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A CONSTRUÇÃO DE PICTOGRAMAS POR ALUNOS CEGOS Aida Carvalho Vita Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil [email protected] Verônica Yumi Kataoka Universidade Bandeirante de São Paulo, Brasil [email protected] Irene Cazorla Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil [email protected] RESUMO Neste artigo o objetivo é analisar as respostas de três alunos cegos, de escolas públicas regulares baianas da Educação de Jovens e Adultos, às tarefas que exigiam a construção de pictogramas, apresentados por Vita (2012). As tarefas dessa construção fazem parte da sequência de ensino (SE) Passeios Aleatórios do Jeferson, que aborda conceitos básicos de Probabilidade (cbP). Nessa SE os pictogramas foram utilizados para representar tanto as frequências observadas no experimento aleatório, quanto as frequências esperadas na árvore de possibilidades, do número de visitas do Jeferson a cada um dos seus cinco amigos. As categorias de análise das respostas na construção dos pictogramas, correspondentes aos resultados do experimento aleatório e da árvore de possibilidades, foram baseadas na classificação proposta por Watson (2006), que por sua vez tem como referência a taxonomia SOLO. As construções gráficas envolveram dois níveis de classificação: uniestrutural e multiestrutural. O nível relacional, só pode ser atingido após intervenção de Vita (2012). Por fim, acreditamos que estudos como estes podem auxiliar na construção de propostas de adaptação de materiais e métodos de ensino de conteúdos estatísticos e probabilísticos para alunos cegos de maneira mais ajustada às

A CONSTRUÇÃO DE PICTOGRAMAS POR ALUNOS CEGOS

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A CONSTRUÇÃO DE PICTOGRAMAS POR ALUNOS

CEGOS

Aida Carvalho Vita Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil

[email protected]

Verônica Yumi Kataoka Universidade Bandeirante de São Paulo, Brasil

[email protected]

Irene Cazorla Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil

[email protected]

RESUMO

Neste artigo o objetivo é analisar as respostas de três alunos cegos, de

escolas públicas regulares baianas da Educação de Jovens e Adultos, às

tarefas que exigiam a construção de pictogramas, apresentados por Vita

(2012). As tarefas dessa construção fazem parte da sequência de ensino

(SE) Passeios Aleatórios do Jeferson, que aborda conceitos básicos de

Probabilidade (cbP). Nessa SE os pictogramas foram utilizados para

representar tanto as frequências observadas no experimento aleatório,

quanto as frequências esperadas na árvore de possibilidades, do número de

visitas do Jeferson a cada um dos seus cinco amigos. As categorias de

análise das respostas na construção dos pictogramas, correspondentes aos

resultados do experimento aleatório e da árvore de possibilidades, foram

baseadas na classificação proposta por Watson (2006), que por sua vez tem

como referência a taxonomia SOLO. As construções gráficas envolveram

dois níveis de classificação: uniestrutural e multiestrutural. O nível

relacional, só pode ser atingido após intervenção de Vita (2012). Por fim,

acreditamos que estudos como estes podem auxiliar na construção de

propostas de adaptação de materiais e métodos de ensino de conteúdos

estatísticos e probabilísticos para alunos cegos de maneira mais ajustada às

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 2 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil

suas condições individuais.

Palavras-chave: Alunos cegos; Maquete tátil; Pictogramas; Taxonomia SOLO.

RESUMEN

En este artículo el objetivo es analizar las respuestas de tres alumnos ciegos,

de escuelas públicas regulares bahianas de Educación para Jóvenes y

Adultos, las tareas que exigían la construcción de pictogramas, presentados

por Vita (2012). Estas tareas son parte de la secuencia de enseñanza (SE)

