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ALGUNS QUESTIONAMENTOS EM TORNO DA EXECUÇÃO FISCAL Hugo de Brito Machado Segundo * 1. Introdução Está cada vez mais presente, na elaboração, na interpretação e na aplicação das normas processuais, a idéia de efetividade da prestação jurisdicional, e de submissão do processo a uma aplicação ponderada dos princípios constitucionais. Essa, pelo menos, foi a inspiração das últimas reformas havidas no Código de Processo Civil (CPC). Quando se trata, porém, de processo destinado a resolver conflitos entre o cidadão contribuinte e o Estado, notadamente quando este atua na condição de cobrador de tributos (Fisco), o referido debate e os valores a ele subjacentes perdem um pouco de sua clareza. A natureza peculiar e mais específica da lide tributária faz com que a efetividade da jurisdição algumas vezes seja invocada, mas outras não, sem que se entenda o porque de sua importância em um caso e de seu papel secundário no outro. Muito pertinente, por isso, a escolha, pelo Professor Ives Gandra da Silva Martins, do tema Execução Fiscal para o próximo Simpósio de Direito Tributário, a ser realizado pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) em São Paulo, no ano de 2008. As perguntas a serem respondidas revelam o quanto o tema efetividade tem sido considerado de forma desigual e desbalanceada pelo legislador e pelo aplicador da norma processual tributária, desequilíbrio este que se está tornando patente com a chegada da onda reformadora à terceira modalidade de tutela jurisdicional, que é a tutela executiva. Honrados com o convite para participar do livro que, como de costume, é composto dos textos nos quais se analisam as questões a serem debatidas no Simpósio, optamos por estruturar o presente estudo da seguinte forma: abordaremos primeiro as idéias subjacentes às seis perguntas, fundamentando as respostas que, sumariamente, forneceremos ao final. 2. Garantias constitucionais processuais e restrições possíveis A primeira das questões formuladas, que de certa forma confere fundamento ou premissa para o raciocínio a ser desenvolvido para se responderem as demais, diz respeito à possibilidade de o legislador infraconstitucional estabelecer “redução” do conceito de ampla defesa administrativa e judicial, consagrado em garantia constitucional processual. * Advogado. Mestre em Direito pela UFC. Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Conselheiro Seccional (Triênio 2007/2009) da OAB/CE. Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários. Professor de Processo Tributário da pós-graduação da Unifor. Professor da Faculdade Christus, e da Faculdade Farias Brito. MACHADO SEGUNDO, Hugo de brito. . Alguns questionamentos em torno da execução fiscal. In: Ives Gandra da Silva Martins. (Org.). Execução fiscal. 1 ed. São Paulo: RT, 2008, v. 14, p. 269-292.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Alguns Questionamentos Em Torno Da Execução Fiscal (Coord. Ives Gandra)

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Artigo em torno de aspectos controvertidos da execução fiscal e dos embargos à execução em matéria tributária.

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ALGUNS QUESTIONAMENTOS EM TORNO DA EXECUÇÃO FISCAL

Hugo de Brito Machado Segundo*

1. IntroduçãoEstá cada vez mais presente, na elaboração, na interpretação e na aplicação das

normas processuais, a idéia de efetividade da prestação jurisdicional, e de submissão do processo a uma aplicação ponderada dos princípios constitucionais. Essa, pelo menos, foi a inspiração das últimas reformas havidas no Código de Processo Civil (CPC).

Quando se trata, porém, de processo destinado a resolver conflitos entre o cidadão contribuinte e o Estado, notadamente quando este atua na condição de cobrador de tributos (Fisco), o referido debate e os valores a ele subjacentes perdem um pouco de sua clareza. A natureza peculiar e mais específica da lide tributária faz com que a efetividade da jurisdição algumas vezes seja invocada, mas outras não, sem que se entenda o porque de sua importância em um caso e de seu papel secundário no outro.

Muito pertinente, por isso, a escolha, pelo Professor Ives Gandra da Silva Martins, do tema Execução Fiscal para o próximo Simpósio de Direito Tributário, a ser realizado pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) em São Paulo, no ano de 2008. As perguntas a serem respondidas revelam o quanto o tema efetividade tem sido considerado de forma desigual e desbalanceada pelo legislador e pelo aplicador da norma processual tributária, desequilíbrio este que se está tornando patente com a chegada da onda reformadora à terceira modalidade de tutela jurisdicional, que é a tutela executiva.

Honrados com o convite para participar do livro que, como de costume, é composto dos textos nos quais se analisam as questões a serem debatidas no Simpósio, optamos por estruturar o presente estudo da seguinte forma: abordaremos primeiro as idéias subjacentes às seis perguntas, fundamentando as respostas que, sumariamente, forneceremos ao final.

2. Garantias constitucionais processuais e restrições possíveisA primeira das questões formuladas, que de certa forma confere fundamento ou

premissa para o raciocínio a ser desenvolvido para se responderem as demais, diz respeito à possibilidade de o legislador infraconstitucional estabelecer “redução” do conceito de ampla defesa administrativa e judicial, consagrado em garantia constitucional processual.

* Advogado. Mestre em Direito pela UFC. Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Conselheiro Seccional (Triênio 2007/2009) da OAB/CE. Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários. Professor de Processo Tributário da pós-graduação da Unifor. Professor da Faculdade Christus, e da Faculdade Farias Brito.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de brito. . Alguns questionamentos em torno da execução fiscal. In: Ives Gandra da Silva Martins. (Org.). Execução fiscal. 1 ed. São Paulo: RT, 2008, v. 14, p. 269-292.

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Na verdade, o que tem ocorrido é que, diante da popularização, no Brasil, de teorias em torno dos direitos fundamentais, banalizou-se demasiadamente a idéia de que tais direitos são “relativos”. Diante disso, muitos são os que repetem, de forma automática e acrítica, que direitos fundamentais não são absolutos, mas poucos se dão ao trabalho de explicar por que, e como essa relativização pode acontecer. Daí para a “relatividade” servir de mero pretexto, ou verniz, para dar aparência – mas só aparência – de legitimidade aos mais variados abusos, é um passo muito curto, que não raras vezes é dado pelos que procuram defender a validade dos atos do Poder Público.

É preciso esclarecer, contudo, que direitos fundamentais são relativos porque ao prestigiar um deles de forma demasiada, corre-se o risco de malferir outro. Exemplificando, se for levada às últimas conseqüências a norma constitucional que preconiza a proteção à livre iniciativa, outra norma, de igual hierarquia e igualmente importante, que preconiza a proteção ao meio ambiente, pode ser amesquinhada em seus efeitos. E vice-versa. Daí o fato de serem positivados em normas que, em regra, tem estrutura de princípio, donde decorre a necessidade de se encontrar um ponto de equilíbrio entre os diversos mandamentos constitucionais que consagram direitos fundamentais.

Em termos bastante simples, portanto, a relatividade consiste na necessidade de conciliação dos vários direitos fundamentais, que, se fossem absolutos, seriam incompatíveis entre si.

Por isso, a “relativização” de um direito fundamental só se justifica quando estritamente necessária à efetivação de um outro direito fundamental. Daí falar-se, no âmbito da Teoria do Direito e do Direito Constitucional, do princípio da proporcionalidade, segundo o qual um meio que representa “restrição” a um direito fundamental pode ser empregado, desde que, cumulativamente: i) seja adequado para prestigiar um outro direito fundamental (que deve ser apontado); ii) seja necessário para tanto, vale dizer, não existam outros meios que também sejam adequados e que não impliquem restrição ao direito fundamental de que se cuida; e iii) seja proporcional em sentido estrito, vale dizer, seu emprego, além de adequado ao prestígio de um direito fundamental, e necessário, na medida em que não existam outros também adequados e menos gravosos, traga mais vantagens do que desvantagens, ou, dizendo de uma outra forma, traga maior acréscimo à efetividade do princípio que visa a efetivar do que decréscimo àquele que por ele é restringido.

Dito isso, parece claro que o direito de defesa, tanto na via administrativa como na via judicial, pode ser objeto de algumas restrições. Mas é preciso explicá-las, e fundamentar por que são válidas.

É o caso, por exemplo, da existência de um prazo para a apresentação de defesa, no âmbito do processo administrativo tributário. Trata-se de restrição, mas perfeitamente admissível, pois visa a evitar que a oportunidade de defesa no processo seja usada para destruir o próprio processo, inviabilizando-o pela inércia de uma das partes. O mesmo pode ser dito dos prazos processuais, destinados a conferir celeridade ao processo; dos prazos prescricionais, que conciliam o direito a uma prestação jurisdicional efetiva com o direito à segurança jurídica, e assim por diante.

