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INDÍGENAS E TERRITORIALIDADE – O IMAGINÁRIO E OS CONFLITOS POR
TERRAS INDÍGENAS NA CONTEMPORANEIDADE
Orisnalda Nunes de Alencar1
RESUMO:
O presente estudo tem como propósito refletir sobre a recorrente discussão a
respeito das terras indígenas, um processo que vem desde o período colonial, com importantes
desdobramentos até os dias de hoje. Com esse objetivo embasaremos este estudo em autores
que pensam essa questão no Brasil. A história do índio em toda a América e, evidentemente
em nosso país, sempre foi marcada por polêmicas e conflitos, ativados particularmente pela
disputa de terras em um processo de expansão das cidades e do agronegócio sobre áreas então
ainda com forte presença índia. Entretanto, esses processos são complexos, é precisam de uma
contextualização cuidadosa. A análise estabelecida nos eleva a indaga: Nesse sentido, mais
contemporaneamente qual a relação da FUNAI com as terras indígenas? Desde
descobrimento até os dias atuais que esses povos são discriminados e marginalizados pela
sociedade. Com o tempo mudanças importantes são incorporadas, pois essa história aponta
significativas transformações, uma vez que os próprios indígenas entram no novo cenário
como ativistas da própria causa, desatrelando-se em grande medida de intermediação. A
questão indígena tornou-se parte importante da política territorial do Estado brasileiro. As
politicas indigenistas entraram em pauta para garantia dos direitos indígenas, pelo qual,
depende da atuação dos dirigentes públicos. Todavia, o desacerto das políticas públicas criam
certos imaginários no cidadão comum que é ainda afetado por leituras etnocêntricas,
preconceituosas.
PALAVRAS-CHAVE: Indígenas. Territorialidade. Imaginário. Conflitos. Politicas Públicas.
O principal foco é nos adentrarmos na questão territorial indígenas na
contemporaneidade, apontando sua inerente conexão com Estado. O Estado tem função nesse
ponto de vista de assegurar as reservas territoriais para os indígenas, ou seja, um direito que
deveria ser dos próprios indígenas, como os primeiros originários dessas terras. Por isso,
ainda na atualidade esse é principal ponto de conflito. Contudo, o resultado das políticas
desiguais desde o período colonial foi o reforçamento da identidade dos indígenas e dos
negros.
Todavia, precisamos fazer uma melhor abordagem a respeito dessa questão, e,
para isso, é indispensável nos situarmos no contexto cultural da história indígena. O qual
1 Graduada pela Universidade Federal de Goiás: E-mail: [email protected].
2
exige um trabalho de recuarmos no espaço e no tempo, fomos até o período colonial, e
voltamos ao nosso presente.
A maioria dos detratores dos índios argumenta que os indígenas não trabalham da
forma convencional, com uma inserção efetiva no mercado de trabalho da sociedade inclusiva
e, por outro lado, acusam que tem muita terra para pouco índio. Nessa perspectiva, esses
estariam atrapalhando o progresso do país. Nesse processo continuo, destacamos que estão
ligados a certo imaginário e estereótipos sobre os índios. É um processo de longa duração e
que não dá sinais de se esgotar. (ROCHA, 2012)
Desde a conquista, a história indígena está permeada por conflitos com o não
índio, ou seja, enfrentamento com as mais diversas formas de relações de poder. Victor Ferri
Mauro no artigo: “A territorialidade e processos de territorialização indígena no Brasil”
(2011), externa que o grande problema é que muitas das terras expropriadas dos povos
indígenas no passado passaram para o controle de agentes poderosos: latifundiários, grileiros,
políticos, cooperativas de fachada, projetos agropecuários modernos, incorporadoras
imobiliárias, colonizadoras, grandes empresas comerciais e industriais, etc. Portanto, esse tipo
de ocupante costuma impor uma grande resistência ao intento dos indígenas. Contratam bons
advogados para representá-los nas instâncias judiciais e, em casos extremos, mobilizam forças
paramilitares para ameaçar os índios que manifestam a intenção de retomar por conta própria
às terras.
