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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA/PÓS-GRADUAÇÃO A CONSTRUÇÃO DA TERRITORIALIDADE PELO CATADOR DE MATERIAL RECICLÁVEL NO CRUZEIRO, SETOR SUDOESTE E SETOR OCTOGONAL – DF AUTOR: SÉRGIO TOLEDO PEREIRA 2005 Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre no Departamento de Geografia, Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília. Orientadora: Professora Dra. Marília Steinberger.

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA/PÓS-GRADUAÇÃO

A CONSTRUÇÃO DA TERRITORIALIDADE PELO CATADOR DE MATERIAL RECICLÁVEL NO CRUZEIRO, SETOR

SUDOESTE E SETOR OCTOGONAL – DF AUTOR: SÉRGIO TOLEDO PEREIRA

2005

Dissertação apresentada como

requisito parcial à obtenção do grau

de Mestre no Departamento de

Geografia, Instituto de Ciências

Humanas da Universidade de Brasília.

Orientadora: Professora Dra. Marília

Steinberger.

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II

A CONSTRUÇÃO DA TERRITORIALIDADE PELO CATADOR DE MATERIAL RECICLÁVEL NO CRUZEIRO, SETOR SUDOESTE E SETOR OCTOGONAL – DF. SÉRGIO TOLEDO PEREIRA

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre no Departamento de Geografia, Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília, pela comissão formada pelos professores: Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marília Steinberger (GEA/UNB) Membro: Prof. Dr. Neio Lucio Oliveira Campos (GEA/UNB) Membro: Prof. Dr. Marcos Estevan Del Prette (MMA/USP) Suplente: Prof. Dr. Rafael Sanzio A. dos Anjos (GEA/UNB)

Brasília, 12 de julho de 2005

III

A Joelma, que tem sonhos e asas.

A Isadora, que reinventou meu mundo.

IV

AGRADECIMENTOS

SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................................. 6

ABSTRACT ........................................................................................................................... 7

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS................................................................................. 8

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I .................................................................................................................... 20

REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL: A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE RECICLAGEM NO CICLO DO CAPITAL............................................................. 20

CAPÍTULO II ..................................................................................................................... 35

O PROCESSO DE RECICLAGEM: ETAPAS E AGENTES ENVOLVIDOS ............. 35

CAPÍTULO III .................................................................................................................... 51

EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA NO EXTERIOR E NO BRASIL............. 51 Na Alemanha ................................................................................................................... 51 Na França ........................................................................................................................ 52 Na Espanha ...................................................................................................................... 53 Nos Estados Unidos ......................................................................................................... 53 No Canadá ....................................................................................................................... 54 No Japão.......................................................................................................................... 54 Na China.......................................................................................................................... 55 Na América do Sul........................................................................................................... 56 No Brasil ......................................................................................................................... 57

Belo Horizonte .............................................................................................................. 59 Paracatu ....................................................................................................................... 60 São Paulo...................................................................................................................... 61 Porto Alegre ................................................................................................................. 62 Curitiba ........................................................................................................................ 63 Salvador........................................................................................................................ 64

CAPÍTULO IV .................................................................................................................... 67

EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA EM BRASÍLIA........................................ 67

CAPÍTULO V...................................................................................................................... 91

A APROPRIAÇÃO TERRITORIAL E OS CONFLITOS ENTRE OS CATADORES E OS OUTROS AGENTES DO PROCESSO DE RECICLAGEM ............................... 91

Os conflitos entre os catadores e os outros agentes do processo de reciclagem ............... 103 As formas de apropriação do território pelos catadores................................................... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 112

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 117

ANEXO I: Fotografias das Etapas do Processo de Reciclagem.......................................... 120

ANEXO II: Projeto Lixo e Cidadania do DF: Fotografias e Mapa de Localização das Associações e Cooperativas de Catadores do DF............................................................... 124

6

RESUMO

Esta dissertação mostra a importância do território na consolidação do catador de material reciclável como agente beneficiário do processo de reciclagem, tomando a área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal como estudo de caso. Identifica as formas de construção da territorialidade pelo catador e os conflitos em sua relação com os outros agentes do processo de reciclagem. Destaca o significado da apropriação de um território para a sua sobrevivência e a relevância da organização desse segmento social em associações e cooperativas. Destaca ainda a necessidade do reconhecimento de seu trabalho pela sociedade e dá visibilidade a esse profissional, ao mostrar que sua atividade deve ser merecedora de mais atenção, não só pelo valor agregado que gera, como pelos ganhos ambientais que proporciona.

7

ABSTRACT

This dissertation shows the importance of the territory in the consolidation of the collector recyclable material as beneficiary agent of the recycling process, taking the area of the Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal – DF as case study. It identifies to the forms of construction of the territoriality for the collector and the conflicts in its relation with the other agents of the recycling process. It detaches the meaning of the appropriation of a territory for his survival and the relevance of the organization of this social segment in associations and cooperatives. It still detaches the necessity of the recognition of its work for the society and gives visibility to this professional, when showing that its activity must be deserving of more attention, not only for the aggregate value that generates, as for the ambient profits that it provides.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

100 Dimensão – Cooperativa de Coleta Seletiva e Reciclagem de Resíduos Sólidos com Formação e Educação Ambiental

ACARE – Associação de Costureiras do Recanto das Emas

ACOBRAZ – Associação dos Catadores e Recicladores de Resíduos Sólidos de Brazlândia

AMBIENTE – Associação Ambiente da Vila Estrutural

APCORB – Associação Pré-Cooperativista Catadores de Resíduos Sólidos de Brasília

APCORC – Associação Pré-Cooperativista dos Catadores e Recicladores de Resíduos Sólidos de Ceilândia

ASTRADASM – Associação de Trabalho dos Recicladores e Desenvolvimento Agrícola e Ambientalista de Santa Maria

BELACAP – Serviço de Ajardinamento e Limpeza Urbana do Distrito Federal

CATAGUAR – Associação de Catadores do Guará

CEA – Centro de Estudos e Assessoria

CEMPRE – Compromisso Empresarial para a Reciclagem

CMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas

COMLURB – Companhia de Limpeza Urbana

CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente

COOPATIVA – Cooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis com Formação e Educação Ambiental

COOPVAR – Cooperativa dos Trabalhadores do Varjão

COORTRAP – Cooperativa de Produtores e Trabalhadores de Reciclagem

COORTRAP – Cooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis com Formação e Educação Ambiental

DMLU – Departamento Municipal de Limpeza Urbana ECOCÂMARA – Núcleo de Gestão Ambiental da Câmara dos Deputados

9

FECOMÉRCIO – Federação do Comércio do Estado de São Paulo

GDF – Governo do Distrito Federal

HFA – Hospital das Forças Armadas

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

MEC – Ministério da Educação

OAF – Organização do Auxílio Fraterno

ONG – Organização não Governamental

PEV – Posto de Entrega Voluntária

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SEDU – Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República

SEMATEC – Secretaria do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia

SLU – Serviço de Limpeza Urbana

UNB – Universidade de Brasília

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

10

INTRODUÇÃO

Um dos maiores dilemas da humanidade é descobrir um meio de

continuar gerando progresso sem destruir os recursos naturais. A partir da

implantação do sistema capitalista o homem passou a se apropriar da natureza

de uma forma mais rápida e violenta. A industrialização e a urbanização

motivaram a busca incessante de matéria-prima para a produção de

mercadorias em todo o mundo.

O modo de produção capitalista sujeita o meio ambiente e o homem a

uma degradação cada vez mais rápida e violenta. O consumismo desenfreado

provoca, além de outros problemas, a poluição do ar e da água, a contaminação

do solo, a devastação das florestas e o aumento da temperatura do planeta.

A economia do descartável, que incentiva cada vez mais o consumo de

supérfluos, e a criação de necessidades, aceleraram a apropriação dos recursos

naturais e provocaram a iminência do esgotamento de alguns deles. Esse fato

despertou a comunidade mundial para a importância da preservação do meio

ambiente e do uso racional dos recursos naturais, com incentivo à participação

popular. Nesse contexto, surgiu a reciclagem.

Existem várias maneiras de enfocar a reciclagem. Sob o enfoque

ambiental, ela proporciona a diminuição das emissões de dióxido de carbono e

metano, gases responsáveis pelo efeito estufa na atmosfera. Ao reciclar, o país

economiza na pesquisa, extração e transformação da matéria-prima em novos

produtos. Pelo enfoque econômico, a reciclagem proporciona enorme redução

de gastos para o Estado. Ao implementar políticas públicas que incentivam a

prática da coleta seletiva, em parceria com os catadores e a população, o

Estado obtém diversas vantagens. Economiza na coleta e no transporte do

material reciclável, amplia as frentes de trabalho de autogestão e aumenta a

vida útil dos aterros sanitários. Economiza ainda nos gastos com a limpeza

pública, que terá menor quantidade de material a ser recolhida. Sob o enfoque

social, foco deste trabalho, o processo de reciclagem proporciona importantes

melhorias. O Brasil é um país de contrastes, com alto padrão de consumo e ao

mesmo tempo com uma enorme parcela de excluídos. A reciclagem de materiais

11

pós-consumo tem capacidade de gerar emprego e renda para milhares de

catadores sem outra alternativa de sustento, por não atenderem as exigências

do mercado de trabalho.

Apesar da comprovada importância do catador no processo de

reciclagem, eles ainda formam um dos segmentos mais excluídos da sociedade,

quase sempre tratados com preconceito e como caso de polícia. O

reconhecimento da importância de seu trabalho é vital. A forma de catação de

material reciclável varia de uma cidade para outra em volume e complexidade,

mas algumas características não se alteram: as péssimas condições de

trabalho, a inconstância do apoio do poder público e o desprezo da população.

Pesquisas de ONGs e entidades voltadas para o setor de reciclagem

traçaram o perfil do catador brasileiro. A maioria não tem qualificação

profissional; 70% não tem outra fonte de renda; poucos conseguiram concluir o

ensino fundamental; 57% são casados; trabalham com lixo há mais de cinco

anos e foram empurrados para os lixões por causa do desemprego. A

reciclagem abriu caminho em um mercado de trabalho competitivo e excludente,

no qual pessoas com mais de 40 anos estariam possivelmente desempregadas.

Na maioria das cidades, os catadores ainda trabalham para os donos

dos depósitos, que são os intermediadores da venda do material pós-consumo

para as indústrias. A partir dessa constatação, algumas entidades sociais,

depois de muita discussão com as autoridades governamentais, conseguiram

criar galpões de triagem e organizar cooperativas.

Em algumas localidades, essas atitudes favoreceram o reconhecimento

da importância do trabalho do catador na manutenção da limpeza pública e na

economia gerada pela coleta, transporte e destinação final do material recolhido

por esse setor informal. Os catadores são responsáveis pela maior parcela do

material encaminhado para as indústrias de reciclagem. Esse é um dos fatores

que os tornam merecedores de maior amparo legal e reconhecimento social

para que possam aumentar a eficiência e qualidade do serviço que prestam.

Algumas cooperativas têm convênio com instituições de outros países,

conseguem doação de terrenos do governo federal para desenvolver seu

trabalho, produzem artesanato, têm aulas regulares voltadas para o ensino

12

fundamental, médio e pré-vestibular, salas de estudo para os filhos e muitos

outros benefícios. O trabalhador da cooperativa também tem contato com

pesquisadores, estudantes e repórteres e sente-se orgulhoso de seu trabalho

por melhorar a qualidade de vida de sua família e da comunidade.

As razões pelas quais escolhi o direcionamento social do processo de

reciclagem como tema da dissertação de mestrado foram de ordem pessoal e

profissional. O assunto me interessa há muito tempo, tanto pela variedade de

objetos reaproveitados ou reciclados que utilizava no dia-a-dia, quanto pela

possibilidade de criação de novos objetos e utensílios e a comercialização de

material reciclável. Durante toda minha infância e juventude, sempre utilizei

diversos tipos de material reaproveitável ou reciclável na confecção de meus

brinquedos. Pneus, câmaras de ar, latas em geral, papel e papelão, hastes de

antenas de televisão, diversos tipos de molas, tampas de garrafas, pedaços de

madeira, fios elétricos e muitos outros materiais descartados, além de utensílios

domésticos, eram transformados em brinquedos. Outra forma de aproveitamento

desse material era como utensílio doméstico. Latas de doce, de conserva e de

óleo eram utilizadas como pratos, copos, jarras, chuveiros e regadores. Tampas

de garrafas eram empregadas na confecção de limpadores de pés, engradados

de cerveja faziam as vezes de mesas e cadeiras. As possibilidades de

aproveitamento desses materiais eram imensas, e o emprego deles em

inúmeros lares, é, ainda hoje, bastante comum.

A coleta seletiva de materiais era para mim e para muitas pessoas da

minha comunidade, uma ótima fonte de renda. Coletávamos ferro, alumínio e

cobre, que eram vendidos nos ferros-velhos ou para os compradores que

passavam assiduamente nas ruas. As garrafas de refrigerante, cerveja e

aguardente e os garrafões de vinho eram vendidas ao garrafeiro ambulante, aos

depósitos de garrafas ou aos bares e lanchonetes, que compravam os

vasilhames para repor os que haviam sido quebrados. Os papéis, jornais e

revistas velhos eram vendidos também aos compradores que passavam de

porta em porta ou aos depósitos. A coleta seletiva de materiais, além de ser uma

boa fonte de lucro para a comunidade, proporcionava a limpeza mais adequada

dos terrenos e maior proteção contra doenças.

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A necessidade na infância e juventude de reaproveitar ou reciclar

materiais descartados tornou-se opção para mim agora na vida adulta. Possuo

em minha residência vários móveis e objetos antigos que recolhi, recuperei e dei

nova forma ou utilização. Essa opção pelo reaproveitamento de materiais e

objetos teve influência direta de meu pai, que trabalhou por mais de vinte anos

com conserto de panelas, vasilhames de alumínio e outros utensílios

domésticos.

Como pesquisador, observo que a Geografia atual está cada vez mais

compromissada com a justiça social e com a busca de soluções para os

problemas ambientais. Nesse sentido, acredito que a investigação sobre uma

atividade que gera emprego e renda para pessoas carentes, como os catadores

de material reciclável, e a demonstração da importância de seu trabalho para a

sociedade pode acrescentar resultados práticos e relevantes para ciência social

que escolhi como formação básica.

A coleta seletiva de materiais recicláveis, entre outros benefícios,

proporciona a possibilidade de aumentar a duração e a melhor utilização dos

recursos naturais. Este é um dos principais temas da Geografia, segundo

autores como Ferreira (2002), que afirma ser o desenvolvimento e a

preservação do ambiente uma das grandes questões atuais e um dos maiores

desafios para a produção do espaço geográfico pela sociedade. Cidade (2001)

registra as pressões para a mudança de ênfase da Geografia, de um campo

científico voltado para a compreensão de processos socioespaciais, visando a

transformação da sociedade, para uma Geografia como fonte de declarações

prescritivas e normativas voltadas para a resolução de problemas ambientais,

devido a uma leitura cada vez mais generalizada da questão ambiental como

crise ambiental. Suertegaray e Nunes (2001) afirmam que este é o momento do

tempo multidimensional, do tempo com a preocupação da preservação para o

não esgotamento rápido da mercadoria natureza, objetivando a manutenção e a

criação de novos processos de acumulação de capital. Neste sentido, um projeto

que sugere algumas decisões e medidas a serem tomadas, de maneira a

favorecer uma possível melhoria na forma de utilização dos recursos naturais e

14

nas condições de vida dos segmentos socialmente excluídos, está de acordo

com as novas tendências da Geografia.

O direcionamento social do processo de reciclagem encontra apoio no

texto de Ferreira, que ressalta que a principal contribuição da Geografia,

consciente do papel do espaço geográfico no processo social e do peso do

lugar, estaria em apontar saídas, a partir do território, no sentido de construir um

espaço socialmente mais justo e ambientalmente sustentável. Estas saídas da

Geografia, de certa forma, resgatam uma dívida desta ciência com a natureza,

em geral vista como física. A autora também lembra que o desenvolvimento do

sistema capitalista teve imenso apoio da Geografia: “A expansão do comércio a

partir do século XVI, após as grandes descobertas marítimas, estimulou o

avanço dessa Geografia calcada na observação e na descrição dos lugares, que

permitia saber onde se encontravam as matérias-primas e os mercados.

Acumulou-se assim, sob o rótulo de Geografia, um repertório de informações as

mais diversas sobre a terra e sua ocupação pelos homens”.

A respeito do mesmo tema, destaca Cidade (op.cit.) que o contexto

histórico da modernidade caracterizou-se pela ascensão e expansão do

capitalismo, que, em nome do êxito material, levou a extremos o processo de

transformação da natureza. Os serviços prestados por essa ciência ao

expansionismo capitalista não foram acompanhados de responsabilidade com o

meio ambiente ou com a viabilização dos meios de sobrevivência dos

segmentos sociais explorados. Ferreira (ibidem) caracteriza bem isto ao dizer

que os estudos geográficos permitiram que se tornasse conhecido o que estava

fisicamente e socialmente distante, ligando pontualmente lugares, fornecendo

informações sobre onde se encontravam as riquezas e como estavam sendo

exploradas. Diz ainda que a Geografia participou do processo de expansão do

mundo ao torná-lo conhecido, sem tentar explicá-lo, permitindo a exploração da

natureza, sem questioná-la. Em outra parte do texto a autora confirma que o

conhecimento geográfico foi também de suma importância para a expansão

colonial:

“O conhecimento que a Geografia fornecia sobre territórios desconhecidos era de suma importância para a expansão colonial, indicando recursos existentes e as

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possibilidades de exploração dos mesmos. Os estudos desses lugares pouco acessíveis obtiveram financiamento das sociedades de Geografia, que contaram com fundos fornecidos pelos governos dos países em expansão capitalista e por grandes empresas comerciais”.

A partir da constatação de que a Geografia contribui sobremaneira para

os eventos capitalistas e, por conseqüência também para a aceleração do

processo de degradação da natureza e do homem, é preciso destacar agora a

importância de projetos desta ciência dedicados a apontar soluções para os

problemas ambientais e de sobrevivência dos segmentos sociais menos

favorecidos.

O tema da coleta e reciclagem pode ser enriquecido em vários

aspectos, ao ser abordado por uma ciência preocupada com a preservação do

meio ambiente, com a melhor forma de utilização dos recursos naturais e com a

construção de um espaço socialmente mais justo. A Geografia pode colocar à

disposição do tema todo um conhecimento acumulado em diversas áreas de

aplicação.

Sabe-se que a ciência geográfica evoluiu muito nos últimos tempos.

Essa evolução valorizou experiências de preservação e utilização racional dos

recursos naturais em termos sociais. Essas experiências podem adicionar ao

tema conhecimentos sobre a realidade dos segmentos sociais excluídos e a

importância da mobilização social para a melhoria das suas condições de vida.

A Geografia atual dedica-se a encontrar soluções práticas para que o

homem possa se beneficiar da melhor maneira possível dos recursos naturais

existentes, e para que possa viver bem numa sociedade cada vez mais

complexa e exigente. A reciclagem desponta como uma das formas mais

harmônicas possíveis de sobrevivência e adequação do homem ao meio em que

vive. Assim, ganha o tema reciclagem com as possíveis contribuições da

Geografia, e ganha a Geografia com os ensinamentos da reciclagem.

A proposta desta dissertação é mostrar a importância do território para a

consolidação do catador como agente beneficiário do processo de reciclagem,

tomando a área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal como estudo de

caso.

16

Como objetivos específicos, o estudo buscou identificar os outros

agentes envolvidos no processo de reciclagem e mapear os conflitos territoriais

entre o catador e esses agentes. Para alcançar este objetivo, buscou-se

identificar os agentes envolvidos no processo de reciclagem em Brasília e os

conflitos territoriais na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal.

A primeira hipótese levantada foi a de que a implantação de um

programa de coleta e reciclagem que assegure a participação do catador e

aponte meios para que ele se aproprie e permaneça em um território adequado

às suas atividades pode ser um primeiro passo para promover a dignidade

desses trabalhadores e solucionar o problema de saturação da capacidade dos

lixões.

A segunda hipótese considerou a possibilidade de que em muitas

situações a construção da territorialidade dependa mais da concessão dos

outros agentes envolvidos no processo de reciclagem do que do planejamento e

atuação do catador.

Para a elaboração do trabalho adotaram-se os seguintes procedimentos

metodológicos:

- levantamento bibliográfico e revisão bibliográfica teórica/conceitual,

para apoiar as idéias defendidas no texto, amparando-se nas noções de

produção capitalista, meio urbano, territorialidade e territórios

indesejáveis.

- análise documental empírica.

- escolha da pesquisa qualitativa, num enfoque etnográfico, viabilizada

pelo estudo de caso, que mostrou-se mais adequada a este trabalho,

por ser uma modalidade que privilegia o contato direto e natural com a

situação e indivíduos em estudo. Assim, a imersão no cotidiano dos

catadores representou a principal fonte de coleta de dados.

- coleta de dados por meio da observação (registrada em diário de campo)

e a entrevista semi-estruturada.

17

A pesquisa de campo permitiu maior conhecimento do problema e seus

efeitos práticos. Foram realizadas visitas a locais estratégicos, como a cooperativa

de catadores, depósitos de materiais recicláveis, supermercados e lanchonetes, a

partir de um reconhecimento da área e identificação dos locais mais procurados

pelos catadores.

No Cruzeiro, os pontos mais procurados são a feira permanente, o

supermercado Veneza, o supermercado Super Maia e o Cruzeiro Center. No Setor

Sudoeste, os pontos mais procurados são os supermercados e lanchonetes da

avenida comercial. No setor Octogonal os catadores vasculham apenas os

conteiners que ficam fora das quadras residenciais, que são fechadas e os dos

blocos comerciais.

A estratégia de contato foi o posicionamento nos pontos citados. Não

houve demora até os primeiros contatos. A abordagem nas ruas foi sempre

precedida de uma certa tensão por parte do catador, desacostumado a conversar

com pessoas fora de seu meio social e sempre arredio, devido à repulsa causada

por sua aparência e o tipo de trabalho que realiza. Alguns chegaram a declarar

instantaneamente que tinham casa para morar e roupas limpas na sacola para

trocar após o banho. Devido a esses aspectos, a abordagem passou a ser feita de

maneira bastante dissimulada e a utilização de gravador foi descartada.

O tempo médio de cada entrevista, inicialmente previsto em 20 minutos,

alongou-se para 50 minutos, inicialmente devido aos cuidados no contato, depois

por causa dos relatos mais longos dos catadores mais idosos, com mais histórias

para contar. Após as primeiras entrevistas, algumas questões de caráter mais

pessoal foram adicionadas ao questionário inicial, porque os entrevistados

demonstravam necessidade de relatar sua trajetória de vida.

O questionário definitivo, contendo 13 questões relacionadas à rotina de

trabalho do catador foi aplicado de forma individual. As respostas foram escritas

pelo próprio entrevistador, devido ao número elevado de analfabetos. Foram

entrevistados 11 catadores autônomos e 19 catadores organizados. Entre os

entrevistados, 7 eram mulheres.

As entrevistas possibilitaram a coleta de dados dentro da perspectiva da

pesquisa, fornecendo informações complementares, e uma maior percepção da

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questão estudada. Foram entrevistados catadores organizados em associações

e cooperativas e os que trabalham na rua como autônomos, e também outros

agentes envolvidos, como zeladores, porteiros e vigias de prédios residenciais e

comerciais e servidores públicos.

A análise documental empírica colaborou para o mapeamento da

evolução dos fatores que influenciaram no processo abordado, como também

para a identificação dos principais agentes envolvidos. Foram analisados

projetos de coleta seletiva e reciclagem no exterior e no Brasil.

Pela observação, acompanhamos as atividades, posturas e ações

dos principais sujeitos focalizados em várias situações de seu dia-a-dia. A

entrevista permitiu esclarecimentos e aprofundamento dos pontos que pedem

verbalizações mais detalhadas e ainda acrescentou outras explorações

enriquecedoras ao estudo.

No Capítulo 1 foi traçada a relação entre a produção capitalista e a

destruição dos recursos naturais. Foram destacados novos conceitos e formas

de relacionamento com o meio ambiente para prevenir a escassez desses

recursos. O processo de reciclagem foi situado no ciclo do capital, evidenciando-

se as condições de surgimento da atividade de catador e sua importância na

viabilização do retorno do material reciclável à cadeia produtiva. Para melhor

compreensão do processo de reciclagem, abordaram-se aspectos relevantes do

modo de produção capitalista, do meio urbano e das cidades, além de noções

de território, territorialidade e territórios indesejáveis.

A reciclagem foi apresentada no Capítulo 2 como a maneira mais viável

de preservação e uso racional dos recursos naturais, e importante instrumento

de inclusão social. Foram descritas as várias etapas do processo de reciclagem,

desde a coleta seletiva até a transformação do material na indústria recicladora,

e os principais agentes envolvidos. Os agentes foram classificados em grupo

principal, grupo intermediário e grupo de apoio, com destaque para a

importância do catador no processo de reciclagem no Brasil e da organização do

catador em associações ou cooperativas para a melhoria das condições de vida

da categoria.

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No capítulo 3 foram apresentadas as experiências e o direcionamento

dado ao processo de reciclagem no âmbito internacional, a partir da aceleração

do esgotamento dos recursos naturais, em decorrência do aumento do padrão

de vida nos países industrializados. As experiências de coleta e reciclagem

realizadas em algumas cidades brasileiras foram apresentadas e comparadas

com as experiências internacionais.

As experiências de coleta e reciclagem realizadas em Brasília, no

âmbito dos órgãos públicos, universidades, instrumentos e equipamentos e o

programa de coleta seletiva do plano piloto foram relatadas e analisadas no

capítulo 4.