Entretanto, sempre que a restrição não for adequada, necessária e proporcional em sentido estrito para garantir a efetividade de outro princípio constitucional, ou seja,

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sempre que não encontrar como justificativa a sua indispensabilidade para assegurar o respeito a outro princípio constitucional, será inválida.

Seria o caso, por exemplo, de uma lei que estabelecesse a extinção dos Conselhos de Contribuintes. Essa medida não seria adequada para realizar nenhum princípio constitucional. E mesmo que se admitisse que, com ela, haveria maior celeridade na cobrança dos tributos (que não deixa de ter amparo constitucional), mesmo assim sua invalidade persistiria, pois existem outras formas – menos ofensivas ao direito de defesa do contribuinte – de se obter essa celeridade. E mesmo que não existissem, o preço a pagar seria muito alto, pois para dar um pouco mais de rapidez ao processo administrativo, acabar-se-ia, por completo, com o próprio processo administrativo, pelo menos no que pertine à sua fase mais independente e imparcial, na qual ainda se obtêm algum controle de legalidade dos atos da administração tributária.

Tais noções serão muito úteis quando da abordagem, por exemplo, da proposta da execução fiscal administrativa, e de expedientes indiretos de cobrança do crédito tributário, como o protesto de CDAs, assuntos que serão tratados mais adiante.

Mas não só.

Se a legislação infraconstitucional já previa a possibilidade de exercício do direito de defesa, na via administrativa, em 1988, ou em qualquer outra data, o legislador terá ainda um outro limite a observar, se pretender estabelecer restrições a esse direito. Trata-se do princípio da proibição do retrocesso, também conhecido como effet cliquet, segundo o qual o Estado não pode suprimir a regulamentação já conquistada para um direito fundamental, deixando-o ineficaz, a menos que crie mecanismos de compensação para evitar a perda de efetividade.

É exatamente o que ocorre no âmbito do processo tributário. O fato, por exemplo, de ainda existirem Municípios nos quais não há efetiva regulamentação do processo administrativo tributário, com a previsão de recursos, julgamentos colegiados etc., não autoriza a União, nem Estados e Municípios nos quais já existem leis regulamentando detalhadamente tais garantias processuais, de simplesmente as revogar. É o caso do disciplinamento legal já existente em torno do direito de defesa: não pode ser revogado, suprimido ou mesmo reduzido em sua abrangência, sem que se criem mecanismos de compensação que impeçam a mudança de representar uma restrição (v.g., é possível a extinção de um recurso administrativo, desde que outro recurso equivalente seja criado, como forma de compensação). Em todo caso, a redução do conceito de ampla defesa, nos termos em que já regulamentado, não pode validamente acontecer, por representar retrocesso na conquista dos direitos fundamentais.

3. A reforma do CPC e a execução fiscal3.1. Algumas distinções entre a execução fiscal e a execução disciplinada no CPC

Aspecto atualmente ainda controvertido, tanto na doutrina como na jurisprudência, diz respeito à aplicabilidade, em relação à execução fiscal, das disposições constantes do Código de Processo Civil. Principalmente depois das últimas reformas por que passou esse diploma legal, notadamente na parte dedicada ao processo de execução.

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Considerando que a execução fiscal é uma execução forçada de título extrajudicial, e que a Lei 6.830/80, que a disciplina, reclama a aplicação subsidiária do CPC, não são poucos, principalmente nos Tribunais, que vêm aplicando de modo um tanto indiscriminado as disposições reformadas do CPC ao processo executivo fiscal.

Tais transposições (do CPC para a execução fiscal), contudo, devem ser feitas somente depois de devidamente refletidos dois aspectos da maior importância, não raro ignorados: i) a execução fiscal e o crédito a ela subjacente têm peculiaridades em relação à execução, movida por particular contra outro, de um título de crédito ou de um contrato qualquer; ii) a lei de execução fiscal, mais específica, atrai as disposições do CPC apenas naquilo em que for omissa, sendo precisamente esse o conceito de aplicação subsidiária.

Quanto às distinções entre a execução fiscal e a execução regida pelo CPC, seu destaque é importante tendo em vista que o Direito não deve ser estudado apenas em seu aspecto normativo, pelo qual se exprime, mas também em virtude dos fatos, e dos valores – caros à sociedade e ao ordenamento do qual ela é autora e destinatária - que se lhes atribuem. É importante, pois, conhecer a realidade subjacente às normas do CPC, e aquela da qual cuidam as normas da Lei 6.830/80, antes de se decidir até que ponto as primeiras aplicam-se aos fatos regidos pelas segundas.

O primeiro aspecto a ser lembrado é a forma como os títulos executivos, que as aparelham, são constituídos.

Esse dado é da maior relevância.

Os títulos executivos em geral são formados pela vontade do devedor. É dele a assinatura na nota promissória, seja como emitente, avalista ou endossante. O mesmo pode ser dito de contratos, cheques, letras de câmbio... Já a certidão de dívida ativa decorre de uma obrigação de natureza compulsória, vale dizer, ex lege. A vontade não lhe serve de ingrediente formador.

E qual a relevância dessa distinção? Toda. Em relação às obrigações decorrentes da vontade, é menor, muito menor, a possibilidade de que a dívida, embora espelhada em título executivo formado pelo próprio devedor, não exista ou seja inválida. O mesmo não pode ser dito de um título fabricado unilateralmente pelo credor, e que não tem nascimento na vontade do devedor mas na particular interpretação dada pelo credor à lei e aos fatos. A possibilidade de esse segundo título executivo espelhar suposta obrigação que em verdade não existe, ou é inválida, é muitas vezes superior.

Essa distinção entre a formação dos dois tipos de título executivo justifica, seguramente, que os processos que visam à sua satisfação não sejam os mesmos.

Mas não é só isso.

Na execução comum, movida por um particular contra outro, a eventual cobrança em excesso pode ser reparada com o uso dos mesmos instrumentos. Há igualdade de armas. O art. 694, § 2.º do CPC, por exemplo, preconiza que “no caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença.”

Esse recebimento, ao que nos parece, poderá acontecer no âmbito do próprio processo de execução, como conseqüência da procedência dos pedidos feitos nos

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embargos. Do contrário, o dispositivo não faria sentido algum, pois é evidente que tal resultado poderia ser obtido, independentemente dele, em ação própria. Assim, em suma, a execução, caso tenha continuidade e implique a satisfação de um crédito indevido, contém mecanismos para que se retorne ao status quo ante, deixando o executado, vitorioso nos embargos, em situação bastante próxima àquela em que estaria se seus embargos houvessem sido recebidos com o efeito suspensivo, ou mesmo se nunca tivesse sido executado.

Isso não ocorre no âmbito da execução fiscal. Não são iguais os instrumentos disponíveis para o Estado, e para o cidadão, na cobrança de seus créditos um do outro. O art. 100 da CF/88 é demonstração suficiente disso, e o simples fato de, diante da satisfação açodada de crédito indevido, ter-se de recorrer ao precatório, que quando é pago ainda é, não raro, parcelado em até 10 (dez) anos, revela que, se na execução entre particulares os embargos podem eventualmente não ter efeito suspensivo, o mesmo não é admissível no âmbito da execução fiscal, sob pena de a efetividade da tutela recursal restar não apenas diminuída, ou relativizada, mas inteiramente suprimida.

É o caso de recordar que, se União, atualmente, tem pago, ainda que com atraso, seus precatórios, o mesmo não ocorre com diversos Estados e Municípios. E nem sempre a compensação é admitida pela jurisprudência, sendo mesmo, em alguns casos, dependendo da atividade ou da condição do contribuinte, factualmente impossível. Isso pode fazer com que seja de difícil ou mesmo de impossível reparação o dano causado pela execução indevida, tornando sem efeito o direito a uma tutela jurisdicional útil, buscado pelo executado através da oposição dos embargos.

3.2. O art. 739-A do CPC e a suspensão da execução fiscal pela oposição dos embargos

Toda a discussão em torno do efeito da oposição dos embargos à execução fiscal – se suspensivo, ou não – gira em torno da revogação do art. 739 do CPC1, e da aplicação “subsidiária” do art. 739-A inserido no mesmo Código. Este último, a propósito, dispõe:

“Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.

§ 1.º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.

§ 2.º A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram.

§ 3.º Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.

1 O art. 739, § 1.º do CPC, atualmente revogado, dispunha: “§ 1o Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo.”

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§ 4.º A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante.

§ 5.º Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.

§ 6.º A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.”

