ao tráfico

internacional de drogas, que a política norte-americana se desenvolveu com mais

vigor” (PROCOPIO, 1997, p. 103).

À medida que a política antidrogas norte-americana direciona-se e

penaliza não somente os agentes e ao objeto do narcotráfico, também atinge governos e sociedades que podem ver-se privadas da assistência e da possibilidade de aceder a recursos de organismos financeiros internacionais necessários para a promoção de alternativas e de projetos de desenvolvimento que podem direta ou indiretamente auxiliar no enfrentamento à produção, ao tráfico e à produção de drogas ilícitas (PROCOPIO, 1997, p. 110).

Sendo o narcotráfico fenômeno transnacional, um país não conseguirá

individualmente combater o problema. Segundo Procópio (1997), faz-se

imprescindível os esforços de cooperação entre os países a partir de pontos

 

 

22

consensuais. A questão é que cada governo lidará de uma forma diferente com o

problema. Por esse motivo, eliminar divergências entre Estados Unidos e demais

países sul-americanos seria perda de dinheiro e tempo. Enquanto isso, as redes

narcotraficantes continuam a agir através das brechas deixadas pelos governos.

A política norte-americana faz ainda com que o enfrentamento às redes

narcotraficantes se dê de forma armada, tanto em centros urbanos como nos

campos, comprometendo ainda mais a segurança da região. O ideal seria que o

narcotráfico fosse considerado não apenas como uma atividade criminosa, mas

também como um problema de grandes impactos sociais, econômicos e políticos,

estendendo o foco de ação das políticas de repressão e erradicação ao tráfico de

ilícitos da oferta para a demanda.

 

 

23

2.2 Marco teórico

As diferentes etapas do narcotráfico vêm impactando crescentemente os

setores econômicos, políticos e sociais de países sul-americanos. Diante da

percepção do alcance que esta modalidade de crime organizado apresenta nas

relações internacionais contemporâneas, serão utilizadas as seguintes teorias para

análise do problema: teorias neo-liberais que dão atenção à atuação de agentes

transnacionais capazes de influenciar a política externa e interna das nações; teorias

realistas, com vistas a demonstrar a abordagem utilizada anteriormente às teorias

neo-liberais e que enfatiza a abordagem estato-cêntrica, ou seja, teoria que

considera o Estado como principal ator do sistema internacional.

Em suma, para o desenvolvimento desse marco teórico as teorias neo-liberais

serão expostas e confrontadas com a abordagem realista.

Um dos representantes da teoria estato-cêntrica a ser utilizado para o

desenvolvimento desse trabalho será Raymond Aron.

Aron (1967) considera o Estado como principal ator das relações

internacionais. Para ele, o Estado escolhe unidades políticas relevantes para

atuarem nas relações internacionais. Tais unidades, que mantêm relações regulares

entre si, constituem o sistema internacional.

Na perspectiva realista, o Estado atua como principal ator influenciador do

respectivo sistema, tendo grande peso no andamento das relações internacionais.

Além disso, as grandes potências, ou atores principais, “nunca se sentem

submetidos ao sistema do mesmo modo como uma empresa de dimensão média

está sujeita às leis do mercado” (ARON, 1967, p. 154). O que quer dizer que o

Estado possui autonomia de ação. E quanto mais poder tiver, mais alcance suas

ações terão em âmbito internacional.

Segundo Aron (1967, p. 154):

A estrutura dos sistemas internacionais é sempre oligopolística. Os

atores principais determinam, em cada época, como deve ser o sistema, muito mais do que são determinados por ele. Basta uma transformação do regime dentro de uma das potências principais para que mude o estilo e até mesmo o rumo das relações internacionais. [grifo do autor]

Vê-se que ainda nos anos 1960 o debate em torno das relações

internacionais estava pautado na atuação do Estado. Ademais, segundo a lógica

 

 

24

realista, as adversidades que poderiam causar desestabilidade no sistema seriam,

por sua vez, determinadas por embates na configuração de forças entre os Estados

(ARON, 1967).

Como já citado nesse trabalho, a dissolução da URSS contribuiu para

evidenciar a mudança da perspectiva do alcance da influência estatal. Já não havia

mais uma iminência de guerra entre duas potências. Os Estados Unidos, por sua

vez, detinham e ainda detêm grande poder econômico, político e militar. No entanto,

mesmo com o fim do conflito bipolar, não são os únicos atores capazes de

influenciar o sistema. Essa perspectiva chama atenção pela presença do

narcotráfico no sistema mundial, trabalhando paralelamente ao Estado, e, portanto,

indicando que a desestabilidade do sistema não é alcançada por embates apenas

entre países, mas também por forças externas a eles.

Portanto, a abordagem estato-cêntrica começa a ser confrontada. Na

definição de Aron (1967, p. 157), “a ambição dos grandes Estados é modelar a

conjuntura; a dos pequenos, adaptarem-se a uma conjuntura que essencialmente

não depende deles”. No entanto, o aumento de regimes, acordos, convenções que

visam à resolução de problemas que interessam a “sociedade transnacional”

(ARON, 1967, p. 168) e que também dizem respeitos ao sistema internacional; a

importância do sistema financeiro internacional funcionando em rede; a presença do

narcotráfico em suas diferentes etapas em vários pontos do globo; todas essas

características citadas evidenciam que não depende mais de uma única grande

potência modelar a conjuntura internacional.

Em contrapartida, na década de 1970, Keohane e Nye começam a trabalhar

em uma nova teoria que evidenciaria então a relevância dos agentes transnacionais

nas políticas internas e externas das nações (OLIVEIRA, 2007, p. 10). Contudo, a

abordagem neo-liberal proposta por Nye e Keohane não descarta a relevância

estatal nas relações internacionais. Os autores apenas acrescentam a importância

de agentes transnacionais e dos agentes intragovernamentais na formulação das

políticas de estado e configuração do sistema internacional.

O que prova a importância das relações transnacionais já na década de 1970

(linha de pensamento defendida pelos neo-liberais) é que os Estados utilizavam-se

cada vez mais de foros de organismos internacionais para solucionar e prevenir

controvérsias (OLIVEIRA, 2007, p. 11), reafirmando assim, as teorias neoliberais.

Ademais, segundo Pecequilo (2004, p. 208), atualmente

 

 

25

os cartéis de drogas tendem a crescer diante do vácuo de poder e crise socioeconômica que atingem as nações [...] O caso colombiano, no qual o Estado oficial controla apenas 1/3 de seu território soberano, é exemplar da perda de ação de um governo diante de narcotraficantes e guerrilhas.

Diante dessa perspectiva, observa-se que o crime ascende também onde há

ausência estatal. A teoria realista trataria a problemática considerando o crime

organizado como problema de segurança estatal que apenas seria sanado após

medidas repressoras aplicadas pelo Estado. No entanto, o caráter transnacional do

crime organizado sugere que o tratamento do problema cabe não só a uma, mas a

mais nações em conjunto.

Ademais, a teoria neo-liberal defende a importância das organizações

políticas modernas para o progresso da sociedade internacional, além de trabalhar a

ideia de que as sociedades se auto-regulam por meio de instituições e processos

inerentes a sua organização (NOGUEIRA, 2005, p.60).

As idéias neo-liberais, assim como as realistas, também consideram o

sistema internacional anárquico e conflituoso (NOGUEIRA, 2005, p. 61). No entanto,

a linha de pensamento neo-liberal trabalha a idéia da possibilidade de se amenizar

essa característica conflituosa, aumentando, consequentemente, a cooperação entre

países e instituições (NOGUEIRA, 2005, p. 62). Já os realistas acreditam que a

cooperação entre Estados é dificultada pela natureza insegura do sistema

internacional, bem como, pelo receio de que a cooperação acordada não seja

respeitada (HERZ; HOFFMANN; 2004, p.49). Sendo assim, diante da lógica realista,

as organizações e regimes internacionais apenas são efetivos quando os atores

mais poderosos do sistema internacional acordam a utilização da cooperação

conjunta para realização de seus objetivos.

Contudo, a intensificação das relações entre países aumentara também a

interdependência entre estes, facilitando a cooperação com a finalidade de obtenção

de seus interesses internos ou de ganhos relativos. Tal fator é explicado pelos neo-

liberais como teoria dos jogos não-cooperativos (HERZ; HOFFMANN; 2004, p. 55).

Nela é indicada a importância das instituições nas relações entre Estados, a fim de

aumentarem a confiança mútua entre eles. Ademais, parte-se da premissa de que

as relações contínuas entre atores egoístas, ou seja, a repetição dos jogos, favorece a cooperação, uma vez que ocorre uma “sombra sobre o futuro”,

 

 

26

ou seja, as ações do presente são influenciadas pela noção de que a interação se repetirá, passando a ser interessante gerar a expectativa de cooperação (HERZ; HOFFMANN, 2004, p.55).

Herz e Hoffmann (2004, p. 55) mostram ainda que, os Estados que tiverem

uma reputação negativa terão dificuldades em serem aceitos como parceiros de

mecanismos de cooperação. Portanto, assim como defende a teoria neo-liberal,

sendo o narcotráfico fenômeno transnacional, para que seja construída uma ordem

internacional mais estável e pacífica é imprescindível a atuação de organizações

e/ou instâncias supranacionais (NOGUEIRA, 2005, p. 67).

A dinâmica das relações internacionais contemporâneas força a existência de

fóruns multilaterais e organismos internacionais que regulem o sistema internacional.

Esse contexto evidencia, como já dito, a interdependência6 entre nações. O

narcotráfico, por exemplo, ultrapassa fronteiras nacionais dificultando a ação dos

Estados. Ou seja, nenhum Estado conseguirá sanar o problema sozinho, pois essa

modalidade de crime organizado tem efeito spill over entre os países onde atua,

estando presentes em todos, contudo em maior intensidade em uns que em outros.

Como exemplifica Nogueira (2005, p. 83), “a interdependência, por tanto, é

uma via de duas mãos: todos os atores envolvidos são atingidos, em maior ou

menor medida, por efeitos de acontecimentos ocorridos fora de suas fronteiras e

decididos por outros governos ou pessoas”.

Keohane e Nye (1977) propõem a idéia de que o advento do papel dos atores

não estatais merece tanta atenção quanto o papel que detinha o Estado na política

mundial. Os autores distinguiram dois tipos de efeitos produzidos pela

interdependência que indicam o grau de envolvimento entre os atores internacionais

(NOGUEIRA, 2005, p. 83). O primeiro efeito é a sensibilidade que indica o quanto

uma ação ocorrida em um país incide, medido em termos de custos, em outro país.

Quanto maior a dependência, maior a sensibilidade (NOGUEIRA, 2005, p. 83). O

segundo é efeito é a vulnerabilidade, que mede o custo das alternativas disponíveis

para fazer frente diante do impacto externo (NOGUEIRA, 2005, p. 84).

A ajuda de custo que o governo norte-americano destina a países como

Colômbia e Bolívia para a repressão ao narcotráfico determina grande porcentagem

da eficácia do combate à problemática nesses países. Esse fator evidencia a

                                                            6 “Interdependência na política mundial refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países” (KEOHANE, NYE, 1989, p.8).

 

 

27

sensibilidade desses países diante do posicionamento estadunidense frente ao

narcotráfico em seus territórios.

A vulnerabilidade apresenta uma perspectiva um pouco diferente, já que ela

se agrava quando são encontradas assimetrias na interdependência (NOGUEIRA,

2005, p. 84). Ou seja, quando o poder de um Estado não é considerado como um

todo, mas sim, são considerados setores específicos dele.

Keohane e Nye (1977) definiram, então, a nova configuração da política

mundial como interdependência complexa, caracterizando-se pela existência de

diferentes canais de comunicação sendo eles organismos internacionais, contatos

informais, diversidade de atores; agenda múltipla de interesses e utilidade

decrescente do uso da força.

O Estado já não pode ser mais considerado como um ator unitário, dentro

dele há grupos de interesses divergentes que também possuem influência no

processo decisório. Logo, a interdependência entre atores do sistema internacional

poderá gerar, por um lado, benefícios, mas também pode ser “fonte de conflitos”

(NOGUEIRA, 2005, p. 87).

Para gerenciar esses possíveis conflitos ocasionados pela interdependência

complexa levanta-se a discussão sobre regimes internacionais, tendo como principal

autor do assunto, Krasner (1982). Os regimes serviriam para regular e resolver

problemas que dependem da cooperação entre Estados.

Segundo Krasner (1982, p.1)

Regimes Internacionais são conjuntos de princípios, normas, regras, procedimentos de processos decisórios, implícitos ou explícitos, em torno dos quais as expectativas dos atores convergem numa dada área das relações internacionais.

Ou ainda, “regimes são arranjos que os Estados constroem para reger as

relações entre os mesmos em uma área específica” (HERZ; HOFFMANN; 2004, p.

19). A formação dos regimes internacionais se deveu ao fato de que, segundo Herz

e Hoffmann (2004, p.19), o multilateralismo, ou seja, a coordenação de relações

entre três ou mais Estados de acordo com um conjunto de princípios, era recorrente

às relações internacionais.

No entanto, os regimes internacionais “não são arranjos neutros e técnicos.

Refletem os interesses de países dominantes do sistema internacional” (OLIVEIRA,

 

 

28

2007, p. 13). Isso quer dizer que, no caso das convenções internacionais que tratam

do Crime Organizado Transnacional e do Narcotráfico, por exemplo, países que

detêm maior poder de influência sobre os demais sempre terão seus interesses

garantidos em maior parte. Contudo, a lógica neo-liberal explica que, mesmo diante

desta perspectiva, as organizações e regimes internacionais se fazem necessários

para alcançar os objetivos do Estado, o que denota a importância da existência de

tais atores para o Sistema Internacional.

Em relação aos países da Região Andina, e mesmo o Brasil, vê-se que os

Estados Unidos têm grande influência no que concerne às políticas de combate e

repressão ao narcotráfico na região. Assim como nos Estados Unidos, são políticas

voltadas para o combate ao narcotraficante e aos produtores de drogas

essencialmente.

A interdependência complexa de Keohane e Nye demonstra, como

supracitado, que essa relação de dependência entre Estados força tanto ao aumento

da cooperação como também incide nas assimetrias entre os mesmos, já que nem

sempre haverá consenso, e os Estados participantes do regime usaram de seu

poder – seja no setor político, econômico, tecnológico, militar – para tentar chegar a

uma resolução que lhes seja favorável.

Conclui-se que o Estado, como demonstrado também pelas teorias neo-

liberais, ainda possui papel de destaque no sistema internacional. Porém, outros

atores ganham cada vez mais influência no poder decisório das relações

internacionais. Villa (2001, p.78), defende a idéia de um “sistema internacional

policêntrico que seria formado por um novo condomínio de poder constituído por

movimentos societais transnacionais e instituições intergovernamentais e

supranacionais”.

Dentro da perspectiva descrita acima o narcotráfico representaria um modelo

de movimento societal transnacional, já que, segundo Villa (2001, p. 65) “sua

especificidade reside antes no funcionamento da sociedade civil cada vez mais

transnacionalizada do que no próprio Estado”.

A proposta de Villa (2001) é redefinir a conceituação de sistema internacional

realizada por Aron que se restringia a definição de relações interestatais propícias a

culminar em uma guerra, acrescentando a essa definição a possibilidade de novos

atores e necessidade de cooperação entre eles para o bom andamento das relações

internacionais.

 

 

29

Em suma, as teorias neo-liberais descrevem o cenário pós-Guerra Fria em

que percepções de novas ameaças à segurança mundial emergem. O termo

globalização passa a ser empregado para caracterizar essa nova etapa das relações

internacionais, remetendo à idéia de mundo interligado e interdependente. No

entanto, embora às ameaças ao novo sistema não fossem mais pautadas apenas na

iminência de um conflito nuclear, outras vertentes ganharam destaque nas agendas

dos países para a política exterior e nacional. O crime organizado, nitidamente

transnacional, e o narcotráfico faziam-se ainda mais presentes na América do Sul,

ocupando lugar de destaque na agenda brasileira, bem como na dos países da

Região Andina.

A configuração das relações internacionais funcionando por meio de redes

(HAESBAERT, 2005) tem que, portanto, considerar as falhas e pontos de ausência

estatal, para que se possa entender como se dá a emergência e ação desse novo

ator transnacional que será tratado no desenvolvimento do presente trabalho: o

narcotráfico.

 

 

30

CAPÍTULO 1

CRIME ORGANIZADO E NARCOTRÁFICO: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL

Ao tratar de qualquer temática relacionada a crime organizado, seja ele

transnacional ou não, é aberto um imenso leque de informações relativas a

guerrilhas, máfias, grupos terroristas, narcotraficantes. Logo, tais grupos, apesar de

manterem semelhanças entre si, não consistem em um mesmo fenômeno. Portanto,

dedicaremos as próximas linhas deste estudo à diferenciação entre esses termos a

fim de delimitar melhor o que vem a ser o narcotráfico. Aplicaremos esses conceitos

prioritariamente à América do Sul.

1.1 O crime organizado e suas peculiaridades

O crime organizado ainda não possui uma definição absoluta devido à

peculiaridade de cada uma de suas ações. Portanto, para melhor compreendê-lo,

faz-se necessário identificar algumas de suas principais características. Um dos

principais pontos do crime organizado atualmente é sua configuração empresarial.

Ou seja, os narcotraficantes, lavadores de dinheiro, traficantes de armas, ou

qualquer outro que pratique ações similares têm como principal objetivo, como já

anteriormente citado, o lucro.

No entanto, para compreensão desse trabalho será utilizada a definição de

grupo criminoso organizado utilizado pela Convenção das Nações Unidas contra o

Crime Organizado Transnacional, que segue

é um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas nesta Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

Atualmente, o crime organizado tem grande habilidade de adaptação e utiliza-

se das vantagens tecnológicas produzidas pela globalização em suas atividades.

Para fins de exemplificação, lembramos que uma droga como a cocaína necessita

de, pelo menos, 51 produtos químicos para sua fabricação (MONTOYA, 2007, p.

 

 

31

105). Nesse caso, quanto menos barreiras tarifárias existirem nas relações entre

dois países e quanto mais contatos uma organização criminosa tiver, mais fácil é o

intercâmbio de substâncias essenciais para o refino da pasta da coca.