Paseos Aleatorios de Jeferson, que aborda conceptos básicos de

Probabilidad (cbP). En esa SE los pictogramas fueron utilizados para

representar tanto las frecuencias observadas en el experimento aleatorio

quanto las frecuencias esperadas en el diagrama de árbol, del número de

visitas de Jeferson a cada uno de sus cinco amigos. Las categorías de

análisis de los pictogramas, correspondientes a los resultados del

experimento aleatorio y diagrama de árbol, se basaron en la clasificación

propuesta por Watson (2006), que a su vez tiene como referencia la

taxonomía SOLO. Las construcciones involucraron dos niveles de

clasificación: uniestructural y multiestructural. El nivel relacional solo

puede ser alcanzado después de la intervención de Vita (2012). Creemos que

estudios como este pueden ayudar en la construcción de propuesta de

adaptación de materiales y métodos de enseñanza para contenidos

estadísticos y probabilísticos, y que deben posibilitar a los alumnos ciegos el

aprendizaje de estos contenidos curriculares de forma más adecuada a sus

condiciones individuales.

Palabras clave: Alumnos ciegos; Maqueta táctil; Pictogramas; Taxonomía SOLO.

1 Introdução

Segundo o Artigo 1º da Conferência Mundial sobre a Educação para Todos

(BRASIL, 1990), cada pessoa poderá aproveitar as oportunidades educativas destinadas

a satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem, incluindo as ferramentas e os

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 3 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil conceitos essenciais para sua formação enquanto cidadão. Nesse cenário, as políticas

públicas brasileiras têm buscado se ajustar a esta determinação para garantir o acesso,

cada vez maior, de pessoas com algum tipo de deficiência na sociedade e,

particularmente, na escola.

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9394/96 (BRASIL, 1996), no Capítulo V,

Artigo 58, define a rede regular de ensino como a modalidade de educação escolar

oferecida também para os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE). Para

implementar o exposto nesta Lei, os Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações

Curriculares e Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais

Especiais – PCN: AC (BRASIL, 1998a) reconhece que a escola não dispõe sempre de

uma estrutura apropriada para realizar um fazer pedagógico adequado, portanto o aluno

e a escola devem se aprimorar para alcançar a eficiência da educação a partir de uma

interatividade mútua.

Visando melhor esclarecimento sobre as informações dos PCN: AC (BRASIL,

1998), foi publicado o Projeto Escola Viva: Adaptações Curriculares de Pequeno Porte

ou Adaptações Não Significativas (BRASIL, 2000). Nesse documento sugere-se que o

professor incentive a aprendizagem e a participação produtiva de todos os alunos

presentes na sala de aula. Neste sentido, salienta os citados documentos que sejam

desenvolvidas adaptações curriculares, entre elas a adaptação de artefatos, visando

utilizá-los como material didático para a aprendizagem matemática de alunos NEE,

entre eles os alunos cegos.

Ressalta-se que no panorama da Educação Matemática há ainda poucos estudos

voltados para essas adaptações de pequeno porte que possam contribuir no processo de

ensino e aprendizagem de Matemática de alunos NEE em escola regular. Citamos como

exemplos de pesquisas com essa temática, em particular envolvendo alunos cegos:

Ferronato (2002), Fernandes (2004; 2008), Fernandes e Healy (2006) e Vita (2012).

Esta carência de estudos é ainda maior quando se trata da Probabilidade, apesar de

estar recomendado o ensino desse tópico nos PCN do Ensino Fundamental, no bloco de

conteúdo Tratamento da Informação (BRASIL, 1997, 1998b) e nas Orientações

Curriculares para o Ensino Médio no eixo temático Análise de Dados (BRASIL, 2006).

De acordo com os PCN, a abordagem desse conteúdo deve permitir trabalhá-lo como

um conjunto de ideias e procedimentos que apliquem a Matemática em situações nos

quais os alunos possam compreender que vários acontecimentos do cotidiano são de

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 4 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil natureza aleatória; realizar experimentos e observar eventos, permitindo que as noções

de acaso e incerteza possam se manifestar intuitivamente. Além disso, fazer com que o

aluno represente e conte, por meio de tabelas e/ou diagrama da árvore, os casos

possíveis em situações combinatórias.

De acordo com Gal (2005), o aluno que possui habilidades básicas, formais ou

informais, que os possibilitem ler e interpretar informações probabilísticas presente em

seu dia a dia e, a partir daí, tomar decisões, pode ser considerado letrado em

Probabilidade.