Entretanto, esses processos são complexos e precisam de uma contextualização
cuidadosa. A análise estabelecida nos eleva a indagar: Como se efetiva a posição social dos
órgãos estatais com relação às leis e direitos dos indígenas? Através da resistência,
conformismo, continuidade, mudanças e assimilações os indígenas foram sobrevivendo até a
atualidade. Desde o descobrimento até os dias atuais esses povos são discriminados e
marginalizados pela sociedade. Cabe ressaltar que os indígenas não são seres ingênuos e
passivos. Estes são dotados de uma grande capacidade de articulação política. Precisamos
entender a universalidade ausente, sobretudo, nos diferentes sujeitos. Esse é um universo de
visões de mundo distintas.
3
As chamadas etnogêneses2 são parte dos processos históricos da humanidade e
não apenas um fenômeno contemporâneo. A história do Brasil tem em seu corpo interior e
exterior os processos de etnogênese, que vem formando desde o passado até o presente. O
senso comum relaciona os grupos éticos como simples derivação de etnias, classificando
como grupo de pessoas de uma mesma raça ou nacionalidade que se apresentam
culturalmente de forma comum e distinta. Todavia, para os antropólogos, os grupos étnicos
vão se definido não tanto pelos conteúdos culturais, mas sim como unidades sociais que
emergem de mecanismos sociais de diferenciações de grupos em interação, o que remete aos
modos particulares de construir posições. Com isso, a cultura não desaparece da análise, mas
se torna apenas uma variável que não explica, mas sim, é explicada pelos mecanismos
delimitadores e definidores dos grupos. (ROCHA, 2011).
O contato permanente com a sociedade nacional leva os grupos indígenas a se
definirem culturalmente de acordo com suas particularidades. Os índios no Brasil destacam-se
como uma população heterogênea. A população indígena caracteriza-se, entre outros fatores,
pelas suas diferenciações. É necessário apontarmos a discussão do historiador Giovanni Levi
(1992) que é fundamental para nossa análise. O autor aborda que embora os costumes e os
usos dos símbolos sejam sempre polissêmicos, não obstante, eles assumem conotações mais
precisas a partir das diferenciações sociais variáveis e dinâmicas. Assim, os indivíduos
constantemente criam suas próprias identidades e os próprios grupos se definem de acordo
com os conflitos e solidariedades, que tudo não pode ser presumido a priori, mas resultam das
dinâmicas que são objeto de análise.
Reitero deste modo que, em primeiro momento, a iniciativa deve vir
primeiramente dos próprios índios, ao afirmarem suas identidades por meio de seu
pertencimento a um povo originário específico. Reafirma-se grosso modo, sempre um diálogo
entre passado, presente e cultura, havendo uma continuidade no tempo, pois quem vive olha o
passado idealizado e perspectivas futuras. Essas etnias devem ser vistas como sujeitos
históricos plenos, inseridos em espaço-temporais e relacionados a conjuntos de atores com
valores e estratégias sociais atuantes em determinados processos históricos. Corroborando
2 O termo foi adotado para dar conta dos processos históricos de configuração de coletividades étnicas, como
resultado de migrações, diásporas, invasões, conquistas, fissões ou funções. Mais recentemente, tem sido
utilizado para dar conta dos processos de emergência social e politica dos grupos tradicionalmente submetidos à
relação de dominação. São designações alternativas ao termo, as “emergências”, “ressurgimento”, ou “viagem da
volta”. Trata-se, portanto, de um termo conceitualmente controverso usado para descrever a constituição de
novos grupos étnicos. (ROCHA, 2012, p.1)
4
conforme o agir e o reagir dos seus códigos culturais, operando de acordo com as situações
históricas. (ROCHA, 2011)
São estes processos que buscamos salientar nas relações dos indígenas com o
restante da sociedade, sobretudo branca, inserido na história do Brasil. No texto: “O
imaginário colonial”, no livro: a presença indígena na formação do Brasil (2006), João
Pacheco e Carlos Augusto Freire discutem isto ao falar do contato com vários povos
indígenas, o qual criou para os europeus a necessidade de compreender e enquadrar essas
populações no seu universo mítico e conceitual. Fazendo com isso surgir esses imaginários
nem sempre convergentes. Tais relatos fizeram circular imagens profundamente ambíguas e
negativas dos povos indígenas. Essas representações dos índios no período Colonial
derivavam de visões de mundo que davam um sentido humanitário e religioso ao
empreendimento colonial, presente até nossos dias.