Montoya (2007, p. 67) delineia acerca de seis pontos em comum encontrados

em grupos que praticam o crime organizado. A primeira característica diz respeito ao

alto padrão de organização do referido grupo criminoso.

O segundo ponto mostra a capacidade dos integrantes da organização de

oferecerem serviços ilícitos como drogas e bens falsificados e, posteriormente,

aplicarem o dinheiro adquirido de modo não legal em atividades lícitas.

Todo dinheiro adquirido de modo ilícito necessita ser lavado7. Segundo o

Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), esse crime consiste em se

aplicar o dinheiro sujo na economia legal, por meio de três etapas.

Na primeira etapa é feita a colocação do dinheiro na economia lícita. Objetiva-

se ocultar a origem do mesmo, portanto são feitas movimentações financeiras,

geralmente em países com um sistema financeiro liberal.

A segunda etapa consiste em dificultar o rastreamento desses recursos

ilícitos, movimentando de forma eletrônica em contas anônimas ou realizando

depósitos em contas fantasmas. Por último, o dinheiro ilícito é, de fato, incorporado

no sistema econômico legal. São feitos investimentos em atividades lícitas o que

facilita a legitimação do capital.

É curioso lembrar que os lavadores de dinheiro não precisam, ou em geral,

não fazem parte do crime organizado. Eles são pessoas contratadas para trabalhar,

no anonimato, para várias organizações ao mesmo tempo, a fim de maximizar seu

lucro e minimizar os riscos para eles e seus clientes (MONTOYA, 2007, p. 385).

A lavagem de dinheiro é uma das modalidades de crime organizado mais

preocupantes, já que não é utilizada apenas por narcotraficantes, abarcando

também outros grupos criminosos. Não há como mensurar exatamente a quantidade

de dinheiro ilícito presente na economia legal. O fato de várias companhias,

empresas, agências, facilitarem a prática da lavagem de dinheiro é um dos motivos

que mais dificultam o combate ao crime organizado propriamente dito.

                                                            7 O crime da lavagem de dinheiro é regulamentado no Brasil pela Lei de Lavagem de Dinheiro, ou Lei nº 10.467, de 11 jun. 2009, disponível no sítio do Ministério da Fazenda.

 

 

32

Devido à necessidade da lavagem de dinheiro, as atividades do crime

organizado estão quase sempre entranhadas em serviços e bens legais. Esse fator

gera mais capital do que o próprio comércio de drogas.

Outro ponto atribuído ao crime organizado é o uso da violência para se

alcançar os objetivos da organização de forma mais rápida e lucrativa. Como

Tokatlian (1999, p. 170) demonstra, a violência não é exclusivamente utilizada pela

organização criminosa. O crime organizado cria suas raízes através da persuasão,

e, muitas vezes, a utilização da força e de métodos violentos faz-se necessários

para que os interesses da organização sejam aceitos e para que a mesma seja

reconhecida ou temida pela população.

As demais características do crime organizado citadas por Montoya e que

mais dificultam o seu combate é a corrupção do aparato governamental, da força

policial e do poder judiciário do Estado. Além disso, há que se lembrar as relações

que grupos criminosos tentam manter com pessoas econômica e politicamente

influentes.

Nota-se, também, a capacidade das organizações criminosas em atuarem

exatamente onde o Estado mostra ineficiência ou ausência. Diante das

características descritas acima, percebe-se que o poder que detém uma organização

está ligado ao montante de dinheiro que a mesma possui. Quanto mais dinheiro,

mais possibilidades de intimidação, persuasão e corrupção vão existir.

Além do exposto, é importante lembrar que a não definição absoluta do que

seja crime organizado compromete a ação do Poder Judiciário no que concerne ao

seu combate. Mesmo possuindo características específicas, ainda não há como

enquadrar juridicamente uma organização criminosa que tenha praticado tal ato

ilícito. Mesmo que o primeiro tratamento ao problema seja criminal, há dificuldade de

enquadramento de quem deve ser punido ou não.

Tokatlian (1999, p. 169) descreve o crime organizado como

crime de caráter integral, que está adquirindo dimensões globais (em âmbito geográfico), transnacionais (em âmbito étnico-cultural), multiformes (nos acordos que forja com setores políticos sociais) e pluriprodutivas (em relação à gama de produtos que negocia e aos distintos níveis de participação, isto é, produção, intermediação e venda, etc.)

A mobilidade do crime organizado confere a este característica de transição,

já que o mesmo tende a se expandir e mudar de configuração sempre que

 

 

33

necessário, ramificando-se entre a política, a economia e a sociedade. Sua inserção

na sociedade faz com que esta seja “vítima de suas demonstrações violentas de

força e beneficiária dos bens que o mesmo a provê” (TOKATLIAN, 1999, p. 1690).

Portanto, o crime organizado não trabalha contra o Estado. Pelo contrário,

está inserido nele por meio da economia, da influência política, dos empregos

informais que provê. O Estado torna-se funcional ao desenvolvimento do crime

organizado.

Tais pontos elucidados acima explicam como o crime organizado ramifica-se

entre os Estados e a economia global, configurando-se em redes criminosas a

serem abordadas no item 1.2 deste capítulo.

1.2 Organizações criminosas em rede

As organizações criminosas atuais tendem a se organizar em rede para

facilitar seus negócios, bem como para a troca de informações, insumos básicos e

recursos financeiros entre elas. Para uma melhor compreensão de como acontecem

esses processos, faz-se necessário entender como funcionam tais redes.

Segundo Oliveira (2007, p.17), as redes possuem três estruturas mais

comuns que seguem: em linha ou cadeia (chain network), em estrela (star or hub

network) e em interconexão (all channel network). “São também comuns formas

híbridas de redes que contam com estruturas mais ou menos hierarquizadas”

(OLIVEIRA, 2007, p. 17).

As redes demonstram como é dividido o poder dentro da organização e como

são feitas as relações entre essas células de poder. Ademais, indicam se há

envolvimento ou não com outras redes criminosas.

Em suma, a rede em linha indica que tanto produtos, capital ou informações

passam por todos os pólos da organização. Já as redes em forma de estrela

correspondem a grupos ligados a um poder central, como ocorria nos cartéis, que

possuíam estruturas hierarquizadas e todos os demais pólos de comando que

detinham encontravam-se ligados a uma chefia central. Por fim, as redes

interconectadas indicam que todos os pólos estão conectados entre si, a fim de

facilitar a permuta de produtos e informações.

A organização definirá se terá ou não uma liderança principal. Em caso

negativo, muitas vezes o poder principal é subdividido em diversas lideranças

 

 

34

menores, ou em um núcleo central e periferias (OLIVEIRA, 2007, p.24). Esse fator

confere à organização o poder de reestruturar-se rapidamente em caso de alguma

desarticulação provocada por motivo adverso. A organização ainda poderá ter vários

nódulos da rede desempenhando uma mesma função, o que também permitirá uma

reorganização rápida de partes danificadas desta rede criminosa (OLIVEIRA, 2007,

p.26).

As redes criminosas costumam organizar-se em forma híbrida de estrelas e

cadeias (OLIVEIRA, 2007, p. 21). Além disso, ganham vantagem em relação às

estruturas hierarquizadas como os Estados, por serem flexíveis, ou seja, se adaptam

a diferentes situações e se relacionam com outros grupos criminosos caso seja

necessário para a organização, além de possibilitarem um grande fluxo de

informações e bens facilitados. Contudo, percebe-se que esses fluxos dependerão

de uma série de fatores, como a eficácia da organização e a capacidade operativa

de seus membros.

Por fim, vale ressaltar que a conformação de redes criminosas objetiva

principalmente o ganho de lucros financeiros. Tendo em vista que essa configuração

de crime organizado ganha maior desenvoltura nas últimas duas décadas, é

pertinente associá-la ao capitalismo. Como Tokatlian (1999, p.168) explicita, os

conflitos sociais, os incentivos materiais e as práticas políticas que fazem parte do

modelo capitalista correspondem ao cenário em que se manifesta a criminalidade

organizada. Ou seja, a estrutura capitalista é utilizada para um maior florescimento

dos diferentes tipos de crime organizado.

1.3 Máfias e Crime Organizado

Apesar de alguns autores tratarem esses dois conceitos de forma

indiferenciada, máfia e crime organizado possuem características próprias.

As máfias, independente de ser a Cosa Nostra, a Yakuza japonesa ou ainda

as máfias russas, todas elas possuem pontos em comum, sendo eles: o valor da

família, o sentido da honra, a cultura da morte, a relação com o Estado e com o

 

 

35

poder, o mito fundante, a utilização da violência e, por fim, a sua estrutura e

organização8.

O papel central da família refere-se não somente à família de sangue, como

também aos demais membros da organização. Juntos, eles se estabelecem em

determinado território, onde seus negócios serão realizados e sua autoridade

determinada.

O sentido da honra se deve às regras que o mafioso terá que seguir para

fazer jus ao termo homem de honra. Dentre elas está o respeito à organização. Isso

exige que o mafioso mate e se cale se for necessário. A cultura da morte e a

utilização da violência estão relacionadas ao sentido da honra à medida que matar

irá conferir prestígio e confiança ao mafioso que realizar esse ato, e a utilização da

violência poderá angariar influência em três grandes setores, sendo eles: “a polícia,

a justiça e os altos escalões da administração” (MONTOYA, 2007, p.2).

O poder e a relação com o Estado é uma das características que também é

encontrada em outros grupos de crime organizado, tais como os narcotraficantes.

Montoya (2007, p.2) descreve máfia como uma “organização paralela ao Estado que

tenta aproveitar as distorções do desenvolvimento econômico para trabalhar na

ilegalidade”.

O mito fundante é a história da organização propriamente dita. Ele guiará os

preceitos da inserção de um novo membro na organização mafiosa. Toda máfia

possui uma iniciação que representará a passagem do novo membro de um Estado

para o outro. Ou seja, ele estará criando um vínculo com a entidade mafiosa,

devendo agir de acordo com o código de conduta que lhe for passado. Além disso,

uma vez iniciado, não há possibilidade de voltar atrás.

A partir dessas características vê-se que máfia é

uma empresa criminosa com fins lucrativos, cujos membros são recrutados por meio da iniciação ou da captação, que recorre à corrupção, à influência e à violência para obter o silêncio e a obediência de seus membros, e daqueles que não o são, para atingir seus objetivos econômicos e garantir os meios para atuar, e que possui, na maioria das vezes, uma história e uma forte implantação sociocultural local, desenvolvendo suas atividades em escala internacional (MONTOYA, 2007, p.3).

                                                            8 As características atribuídas às máfias apresentadas neste capítulo foram tiradas do livro “Máfia e Crime Organizado” de Mário Daniel Montoya.

 

 

36

Além disso, as máfias possuem uma estrutura hierárquica9 e unitária. O que

não as impede de manterem vínculos entre si, e/ou com outros grupos criminosos. A

internacionalização das máfias se deu de forma concreta quando essas

organizações decidiram entrar no tráfico de drogas, nos anos 70 (MONTOYA, p.8).

Para tal, foi necessário manter vínculos com outros grupos também poderosos em

outras partes do mundo. Por conseqüência, nos anos 80, as máfias intensificam os

procedimentos de lavagem de dinheiro e o envolvimento em outras atividades

ilegais, como o tráfico de armas e cigarro.

Assim como os grupos criminosos narcotraficantes, o objetivo principal das

máfias é o lucro. Portanto, suas atividades giram em torno de uma mesma

finalidade. Ambas as organizações agem quando há um vácuo de ação estatal, seja

ele policial, judicial ou econômico. Isso faz com que, muitas vezes, a população

aprove e defenda as ações de mafiosos ou narcotraficantes, visto que os mesmos

proveram a população de recursos básicos que o Estado não lhes proporcionou.

Apesar das semelhanças com o crime organizado, de sua capacidade de

também se envolver em diferentes atividades ilícitas e estar presente em distintos

lugares ao mesmo tempo, a máfia, no entanto, apresenta características próprias,

como os valores da honra, da cultura da morte, do respeito à organização para

ascensão dentro da própria máfia.

Veremos que os grupos narcotraficantes atuantes na Região Andina a partir

da década de 90 possuem caráter menos estrutural e mais segregado.

1.4 Terrorismo e Crime Organizado

Ainda não há definição absoluta para o que seja terrorismo. Cada país ou

órgão possui sua própria definição de acordo com seus interesses. No caso

brasileiro, temos uma definição elaborada pela Comissão de Relações Exteriores e

Defesa Nacional (Creden) que classifica o terrorismo como

                                                            9 Segundo Montoya (2007, p. 5), dentre os integrantes da máfia tem-se: o chefe, aquele que possui a palavra final em todas as decisões; o conselheiro, pessoa de confiança do chefe; o vice-chefe, que substituirá o chefe caso necessário; os capos, administradores de nível médio; soldados, que mantêm contato com os capos e operam determinados negócios; a Comissão, que agrupa os mais poderosos chefes da máfia em um corpo central; os operadores, que correspondem aos representantes da família encarregados de castigar os traidores.

 

 

37

todo ato com motivação política ou religiosa, que emprega força ou violência física ou psicológica, para infundir terror, intimidando ou coagindo as instituições nacionais, a população ou um segmento da sociedade. (Revista Brasileira de Inteligência, p. 14).

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) segue também a linha de

pensamento elaborada pela Creden, considerando terrorismo como

Ato de devastar, saquear, explodir bombas, sequestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens, por indivíduos ou grupos, com emprego da força ou violência, física ou psicológica, por motivo de facciosismo político, religioso, étnico/ racial ou ideológico, para infundir terror com o propósito de intimidar ou coagir um governo, a população civil ou um segmento da sociedade, a fim de alcançar objetivos políticos ou sociais. (Revista Brasileira de Inteligência, p. 14).

Há autores que trabalham a idéia de que grupos terroristas estão

abandonando o caráter puramente ideológico e anti-governamental de suas ações, a

fim de se envolverem em atividades financeiras. Nesse caso, a prática do terrorismo

passa a ser um recurso para se atingir algo que se deseja e que pode ou não ter um

fim político ou social.

Para fins desse estudo, vê-se, portanto, que os grupos narcotraficantes ou

que praticam outro tipo de crime organizado podem envolver-se com atividades

terroristas. No entanto, a finalidade de suas ações almeja tanto um maior alcance de

poder, como consequentemente o lucro.

As correlações entre terrorismo e crime organizado se dão pelo fato de o

último ter como uma de suas características o uso da violência. No entanto, o

terrorismo empregado por organizações que praticam alguma vertente do crime

organizado não possui fim ideológico. Pelo contrário, essas organizações possuem

“uma visão simples, prática, utilitária da realidade e de como aproveitá-la para

melhorar e elevar sua inserção política, sua legitimidade social e sua gravitação

econômica. A ideologia pouco, ou nada, importa” (TOKATLIAN, 1999, p. 171).

Diferentemente dos cartéis colombianos dos anos 1980, as atuais redes

narcotraficantes possuem outra configuração. O poder não se encontra concentrado

em um único indivíduo, e as atividades do grupo são divididas em diferentes etapas,

gerando um caráter descentralizado para grupos traficantes.

 

 

38

Não havendo monopólio quanto à produção, refino e distribuição das drogas,

os grupos narcotraficantes acabam se relacionando com outros grupos. Daí as

possíveis correlações entre máfias e grupos terroristas com os traficantes de ilícitos.

Fica claro, então, que a relação entre terrorismo e narcotráfico estudada neste

trabalho diz respeito às formas de violência utilizadas por narcotraficantes para

coagir, intimidar e/ou corromper outrem, gerando assim perigo a ordem pública.

Logo, atores que praticam comércio ilícito de bens, como o caso do tráfico de

drogas, muitas vezes recorrem a estratégias terroristas como uma maneira de

alcançarem suas finalidades.

Classificar um grupo como terrorista torna-se complexo, pois dependerá da

legislação vigente em cada país. Há necessidade de cooperação jurídica entre

diferentes países, a fim de que possa haver um combate efetivo ao crime

organizado, bem como de seus vínculos terroristas.

2. O Narcotráfico

O tráfico de drogas é uma das modalidades do crime organizado mais

desenvolvidas. É subdividido em diversas etapas, e, com a globalização, suas

atividades tornam-se cada vez mais eficazes devido à tecnologia. O comércio de

drogas ilícitas está quase sempre entranhado em outra atividade do crime

organizado, tal como o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro, ou o contrabando

de outro bem, tornando-o ainda maior e mais difícil de ser combatido.

A estrutura do narcotráfico a partir dos anos 90 difere da dos cartéis e das

máfias. Sua operacionalidade é dividida em etapas, sendo elas: a produção, o

processamento, o trânsito do produto, a sua comercialização e, por fim, a lavagem

de dinheiro (PROCOPIO, 1997, p. 57). Ademais, para que sejam realizados todos os

processos, os grupos criminosos devem possuir uma característica básica:

flexibilidade. Eles devem estar aptos a se rearticularem sempre que necessário,

respondendo às tentativas de repressão ao narcotráfico, ou mesmo, a demanda

crescente por determinado tipo de droga.

Segundo Procópio (1997, p.24), a logística da estrutura produtiva do

narcotráfico passou por um processo de descentralização. Ou seja, o grupo

criminoso subdivide-se, tendo mais de um grupo de comando, localizados em locais

diferentes.

 

 

39

Diferentemente das máfias e grupos terroristas, o narcotráfico na maioria das

vezes é desprovido de caráter ideológico. Seu objetivo principal é sempre vinculado

à obtenção de ganhos financeiros. Contudo há exceções como as FARC, na

Colômbia, e o Sendero Luminoso, no Peru. Tais grupos nasceram ainda no

comunismo. Contudo, com a queda da influência comunista, tais grupos

necessitaram envolver-se com outras funções que lhes possibilitassem ganhos

financeiros, tais como o narcotráfico. Portanto, é fácil notar, que mesmo em grupos

que possuam algum tipo de ideologia, o narcotráfico será praticado com vistas a

adquirir capital.