No capítulo 5 apresentaram-se as formas de construção da

territorialidade pelo catador na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor

Octogonal e seus conflitos com os outros agentes do processo de reciclagem.

Os resultados foram embasados pelos dados obtidos na pesquisa de campo e

pelo referencial teórico-analítico desenvolvido nos capítulos iniciais desta

dissertação.

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CAPÍTULO I

REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL: A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE RECICLAGEM NO CICLO DO CAPITAL

O ponto central da lógica capitalista consiste na produção de

mercadorias para a obtenção de lucro. A partir do século XIX, esse modelo de

produção avançou em ritmo acelerado e as críticas a ele dirigidas não foram

capazes, até agora, de impedir as implicações prejudiciais sobre a sociedade e a

natureza. A idéia de inevitabilidade do progresso sempre justificou a busca

desmedida do lucro, independente das avarias causadas à natureza. Neste

sentido, Smith (1988, p. 94) afirma: A produção capitalista (e a apropriação da natureza) é acompanhada não pela satisfação das necessidades em geral, mas pela satisfação de uma necessidade em particular: lucro. Na busca do lucro, o capital corre o mundo inteiro. Ele coloca uma etiqueta de preço em qualquer coisa que ele vê, e a partir desta etiqueta de preço é que se determina o destino da natureza.

A apropriação da natureza, transformando, de maneira inconseqüente,

recursos naturais em mercadorias, pode representar a falência do próprio

sistema, como aponta o mesmo autor:

Na incontrolada tendência para a universalidade o capitalismo cria novas barreiras para o seu próprio futuro. Produz uma escassez de recursos necessários, empobrece a qualidade dos recursos ainda não consumidos, cria novas doenças, desenvolve uma tecnologia nuclear que ameaça o futuro de toda a humanidade, polui totalmente o ambiente que nós devemos consumir para reproduzir, e o processo diário de trabalho ameaça em muito a existência daqueles que produzem o essencial da riqueza social. Mas o ímpeto capitalista também deve desenvolver, como parte dele, força necessária para poder propagar como antinatural e vulnerável este modo de produção é, e quão historicamente temporário ele pode ser. Não é somente a relativa juventude do capitalismo que assinala seu aspecto de ser temporário, mas a produção dessas contradições internas é que garante o caráter temporário. A produção da natureza é o meio pelo qual estas contradições se concretizam. (p. 100)

A produção de qualquer mercadoria envolve um custo ambiental. Não

se trata aqui de uma conta simples de quanto foi gasto para transformar a

matéria-prima em bem de consumo. A produção de refugos e, por conseguinte,

a preocupação sobre o que fazer com ele, é tão importante quanto preservação

dos recursos escassos.

21

Se por muito tempo as idéias de crescimento econômico e preservação

ambiental trilharam caminhos diversos, com o acirramento das discussões sobre

as causas do desequilíbrio ecológico do planeta, a forma predatória de produção

de mercadorias passou a ser contestada mais veementemente.

Já em 1948, reconheceu-se formalmente os problemas ambientais, na

reunião do Clube de Roma, que constatou a finitude dos recursos naturais e

solicitou o estudo conhecido por Limites do Crescimento (Meadows, 1992),

publicado por ocasião da 1ª Conferência Mundial do Meio Ambiente em

Estocolmo no ano d e 1972.

A Conferência de Estocolmo, promovida pela ONU, resultou na

Declaração sobre o Ambiente Humano, reconhecendo como direito fundamental,

tanto das gerações presentes quanto das futuras, a vida num ambiente sadio e

não degradado.

Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

das Nações Unidas (CMAD), conhecida como Comissão Brundtland,

recomendou a criação de uma nova carta ou declaração universal sobre a

proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. O Relatório Brundtland (a

comissão era presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem

Brundtland) foi publicado em 1987, sob título Nosso Futuro Comum, e apontou

para a incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e os padrões de

produção e de consumo vigentes. Mas foi na Eco-92, ou Rio-92, que o termo se

consolidou numa proposta referendada por mais de 180 países.

Muitas soluções foram buscadas com a intenção de prevenir uma

iminente escassez de recursos naturais. Novos conceitos e formas de

relacionamento com o meio ambiente foram desenvolvidos. Não cabe mais a

classificação dos recursos naturais em renováveis e não renováveis, pois sua

finitude e mau uso tornam todos não renováveis. Por outro lado, o termo lixo foi

repensado, significando hoje apenas uma pequena parte do que é jogado fora.

Nesse contexto, a reciclagem surgiu como uma alternativa viável para a

amenização da problemática ambiental.

No Brasil, a cadeia da reciclagem depende fundamentalmente do

catador, que atua na primeira fase do processo, a coleta seletiva. Essa coleta

22

consiste na separação do lixo reaproveitável, que pode ser reciclado, do lixo que

não será reaproveitado, geralmente impregnado de detritos orgânicos. Este

capítulo visa situar o processo de reciclagem no ciclo do capital, o que ajudará a

entender a importância do catador na viabilização do retorno do material

reciclável à cadeia produtiva.

O Ciclo do Capital integra as fases de produção, circulação, distribuição

e consumo, esta última responsável pela maior produção de lixo, principalmente

nos grandes centros urbanos, onde se utiliza enorme quantidade de embalagens

descartáveis. A reciclagem apresenta-se, pois, como um subproduto da fase

pós- consumo, anteriormente pouco considerado.

A “catação” de material reciclável para venda já ocorria há tempos, mas

nunca numa escala tão expressiva como agora, e nunca com o envolvimento do

governo e de diversos segmentos da sociedade nesse processo. A reciclagem

em larga escala abriu novas possibilidades de trabalho e provocou mudanças de

atitude nas cidades onde foi implantada. Para que a coleta seletiva e posterior

reciclagem dos produtos ocorram de forma organizada e eficiente é

imprescindível a atuação do catador. É ele quem movimenta todo o processo.

Mesmo antes do despertar para as questões ambientais, o catador já realizava o

importante trabalho de coleta e encaminhamento do material para a reciclagem.

É certo que essa atuação era, como ainda hoje, movida principalmente

por questões econômicas e de sobrevivência. Mas esse personagem tem uma

longa história de convivência com condições extremamente adversas para

desempenhar seu ofício, que na verdade é o que lhe sobrou de um sistema

socialmente excludente.

A partir da constatação de que o catador não é mais o único a

sobreviver coleta de materiais, faz-se necessária a defesa de sua manutenção

no processo de reciclagem. Empurradas pelo desemprego ou pela possibilidade

de melhorar seus rendimentos, muitas pessoas atualmente se dedicam

costumeira ou esporadicamente a juntar e revender latas de alumínio ou

embalagens confeccionadas com plástico pet, materiais muito valorizados e que

não vão mais parar na lata do lixo tão facilmente. As doações desses materiais

para o catador também diminuíram, ficando hoje nas mãos dos porteiros de

23

prédios, zeladores, e até de pessoas de classe média, que descobriram uma

boa forma de conseguir uma renda extra. Assim, forma-se uma verdadeira rede

de atores principais e secundários envolvidos no processo de reciclagem. A

competitividade aumentou muito, e o catador viu seus rendimentos diminuírem.

Enquanto aumenta a disputa pelo material reciclável, apenas 6% do lixo

sólido produzido retornam à indústria sob a forma de matéria-prima, segundo

dados do CEMPRE - Compromisso Empresarial para a Reciclagem. Vários

entraves contribuem para isso, sendo o maior deles a falta de cuidados com o

material pós-consumo. A presença de matéria orgânica nas embalagens

descartadas influencia negativamente na qualidade do material recolhido, o que

dificulta seu reaproveitamento e também provoca diminuição no preço de

mercado. As mudanças comportamentais para um consumo responsável

propiciariam ao mesmo tempo uma grande fonte de renda, a diminuição do

desperdício e, conseqüentemente, economia de recursos.

A falta de programas organizados e eficientes de coleta seletiva é

outro impedimento ao aumento da reciclagem dos resíduos sólidos domiciliares.

São poucos os municípios brasileiros que têm esse tipo de coleta, a maior parte

nas regiões Sudeste e Sul, entre os quais destacam-se Curitiba, Porto Alegre,

Belo Horizonte e Florianópolis. Mesmo assim, a quantidade de resíduos

recolhidos por esse sistema ainda é pequena. Tornam-se urgentes medidas

para incentivar o aumento de seu aproveitamento, como a atribuição de

responsabilidades aos fabricantes pelo ciclo total do produto, a exemplo do que

ocorre na Alemanha, e a obrigação de recolhimento após o uso pelo

consumidor, que já acontece no Brasil com pneus, baterias e pilhas,

obedecendo a resoluções do CONAMA.

A falta de universalização dos métodos de coleta seletiva também é um

grande empecilho para o aumento da reciclagem dos resíduos sólidos. Sem um

modelo unificado para todo o país, cada unidade da federação tem um projeto

diferente, e não aproveita as inovações e experiências bem sucedidas em outras

localidades.

A utilização dos recursos de forma racional conta hoje com novos

conceitos e atitudes. Um movimento que começa a crescer nos últimos tempos é

24

o da responsabilidade social empresarial, que se tornou um fator de

competitividade para os negócios. A maioria das empresas, para manter-se

competitiva no mercado, antes apostava basicamente no preço de seus

produtos e serviços e, tempos depois, na qualidade. Atualmente, algumas delas

já procuram investir no permanente aperfeiçoamento de suas relações com seu

público. Entre outras iniciativas, destacam-se: fabricar produtos ou prestar

serviços que não degradem o meio ambiente, promover a inclusão social e a

melhoria das condições de vida da comunidade da qual fazem parte. Estes são

diferenciais cada vez mais importantes para as empresas na conquista de novos

consumidores ou clientes, e trazem enorme retorno em termos de

reconhecimento (imagem) e melhores condições de competir no mercado. O

acesso aos créditos financeiros também é mais fácil para as que incorporam

critérios de gestão responsável. As empresas, que antes tinham pouco ou

nenhum cuidado com os recursos utilizados na fabricação de seus produtos,

agora podem e devem se tornar parceiras do poder público e da sociedade

interessada em preservá-los.

Os catadores formam um dos segmentos mais excluídos da sociedade,

quase sempre tratados com preconceito e como “caso de polícia”. O

reconhecimento da importância de seu trabalho pelos outros segmentos sociais

é de vital importância. A forma de “catação” de material reciclável varia de

cidade para cidade em intensidade e complexidade, mas as características não

se alteram. São comuns as péssimas condições de trabalho, a falta de apoio do

poder público e o desprezo da população em geral.

Somente com o reconhecimento da importância de seu trabalho pela

sociedade, o catador poderá melhorar sua auto-estima, interessar-se mais por

outros aspectos de sua atividade, como o ambiental e o social, e prestar um

serviço com maior qualidade. Deixaria assim de fazer parte da categoria dos

“trabalhadores invisíveis”, aqueles que desempenham importante papel social,

mas sem nenhum reconhecimento. Smith (op.cit., p. 78) ilustra bem essa

situação, afirmando que “Muitas classes dominantes não desempenham

quaisquer tarefas, enquanto outras podem desempenhar funções sociais

necessárias que, contudo, estão desprovidas de valor social.”

25

A adoção de novas práticas sociais, como a economia solidária, é o

sustentáculo para o êxito do processo de reciclagem. Em uma exposição

realizada no II Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2002, Mance (2002)

relata o surgimento dessa prática e suas principais características. A economia

solidária desenvolveu-se a partir dos Fóruns Sociais Mundiais, onde se defendia

a necessidade de organização das camadas populares da sociedade civil

planetária, compostas por segmentos oprimidos e excluídos e por aqueles que

lhes são solidários, com a intenção de buscar alternativas de superar a lógica de

produção capitalista, causadora de concentração de riquezas, exclusão social e

destruição dos recursos naturais.

O autor ressalta que a noção de economia solidária abarca diversas

práticas e está associada “a ações de consumo, comercialização, produção e

serviços em que se defende, em graus variados, entre outros aspectos, a

participação coletiva, autogestão, democracia, igualitarismo, cooperação e

intercooperação, auto-sustentação, a promoção do desenvolvimento humano,

responsabilidade social e a preservação do equilíbrio dos ecossistemas”.

Entre essas práticas inclui-se a autogestão de empresas pelos

trabalhadores, a agricultura ecológica (sem o uso de agrotóxicos), o consumo

solidário (consumo de produtos essenciais, que não agridam o meio ambiente e

não envolvam a exploração humana em sua produção), as redes de trocas, os

sistemas de micro-crédito e de crédito recíproco, os bancos do povo, os

movimentos de boicote, o cooperativismo e o associativismo popular e a difusão

de softwares livres (como o Linux) e outras mais. A idéia é que a riqueza seja

distribuída da forma mais justa e igualitária possível, incluindo as populações

pobres no processo produtivo e possibilitando a melhoria de suas condições de

vida.

Mance (op.cit.) destaca ainda a necessidade de pressionar os Estados e

outros segmentos sociais e propor legislações e políticas públicas favoráveis à

expansão e consolidação da economia solidária, além de uma atualização das

estratégias de transformação estrutural das relações de produção, para que os

trabalhadores tornem-se donos dos meios de produção.

26

Estas noções, difundidas em campanhas governamentais e aplicadas

nas atividades das cooperativas e em diversas outras áreas, poderão tornar-se

um contraponto de peso ao modo de produção e dos valores do capitalismo,

sistema que se auto-reproduz, como nos lembra Przeworsky (1995, p.89):

De acordo com a teoria de Marx sobre o capitalismo, desenvolvida em O Capital, tal sistema de produção e troca se reproduz espontaneamente, como efeito automático de seu funcionamento. O Estado pode ter sido necessário para criar o capitalismo durante o período da “acumulação primitiva”, mas, uma vez estabelecido, o capitalismo reproduz as condições de sua própria existência.

A organização em cooperativas, o gerenciamento do próprio negócio, o

conhecimento do produto comercializado, a melhoria nas condições de higiene e

segurança do trabalho e a repartição por igual dos lucros, entre outros

aprendizados importantes, dignifica o trabalhador e seu ofício. Estas conquistas

são inatingíveis para a maioria dos trabalhadores das empresas capitalistas que,

quando beneficiários das garantias trabalhistas, são carentes de valores

humanitários. O catador, historicamente excluído, torna-se agora importante

personagem na luta para a resolução das questões ambientais.

Souza (1996, p. 28), apontando os motivos do aumento “colossal” do

desemprego e subemprego a partir da década de 1980 comenta sobre “a massa

crescente de famintos e estropiados que, de tão degradados, estão

irremediavelmente fora da competição por postos de trabalho”. A implantação de

sistemas de coleta seletiva em diversas cidades brasileiras pode mudar essa

realidade. A exigência das prefeituras é que todo sistema implantado tenha a

participação direta dos catadores, que inclusive atuam intensamente em sua

fase de planejamento. O catador, antes irremediavelmente fora da disputa por

postos de trabalho, tem agora, na sua própria atividade, antes degradante e hoje

cada vez mais valorizada, oportunidade de cooperar na melhoria das condições

ambientais, de sua comunidade e de sua própria condição de vida. Segundo

dados do Cempre – Compromisso Empresarial para a Reciclagem - a maioria

dos trabalhadores cooperativados recebe mais de dois salários mínimos, valor

bastante significativo considerando o número de desempregados no país e a

média salarial da população.

27

O processo de reciclagem origina-se na fase pós-consumo dos

produtos, que ocorre em larga escala no ambiente urbano, principalmente nas

grandes cidades. Para que se compreenda melhor esse processo e suas

características, serão abordados aspectos relevantes do meio urbano e das

cidades.

A urbanização é um processo contínuo, que vai além da cidade, que

avança mesmo após a consolidação desta e alcança todas as partes do território

penetrado pelo capitalismo, no que Monte-Mór (1996,p.170) chamou de

urbanização extensiva. O autor explica que este termo derivou do que Lefebrve

chamou de “zona urbana”. Em suas palavras: Lefebrve propõe o conceito de “zona urbana” referindo-se àquele estágio de organização espacial no qual o capitalismo industrial, firmemente estabelecido dentro da cidade e controlando toda a sua região de influência, provoca a ruptura da cidade (herdeira da “polis”, da “civitas”), em duas partes relacionais: o core, o centro-núcleo urbano, resultante do processo de implosão do locus do poder, marca da antiga cidade; e o tecido urbano, a trama de relações sócio-espaciais que se estende à região resultante da explosão da cidade pré-existente.

Lefebrve (1972a, p.10) identifica o consumo em larga escala como

característico das sociedades urbanas, que surgiram da industrialização. O autor

entende o tecido urbano como o conjunto de manifestações do predomínio da

cidade sobre o campo:

Por tejido urbano no se entiende, de manera estrecha, la parte construida de las ciudades, sino el conjunto de manifestaciones del predominio de la ciudad sobre el campo. Desde esa perspectiva, una residencia secundaria, una autopista, un supermercado en pleno campo forman parte del tejido urbano. Más o menos denso, más o menos compacto y activo, solamente scapan a su influencia las regiones estancadas o decadentes, limitadas a la “naturaleza”.

A reciclagem é uma prática antiga, mas a forma como está se

organizando hoje em diversos países e abrangendo grande volume de material é

resultado da busca de soluções para os problemas urbanos. Recorro novamente

a Lefebrve (1972a, p. 11) para melhor situar no tempo esse processo:

llamaremos (...) “revolucion urbana” al conjunto de transformaciones que se producen en la sociedad contemporánea para marcar el paso desde el período en el que predominan los problemas de crecimiento y de industrialización (modelo, planificación, programación) à aquel otro en el que predominará ante todo la problemática urbana y

28

donde la búsqueda de soluciones y modelos proprios a la sociedad urbana pasará a un primer plano.

Lefebrve (op.cit.) entende que a palavra cidade parece designar um

objeto definido e definitivo. Para Sjoberg (1995, p. 38) a cidade é uma “uma

comunidade de dimensões e densidade populacional consideráveis, abrangendo

uma variedade de especialistas não-agrícolas, nela incluída a elite culta”. O

autor comenta também a complexidade da cidade industrial moderna,

caracterizada “pela educação das massas, um sistema de classes fluido e, o

mais importante, um tremendo avanço tecnológico que usa novas fontes de

energia” (p. 37). As cidades reúnem um grande contingente populacional,

facilmente convertido em consumidores de produtos de primeira necessidade e

principalmente de supérfluos, fonte do maior lucro das empresas. Na cidade

concentram-se os especialistas, criadores das técnicas e do aparato tecnológico

para sua aplicação. Sjoberg afirma ainda que:

Só é possível interpretar corretamente o curso da evolução urbana comparando-o à evolução tecnológica e à evolução da organização social (especialmente a organização política); estes não são apenas os pré-requisitos da vida urbana, porém as bases do seu desenvolvimento. Como centros de inovação, as cidades forneciam um solo fértil para os sistemáticos avanços tecnológicos; e o progresso tecnológico, por sua vez, contribuía para a expansão da cidade. (p. 44)

Nos grandes centros urbanos são fechados os negócios mais

importantes, moram e trabalham as pessoas mais influentes e ricas. Lá estão

concentradas as fábricas, os grandes equipamentos urbanos, os turistas, a

moda, os grandes centros de compra e lazer. Quase tudo o que acontece nas

grandes cidades é repassado ao restante do país, incluindo o modo de pensar,

vestir-se e os objetos de desejo. Devido a esses e outros motivos, a cidade é o

locus ideal do estabelecimento e manutenção do ciclo da produção. Nela estão

reunidos os elementos ideais para a produção, circulação, distribuição e

consumo dos mais variados produtos. É, portanto, nesse local, onde está a

maior potencialidade para a reciclagem em larga escala. E é nas grandes

cidades que o catador encontra os meios para sobreviver, recolhendo vários

tipos de material reciclável. Nesta atividade, terminará por construir uma

territorialidade, apropriando-se diariamente de um determinado espaço.

29

As cidades costumam ter uma ou várias vocações, sejam elas turísticas,

religiosas, culturais ou comerciais. É essa vocação da cidade ou outras que

possam surgir com o tempo, que determinará seu nível de emprego e de

qualidade de vida. Benko (1996, p. 80) utiliza o conceito de globalidade dinâmica

local para analisar a abertura dos sistemas locais para o seu milieu (meio

ambiente de inovação ou vocação). O processo de reciclagem amplia a vocação

dos centros urbanos, revelando-lhe uma nova função e proporcionando ganhos

na qualidade de vida da população.

Após o estabelecimento das condições para o surgimento da atividade

de catação, terá início a apropriação de um determinado território de atuação

pelo catador. Castro (s/r, p. 10) comenta que a noção de território foi introduzida

na Geografia moderna por Friedrich Ratzel, que procurou transferir a noção de

domínio natural para as ciências sociais por meio da idéia de propriedade. E que

assim o território passou a representar uma parcela do espaço terrestre

identificada pela posse, uma área de domínio de uma comunidade ou Estado.

Nas palavras de Raffestin (1993, p. 143):

O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço.

O autor destaca, um pouco mais adiante, que "falar de território é fazer

uma referência implícita à noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como

em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com uma porção do

espaço" (p. 153).

A apropriação de um território, no caso do catador, é de suma

importância para sua sobrevivência. Quanto maior for o espaço que ele tiver

para recolher o material reciclável, maior será a possibilidade de aumentar os

lucros. Essa apropriação territorial costuma ser conflituosa.

Muitos habitantes, principalmente os de bairros mais abastados e os

donos de estabelecimentos comerciais não são receptivos ao catador, que

geralmente tem aparência descuidada e utiliza carroças ou carrinhos

improvisados e mal cuidados para fazer a coleta. A presença dessas pessoas e

30

veículos numa área nobre pode parecer destoante e depreciativo para os

moradores e até afastar a clientela do comércio.

Para ser aceito, o catador deve freqüentar diariamente esse território,

imprimir uma continuidade em seu serviço de coleta e estabelecer laços de

confiança com os moradores e comerciantes. Nesse sentido, é importante que

ele se organize em associações e cooperativas, onde terá acesso a orientações

para melhorar seu aspecto físico e a estratégias de aproximação e atuação em

locais mais nobres. Com essas atitudes, o catadorinicia a territorialização do

espaço.

A investigação do processo de circulação de material reciclável pode

fornecer pistas de como se dará essa nova territorialidade, e os melhores meios

para que ela não ocorra de forma desordenada ou se molde de maneira a

perpetuar a estrutura social vigente. A este respeito, Arroyo (1996) comenta que:

Um território em transição seria um território que busca uma nova organização, uma nova ordem. Regras diferentes às que prevalecem no presente, já que elas estão se esgotando, não estão dando conta do s conflitos existentes. Um território usado com tempos rápidos e tempos lentos é produto de uma hegemonia excludente: apenas os setores dominantes da sociedade podem atingir as maiores velocidades. Os objetos, as técnicas, as informações, as redes, se inventam (criam), se constroem, se usam, para perpetuar essa estrutura social hegemônica, para manter o status quo, enfim, para reproduzir o presente. Nesse sentido esses elementos, por mais inovadores que eles sejam, não conseguem dar conta de algo novo, que implique em uma mudança social, em uma organização menos excludente.

O território da classe mais favorecida economicamente se estende além

de suas propriedades. Alcança as vias públicas, as praças, o espaço aberto,

domina o espaço público. Nesse sentido, refazendo a trajetória de boa parte dos

catadores, advindos de cidades interioranas e deslocados nas grandes cidades,

é possível fazer um paralelo e até enxergar continuidade ao processo de

alienação do homem, descrito por Moreira (2000, pp. 344-345) :

Chega então o tempo da desterritorialização. A descolagem generalizada das referências, que põe o homem na sensação do fim do próprio espaço. Já não há mais naturalidade, terreidade ou qualquer outro sentido de inserção que signifique interioridade. E a alienação desnaturizante, desterreante, desterritorializante se assume por fim como a relação de um homem com a falta de referências espaciais que o levem a sentir-se um ser consigo mesmo encontrado.

31

Além dos catadores que atuam em territórios distantes, dos quais

retiram seu sustento, existem os catadores que habitam e sobrevivem em áreas

de destino final do lixo, os chamados lixões. Esses locais são impróprios para a

deposição do lixo, causam diversos tipos de poluição, doenças e são

inadequados à presença humana. Os lixões localizam-se em áreas fora das

cidades, e nas últimas décadas, devido ao impulso consumista da população,

vêm aumentando em número e volume.

O processo de produção, devido aos avanços tecnológicos e de

comunicação e circulação, tornou-se extremamente veloz. Os produtos são cada

vez menos duráveis e mais rapidamente descartados. Rodrigues (1998, p. 8)

afirma que “assim constitui-se a sociedade do descartável, pois o produzido hoje

será velho amanhã”. O aumento exagerado do volume de lixo produzido está

diretamente ligado ao modo de vida de nossa sociedade, que a autora (1998, p.

23) chamou de sociedade do descartável:

Um grande problema, da intensificação da produção/destrutiva, senão o maior, está no que se convencionou chamar de problemática ambiental, na criação de novas necessidades que não satisfazem necessidades humanas enriquecedoras, mas apenas correspondem a modos de vida da sociedade do descartável. E, na sociedade do descartável, o tempo e o espaço são tidos como separados, produzem-se cada vez mais e mais mercadorias – que duram cada vez menos –, e utiliza-se de forma intensiva o espaço para produzir mais.

O resultado dessa sociedade do descartável se concretiza nos lixões,

nos rios assoreados, nas encostas de morros que desmoronam, nos terrenos

baldios, que a autora denomina “territórios indesejáveis”. O surgimento dos

territórios indesejáveis está diretamente ligado ao modo de produção capitalista,

ao ritmo de vida moderno e aos artifícios de incentivo ao consumo. Para

despertar no consumidor o desejo de comprar a mercadoria, os fabricantes

contam com o auxílio indispensável da propaganda promocional. Os gastos com

a promoção do produto são imensos e compensados com grande retorno

lucrativo.