Ao logo dos séculos essa imagem foi passando por mudança, tendo esse
pensamento sofrido transformações com o tempo. No texto: “O imaginário sobre os indígenas
no século XX”, Pacheco de Oliveira e Freire (2008) explicitam a construção de outra imagem
do índio. Nesta nova ordem, os indígenas passaram a ser vistos, não mais apenas com uma
perspectiva positiva, de boa índole, que trabalhava em sintonia com a natureza ou de
imaginários e estereótipos de preguiçosos etc, porém, apareciam discutindo e reivindicando
direitos, por meio de figuras emblemáticas de representativos lideres indígenas. Essa é uma
questão importante, pois aponta significativas mudanças, uma vez que os próprios indígenas
entram no novo cenário como ativistas da própria causa, desatrelando-se em grande medida
de intermediação. Com um discurso renovado, passaram a produzir imagens, vídeos e
divulgar suas aldeias através de suas organizações. Procuram manter a opinião pública
informada sobre suas demandas, propostas politicas e principalmente sua cultura.
Para compreender essa nova dinâmica é preciso recuar no tempo e no espaço;
precisamos contextualizar a questão territorial indígena no decorrer do tempo, principalmente
o papel do Serviço de proteção ao índio, a primeira agencia do Estado brasileiro a gerenciar os
povos indígenas. Pacheco de Oliveira e Freire no texto: “O regime tutelar” (2006) afirmam
que as principais intervenções do SPI, desde a sua criação, voltava-se para a pacificação dos
grupos indígenas em suas áreas de colonização. A garantia da terra era essencial para a
sobrevivência indígena após uma pacificação. Então a 1ª Constituição republicana transferiu
5
para os governos estaduais o controle e as decisões sobre as terras devolutas. Como essa
Constituição foi omissa a respeito das terras dos índios, era através da concessão estadual de
terras devolutas que os inspetores do SPI garantiam posses aos índios. Deste modo, buscava-
se junto aos governos estaduais garantir uma reserva (terras) para a sobrevivência física
desses grupos. De forma progressiva, introduziam-se atividades educacionais voltadas para a
produção econômica e atendia-se, precariamente, às condições sanitárias dos índios:
O regime tutelar instaurado com a criação de uma agência indigenista
inspirada na experiência da Comissão Rondon e formatada no sertanismo
como representação imagética, tem seu dinamismo estabelecido por uma
contradição básica e fundadora, conhecida como o paradoxo da tutela
(OLIVEIRA: FREIRE, 2006).
Sobre esse desdobramento, o texto de Pacheco de Oliveira e Freire: “Terra,
trabalho indígena e colonização” (2006), explicita que no século XIX a questão indígena
tornou-se parte importante da política territorial do Estado brasileiro. Os índios considerados
“assimilados” sofreram grandes perdas patrimoniais. A garantia dos direitos indígenas
dependia da atuação dos dirigentes públicos. Como acontece hoje, os indígenas perderam seu
direito às terras ancestrais e sofrem as consequências do passado no presente. O que podemos
destacar é que essas ambiguidades em relação aos índios existem desde o inicio do
descobrimento e repercutem de formas diversas, mesmo com mudanças. Nesse sentido, mais
contemporaneamente qual a relação da FUNAI com as terras indígenas? “Terra indígena é
uma categoria jurídica que está definida pelo Estatuto do índio”. Fundada em 1967, a
fundação Nacional do índio estabelece esse princípio nos procedimentos de demarcação de
terras; considerações, os argumentos e a documentação coligida são apresentados à FUNAI
pelas partes que se sentem prejudicadas em seus direitos.
