Imaginário Social

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    Imaginrio social e a educao: uma aproximao necessria

    Valeska Fortes de Oliveira"

    Imaginao, imaginrib, imagens, representaes simblicas, mticas - essas expresses foram durante muito tempo banidas do pensamento considerado cientfico e legtimo, por caracterizarem um campo "perigoso", onde a preocupao com a constatao fica-ria prejudicada. A impreciso desses conhecimentos os coloca em choque com aqueles comprovados por demonstrao atravs de atividade racional. A prpria cientificidade fica "abalada", porque "cientfico o conhecimento que pode ser comprovado". Esse o objeto de anlise que estamos nos propondo explicitar a partir des-se ensaiO.

    Temos toda uma tradio que, podemos dizer, culmina com as posies de Descartes e que negligencia o universo simblico. Como afinna Durand (1988, p.25),

    A mais evidente depreciao dos smbolos que a histria de nossa civilizao apresenta certamente aquela que se mani-festa no cientista saido do cartesianismo

    o cartesianismo representou a crena ilimitada na razo e as matemticas encarnavam, de maneira exemplar, a preocupao com a certeza cientfica. O final do sculo XVI e o sculo XVII vo ser marcados por duas orientaes metodolgicas: a perspectiva empi-

    Professora Assistente do Departamento de Administrao Escolar da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Doutoranda em Educa-o na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    PERSPECTIVA. Florianpolis, UFSC/CED, NUP, n.19, p.131-142.

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    rista, representada por Francis Bacon que sl,lstenta uma cincia alicerada na experimentao e observao, e a perspectiva que inaugurou o que passou a ser conhecido por racionalismo moderno. O racionalismo a partir de Descartes sublinha o carter ocultante da sensao, colocando a base do saber sob o imprio da razo. Para conhecer aquilo que est para l das nossas representaes sens-veis, no podemos, nem devemos apoiar-nos nas nossas representa-es sensveis. O conhecimento da realidade externa se funda, com Descartes, na idia inata de Deus e na demonstrao de que a esta idia corresponde um contedo real. Ao contrrio do que pode pa-recer, a concepo de conhecimento a priori no est relacionada idia de um conhecimento que se distancia da realidade e que se fe-cha sobre si mesmo. O conhecimento a priori aquele que ultra-passa a experincia - dimenso considerada ocultante para Des-cartes.

    O que importa salientar aqui o aspecto racional sobre o fazer humano, que desemboca na Cincia ou nas grandes construes filosficas. No s sobre uma teoria do conhecimento, mas inclusi-ve sobre a "realidade" scio-histrica humana. Alguns vo falar inclusive na histria como "realizao da razo". O desmerecimen-to da dimenso imaginria social, em detrimento da dimenso pu-ramente racional, relegou o simblico religiosidade, fantasia produzida pelo esprito, no sendo mais objeto de compreenso racional. Seria como um subproduto do humano, ligado ao pensa-mento mtico, arcaico e religioso, inferior racionalidade produzi-da pela modernidade, incapaz de expressar a dimenso prpria do humano.

    Mas a razo que proponho trazer para esta anlise, no se re-mete concepo clssica, que dicotomiza o universo, aparncia e essncia, racional e imaginrio, alma e corpo, etc. preciso uma razo aberta, que conserve o potencial crtico da realidade, mas que no seja a nica dimenso que realize o humano.

    Mesmo a modernidade ocidental construiu um imaginrio, o da expanso ilimitada do domnio racional, de progresso, de desen-volvimento alicerado na concepo de que a Cincia daria todas as respostas aos nossos problemas.\

    Segundo Chevalier e Gheerbrant (1994, XXXIX),

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    No entanto, imaginar no demonstrar. As dialticas so de ordem diferente. Os critrios do simbolismo sero, por um lado, o correlacionamento do incomensurvel; os do raciona-lismo, a moderao, a evidncia e a coerncia cientficas. (... ) Se, por um lado, essas atitudes devem guardar suas caracte-rsticas especficas, por outro lado, ambas respondem a ne cessidades, cada qual em sua categoria. O prprio progresso das cincias, principalmente das cincias do homem, exige sua coexistncia.