Nessa perspectiva dos PCN e do letramento probabilístico, Vita (2012) trabalhou

com alunos cegos alguns conceitos básicos de Probabilidade (cbP), por meio das tarefas

da sequência de ensino Passeios Aleatórios do Jefferson (PAJ). Dentre as diversas

tarefas, os alunos tinham que realizar uma experimentação aleatória e construir a árvore

de possibilidades que representassem as visitas do Jeferson a cada um dos seus cinco

amigos. Com estas duas tarefas, os alunos obtiveram, respectivamente, frequências

observadas e esperadas e Vita (2012) propôs o uso de um material didático (MD)

adaptado para que os mesmos representassem graficamente esses resultados na forma de

pictogramas. Para Cazorla e Oliveira (2010), o gráfico pictograma é uma representação

icônica, na qual se utiliza ícones ou símbolos que representam o objeto em estudo.

No desenvolvimento das tarefas da PAJ, Vita (2012) ressalta a importância da

participação de todos os alunos cegos na construção dos pictogramas, por entender que

tal atividade se constitui em um estímulo favorável para a aprendizagem dos mesmos. A

afirmação dessa autora está baseada tanto nos resultados da sua pesquisa, como na fala

de um dos alunos cegos da pesquisa de Ferronato (2002, p. 53): “as professoras usavam

cola, traziam os gráficos prontos e eu apenas os tocava, mas nem sabia que significado

tinha aqueles riscos. A construção do gráfico pode facilitar o entendimento do

conteúdo”; e ainda nos procedimentos adotados por Tanti (2006) na condução da sua

pesquisa, qual seja, ter auxiliado o aluno cego, sempre que preciso, na construção de

gráficos de modo que o resultado desejável fosse obtido.

Nesse contexto, objetivamos analisar no presente artigo as respostas de três alunos

cegos, de escolas públicas regulares baianas da Educação de Jovens e Adultos, as

tarefas que exigiam a construção de pictogramas, apresentados por Vita (2012).

A análise dos pictogramas, correspondentes aos resultados do experimento

aleatório e da árvore de possibilidades, está baseada na classificação proposta por

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 5 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil Watson (2006) para respostas envolvendo a construção desse tipo de gráfico, que por

sua vez tem como referência a taxonomia SOLO (BIGGS; COLLIS, 1991).

2 Referencial teórico

O modelo hierárquico Structure of Observed Learning Outcomes – Taxonomia

SOLO - é utilizado para categorizar as respostas do aluno a um conjunto de tarefas pré-

estabelecidas, de acordo com a complexidade estrutural e o número de conceitos

exigidos nas mesmas. De acordo com Biggs e Collis (1982) nesse modelo a suposição é

que o entendimento cognitivo do aluno não é o mesmo para toda tarefa, e depende do

conteúdo e do contexto envolvido. Sendo assim, a análise não foca a estrutura cognitiva

desse indivíduo e, sim, no entendimento específico de uma tarefa, o que difere do

modelo construtivista proposto por Piaget (PANIZZON, PEGG; MCGEE, 2004).

Segundo Panizzon, Pegg e Mcgee (2004), a taxonomia SOLO tem duas

características: a primeira foca na natureza ou na abstração das respostas e é referida

como modo de pensamento, que é o tipo de funcionamento intelectual requerido para

direcionar adequadamente um estímulo particular. A segunda característica depende de

uma competência individual para manipular, com sofisticação crescente, exemplos

relevantes, referindo-se aos níveis de resposta que ocorrem dentro dos modos de

aprendizagem, fornecendo uma descrição hierárquica da natureza da estrutura das

respostas.

Biggs e Collis (1991) definiram cinco modos de pensamento: sensomotor,

icônico, concreto simbólico, formal e pós-formal. De acordo com Watson (2006), a

maior parte da aprendizagem que ocorre nos anos escolares requer o modo concreto

simbólico. Nesse modo de pensamento, a pessoa utiliza um elemento simbólico na

aprendizagem, tal como linguagem escrita ou sistema de números; o pensamento, neste

modo, depende de uma referência do mundo real (BIGGS; COLLIS, 1991).