Pacheco de Oliveira e Freire apresentam no texto: “A nova agência indigenista”
(2006), questões fulcrais: em meados anos 60 o SPI foi acusado de corrupção, genocídio,
ineficiência administrativa. Nesse processo, averiguações e investigações foram feitas pela
Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, sendo o resultado não
favorável ao órgão. Dessa investigação resultou na punição por demissão ou suspensão de
mais de cem servidores do órgão, incluindo ex-diretores. Entrando em crise, coincidindo com
a reformulação do aparato estatal pelos militares após o golpe de 1964, incluindo a proposta
de um novo órgão indigenista gestada no âmbito o CNPI. No final de 1967, foram extintos o
6
SPI, o CNPI e o então Parque Nacional do Xingu, e seus acervos transferidos para a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), criada pela Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967.
Diante desses desacertos das políticas públicas o cidadão comum é ainda afetado
por leituras etnocêntricas, preconceituosas das atividades realizadas nas aldeias, muitas vezes
por meio de visitas. Argumentam também que os índios são protegidos e favorecidos pelo
Estado, por terem muitas terras reservadas para seu uso. Falam também que os índios são
favorecidos pelo sistema jurídico: pode matar, roubar, ou até mesmo cometer outros tipos de
crimes, que nada lhes acontecerá. Dizem que suas terras são excessivas, é que as terras
indígenas reduzem o estoque de terras cultiváveis, provocando escassez de terras.
Rocha (2012) aponta que as terras indígenas no Brasil são garantidas pela
constituição federal de 1988, que se baseia no principio de que os indígenas foram os
primeiros e naturais senhores da terra. Sendo o principio do direito originário, ou seja, de que
este direito é anterior a qualquer outro. Nesse debate, um fator é fulcral; os índios não são
proprietários de suas terras. Possuem neste sentido, somente o usufruto. Estas terras são
patrimônio da união, patrimônio brasileiro, sendo reconhecidos aos índios a posse permanente
e usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Assim o
poder público é obrigado por lei a promover tal reconhecimento. Apesar desta garantia de
proteção, na pratica grande parte das terras indígenas sofre invasões de mineradores,
pescadores, caçadores, fazendeiros, madeireiros e posseiros ou, estão próximas a locais de
grandes empreendimentos, agropecuárias, estradas, hidroelétricas minerações, hidrovias ou
ferrovias ou linha de transmissões que provocam com fortes impactos negativos sobre as
comunidades indígenas.
O autor argumenta que para garantir seus direitos de posse da terra por parte das
comunidades indígenas, são feitas demarcações estabelecendo a extensão da posse indígena,
assegurando assim a proteção legal dos limites demarcados e, finalmente impedindo a
ocupação por terceiros. Este processo envolve diversas etapas: primeiro o estudo de
identificação, realizado pela FUNAI, aprovação desta, contestações com um prazo de noventa
dias após a publicação do relatório do DOU (Diário Oficial da União) declarações dos limites
da TI (terras indígenas) parecer final do ministério da justiça, demarcações físicas, declaração
dos limites da terra, homologação, e registro, finalmente é registrado no cartório de imóveis
7
da monarca correspondente. Um fator preponderante apontarmos em na nossa analise está
ligado à questão da distribuição de terras desde colonização.
Leandro Rocha no texto: “O índio e a questão agrária no Brasil” (2012), mapeia
considerações chaves para nosso diálogo, ao argumentar que a história do índio no Brasil
confunde-se com a história da ocupação do território nacional. É uma história em que estão
imbricados processos de expansão das fronteiras, é um choque constante entre diferentes
territorialidades, de índios e não índios. Ou seja, os processos históricos que envolveram as
populações indígenas foram, portanto múltiplos, complexos e resultaram em formas múltiplas
de ação e reação, resistências, fugas, fusões étnicas, fissões, deslocamentos espaciais,
movimentos migratórios, etc. E por isso, que muitos dos povos indígenas viram-se confinados
a áreas marginais do ponto de vista econômico, nas chamadas áreas de refugio, outros foram
esbulhados de suas terras, outros ainda, migraram para regiões ditas de refúgio.
