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A contribuição dos “inativos” Hugo de Brito Machado Segundo A criação de contribuição semelhante já havia sido tentada em 1999, através da Lei n.º 9.783/99, que foi, entretanto, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em votação unânime . A questão que se coloca, agora, é a de saber se a inconstitucionalidade que impedia a cobrança da contribuição, em 1999, foi afastada com o advento da EC 41/2003, ou se, ao revés, subsiste, por decorrer de dispositivos da Constituição que não podem ser contrariados nem mesmo pelo poder reformador, constituinte derivado. sexta-feira, 28 de maio de 2004 Introdução Apesar do compromisso explícito firmado na campanha do atual Presidente da República 1 , o Governo Federal obteve no Congresso a aprovação da Emenda Constitucional n.º 41, de 19 de dezembro de 2003, que, entre outras alterações, incluiu na Constituição Federal dispositivos que expressamente “autorizam” a instituição de uma “contribuição” incidente sobre proventos e pensões de aposentados e pensionistas do serviço público, assim: “Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (...)

A Contribuição Dos Inativos - Hugo de Brito Machado Segundo

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A Contribuição Dos Inativos - Hugo de Brito Machado Segundo

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A contribuio dos inativosHugo de Brito Machado SegundoA criao de contribuio semelhante j havia sido tentada em 1999, atravs da Lei n. 9.783/99, que foi, entretanto, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em votao unnime . A questo que se coloca, agora, a de saber se a inconstitucionalidade que impedia a cobrana da contribuio, em 1999, foi afastada com o advento da EC 41/2003, ou se, ao revs, subsiste, por decorrer de dispositivos da Constituio que no podem ser contrariados nem mesmo pelo poder reformador, constituinte derivado.sexta-feira, 28 de maio de 2004

Introduo

Apesar do compromisso explcito firmado na campanha do atual Presidente da Repblica1, o Governo Federal obteve no Congresso a aprovao da Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, que, entre outras alteraes, incluiu na Constituio Federal dispositivos que expressamente autorizam a instituio de uma contribuio incidente sobre proventos e penses de aposentados e pensionistas do servio pblico, assim:Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, includas suas autarquias e fundaes, assegurado regime de previdncia de carter contributivo e solidrio, mediante contribuio do respectivo ente pblico, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critrios que preservem o equilbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.(...) 18. Incidir contribuio sobre os proventos de aposentadorias e penses concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite mximo estabelecido para os benefcios do regime geral de previdncia social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.A criao de contribuio semelhante j havia sido tentada em 1999, atravs da Lei n. 9.783/99, que foi, entretanto, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em votao unnime2. A questo que se coloca, agora, a de saber se a inconstitucionalidade que impedia a cobrana da contribuio, em 1999, foi afastada com o advento da EC 41/2003, ou se, ao revs, subsiste, por decorrer de dispositivos da Constituio que no podem ser contrariados nem mesmo pelo poder reformador, constituinte derivado.Caso se conclua pela validade, em tese, da contribuio incidente sobre proventos e penses, assume relevo ainda o aspecto de direito intertemporal, pertinente incidncia da contribuio sobre aqueles que, no momento de sua instituio, j eram aposentados, pensionistas, ou j haviam reunido as condies necessrias a serem assim considerados. H de ser examinada, nesse caso, a existncia de direito adquirido.Foi para provocar a reflexo sobre essas duas questes, sintetizadas nos dois pargrafos antecedentes, que escrevemos o presente texto.1. Natureza da contribuio dos inativos1.1. Conceito de contribuioComo se sabe, onomede um tributo no lhe define a natureza jurdica. Assim como ocorre nos contratos, e em qualquer outra realidade jurdica, onomen juris irrelevante. o que dispe o art. 4. do CTN, que apenas explicita algo que decorre da prpria Teoria do Direito Tributrio. A exao prevista no 18 da EC 41/2003, portanto, poder ser classificada como contribuio caso rena determinadas caractersticas, e no simplesmente porque o legislador, ainda que constituinte derivado, assim a denominou.Diferentemente dos impostos, as contribuies tm uma finalidade especfica e constitucionalmente determinada3. Mas isso no basta para caracteriz-las: a finalidade deve ainda ser buscada mediante uma atuao estatal, atuao causada por um grupo de pessoas do qual o contribuinte faa parte. exigida, portanto, umareferibilidade indiretaentre o contribuinte e a atuao estatal que justifica a cobrana da contribuio4. Como decorrncia disso, embora nem sempre sejam determinados na Constituio, osfatos imponveisdas contribuies tambm devem estar relacionados com a finalidade a ser alcanada com a exao e com a participao do contribuinte no grupo correspondente.1.2. Contribuinte como parte de um grupo e o custeio da seguridade por toda a sociedadePoder-se-ia dizer, em oposio ao conceito de contribuio resumido no item anterior, que o mesmo no se aplica s contribuies no Direito Brasileiro, na medida em que caput do art. 195 da CF/88 preconiza o custeio da seguridade social no por um grupo especfico, mas por toda a sociedade. Esse raciocnio, todavia, est equivocado.Na verdade, a aluso a um custeio por toda a sociedade diz respeito apenas a algumas das contribuies previstas originalmente no prprio art. 195, e quelas que venham a ser criadas com base na competncia residual nele disciplinada, e no s contribuies como um todo, nem tampouco quelas atinentes previdncia social dos servidores pblicos. Em verdade, tal artigo da Constituio estabelece apenas umaexceo regra de que as contribuies somente podem ser exigidas de um grupo especfico, ao qual a atividade custeada guarde relao. Como toda exceo, no pode ser ampliada para abranger contribuies que no lhe digam respeito.Alis, e talvez por isso mesmo, essas contribuies em relao s quais a referibilidade menor (v.g. COFINS, CSLL) foram, paralelamente, objeto de disciplinamento constitucional quase to rgido quanto o dos impostos, com estabelecimento de contribuintes, bases de clculo, fatos geradores, limites para o exerccio da competncia residual, etc .5, regramento este que, a propsito, no que toca enumerao dos contribuintes, indica as empresas, e os segurados, mas no os beneficirios (aposentados e pensionistas).No se deve esquecer que a atenuao da referibilidade, no que pertine aalgumascontribuies de seguridade, foi prevista pelo constituinte originrio, e no pode ser arbitrariamente alastrada pelo constituinte derivado, sob pena de destruio do sistema tributrio nacional. No caso da CF/88, essa menor referibilidade diz respeito s empresas, que tambm devem custear a seguridade nas hipteses previstas no art. 195, I, mas no abrange nem nunca abrangeu os segurados. Em relao a estes, a referibilidade de tal ordem que a doutrina classifica a contribuio por eles devida como sendosinalagmtica6, contribuio que , e sempre foi, quantificada de modo muito estreitamente ligado diretamente proporcional! com o que, posteriormente, deve corresponder aos benefcios. O Supremo Tribunal Federal, a propsito, sempre consignou a total vinculao existente entre a contribuio previdenciria devida pelo servidor, exigindo anecessria vinculao causal que deve existir entre contribuies e benefcios (RTJ 147/921)7.