Quanto aos níveis de resposta, Biggs e Collis (1991) definiram cinco estágios:

pré-estrutural, uniestrutural, multiestrutural, relacional e abstrato estendido. No estágio

pré-estrutural o aluno comete erros de entendimento fundamental, com respostas não

significativas; este nível indica a transição do modo de pensamento anterior para o atual.

No estágio uniestrutural o aluno apresenta diversas conclusões, que podem ser

corretas, mas que não são coerentes entre si, focando apenas um aspecto relevante. No

multiestrutural o aluno mostra entendimento, discute o conteúdo de forma coerente, tem

conhecimento de uma quantidade razoável de conteúdos com várias respostas

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 6 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil relevantes, mas não coordenadas, podendo apresentar algumas inconsistências. A

característica do estágio relacional é quando o aluno integra as partes dentro de um todo

de forma coerente, isto é, apresenta uma conclusão capaz de relacionar todos os

aspectos relevantes, evidenciando uma coerência global; contudo, a conclusão final

pode não servir para todos os contextos. Por fim, o abstrato estendido em que o aluno

generaliza além das informações fornecidas; este nível indica a transição para o modo

de pensamento subsequente.

Nesse artigo analisaremos as respostas dos alunos às tarefas que exigiam a

construção de pictogramas, correspondentes aos resultados do experimento aleatório,

utilizando somente os quatro primeiros estágios, de acordo com a proposta de

classificação apresentada por Watson (2006).

Watson (2006) apresentou aos alunos o seguinte contexto: a quantidade de livros

lidos por quatro crianças, a saber, Anne 4 livros; Danny 1; Lisa 6 e Terry 3. Foram

utilizadas cartas (Figura 1) tanto com a face das crianças de (8,5cm x 4,5cm), como

cartas com o desenho de um livro (4,0 cm x 4,5 cm).

Figura 1: Cartas utilizadas como matérias para a representação pictográfica

Fonte: Watson (2006), p. 59

Após a apresentação do contexto, a pesquisadora distribuiu as cartas e solicitou

aos alunos que organizassem e representassem essas informações. Alunos mais jovens

apresentaram uma representação pictográfica considerada no nível idiossincrático,

porque apenas empilharam as cartas, separando os montes por criança (Figura 2a); as

respostas foram classificadas no nível uniestrutural quando os alunos apresentaram as

cartas espalhadas, mas separando os montes por criança (Figura 2b). No nível

multiestrutural os alunos enfileiraram as cartas dos livros, o que possibilitou uma

comparação visual mais fácil do número de livros lidos por cada criança (Figura 2c).

Por fim, as construções em que os alunos enfileiraram as cartas dos livros lidos de

acordo com as crianças em ordem crescente, usando uma guia de referência, foram

categorizadas no nível relacional (Figura 2d).

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 7 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil

Segundo Watson (2006) uma das principais características dos pictogramas é ser

um tipo de representação gráfica que aproxima os alunos ao contexto dos dados.

Cazorla e Oliveira (2010) informam que o uso deste gráfico é importante quando se

trabalha com crianças pequenas ou com alunos que ainda não conhecem o plano

cartesiano.

(a)

(b)

(c) (d)

Figura 2: Representações pictográficas de alunos para os quatro níveis de resposta Fonte: Watson (2006), p. 59

Kataoka e Hernandez (2010) recomendam o uso do pictograma quando a variável

oferece poucas categorias e o número de observações é pequeno, podendo-se utilizar a

escala unitária. Estes autores sugerem também “para a construção na lousa ou na

cartolina, utilizar desenhos em cartolina, EVA ou adesivos comprados em papelaria”

(2010, p. 30).

3 Método

Os sujeitos dessa pesquisa foram três alunos cegos (denominados de S1, S2 e S3)

de escolas públicas regulares da Educação de Jovens e Adultos dos municípios de

Itabuna e Ilhéus, Bahia. De acordo com os PCN: AC (BRASIL, 1998a) é considerado

cego o aluno que necessita do método Braille como meio de leitura e escrita.