    DURAND (1988, pAI) vai chamar a ateno para a nossa era, que toma conscincia da importncia das imagens simblicas gra-as contribuio da patologia psicolgica e da etnologia. As duas cincias revelam ao indivduo nonnal e civilizado, que as suas re-presentaes limitavam-se com as representaes do neurtico, do delrio ou dos "primitivos". Tem, ento, uma hermenutica das imagens do mecanismo pelo qual se associam os smbolos, e a pes-quisa em tomo desse universo. Analisando o que vai chamar de hennenuticas redutoras, em que situa a psicanlise de Freud, aponta para a reduo empobrecedora que esta faz do smbolo. A atribuio de um determinismo que faz do smbolo um simples efeito-signo, com uma causalidade nica - o imprio da libido -, passa, segundo Durand, a representar um sistema explicativo un-voco e redutor.

    Aps essas consideraes, explicito como esto sendo concei-tuadas essas expresses - imaginar, imaginrio, imaginao, re-presentao - quando evocadas no contedo do texto.

    O conceito de imagem ocupa no mundo contemporneo um lugar central. "Centrar', entre aspas, segundo MATOS (1991, p.IS), em se tratando de um mundo de imagens,

    (... ) contrariamente luz da construo platnica e cartesiana do conhecimento, sem centro, sem ponto fixo, inconstante, im-permanente. Ela exigiu o desencantamento do mundo: por um lado, as Formas, as essncias luminosas, eternas e verdadei-ras; por outro, o sujeito abstrato do puro pensamento de si -aquele que no tem dor a mitigar, nem esperanas a realizar. Ambos implicaram um universo desenfeitiado, demitizado, "sem qualidades", racional.

    O mgico, o mtico, o sagrado ser o antagonismo que a ratio procura eliminar. A racionalidade constri um conceito de nature-za, despojando-a de seus aspectos sagrados e profticos, desencan-tando o mundo. O real pode ento ser conhecido pelo sujeito do

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    conhecimento. A etimologia da noo de imagem, como instncia intermedi-

    ria entre o sensvel e o inteligvel, , segundo MATOS (1991, p.16) imaterialidade material. A concepo de uma racionalidade que pretende dominar o objeto sem contato direto com ele, colo-cando que todos os males possveis so imaginrios, aponta cla-ramente para o desprestgio dos saberes de outra ordem.

    Entretanto, como aponta CASSlRER (1977, p.50), O homem j no pode fugir prpria consecuo. No vive num universo puramente fsico, mas num universo simblico. A linguagem, o mito, a arte e a religio so partes deste univer-so. So os vrios fios que tecem a rede simblica, a teia ema-ranhada da experincia humana.

    J no dada ao homem a condio de enfrentar a realidade de forma direta, desprestigiando as instncias intermedirias. Pas-sou a en~lver-se em formas lingusticas, em imagens artsticas, em smbolos, em mitos, em ritos e no pode dispensar essas interposi-es desse universo.

    Vivemos imersos num mundo de emoes imaginrias, entre sonhos e fantasias, entre esperanas e expectativas, iluses e desi-luses. No estamos aqui direcionando a anlise para uma apologia da superstio, mas reafirmando que a definio do homem como animal racional no perde a sua potncia explicativa, mas se mostra uma expresso reduzida no sentido de "dar conta" da riqueza das formas da vida cultural do homem. Argumentando a favor dessa va-riedade cultural da vida humana, CASSlRER (1977, p.51) sugere que

    ... , em lugar de definir o homem como um animal rationale, deveramos defini-lo como um animal symbolicum.