1.3. Natureza da contribuio dos inativosDiante do que at agora sintetizamos, parece-nos bastante duvidosa a pertinncia do rtulo contribuio, colocado na exao prevista no 18 do art. 40 da CF/88. Isso porque o grupo composto pelos aposentados e pensionistas no tem mais qualquerreferibilidade, nem direta nem indireta, para com a atividade estatal para a qual seus integrantes tero de continuar contribuindo.Com efeito, antes da aposentadoria, ou da morte, o pagamento da contribuio tem por finalidade assegurar o direito ao recebimento dos proventos, devidos a partir de quando esses eventos acontecerem. Assim, depois da aposentadoria, ou da morte, o direito aos proventos ou penso no decorre da continuidade do pagamento de uma contribuio, mas do que foi pago durante todo o tempo em que o servidor manteve-se em atividade.Em poucas palavras: depois de j se estar aposentado, ou de ser pensionista, a contribuio se presta para qu? O aposentado, enquanto vivo for, ser contribuinte da exao, mas os valores pagos no se prestaro mais a propiciar-lhe qualquer benefcio, direto ou indireto. Sobrevivendo por dois anos data da concesso da aposentadoria, e no tendo dependentes, ou sobrevivendo por vinte anos a essa mesma data, e deixando ainda dezenas de filhos pequenos, o aposentado pagar sempre a mesma coisa, e seu direito aposentadoria, ou penso para seus dependentes, no mais depender dessas retenes.H quem diga que a contribuio dos inativos seria vlida, sim, porque o aposentado deve contribuir para formar reservas que custeiem uma penso para seus dependentes, depois de sua morte. O argumento, porm, e com todo o respeito, carente de razo. Primeiro, porque o direito penso no depende de tais recolhimentos, tanto que se o aposentado vier a falecer dois meses depois da concesso da aposentadoria, seus dependentes tero direito penso da mesma maneira. Alis, quanto mais tempo o aposentado sobreviver e, portanto, submeter-se inslita contribuio menores sero as probabilidades de restar algum dependente que, aps a sua morte, faa jus a uma penso. Quanto mais se contribusse para a penso, portanto, menor seria o direito a ela, absurdo que mais que suficiente para demonstrar o desacerto da tese em exame, que, de qualquer modo, mesmo acolhida, no autorizaria a exigncia da exao tambm de pensionistas, como est previsto no art. 40, 18, da CF/88.

Enfim, como no existe mais qualquer atividade estatal que justifique, para os aposentados e pensionistas, o pagamento de uma contribuio, o que lhes for cobrado a esse ttulo no estar sendo exigido para que essa atividade lhes seja prestada. Seu fundamento no ser a consecuo de uma finalidade referida ao contribuinte, nem mesmo ao grupo por ele integrado, que composto de todos os servidores aposentados e por seus pensionistas. No. O fundamento ser pura e simplesmente a soberania estatal. Ser um imposto, incidente especificamente sobre proventos e penses.O tributo previsto no 18 do art. 40 da Constituio, portanto, verdadeiro imposto de renda devido apenas por aposentados e pensionistas do servio pblico. De uma forma ou de outra, considerando que esse tributo encontra previso constitucional, decorrente da atividade do poder constituinte derivado, resta examinar a sua compatibilidade com as chamadas clusulas de imodificabilidade positivadas no art. 60, 4., da CF/88.2. A contribuio dos inativos e as clusulas de imodificabilidade da Constituio2.1. Isonomia e Imposto de renda adicional devido apenas por aposentados e pensionistasComo a contribuio dos inativos tem, na verdade, natureza de adicional do imposto de renda, adicional incidente apenas e exclusivamente sobre os proventos de quem aposentado ou pensionista do servio pblico, a primeira inconstitucionalidade verificvel o malferimento ao princpio da isonomia, previsto nos arts. 5., caput, e 150, II, da CF/88. sabido que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais,na medida em quese desigualam. Todo o problema relativo aplicao do princpio da isonomia, em verdade, est em saber qual medida de desigualdade deve ser tomada, em cada situao, para justificar um tratamento desigual. o fator de discrmen a que alude Celso Antonio Bandeira de Mello. Nas palavras do festejado autor, tem-se que investigar, de um lado, aquilo que erigido em critrio discriminatrio e, de outro lado, se h justificativa racional para, vista do trao desigualador adotado, atribuir o especfico tratamento jurdico construdo em funo da desigualdade afirmada8.Na esfera tributria, notadamente no que pertine aos impostos, o trao desigualador por excelncia a capacidade contributiva. Ela a medida da desigualdade entre contribuintes. No caso, porm, a contribuio dos inativos onera rendimentos especficos de aposentados e pensionistas, e no onera rendimentos de pessoas com igual ou maior capacidade contributiva. H, portanto, um tratamento desigual que no toma como critrio a medida pertinente da desigualdade entre os contribuintes, ou seja, a capacidade contributiva, mas sim o fato de o rendimento ser oriundo de uma aposentadoria, ou de uma penso, dado que no elemento relevante a justificar a discriminao. O absurdo equivalente a pretender tributar de modo mais oneroso o advogado, e de modo menos oneroso o mdico, ou o dentista, que ganhem exatamente o mesmo valor, pois a natureza da atividade geradora dos rendimentos, no caso, no tem nenhuma pertinncia com o IRPF que a onera.Nem se invoque, no caso, que os contribuintes da exao em estudo, por serem aposentados ou pensionistas, esto em situao diferenciada da generalidade dos contribuintes, o que supostamente justificaria o tratamento mais oneroso que lhes dispensado. Tambm no se afirme que a contribuio paga por inativos a mesma paga pelos servidores em atividade. Esses dois argumentos, em verdade, s acentuam a desigualdade de tratamento levada a cabo com a pseudocontribuio de que se cuida.Com efeito, caso se colha como elemento de discriminao a futura aquisio do direito aposentadoria, ou penso, conquistado com o pagamento da