Na pesquisa de Vita (2012), esses alunos manipularam a maquete tátil para

trabalhar os conceitos básicos de Probabilidade (cbP) na sequência de ensino (SE)

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 8 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil Passeios Aleatórios do Jeferson (PAJ). Ressalta-se que a maquete tátil, elaborada por

essa pesquisadora, foi constituída de forma sequenciada a partir de cinco protótipos, e

na sua versão final composta por tarefas de reconhecimento tátil do instrumento, tarefas

da SE e artefatos. Os artefatos foram: um tabuleiro 3D, sete formas plásticas com base

retangular contendo 54 compartimentos quadrados organizados em 9 linhas e 6 colunas

que denominamos por colméia; 240 cartas de 2,5 cm x 2,5 cm em emborrachado EVA

com textura atoalhado e liso; e 300 brinquedos, sendo 60 bonecas, 60 ioiôs, 60 apitos,

60 anéis e 60 presilhas; duas tampas e um carrinho (Figura 3).

Figura 3: Versão final da maquete tátil

Fonte: Vita (2012), p. 108.

As tarefas dessa SE PAJ foram divididas em três fichas, sendo que a primeira

tarefa foi apresentar aos alunos a seguinte história:

O Jefferson e seus amigos moram no mesmo bairro (Figura 4). A distância da casa de

Jefferson para a casa de Luana, Marcos, Peter, Orlando e Aida é de quatro quarteirões.

Jefferson costumava visitar seus amigos durante os dias da semana em uma ordem pré-

estabelecida: segunda-feira, Luana; terça-feira, Marcos; quarta-feira, Peter; quinta-feira,

Orlando e sexta-feira, Aida. Para tornar mais emocionantes os encontros, a turma

combinou que o acaso escolhesse o amigo a ser visitado por Jefferson. Para isso, na

saída de sua casa e a cada cruzamento, Jefferson deve sortear uma das duas tampas; se

sair atoalhado, andará um quarteirão para o Norte, se sair liso, um quarteirão para o

Leste. Cada jogada representa um quarteirão de percurso com a parada obrigatória na

faixa de pedestre. Jefferson deve sortear quatro vezes as tampas para chegar à casa de

um dos amigos.

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Figura 4 - Bairro da sequência Os Passeios Aleatórios do Jefferson

Fonte: Vita (2012), p. 76

O foco nesse artigo é apresentar e discutir a execução pelos alunos cegos das

tarefas denominadas de “F2f” e “F3a”, que se referiam à organização gráfica por meio

de um pictograma, respectivamente, das freqüências observadas de um experimento

aleatório e das frequências esperadas na árvore de possibilidades do número de visitas

do Jeferson a cada um dos seus cinco amigos.

Dos artefatos da maquete tátil supracitados foram utilizados para a construção dos

pictogramas as colméias e os brinquedos. As colméias foram utilizadas para servir como

guia de referência para construção dos pictogramas, e os brinquedos para representar os

amigos, sendo a quantidade de cada um deles correspondente as frequências observadas

e esperadas. Salienta-se que o brinquedo utilizado para representar o número de visitas a

Luana foi uma boneca, Marcos o ioiô, Peter o apito, Orlando o anel e Aida a presilha.

Os encontros para construção dos pictogramas aconteceram em salas de recursos,

nos quais os dados foram coletados a partir das filmagens da aplicação oral das tarefas

por Vita (2012), aplicadas individualmente.

Como dito na seção anterior, a análise nesse artigo das respostas dos alunos às

tarefas que exigiam a construção de pictogramas, correspondentes aos resultados do

experimento aleatório, foram baseadas na classificação proposta por Watson (2006), que

por sua vez tem como referência a taxonomia SOLO. Os níveis de resposta utilizados

foram: idiossincrático, uniestrutural, multiestrutural e relacional.

4 Resultados e discussão

Vamos discutir as respostas dos três alunos às tarefas de construção de

pictogramas, tanto no contexto da experimentação aleatória (Tarefa F2f), como da

árvore de possibilidades (Tarefa F3a).

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 10 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil 4.1 Pictogramas do experimento aleatório – Tarefa F2f

No experimento aleatório, repetido 30 vezes, os alunos tinham que sortear uma

das duas tampas, e caminhar para leste quando o resultado era liso e norte quando era

atoalhado (Figura 5).