Vê-se que também ocorre mudança nas estratégias de produção e

distribuição da droga. Os traficantes optam pela micro e macrodistribuição. Esse

fator explica o que Procópio (1997, p.24) chama de interiorização da droga, o que

significa que as etapas do tráfico não estão mais concentradas num único lugar, ou

regidas por um único grupo, como acontecia com os cartéis de drogas. Há uma

mudança de foco da produção, distribuição e venda de ilícitos da metrópole para as

pequenas cidades. Isso porque os esforços de repressão ao tráfico de drogas

costumavam concentrar-se principalmente nas grandes cidades e em grandes portos

marítimos.

O narcotráfico possui caráter transnacional, ou seja, suas ações têm alcance

além das fronteiras nacionais, envolvendo mais de um país. Ademais, o caráter

transnacional se deve ao fato de que, muitas vezes, para fabricação de determinada

droga são necessários produtos químicos, que, nesse caso, podem ser importados

de outros países. Ou apenas trafica-se o insumo básico que, mais tarde,

transformar-se-á em um psicoativo ilícito em uma refinaria de outro país.

As redes narcotraficantes são integradas. Possuem uma política de

cooperação entre si (PROCOPIO, 1997, p. 70), característica e necessidade do

mundo globalizado. Para realizar uma atividade como o tráfico de drogas, maior

lucro terá a organização que possuir melhores condições de financiamento do

processo e uma rede de relacionamento maior.

O narcotráfico enquadra-se como nova ameaça à segurança, já que

desestabiliza a ordem, a economia e a população. Ademais, difere do tradicional

pensamento realista das relações internacionais, em que o Estado é o protagonista

principal. Pelo contrário, as consideradas novas ameaças à segurança internacional

 

 

40

são “desprovidas de características típicas do Estado-Nação, tais como território e

população” (MACHADO, p. 2).

2.1 Substâncias psicoativas: a dicotomia entre o lícito e o ilícito

Erroneamente, ao trabalhar assuntos como crime organizado, narcotráfico

e/ou dependências químicas, o termo drogas é muito utilizado para referir-se

somente às substâncias ilícitas traficadas. Denominadas de substâncias psicoativas

ou, apenas, psicoativos, as drogas podem também ser lícitas, como o álcool e o

tabaco. As substâncias psicoativas são produtos que “têm a capacidade de alterar

nosso sistema nervoso central” (OLIVEIRA, 2007, p. 29).

Ademais, seu consumo está presente na história por várias décadas para uso

medicinal, religioso, e conforme foram sendo descoberta outras finalidades, para uso

também recreativo10.

Os governos começaram a regular e proibir o uso de algumas dessas

substâncias ao perceberem a forte dependência que ocasionavam aos seus

usuários, bem como o efeito que sua produção poderia acarretar à economia.

Contudo, a partir dos anos 1980, a produção e o acesso aos psicoativos ilícitos

aumentaram. A forma como cada sociedade encarou a questão da produção, do

consumo e do comércio de drogas foi variada. Quando o consumo e a produção

estão arraigados às questões culturais, é extremamente difícil promover a

erradicação absoluta dessas substâncias. Isso ocorre em países da Região Andina,

como na Bolívia, por exemplo.

Abaixo será mostrada uma breve explicação acerca do histórico e

conseqüências dos principais tipos e espécies de drogas, tendo em vista que muitas

delas são produzidas e comercializadas na região de estudo desse trabalho

                                                            10 A Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) afirma que: “o uso de drogas que alteram o estado mental, chamadas de substâncias psicoativas (SPA), acontece há milhares de anos e muito provavelmente vai acompanhar toda a história da humanidade. Quer seja por razões culturais, ou religiosas, por recreação ou como forma de enfretamento de problemas, para transgredir ou transcender, como meio de socialização ou para se isolar, o homem sempre se relacionou com as SPAs”. Disponível em: http://obid.senad.gov.br/OBID/Portal/index.jsp?idPessoaJuridica=1, último acesso em: 16/09/2009.

 

 

41

monográfico11. Além disso, os dados abaixo também servirão para demonstrar o

objeto de trabalho que utiliza o regime internacional acerca do narcotráfico.

De acordo com a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD)12, as substâncias

psicotrópicas são divididas em três categorias. São elas: as drogas depressoras, as

estimuladoras e as perturbadoras.

2.1.1 As drogas depressoras

Esta categoria de drogas diminui a atividade mental, causando redução da

atividade cerebral. Ademais prejudicam a capacidade de concentração e

memorização do indivíduo, bem como as tensões emocionais. Dentre as drogas

depressoras destacam-se para fins desse trabalho as bebidas alcoólicas, os

tranqüilizantes e barbitúricos e os opiáceos morfínicos.

2.1.1.1 O Álcool

Considerado uma das drogas mais devastadoras da humanidade, não há

convenção ou tratado internacional que regule o uso dessa substância. Seu nome

técnico é Álcool Etílico, classificado como Depressor do Sistema Nervoso Central. É

uma droga legalizada, aceita pela sociedade, e tem seu consumo constantemente

estimulado. Pode provocar danos ao organismo se ingerido em grande quantidade e

levar ao coma alcoólico. Seus efeitos possuem duas fases: uma estimulante e outra

depressiva. É considerado uma droga psicotrópica por causar dependência.

2.1.1.2 Os tranqüilizantes

Muito comercializados no mundo, devem ser ingeridos somente mediante

prescrição médica. Não devem ser misturados ao álcool, nem ingeridos em grandes

                                                            11 As informações sobre drogas psicoativas desse capítulo (salvo quando indicado de outra forma) foram retiradas da “Maçonaria contra as drogas”, Grande Oriente do Brasil, Ed. 2006. e do site da SENAD http://www.senad.gov.br/obid/obid.html, último acesso em 16/09/2009. 12 A SENAD é um órgão de prevenção ao consumo das drogas e está subordinado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.  

 

 

42

quantidades. Caso contrário, podem aumentar o efeito depressor do álcool ou

provocar uma intoxicação grave.

Dentro dessa categoria encontram-se também os barbitúricos. Têm função

sedativa; provocam calma e relaxamento. Se misturado com o álcool, seus efeitos

podem aumentar causando estado de coma no usuário ou dificuldade respiratória.

Causa tolerância no organismo.

2.1.1.3 O ópio, os opiáceos e os opióides

Os opiáceos e opióides são substâncias derivadas do ópio e extraídas da

papoula (Papaver somniferum), as quais também diminuem a atividade do sistema

nervoso central. A princípio, o ópio era utilizado como substância medicinal pelos

sumérios na Mesopotâmia. No século XVIII, o ópio passou a ser um negócio

lucrativo, e com a expansão das rotas comerciais, tomou conta da Europa. Na

década de 90, começou a ser cultivado também na América do Sul, primeiro pela

Colômbia e, posteriormente, estendendo-se pela Venezuela. Do ópio, derivam-se

ainda a morfina, a heroína e a codeína. Causam tolerância e dependência química e

psicológica com maior facilidade.

2.1.2 Drogas estimulantes

Como o próprio nome já diz, possuem efeito estimulante, aumentando a

atividade cerebral, que pode ser seguida por uma fase depressiva. Causam euforia,

bem-estar, mas também provocam irritabilidade e insônia. Nessa categoria

enquadram-se as anfetaminas, a cocaína, a nicotina e a cafeína.

2.1.2.1 As anfetaminas

São drogas sintéticas, elaboradas em laboratórios. Com efeitos estimulantes,

foram muito usadas na Segunda Guerra Mundial, com vistas a evitar a fadiga. Hoje,

é considerada uma droga ilícita, capaz de provocar efeitos danosos no usuário, tais

como sensações de pânico, medo, instabilidade motora, dentre outros. Seu uso é

restrito a necessidades médicas. Nesse caso, é muito utilizado em quadros de

depressão e no tratamento da obesidade.

 

 

43

Dentre as anfetaminas que têm seu consumo cada vez mais freqüente,

principalmente entre freqüentadores de festas de música eletrônica e jovens, está o

ecstasy. Foi criado sem nenhuma finalidade medicinal e declarado ilegal nos anos

80.

2.1.2.2 A Cafeína

Droga permitida e amplamente consumida. Serve como estimulante e inibe o

sono. Aparentemente inofensiva, é parte constituinte de todos os refrigerantes no

Brasil.

2.1.2.3 A Nicotina

A nicotina, contida na planta denominada Nicotiana Tabacum, é, também,

uma substância estimulante que gera alterações no humor e sensação de

relaxamento. Seu consumo data de 1000 a.C.. Causa dependência química e

psicológica e é apontada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como grande

causadora de doenças, tais como câncer, pneumonia, derrame cerebral. Apesar de

ser considerada uma droga lícita, há grande contrabando de cigarros na Tríplice

Fronteira correspondente aos limites de Brasil, Paraguai e Argentina. Na década de

1960, estudos associaram o cigarro a malefícios à saúde humana. Contudo, a

indústria do tabaco só cresceu e seu uso se tornou amplamente difundido pelo

mundo.

2.1.2.4 A cocaína Uma das substâncias de destaque quando se fala em narcotráfico,

principalmente na Região Andina e parte da região amazônica do Brasil, é a

cocaína. Devido a esse fator, serão dadas mais informações acerca desse psicoativo

do que sobre outros nesse capítulo.

Dentre os estimulantes, é considerada a droga mais potente. É extraída das

folhas de uma planta conhecida como arbusto da coca (Erythroxilon coca), muito

encontrada na região dos Andes, principalmente no Peru, Bolívia e Colômbia. A

folha de coca já era consumida pelos índios em seus rituais religiosos, ou para

 

 

44

suprimir o cansaço, a fome e a sede. Descoberta pelos Incas, no Peru, em 2500 –

1800 a.C., era chamada de “planta dos deuses” e foi, também, considerada como

remédio, chegando a ser comercializada para fins medicinais no século XIX.

O refino da coca não é tão simples. Primeiro as folhas de coca são

misturadas com ácido sulfúrico ou querosene, obtendo-se, assim, a pasta base de

coca. Posteriormente é adicionado a essa pasta o éter ou acetona e ácido clorídrico.

Após seca, toda essa mistura transformar-se-á em cloridrato de cocaína, ou seja, o

pó da cocaína pura. Antes de ser comercializada, muitas vezes os narcotraficantes

adicionam outros produtos à cocaína, fazendo com que a mesma perca sua pureza.

Devido a isso, muitos usuários deslocam-se das grandes capitais para comprarem a

coca em seus locais de origem, a fim de conseguirem uma melhor qualidade e um

preço mais baixo.

Da pasta base ou pasta da coca obtém-se a merla. Uma droga agressiva e

muito tóxica, que surge da mistura de folhas da planta de coca, com solventes como

a cal virgem, o querosene e o ácido sulfúrico.

Outro subproduto da cocaína é o crack. Ele surge da mistura da pasta base

da cocaína com o bicarbonato de sódio. Foi desenvolvido nos anos 80 e teve seu

consumo alastrado a partir da década de 90, principalmente entre classes de poder

aquisitivo menor. Contudo, atualmente o consumo dessa droga vem aumentando

também junto à classe média.

A cocaína foi considerada um psicoativo ilícito ainda no século XX devido aos

malefícios que causava à saúde humana. No entanto, em alguns lugares, como no

Peru e Bolívia, seu consumo através do chá da folha de coca, ou, ainda, mascando-

a continua a ser uma prática permitida.

2.1.3 Drogas Perturbadoras São drogas consideradas alucinógenas. Alteram o senso de percepção do

indivíduo e pode levar o sistema nervoso central a funcionar de forma desordenada.

Dentre elas, encontram-se a maconha, o LSD, a mescalina, o cogumelo, a

ayahuasca e os anticolinérgicos.

 

 

45

2.1.3.1 A maconha É o psicoativo ilícito mais consumido do mundo. A maconha é o nome dado a

diferentes espécies da planta Cannabis, dentres elas a Cannabis sativa, a Cannabis

indica e a Cannabis ruderalis. É também conhecida como cânhamo, marijuana ou

diamba.

A maconha é conhecida há mais de 5000 anos, sendo utilizada tanto para fins

medicinais como hedonistas. O consumo da planta foi proibido nos anos 60 no

Ocidente, devido ao aumento de sua utilização visando apenas o prazer e seus

efeitos nocivos para o usuário. Apesar dos efeitos indesejáveis ocasionados pela

maconha, a mesma possui também efeitos medicinais como amenizar a sensação

de náuseas e vômitos produzidos por medicamentos contra o câncer e em pacientes

que sofrem de epilepsia.

A resina extraída das folhas da Cannabis origina outro psicoativo, o haxixe. E

o cruzamento das três espécies de Cannabis já anteriormente citadas, deram

origem, na década de 1960, ao skunk, que possui efeitos mais fortes que o do

próprio cânhamo.

Os efeitos da maconha dependerão de uma substância produzida por ela

mesma denominada tetraidrocanabinol (THC). Quanto maior for a concentração de

THC, maior será a potência da substância. Algumas pessoas sentem sensações de

relaxamento, hilariedade. Já outras ficam trêmulas, sentem angústia e tremor, além

de sofrerem prejuízo da memória e das noções de espaço e tempo. Esses e outros

fatores levam a pessoa a ficar impossibilitada de realizar tarefas como dirigir, ou

outras que precisem de certa atenção.

O uso da maconha, sua produção e comercialização foram proibidas em

alguns países na década de 60. No entanto, alguns outros governos ainda permitem

que a maconha seja consumida em pequenas quantidades. Contudo, sua produção

e comercialização ficam proibidas.

2.1.3.2 O LSD Sua sigla em inglês significa Lysergic Saure Diethylamide, ou ácido lisérgico.

Possui propriedades altamente alucinógenas e não possui nenhuma qualidade

 

 

46

medicinal. Em 1968, foi considerada uma droga ilícita. Seu consumo só não é maior

pelo alto custo dessa droga e pelos efeitos perturbadores que ela causa.

2.1.3.3 O cogumelo, a mescalina e a ayahuasca Substância presente nos Estados Unidos e no México, a mescalina é extraída

de um cacto mexicano denominado Peyote ou mescal. Foi bastante utilizada em

rituais religiosos, assim como a ayahuasca, que era chamada no Peru de “vinho da

vida”.

Já os cogumelos são fungos, com propriedades alucinógenas, antigamente

usados entre os índios na Região Andina. O uso excessivo pode causar efeitos

nocivos ao indivíduo, tais como modificação de humor, efeitos alucinatórios, ou até a

morte, visto que existem alguns tipos de cogumelo venenosos.

O uso de todos é proibido, tendo em vista que os efeitos psicológicos que

produzem são muito perigosos.

2.1.3.4 Os anticolinérgicos São drogas usadas para bloquear as ações de um neurotransmissor

encontrado no sistema nervoso central. Produzem delírios e alucinações,

taquicardia, dificuldade visual e boca seca, principalmente em casos de serem

consumidos juntamente com outras substâncias perturbadoras. Contudo, é o único

psicoativo, dentre as demais substâncias perturbadoras, a ser aceito

internacionalmente pela medicina.

Por fim, vê-se que, independentemente de serem lícitas ou ilícitas, os

diferentes tipos de drogas estão, de alguma forma, comprometendo a saúde

humana, o que gera gastos para os governos e prejuízos na força de trabalho.

Ressalta-se, ainda, o alto consumo de drogas lícitas, que além de provocarem danos

à saúde, também estão relacionados à violência, como é o caso do álcool. No

entanto, drogas como o álcool e o tabaco, por terem o consumo difundido

mundialmente, bem como por possuírem uma indústria com alta margem de lucro,

 

 

47

não interessa às elites sociais a equiparação destes com danos provocados por

drogas ilícitas.

Os dados apontados acima servirão de base para o estudo dos regimes

internacionais sobre psicoativos ilícitos e o entendimento de como a problemática do

narcotráfico se desenvolveu na Região Andina e no Brasil.

 

 

48

CAPÍTULO 2

A CONFIGURAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NA AMÉRICA DO SUL: BRASIL E PAÍSES ANDINOS

A América do Sul, e, particularmente, os países escolhidos para análise desse

trabalho monográfico, são essenciais para o estudo do narcotráfico. A região ganha

importância nas últimas três décadas do século XX, e tem seu papel no tráfico de

drogas acentuado no século XXI. Vários fatores contribuem para tal, dentre eles tem-

se que desta região fazem parte os maiores produtores e exportadores de cocaína

do mundo, sendo eles a Colômbia, o Peru e a Bolívia. Ademais, características como

flexibilidade das redes narcotraficantes, condições geográficas favoráveis ao cultivo

de ilícitos e facilidade de movimentação de bens e pessoas através dos extensos

espaços territoriais são fatores que contribuem para o desenvolvimento desta

modalidade de crime organizado na região.

2.1 Antecedentes históricos: problemática voltada à América do Sul Desde os primeiros registros de expansão de drogas, governos de vários

países do mundo buscam explicações para seu crescente consumo e

comercialização, perpassando a culpa entre minorias étnicas, jovens revolucionários,

pessoas com baixo poder aquisitivo. Foi necessário um aumento considerável de

usuários, bem como os impactos econômicos que essas substâncias psicoativas

trouxeram para que passassem a ser consideradas problemas de segurança

nacional por alguns países.

A partir dessa perspectiva, percebe-se que a questão das drogas ganhou

importância ao longo dos anos de acordo com as prioridades tanto de políticas

externas quando internas de cada país. Portanto, tornar-se ou não problema de

segurança nacional dependia das necessidades governamentais daqueles que

detinham maior poder de influência nas relações internacionais. Nesse caso,

destacam-se os EUA, precursores das políticas de criminalização das drogas ao

longo do século XX.

Em 1909, os EUA foram os responsáveis por convocar, em Xangai, na China,

uma conferência internacional com o propósito de discutir o tráfico de ópio entre as

 

 

49

nações. Já nessa época, demonstrava-se preocupação com a relação entre o ópio e

a segurança interna, bem como, com o aumento do consumo dessa droga por

soldados norte-americanos. O mesmo discurso foi utilizado quando as atenções

voltaram-se à América do Sul.

Em 1961, realizou-se em Genebra, Suíça, conferência internacional que

aprovava a Convenção Única sobre Entorpecentes de 196113 (PROCOPIO, 1999, p.