O Estado intervém de inúmeras formas estabelecendo barreiras jurídico-políticas e
administrativas que são vencidas; o Estado tem o papel de estabelecer uma área de terra para a
posse e o usufruto da comunidade indígena, as chamadas reservas. Segundo Rocha a “ação
do Estado no sentido de assegurar o direito dos índios a terra é um dos pontos mais discutíveis
da "ação indigenista" do Estado brasileiro”. Cabe assinalar que a diversidade cultural e
territorial desses povos é grande e também é fruto de complexos processos históricos; a luta
pela terra é não só dos índios, como de não índios, mesmo com seus interesses distintos.
(ROCHA, 2012)
Essa discussão segue em pauta no Brasil e em outros países da América Latina;
vemos as lutas desses povos que desde a colonização estão sendo marginalizados, perseguidos
e discriminados, vitimas das circunstâncias; ou seja, as emergências étnicas desses povos se
manifestam ao longo do tempo, como tentativa de escapar dessa exclusão. Aparentemente os
órgãos estatais pretendem reconhecer e reconstruir a sua forma de organização social de
acordo com seus usos, costumes e tradições, conforme preconiza a Constituição Federal,
visando à melhoria da qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. Cabe ressaltar
que muitos órgãos foram criados no decorrer do tempo para suprir e apontar as necessidades
indígenas, história e memória. Essas instituições tiveram a pretensão, com a demarcação
desses territórios, de ocuparem ou reocupar espaços onde seja respeitada a territorialidade
estabelecida pelo próprio grupo indígena, escapando assim das formas de territorialização
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forçada às quais foram relegados pela ação do Estado e de segmentos da sociedade nacional.
(MAURO, 2011)
Sendo assim, podemos expor que toda história refere-se a uma experiência, a
história dos índios no Brasil, não é diferente. Apresenta também mudanças. Porém, não é
possível retomar o passado como antes, devido aos espaços das experiências se modificarem.
A relação com a consciência histórica está presente, pelo fato de ser a soma das relações entre
passado, presente e futuro. Portanto, é no presente que o passado adquire sentido; no entanto,
não somente isto, as formas com que tratamos nosso passado é que limita a estrutura do
presente. A consciência histórica produz interpretação do passado. Enquanto isto, a história
atualiza valores morais e ao mesmo tempo desatualiza, pelo fato dos valores morais irem se
definindo de acordo com a consciência histórica. Sendo uma continuidade, ou seja, o passado
esteve sempre interligado ao presente, como uma narrativa em círculo, sempre influenciada
por referencias de períodos anteriores. E como expõe Jörn Rüsen no texto “pragmática a
constituição do pensamento histórico na vida pratica”:
O elo da ligação do passado com o futuro, pelo presente, é forjado pela a
narrativa histórica com as representações da continuidade que abrangem as
três dimensões temporais e as sintetizam na unidade do processo do tempo.
Sem essas representações de continuidade. A memória do passado não
poderia ser articulada com a interpretação do presente e com a expectativa
do presente e com a expectativa do futuro, de modo que a memória seja
efetivamente um elemento integrante da consciência humana do tempo
(RÜSEN, Brasília, 2001, p, 64-65)
Assinalamos nossa argumentação tentando destacar justamente a questão das
demarcações de terras indígenas, ou seja, a relação do índio com o não índio. Todavia, é
importante salientarmos que os próprios indígenas com o tempo foram participando,
debatendo suas leis e constituições, conhecendo seus direitos, pois em primeiro momento, as
atitudes devem vir dos próprios indígenas, para a preservação da própria história e memória.