contribuio, esta no poderia jamais ser exigida de servidores aposentados, nem de pensionistas. Apenas servidores em atividade poderiam ser compelidos a recolh-la, pois apenas estes estariam na situao diferenciada que justifica sua cobrana.Caso, por outro lado, se colha a mera manifestao de capacidade contributiva como fator de discriminao, a exao deveria ser ento exigida de todos, na forma de um acrscimo das alquotas progressivas do IRPF para algo em torno de 26% e 38%, respectivamente, para a generalidade dos contribuintes desse imposto. Esse acrscimo seria inconstitucional por outras razes, tais como ofensa norma que veda o confisco, mas no por violao isonomia entre os seus contribuintes.Examinando o problema, Sacha Calmon Navarro Coelho conclui que tanto a justia quanto a igualdade rejeitam que duas pessoas, com um mesmo nvel de rendimentos do trabalho em atividade ou ao ingressarem na inatividade legal, tenham descontos dspares na fonte, incidindo sobre os rendimentos do trabalho, seja a ttulo de contribuio, seja a ttulo de imposto de renda9.A exao de que se cuida, enfim, implica um pagamento sem causa, s explicvel a ttulo de imposto de renda, e que no se justifica seja exigido apenas de servidores aposentados e de pensionistas pelo simples fato de serem aposentados e pensionistas. A violao ao princpio da isonomia clara, e no h dvida de que tal princpio integra o rol dos direitos e garantias individuais a que alude o inciso IV do 4. do art. 60 da CF/88.2.2. Federao e partilha do imposto de rendaNo bastasse a inconstitucionalidade acima apontada, o fato de a contribuio dos inativos no ser uma autntica contribuio, mas sim um adicional do imposto de renda, revela ainda violao ao art. 159, I, da CF/88, segundo o qual a Unio entregar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios 47% do produto da arrecadao do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados. Tal artigo, no demais lembrar, consagra determinao que tem por finalidade propiciar a reduo das desigualdades regionais, e especialmente manter a autonomia dos demais integrantes da federao em relao ao poder central.Inexiste federao sem autonomia dos entes perifricos, e no h autonomia sem os recursos financeiros necessrios realizao daquilo que, por vontade prpria, planeja-se realizar. por essa razo que, na maior parte das federaes existentes no planeta, notadamente naquelas que foras centrpetas tendem constantemente ao unitarismo, a diviso de rendas tributrias feita na prpria Lei Maior. o que anota, com inteira propriedade, Amlcar de Arajo Falco:A razo de ser da importncia da discriminao de renda, na federao, evidente e se consubstancia na circunstncia mesma de constituir uma exaltao, um grau superlativo das autonomias, sobretudo as perifricas, cujo convvio equilibrado com a unidade central se quer assegurar.Por isso mesmo que a discriminao de rendas, nas federaes, costuma ser fixada no prprio texto constitucional. S por exceo assim no acontece. Na ustria, por exemplo, a partilha tributria foi confiada ao legislador federal; no obstante, o ato legislativo ter discusso e votao sob o regime especial do art. 44 da Constituio austraca, referente s chamadas leis ou disposies constitucionais e ser designado como lei constitucional de finanas ( Finanzverfassungsgsetz )Em uma palavra, discriminao de rendas e autonomia local ou, para usar a expresso de preferncia dos autores de lngua inglesa, autonomia de governos locais so problemas que se integram num s contexto.10Ao criar adicionais ao imposto de renda, mas batizando-os de contribuio para dar aos seus recursos outra destinao que no a partilha com Estados e Municpios, a Unio Federal burla a referida repartio de receitas tributrias, em prejuzo para o pacto federativo11, o que o art. 60, 4., I, da CF no admite nem mesmo Emenda Constitucional.2.3. Confisco e direito de propriedadeRegistre-se, ainda, que a falsa contribuio de que se cuida e o imposto de renda incidem exatamente sobre a mesma base de clculo: os proventos oriundos da aposentadoria, ou da penso. A alquota do imposto de renda chega a 27,5%, e a da contribuio, 11%, o que representa um nus prximo a 38% dos proventos auferidos. Como consignou o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade da contribuio dos inativos criada pela Lei n. 9.783/99,a identificao do efeito confiscatrio deve ser feita em funo da totalidade da carga tributria, mediante verificao da capacidade de que dispe o contribuinte - considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) - para suportar e sofrer a incidncia de todos os tributos que ele dever pagar, dentro de determinado perodo, mesma pessoa poltica que os houver institudo (a Unio Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferio do grau de insuportabilidade econmico-financeira, observncia, pelo legislador, de padres de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Pblico. Resulta configurado o carter confiscatrio de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo - resultante das mltiplas incidncias tributrias estabelecidas pela mesma entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazovel, o patrimnio e/ou os rendimentos do contribuinte .12Antes da aposentadoria, ou da penso, essa incidncia pode justificar-se como forma de assegurar o direito a esses benefcios. No se considera apenas a capacidade contributiva, mas tambm o proveito que o contribuinte experimentar no futuro em razo do que est sendo chamado a contribuir. Depois da concesso do benefcio, porm, o nus passa a no mais possuir qualquer relao com uma futura aposentadoria, representando pura e simplesmente uma diminuio impositiva dos proventos. Essa diminuio, precisamente por no encontrar causa em uma futura aposentadoria, assume natureza de imposto de renda, afigurando-se, enquanto tal, excessivamente gravosa, esbarrando na vedao ao confisco positivada no art. 150, IV, da CF, e mostrando-se, ainda, superior capacidade contributiva dos respectivos aposentados e pensionistas.A vedao ao