120). Nela, incluía-se uma lista de entorpecentes, que estariam sujeitos à

fiscalização. Nessa conferência, houve a inclusão do arbusto de coca e de folha de

coca na lista de entorpecentes. Na América do Sul, Peru e Bolívia, historicamente, já

se destacavam no cultivo dessa planta. A Convenção Única de 61, proibindo a

produção e comércio de cocaína, favoreceu a pressão internacional nos países

supracitados.

Na década de 1960, o consumo de alucinógenos como maconha, LSD, haxixe

aumenta consideravelmente nos EUA e na Europa. À época, os principais

fornecedores de tais alucinógenos eram a Jamaica e o México. Fazendo frente ao

narcotráfico continental, os EUA primam por realizar políticas bilaterais de combate

ao problema. Nesse contexto, realizam operações conjuntas com o México,

investindo considerável quantia de dinheiro nesse país, a fim de que se erradicasse

o narcotráfico.

Houve diminuição da oferta dessas drogas por parte do México e da Jamaica.

Contudo, já existiam outros países aptos a produzirem os mesmos tipos de drogas.

Esse último fator já evidenciava que a erradicação de uma parte da oferta não tem

efeitos sobre a demanda. Ao contrário, as políticas de repressão forçavam o

surgimento de novos fornecedores.

Com a diminuição do tráfico no México e Jamaica, a Colômbia passa a ser a

principal fornecedora de maconha para os consumidores norte-americanos, até o

cultivo da marihuana ser, em grande parte, substituído pela plantação de arbustos

de coca. Esse período de transição entre cultivos na Colômbia, e aumento do

narcotráfico na região, é conhecido como boom da cocaína, entre finais da década

de 1970, início dos anos 1980.

                                                            13 A Convenção Única de 1961 entende por tráfico de ilícitos o cultivo ou qualquer tráfico de entorpecentes, contrários a disposição da referida Convenção.

 

 

50

São vários os fatores que facilitaram o amadurecimento do narcotráfico na

região. Oliveira (2007, p.69) destaca

Primeiramente, a existência de organizações, sobretudo na

Colômbia, que já se ocupavam de práticas ilegais (como o tráfico de maconha, pedras preciosas e variados contrabandos). Essas organizações estavam preparadas para o transporte e comercialização das substâncias ilícitas. [...] Outro fator essencial foi o crescente mercado consumidor de cocaína. O mercado se expandiu rapidamente incluindo não só metrópoles estadunidenses, mas também européias e sul-americanas.

Além dos pontos acima, ainda havia na região grande quantidade de mão-de-

obra barata para trabalhar nas primeiras etapas do narcotráfico, plantando e

refinando a droga, por exemplo. Ademais, a Região Andina possuía condições

geográficas, culturais e climáticas ideais para o plantio da folha de coca (OLIVEIRA,

2007, p.70).

Diante de todo esse contexto, foi adotada por parte dos EUA uma política de

enfrentamento bilateral do problema na região sul-americana, buscando, portanto,

estabelecer convênios com os países que abrigavam os principais produtores,

processadores e traficantes de cocaína na região, tais como Peru, Bolívia e

Colômbia. O governo norte-americano, assim como fez com o México, pretendia, por

meio de incentivos financeiros e treinamento das forças armadas e policiais de tais

países, erradicar o cultivo de ilícitos e coibir seu conseqüente tráfico.

Os EUA previam a aplicação de sanções econômicas aos países que não

cumprissem o disposto nas convenções sobre o narcotráfico. E por serem os únicos

cultivadores, processadores e produtores de cocaína, os países da Região Andina

tornaram-se mais visados pela política exterior estadunidense de combate ao tráfico

de drogas. Os EUA desenvolveram, então, uma medida conhecida como processo

de certificação14 (DEL OLMO, 1994, p. 129), que previa, como o próprio nome

sugere, a certificação de que os países andinos estivessem cumprindo as exigências

dos EUA quanto ao combate às drogas.

                                                            14 O processo de certificação surgiu da Lei Pública norte-americana nº 99.570, denominada “Lei Contra o Abuso de Drogas de 1986”. Tal processo previa sanções do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de embargos econômicos a países que não seguissem os tratados e convenções acerca do comércio ilegal de drogas, bem como aos que permitissem lavagem de dinheiro em seu território (PROCOPIO, 1999, p.122).

 

 

51

Na década de 1980, o governo norte-americano, liderado por Ronald Reagan,

desenvolve a guerra às drogas, voltada principalmente para a erradicação de

plantações, das quais derivam drogas ilícitas. Para tanto, em 1987, 23 países já

recebiam ajuda norte-americana para programas de erradicação (DEL OLMO, 1994,

p. 130). Além disso, ainda durante seu mandato, o presidente Reagan classifica o

narcotráfico como problema de segurança nacional e também sugere a conexão do

terrorismo com o tráfico de psicoativos ilícitos.

Internamente, o governo Reagan criou uma sentença mínima obrigatória que

incrementava o castigo por possessão de drogas (DAMMERT, 2009, p. 120). Essa

medida almejava reduzir a quantidade de consumidores dentro do país, já que os

EUA lideravam o ranking de país consumidor de drogas ilícitas. Essa medida interna

impactou a população consumidora de drogas ilícitas nos EUA, no entanto, não

houve diminuição de consumo, mantendo-se, assim, estável.

Percebe-se, portanto, que os EUA priorizavam uma política externa de

intervenção, já que consideravam que o problema do narcotráfico estava nas origens

do processo, ou seja, na plantação. A ingerência em outros países era, então,

explicada pelo fato de que sendo o narcotráfico problema de segurança nacional, o

País estava habilitado a interferir internamente naqueles que produziam ou

facilitavam a produção e o transporte de drogas. Além disso, a guerra às drogas

desenvolvida pelo governo Reagan apenas consolidou o viés militar do combate ao

problema.

Analisando a situação à luz das idéias trabalhadas por Cervo (2002, p. 457), a

política de repressão às drogas adotada pela América do Sul, e, em especial, pelos

países de estudo desse trabalho monográfico, reflete a condição de Estado

subserviente do centro hegemônico. Nela, o Estado sem condições de lidar sozinho

com uma situação, se submete às coerções e diretrizes de uma potência maior. Ou

seja, na medida em que se aumentava a produção e tráfico de drogas na América

do Sul, o problema tomava proporções maiores, e o narcotráfico inseria-se cada vez

mais no Estado. Sendo um problema de caráter transnacional, não há como

erradicar o narcotráfico sem cooperação e ajuda externa. E é aí que os EUA tornam-

se financiadores das políticas de repressão e erradicação do cultivo de drogas.

No entanto, na América Latina a percepção do problema das drogas,

inicialmente diferenciava-se da visão norte-americana de ameaça à segurança

nacional, já que o narcotráfico gerava empregos e renda em regiões pobres, além do

 

 

52

cultivo de algumas substâncias consideradas ilícitas serem culturais. Esses fatores

dificultam ainda hoje a erradicação total de plantações de coca nos países andinos.

2.2 O boom da coca Tal como tratado no item acima, a marijuana começa a ser produzida e

exportada na Colômbia em meados de 1970. No entanto, devido a um processo de

erradicação realizado pelo governo, em 1979, perde a importância, dando lugar ao

cultivo de outras substâncias psicotrópicas, em larga escala, e, em meados de 1990,

a criação de uma indústria de papoula.

Tanto o Peru quanto a Bolívia detinham historicamente o cultivo de arbustos

de coca. Nos anos 1980, a produção de folhas de coca na Bolívia concentrava-se,

principalmente, em regiões como o Chapare, Yungas, Departamento de La Paz e

Departamento de Cochabamba (DUPAS, 2005, p. 156). Dentre elas, a região do

Chapare é a que possuía maior concentração de famílias dependentes do cultivo de

coca para sobreviver.

Segundo Procopio (1999, p.121), após a Convenção de 1961, o governo

boliviano, presidido pelo Doutor Víctor Estenssoro, estabeleceu convênio com os

Estados Unidos que previa a erradicação gradual de arbustos de coca na região de

Yungas, de la Paz. Dito fator foi responsável por grande migração populacional para

a região do Chapare. Mais tarde, a densidade campesina nessa região, bem como

os ganhos com o narcotráfico, fez com que o Chapare fosse escolhido como local

em que seriam implementadas as primeiras políticas de erradicação de cultivos no

País.

Portanto, a configuração do narcotráfico no início dos anos de 1980 era a

seguinte: o cultivo e transformação em pasta base da folha de coca acontecia no

Peru e na Bolívia; posteriormente, a pasta base era enviada para a Colômbia e lá

era refinada; os países vizinhos, como o Brasil15, a Venezuela e o Equador eram

considerados, à época, apenas países de trânsito.

                                                            15 Segundo Procópio (1997, p. 93), o transporte da droga no Brasil é realizado através de aeroportos clandestinos, pistas de aterrissagem em fazendas, caminhões transportadores de madeira e de gado com fundos falsos, além de automóveis particulares.

 

 

53

O mapa 1 demonstra a densidade da participação da Região Andina na

produção e cultivo de cocaína, o que, por tal motivo, a torna alvo de políticas

repressoras ao narcotráfico.

Os anos 80 são marcados por uma mudança nesse cenário, já que a

Colômbia começa a também produzir grande parte da cocaína mundial. Essa

transição da condição de país refinador a país também produtor de folhas de coca

se deve à capacidade de rearticulação do narcotráfico, denominado por Dupas

(2005, p. 159) de efeito balão. Portanto, quando os governos do Peru e da Bolívia

intensificaram as políticas de erradicação do plantio de drogas, a produção

aumentou na Colômbia. Assim como, quando o Plano Colômbia é colocado em

prática, a Bolívia deixa de ser apenas produtora de folhas de coca, e passa a

também refiná-las. A flutuação do aumento e diminuição do cultivo de coca nesses

países ocasionado pelo efeito balão é demonstrado na Tabela 1, que segue.

Tabela 1: Evolução do cultivo da coca na Região Andina

Fonte: Coca Cultivation in Andean Region (UNODC, 2008)

 

 

54

MAPA 1: Densidade do cultivo da coca na Região Andina, 2007

Fonte: Coca Cultivation in the Andean Region (UNODC, 2008).

 

 

55

Atualmente, segundo dados da United Nations Office on Drugs and Crime

(UNODC), a Colômbia detém 55% da área global de produção de coca, seguida por

Peru, com 30%, e Bolívia, com 16%. O que demonstra a concentração da produção

desse psicoativo ilícito nesses três países. Consequentemente, as maiores

apreensões também são realizadas nesses países, bem como grande parte das

refinarias de droga concentram-se nessa região.

A dependência social de países como a Bolívia em relação às plantações de

coca é um dos fatores que dificultam o êxito das políticas de erradicação, já que

considerável parte da população tem como base econômica a venda de folhas de

coca. Erradicar todas as plantações desestabilizaria muitas famílias.

Contrapondo-se a esse fato, foram criadas políticas de substituição de cultura,

ineficientes, já que sua eficácia dependeria de grande incentivo financeiro na região,

possibilitando aos cocaleros, não só produzir outro produto, como também exportá-

los. No entanto, isso não aconteceu. Segundo Dupas (2005, p. 163)

Na estrutura orçamentária do Plano Colômbia16 75% do orçamento

são dirigidos a compras de equipamentos e pulverizações e menos de 25% à reforma do Judiciário, substituição de cultivos, política de direitos humanos e ajuda para pessoas deslocadas.

Nesse sentido, a política de substituição de cultura tornava-se praticamente

inviável, já que a plantação de cocaína trazia aos agricultores da coca um

rendimento muito maior do que qualquer outro produto traria. Segundo Dammert

(2009, p. 122), havia um incremento de mais de 500 vezes entre o preço inicial da

cocaína produzida na América Latina e o preço de venda no EUA, o que demonstra

a lucratividade de todo o processo.

Além disso, uma das razões para o aumento considerável do preço da

cocaína, o que, consequentemente, ocasionou o boom de sua produção e de sua

comercialização, foi o aumento da presença de narcotraficantes da região nas

últimas três décadas. Além de negociarem a droga, ainda financiavam sua produção.

Mais tarde, com o aumento de seu poderio, passaram a, também, controlar

territórios.

                                                            16 O Plano Colômbia é detalhado no Capítulo 3, item 3.5, deste trabalho. 

 

 

56

Na região dos Yungas, na Bolívia, a coca tem aproximadamente quatro mil

anos de cultivo. O que remonta às épocas coloniais até os dias de hoje. No entanto,

quase a totalidade da produção nessa região era destinada ao mercado legal e era

comercializada para fins medicinais e religiosos.

A chegada dos narcotraficantes na região incrementou significativamente o

preço do produto, antes vendido em grande parte para finalidades lícitas. O pequeno

produtor, portanto, passa a vender seu produto a quem lhe pagar mais. Sem

alternativa, inúmeras famílias são inseridas no narcotráfico. Percebe-se assim, que,

ao atacar a oferta de drogas, essas famílias também são atingidas. Contudo, quem

faz o tráfico de fato acontecer são pessoas muito mais influentes, tanto econômica

quanto politicamente.

No entanto, após o boom da coca na região e seguindo a linha

estadunidense, os países andinos militarizaram seus programas de combate ao

narcotráfico. Ou seja, usavam de forças policiais e militares para enfrentar possíveis

infratores da lei envolvidos no narcotráfico. Na Bolívia foi criada a UMOPAR (Unidad

Móbil de Patrullage Rural), força antidroga boliviana. No Peru, a DINANDRO

(Dirección Antidrogas de la Policía Nacional del Peru). Os Estados Unidos

contribuíram significativamente para a militarização do combate às drogas na região,

fornecendo equipamentos, capital e treinamento.

Além disso, a erradicação do cultivo também era feita por meio da

pulverização. A tabela 2 demonstra que apesar da diminuição de áreas de cultivo de

folhas de coca na Bolívia, Peru e Colômbia, a produção de cocaína continua estável,

já que, mesmo com menos hectares destinados a produção desse ilícito, é aplicada

alta tecnologia no processo, o que possibilita melhores rendimentos.

TABELA 2: Potencial global de produção de cocaína (mt), de 1997 a 2007

   1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Bolívia 200 150 70 43 60 60 79 98 80 94 104

Colômbia 350 435 680 695 617 580 550 640 640 610 600

Peru 325 240 175 141 150 160 230 270 260 280 290

Total 875 825 925 879 827 800 859 1008 980 984 994

Fonte: Coca Cultivation in Andean Region, p. 17 (UNODC, 2008).

 

 

57

O envolvimento das forças armadas e policiais no combate ao narcotráfico,

bem como as técnicas de pulverização17 do cultivo de drogas prejudicam

principalmente os agricultores que cultivam ilícitos como produtos de agricultura

subsistente, já que o combate às drogas na região é voltado para a oferta das

drogas. A pulverização tem, também, efeitos negativos sobre o meio ambiente,

prejudicando áreas que poderiam ser destinadas a outros cultivos. Os precursores

químicos utilizados no cultivo e refino das drogas atingem o solo provocando danos

ecológicos imensos.

Segundo Dupas (2005, p. 161), “O uso de forças policiais e militares violam os

direitos humanos, combinado à pulverização de áreas de economia de sobrevivência

de pequenos cultivadores, aumentam a deslegitimação social do Estado”.

Tais iniciativas de repressão ao cultivo e comercialização de drogas vão

contra as Convenções de Repressão ao tráfico, que prevêem a erradicação do

cultivo ilícito de substâncias psicotrópicas. Como consta no texto da Convenção

contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, de 1988, as

medidas adotadas para erradicação deverão “respeitar os direitos humanos

fundamentais e levar em devida consideração, não só os usos tradicionais lícitos,

onde exista evidência histórica sobre o assunto, senão também a proteção ao meio

ambiente”.

Para evitar a pulverização, muitos produtores “recorrem a terrenos cada vez

menos acessíveis, incluindo reservas ambientais” (DAMMERT, 2009, p.121).

Segundo Dammert (2009, p.121), “estima-se que 17,5% de áreas de

desenvolvimento alternativo no Peru foram desflorestados para produção de coca e

mais de 2,5 milhões de bosques amazônicos foram desflorestados para o mesmo

fim”.

Além dos impactos sociais, econômicos e ambientais apontados, cabe

ressaltar os impactos políticos gerados pelo tráfico de cocaína. A fins de

exemplificação, vê-se na Bolívia a ascensão ao poder, em 2006, do presidente Evo

Morales. Ex-cocalero, defende a descriminalização e revalorização da folha de coca,

considerada, segundo a Convenção Única de 1961, substância ilícita.

                                                            17 “Aviões borrifam herbicidas altamente prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente. Esses compostos químicos provocam no homem, doenças – algumas chegam a ser cancerígenas ou até genéticas – e, no meio ambiente, destroem grande variedade de espécies vegetais” (citação em INACIO, 2009, p.7).

 

 

58

Apesar da folha de coca ser um símbolo nacional, há evidências de cultivos

crescentes em áreas não tradicionais na Bolívia. Além disso, o Presidente boliviano

prioriza políticas de apoio aos cocaleros. Contudo, apesar de na Bolívia o uso da

folha de coca ser cultural, bem como, seu cultivo em determinada área estar

permitido por lei, o governo nem sempre cumpre o que o previsto, admitindo o cultivo

em áreas proibidas.

2.3 Dos cartéis colombianos às redes narcotraficantes

Os cartéis colombianos eram estruturas hierarquicamente conformadas e

costumavam ser direcionados para um único produto. No entanto, não podem ser

comparados a uma máfia. A hierarquia existente na formação da máfia, que funciona

através de um sistema de reconhecimento de méritos, permite aos seus membros

ascenderem de posição (MONTOYA, 2007, p. 113). Ademais, os cartéis são

organizações que possuem sustentação em capacidades operativas próprias,

podendo ou não, manter vínculos com outras estruturas delitivas, a fim de maximizar

seus ganhos (PROCOPIO, 1999, p. 72).

Cartel, segundo Montoya (2007, p. 110),

é um termo econômico utilizado no jargão econômico para designar os acordos implícitos ou explícitos firmados entre certos produtores de um mesmo setor industrial, em nível nacional ou internacional, para limitar a produção, determinar quotas de vendas, de fabricação e de distribuição, além de dividir os lucros entre cada um dos membros, fixar os preços e repartir o mercado.