Não são poucos os magistrados que, diante dessa disposição, passaram aplicá-la à execução fiscal, recebendo embargos de contribuintes apenas no efeito devolutivo. Para tanto, afirmam que a Lei 6.830/80 não contém nenhuma disposição determinando o recebimento dos embargos no efeito suspensivo.

Sem razão.

Primeiro, por conta da já apontada diferença, significativa, entre a execução fiscal e a execução regida pelo CPC. Tanto no que toca à formação do título (que torna maior a possibilidade de execuções ficais indevidas), como no que pertine à posterior reparação de cobrança indevida ou excessiva (que torna mais difícil, e em alguns casos impossível, a devolução da quantia indevidamente extraída do patrimônio do executado).

Segundo, porque a Lei 6.830/80 tem, sim, diversas disposições que determinam, de forma clara e expressa, a atribuição de efeito suspensivo aos embargos. É conferir.

Nos seus artigos 17 e 18 consta:

“Art. 17 - Recebidos os embargos, o Juiz mandará intimar a Fazenda, para impugná-los no prazo de 30 (trinta) dias, designando, em seguida, audiência de instrução e julgamento.

Parágrafo Único - Não se realizará audiência, se os embargos versarem sobre matéria de direito, ou, sendo de direito e de fato, a prova for exclusivamente documental, caso em que o Juiz proferirá a sentença no prazo de 30 (trinta) dias.

Art. 18 - Caso não sejam oferecidos os embargos, a Fazenda Pública manifestar-se-á sobre a garantia da execução.”

Vale dizer, se os embargos forem interpostos, o próximo ato a ser praticado pelo juiz é a determinação de que se intime a Fazenda para oferecer, querendo, impugnação. Só se não forem oferecidos é que a Fazenda se manifestará sobre a garantia. Por outras palavras, clara manifestação no sentido de que a oposição dos embargos interrompe a prática dos atos de execução, iniciando-se a fase cognitiva, a ser exercida em processo apartado que impõe ao rito executivo que o aguarde.

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Mas, reconhecemos, alguém ainda poderia dizer que se trata de interpretação particular que estamos dando ao texto legal. Nele não está escrito, textualmente, que essa suspensão ocorrerá. Continuemos, pois, na análise da Lei 6.830/80.

Em seguida, seu art. 19 estabelece:

“Art. 19 - Não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias:

I - remir o bem, se a garantia for real; ou

II - pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados na Certidão de Divida Ativa pelos quais se obrigou se a garantia for fidejussória.” (grifou-se a expressão “não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos”)

Aqui, não há apenas mensagem implícita. Maior clareza impossível: a execução somente terá seguimento, no caso de garantia prestada por terceiro, caso não seja embargada, ou caso os embargos oferecidos tenham sido rejeitados. A disposição abrange tanto a hipótese de penhora de bem de terceiro, como o oferecimento de fiança bancária.

Ainda assim, alguém que, ignorando as distinções apontadas no item anterior, ainda quisesse sustentar a ausência de norma expressa determinando a atribuição de efeito suspensivo à execução fiscal, poderia dizer que a norma referida aplica-se apenas no caso de garantia oferecida por terceiro. E, ainda assim, somente no caso de o credor pretender executar essa garantia. Nada impediria – nessa distorcida linha de raciocínio - a execução de, mesmo diante de garantia oferecida por terceiro, prosseguir contra o executado (o credor abriria mão da garantia dada pelo terceiro?), e, de qualquer modo, se a garantia houvesse sido oferecida pelo próprio executado, não se cogitaria de sua aplicação.

Tal argumento, contudo, não se sustenta.

Não conseguimos alcançar a razão para tamanha diferenciação. Por que apenas no caso de garantia oferecida por terceiro os embargos teriam efeito suspensivo? Há critério de descrímen razoável para essa distinção entre garantia própria e garantia de terceiro? Parece claro que não. Mas continuemos o exame da Lei 6.830/80.

O art.24, em seguida, é incisivo:

“Art. 24 - A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:

I - antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos;

(...)” (grifou-se a expressão “se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos”)

Mais uma vez, o condicionamento da continuidade dos atos executivos à não-oposição dos embargos, ou à rejeição destes. Dessa vez, trata-se da adjudicação, que

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mesmo para ser feita antes do leilão precisa aguardar a rejeição dos embargos, donde se conclui, por imposição lógica, que o ato que a ela seria posterior – o leilão – também não poderia ocorrer antes disso.

Será ainda possível defender que a Lei de Execuções Fiscais não determina a atribuição de efeito suspensivo aos embargos? Não está suspensa a execução no âmbito da qual uma fiança, um bem oferecido por terceiro, uma adjudicação de bens (mesmo se de propriedade do executado) e o próprio leilão dependem da rejeição dos embargos?

Será que alguém ainda pretenderá sustentar que o citado artigo só se aplica às adjudicações? Mas então por que nele se cogita de uma adjudicação anterior ao leilão, e mesmo essa é condicionada à rejeição dos embargos?

Com todo o respeito, não nos parece possível conciliar tais disposições com o disposto no art. 739-A do CPC.

E tem mais. Adiante, o art. 32 da Lei 6.830/80 determina:

“Art. 32 - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:

(...)

§ 2º - Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente.” (destacou-se a expressão “após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública”)

Caso a execução tenha sido garantida por depósito – ou pela penhora de dinheiro, que em depósito é convertida a teor do art. 11, § 2.º, da LEF – somente após o trânsito em julgado de decisão que julgue improcedentes os embargos o valor correspondente poderá ser entregue à Fazenda. Não será isso, por acaso, porque os embargos suspendem a execução?

Agora tomemos os artigos em conjunto:

- se a execução é garantida por fiança bancária ou dinheiro, só com a rejeição dos embargos pode prosseguir;

- se a execução é garantida com bens de terceiros, só com a rejeição dos embargos pode prosseguir;

- se a execução é garantia com bens do executado, sua adjudicação, ou o seu posterior leilão, são condicionados à rejeição dos embargos.

Vale dizer, seja qual for a modalidade de garantia, atos de alienação patrimonial dependem da não-oposição dos embargos, ou da rejeição destes.

Como, nesse contexto, pretender a aplicação subsidiária do art. 739-A do CPC? Com todo o respeito, trata-se de algo inteiramente inadmissível.

É verdade que não está escrito, textualmente, na Lei de Execuções, algo como o que constava do art. 739 do CPC. Mas o que consta dos arts. 18, 19, 24 e 32 é um texto

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que, embora formado por expressões diferentes, têm o mesmo sentido. Usando um exemplo colhido da ciência médica, pode-se fazer a seguinte analogia: a Lei de Execuções Fiscais não afirma “o homem morreu”, como afirmava o art. 739 do CPC. Mas afirma que seu coração parou de bater, que sua atividade cerebral cessou, e que seu funeral já foi concluído. Expressões distintas que, contudo, têm o mesmíssimo sentido.

Assim, e em suma, diante de tão claras disposições da Lei 6.830/80, que veicula normas mais específicas, evidentemente não se deve cogitar de aplicação “subsidiária” de normas mais gerais, contidas no Código de Processo Civil. Nem é preciso dizer, no caso, que só se cogita de aplicação subsidiária como forma de complementar eventuais omissões da lei a ser “subsidiada”, e não de sorte a contrariar o que nela se acha disposto.

3.3. A penhora on-line e o art. 185-A do CTNOutra modificação havida no CPC, em função da Lei 11.382/2006, e que tem

despertado controvérsia em torno de sua aplicabilidade à execução fiscal, diz respeito à possibilidade de decretação da indisponibilidade on-line de bens, inclusive contas bancárias.

A esse respeito, há norma no art. 185-A do CPC que dispõe:

“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

§ 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.

§ 2º Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.”

Já o Código de Processo Civil, tratando do mesmo assunto, determina que:

“Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

(...)

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado,

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podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

§ 1o As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.

§ 2o Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.

(...)

Art. 668. O executado pode, no prazo de 10 (dez) dias após intimado da penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao exeqüente e será menos onerosa para ele devedor (art. 17, incisos IV e VI, e art. 620).”

As disposições do CPC, como se observa, são bem mais favoráveis ao credor. Daí porque em alguns processos a Fazenda tem sustentado, e juizes têm admitido, a aplicação das disposições do CPC, em detrimento daquela contida no art. 185-A do CTN.

Tem a Fazenda preferido a aplicação do CPC, no caso, porque o art. 185-A do CTN, ao exigir cumulativamente a citação do devedor, o não pagamento, a não indicação de bens e a não localização de bens, trata a indisponibilidade on-line de bens como medida extrema e excepcional, a ser usada em último caso, o que não parecer ser o sentido das normas contidas no CPC.