confisco, a propsito, nada mais que proteo ao direito de propriedade, e est inegavelmente abrangida pela referncia feita ao art. 60, 4., IV, da CF/88 como matria cuja violao vedada s emendas constitucionais. O mesmo se pode dizer do princpio da capacidade contributiva em relao ao princpio da isonomia, tambm direito individual protegido da ao do poder reformador.2.4. Proporcionalidade e eqidade no custeio da seguridade socialA mais grave inconstitucionalidade prevista na EC 41/2003, porm, est relacionada ao princpio da proporcionalidade.Como se sabe, o princpio em comento invocado sempre que se pretende fazer o controle da constitucionalidade demeiosempregados na consecuo de finalidades em princpio legtimas. Perquire-se se o meio realmente conduz finalidade buscada (aptido); se no existe outro meio to ou mais eficaz para tanto, e que seja tambm menos gravoso (necessidade); e se tal meio no implica demasiadas restries a outras finalidades, ou a outros valores, que deveriam ser igualmente prestigiados (vedao do excesso). No presente caso, a contribuio dos inativos tem sido anunciada como destinada a combater odficitque seria causado pelo fato de os servidores pblicos receberem aposentadorias elevadas, equivalentes ou prximas aos vencimentos recebidos por servidores em atividade, diversamente do que ocorre com os trabalhadores do setor privado.No nos parece, entretanto, que as premissas lanadas para justificar a cobrana da contribuio sejam corretas, pois no possvel fazer uma comparao pura e simples entre a situao dos servidores pblicos e a situao dos trabalhadores da iniciativa privada. Quem faz essa comparao, e culpa indistintamente as aposentadorias do setor pblico por um alegadodficit, esquece que os servidores pblicos, pelo menos no mbito do regimeanterior EC 41/2003, submetiam-se contribuio previdenciria tomando como base de clculo a integralidade de seus vencimentos, enquanto trabalhadores do setor privado, por mais elevadas que sejam suas remuneraes, contribuam no mximo pelo teto legalmente fixado. Essa distino essencial, e nem sempre recebe a devida ateno.Assim, considerado o regime anterior ao da atual reforma (que seria o responsvel pelodficit), e utilizando nmeros aproximados para facilitar o clculo meramente exemplificativo, imagine-se um empregado que exercesse importante funo em uma grande empresa, recebendo salrio mensal de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Sua contribuio ao INSS no seria calculada sobre todo esse montante, mas apenas sobre o valor do teto, pouco superior a R$ 1.000,00. Aplicando-se a alquota de 11%, esse segurado contribua, por ms, pela quantia de aproximadamente R$ 110,0013. Por sua vez, um servidor pblico que eventualmente ganhasse a mesma quantia R$ 15.000,00 submeter-se-ia contribuio de 11% incidente sobre a integralidade de seus vencimentos, vendo descontados, a cada ms, aproximadamente R$ 1.650,00. Justifica-se, portanto, mesmo do ponto de vista atuarial, que o servidor que reuniu condies para aposentar-se sob a vigncia do regime anterior aposente-se com proventos prximos ou equivalentes aos vencimentos que recebia quando em atividade, no sendo isso um privilgio ou uma desigualdade em face do trabalhador da iniciativa privada, sendo descabido atribuir-se ao servidor aposentado a responsabilidade pelo dficit na Seguridade Social.Mas no s. importante registrar ainda que deve haver, alm da contribuio do servidor, tambm a contribuio do seu empregador, que o ente pblico correspondente. Esse dado freqentemente esquecido nos clculos atuariais, no sendo raro que a Unio Federal considere essa sua parcela de responsabilidade como sendo um rombo a ser coberto. No se pode discutir odficitda previdncia dos servidores pblicos ignorando o dever do Poder Pblico de haver contribudo no passado, e de continuar contribuindo atualmente, tambm integralmente, sobre a sua folha de salrios. Administrativistas de renome, alis, consideram que o servidor pblico tem direito aposentadoria independentemente de haver contribudo, pois se trata de um direito decorrente do trabalho que desempenhou, configurando o provento verdadeiro vencimento diferido14.Com inteira propriedade, Sacha Calmon Navarro Coelho observa que, conquanto pugnem pelo custeio da seguridade social por toda a sociedade, as pessoas polticas em nada solidrias no apenas jamais contriburam para a mantena do sistema, como passaram a desviar os seus recursos para outros fins. Fatos notrios independem de prova15.Assim, se o valor dos proventos no , em si, a causa do supostodficitque se pretende combater, devem ser combatidas as verdadeiras causas dessedficit, e no onerados aqueles que por ele no so responsveis. Isso mostra que a contribuio dos inativos no sequer um meioapto, ouadequado, para alcanar a finalidade com ela almejada, fracassando logo no primeiro teste destinado a aferir sua proporcionalidade.2.4.1. DesnecessidadeEm oposio ao que foi dito no item anterior, poder-se-ia afirmar aaptidoda contribuio dos inativos, pois algumas pessoas trabalham durante dcadas no setor privado, contribuindo com valores reduzidos no mbito do chamado Regime Geral da Previdncia, e nos ltimos anos de sua vida profissionalmente ativa ingressam no servio pblico; e, assim, conquanto contribuam por pouco tempo sobre a integralidade dos vencimentos, aposentam-se com proventos elevados, geralmente integrais. Poder-se-ia dizer, ainda, que de uma forma ou de outra a contribuio gera recursos, sendoaptapor isso correo dodficit.Mesmo admitindo, apenas para argumentar, essa aptido, o tributo em exame continuaria, inegavelmente, meio desnecessrio para se chegar a essa finalidade, fracassando no segundo teste destinado a aferir sua proporcionalidade. Isso porque existem outras maneiras de corrigir o problema, to ou igualmente aptas, e bem menos gravosas aos direitos fundamentais envolvidos. Talvez algumas delas tenham sido introduzidas na prpria reforma previdenciria levada a cabo pela EC 41/2003, sendo o caso apenas de se esperar