A propaganda desperta no consumidor o desejo de ter, de se distinguir

dos demais, de certificar sua condição social. A classe alta importa um modo de

vida dos países ricos e torna-se modelo para a classe média, que influenciará a

32

classe pobre. Não importa a condição social. Os produtos são colocados em

evidência e o desejo de todos é possuí-los, com tecnologia de ponta ou

ultrapassada, a preços altos ou baixos, originais ou falsificados. O consumo

desenfreado é a propulsão de um sistema produtivo que induz a um estilo de

vida ostentador. A mídia oportunista vende a idéia de que consumir em demasia

é um prêmio para quem trabalha muito.

O que faz com que um objeto tão desejado há poucos anos, meses,

dias ou instantes seja desprezado em pouco tempo? A criação do desejo e a

rápida substituição desse desejo por outro. O lançamento e a substituição de

uma tecnologia por outra mais moderna, nem sempre mais funcional, e o

barateamento dessa tecnologia. A propaganda promove o objeto, torna-o

desejado, imprescindível, e logo em seguida exibe-o obsoleto e fora de moda

diante de um modelo de tecnologia muito mais atual. Surge daí o lixo

tecnológico, que com todo o conhecimento empregado na sua concepção, irá

compor a paisagem dos territórios indesejáveis.

O modo de vida atribulada da maioria da população das grandes

cidades é um fator que eleva muito o consumo de embalagens descartáveis.

Morando longe do local do trabalho, grande parte da população faz suas

refeições na rua, utilizando muitas embalagens descartáveis. A informatização

dos serviços, que possibilitou a execução de várias tarefas ao mesmo tempo e

em prazo recorde, criou atividades novas e ininterruptas, exigindo de seus

executores refeições rápidas, preferencialmente no próprio local de trabalho,

diante do computador. As grandes cadeias de lanchonetes e restaurantes self-

service desenvolveram-se no esteio da vida corrida do trabalhador moderno, do

incentivo aos maus hábitos alimentares e da cumplicidade do governo. O

incentivo ao consumo destes e outros produtos é embalado por campanhas

mundiais, que induzem às pessoas um comportamento único, a adoção de

valores e desejos parecidos a serem saciados em locais pré-determinados.

Alguns hábitos importantes foram abandonados. Para ilustrar, entre

outras situações, é oportuno lembrar que poucas pessoas hoje em dia levam

sacolas de compras para o supermercado ou para os chamados verdurões.

Quase todos os produtos já têm uma pré-embalagem, e serão novamente

33

embalados em sacolas plásticas que irão parar no lixo ou nos mais variados

locais indevidos.

No mundo inteiro a ocupação de espaços para segregar o lixo tornou-se

um sério problema. Além da questão ambiental, a ocupação de áreas que

poderiam servir para moradia ou para a agricultura dificulta a sobrevivência da

população e cria mais uma questão social. Muitas pessoas têm nos lixões seu

único meio de sobrevivência. Muitos nasceram e cresceram em seus arredores

e, apesar de toda penúria, também por falta de referências ou opções, não vêem

estes locais como totalmente indesejáveis. Ali encontram toda sorte de materiais

recicláveis, roupas, alimentos, móveis e utensílios para suas moradias. Algumas

reportagens já mostraram moradores dessas áreas apedrejando viaturas de

funcionários do governo incumbidos de desativar lixões.

A noção de territórios indesejáveis pode ser analisada por outros

ângulos. As pessoas que vivem nos lixões, por exemplo, não têm a mínima

chance de sobrevivência nas cidades. A maioria é oriunda de áreas rurais de

pequenos municípios, onde exerciam atividades agrícolas, pesqueiras e outras

sem nenhum aproveitamento no ambiente competitivo das cidades.

Uma comparação entre as condições de vida nos lixões e nos arredores

dos pequenos municípios brasileiros mostra que os lixões representam territórios

indesejáveis para os habitantes de áreas urbanas, mas tornam-se espaços

disputados pelos migrantes de regiões pobres. Nesses locais, é possível ter

moradia, ainda que precária, alimentar-se, ainda que com comida estragada e

vender o material reciclável que encontram. Nos locais de origem dessa

população, a sede e a fome representam ameaças muito mais contundentes do

que as doenças e a degradação causadas pelo lixo. Outro fator importante é que

os lixões encontram-se relativamente próximos aos centros das cidades ou a

áreas residenciais. Acabam por tornarem-se territórios indesejáveis, mas dentro

de territórios desejáveis.

Para os moradores do lixão, a cidade representa muitas vezes um meio

inóspito, onde ele não é bem aceito, não saberia como sobreviver e seria

perseguido pelas autoridades governamentais, que tentariam mandá-lo de volta

a seu local de origem. Os lixões são locais horríveis e degradantes, mas ainda

34

assim com mais chances de sobrevivência para as populações pobres do que

muitos pequenos municípios brasileiros.

35

CAPÍTULO II O PROCESSO DE RECICLAGEM: ETAPAS E AGENTES ENVOLVIDOS

A reciclagem tem-se mostrado a maneira mais viável de preservação e

uso racional dos recursos naturais, com reflexo na economia de energia,

redução de custos de extração de matéria-prima, e, pelo lado humano, constitui

um potente instrumento de inclusão social.

O processo de reciclagem envolve várias etapas. A primeira delas é a

coleta seletiva, passando-se depois ao armazenamento, triagem, compactação,

enfardamento e o transporte para a indústria recicladora.

A coleta seletiva consiste em separar o material orgânico, como restos

de alimentos, do material que pode ser reciclado. Essa separação é feita no

ambiente residencial, industrial, hospitalar ou comercial. Esse tipo de coleta

contribui para a preservação dos recursos naturais, reduzindo os gastos com a

extração de matéria-prima da natureza. É importante também na economia de

energia para a fabricação de embalagens, na geração de renda para os

catadores e na diminuição do espaço utilizado em lixões e aterros sanitários.

Outro aspecto que merece destaque é a conscientização e

envolvimento da sociedade e do Estado na sua implantação e desenvolvimento.

A respeito da coleta seletiva, Legaspe (1996, p. 136) comenta que:

A concepção do sistema de Coleta Seletiva baseia-se no princípio de minimizar a quantidade de resíduos, restos da atividade de consumo da população, enviados aos Aterros Sanitários, Usinas de Compostagem ou Incineradores, as formas de tratamento e destinação final dos resíduos sólidos recolhidos nas cidades (...).

O material reciclado deve ser armazenado em quantidade suficiente

para justificar o tempo e o valor gasto com o transporte até o local de revenda.

Na etapa de triagem, o material será separado por cores, tamanho, espessura

ou outras características, dependendo do tipo de reciclagem a que se prestará.

Após a triagem, o material será compactado ou prensado e enfardado, conforme

seja melhor para guardar até o momento do transporte, medidas que

acrescentam valor à venda.

36

A etapa seguinte é a de transporte final do material para

comercialização com os sucateiros, depósitos ou diretamente para as indústrias

recicladoras. A última etapa é a da reciclagem propriamente dita, em que o

material será transformado em novos produtos e reiniciará o ciclo.

Nos últimos anos o processo de reciclagem tornou-se mais complexo e

ganhou maior visibilidade, devido aos resultados positivos que alcançou,

fazendo com que o número de agentes envolvidos aumentasse muito, elevando

a concorrência na atividade.

Para melhor distinguir os agentes envolvidos no processo de

reciclagem, será feita uma classificação em três grupos. O primeiro, denominado

aqui principal, é formado pelos catadores, pelos atravessadores e pelas

empresas recicladoras. Esse grupo é essencial para a realização do processo

de reciclagem.

O segundo grupo será chamado de intermediário. Aqui encontram-se

agentes importantes para o processo de reciclagem, mas não determinantes

para sua realização. Entre eles encontram-se as várias pessoas que viram uma

oportunidade de completar sua renda com a coleta de material reciclável ou os

que desempenham essa atividade apenas esporadicamente.

O último será chamado aqui de grupo de apoio. Refere-se aos agentes

que ajudam na implementação e suporte dos programas de coleta e reciclagem

e é composto pelas entidades religiosas, ONGs, escolas e profissionais que

atuam nessas entidades.

O catador é o agente mais importante do processo de reciclagem no

Brasil. É ele quem inicia e o torna viável, considerando-se que seria muito caro

se a indústria recicladora ou o Estado tivessem que arcar com as despesas de

pagamento de mão-de-obra especializada para a coleta e o transporte do

material reciclável. O processo de reciclagem no Brasil vem obtendo resultados

positivos exatamente por adotar um modelo de gestão compartilhada das

responsabilidades entre os catadores, a sociedade e o Estado. Esse modelo

serve de referência para vários países.

Os catadores atuam como autônomos ou organizados em associações

ou cooperativas. Os autônomos são os que trabalham individualmente, não

37

organizados em associações ou em cooperativas. Esses trabalhadores vivem

em condição degradante e muitas vezes não têm nem condições de adquirir um

carrinho ou carroça para transportar o material coletado. Os catadores

autônomos têm menor poder de negociação frente aos compradores, sofrem

maior preconceito por parte da população e têm menores chances de melhorar

sua condição social do que os catadores organizados. A condição deplorável do

catador autônomo e de seus meios de transporte do material coletado

inviabilizam sua movimentação nas áreas mais nobres das cidades, onde é

possível encontrar material reciclável em maiores quantidades e de melhor

qualidade. Em piores condições ainda encontram-se os catadores que trabalham

nos lixões.

Esses locais são totalmente inadequados à presença humana, devido

ao mau cheiro, proliferação de doenças, poluição do ar e do solo, risco de

contaminação por materiais radioativos e acidentes com objetos cortantes.

Sobre essa situação, Santos (2000, p. 375) comenta:

A estas pessoas é atribuído o status mais baixo entre os pobres urbanos e economicamente são os mais pobres entre os pobres. Muitos destes coletores de lixo são mulheres e crianças. Eles vagam pelas ruas a pé, procurando lixo, que colocam dentro de sacos que transportam. Deixam suas casas ao amanhecer, andando vários quilômetros todos os dias, completando ao fim da tarde. Seus instrumentos de trabalho são um saco para a coleta e uma vara para espetar e remexer o lixo. No trabalho, correm vários riscos: ficam com cortes e ferimentos produzidos por objetos cortantes e pedaços de vidro ou contraem, no lixo, alergias de pele causadas por lixo químico. Depois de terminada a coleta do dia, os coletores separam os materiais, vendidos aos comerciantes. O que recebem como pagamento pela coleta é muito pouco, vivendo estas pessoas no limite da pobreza.

O material despejado nessas áreas é de qualidade inferior ao

encontrado nas cidades, devido à impregnação de detritos orgânicos,

principalmente restos de alimentos, o que diminui seu valor de venda.

Milhares de crianças e adolescentes vivem e trabalham nos lixões e,

segundo dados do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância, 30%

delas estão fora da escola e têm no lixo sua principal fonte de alimentação.

Apesar de todas as adversidades, as pessoas que moram e trabalham

nos lixões recusam-se a deixar a área, primeiro porque não têm para onde ir,

depois porque conseguem uma renda superior a um salário mínimo com a

38

catação de material reciclável, além de ter liberdade de horário de trabalho.

Assim, muitos não têm a pretensão de trabalhar com carteira assinada nas

cidades, onde provavelmente receberiam apenas um salário mínimo e não

teriam condições de arcar com despesas de transporte e alimentação.

A substituição dos lixões por aterros sanitários agrava ainda mais a

situação dos catadores dessas áreas, que podem ficar sem seu sustento e até

mesmo sem seu local de moradia. O ideal seria promover a organização desses

catadores e junto com eles tentar buscar uma solução para a situação

degradante em que se encontram. Afinal, apesar da forte exclusão social que

sofrem, eles têm um papel importantíssimo no processo de reciclagem.

O catador organizado em associações ou em cooperativas é o que tem

maiores possibilidades de melhorar sua condição de vida e ao mesmo tempo

proporcionar ganhos sociais e ambientais. A grande intermediação que ocorre

no comércio dos materiais coletados impõe uma diminuição na renda alcançada

pelos catadores, e ao mesmo tempo uma desvalorização da atividade que

exercem. São comuns os casos de catadores enganados nos valores recebidos

e no peso do material vendido, por não saberem contar o dinheiro nem conferir a

pesagem da balança.

As cooperativas, com suas idéias de solidariedade, organização e poder

de negociação, surgiram como uma alternativa eficaz para capacitação e

obtenção de maiores vantagens para seus integrantes.

Existe hoje no país um movimento crescente de formação de

associações, cooperativas e organizações de catadores atuando no processo de

reciclagem do lixo. É importante para o catador se organizar como categoria,

podendo assim alcançar mais rapidamente o reconhecimento da sociedade e o

sentido de pertencer, com local certo de trabalho, com nome reconhecido no

mercado e crédito para comprar alimentos e objetos necessários ao seu bem-

estar. Outro aspecto positivo é que atuando nas associações ou cooperativas

ele tem a oportunidade de conhecer todas as fases de seu trabalho,

compreendendo melhor a sua importância.

A participação e o controle social são fatores essenciais para a gestão

dos resíduos sólidos, onde se inclui o processo de reciclagem. A partir disso

39

pode-se aferir a importância do trabalho do catador no processo de manejo

desses resíduos e na melhoria da qualidade de vida da população, elevando-o

de uma condição de exclusão para um patamar de importância social. As

associações e cooperativas promovem aulas de educação ambiental e difundem

noções de preço justo, responsabilidade territorial, passivo ambiental, combate

ao desperdício, mais-valia e outros, visando maior qualificação técnica e cultural

dos trabalhadores. Adquirindo essas noções, o catador pode realizar um

trabalho de melhor qualidade para a sociedade.

Os catadores estão expostos a acidentes de trabalho e doenças

decorrentes de suas atividades. Diariamente entram em contato com resíduos

contaminados e materiais perfuro-cortantes. São comuns também os problemas

de dores musculares ou na coluna, causados pelos movimentos repetitivos.

Outro problema é o uso da tração humana para transportar o material coletado.

Aqueles que não têm condições de comprar carroças puxam carrinhos pesados

pelas ruas da cidade. Além do desgaste físico, é evidente a situação de

humilhação por que passam.

Casos freqüentes de alcoolismo, que provocam faltas ao trabalho,

incompatíveis com a regularidade que os serviços de limpeza urbana exigem,

dificultam o estabelecimento de parcerias dessa categoria com a administração

pública. Nas associações e cooperativas o catador recebe também orientações

sobre vacinação e importância de exames médicos regulares e o uso de

Equipamentos de Proteção no trabalho. Esses cuidados proporcionam aumento

da produtividade e da auto-estima do catador, além da redução dos

afastamentos por licenças médicas.

O Cd-rom do Ministério das Cidades informa que o Ministério do Meio

Ambiente, em conjunto com a Caixa Econômica Federal, realizou um estudo das

demandas prioritárias a serem desenvolvidas para a inserção social e

econômica dos catadores, destacando as seguintes ações:

- Fazer gestões no sentido de que os catadores sejam representados na

construção do Pacto Social, discutindo a sua inserção econômica e

social, e para que as famílias de catadores sejam priorizadas nos

programas de combate à fome.

40

- Promover uma ampla campanha nacional estimulando a população a

separar os materiais recicláveis e doá-los aos catadores, mesmo onde

ainda não haja programas estruturados de coleta seletiva.

- Incentivar a implantação de programas de coleta seletiva e de

reciclagem do lixo que incluam os catadores como parceiros prioritários.

- Criar instrumentos para incentivar e apoiar a organização de

associações e cooperativas de catadores, com a criação de linhas de

crédito subsidiado.

- Estimular a implantação de programas de coleta seletiva em todas as

instituições governamentais em parceria com associações ou

cooperativas de catadores, a exemplo do que ocorre no Palácio do

Planalto.

- Garantir recursos para programa de coleta seletiva de lixo, triagem e

comercialização para catadores de lixões, especialmente quando da

implantação de aterros sanitários.

- Assegurar moradia para as famílias residentes nas áreas dos lixões

- Articular a inserção dos princípios do Programa Lixo e Cidadania nos

programas habitacionais e de desenvolvimento urbano.

- Estabelecer mecanismos de incentivo para o fortalecimento do mercado

de material reciclado.

- Apoiar o Fórum Nacional de População de Rua na realização de duas

pesquisas brasileiras: o censo nacional sobre a população de rua e o

perfil quali-quantitativo de catadores em lixões no Brasil.

- Promover programas de capacitação para a economia solidária.

- Estabelecer mecanismos de criação e incentivo para o fortalecimento e

descentralização do mercado de reciclagem.

- Apoiar a organização de catadores para a prática da coleta seletiva.

- Garantir que as Conferências Nacionais das Cidades e do Meio

Ambiente tenham representação dos catadores e dos fóruns estaduais

Lixo e Cidadania.

41

É importante observar que todas essas medidas serão tomadas em

função da organização do catador. O autônomo terá muito mais dificuldades de

encontrar material reciclável em um futuro próximo, principalmente a partir da

implantação de programas de coleta seletiva e reciclagem.

Os catadores organizados alcançaram importantes avanços políticos,

especialmente por meio do Movimento Nacional dos Catadores, realizado em

janeiro de 2003 no Rio Grande do Sul. Os principais temas tratados no evento

foram a erradicação de lixões, a responsabilização dos geradores de resíduos

com o seu correto destino e a criação de linhas de créditos específicas para a

área de reciclagem.

São inúmeras as vantagens da organização em associações e

cooperativas, mas a promoção da auto-estima do catador talvez seja a maior

delas. A partir da conscientização da importância do seu trabalho e do

aprendizado de novos conceitos sociais e ambientais, ele pode se livrar da

condição de excluído e obter o respeito que a categoria merece.

Os atravessadores ou sucateiros são comerciantes que compram o

material reciclável do catador a preços baixos e o revende às indústrias

recicladoras com altos lucros. Eles fazem a interligação entre a etapa de coleta

seletiva e a etapa final da reciclagem. Compõem este grupo desde donos de

caminhões que compram o material para revender até os sucateiros, os ferros-

velhos e os pequenos, médios e grandes depósitos compradores. Magera (2003,

p. 106) descreve assim a atuação do atravessador ou sucateiro:

O sucateiro aparece como o “parceiro ideal” das cooperativas que, por meio de seu poder de barganha, impõe o preço de compra dos produtos reciclados e vende estes resíduos por um valor maior às indústrias, muitas vezes, chegando a 100% de diferença do valor pago às cooperativas.

A maioria dos catadores não tem meios de transportar o material

coletado diretamente para as empresas recicladoras e não tem como influenciar

no preço das suas vendas. Assim, os ferros-velhos e os grandes depósitos

terminam por centralizar a compra do material reciclável e impor os valores de

mercado. Mais uma vez revela-se a importância de o catador organizar-se em

associações e cooperativas, que têm maior poder de negociação e podem

42

pesquisar os preços do material reciclável no mercado. Outro fator positivo da

organização do catador é aumentar as chances de comprar equipamentos de

beneficiamento do material reciclável, como prensas, máquinas de corte, fornos

elétricos e esteiras para triagem.

É importante destacar que figura do atravessador aparece no grupo

principal apenas devido à falta de condições dos catadores para transportar o

material coletado até a indústria recicladora. E que o atravessador, nesse caso e

no caso da maioria dos países pobres, é considerado apenas um mal

temporariamente necessário.

A tendência atual é a de uma organização maior dos catadores em

associações e cooperativas. Essa organização viabilizará seu acesso a mais

equipamentos e meios de transporte do material recolhido, diminuindo

sensivelmente a participação do atravessador em todo o processo de

reciclagem.

A indústria recicladora encontra-se no último estágio do processo de

coleta e reciclagem. Essa indústria vai transformar o material que comprou em

novos produtos e reiniciar todo o ciclo. Magera (op. cit., p. 41) comenta a

situação:

Hoje, o setor industrial é o maior beneficiado da reciclagem do lixo promovida pelos catadores e cooperativas de lixo do Brasil. É através do sucateiro, seu intermediário e “comparsa” que as indústrias ficam com o maior valor primário extraído dos catadores de lixo.

O número de agentes envolvidos no processo de reciclagem aumentou

consideravelmente a partir da substituição do vidro pela lata de alumínio e pelo

plástico no envasamento de sucos, refrigerantes e cervejas. Essa substituição

se deu gradativamente na década de 80 e se intensificou na década seguinte.

Até então, esses produtos eram embalados em garrafas de vidro, um material

bem mais barato e com matéria-prima em abundância. Todo esse processo

começou com as embalagens de aço, usadas para envasar a maioria dos

produtos.

O site do Cempre informa que o aço é um dos mais antigos materiais

recicláveis. Na antigüidade, os soldados romanos já fabricavam novas armas a

43

partir do recolhimento de espadas, facas e escudos abandonados nas

trincheiras. O surgimento da lata tem duas versões conhecidas. A primeira conta

que a lata teria sido inventada a pedido de Napoleão Bonaparte, para que seus

soldados pudessem levar alimentos para a guerra, aproveitando a capacidade

de conservação que o aço propicia. A outra versão conta que o alimento

enlatado surgiu na Inglaterra, em 1800.

As embalagens de aço foram evoluindo e ganhando cada vez mais

propriedades adequadas à conservação de alimentos e líquidos. As latas foram

se tornando mais leves e menos espessas. Com o tempo, estudos apontaram o

alumínio como o material mais adequado à conservação de líquidos. Ele tem

propriedades de anti-corrosão, é mais leve e pode ser confeccionado em menor

espessura que o aço, atinge baixas temperaturas rapidamente e as conserva

por mais tempo, mantendo a bebida mais gelada e pode ser reciclado infinitas

vezes, sem perder suas propriedades. As latas de alumínio se mostraram mais

práticas também do que as garrafas de vidro para o armazenamento, o

transporte e por não oferecerem riscos de corte em quem as manuseia.

Os Estados Unidos começaram a reciclar suas latas de alumínio ainda

na década de 70, e suas empresas multinacionais impulsionaram a demanda no

mundo todo. Aqui no Brasil as características climáticas, favoráveis ao consumo

de refrigerantes e cervejas, aliadas a uma crescente implementação de sistemas

de coleta e reciclagem e às necessidades financeiras da população,

contribuíram para que atingíssemos o primeiro lugar no mundo em reciclagem

de latas de alumínio nos últimos quatro anos.

Muito valorizado, o alumínio atingiu o preço de quatro mil reais por

tonelada, aumentando muito o número de agentes envolvidos na atividade de

coleta.

Os supermercados, antes bastante procurados pelos catadores, que ali

encontravam material reciclado variado em grande quantidade, nas ultimas

décadas passaram a cercar toda a área em sua volta, e muitos deles se

mudaram para locais isolados ou abriram filiais em shoppingcenters (centros de

compra), tornando mais difícil a atuação do catador, que não tem facilidade de

locomoção para áreas isoladas, muito menos acesso a centros de compra.

44

As cadeias de supermercados passaram também a fazer campanhas de

recolhimento de embalagens, muitas vezes com desconto na compra de outros

produtos. Assim, muitas pessoas que antes jogavam as embalagens vazias no

lixo ou doavam para os catadores, passaram a encaminhá-las a esses

estabelecimentos, que se tornaram postos de coleta.

Criadoras e incentivadoras de inúmeros programas de reciclagem, as

entidades religiosas aparecem com destaque em todo o processo de reciclagem.

Elas têm uma tradição de apoio aos grupos excluídos em todo o mundo, e no

Brasil desenvolvem um importante papel de inserção social dos catadores. A

articulação dessas entidades com o Estado, a sociedade e o meio empresarial

tem sido extremamente importante para a implantação e o monitoramento dos

programas de reciclagem. Muitas igrejas cedem terrenos, equipamentos e

veículos para os catadores realizarem seu trabalho.

O trabalho realizado por essas entidades sofre críticas devido à falta de

visão empresarial e conotação assistencialista que imprime nas associações e

cooperativas onde atuam. Nesse sentido, Magera (op.cit., p. 106) afirma que:

As dificuldades encontradas pelos catadores de lixo de rua para se organizarem em associações ou cooperativas fazem parte de um processo histórico e secular em nosso país; as camadas menos favorecidas não têm acesso ao crédito/financiamento e ficam nas mãos de instituições sociais, normalmente religiosas ou assistenciais que, com boa intenção, tentam ajudar, mas, na falta de uma visão mais profissional do trato com o lixo ou até com a própria gestão da associação/cooperativa, fracassam por não atender as expectativas econômicas, sociais ou ambientais da reciclagem do lixo.

Apesar da constatação feita pelo autor, é inegável que a presença de

religiosos no processo de qualificação dos catadores tem sido um fator de

melhoria constante das condições de vida dessa categoria. O impulso inicial da

organização de catadores é dado na maioria das vezes por grupos religiosos. A

orientação psicológica que prestam aos viciados em álcool e drogas, o trabalho

de alfabetização e a promoção de auto-estima do catador tem tanta importância

quanto a visão profissional para o êxito da organização. O ideal é que os

catadores se tornem independentes com o tempo, mas, até lá, é válida a ajuda

de voluntários, se possível, isentos de intencionalidades religiosas ou eleitorais.

As associações e cooperativas constituem, hoje, a melhor opção de

organização dos catadores de material reciclável. A cartilha Metodologia para a

45

Organização Social dos Catadores, publicada pela Pastoral de rua da

Arquidiocese de Belo Horizonte, em 2002, informa que “a associação é uma

entidade civil, formada por pessoas que têm objetivos comuns. Pessoas que se

juntam para buscar o bem comum e conseguir, assim, maior autonomia de

ação”. (p. 32).

O objetivo da associação de catadores é incrementar sua renda e

conquistar direitos. Por meio das associações, eles têm acesso a uma série de

benefícios que não alcançariam se trabalhassem por conta própria. As

associações, via de regra, aplicam a gestão democrática de seus recursos e as

decisões são discutidas e votadas em assembléias gerais, onde o voto de cada

associado tem o mesmo valor.