    Apresentando o imaginrio na relao pedaggica, Postic (1993, p.13) afirma que

    Imaginar evocar seres, co\loc-los em determinada situao, faz-los viver como se quer. criar um mundo a seu bel-pra-zer, libertando-se.Tudo possvel. Tudo acontece. Na vida ar-tstica, imaginar um ato criador. Na vida cotidiana, imaginar uma atividade paralela ao que exercemos ligada realida-de. A imaginao um processo. O imaginrio seu produto.

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    Segundo o autor mencionado acima, a imaginao uma ati-vidade de reconstruo do real, a partir dos significados que atribu-mos aos acontecimentos ou das repercusses que estes causam em ns. O imaginrio estaria povoado de representaes simblicas do real. Etimologicamente, ressalta que imaginao solidria de imago, representao, imitao e de imitar, imitar, reproduzir. 'A imaginao caberia imitar modelos exemplares, - as Imagens -, ela as reproduziria, as reatualizaria.

    Apresentando o vocabulrio do simbolismo, DURAND (1988, p.ll) salienta que sempre foi presente a confuso no uso da-s ter-mos relativos ao imaginrio. Presume que isso se deve desvalori-zao atribuda imaginao no pensamento da antiguidade clssi-ca e do ocidente. Aponta que a conscincia dispe de duas formas de representar o mundo: uma direta, onde a prpria coisa parece estar presente na mente; a outra indireta, quando o objeto no pode se apresentar diretamente sensibilidade. No caso de conscincia indireta, o objeto ausente re-(a)presentado conscincia por uma imagem, no mais amplo sentido do termo.

    O smbolo se define, primeiramente, como pertencente cate-goria do signo. Mas a maioria dos signos so apenas subter-fgios de economia, remetendo a um significado que poderia estar presente ou ser verificado. assim que um sinal sim-plesmente precede a presena do objeto que representa.

    Assim, buscamos no mundo das imagens, dos smbolos um si-gnificado situado no plano racional. Essas relaes que estabele-cemos so o centro da nossa vida imaginria.

    CASTORIADIS (1982, p.142) vai referir-se ao simblico como uma referncia a tudo que se apresenta para ns, no mundo social-histrico. Os atos individuais e coletivos no se esgotam no simblico, mas so impossveis fora de uma rede simblica.

    Subsiste um componente essencial e para os nossos propsi-tos, decisivo: o componente imaginrio de todo smbolo e de' todo simbolismo,em qualquer nivel que se situem. ( .. ) As profundas e obscuras relaes entre o simblico e o imagi-nrio aparecem imediatamente se refletimos sobre o seguinte fato: o imaginrio deve utilizar o smbolo, no somente para exprimir-se, o que bvio, mas para existir, para passar do virtual a qualquer coisa a mais.

    Nesse sentido, as diferentes instituies criadas hoje pela so-

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    ciedade, tm a sua existnia simblica. A dimenso imaginria presente e ela que cria formas que se enrazam no histrico, para que se faam universais, sancionadas e legitimadas racionalmente.

    Como seres bio-tico-culturais que somos, dotados de um po-der de autodeterminao por nossas finalidades subjetivas e, por isso, capazes de viver a vida em uma realidade fisico-imaginria (simblica). sob esse prisma que se coloca a faculdade de desejar estabelecer os fins imaginrios que dirigem o conjtU1to da vida humana, que inaugura algumas formas institucionais, algumas for-mas de relacionamento, de convivncia e abandona outras que no as representam mais.

    Para dentro dos muros da escola... H lugar para a imaginao nesse espao?

    O vocabulrio do universo imaginrio no somente tem sido esquecido como negligenciado pelos nossos estudos e produes na rea da educao. Temos compreendido o altU1o, o professor, os agentes do processo educativo a partir da sua cognio, da sua ra-zo. O que se distanciou da preocupao racionalizante recaiu sob o enfoque de um psicologismo na educao, que se preocupa com o altU10 como pessoa, mas com um desdobramento necessrio no conhecimento para o controle no processo de ensino e de aprendi-zagem. No estamos tratando aqui de imaginrio como conheci-mento individual do aluno. Trata-se, sim, de concebermos os ima-ginrios, se assim podemos falar, do ponto de vista do institudo socialmente e das possibilidades do instituinte enquanto capacidade de criao histrica dos agentes.