TAMPA EVA LISO –

MOVIMENTO PARA O LESTE

TAMPA EVA ATOALHADO –MOVIMENTO

PARA O NORTE

Figura 5 - Tampas para sorteio

Fonte: Vita (2012, p. 105). Para cada repetição do experimento o aluno deveria sortear a tampa quatro vezes,

indicando o amigo a ser visitado pelo Jeferson, sendo assim ao final do experimento

cada aluno determinou a freqüência observada em que cada um dos amigos seria

visitado.

Após o experimento, Vita (2012) solicitou aos alunos que organizassem

graficamente os resultados de seu experimento, inicialmente que fizessem da maneira

que sabiam. Segundo essa pesquisadora detectou-se, pela fala dos alunos, que eles não

sabiam como construir um gráfico, pois sempre receberam as representações gráficas

prontas, e nem tampouco sabiam ler e interpretar as informações contidas nas mesmas.

Resultado similar foi encontrado nos estudos de Ferronato (2002) e Tanti (2006).

O gráfico desenvolvido inicialmente por S1 (Figura 6) para representar o resultado

de seu experimento, pode ser classificada no nível multiestrutural (Watson, 2006), uma

vez que os brinquedos foram organizados em linha, separando com um espaço livre

cada tipo de brinquedo, a exemplo do ioiô e os apitos.

Figura 6: Primeiro gráfico construído por S1

Fonte: Vita (2012), p. 194.

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 11 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil

Diante desta organização gráfica, Vita (2012) perguntou a S1 quantas vezes cada

amigo foi visitado, sendo que o mesmo apresentou muita dificuldade para responder.

Assim, a pesquisadora sugeriu ao aluno que utilizasse uma coluna para representar cada

amigo visitado, todos os 30 brinquedos correspondentes às visitas e que ele poderia

seguir a mesma ordem de posicionamento das casas na diagonal do tabuleiro. Desta

forma, ele separou cada tipo de brinquedo sobre a mesa e, em seguida, foi colocando na

colmeia, preencheu a primeira coluna da esquerda para a direita. Durante o registro,

constantemente passava seus dedos das duas mãos nas bordas externas da colmeia

(Figura 7).

Figura 7: Pictograma construído por S1

Fonte: Vita (2012), p. 195.

Essa interferência da pesquisadora conduziu ao aluno a construir um pictograma

que seria classificado no nível relacional (Watson, 2006).

De acordo com Vita (2012) diferentemente de S1, a aluna S2 afirmou que não

sabia construir o gráfico, porque nunca lhe foi solicitado na escola ou requisitado no seu

cotidiano. Baseado nessa informação, supomos que se a aluna tivesse construído a sua

representação gráfica, a mesma poderia ser classificada num dos três primeiros níveis de

resposta (Watson, 2006), uma vez que S1 disse não saber construir e fez uma

representação no nível mulitestrutural.

Com essa afirmação de S2, Vita (2012) apresentou o pictograma de um

experimento fictício para que a mesma fizesse o reconhecimento tátil. A partir daí, ela

organizou o resultado de seu experimento, semelhante daquele que lhe foi dado (Figura

8).

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 12 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil

Figura 8: Pictograma construído por S2

Fonte: Vita (2012), p. 195.

O pictograma da Figura 8 nos mostra que S2 registrou corretamente os resultados

do seu experimento, mas novamente após a interferência da pesquisadora.

No que tange ao primeiro registro de S3, podemos classificá-lo no nível

uniestrutural (Watson, 2006), pois a mesma tentou organizar as visitas de seu

experimento colocando os brinquedos apenas nas laterais da colmeia, mas separados de

acordo com os amigos visitados (Figura 9).

(a) (b)

Figura 9: Imagem de S3 construindo o seu primeiro gráfico Fonte: Vita (2012), p. 196

Segundo S3, esta organização dos brinquedos se assemelhava ao posicionamento

no tabuleiro da casa do amigo correspondente. Por exemplo, observa-se na distribuição

dos brinquedos na colméia da figura 9a, que a mesma colocou a presilha e a boneca

juntas justificando que os dois brinquedos tinham a mesma quantidade, qual seja uma

unidade. Em seguida, separou-os informando que as casas dos amigos que

correspondiam estes presentes estavam nas pontas do tabuleiro (Figura 9b).