Em relação às cooperativas, a cartilha informa que “o objetivo de uma

cooperativa é a união de pessoas que possam prestar serviços de forma coletiva

e solidária, e que se comprometam a assumir responsabilidades

compartilhadas”. (p. 30). O trabalho em cooperativas propicia ganhos de caráter

econômico, social e cultural para os catadores. A apostila aponta ainda as

características essenciais de uma cooperativa: a autogestão, a solidariedade, a

constante capacitação do catador, do quadro técnico e da direção e a busca de

parcerias e troca de experiências com outras entidades. As associações e

cooperativas aparecem como entidades análogas nesse trabalho apenas no

sentido de organização que têm, visando a melhoria das condições de vida do

catador.

O poder de negociação também é um grande atrativo para que os

catadores se organizem em cooperativas. A pesquisa de mercado, o

armazenamento, beneficiamento e comercialização de grande quantidade de

material reciclável são vantagens que o catador autônomo dificilmente poderia

alcançar. Estudos da Comlurb – Companhia de Limpeza Urbana do Rio de

Janeiro – constataram que os depósitos compradores de material reciclável da

cidade passaram a pagar um valor mais alto ao catador após sua organização

em cooperativa. Na visão de Singer (2002, p. 89):

A cooperativa possibilita compras em comum a preços menores e venda em comum a preços maiores. Sendo entidade econômica e política, a cooperativa representa os

46

catadores perante o poder público e dele reivindica espaço protegido para armazenar e separar o material recolhido e financiamento para processar parte do material separado, agregando-lhe valor. A cooperativa é uma oportunidade de resgate da dignidade humana do catador e desenvolvimento da auto-ajuda e ajuda mútua, que permite constituir a comunidade dos catadores.

O sucesso dos programas de coleta seletiva e reciclagem depende

muito da ampla participação popular. A cartilha da Arquidiocese de Belo

Horizonte ressalta também que sem a participação da comunidade “é quase

impossível uma cidade se ver livre dos efeitos degradantes do lixo. É a partir da

mobilização que as pessoas tomam consciência de que o poder público sozinho

não consegue solucionar um problema que diz respeito a todos.” (p.10). À

população cabe separar o material em suas residências, eliminando a maior

quantidade possível de detritos orgânicos. Essa atitude aumenta a qualidade e

conseqüentemente o valor de comercialização desse material. Além disso,

colabora para o aumento da auto-estima do catador, que entrará em contato

com um material limpo e que não tem mais a simples conotação de lixo.

Outro papel importante da população é a doação do material reciclável

aos catadores ou o encaminhamento aos “postos de entrega voluntária”, que

são recipientes colocados em locais estratégicos nas cidades. A população

também deve ser consultada quanto aos locais de instalação de unidades de

reciclagem e galpões de triagem do material coletado, devido à forte rejeição à

instalação dessas unidades de tratamento de resíduos sólidos próximo a áreas

urbanas.

Para que a participação da comunidade nos programas de coleta

seletiva e reciclagem seja permanente, é necessário que ela compreenda a real

dimensão social da proposta, e reconheça o catador como principal agente do

processo de reciclagem. O meio mais eficiente de incentivar a participação

popular é através da educação socioambiental, que estimula uma mudança de

valores, práticas e atitudes sociais. A partir da informação e sensibilização da

sociedade, é possível diminuir o preconceito e a discriminação contra os

catadores e dar melhor destinação aos resíduos pós-consumo. O tema meio

ambiente foi incluído pelo Ministério da Educação no sistema brasileiro de

47

ensino, visando uma mudança de paradigma em relação às questões ambientais

e sociais.

A cartilha Plataforma de Educação Sócio-ambiental do Programa de

Coleta Seletiva Solidária de São Paulo, publicada em 2003 pela Caixa

Econômica Federal aponta pressupostos para a abordagem das questões

relativas à gestão dos resíduos sólidos urbanos e à educação para a reciclagem

de resíduos pós-consumo (pp. 4-6).

Um dos pressupostos é que a superação das desigualdades sociais

passa pela inclusão social, cultural e econômica. Para que isso ocorra, é

necessário que a gestão social dos resíduos sólidos implemente políticas

públicas que priorizem a geração de renda para os catadores, além da formação

de uma rede de educadores sócio-ambientais. A cartilha evidencia ainda que é a

participação social que amplia os espaços democráticos no interior das

associações, cooperativas e instituições públicas e privadas. Esses espaços

favorecem a conexão do indivíduo com o grupo e a reflexão sobre as atividades

que desempenha.

De acordo com o Cd-rom do Ministério das Cidades, o Programa Lixo e

Cidadania incentiva a máxima representatividade da sociedade civil, estimulando

a participação de representantes de associações comunitárias, entidades

religiosas, associações de classes, clubes de serviços, dentre outras.

O Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Cidades condicionam

a liberação de recursos financeiros para o aperfeiçoamento dos serviços de

limpeza urbana dos municípios ao envolvimento da comunidade local na gestão

participativa dos resíduos sólidos, à retirada das crianças trabalhadoras no lixo e

inserção das mesmas na escola, e ainda à incorporação dos catadores, de

lixões ou de ruas, em programas de coleta seletiva. Segundo os elaboradores

desse trabalho, o procedimento visa garantir o direcionamento social do

empreendimento e fortalecer o Programa Lixo e Cidadania que, dessa forma,

tem estimulado o apoio municipal a programas comunitários, especialmente para

a implantação da coleta seletiva em parceria com catadores.

A população em geral demonstra simpatia e disposição para participar

dos programas de coleta seletiva implantados nas cidades. O problema da

48

destinação dos resíduos sólidos afeta toda a sociedade, e somente a partir de

um trabalho contínuo de conscientização será possível atingir um nível de

responsabilidade compartilhada que atenda às suas necessidades.

O papel do Estado no processo de reciclagem tem sido relevante. Vários

órgãos governamentais têm se dedicado ao estudo e à implantação de

programas de coleta seletiva com a finalidade de reciclagem. As prefeituras têm

cedido espaços e financiado equipamentos para a montagem de galpões de

recolhimento do material e centros de triagem, onde o material é separado e

preparado para a revenda. Muitas prefeituras trabalham em parceria com

cooperativas, emprestando caminhões para o transporte do material. Com essa

atitude, a prefeitura também é beneficiada, pois ganha em aumento da coleta de

lixo e melhoria da imagem da administração junto à população, entre outras

vantagens.

Outro aspecto importante é dos incentivos que o Estado promove para

as empresas envolvidas no processo de reciclagem e para a população que

colabora na etapa da coleta seletiva. Existem várias iniciativas, como desconto

no IPTU e Taxa do Lixo, troca de material reciclável por cestas básicas e outras

formas de envolver a sociedade.

No ano de 2002, o MEC (www.mec.gov.br) instituiu um programa de

formação de professores da educação fundamental para atuar na área de meio

ambiente. O Programa pressupõe a parceria com entidades governamentais e

ONGs para promover a formação de professores da 5 à 8 séries do ensino

fundamental para o trabalho com o tema meio ambiente.

A atuação do Estado é importante também na divulgação de campanhas

de conscientização da população para a preservação da natureza. As

campanhas podem ser veiculadas pela televisão, rádio e outros canais de

comunicação, alcançando todo o país.

O envolvimento das Organizações Não Governamentais na gestão de

resíduos sólidos no Brasil tem crescido nos últimos anos, participando de forma

decisiva na criação de fóruns de debates, edição de vídeos, manuais e cartilhas

sobre gestão de resíduos sólidos e implantação de projetos de capacitação para

o setor.

49

Organizações não governamentais ligadas à igreja católica,

especialmente a Caritas Brasileira, a Organização do Auxílio Fraterno – OAF e a

Pastoral de Rua têm participação fundamental no apoio à organização dos

catadores de material reciclável. A atuação das ONGs no setor é antiga. Desde

o final da década de 80 a Pastoral de Rua de Belo Horizonte apóia a

organização de catadores. A Pastoral consegue firmar parceria com centenas de

empresas e instituições que doam toneladas de recicláveis por mês à maior

associação de catadores de Belo Horizonte, a ASMARE. É importante destacar

que com o auxílio dessas ONGs e outras instituições dedicadas ao setor de

recicláveis, o catador é inserido em um círculo de colaboração, participação e

solidariedade, valores que dificilmente encontraria em outra atividade.

Muitas ONGs têm verbas internacionais para a implantação de seus

projetos, além de manter uma rede de contatos no mundo todo. Geralmente os

profissionais que trabalham nessas organizações têm elevado nível de

dedicação e qualificação, além da identificação com as causas que defendem.

Outra vantagem importante são as parcerias que as ONGs mantêm com

instituições privadas ou governamentais, onde promovem palestras e oficinas de

conscientização e treinamento para os funcionários, aumentando qualificação

daqueles que atuam na gestão de resíduos sólidos, além de viabilizar a doação

de material reciclável para as associações e cooperativas de catadores.

As escolas têm um papel fundamental na assimilação, implantação e

divulgação de projetos. É um multiplicador de ações e conceitos, por isso são

tão procuradas por empresas de reciclagem, que lançam os Projetos Escola.

A Reynolds Latasa, indústria de reciclagem de latas, criou o Projeto

Escola em 1993, para apoiar o Programa de Reciclagem da Lata de Alumínio.

Através desse projeto, milhares de escolas públicas e particulares de vários

estados passaram a trocar latas de alumínio vazias por equipamentos, que vão

desde ventiladores de teto até televisores, videocassetes e microcomputadores,

além de outros itens. O projeto contribui também para a melhoria das condições

de ensino no Brasil, onde grande parte dos alunos não tem contato com

equipamentos de informática e são prejudicados em relação a pesquisas e às

exigências do mercado de trabalho.

50

Ao se inscrever no projeto, a escola recebe a visita de um palestrante da

empresa, vídeos educativos e equipamentos para compactação das latas. A

empresa recolhe as latas nas escolas, quando a quantidade é superior a 8 mil

unidades. Algumas empresas de eletroeletrônicos e de máquinas xerográficas

oferecem equipamentos mais baratos à Latasa, que por sua vez repassa os

descontos para as escolas que participam do programa. Esse projeto tem

alcançado grande êxito e vem sendo copiado em outros países.

As pessoas que coletam material reciclável apenas para complementar

a renda ou enquanto encontram um emprego fixo podem ser consideradas

catadores esporádicos ou não costumeiros. São os porteiros e zeladores de

edifícios, garçons, aposentados, empregadas domésticas e vários outros atores

que de alguma forma acabam por aumentar a concorrência com os catadores

originais e reduzir seu território de atuação.

As latas de refrigerante e embalagens de plástico pet que antes eram

vistos jogados nas ruas ou empilhadas em lixeiras, hoje dificilmente são

encontradas nesses locais. A procura por esse material e o conseqüente

aumento do seu preço no mercado fez com que ele fosse recolhido muito mais

rapidamente das lixeiras ou até nem chegue a elas. É comum hoje em dia que

em qualquer reunião de amigos tenha alguém recolhendo latas com um fim

qualquer. Outra cena freqüente é o recolhimento de latas em shows e outros

locais onde o catador não pode entrar. Após os finais de semana e feriados, é

possível ver muitas pessoas que não são catadores costumeiros recolhendo

latas e plásticos do lixo.

Devido ao aumento do custo de vida e à defasagem salarial, até

pessoas de classe média juntam latas de alumínio em suas casas e vendem aos

depósitos. Os catadores têm dificuldade de encontrar esse material nas lixeiras

e passa a percorrer maiores distâncias por dia e penetrar em outros territórios

para poder recolher uma quantidade maior de material. Essa situação dificulta

ainda mais as condições de trabalho do catador e diminui sua renda. No próximo

capítulo serão apresentadas, de forma sucinta, as experiências e

direcionamento dado à reciclagem no âmbito internacional e no Brasil.

51

CAPÍTULO III EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA NO EXTERIOR E NO BRASIL

O aumento do padrão de vida nos países industrializados causou um

crescimento proporcional no consumo dos recursos naturais. Os países

desenvolvidos são grandes consumidores de eletroeletrônicos, o que provoca

um aumento substancial no consumo de energia elétrica e um rápido

esgotamento dos recursos naturais. O sítio ambientebrasil informa que somente

no continente europeu são descartados 8 milhões de toneladas de

equipamentos eletroeletrônicos por ano (www.ambientebrasil.com.br ).

Muitos países membros da União Européia implementaram programas

obrigatórios de coleta e reciclagem de resíduos sólidos, incluindo o reuso de

equipamentos e componentes de computadores, telefones celulares, cartuchos

de toner para impressoras, câmeras fotográficas dentre outros.

A reunião dos países europeus em um só bloco favorece a padronização

das políticas de tratamento de resíduos sólidos, o que facilita a implementação

de técnicas mais modernas e apropriadas de coleta e reciclagem.

Na Alemanha

A Alemanha foi o primeiro país a adotar medidas de equacionamento da

questão dos resíduos sólidos, segundo Juras (2001, p.3). A Lei de Minimização

e Eliminação de Resíduos, de 1986 estabeleceu os objetivos da política de

resíduos sólidos daquele país. Em 1994, a Lei de Economia de Ciclo Integral e

Gestão de Resíduos ampliou a responsabilidade do fabricante a todo o ciclo de

vida de seu produto. As normas do setor de embalagens determinam os

fabricantes e os distribuidores como responsáveis pelo recebimento e

encaminhamento dos vasilhames para a reciclagem. Para atender a essas

normas, os fabricantes e comerciantes criaram o chamado Sistema Dual, pelo

qual se encarregam da coleta, seleção e reciclagem dos vasilhames e resíduos

comerciais.

52

Na Alemanha, os aspectos ecológicos têm um papel bastante importante

na produção de embalagens.

O setor de separação e de reciclagem da Alemanha experimentou um

crescimento intenso desde a implantação do Sistema Dual. Atualmente, existem

mais de 550 centrais de triagem para embalagens leves, papeis e papelão. A

reciclagem de papel é outro setor bastante desenvolvido no país. Atualmente

quase todos os jornais, papéis para embalagem e papelão são confeccionados

com material reciclado.

As tendências existentes hoje no setor de embalagem da Alemanha são

a redução do peso das embalagens pelo aumento da eficiência dos materiais

utilizados e a utilização de embalagens que podem ser reutilizadas. Os alemães

procuram utilizar produtos concentrados que demandam menores embalagens e

também reduzir o número de materiais utilizados para embalar os produtos.1

Na França

A responsabilidade do gerenciamento de resíduos sólidos na Franca é

da Administração Pública ou entidades autorizadas. O setor público fica

responsável pela eliminação dos resíduos sólidos domiciliares, enquanto os da

indústria, transporte e construção civil ficam a cargo de quem os produziu. Os

resíduos perigosos são manejados apenas por empresas privadas

especializadas, por questão de segurança.

Os principais objetivos da política francesa de resíduos, estabelecida em

1975 e modificada em 1992, são prevenir ou reduzir a nocividade dos resíduos;

organizar o transporte dos resíduos e limitá-lo em distância e volume; valorizar

os resíduos pela reutilização, reciclagem ou qualquer outra ação visando obter

energia ou materiais a partir dos resíduos; além de disso, determinou-se, ainda,

que, depois de 1º de julho de 2002, só seriam admitidos nas instalações de

disposição os resíduos finais.

1 Os dados referentes à questão dos resíduos sólidos na Alemanha, na França, na Espanha e no Canadá foram obtidos através do seguinte trabalho: A Questão dos Resíduos Sólidos. Nota Técnica. Câmara dos Deputados, Brasília, 2001.

53

Existe ainda a possibilidade de firmar contrato com empresas

especializadas em exploração de resíduos ou cedê-los por contrato a um

intermediário autorizado que assegurará o transporte e a comercialização desse

material. Os responsáveis pelos resíduos devem separá-los dos outros

materiais, além de informar a maneira adequada de prepará-los para a

reciclagem.

Na Espanha

A Espanha está desenvolvendo ações com o objetivo de cumprir as

regras da União Européia para a reciclagem. A Lei 11/1997 estabeleceu que as

empresas geradoras devem valorizar e reciclar as embalagens de acordo com

metas estabelecidas. As empresas geradoras podem desenvolver um sistema

próprio, onde cobram um valor dos clientes pelas embalagens dos produtos.

Assim que os clientes devolvem as embalagens, esse valor é restituído. Cabe ao

sistema de gestão integrada dar suporte técnico às administrações locais, além

de financiar o custo da coleta seletiva, mais elevado do que a tradicional.

Nos Estados Unidos

O procedimento quanto ao gerenciamento de resíduos sólidos nos

Estados Unidos é semelhante ao que ocorre na Europa. O país investe em

estudos de redução e remodelagem das embalagens há muitos anos. Existe

uma tendência contínua de uso de materiais mais leves, como o plástico e o

alumínio para substituir o aço e o vidro.

Os Estados Unidos têm uma longa tradição na reutilização de bens

duráveis. É comum o repasse de bens já utilizados para outras pessoas ou a

doação para instituições de caridade. As “vendas de garagem” são uma tradição

no país e uma forma de adiar o momento de descarte desses bens.

A compostagem de restos de comida e podas de jardim é obrigatória em

vários estados do país, e mais de 50% da população já cumpre a determinação

de não destinar a as sobras de comida e podas de jardim para os aterros

54

sanitários. Em Nova York há um ativo programa de coleta e reciclagem de papel

e metal, por alcançarem bom preço no mercado. A coleta seletiva dos outros

tipos de material foi suspensa há dois anos, porque o prefeito acreditava que ela

era dispendiosa para a cidade. Alguns estudos revelaram que a diferença entre

transportar os resíduos para os aterros ou reciclá-los era de apenas um dólar

por tonelada. A conclusão foi que valia a pena voltar a reciclar outros materiais.

No Canadá

No Canadá, a consciência da população em relação aos problemas do

gerenciamento de resíduos sólidos cresceu consideravelmente nos últimos dez

anos. Iniciativas conjuntas do Estado, de empresas e da comunidade

conseguiram reduzir a quantidade de resíduos sólidos enviados para a

disposição final. Em todas as províncias canadenses houve ampla divulgação de

campanhas educativas para incentivar a população a aderir aos programas de

coleta seletiva e reciclagem.

Algumas províncias e rejeitam a deposição de resíduos orgânicos nos

locais de despejo. A reciclagem de óleo usado é obrigatória em algumas

províncias.

Os resíduos domiciliares mais reciclados são os diversos tipos de

papéis, vidros, latas e alguns plásticos.

No Japão

O Japão é um país modelo na questão de coleta seletiva e reciclagem.

O país possui poucos recursos naturais e depende da importação de gêneros

alimentícios e da maioria dos produtos consumidos pela população. É um

grande produtor e consumidor de eletroeletrônicos, cujo descarte ocorre em

curto período de tempo, devido ao constante avanço da tecnologia e criação de

novidades.

A coleta seletiva é realizada em todas as cidades japonesas, o que

garante a redução da quantidade de material destinado ao local de disposição

final de resíduos (www.partidoverde-mg.org.br). A distribuição de contêineres

55

para a entrega voluntária de material reciclável é outra medida que tornou

possível o êxito do programa de coleta seletiva no país.

O comércio de produtos usados é bastante expressivo no país e as

diversas lojas desse ramo oferecem, ainda, assistência técnica de aparelhos

usados. Apenas uma rede de produtos reciclados possui mais de 230 lojas no

Japão e em outros países. Noutra ponta, em 2003 entrou em vigor no país a Lei

de Reciclagem, que obriga os consumidores a assumirem parte das despesas

do descarte de eletrodomésticos, o que incrementou consumo de produtos

reciclados.

Outro aspecto que merece destaque refere-se ao alto índice de

aproveitamento do lixo orgânico, transformado em adubo pelo processo de

compostagem, obtido por meio da fermentação de materiais orgânicos, como

restos de comida despejados pelas residências e restaurantes das grandes

cidades e estrume emitido pelas fazendas pecuárias e granjas do interior. Esse

procedimento é de suma importância para o país, cujo solo resultante de

atividades vulcânicas é pouco fértil, (IV Encontro do Movimento de Educação

Ambiental da BSGI).

Mesmo não sendo economicamente vantajosa, devido ao alto preço do

papel reciclado em relação ao papel confeccionado com matéria-prima virgem, o

governo japonês obrigou os fabricantes a incluírem uma parcela de material

reciclado na fabricação de seus produtos. Essa medida foi tomada visando à

redução da quantidade de lixo gerada e à economia de recursos naturais, o que,

por outro lado, diminui os gastos com importação.

Na China

A China é um país superpopuloso onde o processo de coleta e

reciclagem tem importância fundamental no equilíbrio da relação de produção e

consumo de mercadorias.

Na composição do lixo doméstico dos chineses há predominância de

resíduos orgânicos. Papel, plástico, metal e vidro têm participação reduzida no

volume total. O setor de reciclagem na China está voltado em sua maioria para

os resíduos sólidos industriais. Atuam na reciclagem sobretudo as companhias

56

públicas e empresas ligadas à Federação Nacional das Cooperativas de

suprimento e Mercado, empregando cerca de 880 mil trabalhadores.

Um setor informal, operado por trabalhadores autônomos que também

atuam na lavoura, realiza coleta de porta em porta. No final de 1995, cerca de 3

milhões de pessoas estavam engajadas nessa atividade informal, respondendo

por 80% do total de resíduos sólidos recuperados. A deposição dos resíduos

sólidos é feita, na maioria das vezes, em lixões, resultando na emissão de gás

metano e poluição dos lençóis freáticos.

Na América do Sul

O CEMPRE - informa nº 75 – maio/junho 2004 (www.cempre.com.br)

traz informações gerais sobre o tratamento dos resíduos sólidos em outros

países da América do Sul. A matéria esclarece que na Argentina, Uruguai,

Paraguai, Bolívia, Venezuela, Peru, Equador, e em outros países

economicamente instáveis, as questões relativas ao meio ambiente não têm

tratamento prioritário. As políticas públicas ou leis referentes à questão dos

resíduos sólidos são focadas na sua disposição final, objetivando a substituição

dos lixões por aterros sanitários. Não existem ainda estudos sistemáticos de

implantação de coleta seletiva e reciclagem nesses países, o que poderia

contribuir na geração de renda para a população carente e ajudar no combate a

diversas doenças causadas pela falta de tratamento adequado do lixo.

As experiências de coleta e reciclagem dos países europeus mostram

uma tendência de padronização dos métodos e metas, objetivando o

cumprimento das regras estabelecidas pela União Européia. Os Estados Unidos

e o Canadá seguem orientações semelhantes, enquanto a China e os países da

América do Sul encontram-se em um estágio mais atrasado do processo de

coleta e reciclagem, não apresentando ainda nenhuma tendência de

padronização dos métodos e metas.

57

No Brasil

A implantação dos programas de coleta seletiva no Brasil traz como

pilares a geração de renda para o catador, o incentivo à sua organização em

cooperativas e a promoção de sua inclusão social. Para isso, conta com a

parceria de instituições governamentais, ONGs, organismos internacionais,

entidades religiosas, empresas dentre outros segmentos sociais.

O Brasil, pela quarta vez seguida, foi o país que mais reciclou latas de

alumínio no mundo. As latas de cerveja e refrigerantes formam a quase

totalidade dessa reciclagem, enquanto outros produtos foram praticamente

desprezados pela coleta.

A coleta seletiva encontra-se no âmbito da gestão de resíduos sólidos.

Os dados que serão utilizados para ilustrar a atual situação dos sistemas de

coleta seletiva no Brasil e no exterior tomam como base o cd-rom Avaliação

Técnico-Econômica e Social de Sistemas de Coleta Seletiva de Resíduos

Sólidos Urbanos Existentes no Brasil, iniciativa da SEDU – Secretaria Especial

de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República e o cd-rom Dados do

Brasil para a 1ª Avaliação Regional 2002 dos Serviços de Manejo de Resíduos

Sólidos Municipais nos Países da América Latina e Caribe – OPAS/OMS.

No Brasil, a coleta de lixo e varrição das ruas alcança a quase totalidade

dos municípios – 99% têm coleta convencional, enquanto apenas cerca de 8%

têm programa de coleta seletiva.

Os melhores resultados no manejo, tratamento e destinação final dos

resíduos são obtidos pelos grandes municípios e regiões metropolitanas, com

maior capacidade de ordem estrutural e administrativa, maior qualificação de

pessoal e maior capacidade de obtenção e aplicação de recursos. É importante

destacar que houve uma ampliação significativa na quantidade de lixo coletada,

decorrente do aumento dos índices de coleta e de mudanças nos padrões de

consumo. A população consome hoje muito mais embalagens e produtos

descartáveis do que na década passada.

58

O Governo Federal, por intermédio do Fórum Nacional Lixo e Cidadania,

e especialmente dos Ministérios das Cidades, do Meio Ambiente e da Saúde

vem tentando adequar seus programas e projetos com o objetivo de otimizar e

padronizar critérios para a análise e aprovação dos recursos que resultem em

geração de emprego no setor de resíduos sólidos. O Fórum procura também

destacar a importância e promover a gestão participativa no manejo dos

resíduos.

Vários instrumentos legais disciplinam a área, como a Constituição

Federal de 1988, a Lei de Crimes Ambientais, o Estatuto das Cidades, Lei de

Educação Ambiental, decretos, portarias e resoluções do Conselho Nacional de

Meio Ambiente - CONAMA, as Agências Reguladoras, leis estaduais e

municipais.

A participação social é fundamental para que qualquer programa de

coleta seletiva obtenha êxito. Cientes disso, as prefeituras procuram a melhor

forma de incentivo da população. Algumas prefeituras dão descontos nas taxas

de IPTU e de recolhimento do lixo para os moradores que praticam a coleta

seletiva. A população se mostra favorável e disposta a participar da implantação

dos programas.