que surtam os seus efeitos (que, por razes bvias, no sero imediatos), e no o de tentar abrevi-los massacrando que no tem responsabilidade pelodficit.O fato de alguns trabalhadores contriburem durante anos como segurados do INSS e s no final da carreira ingressarem no servio pblico deve ser corrigido, se for o caso, com mudana nas regras de aposentadoria, especialmente dos critrios para determinao do valor dos proventos a serem recebidos. O que no possvel equiparar esse servidor quele que durante toda a vida, at os 70 anos de idade, pagou contribuio calculada pela integralidade de seus vencimentos, gerando saldo que lhe garantiria aposentadoria integral por lapso de tempo muitssimo superior quele que ainda lhe resta de vida. Essa equiparao, feita pelo tributo em comento, mostra que o mesmo, ainda que seja realmente apto a sanar o dficit da seguridade, no necessrio, pois existem outros meios igualmente aptos (alterao nos critrios de aposentadoria) e muito menos gravosos.Quanto circunstncia de que um tributo, qualquer que seja, supre o dficit da seguridade, e que por isso seria adequado para essa finalidade, isso tambm no demonstra que a cobrana do tributo seja proporcional. Extinguir todas as aposentadorias, ou reduzi-las metade, tambm supriria o dficit, e no seria proporcional. O tributo, para mostrar-se proporcional, deve ser o meio mais adequado e menos gravoso para se chegar a essa reduo do dficit, o que seguramente no o caso da exao em exame. Primeiro porque, como se viu, os servidores pblicos no so os responsveis por ele, pelo menos no de uma maneira generalizada. Segundo porque, de qualquer sorte, no se pode nivelar, com a exigncia da contribuio, servidores que j pagaram at mais do que o necessrio para assegurar suas aposentadorias com aqueles que, eventualmente, no contriburam por perodo a tanto suficiente. Seria o caso, como dito, de corrigir os critrios de aquisio do direito aposentadoria, e determinao do valor dos proventos, exigindo maior tempo de contribuio, ou prorrogando a idade limite para aposentadoria compulsria, por exemplo.2.4.3. Desproporcionalidade em sentido estrito (vedao do excesso)Ainda que no se considere a exao de inativos inapta, nem desnecessria, o que aqui apenas para argumentar se admite, a contribuio em questo , de qualquer modo, seguramente desproporcional em sentido estrito, ou excessiva, para se chegar finalidade que com ela supostamente almejada. As diminuies e as violaes de direitos fundamentais que causa so superiores, e muito, s vantagens e ao prestgio que traz aos direitos fundamentais que pretende (?) concretizar, seno vejamos.Com o suposto propsito de reduzir odficitda seguridade, esto sendo amesquinhados os valores isonomia, federao, capacidade contributiva e no confisco, o que gera um custeio inquo da seguridade social. Isso, em outras palavras, significa que os nus integridade da ordem jurdica so muito maiores que os bnus alcanados com a exao.Essa desproporcionalidade em sentido estrito se torna ainda mais eloqente quando so constatadas as verdadeiras causas do dficit da seguridade, e o que o Governo Federal vem fazendo a respeito dessas mesmas causas. Para cumprir as elevadas metas desupervitprimrio, e possibilitar o pleno e integral pagamento dos cada vez mais elevados juros da dvida pblica, as despesas pblicas esto sendo substancialmente cortadas. A contribuio dos inativos, nesse contexto, nada mais que um outro nome para ocultar uma pura e simples reduo no valor de proventos, e de penses, a fim de que haja saldo a ser aplicado na formao do ditosupervit.Paralelamente a isso, contribuies que deveriam custear a seguridade social, notadamente a seguridade social destinada ao setor privado de uma maneira geral, como o caso da COFINS, e da CSSL, so arrecadadas pelo Tesouro Nacional e repassadas seguridade apenas e na medida em que estritamente necessrio, para cobrir os seus alegadosdficits, como se os recursos no fossem constitucionalmente destinados seguridade e lhes estivessem sendo repassados como um favor. Para dar maior legitimidade ao desvio, chegou-se inclusive ao cmulo de aprovar, e prorrogar continuamente, uma desvinculao de receitas da Unio DRU, em face da qual parte do que arrecadado com ditas contribuies passa a ser definitiva e confessadamente aplicado em outras finalidades. E tais finalidades so, mais uma vez, a formao de supervit primrio. A mesma lgica que orienta o funcionamento do regime geral da previdncia social guia, tambm, a previdncia dos servidores pblicos.A finalidade a ser atingida com a contribuio dos inativos, portanto, no corrigir distores na seguridade social, nem cobrirdficits, nem muito menos propiciar uma aposentadoria mais justa para quem quer que seja. A verdadeira finalidade, alcanada custa da violao a todos os princpios elencados nos itens acima, pura e simplesmente o pagamento inaudito de juros. Parece-nos evidente, em face dos valores consagrados em nossa Constituio, que essa finalidade no pode ser levada assim to longe.2.5. RazoabilidadePor fim, a contribuio prevista no 18 do art. 40 da CF/88 inconstitucional, ainda, por violao ao princpio da razoabilidade. Esse princpio tem zona de interseo bastante grande com o princpio da proporcionalidade, e por isso mesmo com ele confundido, ou equiparado, por muitos doutrinadores de respeito.Pode-se dizer que o meiorazovelequipara-se ao meioproporcionalpor ser, igualmente, adequado e necessrio finalidade qual se destina. A diferena entre ambos torna-se mais evidente quando se perquire a respeito do razovel, e do proporcional, tomados em seu sentido estrito. Nesse ponto, o princpio da razoabilidade distingue-se do princpio da proporcionalidade porque o primeiro busca a aprovao pela razo humana, pela prudncia e pelo senso comum, enquanto o segundo busca a conciliao ponderada dos princpios envolvidos no problema, notadamente daqueles que tm estrutura de ummandamento de otimizao.No sendo meio adequado, nem necessrio, suposta finalidade a que se destina, como se