Pensamos, contudo, que as disposições do CPC não podem ser aplicadas em detrimento do expressamente veiculado no Código Tributário Nacional.

Primeiro, porque o art. 185-A do CTN, nele inserido pela LC 118/2005, cuida de matéria reservada à lei complementar (CF/88, art. 146, III, “b”), pelo que, mesmo admitindo a não-fundamentada tese de que a reserva de lei complementar não é uma proibição dirigida ao legislador ordinário (que não pode invadi-la), mas uma inusitada proibição dirigida ao próprio legislador complementar, que não poderia ultrapassá-la (o que não ocorre com nenhuma outra espécie normativa), ainda assim, a matéria versada pela LC 118/2005 é reservada à lei complementar e, por isso, não pode ser modificada por lei ordinária.

Segundo, porque ainda que assim não fosse, vale dizer, ainda que o texto do art. 185-A do CTN tivesse sido veiculado em lei ordinária (v.g., na Lei 6.830/80), e se entendesse que a matéria não seria reservada à lei complementar, mesmo assim se estaria diante de mais um caso de conflito aparente entre normas, uma mais geral, e outra mais específica, devendo a última prevalecer sobre a primeira. Vale dizer, se não pelo critério hierárquico, pelo critério da especialidade o art. 185-A do CTN há inegavelmente de prevalecer.

Com efeito, trata-se de norma dedicada, especificamente, à execução do crédito tributário. É muito mais específica que a própria Lei 6.830/80, que disciplina a execução de qualquer quantia (tributária ou não), e, evidentemente, que o CPC, que trata do processo de execução em geral.

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Não se pode, sem grave ofensa às mais comezinhas noções de Teoria do Direito, dizer que a alteração no CPC “revogou” o art. 185-A do CTN. Sem falar na questão da identidade e da hierarquia da lei complementar, a maior especificidade deste torna irrelevantes as mudanças havidas na norma geral. Seria o mesmo que pretender, por conta de mudança no tipo penal relativo ao homicídio, pretender aplicá-la ao infanticídio, ou ao latrocínio.

A norma do CTN, por outro lado, é mais coerente, e compatível, com a distinção verificada entre a execução regida pelo CPC, e a execução fiscal, já apontada na parte inicial deste artigo. Sendo o crédito tributário de constituição unilateral, e às vezes até automática, a possibilidade de erros é maior.

4. Execução fiscal e formas indiretas de cobrança4.1. As sanções políticas e a jurisprudência a seu respeito

Em estudo sobre execução fiscal, não se pode deixar de mencionar a questão das sanções políticas, vale dizer, daqueles meios indiretos, coercitivos, restritivos de direitos fundamentais que não guardam qualquer relação com o tributo, usados como forma oblíqua de cobrança, à margem do devido processo legal.

Exemplificando, em vez de executar o contribuinte que considera seu devedor, oportunidade na qual ele poderia opor embargos e demonstrar eventual invalidade do débito, a Fazenda opta por negar a ele o direito de obter a impressão de documentos fiscais, ou de proceder a alterações societárias, de obter o registro de filiais etc. Tais atos, além de não permitirem a discussão em torno da exigência, implicam insuportável restrição a direitos fundamentais (às liberdades econômica e profissional), forçando o contribuinte a cumprir a exigência sem questioná-la.

A jurisprudência do STF, há muitas décadas, vem repelindo tais práticas, como se depreende de suas Súmulas 70, 323 e 547, adiante transcritas:

Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”

Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”

Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

A questão é que tais sanções políticas estão constantemente a ressurgir. Não só continuam sendo aplicadas em suas versões antigas, já reconhecidas como inconstitucionais, em total desrespeito ao entendimento do Judiciário (e alimentadas pela crença de que poucos contribuintes recorrem a ele), como são remodeladas e maquiadas, retornando com outras vestes na tentativa de parecerem constitucionais.

É o caso da pretensão da Fazenda Pública de protestar CDAs, e de inscrever o nome de contribuintes supostamente inadimplentes em cadastros como o SERASA. A “nova roupagem”, no caso, consiste na afirmação – verdadeira – de que tais práticas são

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adotadas pelos particulares em geral, sem que se veja nisso um problema. Por que não poderia o Fisco delas fazer uso?

4.2. Novamente a distinção entre a cobrança do crédito tributário e a cobrança de um crédito decorrente da vontade

Para responder a pergunta com a qual se encerrou o item anterior, que é também uma das que formula a coordenação do Simpósio, é necessário, uma vez mais, insistir na distinção entre a cobrança de crédito decorrente da vontade, e crédito ex lege.

O ato de levar a protesto um título de crédito consiste, basicamente, em provar e tornar público o inadimplemento, com uma finalidade específica: viabilizar a cobrança do valor protestado em face de eventuais co-obrigados. Se se trata de uma promissória, seus endossantes só poderão ser responsabilizados diante da prova de que o emitente não a honrou. Daí a necessidade do protesto.

Para que, então, precisaria a Fazenda do protesto de uma CDA, se a eventual responsabilidade de terceiros é ex lege e independe dele? O raciocínio é o mesmo aplicável à tentativa, pelo Fisco, de requerer a falência de um contribuinte, conduta incompatível com a própria natureza do crédito tributário (que não se submete a concurso de credores), e, por isso mesmo, corretamente repelida pelo STJ.2

O mesmo pode ser dito da inscrição no SERASA, e em outros cadastros de proteção ao crédito. Destinam-se a construção de um banco de dados no qual constem pessoas que não têm crédito, ou seja, em relação às quais o risco de se celebrar um negócio é maior. Em uma obrigação nascida da vontade, que depende desta para surgir, a confiança mútua das partes é importante para que tomem a decisão de celebrar, ou não, o negócio. Daí a importância de tais cadastros, e sua validade.

Mas para que precisaria a Fazenda de um cadastro desse tipo, se não depende de sua vontade, nem da vontade do contribuinte, o nascimento da dívida tributária? E mais, se não se pode impedir o contribuinte eventualmente inadimplente de exercer uma atividade econômica (e, por conseguinte, de continuar praticando fatos geradores e assumindo obrigações para com o fisco)?

Nos dois casos, de inscrição no SERASA e protesto da CDA, há evidente desvio de finalidade. Os propósitos que justificam, perante a ordem jurídica, tanto a inscrição como o protesto não estão presentes na cobrança do crédito tributário, sendo até mesmo incompatíveis com ele, permanecendo a prática de tais expedientes apenas como forma indireta e oblíqua de coagir o alegado devedor ao cumprimento do débito.

2 “PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA FORMULADO PELA FAZENDA PÚBLICA COM BASE EM CRÉDITO FISCAL. ILEGITIMIDADE. FALTA DE INTERESSE. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO. I - Sem embargo dos respeitáveis fundamentos em sentido contrário, a Segunda Seção decidiu adotar o entendimento de que a Fazenda Pública não tem legitimidade, e nem interesse de agir, para requerer a falência do devedor fiscal. II - Na linha da legislação tributária e da doutrina especializada, a cobrança do tributo é atividade vinculada, devendo o fisco utilizar-se do instrumento afetado pela lei à satisfação do crédito tributário, a execução fiscal, que goza de especificidades e privilégios, não lhe sendo facultado pleitear a falência do devedor com base em tais créditos.” (REsp 164.389/MG, Rel. Min. Castro Filho, Rel. p. Ac. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 2.S, j. em 13.08.2003, DJ de 16.08.2004, p. 130)

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4.3. Sanções políticas, protesto de CDA, inscrição no SERASA e (des)proporcionalidade

Se o fim da inscrição no SERASA e do protesto da CDA são os que apontamos parágrafos antes, seu uso, no âmbito tributário, é completamente inadequado, e, por conseguinte, inconstitucional por desproporcionalidade. Tal como qualquer outra sanção política.

Ainda que se admita o seu uso com fim diverso (?) daquele para o qual a ordem jurídica os prevê, vale dizer, ainda que se admita o seu uso com a finalidade de obter a satisfação do crédito tributário, ter-se-á de concluir que existem outros meios (a execução fiscal) também adequados para esse fim, e inegavelmente menos gravosos aos demais direitos fundamentais em jogo, como o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Quanto à desproporcionalidade dos diversos meios oblíquos dos quais a Fazenda faz uso para cobrar indiretamente – à margem do devido processo legal – os créditos que entende possuir, merecem transcrição alguns trechos do julgamento do RE 413.782-8/SC3, no qual o Supremo Tribunal Federal “revisitou” o tema das sanções políticas, há muito por ele repelidas, à luz do princípio da proporcionalidade.