Os indígenas não são um povo, porém, muitos povos de etnias distintas de nós e entre si,
possuindo usos, símbolos, habilidades, tecnológicas, saberes, organizações sociais,
sustentando-se culturalmente, em seus símbolos, imaginários e nas tradições.
Manuel Ferreira da Silva e Telma Camargo (2012), no estudo das bonecas karajá,
feita por mulheres ceramistas, englobam esse foco em seus estudos, ao apresentarem o valor
cultural do mito para essas sociedades, pois, através deste, são incorporadas mudanças e
padrões nos desenhos e na pintura corporal. Abordam vários temas, como a origem, o
9
extermínio e o recomeço dos Karajá, a origem da agricultura, o veado e o fumo entre outras
questões. A tradição dessas bonecas incorpora novos estilos, no entanto, não significam
abandono das praticas seculares, devem ser entendido como uma continuidade de mudanças e
a criação de novas tradições. Por meio dos mitos, conhecemos algumas praticas dos povos
indígenas em meio as suas relações com os animais, suas tradições, e, mesmo, as
identificações éticas dos povos. Hoje ao menos partes de suas riquezas culturais são expostas
em museus, exposições de arte, etc, mesmo que ainda de forma marginalizada.
É importante salientarmos a existência dos “grupos isolados”, mesmo que seja
uma raridade. Apontamos abaixo o quadro de alguns grupos registrados e reconhecidos fora
de Tis3:
Povo Localidade
Arama/Inauini Os Jamamadi do Purus e uma familia katukina que mora
no igarapé Kanamari deram informações sobre a
presença de um grupo isolado na região do Inauini. Em
outubro de 1985, alguns desses índios teriam aparecido
no outro lado do igarapé, em frente à moradia da família
katukina, no município de Pauini/AM.
Isolados Avá-
Canoeiro
Na região do Noroeste de Goiás.
Isolados Awá-
Guajá
Fala-se da existência de pequenos grupos nas serras que
formam o rio Farinha e Lageado (oeste do Maranhão).
Em 1998, o sertanista Wellington Figueiredo fez o
resgate de uma família awá no limite da Terra Indígena
Awá e a reserva Biológica do Gurupi (região do Igarapé
Mão de Onça). Em 2006, na estada do sertanista no PIN
Juriti, o homem que faz parte do grupo que ele mesmo
resgatou veio lhe cobrar que fossem buscar seu irmão
que lá teria permanecido (dados de agosto de 2006).
Isolados na
Cabeceira do rio
Cuniá
A FUNAI criou um GT com objetivo de realizar
expedições de localização e monitoramento de índios
isolados na cabeceira do rio Cuniá, no Amazonas no
período de 09/07/2013 a 22/08/2013 (DOU,
18/07/2013)
Isolados do rio
Liberdade
Há anos os Metuktire dizem que existem Kaiapó "brabo"
na região do Rio Liberdade, onde encontraram vestígios
desses índios. Parece ser o mesmo grupo que foi visto
pelos Metuktire na Cachoeira Von Martius, poucas horas
do rio Liberdade. Foram vistos três índios de cabelos
compridos que flecharam os Metuktire, com uma flecha
3 http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/onde-estao-os-isolados
10
igual a dos Kaiapó (dia 25/10/1990). Nos municípios de
Luciara e Vila Rica/MT e talvez em São Felix do Xingu.
Segundo o antropólogo Gustaaf Verswijver, que tem
trabalhado com os Kayapó, hoje perambulam entre a
região do rio Liberdade que cada dia tem sofrido mais
desmatamento e a TI Mekragnoti (dados de novembro de
2005).
Isolados do Rio
Muqui
A Rio Muqui teve restrição de uso da Funai até o ano
2000 e, com a ocupação e desmatamento desta área,
provavelmente os índios encontram-se na TI Uru-Eu-
Wau-Wau.