    Entendo que o discurso e a proposta educativa centrada em apenas uma dimenso da razo, se podemos falar de uma razo multi facetada, no colocando assim. o universo imaginrio como confronto ao universo racional, centrando somente a preocupao no homo faber, mostra-se limitado, no respondendo mais a uma srie de exigncias que se colocam no mbito da educao escolar. Temos, por exemplo, o problema da violncia colocada no mbito mais geral da sociedade, mas que se apresenta intensamente no ambiente da escola. Como discutir, como enfrentar essa problem-tica, quando no nos aproximamos dos altU1os, tentando conhec-los numa outra dimenso, que no seja a de um nmero da chama-

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    da. Como entender o processo de agrupamento dos adolescentes, nas suas tribos ps-modernas: as gangues. Como entend-los se no conseguimos nos aproximar da sua linguagem diferenciada, da sua forma de perceber e tratar as coisas e as pessoas? O que esto que-rendo demonstrar e o que tm a dizer atravs das suas manifesta-es violentas. O que a violncia e o que no violncia para os alunos adolescentes que esto na escola hoje? O que tem sido ca-racterstica da adolescncia, em termos de comportamento, perce-bida nos diferentes grupos e classes sociais?

    Um outro exemplo de como nossas preocupaes, enquanto educadores, manifestam-se de forma insatisfatria, sem conseguir uma aproximao de solues significativas, diz respeito forma-o do leitor na escola. No dificil encontrar na produo terica da educao, um nmero significativo de trabalhos que constatam a ausncia do aluno leitor, de como se trabalha pouco a leitura na escola, da necessidade de se desenvolver a leitura desde bem cedo, com a criana na idade pr-escolar. Mas, conhecemos o gosto dos alunos com os quais temos trabalhado ? Por que no gostam ou gostam de ler, e o que gostam de ler, tem sido problema de pesqui-sa por parte das escolas? Se tivssemos maior proximidade, no somente no sentido de tempo, mas de intensidade, do imaginrio dos nossos alunos, tornaramos mais significativa a soluo para uma preocupao extremamente necessria que a formao do leitor, capaz de exercitar a sua cidadania com criatividade, sendo um agente instituinte na sociedade.

    O paradigma do trabalho, proposto pela anlise marxista da educao, bem como a ordem do econmico, no conseguem expli-car, ou quando explicam, as situaes evidenciadas na realidade social e mesmo cultural so reduzidas a uma dimenso. Esse en-tendimento acaba apontando para outras dimenses que se apresen-tam como emergentes na anlise educacional.

    Entendo que o discurso e a proposta educativa centrada em apenas uma dimenso da razo mostram a sua limitao; que a or-dem do econmico no consegue explicar todas as situaes evi-denciadas na realidade social, e que os valores institudos social-mente revelam-se insuficientes para atender outros sujeitos histri-cos. Esse entendimento acaba apontando para outras dimenses que se apresentam como emergentes na anlise educacional.

    Apontando para novas perspectivas na rea da educao, Sholl, apud TEVES (1992, p.l 04), afirma que

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    As novas concepes pedaggicas que orientem uma educa-o no sentido de que no seja apenas um reflexo do poltico, econmico, mas tambm uma prtica simblica, estruturante do real, podero levar a constantes discusses sobre modelos de ensino e gestes administrativas coerentes com a realidade complexa e heterognea da sociedade brasileira.

    Atravs dos estudos sobre o imaginrio social estaramos co-locando a escola no espao institucional que tenta recuperar uma das "marcas" do seu trabalho, que produzir bens de sentidos.