O Ministro Marco Aurélio, por exemplo, observou:

“Recorra a Fazenda aos meios adequados à liquidação dos débitos que os contribuintes tenham, abandonando a prática de fazer justiça pelas próprias mãos, como acaba por ocorrer, levando a empresa ao caos, quanto inviabilizada a confecção de blocos de notas fiscais. De há muito, esta Corte pacificou a matéria, retratando o melhor enquadramento constitucional no Verbete nº 547 da Súmula:

‘Não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.’” 4

O Ministro Celso de Mello, no julgamento do mesmo RE, deixou fora de qualquer dúvida que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está sedimentada no sentido de que são inconstitucionais as restrições à livre iniciativa impostas em razão do não pagamento de tributo:

“Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro – e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários – , firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-

3 STF, Pleno, RE 413.782-8/SC, rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 17/03/2005, DJU de 03/06/2005, p. 04 e Revista Dialética de Direito Tributário nº 120, p. 222.4 Ministro Marco Aurélio, voto proferido no Recurso Extraordinário nº 413.782-8/SC, em 17/03/2005.

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se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTI).” 5

É interessante observar que o Supremo Tribunal Federal realmente “revisitou” o tema das sanções políticas à luz do princípio da proporcionalidade. Tanto que, em seu voto, o Ministro Marco Aurélio lembrou que “em Direito, o meio justifica o fim, mas não este, aquele. Recorra a Fazenda aos meios adequados à liquidação dos débitos que os contribuintes tenham, abandonando a prática de fazer justiça pelas próprias mãos...”6.

Tratando especificamente da proporcionalidade, que certamente inspirou as antigas Súmulas 70, 323 e 547 daquela Corte, o Ministro Cezar Peluso votou:

“A meu ver, sem dúvida nenhuma, é evidente a restrição, incompatível com as súmulas invocadas, não apenas a de nº 547, mas também as de nºs. 70 e 323, as quais tinham por suporte as normas do art. 141, § 14, da Constituição de 1946, e do art. 150, § 23, da Constituição de 1967, que enunciavam exatamente o que consta agora do art. 5º, inc. XIII, e 170, parágrafo único, da Carta atual. Não se trata aqui de aplicar as súmulas, mas aplicar o princípio constitucional que subjaz à motivação das súmulas. Noutras palavras, como bem antecipou o Ministro Gilmar Mendes, a ofensa é ao princípio da proporcionalidade, porque o Estado se está valendo de um meio desproporcional, com força coercitiva, para obter o adimplemento de tributo.”7

O Min. Gilmar Mendes, a propósito, fundado no princípio (ou postulado, aqui não discutiremos isso)8 da proporcionalidade, fez exame detido do (des)atendimento de seus sub-princípios, observando:

“Já no sentido da adequação, até poderia haver uma adequação entre meios e fins, mas certamente não passaria no teste da necessidade, porque há outros meios menos invasivos, menos drásticos e adequados para solver a questão. Por outro lado, é claro que a mantença deste modelo pode inviabilizar, conforme Vossa Excelência também destacou, o próprio exercício de uma lícita atividade profissional da recorrente.”9

Tais fundamentos aplicam-se, com perfeição, ao protesto de CDA e à inscrição do crédito tributário no SERASA. São meios inadequados para se chegar ao fim ao qual originalmente (e legitimamente) se destinam, e, conquanto possam ser, de fato, adequados à cobrança do crédito tributário, são desnecessários (pois há outros menos invasivos, menos drásticos e adequados para solver a questão).5 Ministro Celso de Mello, voto proferido no Recurso Extraordinário nº 413.782-8/SC, em 17/03/2005.6 STF, Pleno, RE 413.782/SC, Rel. Min. Marco Aurelio, j. em 17/3/2005, DJ de 3/6/2005, p. 4, RDDT 120/222, inteiro teor obtido em www.stf.gov.br7 STF, Pleno, RE 413.782/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 17/3/2005, DJ de 3/6/2005, p. 4, RDDT 120/222, inteiro teor obtido em www.stf.gov.br8 Para essa discussão, confira-se: Humberto Ávila, Sistema Constitucional Tributário, São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 41 a 43. E ainda: : Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado, “O razoável e o proporcional em matéria tributária”, em Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, 8.v., coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo: Dialética, 2004, p. 174.9 STF, Pleno, RE 413.782/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 17/3/2005, DJ de 3/6/2005, p. 4, RDDT 120/222, inteiro teor obtido em www.stf.gov.br

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5. Execução fiscal administrativa5.1. A proposta e seus fundamentos

Cogitou-se, no âmbito da Fazenda Nacional, de se levar a efeito uma alteração no disciplinamento jurídico da execução fiscal. A idéia, basicamente, era transferi-la para o âmbito administrativo.

Para justificar a proposta – que foi paradoxalmente defendida e discutida de forma reservada, sem a ampla divulgação do respectivo anteprojeto – invocava-se a ineficiência da sistemática atual, sua lentidão e seu favorecimento aos sonegadores, e ainda o seguinte:

a) em outros países, como na Itália, a experiência teria sido muito satisfatória, sendo certo que a sistemática teria sido adotada também nos Estados Unidos, na França, na Espanha, em Portugal e na Argentina;

b) a proposta preserva a livre-concorrência e a isonomia, prejudicadas pela existência de contribuintes que não pagam seus tributos e praticam preços mais reduzidos que os daqueles em dia com suas obrigações fiscais;

c) o Poder Judiciário, em face de sua formalidade, é lento e demorado, estando sobrecarregado com milhares de processos de execução fiscal. Transferir tais demandas para a via administrativa deixaria o Judiciário “livre” para ocupar-se de questões realmente importantes, e não meramente burocráticas como a condução de um processo executivo;

d) não haverá ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, pois o contribuinte sempre poderá levar ao Judiciário o exame a respeito da validade dos atos praticados pela Administração no âmbito da execução;

e) o Poder Judiciário não pode ser colocado na condição de “cobrador” de tributos, sendo sua função dirimir conflitos e não realizar atos burocráticos relativos à localização de devedores e à constrição e alienação de seus bens;

f) o processo de globalização em curso oferece novas oportunidades para a fraude e a sonegação fiscal, facilitando que vultosos recursos possam, rapidamente, ser postos fora do alcance da Administração Tributária.

São argumentos que merecem consideração. Apontam um problema que deve realmente ser resolvido, estando a questão em saber se a solução proposta é meio adequado e realmente necessário para isso.

5.2. Análise dos argumentos em defesa de uma execução administrativaQuanto ao argumento “a”, deve-se lembrar que outros países têm outra cultura,

outra realidade social, e outra Constituição. Neles, a forma como a Fazenda devolve as quantias que recebe indevidamente é diferente. A forma como se responsabilizam os agentes públicos por abusos eventualmente praticados também. Aliás, em muitos a própria tripartição de poderes tem, historicamente, perfil completamente distinto do nosso (v.g., França), o que torna inteiramente impertinente qualquer comparação.

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O argumento “b”, que invoca a isonomia e a livre concorrência, parte de diversas premissas não demonstradas, sendo a maior delas a suposta maior eficiência do Poder Executivo, em relação ao Judiciário, para promover a cobrança. Além disso, os fins não justificam os meios (que devem ser proporcionais a realização desses fins), pelo que o simples fato de uma cobrança mais eficiente igualar contribuintes que pagam e que não pagam não autorizam qualquer cobrança, à margem do devido processo legal. Seria preciso demonstrar que a execução administrativa é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito para realizar tais fins, sendo este o seu principal problema;

O argumento “c” encerra uma meia verdade.