Há registros de cidades que incentivavam os moradores com prêmios

pela maior quantidade de material recolhido. Após o término das campanhas, os

moradores continuaram recolhendo e encaminhando para a reciclagem grande

quantidade de material reciclável, independente de prêmios.

O quadro da coleta seletiva no Brasil ainda não é animador. Além do

pequeno número de municípios com programas de coleta seletiva implantada,

são poucos os programas que incorporam os catadores como parceiros. A

situação da maioria dos trabalhadores nessa atividade é bastante precária. A

área de resíduos sólidos ainda apresenta pouco desenvolvimento tecnológico.

Não temos equipamentos adequados para compactação de resíduos nem

equipamentos motorizados de pequeno porte, que possam substituir a tração

humana realizada na coleta seletiva, importante fator para promoção da

melhoria da auto-estima do catador. O esforço físico no recolhimento do

material, como o arremesso de sacos plásticos de lixo, é causa de inúmeros

59

casos de afastamento de trabalhadores, principalmente por problemas de

postura e cortes por objetos perfuro-cortantes.

Apesar dos esforços de instituições públicas e particulares, observa-se

ainda no país uma grande deficiência na gestão dos resíduos sólidos urbanos do

ponto de vista gerencial, técnico e financeiro, embora a situação tenha

melhorado nos últimos anos.

A iniciativa privada é responsável pela coleta de aproximadamente 70%

dos resíduos gerados no Brasil, o que não garantiu maior eficiência e economia

do que o serviço prestado pelas empresas estatais.

As experiências de coleta seletiva que adotaram um processo

participativo tiveram maior êxito do que as que foram implantadas sem a

participação da sociedade (forma de viabilizar o direcionamento social do

processo de reciclagem). Essa característica permitiu encontrar alternativas

apropriadas para cada município e estabelecer o controle social da gestão,

possibilitando ampliar a capacitação local.

Cidades como Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba

destacam-se por ter um sistema de coleta seletiva participativo, com soluções

inteligentes para a questão do lixo. Essas experiências serão relatadas a seguir

e comparadas com os resultados obtidos no exterior.

Belo Horizonte

A cartilha Experiências de Coleta Seletiva, da Pastoral de Rua da

Arquidiocese de Belo Horizonte – 2002, informa que os catadores recolhem

material reciclável nas ruas de Belo Horizonte desde os anos 50 (p. 9). No final

da década de 80, a Pastoral de Rua e a Cáritas Brasileira implementaram uma

ação de apoio ao trabalho dos catadores, resultando na criação da Associação

dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte –

ASMARE.

As primeiras iniciativas de coleta seletiva de Belo Horizonte não

obtiveram resultados satisfatórios, e ainda não consideravam a importância do

trabalho do catador nessa atividade. Somente em 1993 a prefeitura reconhece

60

oficialmente que o trabalho do catador é importante na manutenção da limpeza

pública e na economia gerada pela coleta, transporte e destinação final do

material recolhido. Com a implantação de um programa de manejo de resíduos

sólidos na cidade, foi criado o Projeto de Coleta Seletiva dos Recicláveis,

visando à coleta e à reciclagem do material recolhido, com geração de renda

para os catadores e a conscientização da sociedade para a diminuição do

desperdício (p. 11). As escolas, comunidades religiosas, instituições públicas e

privadas e o comércio central foram escolhidos para dar início ao trabalho de

coleta, devido ao seu potencial multiplicador de idéias.

A partir da implantação do programa de coleta seletiva, foi

desenvolvido um intenso trabalho de esclarecimento da importância da utilização

dos postos de entrega voluntária de material reciclável. A prefeitura cedeu

terrenos para a instalação de galpões de triagem, que passaram a receber

doação de grandes quantidades de material reciclável por parte de empresas.

A prefeitura firmou um convênio de repasse de recursos do município

para o pagamento de despesas administrativas e investimento na capacitação

técnica dos catadores da ASMARE. A pastoral de Rua, em parceria com outras

instituições, promove cursos de limpeza pública e reciclagem, cooperativismo,

segurança no trânsito e saúde do catador.

A ASMARE desenvolve um trabalho de capacitação dos filhos dos

catadores. Os adolescentes aprendem o ofício de marceneiro, reaproveitando

móveis usados e construindo carrinhos que servirão para a coleta de material

reciclável. A oficina de papel artesanal foi criada para gerar renda destinada a

ex-moradores de rua incorporados à associação. A produção dessas duas

oficinas é comercializada no Espaço Cultural Reciclo, criado para divulgar o

trabalho dos catadores.

Paracatu

A cartilha da Pastoral de Rua de Belo Horizonte descreve também a

experiência de coleta seletiva e reciclagem da cidade mineira de Paracatu,

cidade mineira próxima a Brasília. Com a missão de organizar os catadores do

lixão e das ruas da cidade, inserindo-os no processo de coleta seletiva, teve

61

início a implantação do programa da cidade. A Pastoral de Rua de Belo

Horizonte e o Centro Tecnológico de Minas Gerais foram convidados para

organizar os catadores do lixão e das ruas de Paracatu (p.22).

O Fórum Nacional Lixo & Cidadania apresentou a realidade social dos

catadores do lixão e destacou a importância de seu trabalho. Várias entidades,

como a Cáritas Diocesana de Paracatu, a Fundação Nacional de Saúde e a

Companhia Mineira de Metais deram apoio ao programa.

A logística operacional da coleta seletiva priorizou o início das atividades

pelas escolas, por serem espaços que influenciam a mudança de

comportamento da comunidade. Os bairros da região central foram os primeiros

a ter o serviço de coleta seletiva por apresentarem maior quantidade de material

reciclável, maior grau de organização social e por estarem localizados em áreas

planas e bem definidas setorialmente (p. 23).

A coleta de material reciclável foi sistematizada de três maneiras. No

bairro Bela Vista, é realizada porta a porta pelos catadores, que utilizam

carrinhos-de-mão. No centro, os carroceiros fazem a coleta e encaminham o

material para o galpão de triagem, construído em um terreno cedido pela

Cáritas. A coleta ponto a ponto é realizada uma vez por semana nas escolas e

nos contêineres espalhados pela cidade. Algumas empresas que são geradoras

de grande quantidade de material reciclável e já têm coleta seletiva em suas

unidades fazem a entrega voluntária no galpão de triagem (p.25).

O material que chega ao galpão de triagem é separado, pesado e

enfardado pelos catadores. Em Paracatu os catadores participam de todas as

etapas da coleta seletiva, inclusive do transporte final do material, com veículos

emprestados pela Cáritas. Houve um significativo aumento da renda dos

catadores, devido às melhorias nas condições de trabalho e à ampliação dos

tipos de materiais coletados. (p. 30).

São Paulo

Em 2002 foi implantado Programa de Coleta Seletiva Solidária de São

Paulo. Os objetivos do programa são a redução da quantidade de lixo despejada

62

nos aterros, a preservação dos recursos naturais e a inserção dos catadores no

processo de reciclagem.

A prefeitura da cidade incentivou a criação de cooperativas de

catadores, que gerenciam as centrais de triagem de material reciclável. A coleta

seletiva é realizada de porta em porta e também através dos pontos de entrega

voluntária. Foi criado um desconto na taxa de lixo dos moradores em função da

quantidade de material reciclado recolhido. A medida ajudou a reduzir a emissão

de resíduos sólidos de 12 mil toneladas para 8 mil toneladas por dia em 2003.

O programa de coleta e reciclagem de São Paulo incentiva a

conscientização dos direitos e da importância social dos catadores. A

administração das cooperativas é realizada pelos próprios catadores. As tarefas

são divididas por grupos de catadores.

As autoridades municipais já declararam a saturação dos principais

aterros sanitários da cidade. Em razão disso, a prefeitura buscou ampliar a

coleta e os investimentos na construção e reforma de galpões e equipamentos

utilizados no processo de coleta seletiva. Os galpões e equipamentos serão

operados por cooperativas de catadores, que participarão da coleta, triagem e

beneficiamento do material reciclável.

Além dos ganhos ambientais, a prefeitura de São Paulo espera obter

também um amplo reflexo social com a ampliação da coleta e inclusão de maior

quantidade de catadores. A intenção da prefeitura é incentivar a criação de mais

cooperativas e a eliminação dos atravessadores.

Ainda segundo informações do site, os especialistas estimam que São

Paulo perca 300 milhões de reais por ano com o desperdício do material

reciclável e os representantes da indústria de alumínio garantem que nos aterros

da capital são enterrados, a cada ano, 500 milhões de dólares só em recipientes

que poderiam ser reciclados.

Porto Alegre

O projeto de coleta seletiva de Porto Alegre foi implantado pelo

Departamento Municipal de Limpeza Urbana – DMLU em 1990

(www.unilivre.org.br). A exemplo de outras localidades, a falta de espaço para

63

disposição do lixo e a grande quantidade de pessoas vivendo da catação

impulsionaram o programa de coleta seletiva e reciclagem da cidade.

A implantação do programa foi precedida de uma ampla campanha de

conscientização da população, ao mesmo tempo em que foram desenvolvidos

programas de coleta seletiva nas escolas, empresas, hospitais e órgãos

públicos.

Em 1990 foi constituída a Associação de Mulheres Papeleiras e

Trabalhadoras em Geral, primeira entidade organizada de coleta e reciclagem

da cidade. O DMLU investiu na capacitação e organização dos catadores,

promovendo cursos de educação ambiental, aspectos técnicos das matérias-

primas e técnicas de comercialização. O trabalho do órgão foi extremamente

importante para a mobilização da população local.

O programa de coleta seletiva implantado em Porto Alegre possui uma

equipe de educação ambiental e uma equipe operacional. As unidades de

reciclagem são operadas por cerca de duzentos e cinqüenta trabalhadores

autônomos, sob supervisão do DMLU. Esse programa foi implementado por

etapas a partir de 1990, iniciando pelo Bairro do Bom Fim. No ano seguinte já

beneficiava 16 bairros, chegando a 37 em 1992 e 61 em 1995. Em julho de 1997

o programa alcançou 100% dos bairros.

O programa coleta 40 toneladas diárias de material reciclável. O custo

da coleta seletiva é coberto pela taxa de lixo. O objetivo é viabilizar meios de

aumentar o volume de material reciclável recuperado.

Curitiba

A cidade de Curitiba tem o maior índice de aproveitamento do lixo

reciclável do Brasil. A cidade foi pioneira na implantação de programa de coleta

seletiva, em 1989. A coleta seletiva é realizada em todos os bairros e

movimenta aproximadamente 4 mil catadores informais. Além disso, 30

caminhões participam do recolhimento de material reciclável (www.resol.com.br)

A prefeitura de Curitiba estima que mais de 600 toneladas de material

reciclável sejam recolhidas das ruas todos os dias. Segundo a superintendente

64

de controle ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, a maioria dos

catadores tem acordos com lojas, shoppings e condomínios para recolher o

material. A cidade lançou projetos pioneiros, que ajudaram na conscientização

da população sobre o problema da disposição do lixo. O projeto Compra do Lixo

consiste na troca do lixo por produtos como alimentos e vales-transporte e

abrange 45 áreas da periferia, onde é difícil o acesso dos caminhões de coleta.

Existe também o Programa Câmbio Verde, que troca material reciclável por

cadernos, brinquedos e alimentos, e tem mais de 35 mil famílias participando.

Cerca de 20 mil empregos diretos e indiretos foram criados na cidade

com o programa de coleta seletiva e reciclagem de Curitiba.

Salvador

A cidade de Salvador registra a atividade de catação de material

reciclável desde a década de 1940, em decorrência do êxodo rural. A falta de

qualificação dos migrantes para os empregos oferecidos na cidade e as

dificuldades de permanência no centro empurrou-os para a periferia, onde

sobreviviam do encontravam na área de aterramento de lixo, conhecida como

Alagados. O adensamento populacional nessa área aumentou rapidamente,

atingindo o número de 50.000 pessoas na década de 60 (www.igeo.uerj.br).

A quantidade de lixo gerada pela cidade e o aumento do número de

pessoas vivendo da catação de material reciclável se intensificou nas décadas

seguintes. Nos anos 90 a cidade concebeu um modelo de gestão de lixo no qual

se inseria um amplo programa de coleta seletiva. Em 1991 foi implantado o

Projeto Lixo Útil, que adotou os modelos de coleta porta a porta e postos de

entrega voluntária dos materiais recicláveis. Os objetivos do programa eram

incentivar a indústria recicladora, reduzir custos de limpeza urbana, criar

empregos e incentivar a população para adoção de novos hábitos para com o

lixo. Esse programa amenizaria uma crise no sistema de limpeza urbana da

cidade, que afetava diretamente a imagem da cidade frente à atividade turística.

Em 1998 Salvador adquiria a imagem de “cidade modelo” de limpeza

urbana, coletando mais de 90% de do lixo diário que gerava. Atualmente a

65

cidade mantém ainda um programa ativo de coleta seletiva. Em 2002, uma

pesquisa realizada pela Bahiatursa revelou que a limpeza pública está entre os

dez itens que mais agrada o turista na cidade. Este é um exemplo de programa

de coleta e reciclagem mantido em função do marketing turístico, onde a limpeza

da cidade tem grande influência no aumento de recursos.

A comparação das experiências de coleta seletiva e reciclagem entre os

países economicamente desenvolvidos e o Brasil revela um enorme contraste.

Os países desenvolvidos encontram-se em um estágio mais avançado em

relação à coleta e reciclagem de materiais, refletindo a diferença econômica e

cultural em que se encontram. Tendo iniciado sua industrialização muito antes

do Brasil, foram obrigados a lidar há mais tempo com as questões de

preservação dos recursos naturais. Esses países implementaram leis nacionais

de gerenciamento de resíduos sólidos há muito tempo, o que ainda não

aconteceu no Brasil. A responsabilização do fabricante pelo ciclo total de vida do

produto, desde sua fabricação até a sua eliminação, é uma medida que tem

proporcionado resultados expressivos no processo de reciclagem dos países

desenvolvidos.

A análise dos programas de coleta e reciclagem dos países

desenvolvidos demonstra maior preocupação ecológica na fabricação dos

produtos, obedecendo a uma rígida legislação. Essas preocupações ainda estão

distantes no Brasil, que luta pela implementação e manutenção dos programas

de coleta e reciclagem.

Os países apontados reciclam maior variedade de produtos que o Brasil,

investem em tecnologia e maquinário para a limpeza pública, além de contar

com a participação da população na entrega voluntária do material reciclado. As

etapas de triagem, compactação e enfardamento do material são realizadas por

usinas de reciclagem, com poucos funcionários operando.

Os programas de coleta e reciclagem desenvolvidos no Brasil visam a

inserção social do catador, agente que não aparece no processo de reciclagem

dos países desenvolvidos, onde a população encaminha o material reciclável

aos postos de coleta ou tem um sistema eficiente de recolhimento desse

material.

66

Como foi possível observar, a diferença econômica e cultural dos países

se reflete no desenvolvimento de seus programas de coleta e reciclagem. A

China movimenta milhares de catadores no processo de reciclagem, que ajuda a

alimentar seu crescimento econômico. Os outros países da América do Sul

encontram-se em instabilidade política e econômica e preocupam-se ainda com

a destinação final do lixo. O Brasil vive um momento de crescimento da

conscientização ambiental e a tendência é de aumento do número de municípios

com programas de coleta e reciclagem implantados. As experiências

internacionais servem como referência para a melhoria do processo de

reciclagem no país, através da incorporação de novas atitudes de combate ao

desperdício e mobilização popular.

67

CAPÍTULO IV EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA EM BRASÍLIA

O crescimento populacional e o processo de industrialização

provocaram um aumento expressivo da quantidade de produtos consumidos nas

grandes cidades. Essa situação se repete em Brasília-DF (figura 1). A cidade

apresenta indicadores sócio-econômicos superiores à maioria das unidades da

federação. A renda per capita é elevada, o nível educacional é satisfatório e a

qualidade de vida atrai pessoas de todas as regiões do país.

Um estudo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo –

Fecomércio-SP (Correio Braziliense, 26/06/2005 – Caderno de Economia, p. 16)

mostra que a população de Brasília é a que, proporcionalmente, mais consome

no Brasil. O resultado desse consumo é a geração de grande quantidade de

embalagens, que deveriam ser reaproveitadas, reduzindo os danos causados à

68

natureza e gerando renda para as populações carentes, como ocorre em outras

cidades.

A implantação de um programa de coleta e reciclagem em Brasília

poderia ter custos menores do que o de outras localidades. A topografia plana

da cidade favorece a economia de combustível e a conservação dos veículos,

dois itens que pesam na despesa desse tipo de serviço. As ruas planas

favorecem a circulação de carrinhos de coleta, carroças, caminhões e outros

veículos envolvidos no recolhimento do material reciclável. A setorização das

atividades é outro fator que permite um planejamento estratégico de

recolhimento de material por tipo e horário, propiciando economia de gastos e

rapidez na execução do serviço.

Mesmo não tendo um programa de coleta seletiva e reciclagem, ocorre

uma intensa atividade de catação de material reciclável na cidade, desde os

tempos de sua inauguração. A nova capital atraiu migrantes de todas as partes

do país. Os servidores públicos receberam gratificações e moradia para virem

trabalhar aqui. Profissionais de todas as áreas vieram ajudar a construir a

cidade.

Os migrantes que não conseguiram emprego e moradia terminaram por

habitar a área destinada à disposição de lixo, conhecida hoje como Lixão da

Estrutural. Poucos anos depois do início das atividades do lixão, em 1961, foram

montados os primeiros barracos de pessoas que viviam da catação de lixo. A

ocupação da área se deu em ritmo acelerado, chegando atualmente a mais de

25 mil moradores, segundo informações da Administração Regional do Setor

Complementar de Indústria e Abastecimento – SCIA (a vigésima quinta Região

Administrativa do D.F., criada em 2005, englobando o Setor de Indústria e

Abastecimento, A Cidade Estrutural e a Vila Estrutural).

O aumento do número de habitantes ocorreu principalmente devido a

interesses eleitorais dos governantes do DF, transformando o local em um

grande problema social e ambiental. O acúmulo de lixo provoca doenças na

população e degradação do Parque Nacional de Brasília, que possui várias

espécies de fauna e flora e é responsável por 30% do abastecimento de água da

capital. Além disso, existe perigo constante de explosão, que pode ser causada

69

pelos gases originários do lixo e também pelo Oleoduto da Petrobrás, que passa

ao longo de toda a invasão. Existem casas construídas acima da tubulação, que

está apenas a 1,5m da superfície.

Os caminhões despejam cerca de 1,8 toneladas de resíduos por dia no

lixão da Estrutural, segundo dados do SLU. As pessoas catam o que podem

rapidamente e vendem todo o material no próprio local a outros catadores, que

revendem aos grandes depósitos. Somente catadores cadastrados na

associação podem trabalhar no recolhimento do lixo. Essa medida foi tomada

pela Belacap, para evitar a entrada de pessoas de fora, reduzindo a quantidade

de material para cada um.

No artigo “Porque somos contra a Estrutural” (www.arvore.com.br), o

Secretário Executivo do Fórum das ONGs Ambientalistas sugeriu a transferência

da invasão da Estrutural para outra localidade. O especialista afirma que o DF

conta com inúmeros assentamentos urbanos ainda e fase de ocupação e não

consolidados, e que podem atender à demanda de moradia da população

carente.

Apesar dos inúmeros pareceres e protestos em contrário, a tendência é

que a invasão da Estrutural seja regularizada em breve, ou mesmo que a área

continue habitada, causando danos ambientais e mantendo as péssimas

condições de vida dos moradores.

O lixão da Estrutural está com a sua capacidade saturada. A área será

desativada brevemente e outro local será designado para o despejo do lixo.

Essa é uma medida de emergência, que não soluciona o problema da

destinação final dos resíduos sólidos e apenas e apenas transfere os problemas

causados pelo lixo para outro lugar.

Uma alternativa para reduzir o volume de lixo despejado é aumentar a

capacidade de reaproveitamento do material reciclável, com a implantação de

usinas de compostagem e reciclagem, equipamento utilizado com sucesso nos

países desenvolvidos.

A primeira usina de compostagem e reciclagem de lixo do DF foi

implantada em Ceilândia, no ano de 1988, segundo informações do site

www.nutep.adm.ufrgs.br. A usina, de tecnologia francesa, funciona com

70

separação do material por etapas. Na primeira etapa, os volumes pequenos são

separados manualmente. Na segunda etapa, um eletroimã separa os metais

ferrosos. Os plásticos e papéis são separados na etapa seguinte por uma

corrente de ar. Uma segunda catação manual separa os vidros e plásticos

duros. O material sai enfardado ou compactado, pronto para ser reciclado. No

final da esteira restam os resíduos orgânicos, que são triturados, transformados

em adubo e repassados a baixos preços para os produtores agrícolas do DF.

A usina representa ganhos ambientais e econômicos, com a diminuição

dos impactos provocados pela produção dos resíduos e a economia de energia,

que será empregada na confecção de novos produtos. No aspecto social, os

ganhos são representados por um convênio com a comunidade que trabalha nos

lixões. O aproveitamento desses trabalhadores na usina de compostagem

diminui o problema de ordem social e econômica que será causado pela

desativação dos lixões do DF.

O site informa ainda que o funcionamento da usina foi satisfatório

apenas nos primeiros anos. Por falta de manutenção dos equipamentos, apenas

uma linha de tratamento está funcionando, sendo que várias etapas estão sendo

saltadas. Faltaram também programas complementares para os trabalhadores

da usina e uma avaliação criteriosa da realidade cultural da população brasileira.

A usina foi projetada para receber um material já separado nas residências,

como na França, onde a coleta seletiva é praticada há muitos anos. A inserção

desse equipamento na realidade brasileira, sem ao menos um programa

educacional, foi considerada um grande erro.

A Belacap disponibiliza em seu site (www.belacap.df.gov.br) o

organograma das unidades de coleta, tratamento e disposição final dos resíduos

sólidos do Distrito Federal :

- Distritos de Limpeza, localizados em algumas regiões

administrativas do Distrito Federal, totalizando 14 distritos de

limpeza descentralizados, para facilitar o deslocamento de

pessoal e equipamentos nos serviços de recolhimento de

resíduos.

71

- Usina de Tratamento de Lixo / UTL: situada às margens do Lago

Paranoá e inaugurada em 1963. O processo de tratamento

(DANO) é de tecnologia dinamarquesa. Tem capacidade

nominal de tratamento de 250 t/dia de lixo, porém, está

processando na faixa de 60 a 100 t/dia.

- Usina Central de Tratamento de Lixo / UCTL: situada às margens

no Setor P-Sul em área especial na Ceilândia e inaugurada em

1986. O processo de tratamento (TRIGA) é de tecnologia

francesa. Tem capacidade nominal de tratamento de 600t/dia,

porém, está processando na faixa de 200 a 250 t/dia.

- Usina de Compostagem e Reciclagem de Brazlândia / UDBraz:

construída para tratar o lixo proveniente da coleta seletiva em

Brazlândia. Inaugurada em 1992, está processando cerca de 80

t/dia de lixo.

- Usina Central de Coleta Seletiva / UCCS: situada ao lado da UTL,

foi construída para receber o lixo inorgânico do Plano Piloto,

coletando seletivamente.

- Usina de Incineração de Lixo Especial: inaugurada em 1985,

está situada na mesma área da UCTL na Ceilândia. Tem

capacidade para incinerar cerca de 30 t/dia, preferencialmente o

lixo hospitalar, animais mortos, produtos impróprios para o

consumo, drogas e entorpecentes, documentos sigilosos, etc.

- Aterro Controlado do Jóquei (Estrutural): situado às margens da

via estrutural, é o principal local de destinação final de lixo do

Distrito Federal, já que recebe cerca de 90% do lixo no Distrito

Federal. Existe a mais de 30 anos e, atualmente, conta com

projeto para recuperação da área degradada e reutilização como

aterro sanitário.

Brasília já teve uma experiência de coleta seletiva e reciclagem. O

projeto piloto do programa desenvolvido pelo Serviço de Limpeza Urbana – SLU,

a SEMATEC e a BELACAP foi implantado em junho de 1996. A intenção era

72

aproveitar melhor os resíduos sólidos urbanos e de reduzir a quantidade de

material depositado nos lixões e aterros sanitários.

O programa foi implantado inicialmente nas superquadras 108 a 113,

208 a 213, 308 a 313 e 408 a 413 da Asa Sul (figura 2). A idéia do GDF era

analisar os resultados da coleta seletiva nessas quadras durante um período e,

caso os resultados fossem satisfatórios, expandir gradativamente para outros

setores e cidades próximas.

(Mapa adaptado por Ananélia Dubois)

73

As características do programa de coleta seletiva adotado por Brasília

eram similares às de outros programas bem sucedidos de outras cidades. Todos

os resíduos eram tratados, a coleta seletiva substituiria gradativamente a coleta

convencional e seria intensificada a utilização de trabalho humano nos

processos de triagem, classificação e prensagem.

O trabalho de conscientização foi adequado a uma população de

características predominantemente urbanas, habitante de prédios de

apartamentos. Foram realizadas palestras nos condomínios dos prédios,

atividades de educação ambiental, distribuição de panfletos educativos e

divulgação nos meios de comunicação. O objetivo era orientar os moradores a

separar em dois sacos diferentes os resíduos orgânicos e os resíduos sólidos. O

caminhão de coleta do SLU estava encarregado de fazer a coleta dos resíduos

orgânicos nas segundas, quartas e sextas, e dos resíduos sólidos nas quintas e

sábados, sempre no período da tarde.