Isolados do
Igarapé Muriru e
Pacutinga
Localizados entre os rios Juruena e Aripuanã, no
município de Aripuanã/MT. Os índios Rikbaktsa dizem
que já tiveram contato com esse grupo que
denominam Yakara Waktá (moradores do mato). São 20
a 30 índios que se deslocam para o Aripuanã na época
seca. Pelos vestígios (alimentação) poderiam ser um
subgrupo apiaká. Em 1985, o jesuíta Balduino Loebens,
em sobrevôo, localizou suas roças. Esse mesmo
missionário disse que, em 1984, um picadeiro da
colonizadora Cotriguaçu encontrou esses índios.
Segundo o antropólogo Rinaldo Arruda, o grupo foi
visto na TI Escondido, habitado pelos Rikbaktsa.
Isolados do rio
Tapirapé
Esses índios vivem nas cabeceiras do rio Tapirapé,
afluente da margem esquerda do rio Itacaunas, no
município de Senador José Porfírio/PA. Poderia ser o
mesmo grupo a que os Xikrin do Cateté se referem ao
norte do limite da TI do Cateté, na região da Flona
Itacaiunas e Flona Tapirapé.
Isolados Kayapó
Pituiaro (Rio
Meruré)
Esse grupo kaiapó tem o nome do homem mais velho
que o conduziu separadamente quando, em 1950, os
Kuben Kran Kren se dispersaram em meio a um ataque
dos Kokraimoro. Este grupo perambula entre a região do
rio Merure e a área Kuben Kran Ken, município de
Altamira/PA. Em agosto de 1977, o antropólogo Gustaaf
Verswijver, ao sair da aldeia, num vôo para Santana do
Araguaia, avistou uma aldeia dos Pituiaro à margem do
rio Merure – um círculo de cinco a seis casas do tipo
tradicional kaiapó, encravado numa serra. Verswijver
disse, em novembro de 2005, ser impossível a presença
desses índios na região do rio Meruré, pois está muito
desmatada. Ele acredita que eles podem ter se refugiado
na TI Kayapó, no sudeste do Gorotire ou ao sul do
Kuben-Kran-Kren.
Isolados Kayapó
Pu´ro
Esse grupo se formou em 1940, quando 25 índios
partidários do chefe Tapiete deixaram a aldeia
Mekragnoti, nunca mais retornando. Os Megranoti atuais
se referem a esse grupo como os Pu´ro. Segundo o
antropólogo Gustaaf Verswijver, em novembro de 2005,
eles não se encontram mais na região que está muito
11
desmatada. Verswijver soube pelos Mekrãgnoti da aldeia
Pukanu, que dizem ter ouvido de kubens (brancos) que,
há uns dois ou três anos, quatro homens desse grupo
foram mortos, (provavelmente por madeireiros). Esta é
uma notícia preocupante, principalmente porque deve ser
um grupo pequeno. Esses sobreviventes parecem estar
nos limites norte da TI Mekragnoti.
Em 2005 foi criada nesta região a Estação Ecológica
Terra do Meio.
Isolados do
Karipuninha
Rieli Franciscato, indigenista da Funai, disse na década
de 1990, que moradores da região do rio Karipuninha
não têm coragem de subir o rio no rumo de suas
cabeceiras, devido aos inúmeros vestígios de índios
"brabos" que lá encontram. O rio Karipuninha é afluente
da margem esquerda do rio Madeira, a aproximadamente
100 km rio acima a partir de Porto Velho, e suas
cabeceiras ficam próximas à divisa de Rondônia e o
estado do Amazonas.
Isolados do
Bararati
Referência sobre a existência de índios isolados no rio
Bararati e margem esquerda do rio Juruena, próximo do
limite com o Mato Grosso (municípios de Apuí e
Sucurundi/AM - informação da CGII-Funai).
Flona Bom Futuro
(Rio Candeias)
A informação sobre a existência de um grupo de isolados
motivou uma expedição da equipe da Frente de Contato
Guaporé em meados de 1998. A equipe percorreu 90 km
na margem direita deste rio, sem resultados concretos.
Não foram encontrados vestígios de ocupação indígena
na área vistoriada. Porém, ainda falta uma grande área a
ser pesquisada. Segundo Gilberto Azanha/CTI, esse
grupo está dentro do perímetro da Flona Bom Futuro.