Com efeito, o Poder Judiciário é lento, mas nada indica que a execução administrativa seja a melhor maneira de corrigir essa lentidão. Por outro lado, em diversos casos, é a Fazenda a responsável por isso. Basta que se refiram as execuções fiscais movidas contra pessoas cujo endereço a Fazenda não atualiza, não indica bens a serem penhorados, não comparece para receber as intimações (que em seu caso devem ser pessoais) etc. E isso para não referir o “represamento” de execuções, que levou até mesmo à formação de jurisprudência, brilhantemente conduzida pela Ministra Eliana Calmon, no sentido de admitir que o contribuinte ajuíze cautelar para “antecipar” os atos executivos de constrição patrimonial e viabilizar a obtenção de certidões positivas com efeito de negativa.10 Demonstração mais do que suficiente da grande parcela de

10 “Sabe-se que uma empresa sem certidão negativa para com o fisco praticamente tem sua atividade inviabilizada, pois não pode transacionar com os órgãos estatais, firmar empréstimos mesmo com empresas privada ou ainda participar de concorrência pública etc. Fica tal empresa na situação de "devedor remisso" e por maior repúdio que faça a jurisprudência às sanções administrativas impostas ao remisso, não se pode negar que elas existem. A certidão negativa ou mesmo a certidão positiva com efeito negativo é a chave da porta da produtividade da empresa.Na prática, o inadimplente pode assumir duas atitudes: a) paga ou garante o seu débito com o depósito no valor integral, o que lhe rende, na última hipótese, a possibilidade de até suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151 do CTN; ou b) aguarda a execução para, só a partir daí, garantindo o juízo com a penhora, defender-se ou mesmo obter a certidão positiva com efeito negativo, nos termos do artigo 206 do CTN.A hipótese dos autos encerra situação peculiar e que merece atenção: está o contribuinte devedor, sem negar que deve, aguardando que o fisco o execute para só a partir daí assumir a atitude de pagar ou discutir, sem pleitear naturalmente a suspensão do crédito tributário já constituído, certamente por não dispor de numerário suficiente para realizar o depósito no montante integral.Quero deixar consignado que embora não se possa interpretar o direito tributário sob o ângulo econômico, é impossível que o magistrado não se sensibilize com a situação econômico-financeira das empresas brasileiras que estão a enfrentar uma exorbitante carga tributária, um elevadíssimo custo do dinheiro, provocado pelas altas taxas de juros e um recesso econômico refletido no pouco crescimento do país abaixo da medíocre taxa prevista pelo IPEA.Voltando à questão, diante do quadro traçado uma empresa que pretende discutir, por exemplo, o montante do seu débito, não negado, o que fazer para dar continuidade às suas atividades, se não pode sequer embargar ?Na hipótese, a empresa utilizou-se de uma cautelar para, por via da tutela de urgência, de logo garantir a execução pelo depósito de bens do seu patrimônio, devidamente avaliado e formalizado para servir de garantia à futura execução ou até mesmo aos futuros embargos. Ora, o que muda esta situação da outra que é a da oferta de penhora quando executado? Entendo que é apenas uma questão de tempo, porque nenhuma outra conseqüência pode ser extraída do depósito de bens em garantia, ofertado pelo contribuinte, antes de ser executado.O depósito em garantia, requerido como cautelar, longe de ser um absurdo, é perfeitamente factível como veículo de antecipação de uma situação jurídica, penhora, para adredemente obter o contribuinte as conseqüências do depósito: certidão positiva com efeito negativo, tão-somente, na medida em que está a questão restrita aos limites traçados pelo acórdão que apenas concedeu a segurança para o fim

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responsabilidade que a própria Fazenda tem pela demora na tramitação das execuções fiscais.

Ainda quanto à lentidão do Judiciário, deve-se reconhecer o pequeno número de juízes e servidores para um elevado número de processos. A razão de ser da lentidão, nesse contexto, não decorre do rito ou do formalismo, mas da falta de recursos humanos. Da falta de pessoas que possam praticar os atos necessários a que se dê curso regular ao processo. Aliás, tampouco as administrações fazendárias têm pessoal disponível para cumprir essa tarefa. Os servidores que têm mal são suficientes para as atividades que lhes competem atualmente, de fiscalização e arrecadação de tributos. Aprovada a lei, seria necessária a realização de concursos para o provimento em massa de diversos cargos. Ora, isso mostra que o que se deseja é aparelhar a Fazenda, em vez de aparelhar o Judiciário, não havendo uma “lentidão inerente” ao primeiro que não estivesse presente, por um passe de mágica, na segunda.

Quanto ao fato de que, com a execução processada na via administrativa, haverá diminuição no volume de causas submetidas ao Judiciário, isso até pode ser verdade, mas não justifica a conclusão que daí se pretende extrair. O argumento é tão falacioso como seria defender a necessidade de os doentes serem tratados no meio da rua, para assim desocupar os hospitais. Aliás, determinar que o próprio patrão resolva suas diferenças com os seus empregados certamente diminuiria, radicalmente, o número de processos levados à Justiça do Trabalho. Permitir que o Delegado de Polícia prenda, diretamente, e definitivamente, os “elementos” que considerar perigosos, certamente diminuiria os processos que se acumulam nas varas criminais. Aliás, extinguir o Judiciário, e deixar às partes o exercício da autotutela, reduziria em 100% o trabalho dos Juízes. Mas é óbvio que a solução para a sua sobrecarga não pode ser essa. O argumento, aliás, é tão descabido que dispensa comentários adicionais.

No que pertine ao argumento “e”, de que o Judiciário não pode ser o “cobrador” da Fazenda, alguns aspectos também merecem destaque.

A prevalecer tal argumento, poder-se-ia dizer que o Judiciário tampouco pode ser o cobrador dos Bancos, delegando-se a estes a prática dos atos executivos. Aliás, o Judiciário não deve ser o cobrador de ninguém: acabe-se com a tutela executiva, que passaria a ser “autotutela executiva”. Os devedores insatisfeitos com os excessos de seus credores que se socorram do Judiciário. Por que, afinal, só a Fazenda poderia cobrar seus créditos, coercitivamente, à margem do devido processo legal judicial?

A rigor, o Judiciário não deve ser o cobrador da Fazenda Pública, nem de nenhum outro credor. Sua função, no processo executivo, não é “cobrar”, mas zelar para que o crédito, representado no título executivo, seja satisfeito, da forma mais adequada e menos gravosa possível. Só o Juiz, em tese imparcial, está em condições para determinar até onde se pode ir, na busca da satisfação do crédito executado. Isso vale para qualquer tipo de execução, inclusive e principalmente para a execução fiscal, pois o fisco é quem mais dispõe de meios “extrajurídicos” para forçar o contribuinte a pagar

determinado.Com estas considerações, reportando-me aos argumentos constantes do acórdão impugnado, que é da Segunda Turma por mim relatado, voto pelo conhecimento mas improvimento dos embargos de divergência.” Trecho do voto proferido pela Min. Eliana Calmon, relatora para o acórdão, no julgamento do EREsp 815629/RS (STJ, 1.ª S, j. em 11/10/2006, DJ de 6/11/2006, p. 299.

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o débito, sendo a execução pela via judicial um direito do contribuinte, e não do fisco, diversamente do que ocorre com um credor que não tem meios materiais de compelir seu devedor a solver a dívida.

Há, ainda, o argumento de que o processo de globalização em curso oferece novas oportunidades para a fraude e a sonegação fiscal, facilitando que vultosos recursos possam, rapidamente, ser postos fora do alcance da Administração Tributária.

Não nos parece, contudo, que essa afirmação seja procedente, vale dizer, autorize a instituição de uma execução administrativa. Primeiro, porque não está claro como uma autoridade da administração poderia combater com maior eficiência que um juiz essas tentativas de evasão e de fraude. Segundo, porque à disposição da Fazenda Pública existe a ação cautelar fiscal, que pode ser manejada, e culminar com a indisponibilidade dos bens do sujeito passivo, se presentes os requisitos a tanto necessários.

A verdadeira intenção da proposta parece transparecer, mais uma vez, aqui: talvez o que se queira, com ela, seja a invasão do patrimônio e da liberdade do sujeito passivo em situações ou circunstâncias em que a jurisprudência não vinha aceitando, reiteradamente. Transferida a execução para a via administrativa, seria o contribuinte insatisfeito com a abusividade já consumada da Fazenda que teria de se socorrer do Judiciário.

5.3. Inconveniência da alteraçãoAlém de os argumentos em prol de uma execução administrativa não

procederem, parece-nos que a mudança seria, ainda, inconveniente.

A administração fazendária, tanto federal como dos estados-membros, reclama constantemente por maior aparelhamento, e pela admissão de mais servidores. Diz-se que o número de auditores deveria ser maior.

Ora, com a mudança pretendida, os milhares de processos de execução fiscal serão todos encaminhados a esses órgãos da administração fazendária, aos quais já faltam pessoal e equipamentos. Isso significa que toda uma estrutura terá de ser montada, sendo muito mais conveniente usar esses recursos na melhoria da estrutura judiciária já existente. Em vez de comprar computadores, alugar salas e admitir servidores para realizar a execução no âmbito administrativo, melhor seria comprar computadores, alugar ou construir salas, e admitir servidores para melhorar a maneira como o Judiciário realiza o seu papel.