O programa funcionou mais intensamente apenas nos três primeiros

anos após a implantação. Em seu trabalho de dissertação de mestrado, em que

analisa a experiência de coleta seletiva do Distrito Federal, a geógrafa Ananélia

Dubois apontou os principais motivos do fracasso do programa. A separação

dos resíduos não era feita de maneira adequada pelos moradores, que tinham

dúvidas quanto ao que era resíduo sólido e resíduo orgânico. Os moradores

também não tinham sido suficientemente esclarecidos de que o objetivo final da

coleta seletiva era diminuir a quantidade de lixo dos aterros. A rapidez com que

a campanha foi implantada, sem uma preparação gradual da população

prejudicou o projeto.

Dubois considerou falha a ausência de estrutura adequada para a

separação dos resíduos, com número insuficiente de esteiras de triagem para a

quantidade de resíduos gerados. Faltou também o envolvimento das escolas e o

aumento do número de parcerias com outros órgãos, como solução para uma

maior conscientização da população. Os moradores reclamaram que o material

reciclável separado por eles era depois misturado no caminhão do SLU,

invalidando todo o trabalho.

74

Com a mudança de governo no Distrito Federal, as campanhas de

divulgação e o acompanhamento do processo de reciclagem foram deixados de

lado. A expansão da Usina Central de Coleta Seletiva – UCCS do Plano Piloto,

que deveria receber o material recolhido em outras áreas não ocorreu,

inviabilizando que o programa fosse levado a outros setores da cidade.

A experiência de coleta seletiva nas quadras residenciais do Plano Piloto

serviu para medir a capacidade de envolvimento da população, que

correspondeu de maneira satisfatória. Os moradores dessas quadras mantêm

até hoje o hábito de separar o lixo seco do orgânico, apesar de saberem que o

programa não mantém mais as características iniciais e o recolhimento do

material reciclável fica a cargo dos catadores, que passam nas quadras antes do

caminhão do lixo. O GDF pretende implantar um novo programa de coleta

seletiva, que ainda se encontra em fase de estudo. Esse programa deve levar

em conta a experiência das quadras do Plano Piloto e as que ocorrem no

exterior e no Brasil, para não repetir erros e desestimular a participação da

população de Brasília.

Outra fonte de consulta que pode ser aproveitada no planejamento do

programa de coleta e reciclagem que será implantado na cidade é a experiência

realizada nos órgãos públicos. O desempenho das atividades diárias dos

servidores públicos implica o consumo de grande quantidade de material de

expediente, móveis, produtos químicos, peças e acessórios para veículos,

produtos farmacêuticos, hospitalares e alimentares e materiais de construção,

entre outros. A compra de todo esse material envolve gastos vultosos por parte

dos órgãos públicos, e sua produção causa o excessivo consumo de recursos

naturais. O mau uso e o desperdício desses materiais por parte dos servidores

públicos aumentam os gastos com a compra e o consumo dos recursos naturais.

O consumo e o desperdício dessa enorme quantidade de materiais e

equipamentos, multiplicados pelo número elevado de órgãos públicos existentes

na cidade, evidenciam a importância da análise dos programas de coleta e

reciclagem implantados nessas entidades. Os recursos poupados com a

diminuição do desperdício nos órgãos públicos podem ser investidos em outras

áreas, como educação e saúde.

75

A preocupação da administração pública com essa situação gerou um

empenho na busca de soluções para os problemas causados por suas

atividades. Em 2002, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a

UNESCO elaborou a Agenda Ambiental na Administração Pública, com os

seguintes objetivos:

- promover a reflexão sobre os problemas ambientais em todos os

níveis da administração pública;

- estimular a adoção de atitudes e procedimentos que levem ao uso

racional dos recursos naturais e dos bens públicos;

- reduzir a destinação inadequada dos resíduos sólidos;

- estimular e promover mudanças de hábitos dos servidores públicos;

- reacender a ética e auto-estima dos servidores públicos;

Entre os objetivos apresentados, é interessante observar que em

primeiro lugar vem a reflexão sobre os problemas ambientais. Os profissionais

que já participaram de Grupos de Trabalho de implantação de coleta seletiva em

órgãos públicos observaram que quando as pessoas têm informações de que

para produzir uma tonelada de papel é preciso cortar quarenta árvores e

também de quantas árvores são poupadas com a reutilização de papel ou

quanto petróleo é economizado com a reciclagem de copos plásticos, por

exemplo, a adesão ao programas propostos é muito mais rápida e abrangente. A

doação de material reciclável para associações e cooperativas de catadores é

outro fator que aumenta o número de adesões e dá estímulo à continuidade dos

programas. Esse direcionamento social acaba por influenciar fortemente na

eficácia dos programas de coleta e reciclagem. O objetivo de reacender a ética e

a auto-estima dos servidores públicos dá uma noção de quantos aspectos um

programa de coleta e reciclagem envolve.

A Agenda Ambiental na Administração Pública, a exemplo das cartilhas

de experiências de coleta seletiva, enfatiza que a implantação de programas de

coleta e reciclagem requer a adoção de ações educativas e de treinamento para

que os objetivos sejam alcançados. A agenda destaca também que o Ministério

do Planejamento, Orçamento e Gestão lançou os programas Qualidade no

Serviço Público e Gestão Pública Empreendedora, ambos tratando de questões

76

ambientais institucionais (p. 11). Outros órgãos públicos lançaram programas no

mesmo sentido ou acataram orientações do Ministério do Planejamento, o que

revela uma tendência crescente de adoção de novos padrões de consumo na

esfera pública.

Os pressupostos para a implantação da Agenda Ambiental na

Administração Pública (p. 15) revelam uma aproximação dos órgãos públicos

com a forma de gerenciamento das empresas privadas. São eles:

- criação e regulamentação de uma comissão, envolvendo servidores

de várias áreas da instituição;

- diagnóstico da situação, avaliando os impactos ambientais e os

desperdícios gerados;

- diagnóstico e priorização dos projetos e atividades de maior urgência

e relevância;

- planejamento integrado, envolvendo o maior número de colaboradores

e áreas de trabalho;

- realização de treinamentos e disponibilização de recursos físicos e

financeiros;

- verificação do desempenho ambiental, identificação de falhas e pontos

de melhoria;

- avaliação sistemática, replanejamento e implementação de

procedimentos, qualificação e treinamento de recursos humanos,

controle e acompanhamento, conhecimento e absorção de novas

tecnologias e legislação;

- levantamento de impactos de riscos ambientais, identificação de

ações de controle e de indicadores de aprimoramento;

- programas de incentivo, premiação e divulgação das melhores

práticas ambientais.

O alto nível de conhecimento técnico empregado na elaboração desses

pressupostos e das sugestões apresentadas por essa agenda serviu para

nortear a implantação de programas semelhantes em vários órgãos da

administração pública. Até mesmo empresas privadas, associações e

cooperativas podem adaptar o conteúdo da agenda a suas atividades.

77

O envolvimento de pessoas de todas as áreas na implantação da

agenda ambiental proporciona ganhos para o órgão público e para o quadro de

servidores. Os benefícios mais evidentes são a maior integração entre os

servidores, uma visão mais ampla e melhor aproveitamento do quadro de

talentos, uma qualificação dos servidores em áreas que eles possivelmente não

teriam contato antes e uma visão mais ampla das atividades de todo o órgão.

Essa iniciativa gera maior satisfação e melhoria da auto-estima dos servidores,

que se reverte em uma melhora significativa dos serviços prestados pela

administração pública.

A missão principal da agenda ambiental é a sensibilização de todos os

servidores públicos para as questões apresentadas (p. 18). A intenção é mudar

os conceitos para mudar procedimentos, uma tarefa reconhecidamente difícil em

nível institucional e pessoal. A adoção dessa árdua tarefa pelos idealizadores da

agenda deve-se ao potencial multiplicador desse enorme contingente de

servidores. A tendência é que eles repassem o aprendizado a suas famílias e à

sua comunidade. Somada às iniciativas de outras áreas, a experiência do setor

público pode gerar uma mudança gradual no comportamento da população da

cidade. Outro importante potencial multiplicador dos órgãos públicos é o fato de

existirem representações descentralizadas em todo o território nacional. A

adoção desses critérios pelo órgão sede pode servir de referência para todas as

suas unidades espalhadas pelo país.

As experiências de coleta e reciclagem dos órgãos públicos podem

contribuir muito para o programa de coleta seletiva e reciclagem que será

lançado em Brasília. As orientações da agenda ambiental para o uso racional e

reaproveitamento de materiais de expediente, equipamentos, móveis, peças de

veículos, pilhas e outros itens podem ser aplicadas nas casas dos servidores. A

vivência dos servidores públicos com a coleta e reciclagem é um grande passo

para que o programa tenha êxito. A experiência no local de trabalho serve como

preparação para uma experiência maior, na sociedade.

O material descartado pelos órgãos públicos é bastante valorizado no

mercado de reciclagem, por estar geralmente limpo, seco, ter boa qualidade e

concentrar grande volume em um lugar só, o que diminui os gastos com

78

transporte e o tempo para o recolhimento. Esse material é disputado por vários

agentes envolvidos no processo de reciclagem, principalmente os grandes

depósitos.

No final do ano passado, foi criada a Lei 3517/04, que obriga todos os

órgãos públicos a instalar cestos de lixo com cores diferenciadas em suas

dependências e doar os materiais coletados às associações e cooperativas de

catadores.

Os primeiros resultados da implantação dessa lei já começaram a

acontecer. No dia 31 de maio deste ano, a Advocacia Geral da União doou sete

toneladas de papel de seus arquivos para o Movimento dos Catadores de Lixo

do Distrito Federal (www.agu.gov.br). A iniciativa beneficiou duas associações e

três cooperativas que integram o Fórum Lixo e Cidadania do DF. A estimativa é

que cada associação e cooperativa receba em torno de R$ 300,00.

Essa notícia confirma a preocupação do Estado brasileiro em dar um

direcionamento social aos programas de coleta seletiva e reciclagem,

beneficiando os catadores. A doação do material somente para associações e

cooperativas é uma forma de incentivar a organização do catador. O catador

autônomo mais uma vez está em posição de desvantagem em relação ao

catador organizado.

A lei obriga também que os órgãos públicos promovam campanhas

educativas periódicas, visando a conscientização dos servidores sobre a

importância da coleta seletiva e reciclagem. O programa de coleta seletiva e

reciclagem da Câmara dos Deputados é um bom exemplo de como os órgãos

públicos podem reduzir suas despesas e ao mesmo tempo contribuir para a

melhoria das condições de vida da população carente.

A Câmara dos Deputados implementou o seu programa de coleta

seletiva em 2002, como resultado das ações do Grupo de Trabalho destinado a

propor o gerenciamento dos resíduos recicláveis produzidos na Casa

(www.ecocamara.gov.br). Em 2003, foi criado o seu Núcleo de Gestão

Ambiental – EcoCâmara, visando harmonizar ações da Câmara relacionadas ao

meio ambiente e inserir conceitos sócio-ambientais às ações administrativas.

79

A coordenação dos trabalhos no EcoCâmara é rotativa e a participação

é voluntária e interativa. Existem nove subgrupos de atividades encarregados de

disseminar os procedimentos ambientais entre os servidores, visitantes e

colaboradores, através de eventos, palestras, exposições, visitas aos lixões e

veiculação de matérias na mídia interna.

Após várias reuniões entre os servidores, decidiu-se por escolher a

Associação de Catadores de Papel, Papelão e Materiais Re-aproveitáveis de

Brasília – BRASCICLA, localizada na invasão da Estrutural, para a destinação

do material reciclável. A associação tem projetos de comercialização de

resíduos sólidos, confecção de objetos de arte, alfabetização de crianças e

adultos, além de uma cooperativa, a COORTRAP, que beneficia e comercializa

o material reciclável.

O programa de coleta seletiva foi iniciado no Anexo IV da Câmara, com

a separação de garrafas de água, filme plástico, copos descartáveis e todos os

tipos de papelão. A partir da coleta realizada nesse prédio, pode-se fazer uma

estimativa do quantitativo de material gerado pelos outros prédios da Câmara, o

que deu em torno de 50 a 60 toneladas por ano.

O EcoCâmara estendeu a coleta seletiva ao departamento de serviço

médico, obtendo uma redução de aproximadamente 70% do lixo que seria

incinerado ou destinado aos lixões. A intenção é agora é criar um sistema drive-

thru de entrega voluntária, com doação do material para os lavadores de carros

que prestam serviços na Casa.

A Câmara dos Deputados criou o Escritório Verde do EcoCâmara, um

espaço destinado à exposição permanente de produtos ecológicos. Segundo o

texto do site da Câmara, os produtos ecológicos são fabricados sem provocar

agressões aos seres vivos ou ao meio ambiente, privilegiando a inclusão social,

utilizando matérias-primas naturais periodicamente renovadas, reaproveitadas

ou recicladas, com reduzido consumo de água ou energia, baixa toxicidade,

gerando poucos resíduos não aproveitáveis ou recicláveis.

O contato dos servidores e dos visitantes com os produtos ecológicos,

os conceitos de gestão ambiental e a prática da coleta seletiva criaram uma

80

nova cultura na Casa, resultando em redução de despesas e geração de renda

para os catadores.

Todos os meios possíveis de divulgação de novas práticas ambientais

devem ser utilizados. As universidades, detentoras de grande conhecimento

científico voltado para a resolução das questões ambientais, começam a

enxergar a importância do exemplo prático do que pregam. O envolvimento da

comunidade universitária com as questões que envolvem a produção de

resíduos sólidos e suas conseqüências para a natureza vem aumentando nos

últimos anos.

A Universidade Católica de Brasília lançou seu Programa de Educação

Ambiental em 1999. A intenção do programa era de ajudar a conscientizar as

pessoas na promoção de mudanças de hábitos necessárias ao direcionamento

para uma cultura de responsabilidade sócio-ambiental.

Entre os vários objetivos do Programa de Educação Ambiental da

Católica estava a implantação de um programa de coleta seletiva. Após várias

reuniões, o diagnóstico ambiental da universidade revelou problemas como a

disposição inadequada de resíduos sólidos, desperdício de combustíveis, água e

energia elétrica, entre outros.

Após um longo período de conscientização, foi implantada a coleta

seletiva, inicialmente apenas de papéis, expandindo-se progressivamente para

outros materiais, como metais, plásticos, vidros, baterias de celulares e pilhas.

Para a disposição dos materiais, foram distribuídos coletores em todo o campus.

As folhas caídas e as aparas do gramado foram levadas para a compostagem e

transformadas em adubo orgânico.

Os resultados obtidos em 2003, com a implantação do programa de

coleta seletiva foram a reunião de 2.140 kg de plástico e vidro, 240 mil latas de

alumínio, 23.888 kg de papel, 2.411 baterias de celulares e aproximadamente 2

mil pilhas. O plástico e o vidro recolhidos foram doados à Cooperativa 100

Dimensão. As latas de alumínio foram encaminhadas para a reciclagem. O

papel foi vendido a Novo Rio Recicláveis, gerando uma renda de R$ 2.720,00.

As baterias de celulares foram encaminhadas à empresa Vivo. O adubo

orgânico gerou uma economia de R$ 12.000,00 na plantação de mudas e

81

revitalização do gramado. O excedente do adubo foi doado para hortas

comunitárias e instituições beneficentes.

O sucesso do Programa de Educação Ambiental e do Programa de

Coleta Seletiva da Universidade Católica de Brasília deveu-se em grande parte

ao trabalho dos grupos de voluntários. Os grupos atuam em horários e dias

escolhidos em função de sua disponibilidade. Ao final de 50 horas de trabalho, a

universidade expede um certificado de participação ao voluntário. Em 2003, 35

voluntários atuaram em diversas atividades do Programa de Educação

Ambiental da universidade. (Ecos de Um Projeto de Educação Ambiental –

Universidade Católica de Brasília – PROEx – DPC. Genebaldo Freire Dias –

2005. Brisa Editora Gráfica Ltda.)

O Programa Agenda 21 da UnB, gestão DEX (1998-2000), Grupo de

Trabalho Resíduos Sólidos publicou na internet um resumo do Programa de

Coleta Seletiva da Universidade de Brasília. O programa foi criado com o

objetivo de dar uma destinação mais adequada aos resíduos produzidos pela

instituição, além de contribuir para a construção e consolidação de uma

consciência ambiental no campus universitário e em sua área de influência.

Para a elaboração, implementação e acompanhamento do programa de

coleta seletiva, inicialmente foi constituído um Grupo de Trabalho. Após analisar

experiências vivenciadas por outras instituições, o grupo de trabalho optou por

iniciar a atividade de coleta seletiva com a colocação de lixeiras de cores

diferenciadas para cada material na entrada da Reitoria, da Prefeitura do

Campus e da Faculdade de Educação.

O Grupo de Trabalho creditou o resultado insatisfatório da experiência

aos seguintes fatores: a ausência de um trabalho educativo; o destino

inadequado para o lixo separado; o número de lixeiras diferenciadas

insuficientes; e a não consideração de outros atores como os funcionários da

limpeza e os catadores de lixo.

É interessante observar aqui que, mesmo em um ambiente com alto

nível educacional, a separação e a destinação correta do material reciclável não

ocorrem sem um trabalho prévio de conscientização. A exemplo de outros

locais, não adianta disponibilizar lixeiras e outros equipamentos, se a população

82

não está preparada para utiliza-los corretamente. Em todos os locais de Brasília

onde observei o conteúdo das lixeiras diferenciadas, o material estava

misturado, ou aleatoriamente depositado, independente da cor apropriada. Esse

fato indica que o investimento em equipamentos antes do trabalho de

conscientização representa apenas uma despesa desnecessária. A falta de

consulta do Grupo de Trabalho aos funcionários da limpeza e aos catadores

indica uma certa desconexão com as várias experiências de coleta seletiva e

reciclagem implantadas no Brasil, que têm essas duas categorias de

trabalhadores como fonte de consulta.

Após a realização do Seminário Agenda 21 da UnB, no período de 28 a

30 de junho de 1999, o Grupo de Trabalho, agora denominado Grupo de

Trabalho de Resíduos Sólidos da Unb, lançou o projeto Sou UnB Jogo Limpo –

Programa de Coleta Seletiva de Lixo. O novo projeto foi dividido em etapas. Na

primeira etapa, foi realizada uma avaliação da situação e da produção dos

resíduos sólidos gerados pela UnB e a identificação dos mercados para

produtos recicláveis no DF. Na etapa seguinte, o grupo de trabalhão se

empenhou em:

- divulgar junto à comunidade universitária e demais interessados os

resultados da primeira etapa do projeto;

- organizar um cadastro de produção bibliográfica e filmográfica sobre

resíduos sólidos;

- revisar a edição do vídeo sobre o projeto produzido na primeira etapa

- integrar conhecimentos de diferentes áreas em torno da temática do

lixo;

- produzir material didático impresso;

- diagnosticar o lixo produzido pelo Restaurante Universitário;

- implantar a coleta seletiva na Reitoria e no Restaurante Universitário;

- realizar oficinas e reuniões com funcionários, alunos e professores nas

unidades onde se deseja implantar a coleta seletiva;

- estabelecer parcerias,

- oferecer cursos.

83

O diagnóstico da produção de lixo revelou que a comunidade

universitária produz resíduos de serviços de saúde, resíduos químicos e

radioativos, resíduos das áreas verdes, resíduos orgânicos alimentares,

resíduos de construção, plástico, papel, vidros e metais. A estimativa do volume

desse resíduo sólido foi de 1.700 kg por dia, aproximadamente 42,5 toneladas

ao mês. Da produção total de lixo, os resíduos que mais contribuíam para a

composição do lixo eram o papel e papelão, com 47,42%, os resíduos

orgânicos, como restos de alimentos e papel higiênico, com 32% e os plásticos

com 12%.

Após todo esse levantamento, a intenção dos gestores do programa era

fazer um levantamento do preço dos produtos no mercado e dar continuidade ao

que foi planejado. Por falta de voluntários, o programa foi interrompido,

aguardando até agora a formação de novos grupos de trabalho.

Em dezembro de 2002 foi criado o Fórum Lixo & Cidadania do DF. Os

principais objetivos desse fórum são promover a inclusão social dos catadores,

proporcionando sustento econômico às suas famílias e subsídio à elaboração do

Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do DF.

A criação do fórum foi precedida da realização do Fórum Nacional Lixo &

Cidadania, em junho de 1998, do 1º Encontro dos Catadores do DF e Entorno,

em maio de 2001 e do 1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais

Recicláveis e Marcha Nacional, em Brasília, no mês de junho do mesmo ano.

No ano seguinte à sua criação, o fórum definiu novos objetivos:

promover a inclusão política, social e econômica dos catadores de materiais

recicláveis, fortalecer as cooperativas, retirar dos lixões as crianças e

adolescente e erradicar esses locais e gerar ocupação e renda por meio da

economia solidária .

As entidades fundadoras do fórum são:

- Cáritas Brasileira

- Caixa Econômica Federal

- Ministério Público

- Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua

84

- SEBRAE

- Cooperativa de Produtores e Trabalhadores de Reciclagem – COORTRAP

- Associação Ambiente da Vila Estrutural – “Ambiente”

- Cooperativa de Coleta Seletiva e Reciclagem de Resíduos Sólidos com Formação e Educação Ambiental “100 Dimensão”

As entidades participantes do fórum são:

- Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua - Cáritas do DF - Centro de Estudos e Assessoria – CEA - Programa Providência - Gaia 21 - Fórum Nacional Lixo & Cidadania - ACARE – Associação de Costureiras do Recanto das Emas - Membros do Programa Fome Zero de várias cidades

Entidades Educacionais:

- UNB - Faculdade da Terra de Brasília - Universidade Católica de Brasília

Entidades Governamentais

- Caixa Econômica Federal - Ministério Público - Fundação Banco do Brasil - BELACAP - SEBRAE - Ministério das Cidades - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Organizações de catadores participantes do fórum:

- Ambiente – Associação Ambiental da Vila Estrutural

85

- ASTRADASM – Associação de Trabalho dos Recicladores e Desenvolvimento Agrícola e Ambientalista de Santa Maria

- 100 Dimensão – Cooperativa de Coleta Seletiva e Reciclagem de Resíduos Sólidos com Formação e Educação Ambiental

- COORTRAP – Cooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis com Formação e Educação Ambiental

- CATAGUAR – Associação de Catadores do Guará

Usinas de Reciclagem

- APCORC – Associação Pré-Cooperativista dos Catadores e Recicladores de Resíduos Sólidos de Ceilândia

- ACOBRAZ – Associação dos Catadores e Recicladores de Resíduos Sólidos de Brazlândia

- APCORB – Associação Pré-Cooperativista Catadores de Resíduos Sólidos de Brasília

Grupos em processo de organização

- COOPVAR – Cooperativa dos Trabalhadores do Varjão - Sobradinho - Candangolândia - AGEPLAN – Vila Planalto - São Sebastião - Organizações do entorno do DF - COOPER RECICLA – Formosa/GO - COOPEG – Planaltina/GO - Cidade Ocidental - Valparaíso

A relação de cooperativas em funcionamento e as que estão em

processo de organização, as usinas de reciclagem instaladas, somadas aos

catadores autônomos, mostram que em Brasília ocorre um intenso processo de

coleta e reciclagem. Abaixo está um quadro adaptado do GDF com as entidades

e número estimado de catadores.

86

CATADORES ORGANIZADOS EM ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS

ENTIDADES Nº ESTIMADO DE CATADORES

ASTRADASM – Santa Maria 140

COOPATIVA – SIA 240

CATAGUAR – Guará (Vila Feliz) 79

COORTRAP – Estrutural (Pró-DF) 120

AMBIENTE – Estrutural (Lixão) 658

APCORC – Ceilândia (Usina) 160

APCORB – L2 Sul (Usina) 53

ACOBRAZ – Brazlândia (Usina) 53

100 Dimensão – Recanto das Emas 130

TOTAL 1.766 Fonte: Belacap

As demandas prioritárias dos catadores são as seguintes:

1- A concessão pelo GDF de terrenos onde possam desenvolver suas

atividades;

2- Cessão de terreno pelo GDF para a implantação da Central das

Cooperativas de Catadores do DF;

3- Liberação de espaço físico para a instalação da usina de

beneficiamento de alumínio, que funciona provisoriamente na

COORTRAP;

4- Instalação de centros sociais com infra-estrutura para atividades de

múltiplas;

5- Construção de Vilas Ecológicas para os catadores próximas à sede da

associação ou cooperativa ou a concessão de terrenos;

6- Viabilização do acesso das famílias dos catadores aos Programas de

Governo;

7- Implantação do Programa de Coleta Seletiva do DF em parceria com

as associações e Cooperativas de Catadores;

87

É importante observar que as demandas dos catadores não poderiam

ser alcançadas sem a organização em associações ou cooperativas. O catador

autônomo está distante do alcance desses benefícios e até mesmo da

capacidade de formulação de alguns deles.

As associações e cooperativas listaram vários itens que podem

proporcionar melhorias nas atividades que desempenham. Os principais itens

são a criação de centros de triagem, a aquisição de prensas, balanças,

elevadores elétricos e equipamentos de proteção, além da aquisição de veículos

para o transporte do material recolhido.

A falta desses equipamentos indica que a maioria das associações e

cooperativas participam efetivamente apenas da etapa de coleta do material

reciclável. Falta espaço para o armazenamento, galpões para fazer a triagem,

prensas para a compactação e caminhões para o transporte do material para as

indústrias ou para os grandes depósitos. Sem esses equipamentos, os

atravessadores impõem os preços e condições de negociação, sempre

desfavoráveis aos catadores.

O GDF planeja implantar o programa de coleta e reciclagem no DF

(ainda em fase de estudo) em parceria com os catadores, a exemplo das

experiências brasileiras relatadas. O Fórum Lixo & Cidadania está promovendo

diversas encontros entre as associações e cooperativas do DF para discutir a

forma de participação dessas organizações no programa (Projeto Lixo &

Cidadania – GDF –2003 ).