Wajãpi isolados
do Alto Amapari
A antropóloga Dominique Gallois informou em 1990
que, desde 1987, garimpeiros da Perimetral Norte
informam terem encontrado, repetias vezes, vestígios da
presença de um grupo isolado na região dos formadores
do rio Amapari. De acordo com os Wajãpi do Amapari
trata-se dos remanescentes do subgrupo "Amapari Wan",
que se separou dos demais há cerca de 50 anos.
Membros desse mesmo grupo vivem na aldeia Mariry e
na aldeia Camopi (Guiana Francesa). A região dos
isolados fica dentro do Parque Nacional Montanhas do
Tumucumaque e às vezes esses índios se deslocam para
a Guiana Francesa. Em 2003, os Wajãpi do Camopi
acharam uma roça desses índios no rio Muturá.
Wajãpi isolados
do Ipitinga
Segundo a antropóloga Dominique Gallois, os índios que
vivem no Parque Indígena do Tumucumaque, falam
desses índios Wajãpi que vivem próximos do Parque, no
município de Almeirim, no Pará.
12
Análise estabelecida permite observar as posições sociais e as relações entre os
indígenas e os órgãos públicos. Os indígenas procuraram com o tempo reforçar sua cultura
através dos seus mitos e de suas tradições. Sendo o mito, para esses povos fundamentais; a
mitologia nessa ordem é uma eliminação da hierarquização entre homens e animais. Desde o
descobrimento até recentemente suas culturas foram desconsideradas como arte, não sendo
vista com a beleza e merecimento que deveriam. Segundo Walter Benjamim (1987), é com os
pequenos resíduos, ou seja, aquilo que pensamos que não nos levará a nada, com o qual
gostaríamos de escrever essa história.
As mudanças forçadas provocam alterações e desdobramentos em todas as
dimensões da vida dos indígenas. O conceito de identidade evoluiu e adquiriu diversos
significados com o tempo. A autora Kalina Silva apresenta:
Partindo dessa ideia, podemos compreender a identidade pessoal como a
característica de um indivíduo de se perceber como o mesmo ao longo do
tempo. Tanto para a Antropologia quanto para a Psicologia, a identidade é
um sistema de representações que permite a construção do “eu”, ou seja, que
permite que o indivíduo se torne semelhante a sim mesmo e diferente de
outros. Tal sistema possui representações do passado, de condutas atuais e de
projetos para o futuro. Da identidade pessoal, passamos para a identidade
cultural, que seria a partilhas de uma mesma essência entre diferentes
indivíduos. (SILVA, 2010, p.202)
Conhecemos um pouco da história dos ameríndios, nos informando sobre aspectos
de sua cultura e partes sobre as relações de poderes exercidas sobre estes. É possível destacar
suas resistências e nisto admitirmos que não conseguiram derrotá-los por completo, apesar de
que muitos povos, culturas, línguas desapareceram, sob a hegemonia da colonização. Sob as
novas perspectivas culturais, sobretudo no trato com a alteridade, estudiosos, historiadores e
povos indígenas continuam lutando para que as origens autóctones da América não sejam
esquecidas. Em suma, esse confronto configurou em um aprendizado cultural de ambos os
lados, do europeu e ameríndio.
Efetiva-se uma mudança radical no tempo da história ameríndia. A invasão da
América provocou o desaparecimento de inúmeros povos indígenas. Salienta-se, que mesmo
após muitas modificações nas leis indigenistas, apropriações, continuidades e permanências
culturais, sua situação diante da sociedade ainda permanece desigual, pois, nossa cultura se
posta como dominante, anulando em certo sentido a cultura indígena. Os índios são os
principais agentes desse processo. Avultam-se ao longo dos séculos transformações das mais
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variadas formas, como a mudança de enfoque e postura, havendo entre os grupos indígenas
uma conscientização politica. Em suma, o objeto aqui colocado são os debates e discussões
que estão em pauta hoje.
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