    Revisando as produes na rea da educao percebe-se que o universo imaginrio (simblico) praticamente inexistente enquan-to preocupao terica. O paradigma do trabalho, a anlise eco-nomicista e mesmo a anlise macro-estrutural da sociedade tm caracterizado as pesquisas na educao.

    H necessidade de iniciarmos a investigao das questes re-lacionadas educao escolar, tendo como base um novo paradig-ma que traz para a anlise o universo simblico, o universo imagi-nrio institudo socialmente. O conjunto de crenas, mitos, sonhos, valores, aspiraes que cada grupo carrega nas relaes que estabe-lece, nos diferentes lugares e espaos que ocupa caracteriza esse universo imaginrio..

    Entretanto, no nos aproximamos desses imaginrios. Ou melhor, esses imaginrios no so colocados como preocupao das nossas pesquisas em termos de valor cientfico. Essas questes so colocadas como secundrias, irrelevantes, incapazes de respon-der as exigncias de urna pesquisa preocupada com os parmetros de cientificidade, que considera significativo os dados que podem ser quantificados, que podem ser tratados estatisticamente, ou que podem ser tratados por metodologias pr-determinadas, pr-estabelecidas, se tratando da pesquisa qualitativa, com passos e regras a serem seguidas.

    No estou afirmando que nesse territrio no exista metodo-logia, no exista mtodo de anlise, ou que se caracterize por um tipo de pesquisa que acolha um certo tipo de anarquismo metodo-lgico. Ao contrrio, a construo metodolgica necessria exige conhecimento de contribuies tericas produzidas nas diferentes reas do conhecimento.

    Poderamos afirmar que se trata de um campo de investigao onde a interdisciplinariedade, ou melhor, a transdiciplinariedade no

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    sentido proposto por MORIN (1989) - de ultrapassar as fronteiras de cada rea de conhecimento, e adentrar a outras desconhecidas - garantida e necessria.

    Na aproximao do universo imaginrio enquanto objeto de pesquisa coloca-se a necessidade de penetrar nos discursos latentes, nos discursos ocultos, nas falas e nos silncios, nas escritas de cor-redores, de paredes, no mbito interno e externo das instituies, nos comportamentos manifestos atravs do vesturio, das msicas, dos gestos. Para que todas essas criaes histricas possam ser captadas na sua riqueza, necessrio, muitas vezes, um pluralismo metodolgico, no sentido que possa ser uma aproximao signifi-cativa, resultando em uma investigao de que produza outras res-postas para "antigos" problemas.

    Mas, qual o espao dedicado imaginao prpria pesqui-sa dos imaginrios dos alunos e dos professores no mbito da esco-la?

    Analisando a realidade da escola francesa, POSTIC (1933, p.21) vai afirmar que a prpria arte de escrever na escola

    ... regulamentada por uma tradio positivista, que afasta da linguagem das imagens. O livro didtico orientado para a mensagem informtica, didtica.

    Pode-se perceber .essa desvinculao das imagens no nosso ensino escolar j a partir das primeiras sries. Estando na pr-escola a criana convive e cria os desenhos, as gravuras, as ilustra-es para situaes, convenes, manifestando a sua linguagem tambm atravs da imagem desenhada, escrita. A separao dessa realidade garantida quando inicia o contato com as letras, e dida-ticamente cria-se uma realidade estril, fria, pesada para a criana. Seus desenhos empobrecem porque sua imaginao est sendo empobrecida.

    POSTIC (1993, p.24) refere-se a essa questo, argumentando que

    por muito tempo, nos textos e manuais escolares, a imagem no passou de auxiliar didtico. (... ) M. Tardy (1966) dizia que a pedagogia o empreendimento que valoriza a percepo s custas da imaginao. As imagens deviam ser observadas para fornecer um saber, e no para interpretar, e at produzir.

    Essa uma das preocupaes que tenho ao propor o imagin-

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    rio como um novo paradigma para as pesquisas em educao: que possam fornecer saberes. Saberes esses que foram e so negligenci-ados, que ficam margem das nossas anlises e propostas educati-vas.