Destacavam-se na Colômbia dois cartéis: o cartel de Medellín e o cartel de

Cali. O primeiro era comandado por Pablo Escobar, famoso por utilizar inusitadas

práticas de violências, além de esbanjar dinheiro, como também, aplicá-lo em

diversas obras públicas ou de caridade. Os dois últimos fatores facilitaram sua

captura, sendo morto em 1993 (NAIM, 2006, p. 73).

Apesar da prisão e morte de seus comandantes principais e da aparente

perda de poder dos cartéis, o monopólio das drogas foi, então, subdividido em

grupos menores e a Colômbia continuou a liderar a produção e o fornecimento de

cocaína para o mundo. Tanto guerrilhas de esquerda como as FARC quanto

 

 

59

oponentes de direita começaram a comandar territórios dedicados à plantação de

coca no País (NAIM, 2006, p.70).

Diante disso, já é subtendida uma das principais características das atuais

redes narcotraficantes: a flexibilidade. Esse ponto confere ao grupo criminoso o

poder de se reorganizar sempre que necessário. Nesse caso, não haveria apenas

um grupo principal que comandaria todo o processo. Mas sim, as etapas do

narcotráfico seriam divididas entre outros grupos menores, cada qual responsável

por uma fase do tráfico. Já na década de 1990 haviam de 10 a 14 organizações

coordenando o narcotráfico na Colômbia (FARER, 1999, p. 114).

As novas organizações responsáveis pelo narcotráfico são menores, discretas

e estruturadas em torno de pessoas anônimas e desconhecidas (MONTOYA, 2007,

p.112). Dependendo da área em que atuam dentro da organização, são pessoas

especializadas, que possuem uma nova logística de comunicação e não mantêm

contato direto entre si. Isso permite que, caso algum membro da organização seja

preso, ele não tenha conhecimento acerca dos demais membros, uma vez que não

houve contatos significativos entre eles.

As redes narcotraficantes dividem-se, portanto, em vários subgrupos, que

serão exemplificados a seguir. Os subgrupos correspondem aos responsáveis pela

produção, processamento ou refino da droga, transporte, venda e distribuição do

produto.

Logo, têm-se os camponeses que plantam, e, quando necessário,

transformam a droga em pasta base18, a fim de facilitar o transporte do ilícito. Há,

também, fabricantes responsáveis exclusivamente por refinar cocaína e heroína.

Acima dos últimos, existem grupos maiores responsáveis por coordenar o

contrabando e venda dos psicoativos ilícitos para outros países. Na Colômbia, há,

ainda, grupos guerrilheiros que detém poder sobre diversas áreas de cultivo de

cocaína do país, como já dito, os quais cedem território para narcotraficantes

instalarem suas refinarias, e para camponeses plantarem seu produto. No entanto,

são cobradas taxas pelo uso dessas regiões.

                                                            18Segundo Wilson (1995, p.7), para produzir a pasta, os mezcladores primeiro agregam querosene ou gasolina e ácido sulfúrico às folhas de coca secas. No Peru e na Bolívia contratam-se pisadores que moem a mistura até se formar uma pasta de coca. Tal como a colheita, esse procedimento exige trabalho intensivo de mão-de-obra e não requer equipamento sofisticado. Processar as folhas de coca requer, no entanto, insumos e precursores químicos, assim como conhecimento especializado para se preparar a mistura.  

 

 

60

Ademais, para que o narcotráfico logre êxito é essencial que existam

profissionais na política, no judiciário, na polícia, que facilitem o processo. Dentre

eles há advogados, químicos, políticos, conselheiros financeiros, organizações para-

militares e profissionais do setor financeiro responsáveis por lavar o dinheiro do

tráfico.

Todos os grupos supracitados que participam direta ou indiretamente do

narcotráfico, mostram o quão entranhado essa modalidade de crime organizado está

no Estado, e consequentemente, nas relações internacionais. Ou seja, o narcotráfico

se faz presente onde o Estado não atua, como em lugares com policiamento

deficiente, ou com população com carência financeira e em instituições estatais com

funcionários passíveis à corrupção.

Outra dificuldade apresentada pela nova configuração do narcotráfico é que,

sendo um negócio muito lucrativo, grupos praticantes de outras espécies de crime

organizado se envolvem no negócio das drogas. Assim como os narcotraficantes,

muitas vezes, são forçados a investirem no tráfico de outras drogas, devido às

pressões da concorrência. O narcotráfico, portanto, está atrelado também a outros

tipos de crime organizado, como o tráfico de armas e de pessoas, negócios também

muito lucrativos, além de estar ligado também ao trabalho escravo.

As altas taxas de retorno que o crime organizado proporciona, permite aos

narcotraficantes a expansão de seus negócios e de seu poder econômico e político.

A lucratividade do tráfico na região andina e amazônica é pautada principalmente

pelo alto valor agregado sobre seus produtos. Naím (2005, p. 81-82) exemplifica

esse argumento

‘Controle na fonte’ [ou seja, a política de controle do narcotráfico na fonte de produção] e uma ênfase na repressão simplesmente adicionaram valor às drogas que conseguem chegar ao mercado. Guardas fronteiriços a se evitar, as batidas policiais das quais têm-se que fugir, e os subornos que se têm que pagar, todos são integrados aos custos do negócio, aumentando preços e os potenciais de lucros sem nenhum efeito demonstrável na demanda.

Estando paralelo ao Estado, o narcotráfico não precisa lidar com burocracias

estatais para realização de suas atividades e para a utilização de seu dinheiro,

tendo, portanto, um acesso facilitado a diferentes tipos de tecnologia; fator que faz

com que esses grupos criminosos estejam a um passo à frente do Estado.

 

 

61

O lucro ainda maior é gerado pela quantidade de organizações criminosas

existentes atualmente, fator que aumenta o montante da oferta e propicia a

diminuição no preço da droga no mercado ilegal. Ademais, o incremento das redes

narcotraficantes e a facilitação do acesso à tecnologia para fabricação de diferentes

tipos de drogas ilícitas, contribuíram para que países que antes serviam apenas

como rota de escoamento da produção se tornassem também produtores e

consumidores de ilícitos. Tal como é o caso do Brasil.

2.5 De países de trânsito19 a produtores e consumidores

Antes considerado rota de escoamento de drogas para os grandes centros

consumidores mundiais, tais como a Europa e os EUA, agregou-se ao Brasil a

condição de produtor e consumidor de psicoativos ilícitos.

Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas (WDR) (UNODC, 2009, p. 56), o

Brasil concentra a maior população de usuários de opiáceos na América do Sul.

Além disso, o relatório também destaca o crescimento no consumo de cocaína,

anfetaminas e maconha no Brasil.

Como já demonstrado nesse trabalho, onde há demanda, há oferta. O

crescente número de usuários favoreceu o desenvolvimento de laboratórios e

refinarias em territórios brasileiros, bem como em territórios venezuelanos e

equatorianos. Registram-se nesses países, respectivamente, 17t de cocaína

apreendida no Brasil, 32t na Venezuela e 25t no Equador. Essas estatísticas indicam

o aumento da importância desses países para o narcotráfico, bem como o aumento

da demanda, já que grande parte das drogas que passam por eles, também é

destinada ao consumo interno. As apreensões em maior quantidade na Venezuela e

no Equador indicam serem esses os países mais reportados como trânsito de

drogas na região.

Segundo Procópio (1997, p.90) “a estrutura do narcotráfico no Brasil nasceu

vinculada ao contrabando, à evasão de riquezas nacionais e à corrupção

                                                            19 A Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, de 1988, entende por “Estado de trânsito”, o país através de cujo território passam de maneira ilícita entorpecentes, substâncias psicotrópicas e substâncias que figuram no Quadro I e no Quadro II desta Convenção, e que não seja nem ponto de procedência nem o ponto de destino final dessas substâncias.  

 

 

62

governamental”. Tais condições favoreceram o estabelecimento de organizações

localizadas no Brasil responsáveis pelo trânsito e comercialização da droga para

centros consumidores. Contudo, estes fatores demonstram as diferenças em relação

à configuração do narcotráfico em países produtores e países não produtores.

Enquanto os países produtores necessitam de vários atores para a realização da

produção, comercialização e transporte da droga, no Brasil destacam-se dois

seguimentos do narcotráfico, sendo eles: os responsáveis pelo tráfico internacional,

movimentando grandes quantidades de drogas e dinheiro, mas com o número de

pessoas reduzido, e os responsáveis pelo tráfico interno, seguimento que mobiliza

um número maior de pessoas (PROCOPIO, 1997, p. 90). Os responsáveis pelo

contrabando e tráfico internacional têm suas ações facilitadas já que a Polícia

Federal só pode agir até os limites fronteiriços do Brasil com outros países, não

podendo ultrapassá-los.

O Brasil, apesar de já produzir alguns tipos de drogas, não possui muitos

laboratórios, se comparados com os centros produtores da região que possuem

mais de 99% dos laboratórios de processamento de coca, sendo eles Peru, Bolívia e

Colômbia (UNODC, 2009, p.67). No entanto, chama a atenção o aumento de tráfico

de ATS (estimulantes, como por exemplo, o ecstasy) no Brasil. Tanto a quantidade

de consumidores aumentou no País, como as apreensões também evidenciaram

crescimento. Em 2007, o Brasil entrou na lista dos 22 países com maiores

apreensões de substâncias do grupo ecstasy, além de que, em 2008, foi descoberto

o primeiro laboratório clandestino de ecstasy no País, no Paraná (UNODC, 2009, p.

125-142).

O local onde se localizava o laboratório sugere que a produção de drogas se

adaptará ao local em que houver uma maior quantidade de consumidores. Ainda

segundo o WDR (UNODC, 2009, p. 141), em fevereiro de 2009, a Polícia Federal

apreendeu 55 pessoas de uma quadrilha internacional de drogas que trocavam

cocaína por ecstasy na Europa e retornavam ao Brasil para vender a droga

estimulante. Tal transação entre grupos narcotraficantes demonstra a mobilidade do

crime organizado, que, convenientemente, realiza escambo quando necessário a

seus interesses.

A essa capacidade de agilidade e adaptação nas negociações entre

diferentes grupos narcotraficantes, Procópio (1999) define como integração paralela.

Ou seja, uma integração entre redes que acontece à margem do Estado.

 

 

63

Às rotas de trânsito de drogas no Brasil, soma-se a existência de uma malha

de transporte interligada a outras regiões. Antes a políticas de repressão e também o

destino das drogas era voltado aos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e

São Paulo. No entanto, nota-se um incremente do tráfico em regiões mais

interioranas, assim como a região Centro-Oeste. Também em locais como o

Nordeste, que possuem grande fluxo de turistas, evidenciam o aumento do

narcotráfico, já que a demanda nesse local aumenta.

O fato é que o narcotráfico está espalhado pelo Brasil envolvendo várias

pessoas em suas operações. Diante dessa perspectiva cabe ressaltar que uma rede

de narcotraficantes preocupa-se em utilizar recursos humanos treinados e

experientes a fim de obter maior êxito em suas atividades. Essa é uma das idéias

defendidas por Prócopio (1999), quando mostra que pequenos agricultores no Brasil,

que vivem da agricultura de subsistência, muitas vezes foram obrigados a sair de

seu local de origem porque estavam localizados em reservas indígenas. Esses

agricultores muitas vezes não são recrutados nem pelo narcotráfico, tornando-se

marginalizados. As reservas indígenas por sua vez, dão grande margem de ação

para as redes do tráfico, inclusive há casos de indígenas envolvidos com o

contrabando de drogas.

A dimensão geográfica do Brasil, bem como suas extensas fronteiras com os

principais produtores de cocaína da região, facilita o narcotráfico. Contudo, enquanto

os narcotraficantes adaptam sua logística de escoamento da produção e estão

continuamente mudando suas rotas, as políticas de repressão ao problema

continuam as mesmas, ainda voltadas para os portos marítimos de maior relevância

e para os principais centros comerciais. A ausência do Estado em áreas cruciais

para o narcotráfico apenas favorece o mesmo.

 

 

64

CAPÍTULO 3

REGIMES INTERNACIONAIS CONTRA O NARCOTRÁFICO

A transnacionalidade do narcotráfico, bem como sua configuração em rede

fez com que o enfrentamento a esse problema se desse por meio de cooperação

entre Estados, levando à formação de regimes específicos. Ademais, a necessidade

de construção de um regime específico para o tráfico de psicoativos ilícitos se deve

ao fato de que em sua prática não estão envolvidos somente Estados, como em

conflitos convencionais. O narcotráfico envolve diversos outros atores, destacando-

se, inclusive, a emergência de grupos sociais dentro de um país. Tais fatores levam

a crer que a problemática transcende a capacidade de Estado de erradicar essa

modalidade de crime organizado, ou de apenas considerá-la problema de política

interna, elevando a condição do narcotráfico a problema de política externa.

3.1 Regime Internacional de repressão aos psicoativos ilícitos Apesar do uso de substâncias psicoativas estar presente em vários

momentos da história, sua regulamentação começou a ser planejada apenas no

século XX. A necessidade da criação de mecanismos legais que regulassem a

produção, o comércio e o consumo das substâncias psicoativas nasceu por um lado

dos interesses políticos e econômicos das nações influentes à época, e por outro de

pressões da sociedade civil por medidas a serem tomadas em relação à saúde e

segurança pública.

As primeiras substâncias psicotrópicas descobertas eram, em princípio,

utilizadas para fins medicinais, ou em rituais religiosos. Seu consumo hedonista

também era recorrente. Todavia, as drogas eram consumidas em menor quantidade,

já que seu consumo em práticas religiosas era regulado por autoridade maior, e, em

algumas sociedades como a inca “o consumo de folhas de coca era um privilégio

dos nobres, ficando o uso pelos servos e soldados condicionado à autorização real”

(RIBEIRO, p. 1).

Contudo, à medida que outras propriedades dos psicoativos foram sendo

descobertas, seu uso para fins hedonistas superou sua utilização tradicional e

 

 

65

medicinal. O aumento de consumidores elevou também os pontos de oferta, fazendo

com que o comércio de drogas ganhesse um papel cada vez maior na sociedade.

A necessidade de regulamentação de substâncias psicotrópicas surge tanto

pelos impactos graduais que tais substâncias estariam causando à saúde pública,

como pelo envolvimento crescente do tráfico em atividades lícitas. As primeiras

tentativas de políticas contra o comércio e produção de psicoativos eram voltadas ao

combate e erradicação da oferta de drogas.

Teoricamente, a mudança de foco das políticas repressoras da oferta para

uma visão do problema como um todo, englobando o peso da demanda no

narcotráfico, acontece progressivamente, e ganha destaque maior a partir da década

de 1990. Todavia, ver-se-á que na prática é diferente. Grande parte dos recursos

financeiros volta-se principalmente para o combate ao narcotráfico, sobrando um

montante menor à prevenção e tratamento de dependentes químicos.

3.2 A influência norte-americana no combate ao narcotráfico Os EUA firmaram seu primeiro tratado sobre psicoativos ainda no século XIX,

com a China, que proibia a comercialização de ópio por cidadãos estadunidenses no

outro país (OLIVEIRA, 2007, p. 49). Já no início do século XX, é realizada em

Xangai, na China, a primeira Convenção Internacional sobre o tráfico de ópio.

Os esforços estadunidenses com vistas ao combate de drogas tornaram-se

mais influentes com a visibilidade que o país norte-americano adquiriu. Logo, a

questão dos psicoativos também teve alcance interno, influenciando a opinião

pública norte-americana a respeito dos perigos sociais e de segurança que o uso

das drogas poderia gerar.

Portanto, percebe-se que a opinião pública norte-americana, bem como

setores religiosos do país, tiveram papel importante no desenvolvimento de

estratégias contra o abuso e tráfico de drogas forçando o governo americano a

tomar medidas contra o problema. Visto que promover políticas públicas de

repressão à demanda requer mais dinheiro, o governo optou por combater a oferta,

focando esforços em marginalizar aqueles que estavam envolvidos nessa etapa do

narcotráfico.

 

 

66

Os esforços no combate ao narcotráfico por parte dos EUA cresceram à

medida que sua população consumidora também crescia (vide Tabela 3). O País,

portanto, aumentou progressivamente seus gastos com políticas de combate ao

narcotráfico, principalmente a partir da década de 1970, quando ocorria o boom da

cocaína.

TABELA 3: Número estimado de usuários de drogas ilegais em relação à população entre 15-64 anos, por região e sub-região em 2007

(estimativas mais baixas e mais altas, em milhões de pessoas)

Região e sub-região Maconha Opiáceos Cocaína Anfetaminas Ecstasy

África 28,85 a 56,39 1,00 a 2,78 1,15 a 3,64 1,39 a 4,09 0,34 a 1,87

Norte da África 3,67 a 9,32 0,12 a 0,49 0,03 a 0,05 0,24 a 0,51 sem estimativa

África Central e Ocidental 16,10 a 27,80 0,55 a 0,65 0,75 a 1,32 sem estimativa sem estimativa

África Oriental 4,49 a 9,03 0,10 a 1,33 sem estimativa sem estimativa sem estimativa

Sul da África 4,57 a 10,95 0,23 a 0,31 0,30 a 0,82 0,21 a 0,65 0,21 a 0,40

Américas 41,45 a 42,08 2,19 a 2,32 9,41 a 9,57 5,65 a 5,78 3,13 a 3,22

América do Norte 31,26 a 31,26 1,31 a 1,36 6,87 a 6,87 3,76 a 3,76 2,56 a 2,56

América Central 0,58 a 0,58 0,02 a 0,03 0,12 a 0,14 0,31 a 0,31 0,20 a 0,30

Caribe 1,11 a 1,73 0,06 a 0,09 0,17 a 0,25 0,12 a 0,25 0,03 a 0,13

América do Sul 8,50 a 8,51 0,08 a 0,84 2,25 a 2,31 1,45 a 1,46 0,51 a 0,51

Ásia 40,93 a 59,57 8,44 a 11, 89 0,40 a 2,56 5,78 a 37,04 3,55 a 13,58

Leste e Sudeste Asiático 4,1 a 19,86 2,80 a 4,97 0,31 a 0,99 4,60 a 20,56 2,25 a 5,95

Sul da Ásia 27,49 a 27,49 3,62 a 3,66 sem estimativa sem estimativa sem estimativa

Ásia Central 1,89 a 2,02 0,34 a 0,34 sem estimativa sem estimativa sem estimativa

Oriente Próximo e Médio 7,44 a 10,2 1,68 a 2,91 sem estimativa sem estimativa sem estimativa

Europa 28,89 a 29,66 3,44 a 4,05 4,33 a 4,60 2,43 a 3,07 3,75 a 3,96

Europa Central e Ocidental 20,81 a 20,94 1,23 a 1,52 3,87 a 3,88 1,59 a 1,69 2,11 a 2,12

Europa do Leste e Sudeste 8,08 a 8,72 2,21 a 2,53 0,46 a 0,72 0,84 a 1,38 1,54 a 1,83

Oceania 2,46 a 2,57 0,90 a 0,90 0,34 a 0,39 0,57 a 0,59 0,81 a 0,88

Estimativa global 142,58 a 190,2715,16 a 21,13 15,63 a 20,76 15,82 a 50,57 11,58 a 23,51

Fonte: World Drug Report 2009, p.14 (UNODC, 2009).