viu nos itens anteriores, a contribuio dos inativos no , tambm, razovel. Caso se considere a razoabilidade em sentido estrito, precisamente aquele ponto no qual o princpio da razoabilidade se distingue do princpio da proporcionalidade, essa irrazoabilidade torna-se ainda mais flagrante, pois custa aceitar como racional que um aposentado, e, pior, um pensionista, tenham de contribuir para uma aposentadoria, ou para uma penso, da qual j so beneficirios. Essa irrazoabilidade, alis, foi registrada pelo Supremo Tribunal Federal, j quando do julgamento da contribuio dos inativos criada pela Lei n. 9.783/99, nos seguintes termos:O Poder Pblico, especialmente em sede de tributao (as contribuies de seguridade social revestem-se de carter tributrio), no pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princpio da razoabilidade16.3. A contribuio dos inativos e o direito intertemporal3.1. Colocao do problemaTodos os vcios apontados nos itens precedentes deste texto dizem respeito cobrana da contribuio dos inativos de uma maneira geral. Permeiam a exigncia como um todo, mesmo que formulada apenas em face daqueles que venham a reunir as condies necessrias aposentadoria, ou penso, somente depois da vigncia da EC 41/2003 e de seu disciplinamento infraconstitucional.Em face de pessoas j aposentadas, ou j pensionistas, quando do advento da EC 41 e de seu disciplinamento legal, h ainda a questo do direito adquirido, que veda, em princpio, a exigncia da contribuio, ainda que essa exigncia no estivesse contaminada pelos vcios acima enumerados.O argumento mais comumente empregado, para afastar a invocao do direito adquirido, o que de no existe direito adquirido contra a Constituio. A questo, porm, parece-nos carente de um pouco mais de reflexo, reflexo para a qual convidamos o leitor que se dispuser a nos acompanhar pelos itens subseqentes.3.2. Direito adquirido e poder constituinte. Distines necessrias importante ter em mente a relatividade da idia contida na afirmao de que no existe direito adquirido contra a Constituio.De plano, porque s se deve cogitar de direito adquirido em face de referncia expressa produo de efeitos retroativos, por parte da norma examinada. Se a norma, mesmo constitucional, nada afirma quanto sua eficcia retro-operante, subentende-se que sua incidncia ocorrer apenas em face de fatos ocorridos aps o incio de sua vigncia. Trata-se de noo elementar de Teoria Geral do Direito, que por isso mesmo no precisa estar consignada de modo expresso em lugar algum. A Constituio pode simplesmente silenciar, ou manifestar-se expressamente pelo respeito ao direito adquirido, como fez, por exemplo, o 2. do art. 41 do ADCT, quando da promulgao da CF/88.Alm disso, deve-se distinguir a norma constitucional produto do poder constituinte originrio, da norma constitucional oriunda do labor do poder reformador, tambm conhecido como poder constituinte derivado. A primeira, quando afirmar de modo expresso sua prpria retroao, no respeita direitos adquiridos, at porque no existem normas de hierarquia superior em face das quais sua validade pudesse ser cotejada. J a segunda espcie de norma constitucional, elaborada conforme a Carta Poltica posta, submete-se s limitaes formais e materiais estabelecidas pelo constituinte originrio, regramentos que lhe antecedem, e que lhe so superiores. Entre esses regramentos, no caso da Constituio Brasileira de 1988, est o respeito aos direitos fundamentais, entre os quais est arrolado odireito adquirido.Assim, e em suma, no existe direito adquirido contra a Constituio, mas apenas se se estiver cogitando de norma nela introduzida pelo poder constituinte originrio, e que afirme expressamente a inoponibilidade de direitos adquiridos s suas disposies. Em todas as demais hipteses, especialmente em se tratando de norma veiculada pela atuao do poder constituinte derivado, o respeito ao direito adquirido medida que se impe como condio para sua validade.3.3. A EC 41/2003 e o direito adquirido a vencimentos no reduzidos pela exaoQuanto incidncia da contribuio prevista no 18 do art. 40 da CF queles j aposentados e pensionistas no momento do incio de sua vigncia, interessante notar, de incio, que a EC 41/2003 no a determina expressamente. Em outras palavras, no h no dispositivo em questo uma prescrio clara no sentido de que sejam onerados os j aposentados, podendo-se entender que a exao seria devida apenas por aqueles que, aps a sua vigncia, reunissem as condies para a aposentadoria, ou para o recebimento de penso.Seja como for, caso se entenda que a contribuio de que se cuida efetivamente destina-se a onerar os que j eram aposentados e pensionistas quando do incio de sua vigncia, ao rol de suas inconstitucionalidades dever ser includa a violao ao direito adquirido, e irredutibilidade de proventos.A reduo dos proventos, levada a efeito pela incidncia da contribuio, de tamanha evidncia que dispensa maiores digresses. Para tentar mitig-lo, a nica afirmao que tem sido feita, e que no resiste a um exame cuidadoso, a de que a garantia de irredutibilidade no configura uma imunidade tributria, no podendo afastar a incidncia de tributos.Ora, os proventos realmente no so imunes. Precisamente por isso, alis, submetem-se aos mesmos tributos que oneram os rendimentos em geral. Ocorre que, com a contribuio dos inativos, tem-se um tributo que onera nica e exclusivamente os aposentados e pensionistas. Essa exclusividade na incidncia do tributo faz com que o mesmo configure, claramente, apenas um outro nome para a pura e simples diminuio dos proventos e penses. Que diferena faz, a propsito, diminuir os proventos em 11%, ou submet-los a uma contribuio especfica de 11%? A resposta , com toda a segurana: no faz nenhuma diferena.Por outro lado, o fato gerador do direito aposentadoria no depende do pagamento da contribuio dos inativos, que no o integra. Alis, referido fato gerador no depende de qualquer outra circunstncia ou evento posterior aquisio do direito aposentadoria. O recebimento de uma