    Mas sabemos tambm que a escola um mundo fechado, e mesmo que se abra para o exterior, j tem suas normas e caracte-rsticas de funcionamento, como um mundo organizado, com o qual alunos e professores convivem e devem adaptar-se.

    Uma das contribuies deixadas por FOUCAULT (1986, p.126), apresentadas no seu livro Vigiar e Punir, onde reconstitui a histria da violncia nas prises, a genealogia do suplcio, da punio, da disciplina, dos recursos do bom adestramento e da pri-so dos corpos. Ao referir-se disciplina, nos diz que "Nesses es-quemas de docilidades, em que o sculo XVIII teve tanto interesse, o que h de novo? No a primeira vez, certamente, que o corpo objeto de investimentos to imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo est preso no interior de poderes muito aperta-dos, que lhe impe limitaes, proibies ou obrigaes."

    Abordando a questo da disciplina, FOUCAULT (1986, p.2?) a descreve como uma "anatomia poltica", como uma "mecnica de poder", definindo como se pode ter domnio sobre o corpo dos outros. Afirma que "A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dceis." Remetendo disciplina escolar pode-mos compreender melhor as intenes de seu regulamento rgido e, muitas vezes, inquestionvel- a disciplina um exerccio que tem como finalidade tomar os corpos dos alunos dceis, submissos, prontos a somente reproduzir, sem questionar.

    A tentativa de disciplinar as vontades, os desejos, os corpos, exercitando-os atravs de rotinas sempre iguais, sem a novidade, a criao, chega a seu intento no de forma total, mas acaba por tirar alguns resultados.

    H um imaginrio institudo entre alguns professores que j condena ao fracasso escolar determinados "tipos" de alunos, como o filho de pais separados, o pobre, o repetente, o indisciplinado, como uma espcie de condenao prvia. Aqueles que tentam "escapar" do processo de disciplinarizao so alvos do discurso escolar sobre o fracasso.

    Entre os adolescentes bastante comum os reclames de que o discurso dos professores um, sendo contrariado na prtica. As

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    relaes na sala de aula so estabelecidas na forma de um jogo, com espaos de poder j estabelecidos. O ahmo joga, assimilando as regras muitas vezes acriticamente, j incorporado nesse processo de disciplinarizao.

    Os professores so representaes simblicas que, no imagi-nrio dos alunos, encarnam feies de simpatia ou de rejeio, imagos, segundo POSTIC (1933, p.26),

    (... ) vindas das primeiras relaes intersubjetivas, reais ou imaginrias, com os que o cercam.

    Essas representaes so desconhecidas por parte dos profes-sores e, quando conhecidas, o so superficialmente.

    As imagens reservadas ao professor de matemtica so co-nhecidas por aqueles que trabalham com essa rea de conhecimen-to, mas se perguntarmos as explicaes, temos a superficialidade, tanto na preocupao de entender, como em reverter as imagens malficas atribudas a esses professores.

    Como o aluno adolescente vive a escola nos nossos dias, e como se situa no seu interior? Que significado tem a escola em sua existncia? Que vnculos existem entre sua vida na escola e a sua vida fora da escola, nas suas diferentes relaes e grupos? Que repercusses os acontecimentos vividos na escola, no meio familiar e na sociedade como um todo, tm nos alunos adolescentes? Tais questionamentos devem ser formulados quando se quer compreen-der como se constituem as representaes nos seus imaginrios.

    Estas perguntas e tantas outras dentro de uma outra dimenso - a do imaginrio - assumem um carter instigador para pensar a educao a partir de outros fundamentos, descobrindo assim, novos conhecimentos. A complexidade dos nossos tempos no abriga respostas reducionistas e disjuntoras. A investigao nas diferentes reas do conhecimento precisa contemplar a heterogeneidade e a complexidade das relaes intersubjetivas, que se do tanto no espao institudo, como no espao instituinte da sociedade.

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