Com a implantação do projeto, é possível que surjam novos

equipamentos urbanos, como centros de triagem do material e usinas

recicladoras, grandes depósitos compradores do material e grandes

cooperativas, instaladas em áreas amplas, que favoreçam a estocagem dos

recicláveis. Além disso, as vias de circulação também sofrerão alterações, com

maior fluxo de caminhões transportadores de material para os depósitos e

usinas recicladoras locais ou de outras cidades. E as que estiverem melhor

equipadas poderão enviar frotas de caminhões ou outro meio de transporte para

comprar recicláveis de cidades que não tenham usina recicladora.

88

A ampliação dos canais de comercialização desse material pode

provocar maior movimentação do catador em outras áreas da cidade,

provocando conflitos com os moradores das localidades, principalmente as mais

nobres. Este aspecto já é observado nas cidades que têm sistema de coleta

seletiva implantada. A respeito desses conflitos, são importantes as observações

de Raffestin (apud Ratzel, pp.152-153):

As 'imagens' territoriais revelam as relações de produção e conseqüentemente as relações de poder, e é decifrando-as que se chega à estrutura profunda. Do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que 'produzem' o território. De fato, o Estado está sempre organizando o território nacional por intermédio de novos recortes, de novas implantações e de novas ligações. O mesmo se passa com as empresas ou outras organizações, para as quais o sistema precedente constitui um conjunto de fatores favoráveis e limitantes. Essa produção de território se inscreve perfeitamente no campo do poder de nossa problemática relacional. Todos nós cambiamos energia e informação, que estruturamos com códigos em função de certos objetivos. Todos nós elaboramos estratégias de produção, que se chocam com outras estratégias em diversas relações de poder.

Apesar de não termos ainda em Brasília um sistema de coleta

funcionando, temos uma catação intensa, que gera enfrentamentos numa cidade

de imensos contrastes sociais. Neste aspecto, Gomes (2002, p. 63) comenta

que a identidade comunitária está sempre relacionada a uma identidade

territorial, e que:

Como o grupo se define pelo mecanismo de exclusão, tendo em vista uma

característica demarcadora qualquer, ele sempre se vê ameaçado pelos elementos

oriundos de fora dele, e essas fronteiras, ainda que fluidas, são territórios de conflito,

reivindicação e reprodução da ideologia central da diferenciação.

A dificuldade de movimentação dos catadores já se concretiza em

alguns setores da cidade, como na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor

Octogonal. No Setor Sudoeste, um comitê representativo dos moradores tenta

aprovar um projeto de fechamento das quadras. No mesmo sentido excludente,

impede a construção de postos de saúde ou escolas públicas nas áreas

destinadas a este fim. Neste exemplo, a identidade comunitária tem caráter

89

econômico. Aproveito as palavras do mesmo autor (p. 60) para ilustrar este

contexto:

O discurso que funde a identidade comunitária é o da diferença. Em outras palavras, a diferenciação se faz exagerando os traços distintivos daquele grupo de pessoas e diminuindo a importância de todas as outras características comuns compartilhadas com os outros grupos. Sublinhar um nível de diferença significa que, a despeito do infinito patamar de diferenciação teoricamente possível, um limite será privilegiado, aquele que distingue o grupo dos demais.

Brasília apresenta peculiaridades em relação a seus resíduos sólidos.

Devido à setorização de sua organização espacial , acaba por concentrar esses

resíduos em alguns locais específicos, o que facilita a coleta seletiva. A falta de

indústrias locais impõe à cidade a importação de bens de consumo produzidos

em outras unidades da federação, tornando-a grande geradora de embalagens.

A distribuição espacial da cidade, mais que em outras localidades,

evidencia a necessidade de organização do catador. Existem cooperativas na

cidade que recebem os recicláveis de vários órgãos públicos da Esplanada dos

Ministérios, por exemplo. Algumas celebraram convênios com organizadores de

grandes eventos realizados na cidade, que lhes permite exclusividade na coleta

de latas de cerveja e refrigerantes. Já se torna comum o comentário de

catadores autônomos que não conseguem mais encontrar esse tipo de reciclável

nas lixeiras. Esta situação já retrata a força do catador organizado em

cooperativas, em relação ao catador autônomo.

As soluções para um novo modo de comportamento da população são

muitas e bastante claras. Sua aplicabilidade é muito mais complexa. Sabe-se

que é necessária uma mudança de atitude, mas sabe-se também que este tipo

de mudança é muito difícil de se alcançar num mundo globalizado,

homogeneizado por um sistema produtivo controlador e vigilante de sua

manutenção.

O processo de reciclagem traz novo fôlego e nova esperança de mudanças

comportamentais. Não apenas pelos conceitos que o envolvem, mas também

por sua aplicabilidade imediata e rápida constatação de retorno positivo. Outro

fator de peso é que esta prática surgiu do povo, das camadas pobres da

população, amparadas por segmentos sociais preocupados com valores éticos e

90

morais, que combatam um modelo seletivo, excludente. Ampliando-se o foco,

pode-se enxergar a contraposição de fundamentos do capitalismo e do

socialismo no processo de reciclagem. Nessa direção, podemos aproveitar as

palavras de Arroyo (op.cit.):

Se o futuro significa mudança social, esperança dos pobres para que suas possibilidades

sejam outras, os setores hegemônicos da sociedade estarão interessados apenas por cuidar e

reproduzir o presente. Através da competitividade, por exemplo, que não tem nenhuma proposta

teleológica, moral, só se busca perpetuar a situação atual. Nela não acharemos as bases para

uma mudança social. Sim, porém, poderemos consegui-lo através de outras ações.

Solidariedade, cooperação, seriam bons exemplos na medida em que poderiam preencher com

novos conteúdos a relação entre os homens e desses com as coisas. Exigiriam, talvez, repensar

os valores perdidos na batalha da competitividade e, assim, construir uma ordem social

diferente.

Um grande trunfo dos projetos sociais, políticos ou econômicos que

obtiveram êxito foi o aproveitamento das idéias no momento certo. O processo

de reciclagem carrega conceitos aplicáveis a vários aspectos de nossas vidas.

Talvez seja esse lado prático e simples dessa e de outras iniciativas que venha

a nos relembrar o que é viver melhor.

91

CAPÍTULO V

A APROPRIAÇÃO TERRITORIAL E OS CONFLITOS ENTRE OS CATADORES E OS OUTROS AGENTES DO PROCESSO DE RECICLAGEM

Brasília (figura 3) é uma cidade de enormes contrastes sociais. Uma

parte significativa da população tem elevado padrão de vida, alto grau de

estudo, boa qualificação profissional e bom nível salarial. Em contrapartida, a

cidade recebe uma grande quantidade de migrantes com pouca ou nenhuma

qualificação profissional e baixo nível de escolaridade, que vêm para Brasília em

busca de emprego e melhores condições de vida. Em virtude da falta de

qualificação, acabam por desempenhar tarefas informais que mal cobrem o

sustento diário. Nesse contexto, a catação constitui uma solução para boa parte

dessas pessoas.

Figura 3

92

Nas áreas nobres da cidade, maiores geradoras de material reciclável,

devido ao alto poder de consumo dos moradores, é intensa a atividade de

coleta. A atuação do catador nesses territórios acaba por gerar inúmeros

conflitos com os comerciantes e os moradores, que rejeitam esse convívio. É o

caso da área do Cruzeiro, Sudoeste e Octogonal. O Cruzeiro é habitado por uma

população heterogênea em termos econômicos, onde convivem pessoas de

menor poder aquisitivo e outras de padrão mais elevado. As populações do

Setor Sudoeste e Setor Octogonal são mais homogêneas, com padrão de vida

elevado. Os catadores transitam mais livremente no Cruzeiro, e os que têm

carroça prestam também outros serviços para a comunidade. No setor

Sudoeste o catador não é bem aceito e é comum a polícia interceptá-lo a pedido

dos moradores e comerciantes. No Setor Octogonal as quadras são totalmente

fechadas e com guaritas na entrada, o que impossibilita o acesso do catador.

Questionário da pesquisa de campo Nome:

Idade:

Nº de filhos:

Procedência:

Grau de instrução:

Local de moradia:

Profissão anterior:

Tempo que reside em Brasília:

Tempo de trabalho como catador:

1. Quais são os lugares onde você cata material para vender?

11 catam material reciclável na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor

Octogonal.

07 catam apenas no Cruzeiro e Setor Sudoeste, SAAN, SIA e Guará.

04 trabalham no próprio local de moradia.

03 catam apenas no SIA.

93

03 catam apenas no Cruzeiro, Setor Sudoeste e SAAN.

01 cata apenas no Setor Comercial Sul (Banco do Brasil)2.

01 cata apenas no Cruzeiro, Sudoeste e Asa Norte.

A área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal é a mais procurada

pelos catadores entrevistados, devido à quantidade de material reciclável

disponível. Alguns catadores recolhem material apenas nas áreas próximas ao

seu local de moradia, por não possuírem carroças ou por serem novos em Brasília

e temerem o trânsito. Os catadores que trabalham no próprio local de moradia

são mulheres ou novatos em Brasília, que não possuem carroças ou carrinhos, e

trabalham separando o material para os outros catadores.

2. Por que você escolheu esses locais para trabalhar?

13 escolheram a área porque tem muito material para catar.

05 escolheram aquela área para trabalhar porque ficava mais próxima de

sua casa.

05 escolheram porque o trânsito é menor que nas outras áreas,

04 porque não têm carroça.

03 compraram o direito de trabalhar lá.

3. Todos os dias você trabalha nos mesmos locais e nas mesmas horas?

12 trabalham no mesmo local e na mesma hora.

18 trabalham no mesmo local, mas em horários variados.

4. Existe alguma dificuldade para você trabalhar nesses locais?

18 responderam que não existem dificuldades para trabalhar naquele

local.

12 responderam que existem dificuldades para trabalhar lá.

2 Catador com ponto no local.

94

5. O que você faz quando não pode trabalhar em algum local?

13 desistiram de trabalhar naquele local,

17 voltavam ao local no início da noite ou de madrugada.

6. Você tem alguma combinação com os moradores ou comerciantes para recolher o material?

13 responderam que os moradores, comerciantes, zeladores ou

funcionários de estabelecimentos comerciais, empresas privadas ou

órgãos públicos guardam material para eles.

17 responderam que não guardam.

A combinação para que os moradores ou comerciantes guardem material

reciclável para o catador depende do tempo que atuam na área, das relações de

confiança que estabeleceram e da continuidade do serviço que prestam. A compra

de um ponto é outra forma de garantir exclusividade na guarda do material.

7. Quais são os tipos de material que você recolhe para vender?

27 catam todos os materiais.

03 catam apenas latinhas.

Observação:

Os materiais coletados por eles são as latas de alumínio, papel branco,

papel colorido, papelão, ferro, cobre, plástico pet e o que eles chamam de

“mangaba” (recipientes de detergentes, de desinfetantes, de álcool e outros).

A quantidade reduzida de catadores que recolhem apenas latinhas se

deve ao fato de que esse material se tornou escasso nas ruas, devido ao alto

preço que atingiu no mercado. Os catadores de latinhas geralmente andam em

bicicletas e atuam sozinhos, preferindo não se associar em cooperativas.

95

8. Existe alguma dificuldade para você juntar o material que recolhe?

23 responderam que existem dificuldades para juntar o material que

recolheram.

07 responderam que não existem dificuldades para juntar o material que

recolheram.

Observação:

As dificuldades para juntar o material relatadas pelos catadores são as

derrubadas dos barracos e queima do material pela Siv-Solo, o roubo de cavalos e

carroças e o roubo de material reciclável na rua ou nos cercados.

9. Para quem você vende o material que recolhe?

19 vendem as latas para algum atravessador e os outros materiais para a

Capital Recicláveis.

06 vendem as latas para algum atravessador e os outros materiais para a

Novo Rio Recicláveis. Observações:

- Quatro dos entrevistados trabalham somente separando o material.

- O antigo dono da Novo Rio Recicláveis faleceu e os novos proprietários

pagam um preço menor do que a Capital Recicláveis.

As latas geralmente são vendidas para atravessadores que vão até o local

de moradia ou nas cooperativas dos catadores ou ficam posicionados em pontos

estratégicos de sua rota de trabalho. O principal comprador de latas de alumínio

da área de estudo está localizado na feira permanente do Cruzeiro. O catador

prefere vender ao pequeno atravessador, que compra quantidades menores de

latas e está localizado em sua rota de trabalho.

10. Quanto você ganha por mês com a venda do material que recolhe?

96

04 ganham até R$ 60,00.

08 ganham entre R$ 100,00 e R$ 150,00.

10 ganham entre R$ 200,00 e R$ 300,00.

05 ganham entre R$ 350,00 e R$ 500,00.

02 ganham até R$ 600,00.

01 Não soube declarar sua renda.

Observações:

- O que não soube declarar a renda era um catador mendigo que vende

as latas amiúde para comprar pinga.

- A renda individual das mulheres é imprecisa porque elas consideram o

ganho coletivo (para família).

As rendas variam de acordo com os equipamentos que os catadores

possuem (carroças, carrinhos, bicicletas), com o tempo de trabalho na profissão e

com o tempo de moradia em Brasília. As mulheres, os separadores de papel e os

catadores que não possuem nenhum equipamento têm as menores rendas. A

variação nas rendas declaradas se deve também ao fato da cooperativa

pesquisada ter pouco tempo de criação, baixo nível de organização e não

trabalhar com divisão eqüitativa de renda.

11. Você trabalha sozinho ou em alguma associação ou cooperativa?

19 trabalham em associação ou cooperativa.

11 trabalham sozinhos.

12. Você percebeu alguma diferença entre trabalhar sozinho ou em uma associação ou cooperativa?

15 responderam que é melhor trabalhar na associação ou cooperativa.

04 responderam que não houve melhora depois de se associar.

Observações:

97

- As melhorias relatadas pelos catadores da COOPATIVA foram o

aumento de renda, a diminuição da derrubada dos barracos, a colocação

de água potável, o ônibus escolar para as crianças, doação de um

caminhão pelo Banco do Brasil e o aumento do valor do material vendido.

- Os catadores que trabalhavam na Associação de Carroceiros do

Cruzeiro e do Sudoeste relataram que a melhoria foi o direito de circular

livremente por causa das placas da Associação nas carroças.

- Cinco catadores autônomos declararam que gostariam de trabalhar em

uma associação ou cooperativa.

13. Qual o trabalho que você acha melhor, o de catador ou o que tinha antes?

30 Responderam que acham melhor o trabalho de catador.

Observações:

- Muitos responderam que não trocariam o trabalho de catador por outro de

carteira assinada.

- Não lhes foi perguntado se havia outra atividade que gostariam de

desempenhar.

As respostas a esta pergunta foram dadas sem nenhuma hesitação,

evidenciando que as condições de vida dos entrevistados em seu local de origem

eram bem piores que as de Brasília. Embora não trabalhassem em meio ao lixo,

estas pessoas realizavam tarefas que exigiam grande esforço físico, recebiam

rendas menores que as atuais e dependiam das condições climáticas ou de

remuneração incerta para sobreviver. Mesmo catadores que já tiveram outros

empregos em Brasília, até com carteira assinada, acham que a atual atividade é

melhor, por não terem que se sujeitar a patrões, horários, depender de transporte

coletivo e ficarem muitas horas do dia longe da família.

As primeiras entrevistas revelaram a atuação de catadores autônomos e

organizados, vindos de vários locais próximos da área estudada, com acentuada

superioridade numérica do grupo organizado. Outro aspecto revelado foi a maior

98

quantidade de catadores utilizando carroças, do que carrinhos ou a pé,

carregando sacos para a coleta.

A abordagem do catador organizado foi realizada com mais facilidade do

que a do autônomo. Os termos utilizados pelos dois grupos também diferiam. O

catador organizado utilizava o termo material reciclável e o autônomo utilizava o

termo lixo.

O número de homens trabalhando na coleta mostrou-se muito superior ao

de mulheres. Os motivos declarados foram a força física exigida para puxar os

carrinhos, o acúmulo do trabalho com os afazeres domésticos e o medo de

conduzir os cavalos no trânsito intenso da área.

O primeiro grupo de catadores organizados a ser entrevistado foi o dos

carroceiros da Associação dos Condutores de Veículos de Tração Animal do

Cruzeiro e Sudoeste. De acordo com informações da Administração do Cruzeiro,

o grupo de carroceiros era formado principalmente por moradores da “Invasão

do HFA”, localizada onde hoje é a “área econômica” do Setor Sudoeste, e da

“Invasão do Pelezão”, no Guará. Os carroceiros recolhiam material reciclável,

transportavam entulho e material de construção e prestavam serviços de

jardinagem para os moradores.

O GDF desativou essas invasões em meados da década de 80 e doou

lotes para os moradores em Samambaia. Mesmo morando distante, os

carroceiros continuaram a freqüentar a área, onde encontravam grande

quantidade de material reciclável e cobravam preços muito mais altos pelos

serviços que prestavam do que nas proximidades de onde moravam. A relação

de confiança estabelecida ao longo dos anos com os moradores garantia o

acesso e a circulação naquele território.

Os carroceiros prestavam serviços à comunidade, mas causavam

problemas, devido às brigas freqüentes, o consumo de álcool e drogas e a

degradação do cerrado próximo, com o despejo de entulho. Devido à distância,

muitos não voltavam para casa, preferindo dormir nas ruas e no cerrado. Os

animais ficavam soltos e causavam transtornos ao trânsito e aos moradores.

Para controlar essa situação, a Administração do Cruzeiro criou a

associação em 1999, limitando o número de carroceiros a quinze, para poder

99

controlar melhor e para que houvesse meios de sobrevivência para todos em

uma pequena extensão territorial.

A Administração exigia que os associados cuidassem dos animais e

melhorassem as carroças, que deveriam circular com uma placa numerada e

com o nome da associação. O carroceiro que despejasse entulho nas ruas ou no

cerrado próximo ou revirasse e espalhasse o lixo, perderia a licença para

circular. Somente os carroceiros associados tinham permissão para trabalhar na

área, e a administração chamava o Detran para apreender as carroças dos

catadores autônomos, que vinham em grande número de outras localidades.

Segundo o funcionário da Administração, a associação dos carroceiros

nunca chegou a funcionar satisfatoriamente. A associação criou uma taxa

administrativa, mas os associados não conseguiam pagá-la. Os carroceiros se

envolviam em muitas brigas, consumiam muito álcool e drogas e nunca tiveram

uma liderança capaz de unir o grupo. O funcionário afirmou que a

Administração do Cruzeiro não tem mais nenhum vínculo com a associação dos

carroceiros.

Nas entrevistas com os carroceiros da associação surgiram algumas

contradições. Alguns afirmaram que a associação estava funcionando e que

tinha um presidente. Outros não souberam afirmar com certeza quem era o

presidente, apontando três nomes diferentes. Nenhum deles soube indicar onde

funcionava a sede da associação e todos declararam que nunca tiveram acesso

ao estatuto social.

Os carroceiros entrevistados afirmaram que a associação não está mais

funcionando e que prestam somente serviços de transporte de entulho, de

material de construção e jardinagem. Outros afirmaram que coletam material

reciclável apenas para repassar aos catadores do Setor de Áreas de

Abastecimento Norte –- SAAN, próximo ao Cruzeiro, que em troca guardam

seus cavalos e carroças. No outro dia cedo eles pegam de volta as carroças e

reiniciam o trabalho.

Pelo que foi observado, os carroceiros da Associação dos Condutores

de Veículos de Tração Animal do Cruzeiro e Sudoeste mantêm as placas nas

carroças apenas para servirem de referência para os moradores e para a polícia.

100

A principal atividade que exercem é a prestação de serviços de transporte de

entulho, de material de construção e de jardinagem para os moradores. A coleta

seletiva é uma atividade casual e esporádica e não constitui sua principal fonte

de renda.

O segundo grupo de catadores organizados a ser entrevistado foi o da

Cooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis com Formação e

Educação Ambiental – COOPATIVA, única cooperativa com acesso à área de

estudo. A cooperativa está localizada em uma área de cerrado às margens do

asfalto, no final do trecho quatro do Setor de Indústrias. O local é conhecido

como “Invasão do Sia” ou “Invasão da Onogás”, por ficar em frente a um

depósito desativado dessa companhia de gás.

A invasão abriga cerca de 300 pessoas, que moram em barracos de

lona plástica e em condições mínimas de higiene. Muitas crianças circulam nuas

ou mal vestidas. Os adultos apresentam doenças de pele, marcas de ferimentos

e sinais de alcoolismo. O material reciclável fica armazenado próximo aos

barracos, em locais chamados de “chiqueiros” ou “jiques”. O material acumulado

muitas vezes é trazido misturado a detritos orgânicos e é separado ao lado dos

barracos, provocando mau cheiro e acúmulo de moscas e formigas por toda a

invasão.

A cooperativa foi criada em 2001, mas não conta ainda com uma sede,

prensas, esteiras de triagem ou outro equipamento qualquer de beneficiamento

do material recolhido. Nesse aspecto, apesar de estarem reunidos em uma

cooperativa, esses catadores se assemelham mais ao grupo dos autônomos

que, segundo o que foi visto no capítulo II (Etapas e Agentes da Coleta

Seletiva), não atingem as etapas de compactação e enfardamento, que agregam

valor ao material. Os catadores ainda não têm nenhum equipamento de

proteção para lidar com o material ou galpão que os proteja do sol e da chuva.

A maioria das famílias que moram na invasão não se associou à

cooperativa. Muitos foram atraídos para a invasão por causa dos benefícios que

a cooperativa conseguiu. Antes da formação da cooperativa, o Siv-Solo

derrubava os barracos constantemente e queimava ou enterrava o material

101

recolhido pelos catadores. Muitos relataram casos de espancamento por parte

da polícia.

Após a formação da cooperativa, os moradores passaram a contar com

a proteção da Vice Governadora do DF e as derrubadas dos barracos cessaram.

A cooperativa conseguiu um reservatório de água potável, instalado pela Caesb

e um caminhão novo, doado pela Fundação Banco do Brasil, através de um

projeto da UnB. O GDF disponibilizou um ônibus para levar as crianças para a

escola. A energia elétrica é conseguida por meio de gambiarras.

A cooperativa aguarda a doação pelo GDF de um terreno no trecho 4 do

Sia, para onde será transferida. Essa perspectiva está atraindo catadores de

outras cooperativas, catadores autônomos e moradores de outras invasões que

não são catadores na esperança de conseguir um lote para morar. Esse fato

compromete a exatidão de algumas respostas quanto ao tempo que moravam

na invasão, se estavam associados à cooperativa e desde quando. Alguns

entrevistados deixaram transparecer a intenção de se declarar associados sem

efetivamente ser e de declarar mais tempo de associação e de moradia no local.

As entrevistas revelaram um escalonamento de funções e de renda dos

catadores da cooperativa. Os catadores mais antigos trabalham com carroças,

percorrem distâncias maiores e obtêm renda mais alta, entre R$ 300 e R$ 600

por mês. Os catadores que circulam com “carrinho no peito” têm menos tempo

no local, percorrem menores distâncias e obtêm renda menor que a dos

carroceiros, entre R$ 100 e R$ 200,00. Existem também trabalhadores

contratados por outros catadores para separar o papel e o papelão nos

“chiqueiros”. Esses contratados ganham em média R$ 60,00 por mês e muitas

vezes trabalham apenas em troca de alimentos. Na última posição estão os

catadores que transportam o material em sacos nas costas e sem renda certa,

sendo que alguns praticam a mendicância.

No decorrer das entrevistas foi possível compreender alguns códigos

estabelecidos pelos catadores na apropriação do território. Eles percorrem

quase sempre os mesmos caminhos em sua jornada diária de trabalho, para

demarcar aquele espaço. Se um catador está em uma lixeira, o outro segue em

102

frente, até encontrar outra vazia. Catadores de carroça ou de carrinho não

compartilham a lixeira no mesmo horário.

Outro aspecto da forma de apropriação do território é o estabelecimento

de ”pontos” fixos de recolhimento do material reciclável. Alguns catadores têm

pontos em vários locais da cidade, principalmente no Plano Piloto. Esses pontos

podem ser algum órgão público, quadras comerciais, supermercados,

lanchonetes ou qualquer outro local que gere grande volume de material

reciclável. Enquanto um catador coleta o material, outro vigia o local de

armazenamento. À noite passa um caminhão contratado pelos catadores de

vários pontos e transporta o material para a cooperativa. Lá ele será despejado

nos “chiqueiros” e separado pelos trabalhadores contratados pelos donos dos

pontos.

Outro grupo de catadores que trabalha nessa área é o do SAAN. Os

catadores entrevistados informaram que não existe nenhuma associação ou

cooperativa onde moram, mas que gostariam de se associar, pois ouviram falar

que os catadores da COOPATIVA têm uma renda melhor.

Somente oito catadores do SAAN trabalham com carroças. Eles

explicaram que, por causa do grande número de catadores trabalhando no

Cruzeiro, Octogonal e Setor Sudoeste, há uma repartição do grupo por horário,

para que ninguém fique sem coletar algum material. A metade deles vai para

essa área pela manhã. A outra metade do grupo fica trabalhando no SAAN.

Quando os carroceiros que saíram pela manhã retornam, os que ficaram

seguem para aquela outra área.

Além dos supermercados e das lanchonetes, foi realizada uma visita à

Capital Recicláveis, localizada no SAAN, onde foram acompanhadas as etapas do

processo de coleta e reciclagem. Em determinados horários, havia fila de

caminhões para pesar e descarregar o material recolhido. As etapas de

armazenamento, triagem, prensagem ou compactação, enfardamento e

encaminhamento para a indústria de reciclagem foram acompanhadas e

fotografadas.