aposentadoria, por isso, diferente do recebimento de um salrio, eis que este ltimo tem como fato gerador o trabalho durante o ms anterior, enquanto o fato gerador do direito ao provento, ou penso, a situao que culminou na concesso da aposentadoria, ou da penso, que restou consolidada no passado. O que o aposentado faz no ms imediatamente anterior ao pagamento do provento , em princpio, irrelevante para determinar o nascimento do direito a esse mesmo provento17.Pode-se dizer, por isso mesmo, que a lei que regula o direito aposentadoria, e penso, incide sobre os fatos nela previstos, gerando o direito aposentadoria e produzindo efeitos continuados, no futuro, pela prpria natureza do direito aposentadoria. Em outros termos, o pagamento da aposentadoria, ou da penso, apenas um efeito de uma incidncia que se aperfeioou no passado, e que por isso mesmo no pode mais ser alterado sob pena de violao ao direito adquirido, e ao princpio basilar de irretroatividade das leis. Administrativistas de respeito falam inclusive, como j foi acenado acima, que a aposentadoria do servidor umvencimento diferido, porque oriundo do trabalho j desempenhado no passado18.A esse respeito, Para Paulo Roberto Lyrio Pimenta lembra que os (hoje) inativos ingressaram no servio pblico sabendo que iriam auferir, aps o preenchimento de determinados requisitos, aposentadoria integral, a qual representaria uma contraprestao do Estado pelas contribuies recolhidas ao longo de vrios anos, as quais, inclusive, incidiram sobre a totalidade dos vencimentos dos servidores, sem limitaes. Assim, conclui, uma srie de atos jurdicos foi praticada pelos servidores, com base em tais hipteses normativas. No pode, portanto, aps a concesso do benefcio ou da satisfao dos requisitos necessrios outorga de tal vantagem o servidor ser surpreendido com modificao normativa que importa em diminuio do benefcio pretendido. Vale dizer, o servidor que contribuiu para auferir um benefcio x, no pode futuramente receber um benefcio x-1. Isso infringe, inquestionavelmente, o princpio da segurana jurdica19.Nem se argumente, no caso, que o direito adquirido, como os direitos fundamentais de uma maneira geral, so direitos do cidado contra o Estado, no podendo por isso ser invocado pelos servidores pblicos. A premissa de que os direitos fundamentais so proteo docidadoem face do Estado verdadeira, mas a sua aplicao ao presente caso completamente impertinente, pois o servidor, ativo ou inativo, em suas relaes com o poder ao qual serve, ou serviu, cidado, e no est nesse momento agindo em nome do Poder Pblico. O servidor que maneja ao judicial contra o Estado, pugnando vencimentos atrasados, por exemplo, um cidado que litiga contra o poder pblico exatamente como o o contribuinte que pugna pela restituio de tributos pagos indevidamente.Assim, o fato de o cidado protegido pelo direito adquirido estar opondo esse direito ao Poder Pblico na condio de servidor pblico aposentado, ou de pensionista, no altera essa realidade. Serve, apenas, para mostrar a tais servidores, e aos seus pensionistas, e tambm aos que um dia estaro nessa condio (embora hoje imaginem que esse dia ainda est ainda muito distante), que as garantias do cidado devem ser respeitadas sempre, e que a defesa dos interesses do Estado tm limites na Constituio e nos valores por ela protegidos.20

Agora que amargam os efeitos do arbtrio estatal, muitos desses servidores esto percebendo que autoridades so apenas alguns, e s durante algum tempo, enquanto cidados somos todos ns e durante toda a vida . curioso perceber, ainda, que muitos dos que defendem a necessidade de se exigir uma contribuio de aposentados e pensionistas geralmente referem-se garantia do direito adquirido de modo negativo, pejorativo, com referncias tais como abusos adquiridos. Pugnam pela mitigao da garantia, chegando ao cmulo de pretend-la, tal como ocorreu em face da ditatorial Carta de 1937, relegada apenas ao plano da lei ordinria. curioso que essas mesmas pessoas, em geral, defendem com igual energia o pagamento incondicional e irrefletido dos juros da dvida pblica, sem qualquer questionamento quanto sua abusividade, em face do respeito aos contratos, respeito que por sinal est positivado no mesmo dispositivo da Constituio. Atestam, com isso, o acerto de Pontes de Miranda, para quem...(...) o capitalismo nenhuma condescendncia tem, quando prejudicial ao seu interesse, com os princpios jurdicos, muito embora esteja sempre pronto a defend-los, com a maior energia, quando coincidam os seus interesses21.ConclusesEm razo do que foi visto ao longo deste texto, -nos facultado concluir, em sntese, que a contribuio dos inativos um adicional do imposto de renda, devido apenas pelos aposentados e pensionistas do servio pblico, e cujo produto da arrecadao destina-se, em tese, ao custeio da aposentadoria de outros servidores pblicos, no futuro. Tal exao, entretanto, inconstitucional, mesmo depois de prevista em Emenda Constitucional, por ofensa ao art. 60, 4., I e IV, da CF/88, eis que:a) agride o princpio da isonomia, pois configura majorao do imposto de renda devida apenas por quem aposentado ou pensionista do servio pblico;b) malfere o pacto federativo, pois representa uma majorao do imposto de renda que no partilhada pela Unio com Estados e Municpios, nos termos em que determinado pelo art. 159, I, da CF/88;c) ainda que contribuio fosse, a exao seria de qualquer sorte contrria ao princpio da proporcionalidade, pois configura instrumento inapto, desnecessrio e, acima de tudo, excessivo, para corrigir o alegado dficit da seguridade social;d) contrria ao princpio da razoabilidade, visto que foge ao senso comum que algum contribua para aposentar-se j estando aposentado, ou contribua para o recebimento de uma penso da qual j beneficirio;e) viola o princpio da capacidade contributiva, e a vedao ao confisco, pois incidncia, considerada em conjunto com a do imposto de renda das pessoas fsicas, implica nus superior a 38% dos rendimentos do aposentado, ou