Além dos investimentos em países produtores de drogas, os EUA tomaram

medidas internas, tais como a criação do Drug Enforcement Administration20 (DEA),

                                                            20 A DEA está presente em várias operações de prevenção e combate as diferentes etapas do narcotráfico na América do Sul, dentre elas o combate à lavagem de dinheiro, a destruição de laboratórios clandestinos, bem como, investigações de possíveis rotas e transportes.

 

 

67

em 1973. Hoje, o DEA é um dos principais órgãos norte-americanos no combate às

drogas. A fim de exemplificar o gradual crescimento de influência deste órgão, vê-se

que, em 1973, o DEA contava com 2.898 empregados, e recebia um montante de

US$ 74,9 milhões. Em 1974, o número de empregados aumentou

consideravelmente para 4.075 e recebeu para US$ 116,2 milhões21. Ainda hoje, a

DEA demonstra um aumento constante tanto de empregados como de recursos

financeiros. Em 2009, possui 10.784 empregados e um aporte de US$ 2.602

milhões.

Embora os gastos com políticas de repressão às drogas permaneçam altos,

estimativas do World Drug Report de 2009 indicam que o número de consumidores

continua elevado. Tal fator indica que políticas de repressão às drogas não estão

obtendo resultados significativos, já que a demanda permanece estável.

Além disso, o alto número de apreensões divulgado principalmente na

América do Sul e na América do Norte (vide tabela 4), apenas demonstram que a

oferta da droga é amplamente presente nessas regiões, respectivamente por

representarem a maior região produtora de psicoativos ilícitos e a maior

consumidora.

TABELA 4 – Apreensões globais de cocaína, 1987-2007

Fonte: World Drud Report 2009, p. (UNODC, 2009)

                                                            21 Dados extraídos da página na Internet do DEA (http://www.justice.gov/dea/agency/staffing.htm), último acesso em 18 out. 2009.

 

 

68

3.3 Convenção Única de 1961 A Convenção Única de 1961 foi a primeira Convenção sobre substâncias

psicoativas desenvolvida no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). O

organismo internacional antecessor a ela, denominado Liga das Nações, também

versou sobre o assunto, promovendo a Conferência de Genebra, em 1925. Tal

Conferência foi dividida em duas etapas: à primeira caberia a discussão acerca do

ópio preparado para o consumo; a segunda tratava dos três mais importantes

produtos naturais usados na fabricação de psicoativos (o ópio bruto, a folha de coca

e a planta cannabis) e seus derivados (a heroína, a cocaína, a maconha e o haxixe)

(OLIVEIRA, 2007, p.51).

À época, países como França e Inglaterra foram contra a proibição do ópio

preparado, já que esse produto fazia parte de suas exportações. Contudo, a

segunda Convenção que tratava do ópio bruto, maconha, coca e seus derivados,

decidiu pela criação do Opium Advisory Committee, que, segundo Oliveira (2007,

p.51), “seria o órgão responsável pelo controle das movimentações das citadas

substâncias visando impedir desvios para canais ilícitos, aqueles que não

abastecessem uso medicinal”. Apenas na década de 1920, com a criação desse

órgão, que o uso e cultivo da coca e da maconha foram regulamentados por lei.

A Convenção Única de 61 abarcava todos os outros tratados relativos à

produção, comércio e consumo de ilícitos. Todavia, diferentemente da Conferência

de Xangai que versava sobre o ópio, a Convenção de 61 tinha outro foco, sendo

eles: os países considerados grandes consumidores (dentre eles EUA e países

europeus) e os países ditos produtores das plantas restritas pela Convenção (nesse

grupo incluíam-se países da América Latina, da Ásia, da África).

Os países consumidores responsabilizavam os produtores pelo tráfico e

aumento de viciados em seu país. Essa mudança de perspectiva pela Convenção

sugere que os regimes relacionados ao narcotráfico possuem um viés muito mais

político e preocupado com efeitos econômicos do que um enquadramento social. O

argumento sustenta-se no fato de que apesar da Convenção incluir a proibição ao

cultivo do arbusto da coca e, consequentemente, a produção de seus derivados, ela

não prevê políticas de inserção de culturas substitutivas ou afins. Argumenta-se,

portanto que

 

 

69

O rigor da Convenção Única cai particularmente sobre três

entorpecentes tradicionalmente produzidos e consumidos em algumas regiões subdesenvolvidas do mundo. Essa tríplice proibição empresta ao texto rigorosa característica. Para compreendê-la, é suficiente imaginar um tratado internacional interditando a cultura do vinho ou do tabaco em razão do prejuízo que causam à saúde das populações do Terceiro Mundo o alcoolismo e o tabagismo. A Convenção Única, neste aspecto, aparenta injusta: os países produtores de ópio, de coca e de canabis, alguns deles entre os pobres do mundo, sacrificam parte de seus recursos pelo bem-estar das populações ricas no mundo ocidental que abusam da heroína, da cocaína e do haxixe. Este sacrifício sem compensações é verdadeira expropriação pela causa da utilidade pública, pois a Convenção não prevê nenhuma medida de indenização ou reconversão das culturas (citação em Oliveira, 2007, p.59).

Ademais, não se leva em conta a utilização cultural da folha de coca na

Região Andina e Bacia Amazônica, fator que dificultaria a aplicação universal da

Convenção. Não sendo igualmente aplicada em todos os países partícipes, não há

como obter resultados concretos, o que já indicava que os resultados esperados

pela Convenção seriam impossíveis.

A proibição e destruição das culturas de drogas ilícitas na Região Andina

apenas contribuíram para o desenvolvimento de canais ilícitos de escoamento de

drogas, além de culturas em locais de difícil acesso. Fator parecido já havia ocorrido

nos Estados Unidos, quando foi instituída a Lei Seca que proibia o consumo,

comercialização e produção de bebidas alcoólicas no país. Tal lei apenas contribuiu

para o aumento da comercialização, fazendo surgir uma economia ilícita de

fornecimento de bebidas alcoólicas compatível com a demanda que permanecia a

mesma.

3.4 Consolidação das Convenções relacionadas ao tráfico de substâncias ilícitas nos anos 70 e 80

No ano de 1971, foi realizada Conferência das Nações Unidas sobre

Substâncias Psicotrópicas. A Convenção de 1971 é, portanto, criada com a

finalidade de complementar a Convenção de 1961. Para tanto, os países partícipes

da Conferência indicaram, na construção do texto da Convenção, preocupação com

a saúde física e moral da humanidade, bem como com os problemas sociais que as

substâncias psicotrópicas causam.

 

 

70

São inseridas na Convenção de 1971 várias outras substâncias que

completam a lista desenvolvida pela Convenção de 1961. A preocupação com os

problemas sociais, bem como com a saúde da humanidade esbarram no fato de

drogas como o álcool e o tabaco não entrarem na regulamentação de substâncias

proibidas. Mesmo apesar de serem drogas que provocam efeitos muitas vezes mais

danosos do que, por exemplo, a maconha.

O fato, é que a construção de regimes internacionais sempre esbarra na

vontade de atores mais influentes, sejam eles países, ou seguimentos de suas elites.

O fato da indústria de tabaco ou álcool ser muito forte inviabiliza a proibição de tais

psicoativos.

Já a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e

Substâncias Psicotrópicas de 1988 foi elaborada com o intuito de aperfeiçoar as

atividades voltadas ao combate de tal modalidade de crime organizado

transnacional. O texto da Convenção prevê que sejam aperfeiçoadas políticas de

cooperação entre países, bem como, regulamenta, em seu artigo 6, a extradição de

indivíduos envolvidos de alguma forma no narcotráfico.

O reconhecimento da importância da cooperação entre países no combate ao

tráfico de drogas mostra que a tendência já não era mais responsabilizar os países

produtores de drogas pelo crescimento do tráfico. Passa-se a idéia de que cada vez

mais o narcotráfico é problema transnacional passível de atingir qualquer que seja o

país. Portanto, é imprescindível a coordenação de políticas repressoras ao

problema, além da assistência mútua jurídica e de capacitação de pessoal para o

combate a essa espécie de crime organizado. Essas medidas devem ser feitas não

apenas entre Estados, mas também, incluindo a participação de organizações

internacionais ou regionais que versem sobre o tema, ou sobre alguma vertente

dele.

A Convenção de 1988 bem lembra que o consumidor deve fazer parte das

políticas de repressão ao narcotráfico. Para tanto, cada Estado deverá promover

políticas públicas que tratem da reabilitação do usuário. As demais Convenções, de

1961 e 1971, ainda não previam tal disposição, concentrando esforços apenas do

que concernia aos países produtores.

Apesar de que nos anos 1980 já se admitir a dimensão do problema, e prever

iniciativas de cooperação em âmbito econômico, tecnológico, de inteligência, para a

resolução do mesmo, as políticas adotadas na América Latina ainda estavam aquém

 

 

71

dessa realidade. Mais uma vez, os EUA como precursores das políticas de

repressão às drogas, exerce o poder de sua vontade, realizando políticas bilaterais

de combate ao narcotráfico na América do Sul e, principalmente, na Região Andina,

oferecendo ajuda tanto financeira, quanto de capacitação militar. Contudo, a

configuração em rede, e sua operacionalidade internacional de organizações

narcotraficantes deixam claro que as políticas de repressão a tais grupos criminosos

devem possuir uma amplitude internacional, a fim de se evitar o efeito balão, como

mencionado por Dupas.

Portanto, um dos exemplos mais marcantes de influência norte-americana na

Região Andina é o Plano Colômbia, o qual será detalhado no próximo item, com

vistas a demonstrar que apesar da evolução do regime internacional que versa sobre

psicoativos ilícitos, são priorizadas políticas bilaterais de combate ao tema na região

andina.

3.5 O Plano Colômbia Os Estados Unidos não realizaram apenas o Plano Colômbia na região. No

entanto, a ênfase a esse plano justifica-se pelas proporções que esse tomou. Dois

anos antes da implementação do Plano Colômbia, os EUA, à época sob o comando

do governo Clinton, assinaram um acordo com o Equador a fim de transformar a

base aérea de Manta em Base Avançada de Operações dos Estados Unidos,

garantindo assim a presença norte-americana na região.

O Plano Colômbia foi desenvolvido por iniciativa colombiana e não possuía

foco apenas nas questões relacionadas ao narcotráfico no país. O plano foi

elaborado abrangendo cinco eixos temáticos, sendo eles: restabelecer a economia

colombiana, promover a paz, fomentar o desenvolvimento social, eliminar o cultivo

de drogas ilícitas e fortalecer a democracia na Colômbia (INACIO, 2009, p. 1).

O governo norte-americano aprovou o Plano Colômbia em 1999, na gestão

Clinton. A priori, o Plano consistiria na assistência técnica, financeira e militar dos

EUA para Região Andina e, em especial, para a Colômbia. Além de que a maior

parte da ajuda financeira seria, em tese, destinada ao fortalecimento do Estado

colombiano através de investimentos sociais e substituição de plantios de coca

(DUPAS, 2005, p. 171). Contudo, como mostra Inácio (2009, p.1), de

 

 

72

1,6 bilhão de dólares financiados pelos EUA, 750 milhões foram destinados ao Exército colombiano, 205 milhões a polícia e forças navais, 410 milhões a medidas de segurança a países fronteiriços. [...] dos 180 milhões restantes foram direcionados: 50 milhões para a Colômbia, 90 para a Bolívia e 40 para o Peru para a substituição de cultivos ilícitos. Já para a realização de reformas judiciais com o intuito de garantir a paz e os direitos humanos foi previsto um orçamento de 100 milhões de dólares.

A guerra norte-americana às drogas baseava-se, então, na erradicação do

plantio, na interdição do tráfico e na criminalização do consumo. A aderência ao

Plano Colômbia por parte dos EUA se deu, portanto, principalmente devido a

questão das drogas. As prioridades do Plano foram gradualmente sendo modificadas

durante sua vigência (MONTEIRO, 2005, p.1), indicando progressivamente o viés

militar que caracterizaria o Plano Colômbia. Ademais, a situação política colombiana

à época da implementação do Plano era instável. A transição de governo foi

realizada de forma conturbada, já que o então presidente Ernesto Samper (1994-

1998) era acusado de financiar o narcotráfico. Tal fator ia contra a política norte-

americana de combate às drogas, o que levou o governo estadunidense a impor

duras sanções a Samper, bem como financiar investigações de seu envolvimento

com o narcotráfico (INACIO, 2009, p.2).

A instabilidade no governo favoreceu a atuação de grupos como as Forças

Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional

da Colômbia (ELN). As FARC começaram a ser associadas ao tráfico e produção de

drogas. Portanto, a repressão ao narcotráfico na Colômbia englobava também o

combate às guerrilhas, questão que dificultou ainda mais as negociações entre o

governo e estas. Além disso, porque ainda em 1997 os EUA e a Colômbia

retomaram o acordo de extradição ao território norte-americano de traficantes de

drogas colombianos.

Sendo mais divididas, as atuais redes narcotraficantes especializam-se

preferencialmente em determinada etapa do narcotráfico. Em caso de ser preso, o

narcotraficante não será julgado por todas as etapas do processo, mas por aquelas

em que esteve envolvido. O acordo de extradição firmado entre EUA e Colômbia é

um dos motivos para que os narcotraficantes dividam-se em células menores e

mantenham apenas o contato necessário entre si.

Quando Samper sai do poder, assume o presidente Andrés Pastrana (1998-

2001), que durante seu mandato buscou tanto uma negociação com as FARC, como

uma aproximação com o governo norte-americano através do Plano Colômbia. Para

 

 

73

tanto, Pastrana concedeu às FARC uma zona desmilitarizada no departamiento de

Meta que correspondia a 40 % do território colombiano (INACIO, 2009, p. 3). Dessa

forma, enquanto o governo tomava medidas internas de contenção à guerrilha,

também, por meio do Plano, abria espaço para atuação norte-americana no país.

Com a intensificação da repressão ao narcotráfico, grupos guerrilheiros como

as FARC e a ELN, passaram a cobrar impostos dos produtores de psicoativos

ilícitos, bem como cobrar taxas às refinarias de drogas localizadas em território

comandado por qualquer que seja a guerrilha. Em troca, os grupos guerrilheiros

ofereciam o direito de utilizar território em que detinham poder, além de protegerem

os narcotraficantes. Tal relação entre narcotraficantes e grupos guerrilheiros é

denominado por alguns como narcoguerrilhas.

Um dos focos da política externa norte-americana com o fim da Guerra Fria

era o narcotráfico. Contudo, posteriormente aos ataques de 11 de setembro de 2001

ao World Trade Center (WTC), o governo dos EUA elege como ameaça principal à

segurança nacional o terrorismo, e passa a também vincular o tráfico de drogas às

práticas terroristas. Mais tarde classifica como grupos terroristas as guerrilhas como

as FARC e o ELN na Colômbia, e o Sendero Luminoso no Peru.

A instabilidade das instituições colombianas e a emergência de guerrilhas

fizeram com que a estratégia elaborada pelo Plano Colômbia ganhasse um caráter

cada vez mais militarizado, o que demonstra uma dicotomia em relação as suas

idéias iniciais, que, por sua vez, previam a pacificação do país. Cabe, também,

ressaltar que a redução dos problemas que o Estado colombiano enfrentava, ou

seja, relevar como problemas principais a questão do narcotráfico e seu vínculo com

grupos guerrilheiros apenas restringe a implementação do Plano na Colômbia, bem

como a seus resultados.

Passa-se, portanto, a impressão de que erradicando o narcotráfico, os demais

problemas do País estariam resolvidos. Tal afirmação seria um equívoco, se fosse

lembrado que o narcotráfico floresce em regiões instáveis, onde ocorre

recorrentemente corrupção e impunidade. Ademais, a atividade do narcotráfico não

determina a existência de uma guerrilha, apenas serve como fator gerador de renda.

Mesmo que o tráfico de substâncias entorpecentes seja erradicado, à que se lembrar

a existência de outros produtos como armas, objetos falsificados, animais raros, que

também podem ser objetos do tráfico. Além disso, as redes narcotraficantes

possuem grande capacidade de se reestruturarem.

 

 

74

Para agravamento da situação, o uso das Forças Armadas e da Polícia no

combate ao narcotráfico “não tem mensurado diferença entre os fatores do conflito

armado interno da Colômbia e os do narcotráfico” (citação em INACIO, p. 4). Por

conseguinte, as famílias campesinas envolvidas no cultivo e produção de drogas

ilícitas também são marginalizadas.

Em suma, o Plano Colômbia parece ter perdido o foco ao longo de sua

implementação. O que inicialmente previa a reestruturação do país, posteriormente

focou na militarização e combate ao narcotráfico, por fim, com os ataques de 11 de

setembro, tanto os EUA quanto o próprio governo colombiano passam a focar

esforços no combate a guerrilha, classificando-a como grupo narcoterrorista.

3.6 Desdobramentos das Políticas de Repressão ao Narcotráfico na Região Andina A Região Andina, assim como o Brasil, há muito possui regiões onde são

tradicionalmente cultivados arbustos de coca. De acordo com definições medicinais,

a folha de coca tem um efeito leve, e no século XIX começa a ter seu uso difundido

além dos países que a produziam.