Além disso, não se pode pensar apenas no âmbito federal e estadual, sendo temerário admitir, em certos municípios, que a estrutura administrativa aproprie-se do patrimônio do cidadão, ao qual caberia, se insatisfeito, tentar reverter a situação no Judiciário. Aliás, considerada a ineficiência da execução contra a Fazenda Pública, em relação à qual pouco se tem feito nas últimas décadas, ineficiência que chega a ser total no âmbito de certos Estados-membros e Municípios, a possibilidade de a administração apropriar-se de recursos do contribuinte é muito perigosa, e dá margem ao surgimento de situações completamente irreversíveis: a Fazenda exeqüente se apodera de dinheiro, o contribuinte consegue demonstrar a improcedência da cobrança em juízo, mas para receber de volta o que lhe fora retirado tem de valer-se da sistemática dos precatórios.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de brito. . Alguns questionamentos em torno da execução fiscal. In: Ives Gandra da Silva Martins. (Org.). Execução fiscal. 1 ed. São Paulo: RT, 2008, v. 14, p. 269-292.

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Na verdade, com a mudança, todas as pretensões nas quais a Fazenda insiste (relativas ao não reconhecimento de prescrição, à responsabilização indevida de terceiros etc.), e que o Judiciário repele com fundamento em jurisprudência pacífica, serão levadas a efeito de forma automática. O contribuinte insatisfeito que terá de valer-se do Judiciário.

E se a Fazenda não deseja ter de usar o Judiciário, por ser ele “lento e caro”, é curioso que pretenda defender a execução administrativa com a afirmação de que o contribuinte insatisfeito poderá socorrer-se do Judiciário. Não será ele lento e caro, também, para fazer cessar a arbitrariedade na execução? Por que só o contribuinte tem de submeter-se a essa lentidão?

E isso para não se falar em alguns problemas, de cunho prático, que inevitavelmente surgirão.

Primeiro: transferida para a via administrativa a execução, as normas a ela pertinentes serão de direito processual civil, ou de direito administrativo? A questão não é meramente acadêmica, pois, no segundo caso, Estados e Municípios terão competência para dela tratar, cada um à sua maneira, não sendo privativa a competência legislativa da União.

Segundo: sendo a execução toda levada a efeito por atos administrativos, sua defesa somente ocorrerá através de embargos? Parece-nos que não, sendo certo que uma infinidade de mandados de segurança com pedido de liminar serão ajuizados contra atos da administração no bojo de uma execução fiscal. A afirmação de que “nem será preciso garantir o juízo”, nesse contexto, soa como uma benesse, mas é pura decorrência da impossibilidade de se restringir o acesso ao Poder Judiciário, conforme já entendem os nossos Tribunais (v.g. ao interpretar o art. 38 da Lei de Execuções Fiscais – 6.830/80), há muito tempo.

5.4. Desnecessidade da transferência para o âmbito administrativoA verdade é que, a menos que se queira apenas que a Fazenda possa tomar

generalizadamente providências que hoje o Judiciário considera ilegais, deve-se reconhecer a completa desnecessidade de se transferir a execução fiscal para a esfera administrativa. Todas as providências destinadas à sua celeridade e ao seu aperfeiçoamento podem ser tomadas mantendo-a no âmbito judicial.

Em vez de aparelhar os órgãos da administração fazendária (que hoje não tem a mais mínima estrutura e tampouco pessoal para conduzir execuções), poder-se-ia aparelhar os órgãos do Poder Judiciário. A solução correta não parece ser permitir o definhamento deste importante poder, para então se o desacreditar e tirar de seu controle o instrumento de cobrança (que às vezes é arbitrária) de tributos.

Se a Fazenda sabe onde está o devedor, e onde estão os bens (o que será essencial para que possa realizar a execução na via administrativa), pode levar essas informações ao Juiz, que certamente tomará as mesmas providências que ela, fazenda, tomaria, a menos que as considere ilegais. Será esse “formalismo” que se pretende afastar?

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5.5. Inconstitucionalidade da execução administrativaAlém de inadequada e desnecessária aos fins aos quais supostamente se destina,

o que já seria suficiente para demonstrar-lhe a invalidade, a execução fiscal administrativa esbarra, de forma clara, no inciso XXXV do art. 5.º da CF/88.

Na verdade, o contribuinte tem o direito fundamental de ser executado através do Poder Judiciário, órgão imparcial que presidirá o processo de invasão em seu patrimônio para satisfação do crédito alegado pelo exeqüente.

Poder-se-ia afirmar, em oposição, que o contribuinte pode sempre, insatisfeito, socorrer-se do Judiciário. Além disso, a Fazenda Pública já se utiliza, há muito, da faculdade de produzir seus próprios títulos executivos, não se valendo do Judiciário no âmbito da chamada “tutela de conhecimento”. Ora, se a tutela de conhecimento é, em verdade, uma “autotutela vinculada” no âmbito administrativo, submetida eventualmente a posterior controle jurisdicional, por que o mesmo não poderia se dar com a tutela executiva?

Na verdade, o fato de a Fazenda não se valer da tutela de conhecimento, e assim construir unilateralmente seus próprios títulos, é uma das razões pelas quais que não se pode ampliar esse “descarte” do Judiciário também à esfera da execução. Aliás, admite-se a construção, pela Fazenda, de seus próprios títulos, exatamente porque a execução forçada destes não pode dar-se senão através do Judiciário, oferecendo-se ao sujeito passivo a oportunidade de opor embargos com efeito suspensivo.

Dizer-se que a execução envolve atos “meramente burocráticos”, para com isso retirar a importância da atividade jurisdicional nela desempenhada, é no mínimo equivocado. A jurisdição não está apenas em “dizer o direito” relativamente à relação jurídica cuja efetividade é reclamada em juízo, mas sobretudo em dizer através de quais meios se pode forçar o apontado devedor a satisfazer a pretensão do credor. Este deseja que a satisfação de uma forma, e o devedor de outra, e o juiz há de resolver esse conflito, que, por representar o último estágio da satisfação de um direito subjetivo, envolve, ou pode envolver, o uso da força. Se uma das etapas anteriores pode ser preenchida fora do Judiciário, seja com a arbitragem, seja com a feitura de um contrato, seja com a assinatura de um título de crédito, ou ainda com a unilateral feitura de um lançamento tributário, esta última etapa – que é autêntica jurisdição – seguramente não pode ser levada a cabo à margem do Judiciário.

A Fazenda até pode – aliás, deve – aprimorar as técnicas de cobrança “amigável”, com o que poderá incrementar bastante a satisfação de seus créditos. Mas não pode, sob pena de violação ao princípio da inafastabilidade – e do monopólio – da jurisdição, realizar, ela própria, o adimplemento forçado de seu alegado crédito.

Por outro lado, a Constituição Federal estabelece que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5.º, LIV). A execução administrativa, permitindo a constrição patrimonial e, por conseguinte, a privação dos bens do cidadão contribuinte sem o devido processo legal, contraria, de forma clara, essa disposição.

Some-se a isso o fato de que os valores que venham a ser apropriados de modo indevido pela Fazenda serão objeto de restituição através de um processo muito mais ineficaz (o índice de ineficácia, em alguns Estados-membros, chega a quase 100%), e incrivelmente mais lento, e a violação ao devido processo torna-se brutal.

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5.6. Algumas considerações quanto aos números apontadosAinda em relação à transferência do processo executivo para o âmbito da

administração, invocam-se números: o estoque da dívida não-satisfeita, o percentual de execuções ineficazes etc.

Não discutiremos esses números, porque não temos dados ou elementos para afirmar sua exatidão, ou inexatidão. Mesmo admitindo-os como apresentados, porém, devemos lembrar que nem toda dívida inscrita é devida, e válida. Grande parte do apontado “estoque” decorre de inscrições automáticas, duplicadas, de valores que foram pagos ou compensados e o sistema não detectou etc. Outra parte é formada de valores indevidos, seja porque calcados em fatos inexistentes, em interpretações equivocadas da lei, ou na aplicação de leis que não têm suporte na Constituição.

Feita essa depuração – e ninguém melhor que o Judiciário para isso – sobram alguns válidos, devidos e apurados corretamente. Em relação a estes, não se pode esquecer que alguns não são pagos porque o contribuinte simplesmente não tem recursos. Está arruinado, não tendo pago também credores civis, fornecedores etc. A execução movida por credores civis ou comerciais também não é assim tão efetiva, tendo um baixo índice de satisfação, precisamente pela razão aqui apontada, e nem por isso se cogita de acabar com ela, deixando-se aos credores a faculdade de expropriar por conta própria os que consideram seus devedores.

É preciso atenção para o fato de que a execução é a última etapa do processo que busca a aplicação e o atendimento das prescrições jurídicas. Muitas são cumpridas espontaneamente. Muitas diante do lançamento de ofício, ou depois do pronunciamento da autoridade administrativa de julgamento. Quando chegam na etapa final, que é a execução forçada, pode ser – e muitas vezes é – porque o devedor não tem mesmo como pagar. E, aí, a ineficiência não é da execução. Talvez seja a carga tributária que está alta demais, aspecto talvez esquecido pelos que culpam apenas o Judiciário pela baixa eficiência da sistemática de cobranças.