do pensionista;Os vcios acima apontados tornam invlida a expressoe inativos e pensionistasinserida nocaputdo art. 40 da CF/88, e todo o 18 que nele foi encartado. Por conseguinte, impedem a instituio da contribuio dos inativos, seja qual for o tratamento intertemporal que se lhe d. Muitos deles, a propsito, j foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da contribuio instituda pela Lei n. 9.783/99. Por essa razo, se houver coerncia com as premissas do posicionamento anterior, a exao h de ser declarada inconstitucional, mais uma vez, pois a armadura que lhe confere o veculo emenda constitucional no a habilita a arrostar as clusulas imodificveis da Constituio.Entretanto, deve-se considerar, em relao queles j aposentados, ou j pensionistas, ou j detentores do direito de assim serem considerados, a proteo ao direito adquirido. Diante dessa proteo, que naturalmente deve ser respeitada tambm por normas veiculadas atravs de Emenda Constitucional, a contribuio dos inativos, ainda que vlida venha a ser considerada pelo STF, somente poderia ser exigida daqueles que adquirissem o direito aposentadoria aps o incio da vigncia das normas que a criaram.___________________1No ltimo debate televisionado entre os candidatos que concorriam ao segundo turno das eleies presidenciais de 2002, realizado pela Rede Globo, o ento candidato Luis Incio Lula da Silva foi indagado por um telespectador a respeito, e afirmou, peremptoriamente, que no oneraria aposentados e pensionistas com tal contribuio.2STF - ADInMC 2010/DF DJ de 12.04.2002, p. 51, precedente que, depois, serviu de paradigma para o STF declarar a inconstitucionalidade de contribuies semelhantes institudas pelos Estados-membros sobre seus servidores aposentados, e sobre seus pensionistas.3Marco Aurlio Greco, Contribuies (uma figura sui generis), So Paulo: Dialtica, 2000, p. 138.4Hamilton Dias de Souza, Contribuies especiais, em Curso de Direito Tributrio, coord: Ives Gandra da Silva Martins, 7. ed., So Paulo, 2000, p. 491 e seguintes.5Para Sacha Calmon Navarro Coelho, essas contribuies tm, em verdade, natureza de imposto, tanto que se submetem ao rito jurdico prprio dos impostos residuais (Cf. As Contribuies Especiais no Direito Tributrio Brasileiro, em Justia Tributria livro de apoio do 1. Congresso Internacional de direito tributrio IBET, So Paulo: Max Limonad, 1998, p. 785).6Como anota Sacha Calmon Navarro Coelho, as contribuies devidas por empregados e servidores pblicos so verdadeiras contribuies, e por isso mesmo so proporcionais ao salrio percebido, na miranda de mant-lo ou t-lo em determinada proporo no momento da aposentao, quando se apresentar a contraprestao do Estado (retribuio) (Cf. As Contribuies Especiais no Direito Tributrio Brasileiro, em Justia Tributria livro de apoio do 1. Congresso Internacional de direito tributrio IBET, So Paulo: Max Limonad, 1998, p. 791, grifamos).7STF - ADInMC 2010/DF DJ de 12.04.2002, p. 51.8Celso Antonio Bandeira de Mello, O Contedo Jurdico do Princpio da Igualdade, 3. ed., So Paulo: Malheiros, 1993, p. 38.9Sacha Calmon Navarro Coelho, A Tributao dos Inativos, em Revista Dialtica de Direito Tributrio n. 103, p. 168.10Amlcar de Arajo Falco, Sistema Tributrio Brasileiro discriminao de rendas, Rio de Janeiro: Edies Financeiras, 1965, p. 12.11H muito apontamos o uso deturpado de contribuies, pela Unio, como forma de fraudar a partilha de competncias e de receitas tributrias (Contribuies Sociais Gerais e a Integridade do Sistema Tributrio Brasileiro, artigo publicado no livro Grandes Questes Atuais do Direito Tributrio 6. vol, So Paulo: Dialtica, 2002, p. 171; Perfil Constitucional das Contribuies de Interveno no Domnio Econmico, artigo publicado na Revista Frum de Direito Tributrio n. 01, jan/fev 2003, p. 137). Com o advento da EC 42/2003, a propsito, tentou-se atenuar essa fraude, com a determinao de que seja partilhado o produto da arrecadao da contribuio a que alude o art. 177, 4. da CF/88 (art. 159, III, 4.). uma demonstrao, pelo menos, de que Estados e Municpios tm ainda algum poder poltico, e o esto utilizando para manter, pelo menos em parte, a Federao que em 1988 se pretendeu no Brasil implantar (Confira-se, a propsito, As Contribuies no Sistema Tributrio Brasileiro, artigo escrito em co-autoria com Raquel Cavalcanti Ramos Machado, publicado no livro As Contribuies no Sistema Tributrio Brasileiro, coord. Hugo de Brito Machado, So Paulo/Fortaleza: Dialtica/ICET, 2003, p. 269).12STF - ADInMC 2010/DF DJ de 12.04.2002, p. 51.13Sua contribuio, em verdade, poder ser at mesmo inferior, considerando-se que a alquota de 11% a maior em uma escala progressiva que se inicia em 8%.14Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, e tambm J. E. Abreu de Oliveira, citados por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 10. ed., So Paulo: Atlas, 1999, p. 382.15Sacha Calmon Navarro Coelho, A Tributao dos Inativos, em Revista Dialtica de Direito Tributrio n. 103, p. 169.16STF - ADInMC 2010/DF DJ de 12.04.2002, p. 51.17O aposentado e o pensionista podem, certo, praticar fatos que impliquem a perda do direito ao benefcio, mas deve-se lembrar que tambm esses fatos ho de estar disciplinados na lei vigente ao tempo da aquisio do direito aposentadoria, ou penso, como aptos produo desse efeito.18Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, e tambm J. E. Abreu de Oliveira, citados por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 10. ed., So Paulo: Atlas, 1999, p. 382.19Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Da Contribuio dos Inativos para a Seguridade Social: Inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 41/2003, em Revista Dialtica de Direito Tributrio n. 103, p. 123.20Hugo de Brito Machado, Uma Introduo ao Estudo do Direito, So Paulo: Dialtica, 2000, p. 27.21Pontes de Miranda, Comentrios Constituio de 1967, com a emenda n. 1 de 1969, So Paulo: RT, 1970, v.2, p. 510.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI4912,81042-A+contribuicao+dos+inativos