A Capital Recicláveis possui amplos galpões para a realização de cada

etapa do processo de reciclagem. Os funcionários trabalham uniformizados e com

103

equipamentos de proteção. O material reciclável é movimentado com

equipamentos e tratores com pás elevatórias e a prensagem ou compactação dos

materiais é feita por máquinas apropriadas. A empresa possui ainda vários

caminhões e contêineres que são colocados nas empresas e órgãos públicos com

quem tem contrato de recolhimento do material. A diferença de capacidade de

realização do processo de coleta e reciclagem e das condições de trabalho da

empresa visitada e dos catadores da COOPATIVA é enorme.

A funcionária do depósito mencionou o nome dos quatro principais

fornecedores de papel para a empresa, todos donos de caminhões, e comentou

admirada: “Não sei de onde eles tiram tanto papel!”. Talvez dos órgãos públicos.

Os conflitos entre os catadores e os outros agentes do processo de reciclagem

Nos últimos anos, a valorização do material reciclável, principalmente as

latas de alumínio, em conjunto com o desemprego e os baixos salários pagos

em algumas atividades, despertou a atenção de muitas pessoas para a

possibilidade de aumentar sua renda com a venda desse material. Esse fato

provoca a redução do território de atuação do catador, essencial para sua

sobrevivência, e gera conflitos com os outros agentes envolvidos no processo de

reciclagem.

A partir das entrevistas com os catadores, foi possível identificar e

localizar outros agentes envolvidos na comercialização de material reciclável na

área do Cruzeiro, Setor Octogonal e Setor Sudoeste. Para ter uma opinião mais

realista dos problemas que afetam a rotina de trabalho dos catadores, as

entrevistas foram direcionadas para os supermercados e lanchonetes dos três

setores.

O contato com os funcionários dos supermercados foi rápido, e o tempo

médio das entrevistas foi de 15 minutos. As questões básicas eram sobre o

encaminhamento do material reciclável e a relação com os catadores.

Os supermercados visitados foram o Supermaia e o Veneza no

Cruzeiro, o Champion no Terraço Shopping do Setor Octogonal e o Big Box, o

Bom Motivo e o Pão de Açúcar no Setor Sudoeste. Os funcionários do

104

Supermaia, do Veneza e do Bom Motivo afirmaram que os supermercados

comercializam todo o papel e papelão com a empresa Novo Rio Recicláveis, que

fornece prensas, enfarda e transporta o material para sua filial no Setor Gráfico.

É importante notar que quase todas as etapas anteriores à reciclagem

ocorrem no supermercado. A separação, o armazenamento, a prensagem e o

enfardamento do material é feito pelos funcionários e o transporte é realizado

pelo próprio depósito comprador. Os outros materiais são descartados nos

contêineres de lixo e recolhidos depois pelo SLU.

Na maioria dos supermercados, os funcionários informaram que os

contêineres são trancados com cadeados, para que os catadores não tenham

acesso. O procedimento evita que o lixo seja espalhado e que os catadores

comam alimentos com prazo de validade vencida. O fechamento dos

contêineres evita também a aglomeração e o consumo de bebidas alcoólicas em

frente ao supermercado, causando brigas e afastando os clientes. Somente as

lixeiras do Big Box e do Bom motivo ficavam abertas e distantes do

estabelecimento, onde os catadores podem ter acesso.

O funcionário do supermercado Champion informou que todo o papel e

papelão são comprados por uma micro-empresa, que faz a coleta no

supermercado e revende para um depósito. Afirmou desconhecer o nome da

micro-empresa e do depósito comprador. Aqui surge outro agente no processo

de coleta e reciclagem. A micro-empresa entra na concorrência com os

depósitos compradores e reduz ainda mais o território de atuação do catador. O

funcionário afirmou também que quando a empresa Qualix (contratada pelo GDF

para fazer a limpeza pública) recolhe o lixo, ela mesma faz a separação e venda

do material reciclável. Só vai para o lixão o que realmente não pode ser

aproveitado.

O último supermercado visitado foi o Pão-de-Açúcar do Setor Sudoeste,

que tem um espaço separado com lixeiras de cores diferenciadas para a

deposição de material reciclável. Um funcionário da empresa Novo Rio

Recicláveis, encarregado de organizar as lixeiras e prestar informações sobre

coleta e reciclagem, afirmou que a empresa tem um contrato de compra de todo

105

o material com o Pão-de-Açúcar. Os catadores não têm acesso às lixeiras do

supermercado, que é cercado por grades.

Não foram relatados conflitos com os catadores nos supermercados que

mantêm as lixeiras trancadas atualmente, nem nos que as mantêm abertas.

As visitas seguintes foram a três lanchonetes da rede Giraffas do Setor

Sudoeste e do Cruzeiro. Os funcionários informaram que o procedimento da

maioria das lanchonetes da rede é juntar as latas de alumínio e vendê-las no

final do mês para a Novo Rio Recicláveis. O lucro é dividido entre todos os

funcionários, como forma de incentivo. Não foi relatado nenhum conflito com os

catadores.

A última lanchonete visitada foi a do M’cDonalds do Setor Sudoeste. O

funcionário entrevistado informou que a lanchonete não seleciona nem vende o

material reciclável. Todo o material é depositado nas lixeiras, e algumas vezes

os catadores espalham lixo pelo chão, causando transtornos aos funcionários e

clientes.

Os zeladores dos prédios foram apontados pelos catadores como os

principais responsáveis pela diminuição da quantidade de material reciclável que

vai para as lixeiras. As entrevistas foram realizadas com um zelador do Cruzeiro,

um do Octogonal e um do Setor Sudoeste. Os três zeladores informaram que

juntam latas de alumínio e vendem para uma pessoa que passa de caminhão à

noite pelas quadras. Afirmaram ainda que quase todos os zeladores que eles

conhecem têm contato com motoristas de caminhão que compram latas de

alumínio.

Os zeladores informaram que os jornais e revistas também propiciam

alguma renda no final do mês, e que não juntam outros materiais, como o

papelão e as embalagens de pet porque ocupam muito espaço e o valor de

venda é baixo. Todos relataram conflitos com os catadores, que rasgam os

sacos de lixo e espalham na rua.

A catação de material reciclável, principalmente a de latas de alumínio,

tornou-se uma atividade bastante concorrida. O quilo da lata de alumínio (65

latas) varia de R$ 2,00 a R$ 3,50, dependendo se é vendido a um atravessador

que vem buscá-las de porta em porta, se é levado ao local onde o atravessador

106

negocia ou se é vendido a um depósito próximo, segundo informaram os

zeladores. Nas cidades onde existem indústrias recicladoras de latas, o preço do

quilo chega a R$ 4,00, variando em função do valor do dólar no mercado (dados

do CEMPRE).

A valorização das latas de cerveja e refrigerantes fez surgir outro agente

no cenário da coleta e reciclagem das cidades: o catador que anda de bicicleta e

recolhe somente latas. Esse catador não faz parte do grupo original, que

trabalha nessa atividade há muitos anos e coleta todo tipo de material reciclável.

Em alguns casos, ele não é morador de invasões e tem uma condição

econômica melhor que a dos outros catadores. Trabalha individualmente e não

tem interesse em fazer parte de associações ou cooperativas.

A velocidade com que esse catador cruza as ruas das cidades em busca

das latas é um fator de peso na dinâmica da coleta. Devido a essa mobilidade e

à redução da quantidade de latas que chega às lixeiras, os catadores de

“carrinho no peito” e os carroceiros praticamente não se ocupam mais de catar

esse material. Esse fato estabeleceu um novo código entre os catadores. Se

outro catador chega primeiro a uma lixeira, o catador que anda de bicicleta não

se aproxima. Se o catador que anda de bicicleta chega primeiro à lixeira, o outro

pode se aproximar, mas repassa as latas que encontrar ao ciclista, ficando

somente com os outros materiais.

A catação de latas já foi uma ótima fonte de renda para os catadores e

desempregados das cidades. Edmilson Alves, o mesmo que declarou ter

comprado seu ponto, relatou a seguinte história: “No carnaval de 93 eu cheguei

a juntá as latinha de rodo. O preço do quilo era vinte centavos e ninguém queria.

Com a subida do preço para uns treis e cinqüenta, o pessoal do Nordeste que

ganhava cinco reais a diária veio todo pra cá ganhá quinze por dia com as

latinha.”

O catador Iderlano Alves, de 27 anos, também da Estrutural, contou que

era especializado em catar latinhas de bicicleta, com um caixote na garupa.

Conseguia obter em média R$ 150,00 por mês com a atividade. Com o aumento

da concorrência, as latas sumiram das lixeiras e ele agora trabalha para os

107

outros catadores, separando o material que chega nas carroças e caminhões.

Recebe por dia de trabalho e a renda não cobre a despesa com alimentos.

A entrada de pessoas com emprego fixo e moradia na atividade de

catação é outro fator que reduz a renda do catador e diminui seu território de

atuação. Os catadores relataram vários casos de pessoas bem vestidas catando

latas. Um catador que mora na invasão do SIA afirmou que já viu pessoas

saírem de boas casas e apartamentos para fazerem caminhada pela manhã, já

com sacos plásticos para colher latas. Um mendigo vindo de São Paulo, que

também cata latas, reclamou da situação: “Pô meu, tem uma pá de gente

nojenta, que tem trabalho e moradia fixa que põe a mão na sujeira... não sobra

nada pra gente, meu”.

Muitos aposentados e pessoas com baixos salários passaram a catar

material reciclável. Até professores e servidores públicos passaram a vender as

latas que antes doavam às empregadas domésticas ou aos zeladores dos

prédios. Durante uma entrevista, um servidor público encarregado de organizar

as atividades dos catadores e que tem um estabelecimento comercial, afirmou

que passaria a recolher o papelão descartado pela loja ao lado da sua.

Percebendo a contradição com suas atribuições junto aos catadores, voltou

atrás na afirmação.

As formas de apropriação do território pelos catadores

Os vigias e zeladores dos prédios públicos e comerciais também juntam

ou guardam o material reciclável para os catadores, que em troca retiram os

sacos de lixo e deixam o local limpo, poupando o trabalho dos zeladores. Essa é

uma das formas de apropriação de um ponto, com estabelecimento de uma

relação de confiança e prestação de serviços.

Outra forma de apropriação dos pontos é a compra. E seu preço varia

de acordo com a quantidade e qualidade do material. O brasiliense José Alves

Pinto, de 25 anos, declarou que é comum catadores pagarem aos zeladores e

vigias de empresas e prédios públicos para que juntem o material para eles.

Informou ainda que, se o catador recolhe naquele local material no valor de

108

cento e cinqüenta reais por semana, cinqüenta reais ficam com o zelador ou

vigia.

A forma de pagamento do ponto pode variar. Edmilson Alves da Silva,

38 anos, afirmou ter comprado o seu ponto de outro catador que queria voltar

com a família para a Bahia. Ele pagou a passagem de ônibus e a despesa de

todos, em torno de 3 mil reais. O ponto pode ser pago também com bicicletas,

carroças e outros bens. Os vigias e zeladores que venderam os pontos ficam

responsáveis por avisar aos “donos” quando outro catador invade aquele

espaço, o que pode gerar muitas brigas.

A maioria dos catadores entrevistados afirmou ter um itinerário certo

todos os dias, preferindo vender as latas aos atravessadores posicionados ao

longo desse trajeto, para não perderem tempo e poderem vasculhar mais

lixeiras. As latas servem como um meio rápido de conseguir dinheiro para

comprar arroz ou “uma mistura” (carne), como afirmou o catador Miguel, do

SAAN. Outros catadores utilizam a venda das latas para comprar “pitchulas”

(pequenos recipientes) de aguardente, que custam R$ 0,50 nos mercados.

Qualquer necessidade imediata é suprida com a venda das latas de alumínio.

Os resultados do estudo da dinâmica do processo de coleta e

reciclagem da área do Cruzeiro, Setor Octogonal e Setor Sudoeste

apresentaram muitas semelhanças com a realidade de outras localidades do

país, como as péssimas condições de trabalho e de vida dos catadores e a falta

de reconhecimento da importância de seu serviço pela sociedade.

As organizações estudadas têm pouco tempo de criação e apresentam

resultados menos satisfatórios do que outras mais antigas do Distrito Federal e

de outros estados. As associações e cooperativas não seguem os pressupostos

básicos de sua criação. A relação entre os membros das organizações é

hierarquizada, as tarefas não são compartilhadas e a renda não é repartida

igualitariamente.

Devido à falta de recursos, o material recolhido recebe pouco

beneficiamento antes da venda, atingindo somente a etapa de triagem. Na

COOPATIVA, o caminhão doado pelo Banco do Brasil faz o transporte do

material recolhido para a Capital Recicláveis, mas os catadores reclamam.

109

Todos têm que pagar dez reais por mês ao motorista, fora a porcentagem para a

manutenção de outras despesas da cooperativa. Reclamam também de terem

que esperar em média quinze dias para encaminhar o material, pois o caminhão

não é suficiente para atender a todos.

Os catadores que estão ou estiveram organizados em associações ou

cooperativas demonstram desconfiança da isenção dos dirigentes dessas

instituições. Muitos denunciam aumentos abusivos das taxas de administração,

a falta de prestação de contas por parte dos dirigentes e desproporcionalidade

entre os valores arrecadados e os bens adquiridos. Há inúmeros casos de

catadores que migram de uma cooperativa para outra em função do valor da

taxa cobrada. Essa situação se insere no que Gonçalves (op.cit., p. 36) chama

de “círculo perverso da reciclagem”, onde “todos os atores contribuem para a

falência do sistema, cada um com o seu texto de não-ação, não-interação, não-

articulação e não-responsabilidade”.

A inexistência de indústrias recicladoras próximas à área de estudo

desequilibra ainda mais a relação do catador com os outros agentes do

processo de reciclagem. Os atravessadores impõem os preços e condições de

venda do material reciclável. Os grandes depósitos descontam entre 20 e 40%

do valor final do material entregue com alguma impureza ou umidade.

Os catadores denunciam que os chefes das áreas de limpeza dos

órgãos públicos retêm o material de melhor qualidade para vender aos

depósitos, descumprindo a determinação legal de doação para as associações e

cooperativas.

As entrevistas evidenciaram o interesse eleitoral de políticos ligados às

organizações dos catadores. A doação de equipamentos e terrenos coincide

com a proximidade do período de eleições. O interesse político se mistura às

intenções reais de ajuda de instituições sérias preocupadas com a melhoria das

condições de vida dos catadores.

A área não oferece condições de sobrevivência para o número de

catadores que a percorre todos os dias. A concorrência dos outros atores

envolvidos no processo de coleta e reciclagem piora as condições de vida

desses trabalhadores, que não têm outra fonte de renda. Os catadores têm que

110

buscar várias maneiras de conseguir seu sustento, sem provocar incômodo aos

moradores e comerciantes.

O mapa (figura 4) mostra um dos principais caminhos percorridos pelos

catadores da COOPATIVA na busca de material reciclável na área do Cruzeiro,

Setor Sudoeste e Setor Octogonal.

figura 4

fonte: CODEPLAN /adaptação do autor:2005

Os catadores saem da cooperativa pela manhã, percorrem as áreas

comerciais e residenciais do Cruzeiro Velho, atravessando depois para o

Cruzeiro Novo. Entram no Setor Sudoeste, percorrem toda a área comercial,

retornando depois pelo Setor Octogonal, onde vasculham as lixeiras externas

111

das quadras e do comércio local. Retornam no final do dia á cooperativa, onde

o material será preparado para o encaminhamento ao depósito comprador (D).

Alguns catadores percorrem as quadras residenciais e comerciais do Setor

Sudoeste de madrugada, para se livrar da polícia e da repreensão dos

moradores e comerciantes.

- No trajeto entre o Cruzeiro Velho e o Cruzeiro Novo, os catadores

podem parar na Feira Permanente, onde vendem latas e outros materiais de

alumínio ao atravessador (A).

- As moradias do Cruzeiro Velho são formadas por casas e os catadores

têm fácil acesso às lixeiras, que são colocadas do lado de fora pelos moradores.

- No Cruzeiro Novo as moradias são formadas por prédios, os catadores

não têm acesso às lixeiras, que ficam na área interna e quase não se encontra

material, que é retido pelos porteiros e zeladores.

112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa de campo possibilitou atingir o objetivo geral desta

dissertação: mostrar a importância do território na consolidação do catador como

agente beneficiário do processo de reciclagem. A sobrevivência do catador está

diretamente ligada ao domínio territorial.

O primeiro objetivo específico, identificar outros agentes do processo de

reciclagem revelou uma rede de indivíduos comercializando material reciclável,

entre eles porteiros, zeladores, aposentados e até pessoas da classe média.

O segundo objetivo específico, identificar os conflitos territoriais entre o

catador e os outros agentes, mostrou as dificuldades desses trabalhadores para

juntar o material que recolhem, o roubo dos animais e das carroças, os

problemas com o trânsito, com a polícia, com os moradores e comerciantes e

até com catadores de outras cooperativas.

A primeira hipótese, de que a implantação de um programa de coleta e

reciclagem que assegure a participação do catador e aponte meios para que ele

se aproprie e permaneça em um território adequado às suas atividades pode ser

um primeiro passo para melhorar sua condição de vida e solucionar o problema

da destinação do lixo, foi comprovada a partir das experiências relatadas no

Brasil e da pesquisa de campo.

A segunda hipótese, de que a construção da territorialidade na área

estudada depende muitas vezes da concessão dos outros agentes do que do

planejamento e atuação do catador, foi confirmada. A apropriação do território

pelo catador depende do estabelecimento de relações de confiança, da

prestação de serviços e do aluguel e compra de pontos em poder dos

moradores, comerciantes e funcionários de prédios particulares e públicos. Os

pontos de coleta de material reciclável estão cada vez mais disputados e o

catador tem que recorrer a diversas táticas para sobreviver, como revezamento

de horários e o trabalho noturno. A área estudada não oferece condições de

sobrevivência para o número de catadores que a percorre todos os dias. A

concorrência dos outros atores envolvidos no processo de coleta e reciclagem

113

piora as condições de vida desses trabalhadores, que não têm outra fonte de

renda.

A identificação dos outros agentes envolvidos no processo de

reciclagem exigiu a adoção de uma postura dissimulada, paciente. Até que o

colega da repartição ou coordenador dos trabalhos de inserção social do catador

deixasse escapar que agora também junta latas, papelão e outros materiais. Aí

está outro agente do processo de reciclagem. E a impressão de que o trabalho

estará sempre desatualizado. Há que se computar ainda os agentes “invisíveis”.

O homem do caminhão, que passa à noite comprando latas, a micro-empresa

que compra papelão e o encarregado dos serviços de limpeza dos órgãos

públicos, que negocia com os depósitos.

A pesquisa de campo permitiu a identificação de várias causas dos

conflitos territoriais entre o catador e os outros agentes do processo de

reciclagem. Os conflitos com os supermercados, lanchonetes e moradores,

antes gerados pelos distúrbios, alcoolismo e brigas, agora se dão também pela

disputa do material reciclável. Os conflitos com as empresas e escritórios

surgem das exigências dos contratos de exclusividade firmados com os grandes

depósitos. Os conflitos com zeladores e porteiros dos prédios residenciais,

devido ao barulho das carroças e abertura dos sacos de lixo, agora estão

entremeados de motivação econômica.

Além dos conflitos com os outros agentes, o catador está envolvido em

uma disputa territorial com sua própria categoria. A compra de pontos, que lhe

dá exclusividade de acesso a alguns locais, expulsa os outros catadores. A

organização em associações e cooperativas acaba por delimitar um território e

restringir o acesso a outras organizações ou ao catador autônomo, resultando

em uma situação de monopólio. A entrevista com o presidente da COOPATIVA

ilustra bem essa situação. Perguntado sobre o motivo de haver apenas

catadores daquela cooperativa atuando na área de estudo, ele respondeu:

“Porque nós estamos lá há mais tempo. E nós temos contato direto com a Vice-

Governadora. E ai de outro catador de outra cooperativa que entrar lá!”. Aparece

aí uma contradição: o catador, que faz parte de um segmento de excluídos da

sociedade, após a organização em associações ou cooperativas, passa a excluir

114

outros de sua própria classe. A visita à cooperativa de catadores da invasão do

SIA evidenciou a reprodução do modelo capitalista nas relações de trabalho. A

renda não é dividida e os equipamentos não são disponibilizados para todos.

Existe um escalonamento de funções e de posição social mesmo onde parecia

haver um nivelamento total.

O atravessador, representado pelos dois maiores depósitos de compra

de material reciclável do DF, se beneficia da distância que as indústrias de

reciclagem estão da cidade para impor seus preços e condições de negociação.

Com capital suficiente para comprar terrenos, construir galpões e adquirir

equipamentos adequados, os depósitos realizam em suas instalações várias

etapas do processo de reciclagem (armazenamento, triagem, compactação,

enfardamento), antes de enviar o material para a indústria recicladora. Ao

catador cabe apenas as etapas de coleta seletiva e triagem, antes de enviar o

material para o depósito comprador.

Os depósitos estabeleceram contratos de exclusividade no recolhimento

do material reciclável com órgãos públicos, empresas e supermercados. Nas

lixeiras, onde antes era possível encontrar todos os tipos de material, agora só é

depositado o que tem menor valor no mercado. O “lixo grosso”, como chama o

catador. O lixo do lixo.

Os contêineres que os depósitos espalham por todos os lugares da

cidade são os limites de um território ao qual o catador não tem mais acesso.

Em contrapartida, a presença destoante desse mesmo equipamento em meio a

um cerrado devastado, coberto de lixo e barracos de lona, representa o longo

braço do capitalismo, que a tudo alcança, desde que tenha algum valor.

A re-conceituação do termo lixo, a valorização do material reciclável e a

incrementação do processo de reciclagem não serviram somente para mostrar à

sociedade a importância do trabalho do catador e transformar as estruturas

geradoras de exclusão. Serviram também para mostrar que há riqueza no lixo, e

que é possível tomá-la do catador sem menores esforços. Basta interceptar a

saída do material, trancar as lixeiras e chamar a polícia.

A valorização do material reciclável mostrou que o catador não está na

última posição da escala social. Abaixo dele ainda cabem os quebradores de

115

pedras, os agricultores, os ajudantes de pedreiro, os pescadores. E que os

cerrados de Brasília não são o pior lugar para morar. Pior ainda são os

arredores de Sertânia-PE, Iguatu-CE e Ibotirama-BA, alguns dos pequenos

municípios de onde veio grande parte dos catadores entrevistados. A atividade

de catação em Brasília se transformou em fonte de renda dos profissionais de

“carteira assinada”. Dos porteiros, zeladores, empregadas domésticas, garçons,

que também moram nos cerrados, em meio ao lixo, nos barracos de lona.

O resumo da forma de construção da territorialidade pelo catador na

área de estudo é o retrato de qualquer outra atividade comercial: ganha mais e

domina maior parte do território quem tem mais tempo de atuação na área,

estabeleceu relações de confiança com moradores e comerciantes, imprimiu

uma continuidade na prestação dos serviços, se organizou em grupos,

conseguiu apoio de alguma autoridade do governo, impôs uma hierarquia nas

relações de trabalho e alugou ou comprou pontos de recolhimento de material

reciclável.

Apesar do quadro desfavorável que se apresentou ao final do trabalho, é

possível enxergar melhorias na condição de vida dos catadores, que já foram

observadas nas experiências de coleta e reciclagem do Brasil. O envolvimento

de diversos segmentos sociais na busca de alternativas viáveis para a questão

do gerenciamento dos resíduos sólidos propicia mudanças de paradigmas

quanto ao tema e o exercício real de cidadania na convivência com os

catadores. As parcerias com as escolas ajudam a criar uma geração mais

consciente e preparada para lidar com questões ambientais e sociais.

A promoção de cursos para a educação ambiental e saúde do catador,

além da confecção de uniformes e a melhoria e padronização dos carrinhos de

coleta favorecem a aceitação desses trabalhadores nas áreas comerciais e

residenciais e na convivência com os clientes e moradores.

A disputa territorial deixa claro que a organização é a melhor forma de

fortalecimento da categoria. Mesmo com todos os problemas, o catador

organizado tem melhores condições de trabalho e sobrevivência do que o

catador autônomo.

116

Na invasão do SIA, onde os moradores bebiam água de um córrego

poluído, as crianças não estudavam e o material reciclado era vendido a preços

baixos, hoje tem água potável, ônibus escolar, um caminhão e o material é

vendido a preço de mercado. Esses benefícios só foram conseguidos a partir da

criação da cooperativa.

O que se busca com o direcionamento social do processo de reciclagem

não é manter o estado atual da condição de catador nem perpetuar a categoria.

A implantação de programas de coleta e reciclagem com a participação do

catador é uma questão de reconhecimento do trabalho prestado à sociedade por

muitos anos.

O direcionamento social inclui cursos de capacitação para a inserção

social. Mas pouco adianta ao catador se capacitar para exercer uma profissão

que não vai tirá-lo do cerrado ou do meio do lixo, e que lhe oferece um salário

abaixo da renda que tinha.

O que se almeja é chegar à condição das experiências dos países

desenvolvidos que foram analisadas, onde o catador não aparece no processo

de reciclagem. Mas esse é um estágio mais avançado, onde a sociedade já

resolveu grande parte de seus problemas econômicos e sociais, podendo

investir no aprimoramento cultural. A situação atual é de encontrar soluções para

que o catador consiga manter seu território de atuação e condições de

sobrevivência. O que se buscou com esse trabalho foi dar alguma contribuição

social e geográfica para a assegurar a sobrevivência e melhorar as condições de

vida desse profissional.

117

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ANEXO I: Fotografias das Etapas do Processo de Reciclagem

121

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123

124

ANEXO II: Projeto Lixo e Cidadania do DF: Fotografias e Mapa de Localização das Associações e Cooperativas de Catadores do DF

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