A cocaína foi descoberta na Alemanha em 1855 por cientistas que estudavam

propriedades de plantas exóticas (WILSON; ZAMBRANE, 1995, p.10). Descoberto

efeitos de tal psicoativo, ele passa a ser usado para fins medicinais, e receitado

como analgésico.

Alguns anos depois, no ano 1863, é desenvolvido o vinho de Mariane, que

possuía folhas de coca inteiras em sua composição. Essa mercadoria ganhou

espaço no mercado norte-americano e europeu e abriu espaço para que outras

substâncias derivadas da folha da coca começassem a ser produzidas, como, por

exemplo, a Coca-cola que anteriormente utilizava folhas de coca em sua produção.

Para a produção de derivados da folha de coca, a pasta base da planta era

exportada para os EUA e processada em território norte-americano. Parke-Davis,

companhia estadunidense, com vistas a diminuir os custos de transporte da pasta

base da coca, instalou fábricas processadoras em países produtores na América do

Sul. Criava-se, portanto, uma logística para a produção da cocaína na região.

Vê-se que já no século XIX a coca era um produto de caráter transnacional.

Mas mesmo conhecendo os efeitos de seus derivados, ela só é regulamentada, tal

 

 

75

como consta no item 3.2 deste trabalho, quando é desenvolvida a Convenção Única

de 61.

Após sua regulamentação, o narcotráfico na região andina ganha visibilidade.

À medida que políticas contra a produção de drogas eram implementadas,

aumentam-se migrações internas dentro e entre países produtores. Esse é um dos

impactos recorrentes do narcotráfico. A população migra para fugir da violência

provocada pelo crime organizado, ou visando o lucro decorrente desse. Para manter

o equilíbrio populacional nas regiões de um país, seria necessário incentivo

financeiro e abertura de mercado a seus produtos lícitos. Foi o que a União Européia

fez na década de 1990 aos países latino-americanos

A EU iniciou a concessão de créditos destinados a amenizar a

crítica situação econômica e social na qual se encontram vários pequenos assentamentos campesinos e de mineiros localizados particularmente no norte do Estado de Potosí. Com essa ajuda econômica, pretende-se manter estes campesinos e mineiros em suas regiões de origem e, dessa forma, frear, dentro do possível, o processo migratório permanente para as cidades e para as zonas produtoras de folha de coca (PROCOPIO, 1999, p. 129).

Internamente, na Bolívia, foram criadas leis que previam o desenvolvimento

alternativo e substituição de cultivos de coca. Tais leis almejavam fornecer

condições aos plantadores e produtores de coca, para que fossem capazes de

produzir um produto lícito alternativo ao que produziam, e que trouxesse um

rendimento igual ou proporcional à folha de coca. É uma tarefa complexa, visto que

seja em países produtores, consumidores ou de trânsito, a reinserção na sociedade

o indivíduo envolvido com o narcotráfico exigiria grandes investimentos

O desenvolvimento alternativo ao cultivo de outras drogas prevê, portanto, a

substituição da economia ilegal, por ganhos legais. O narcotráfico apenas possibilita

ao produtor da folha de coca condições básicas para sua sobrevivência. E é de

interesse não só das famílias que vivem dos ganhos do narcotráfico, como também

do Estado possibilitar a geração de riqueza e o aumento da qualidade de vida de tais

pessoas. Ou seja, não basta só tentar erradicar as atividades do crime organizado;

há que se desenvolver outras fontes de geração de renda para atuarem em seu

lugar, já que o dinheiro ilícito está entranhado à economia lícita, e provocaria grande

instabilidade financeira se, de uma vez, deixasse de existir.

Ainda no que concerne aos efeitos provocados pelas políticas de repressão

ao narcotráfico na Região Andina, vê-se a forte presença da agência norte-

 

 

76

americana DEA em território sul-americano. As operações da DEA na década de

1990 na região concentraram-se principalmente na Colômbia, podendo ou não

expandir a outros países, caso conveniente. Nesse caso, a agência norte-americana

promove convênios com outros países, para que possa ocupá-los e promover suas

atividades nele, ou atua de maneira ilegal, em um âmbito mais operacional, tal como

consta em entrevista anexa no corpo desta monografia.

3.7 O Brasil no combate às drogas

Em contraposição às medidas militaristas de combate ao narcotráfico

adotadas por alguns países da Região Andina, dentre eles Colômbia, Bolívia e Peru,

o Brasil procura soluções pacíficas de enfrentamento ao problema. Sua política

defende a não-ingerência em assuntos internos de outros países. Contudo, devido a

grande extensão fronteiriça que o Brasil possui com os três maiores produtores de

cocaína na região ele realiza operações conjuntas entre as Forças Armadas, a

Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de combate e prevenção

ao narcotráfico em sua faixa de fronteira.

Organismos Internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU),

tratam o crime organizado como problema transnacional. Nesse caso, as políticas

relacionadas ao combate ou erradicação do narcotráfico em todo o mundo devem

possuir caráter multilateral. Contudo, como já demonstrado, a Região Andina é

marcada pela forte influência das políticas de repressão norte-americanas. Por

conseguinte, tais políticas refletem também no Brasil, já que, apesar de realizar

medidas internas de combate ao narcotráfico, externamente, adota uma postura

multilateral de combate ao problema.

A política de combate estadunidense na região possui viés fortemente militar.

O Brasil, apesar de possuir políticas de prevenção e recuperação de usuários

realizadas pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), também, de

certa forma, prioriza à repressão ao problema. As Forças Armadas também estão

envolvidas em ações de repressão principalmente na região fronteiriça aos países

andinos. Contudo, as políticas para segurança nacional não estão a cargo apenas

das Forças Armadas. “Em 1998, FHC criou o Ministério da Defesa, fundindo nele os

três ministérios militares, então dissolvidos” (CERVO, 2008, p. 146). Ou seja, a

 

 

77

política externa brasileira para manutenção da segurança não prioriza o uso da força

para alcançar interesse interno do país.

Portanto, para lidar com o problema do narcotráfico o Brasil possui diferentes

órgãos de repressão, prevenção e responsáveis por políticas públicas, dentre eles

têm-se: a SENAD e o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), o

Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) e o Fundo Nacional

Antidrogas (FUNAD); a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), cujo objeto de

trabalho é o levantamento de informações acerca das atividades, causas e

conseqüências do narcotráfico; o Ministério das Relações Exteriores (MRE) através

da Coordenação-Geral de Combate aos Ilícitos Transnacionais (COCIT) e de

colaborações com o Ministério da Justiça (MJ); a Polícia Federal, através do

Departamento de Combate ao Crime Organizado; e, por fim, as Forças Armadas,

apesar de não possuírem poder de polícia, também auxiliam na repressão e

combate ao narcotráfico.

O combate ao narcotráfico e ao crime organizado transnacional como um todo

no Brasil acontece por meio das atividades dos órgãos anteriormente citados e a

troca de informações entre eles. Logo, a eficácia das políticas de enfrentamento ao

narcotráfico só terão efeito se tais órgãos possuírem pessoal capacitado, e

cooperação e compartilhamento de informações entre si.

De acordo com Cervo (2008, p.120), é inegável a influência que os Estados

Unidos possuem na região, bem como a relação estreita e conveniente que

historicamente o Brasil mantém com essa potência. Cervo ressalta ainda a

disposição brasileira de transmitir uma imagem de país pacífico e pacificador. Por

isso, foi contra a idéia norte-americana, em 1995, de direcionar as Forças Armadas

Brasileiras apenas para o combate ao narcotráfico (2008, p. 141), o que não significa

que as Forças Armadas estejam presentes, como já dito, em operações repressoras

ao narcotráfico. Ademais, o Brasil vai contra os novos conceitos impostos pelas

grandes potências de dever de ingerência e boa vontade (CERVO, 2008, p. 142),

considerando essas iniciativas como unilaterais e discriminatórias contra países

fracos.

Ademais, vale ressaltar que por ser anteriormente classificado apenas como

região de escoamento de psicoativos ilícitos e outras substâncias químicas

necessárias à fabricação de drogas, as políticas de repressão ao narcotráfico eram

centralizadas nos principais portos brasileiros, além de serem realizadas operações

 

 

78

policiais em grandes centros urbanos, para onde eram destinadas parte da droga

que entrava no País. Contudo, no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi

inaugurado em Manaus, Amazonas, o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM),

com vistas a controlar o espaço aéreo brasileiro e prevenir contra possíveis

invasões, contrabandos ou danos ambientais na região. O Brasil reforçava, portanto,

a vigilância na Região Amazônica, uma das principais portas para o contrabando de

substâncias ilícitas, devido sua extensão e a porosidade de sua fronteira. Segundo

Inácio (2009, p.10)

Ao projeto SIVAM são incluídos um conjunto de 25 radares, 8 aviões, 87 estações de recepção de imagens via satélite, 200 plataformas de coleta de dados, assim como uma centena de outros equipamentos. O SIVAM inclui também unidades de vigilância e alarme compostas por radares fixos, sendo três delas distribuídas nas cidades de Tabatinga, São José de Cachoeira e Tefé, além de censores de imagens aeroespaciais e terrestres. As unidades de vigilância e interceptação aéreas abrangem cerca de 2,19 milhões de Km² da região amazônica. Conforme apontam as autoridades brasileiras, dos 1500 voos não autorizados que sobrevoam a região amazônica anualmente, 90% são dedicados a atividades ilegais, dentre elas, o narcotráfico.

Medidas contra o narcotráfico devem ser implementadas também

internamente. No entanto, em 1994 e 1995, o Brasil realizou as Operações Rio I e II,

envolvendo as Forças Armadas numa tentativa de “restituir a presença e atuação

dos instrumentos de Estado em algumas áreas que se achavam sob controle do

narcotráfico” (PROCOPIO, 1997, p.79). O insucesso das Operações Rio trouxe a

tona outro fato também levantado por Procopio (1997, p.79) “de que a ação militar

desencadeada pelas Forças Armadas se restringia a combater os sintomas do

narcotráfico, ou seja, a violência urbana e não suas causas”. As causas levantadas

por Procópio deveriam, portanto, ser combatidas pelo Estado através da melhoras

nas áreas da educação, saúde, habitação, segurança.

O envolvimento das Forças Armadas em tais operações e ainda sua presença

nas regiões fronteiriças do Brasil com os países andinos refletem muito mais

tentativas de projeção de poder do país nas regiões onde há maior incidência de

atividades ilícitas, do que um envolvimento essencialmente militarista em relação ao

problema.

As operações de repressão voltadas para os centros urbanos, onde também

há o maior número de consumidores de psicoativos ilícitos, denota que o país,

 

 

79

apesar de considerar o narcotráfico com problema transnacional, ainda mantém

políticas voltadas principalmente ao combate do narcotráfico nacional. Contudo,

grande parte do montante de droga que transita pelo território brasileiro é

proveniente de outros países, o que indica necessidade de maior atenção as

fronteiras fluviais, terrestres e aéreas do Brasil com outros países, visto que são

portas de entrada para drogas em território brasileiro.

Tal como destaca Procópio (1997, p. 94),

a inteligência que controla e fomenta o narcotráfico, sua estrutura de produção e logística de distribuição para o país e para o exterior não estão necessariamente nas capitais aonde à as políticas repressoras são mais intensas, podendo estar no exterior.

Essa é a lógica do narcotráfico na região. Envolvendo diferentes grupos,

geralmente não localizados em um mesmo país com o intuito de facilitar o fluxo de

bens por meios aéreos, fluviais ou terrestres.

3.8 Descriminalização e legalização do uso e produção de drogas O narcotráfico, por ser um fenômeno presente praticamente em todos os

países da região, com mais intensidade em uns que em outros, gera um efeito spill

over em relação aos países andinos e o Brasil. Uma melhor visualização desse

fenômeno se dá devido ao deslocados internos, pessoas que, muitas vezes em

conseqüência do narcotráfico, são levadas a migrarem de região.

Devido aos efeitos negativos do narcotráfico sobre o Estado, há muito fala-se

em descriminalização e legalização do uso e produção de drogas. A

descriminalização consiste em não criminalizar o dependente pelo uso de

psicoativos ilícitos. Nesse caso, o usuário é considerado dependente químico, e não,

transgressor da lei. Portanto, diante dessa perspectiva, esforços políticos e

financeiros devem ser voltados para políticas públicas de enfrentamento ao

problema.

Nesse sentido, permitir o uso pessoal da maconha não implica em abrir

mercado para uma indústria similar à do tabaco ou a de bebidas alcoólicas, cujo

principal objetivo é multiplicar o número de consumidores (DAMMERT, 2009, p.

124).

 

 

80

Já a legalização prevê que tanto o consumo, quanto a produção e

comercialização de drogas ilícitas tornem-se legais. Ou seja, não só o consumo será

permitido, como também, haveria uma indústria, assim como as de bebida alcoólica

e de cigarros, que produziriam e comercializariam drogas. Para tanto, as empresas

do tráfico, se converteriam em legais, e passariam a pagar impostos, não

precisariam mais usar da violência para exportar seu produto, nem precisariam de

seguranças para proteger sua atividade. Ademais, a qualidade da droga poderia ser

melhorada, diminuindo, assim, problemas na saúde pública.

Qualquer que seja a medida a ser tomada, nenhuma teria efetividade se não

fosse tomada em conjunto com outros países. Legalizar o consumo e a produção

das drogas apenas em alguns países não acabaria com o narcotráfico em outros,

além de que muitos consumidores seriam levados a tal país com a perspectiva de

consumo legal e fácil.

Além disso, o comércio ilícito sempre crescerá à medida que a repressão

aumentar, visto que a pressão gera um custo maior e, caso o número da demanda

permaneça invariável, os lucros do comércio das drogas ganham proporções

maiores.

Contudo, vê-se que a questão do narcotráfico ainda é tratada principalmente

pela vertente legal. Nesse sentido, a criminalização do usuário não vem surtindo

efeitos maiores no combate ao crime organizado. Por isso, alguns países vêm

descriminalizando o uso de certas drogas, como a maconha, por exemplo, que

detém grande quantidade de usuários. Enquanto fenômeno transnacional, a

erradicação do tráfico de drogas seria alcançada progressivamente, através de

cooperação de Estados e instituições.

 

 

81

CONCLUSÃO

O estudo das Relações Internacionais abrange a análise de diferentes tipos

de atores que progressivamente influem na configuração do sistema internacional.

Diante dessa perspectiva, escolheu-se como objeto principal de estudo deste

trabalho o narcotráfico. Tal modalidade de crime organizado aprimora-se e ganha

espaço nas relações inter-estatais à medida que a globalização favorece o fluxo de

bens, capitais e pessoas. Ademais, o aumento da demanda por psicoativos ilícitos,

principalmente em países detentores de grande poder de influência, contribui para

que o narcotráfico seja elevado à condição de ameaça a segurança e economia.

Já na década de 1960, com criminalização do cultivo de folhas de coca e do

arbusto da coca, as atenções são voltadas à América do Sul. Tradicionalmente, Peru

e Bolívia já produziam esta planta. Seu consumo, portanto, estava arraigado à

cultura desses países há décadas. Contudo, o aumento da demanda pelos

derivados dessas plantas, particularmente nos Estados Unidos, forçou o governo

norte-americano a adotar uma postura quanto ao problema. Os EUA, então,

baseiam os malefícios ocasionados pelo narcotráfico no crescente número da oferta.

A influência norte-americana também era refletida nos regimes internacionais

voltados a erradicação do narcotráfico. As primeiras Convenções que versavam

sobre o tema trabalhavam prioritariamente uma das vertentes de tal crime

organizado, criminalizando e exigindo a erradicação dos pontos de oferta. Ou seja, o

problema não era abordado como um todo, esquecendo-se das causas que

favoreciam a inserção deste na sociedade, no governo e na economia legal.

Portanto, as políticas de repressão ao narcotráfico desenvolveram-se sob um viés

militarista, priorizando o enfrentamento armado aos grupos narcotraficantes, bem

como às conseqüências das ações de tais grupos – um exemplo claro é a violência

urbana.

Entretanto, como demonstrado no trabalho, a Região Andina possuía

organizações ligadas a práticas de contrabando. As políticas repressoras ao

narcotráfico na região apenas favoreceram a ligação de tais organizações

criminosas com o tráfico e produção de substâncias psicoativas. Tal premissa

baseia-se no fato de que as tentativas de eliminação da oferta não geraram

impactos significativos sobre a demanda. Portanto, as políticas de repressão apenas

elevam o custo do psicoativo ilícito, já que os ramos do crime organizado que o

 

 

82

produzem terão maior dificuldade em realizar desde a produção até o escoamento

do produto devido às ações repressoras, e em contrapartida, os usuários

continuarão a consumi-lo.

O sucesso das organizações narcotraficantes na Região Andina deveu-se

tanto a sua flexibilidade, quanto a capacidade de adaptação sempre que necessário.

Um grande exemplo é a reestruturação dos cartéis colombianos quando da perda de

seus líderes, desmembrando-se em organizações menores, interligadas entre si e

sem um comando central.

A importância do Brasil para o estudo coube ao fato de que o país tem

fronteira aérea e terrestre com quase todos os países da Região Andina. A extensão

e porosidade desta facilitam o trânsito de mercadorias ilícitas entre os países da

região. Contudo, o Brasil, que anteriormente era classificado como rota de

escoamento de psicoativos ilícitos destinados principalmente aos centros

consumidores denota acréscimo no consumo interno, o que faz com que parte da

produção destinada à exportação fique no País. Ademais, quando necessário, a

produção também é realizada em território brasileiro, com vistas a atender demanda

interna. A mesma perspectiva é compartilhada por Equador e Venezuela.

Além disso, e estudo do narcotráfico tem importância para o Brasil porque,

conforme demonstrado no desenvolvimento deste trabalho, a configuração desta

modalidade de crime organizado no Brasil, bem como as políticas voltadas a sua

repressão possuem caráter diferente do que é aplicado aos países da Região

Andina. Portanto, a vinculação que o governo norte-americano confere às guerrilhas

colombianas e o terrorismo chama à atenção do governo brasileiro. Essa afirmação

baseia-se no fato de que o país preocupa-se pelo não transbordamento do conflito

interno colombiano para território brasileiro, bem como com o deslocamento de

vítimas do narcotráfico para o Brasil.