6. Breves notas sobre as reformas no CPC e o processo tributárioToda essa discussão, bastante atual, em torno da execução fiscal mostra um

aspecto lamentável de nossa realidade processual, tanto a existente nas normas jurídicas como a presente na mentalidade dos juízes: a noção de “efetividade” do processo.

O processo judicial, sabe-se, passa por reformas desde 1994, com a introdução da chamada “tutela antecipada”. Tudo com a finalidade de torná-lo mais efetivo. Fala-se, a propósito, de um “processo civil de resultados”. Pois bem. Paralelamente a essa reforma, que se operou, inicialmente, no chamado “processo de conhecimento”, assistiu-se a uma “contra-reforma” do processo, pertinente às situações nas quais a Fazenda Pública é parte. Tudo o que, de um lado, se fez para efetivar o processo utilizado por cidadãos entre si, fez-se o contrário, de outro, para tornar menos efetivo o processo contra a Fazenda Pública. Não cabimento de tutela antecipada em diversos casos, aperfeiçoamento da suspensão de segurança e de liminar, dispensa dos honorários de sucumbência devidos pela Fazenda, ou redução destes a valores irrisórios etc.

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Entretanto, agora que se reforma o processo de execução, acontece coisa curiosa: a execução movida por “particulares” uns contra os outros foi reformada, para ganhar maior efetividade. A execução fiscal, pelo que se pretende, será reformada para ganhar ainda maior efetividade. A desigualdade entre a execução posta à disposição de um credor qualquer, e da posta à disposição da Fazenda, tornar-se-á ainda maior que a decorrente da vetusta Lei 6.830/80, seja em face da açodada aplicação “subsidiária” de disposições mais gerais e contrárias às normas especiais da LEF, seja em face da aprovação de uma execução administrativa. Mas, paradoxalmente, a execução do cidadão contra a Fazenda Pública permanece tão ineficaz e ultrapassada como era há mais de cinqüenta anos, através dos malsinados precatórios.

Não que a sistemática de precatórios, importante e necessária, deva ser abolida. Absolutamente. Mas é inegável que a mesma pode ser aperfeiçoada em muitos pontos. O pagamento conforme a ordem deve continuar. A feitura do pagamento pelo Tribunal, e não pelo próprio ente público devedor, também. Mas poder-se-ia ampliar a sistemática das chamadas requisições de pequeno valor (RPVs) a uma quantidade maior de créditos. Poder-se-ia estabelecer, no orçamento, quantia, baseada em média dos anos anteriores, para pagar os valores relativos aos créditos apresentados naquele mesmo ano, tornando desnecessária a espera pela inclusão no orçamento do ano seguinte. Só em casos excepcionais, de precatórios em valor mais expressivo, tal espera seria necessária. Em vez disso, o que o legislador faz é parcelar os já ineficazes precatórios em até 10 (dez) longos anos (EC 30/2001), exigir a apresentação de CNDs para que sejam pagos (Lei 11.033, art. 19, posteriormente declarada inconstitucional pelo STF) etc.

A desigualdade processual é manifesta, e injustificável, não devendo o intérprete, em hipótese alguma, contribuir para que seja ainda ampliada.

7. ConclusõesEm face do que vimos ao longo do texto, acreditamos ser possível concluir o

texto oferecendo as seguintes respostas às questões formuladas pela organização do Simpósio:

1) À luz da Constituição (art. 5º, inciso LV), seria possível a legislação infra-constitucional reduzir o conceito de "ampla defesa administrativa e judicial", refletido na legislação ordinária em vigor em 5 de outubro de 1988? Trata-se de um conceito flexível, subordinado à legislação ordinária, ou os meios então existentes não poderiam ser restringidos, sob pena de violação à ampla defesa constitucionalmente assegurada?

Não, a legislação infraconstitucional não pode reduzir o próprio conceito de ampla defesa, seja no âmbito administrativo, seja no âmbito judicial. São admissíveis apenas restrições ao exercício desse direito, e mesmo assim somente quando forem indispensáveis ao razoável exercício desse mesmo direito – ou de outros direitos também fundamentais - por outros cidadãos. Exemplificando, a legislação pode estabelecer prazo (desde que razoável) para o oferecimento de defesa, pode determinar qual a autoridade competente para apreciá-la (tornando, por conseguinte, incompetentes outras que não a designada), e assim por diante.

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2) A Lei 11.382/06, que alterou as disposições do CPC sobre execução de títulos extrajudiciais, revogou a Lei 6.830/80? Considerando a resposta ofertada, os embargos à execução fiscal possuem efeito suspensivo? Qual o prazo para sua interposição?

Não. A Lei 6.830/80 continua em vigor, e, por ser norma mais específica, evidentemente não é atingida por uma outra, mais recente, que altere, como a Lei 11.382/06 alterou, o Código de Processo Civil. A nova disposição tem aplicação apenas subsidiária no âmbito da execução fiscal, vale dizer, pode ser invocada diante de omissões da lei de execuções fiscais.

Considerando essa primeira parte da resposta, os embargos à execução fiscal possuem, sim, efeito suspensivo, não se lhes aplicando o disposto no art. 739-A do CPC. Os arts. 17, 18, 19, 24 e 32 da Lei 6.830/80 não deixam espaço para discussão razoável a esse respeito. O prazo para a sua interposição continua sendo de 30 (trinta) dias.

3) É válido proceder à penhora "on line" antes de intimado o contribuinte para promover a garantia do juízo?

Não. O art. 185-A do CTN é muito expresso ao condicionar o deferimento da indisponibilidade on-line de bens à citação do executado, ao não-oferecimento de bens por parte deste e ao insucesso na tentativa de se localizarem outros bens a serem penhorados. Vale dizer, só em último caso tal grave medida pode ser tomada.

4) Como deve ser interpretada a Súmula 317 do STJ ("É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos")? Caso a o recurso do devedor seja provido e a Fazenda Pública venha a resultar definitivamente vencida, como deverão ser ressarcidos os prejuízos causados ao contribuinte? Que verbas devem compor esse ressarcimento? O pagamento dessa indenização está sujeito ao disposto no art. 100 da CF?

Entendemos que a citada Súmula deve ser considerada pertinente para as execuções de títulos extrajudiciais em geral, disciplinadas pelo CPC, sendo inaplicável às execuções fiscais.

A razão de ser desse entendimento reside precisamente na resposta às perguntas subseqüentes, contidas na mesma questão. Com efeito, vencida em sede recursal, a Fazenda deverá certamente devolver a quantia indevidamente recebida pelo normal seguimento da execução, acrescida de eventual reparação de danos morais e, se for o caso, da diferença entre o preço da avaliação e o da arrematação, se no leilão o bem restar arrematado por valor inferior àquele pelo qual fora avaliado. Mas isso terá, necessariamente, de ocorrer por intermédio de precatório, nos termos do art. 100 da CF/88.

Por tudo isso, parece-nos mais razoável que se aguarde o julgamento definitivo dos embargos para, só então, dar seguimento à execução. Essa

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idéia, aliás, está claramente subjacente aos arts. 17, 18, 19, 24 e 32, § 1.º da Lei 6.830/80.

5) Pode o fisco a despeito das prerrogativas que cercam a cobrança do crédito tributário, aplicar sanções políticas ao devedor, tais como levar a protesto a certidão de dívida ativa ou determinando a inclusão de seu nome no SERASA?

Não. O protesto da CDA e a inclusão do nome do contribuinte supostamente devedor no SERASA constituem evidente desvio de finalidade. O protesto não é necessário – como o é em relação aos títulos de crédito – para que a Fazenda possa executar os “co-obrigados”. Já o SERASA, assim como qualquer outro cadastro de inadimplentes, tem como propósito permitir a quem está prestes a celebrar contrato saber se o contratante tem crédito, viabilizando ao consulente do cadastro avaliar o risco do negócio e, se for o caso, não o celebrar. No caso do débito tributário, tanto a inadimplência não configura necessariamente quebra da confiança (o débito não nasceu da vontade do devedor) como o fato de o contribuinte discutir débito com o qual não concorda não significa que vá discutir, também, aqueles que contratou voluntariamente.

6) À luz da Constituição, é possível a instituir validamente a execução do crédito tributário por autoridade diversa da jurisdicional?

Não. A execução forçada do crédito tributário por autoridade diversa da jurisdicional implicaria ofensa ao disposto nos incisos XXXV, LIV e LV da CF/88.

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