4.2 Pictogramas da árvore de possibilidades – Tarefa F3a

Na tarefa F3a, Vita (2012) solicitou aos alunos que determinassem quais eram os

caminhos possíveis para visitar cada um dos amigos por meio da construção da árvore

de possibilidades. Em seguida a pesquisadora solicitou que os alunos verificassem as

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 13 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil frequências observadas de cada um dos amigos e construíssem o pictograma referente a

este registro.

Os três alunos conseguiram construir corretamente os pictogramas. Esses

resultados nos levam a supor que a interferência da pesquisadora para a construção dos

pictogramas na tarefa F2f surtiu o efeito positivo, possibilitando que todas as três

representações fossem classificadas no nível relacional (Figura 10).

Figura 10: Pictograma de S1 das frequências observadas

Fonte: Vita (2012), p. 199. Observando o pictograma de S1 verifica-se que o mesmo organizou na colmeia

seu pictograma com os 16 caminhos possíveis, com um jeito muito particular de

organização, sempre tendo o cuidado de criar um ponto de referência para facilitar a

leitura (borda da colmeia). Este aluno, já demonstrava o domínio da construção do

pictograma, pois registrava e lia as informações com habilidade. Neste caso específico

ele organizou os brinquedos em colunas e fez a leitura tátil e oral das colunas de cima

para baixo. Apesar de não ser usual esta forma de leitura, o aluno demonstrou coerência

na sua representação gráfica e justificou informando que a posição da colmeia não era

relevante, mas a organização do primeiro brinquedo de cada um dos amigos deveria

manter um mesmo alinhamento.

Nessa análise da construção dos pictogramas, ressaltamos que a adaptação do

material realizado por Vita (2012), qual seja, uso das colméias e brinquedos, permitiu

que os alunos construíssem esse tipo de gráfico de forma eficaz, possibilitando aos

mesmos ter um guia de referência. Entendemos assim, que este material cobriu uma

lacuna existente, qual seja, falta de um método padronizado, nas escolas públicas

inclusivas investigadas, para a construção desse tipo de gráfico por alunos cegos.

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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 14 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil

5 Considerações Finais

A análise dos pictogramas dos alunos, correspondentes aos resultados do

experimento aleatório, nos permitiu considerar que estas construções gráficas

envolveram os níveis uniestrutural e multiestrutural propostos por Watson (2006). O

nível relacional só pode ser atingido após intervenção de Vita (2012), posto que os

alunos inicialmente afirmaram não saber construir, ler ou interpretar as informações em

gráficos e após discussões e contato com um exemplo de pictograma apresentado pela

pesquisadora, conseguiram executá-lo satisfatoriamente.

Tal procedimento de intervenção dessa pesquisadora nos pareceu plenamente

justificável e fundamental por favorecer aprendizagem dos alunos, uma vez que os

mesmos conseguiram construir pictogramas na tarefa seguinte da árvore de

possibilidades (Tarefa 3Fa). Além disso, a pesquisadora seguiu as recomendações dos

PCN: AC (BRASIL, 1998a), que sugerem que sejam feitas entre outras adaptações, a do

método de ensino e da organização didática. Salienta-se também que procedimento

similar foi adotado por Tanti (2006), como dito, quando ela auxiliou um aluno cego na

construção dos gráficos.

Por fim, acreditamos que estudos como estes podem auxiliar nas discussões sobre

propostas de adaptações de materiais e métodos de ensino de conteúdos estatísticos e

probabilísticos. Essas adaptações devem possibilitar aos alunos cegos a aprendizagem

desses conteúdos curriculares de maneira mais ajustada às suas condições individuais.

Referências

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New York: Academic Press, 1982.

BIGGS, J.; COLLIS, K. Multimodal learning and the quality of intelligent behavior. In:

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Laurence Erlbaum Assoc. 1991.p. 57-76.

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