A integração paralela firmada por organizações criminosas que se configuram

em rede na região demonstra que as conseqüências do narcotráfico terão efeito spill

over sobre os países em que está modalidade de crime organizado esteja presente.

E é devido à transnacionalidade do narcotráfico que não um país, mas uma região

foi escolhida como objeto de estudo deste trabalho. Ademais, tal fator elucida a

importância do estudo para as Relações Internacionais, visto que tal modalidade de

crime organizado influi diretamente na configuração do sistema internacional.

 

 

83

Conclui-se, portanto, que o regime internacional que versa sobre o

narcotráfico influenciou a formação de políticas de repressão a esse fenômeno tanto

na Região Andina, como no Brasil. Tal fator confirma o marco teórico, o qual

demonstrou através de uma perspectiva neo-liberal que os agentes transnacionais

ou intra-governamentais influenciam na formulação das políticas de Estado e

configuração do sistema internacional.

Na região de estudo deste trabalho, as políticas de repressão à oferta são

realizadas principalmente nos grandes centros urbanos, nos quais está localizada

parte da população consumidora, bem como nos campos, promovendo políticas de

erradicação e substituição de culturas ilícitas por produtos lícitos. Tais iniciativas não

ocasionaram diminuição da demanda, nem da oferta por drogas. Logo, é necessária

uma mudança de diretriz das políticas que marginalizam o produtor e o usuário de

drogas, para iniciativas que ajudem essas pessoas a inserirem-se na sociedade de

maneira legal.

Grande parte das regiões produtoras de cocaína em países andinos como a

Bolívia, o Peru e a Colômbia, possui significativa dependência social quanto ao

cultivo da planta da qual deriva esse ilícito. Ou seja, a erradicação completa dos

cultivos deixaria muitas famílias sem condições básicas para a sobrevivência.

Portanto, para que logre êxito, as políticas de substituição de culturas nesses países

devem ser acompanhadas por investimentos que possibilitem o agricultor da coca a

desenvolver a cultura de outros bens e poder exportá-los. Nesse caso, países

devem fazer concessões aos produtos lícitos provenientes destes a fim de que os

ganhos para as famílias dependentes do narcotráfico ao menos sejam iguais ao

lucro que tinham com o cultivo da coca.

Em contrapartida, sugere-se também que países com alto índice de

população usuária de drogas foquem esforços em políticas de recuperação de

dependentes, bem como, de prevenção ao uso de psicoativos ilícitos. Para tal, os

governos dos países da região andina devem mudar o foco de suas políticas,

deixando de lado investimentos apenas destinados à repressão armada, e investir

no fortalecimento de suas instituições, na melhoria da saúde, da infra-estrutura e da

educação.

Portanto, estando o narcotráfico amplamente entranhado na economia global,

principalmente por meio da lavagem de dinheiro, não há como erradicá-lo

imediatamente. Isso ocasionaria um grande impacto na economia lícita, visto que o

 

 

84

crime organizado movimenta grande montante de capital. As discussões acerca da

descriminalização ou legalização da produção e uso de drogas não poderá ter efeito

se os países atingidos pelo narcotráfico não realizarem medidas semelhantes e

paralelas. Cabe ressaltar, que as redes narcotraficantes estão preparadas para

adequarem-se a diferentes situações. Devido a esse fato, muitas organizações

envolvem-se em mais de uma modalidade de crime organizado.

O presente trabalho abre espaço para a realização de outras pesquisas

acadêmicas, tais como: a relação entre as redes narcotraficantes da Região Andina

com outras modalidades de crime organizado, como o contrabando de bens

preciosos, tráfico de armas, ou lavagem de dinheiro; e também uma análise das

iniciativas brasileira e chinesa de repressão ao narcotráfico em perspectiva

comparada, ou mesmo de uma análise das políticas de repressão utilizadas pelos

países da Região Andina comparativamente a outros países onde é adotada

perspectiva diferente de combate ao narcotráfico.

Diante dos pontos elucidados, conclui-se que as nações devem trabalhar em

conjunto, através da cooperação internacional, do compartilhamento de informações

e da realização de políticas públicas de erradicação de demanda para que as

atividades do narcotráfico sejam amenizadas. Portanto, as políticas de combate ao

narcotráfico e às suas causas devem ser realizadas em âmbito multilateral,

respeitando as possibilidades de cada país.

Por fim, conforme demonstrado acima nota-se que a hipótese deste trabalho

foi parcialmente confirmada, contudo os efeitos negativos ocasionados pelo

narcotráfico nos países da região ocorrem com mais intensidade em uns que em

outros. O narcotráfico gera conseqüências negativas na economia daqueles que são

mais dependentes desta modalidade de crime organizado, seja através da

dependência social da população em relação ao cultivo de ilícitos, seja pela

crescente economia informal, ou pelo montante de dinheiro proveniente do

narcotráfico que é inserido à economia lícita. Todos estes fatores acharam-se

presentes nos países dessa região de estudo.

Por conseguinte, nota-se que os efeitos sociais, econômicos e de segurança

estão interligados. Em contrapartida, a desestabilização política, ou seja,

instabilidade e desconfianças em relação às instituições governamentais não são

geradas pelo narcotráfico, contudo é fator facilitador de tal crime. Portanto, não

sendo ocasionada, mas sim agravada pelo narcotráfico, a desestabilização política,

 

 

85

conforme demonstrado nesse estudo facilita a ação de práticas ilícitas no país. Do

mesmo modo, a falta de diretrizes concretas e eficazes objetivando a erradicação do

narcotráfico possibilita o agravamento dos problemas sociais e de segurança na

região.

 

 

86

5. Referências Bibliográficas 5.1 Obras impressas 5.1.1 Livros ARON, Reymond. Peace and War: a theory of international relations. New York: Frederick A. Praeger, 1967. CERVO, Amado Luiz. Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008. CERVO, A. L.; BUENO, C. Histórica da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. DUPAS, Gilberto (Org). América Latina início do século XXI: perspectivas econômicas, sociais e políticas. São Paulo: Editora da Unesp, 2005. FARER, Tom J. Transnational Crime in the Americas. Routledge, 1ª ed, 1999. HERZ, M.; HOFFMANN; A. R. Organizações Internacionais: história e práticas. São Paulo: Editora Campus, 2004. KEOHANE, R. O.; NYE, J. Power and interdependence: world politics in transition. Boston: Little, Brown and Company, 1977. KRASNER, S. International regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983. MACHADO, A. A. S.; IDE, D. M.; ZAGO, E. F. Toward Global Identity Thought Cultural Diversity. Brasília: ONU, UNESCO, Unb, 2009. MAGALHAES, Mário. O narcotráfico. São Paulo: Publifolha, 2000. MANUAL de cooperação juridical internacional e recuperação de ativos – Matéria Penal. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Secretaria Nacional de Justiça, Ministério da Justiça, 1ª ed. Brasília: 2008.

 

 

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PROCOPIO Filho, Argemiro e VAZ, Alcides Costa. “O Brasil no contexto do narcotráfico internacional”. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, num. 1, 1997, p. 75-122. REVISTA brasileira de inteligência. Agência Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n.4, 2005. SANTANA, Adalberto. “A globalização do narcotráfico”. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, num. 2, 1999, p. 99-116. WILSON, Suzanne; ZAMBRANO, Marta. “Cocaína, capitalismo e império: encadenamientos globales y políticas del narcotráfico”. Análisis Politico, Colômbia, num. 24, 1995, p. 3-21. 5.2 Outras 5.2.1 Documentais LEGISLAÇÃO e Políticas Públicas sobre Drogas. Brasília, Presidência da República, Secretaria Nacional de Políticas Públicas, 2008. POLÍTICA Nacional sobre Drogas. Brasília, Presidência da República, Secretaria Nacional Antidrogas, 2005.

 

 

92

ANEXO A

 

Entrevista realizada segundo fonte de inteligência do Estado

1) Qual é a conceituação de crime organizado/ crime organizado transnacional e de narcotráfico utilizados pela ABIN?

Segundo a lei brasileira, qualquer conluio que se realize com vistas a uma

atividade criminosa é uma “organização criminosa”. A Lei fala em “formação de

quadrilha ou bando”. O crime organizado tem como objetivo a prática de delitos.

Pode ter uma estrutura informal como as gangues de rua, por exemplo, ou formal.

Um dos exemplos de crime organizado são as famílias mafiosas, que possuem uma

estrutura organizacional e de comando.

Há, ainda, modalidades de crime organizado em nível quase empresarial. Ou

seja, o grupo criminoso possui divisão de tarefas, de poder, de objetivos. Nesse

grupo se enquadram os narcotraficantes dos morros, que trabalham com divisão de

tarefas. Nesse caso, tem-se o narcotráfico de consumo. Já o narcotráfico

internacional é mais complexo e é dividido em, pelo menos, quatro etapas: há os

financiadores, os intermediários, os transportadores e os seguranças.

O Crime Organizado na maioria das vezes se organiza em “células”. Ninguém

conhece a organização como um todo. “Se um cair” a organização não cai como um

todo. Por exemplo, o fornecedor só conhece o intermediário e o receptor. Exemplos

de organizações celulares são as que praticam os crimes de colarinho branco ou de

lavagem de dinheiro. Fernandinho Beira Mar praticava o crime de lavagem de

dinheiro através de compras de fazendas.

Em suma, o fato criminoso, ou delituoso, praticado por um grupo de

indivíduos que mantém entre si níveis de obediência, divisão de tarefas e/ou níveis

de responsabilidade pelo ato caracteriza o crime organizado. Essas organizações

criminosas agem com um determinado objetivo e, quanto maior a organização, em

mais níveis é subdividida, tornando o combate e a apuração do fato criminoso mais

difícil.

 

 

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2) E qual seria a definição de segurança e defesa utilizadas?

Não falando especificamente sobre conceitos, mas como se dão as ações

que visam à segurança e a defesa do País, vê-se que para combater o crime

organizado em geral devem existir acordos com outros países. Além disso, o País

deve ter organismos capazes de prevenir, fiscalizar e reprimir essa modalidade de

crime. O Brasil, por exemplo, tem o COAF, órgão de repressão aos crimes

envolvendo lavagem de dinheiro. Em prol da defesa e segurança do país, faz-se

necessário a especialização do recurso humano para o enfrentamento ao crime

organizado. Ou seja, pessoal treinado que seja capaz de decodificar linguagens,

conhecer procedimentos, entender o mecanismo do objeto de seu trabalho. O crime

organizado se combate com inteligência. O trabalho deve ser integrado. Nem

sempre só a repressão policial é necessária. A infiltração, a interceptação telefônica,

a análise contábil ou de contatos são medidas adotadas para a identificação e a

neutralização de organizações criminosas.

3) Há realmente ligações comprovadas entre máfias e narcotráfico no Brasil?

Não existe narcotráfico se não houver uma estrutura internacional de suporte

por trás disso. Leiam-se grandes organizações. Porque o investimento tanto

financeiro como de recursos humanos é alto.

4) Se possível, fornecer informações sobre quais rotas os narcotraficantes utilizam (as mais conhecidas; regiões em que se localizam).

Rotas são chamadas conexões. Existem várias dezenas de rotas-conexões.

Cada organização tem as rotas que têm condições de explorar. A cocaína sai da

Colômbia, entra no Peru, entra na Bolívia, entra no Brasil pelo Acre, Mato Grosso,

Rondônia. Parte desse itinerário é feita a pé, por “mochileiros. Há, também, aviões

de pequeno porte que saem da Bolívia e entram no Brasil por Rondônia a baixa

altura (abaixo de 1000 metros) para fugir dos radares. Posteriormente, passam a

droga para motoqueiros. Há, ainda, a rota da maconha: Paraguai – São Paulo, em

que a cannabis vem muitas vezes misturada a carga dos caminhões. Nesse caso, é

 

 

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ainda mais difícil a fiscalização vez que as cargas podem ser de madeiras pesadas e

a maconha estar prensada entre elas. Existem rotas da coca que ligam os centros

produtores (Bolívia, Colômbia, Peru) com os centros consumidores. Existem rotas

consorciadas, por exemplo, traficam coca em troca de exctasy. Cada rota tem sua

especificidade, seus mecanismos de distribuição e transporte.

5) Como se dá a atuação da ABIN no que concerne ao combate ao narcotráfico? Nesse sentido, como funciona também a permutação de conhecimento ABIN- CONAD (Conselho Nacional Anti-Drogas), bem como o papel de ambos no combate ao narcotráfico?

A ABIN não faz combate ao narcotráfico. Ela estuda os óbices sociais,

estruturais e financeiros que essa atividade criminosa pode trazer ou apresentar

para o estado brasileiro. A CONAD também não se enquadra como órgão de

repressão. A Polícia Federal é a responsável por essa atividade. A ABIN avalia os

impactos na ambiência social brasileira, além de analisar as causas e efeitos do

narcotráfico. A SENAD cuida das políticas públicas referentes à prevenção,

tratamento e combate ao uso de drogas.

6) Atualmente a ABIN trabalho efetivamente em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal e com as Forças Armadas em operações para combater o narcotráfico? Ou ainda existe carência nesse sentido havendo necessidade de um diálogo maior (troca de informações) entre esses órgãos?

Para garantia da lei e da ordem na faixa de fronteira é necessário troca de

informações para subsidiar as análises. Há uma necessidade de fluxo maior de

informações. Quanto mais informações, melhor o produto da inteligência (análise).

A ABIN mantém contatos com todos os parceiros do SISBIN em uma

atividade de complementaridade dos dados obtidos. Com mais dados é possível

fazer uma análise de melhor qualidade.

 

 

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7) Quais as dificuldades encontradas pelo serviço de inteligência no combate ao narcotráfico?

As principais dificuldades são: a falta de dados e a carência de recursos

humanos qualificados.

8) Em que regiões ou estados se concentram as operações de combate ao narcotráfico? Por quê? Esse pergunta baseia-se no fato de que a imprensa divulga muitas operações de combate ao crime organizado concentradas na região sudeste – Rio, São Paulo. E quanto a região centro-oeste, compreendendo o Mato Grosso, e a região Norte; a ABIN tem presença efetiva nesses locais?

As operações de combate ao narcotráfico concentram-se principalmente nas

chamadas rotas de acesso ao território brasileiro. Há que se concentrar esforços nas

fronteiras secas, fluviais e no espaço aéreo, o último devido ao uso de aeronaves de

pequeno porte e pistas de pouso clandestinas.

A ABIN realiza coleta de dados no local e através dos órgãos parceiros com

vistas a subsidiar as análises. Em alguns casos existem operações conjuntas entre a

ABIN e órgãos parceiros visando à coleta desses dados.

9) Existe de fato a participação crescente de algumas tribos indígenas no narcotráfico? O que é feito para prevenir o problema?

Existe, na Amazônia principalmente. Seja na utilização do indígena como

facilitador nas atividades de transporte e apoio a traficantes, seja no fornecimento de

insumos. Muitos índios servem ao Exército, aprendem táticas de guerra e quando

saem das Forças Armadas utilizam o aprendizado para o narcotráfico. O índio acaba

sendo um facilitador. Quando sai do serviço militar e não tem o que fazer, acaba

sendo “absorvido” pelo narcotráfico.

 

 

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10) Os Estados Unidos da América têm influência na política de repressão ao narcotráfico do Brasil e região andina?

A política dos EUA é voltada para combater a produção das drogas. Se não

há consumo, por que haverá produção? O custo do combate ao consumo é muito

mais caro, então eles preferem combater a produção. Logo, fazem acordos com

países que sejam responsáveis pela produção ou passagem de drogas, visando o

combate da mesma. A DEA, por exemplo, atua de forma legal através de acordos

firmados com outros países e/ou ilegal, atuando de uma maneira mais operacional.

11) O Brasil, tal como os outros países da região, tem uma política de repressão à oferta de drogas. Não seria importante investir também em uma política de repressão ao consumidor (usuário) da droga, tal como ocorre na China? Quais seriam os prós e contras de uma mudança de perspectiva?

Reprimir o consumo é mais caro, mais difícil e traumático do que reprimir a

produção. A visão chinesa é diferente. No Brasil existe uma política de repressão a

produção e ao consumo e de prevenção ao consumo. Só que a política de repressão

esbarra em modismos, linguagens. A prevenção não tem o mesmo apelo do que a

oferta de drogas. A linguagem da prevenção está distante do público alvo.

12) Uma das formas de repressão ao narcotráfico pelos países andinos é a substituição de cultura. Esse método seria eficaz, tendo em vista a quantidade de pessoas que vivem da plantação de coca, por exemplo? Qual seria a alternativa mais viável?

O Plano Colômbia previa isso. Não funcionou. A tradição cultural é um óbice

forte para essa questão. Está arraigado nas populações indígenas dos altiplanos o

uso de mascar a folha de coca. É como no polígono da maconha, onde o cultivo da

maconha é mais rentável que o de outros itens.

 

 

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13) Concorda que o Brasil mantenha um posicionamento diplomático de não-interferência em território estrangeiro, sendo assim não interferindo diretamente no combate ao narcotráfico nesses países?

Para se ter influência é preciso ter poder (dinheiro). Quando a Bolívia expulsou a

DEA de seu território, em 2008, o Brasil ofereceu ajuda da DPF. É necessário ter

poder de influência sem interferir na autodeterminação de cada povo.

14) O que fazer para combater grupos como o Sendero Luminoso que vem crescendo novamente?

Tanto o Sendero como o Tupac Amaru possuem um cunho místico muito

grande. Há suspeitas de que estejam apoiando mochileiros, encobrindo, assim, o

narcotráfico. O combate a esses grupos necessita de um forte trabalho de

Inteligência.

15) Na sua opinião o narcotráfico é um problema que possa ser realmente amenizado ou essa idéia foge a realidade? Por quê?

Pode ser amenizado, mas exige uma atividade de inteligência de Estado

muito grande, aliada a políticas públicas de repressão ao tráfico e de tratamento do

dependente. Deve haver cooperação internacional. Um país sozinho não faz

combate ao narcotráfico.

 

 

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ANEXO B

Mapa do tráfico global de cocaína em 2007

Fonte: World Drug Report 2009, p. 85. (UNODC, 2009)