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A CULTURA NEGRA EM GUAÍRA Maria José de Rezende – Professora PDE 2008, Colégio Estadual Mendes Gonçalves Ensino Fundamental, Médio e Profissional Marcos Aurelio Saquet – Orientador PDE, Unioeste Resumo: A cultura apresenta os aspectos materiais e imateriais que envolvem um grupo social. Que perpassa pelas ideias, hábitos, crenças e praticas sociais de acordo com o ambiente que vive e trabalha. Assim sendo produz paisagem e espaço geográfico. Este artigo é resultado do estudo da cultura negra na cidade de Guaíra no Paraná, realizado, através de pesquisas de campo e bibliográficas. Apresenta as contribuições socioculturais e as condições socioeconômicas dos negros e a espacialização deste grupo no município. Caracteriza os remanescentes da comunidade quilombola “Manoel Ciríaco dos Santos”, localizada na comunidade do Maracaju dos Gaúchos. O texto produzido contribui para o estudo e debate em sala de aula e com a comunidade escolar a respeito da cultura e identidade dos afrodescendentes. Relata o trabalho realizado com os alunos do segundo ano do ensino médio do Colégio Estadual Mendes Gonçalves. O trabalho do negro ainda não é reconhecido na organização do espaço territorial guairense. Palavras-chave: Cultura. Identidade. Negro. Summary: The culture has the material and immaterial aspects that involve a social group. Running through the ideas, habits, beliefs and social practices according to the environment that lives and works. So take landscape and geography. This article is the result of the study of black culture in the city of Guaíra Paraná, conducted through field research and literature. Presents the contributions cultural and socioeconomic conditions of blacks and spatialization of this group in the city. It features the remnants of the black community "Ciriaco Manoel dos Santos”, located in the community “Maracaju dos Gauchos”. The text produced contributes to the study and discussion in the classroom and the school community about the culture and identity of African descent. Reports the work with the students of second year of high school in State College “Mendes Gonçalves”. The work of the Negro is still not recognized in the organization of territorial space guairense. Keywords: Culture. Identity. Black. 1

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A CULTURA NEGRA EM GUAÍRA

Maria José de Rezende – Professora PDE 2008,

Colégio Estadual Mendes Gonçalves Ensino Fundamental, Médio e

Profissional

Marcos Aurelio Saquet – Orientador PDE, Unioeste

Resumo: A cultura apresenta os aspectos materiais e imateriais que envolvem um

grupo social. Que perpassa pelas ideias, hábitos, crenças e praticas sociais de

acordo com o ambiente que vive e trabalha. Assim sendo produz paisagem e espaço

geográfico. Este artigo é resultado do estudo da cultura negra na cidade de Guaíra

no Paraná, realizado, através de pesquisas de campo e bibliográficas. Apresenta as

contribuições socioculturais e as condições socioeconômicas dos negros e a

espacialização deste grupo no município. Caracteriza os remanescentes da

comunidade quilombola “Manoel Ciríaco dos Santos”, localizada na comunidade do

Maracaju dos Gaúchos. O texto produzido contribui para o estudo e debate em sala

de aula e com a comunidade escolar a respeito da cultura e identidade dos

afrodescendentes. Relata o trabalho realizado com os alunos do segundo ano do

ensino médio do Colégio Estadual Mendes Gonçalves. O trabalho do negro ainda

não é reconhecido na organização do espaço territorial guairense.

Palavras-chave: Cultura. Identidade. Negro.

Summary: The culture has the material and immaterial aspects that involve a social

group. Running through the ideas, habits, beliefs and social practices according to

the environment that lives and works. So take landscape and geography. This article

is the result of the study of black culture in the city of Guaíra Paraná, conducted

through field research and literature. Presents the contributions cultural and

socioeconomic conditions of blacks and spatialization of this group in the city. It

features the remnants of the black community "Ciriaco Manoel dos Santos”, located

in the community “Maracaju dos Gauchos”. The text produced contributes to the

study and discussion in the classroom and the school community about the culture

and identity of African descent. Reports the work with the students of second year of

high school in State College “Mendes Gonçalves”. The work of the Negro is still not

recognized in the organization of territorial space guairense.

Keywords: Culture. Identity. Black.

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Introdução

Este artigo tem por finalidade a conclusão da formação continuada para

professores da rede pública estadual do Paraná – PDE, com objetivo de incentivar o

professor a ser um pesquisador e também servirá para mudança de nível na carreira

profissional. O programa se desenvolveu ao longo do ano de 2008 com aulas

presenciais, leituras de aprofundamento teórico, orientações pedagógicas, didáticas,

conteúdos específicos e aulas não presenciais seguindo as normas das DCEs do

Paraná.

O tema cultura negra em GUAÍRA-PR prendeu minha atenção porque

participei no ano de 2007, de um estudo sobre cultura afro-brasileira e um simpósio

em Faxinal do Céu com o título: Educadores negros e negras do Paraná. Vi no PDE

uma forma de aprofundar-me nesse tema, com a finalidade de aprimorar os

conhecimentos teóricos para desconstruir a idéia de que o negro é inferior, mostrar

que as manifestações culturais negras estão no nosso cotidiano, mas não é

visualizada pela sociedade e explicar que o preconceito contra o negro foi gerado

por uma elite dominante e que se manteve por falta de conhecimento.

Ao desenvolver este tema na escola busco inserir os alunos, colegas

professores, equipe pedagógica e direção nas discussões sobre a contribuição do

negro na formação política, histórica, social, econômica e cultural da população

guairense. E hoje, no município de Guaíra-Pr, encontram-se muitos traços dessa

etnia: nos sobrenomes, na cor da pele, olhos, cabelo, na gastronomia, hábitos e

costumes, jeito de falar, se comunicar, etc. É através do estudo sobre o povo negro

que se pode chegar ao respeito à diversidade cultural deste e de outros povos.

Brum Neto e Bezzi (2008), em seu artigo sobre a materialização da cultura

no espaço, ressaltam que a “temática cultural da atualidade apresenta complexidade

e exige intensos debates para se chegar a conceitualização e reconhecimento de

identidades culturais”. Ainda em Brum Neto e Bezzi (2008), elas explicam que os

estudos culturais seguem duas vertentes: a primeira que se refere à “cultura-

globalização” e a segunda a “diversidade cultural existente no globo”. Aqui, em

Guaíra, essa diversidade se materializa nos indígenas e nos quilombolas

principalmente.

Moreira (1997), fala de “enraizamento cultural”, para ele o enraizamento

cultural se dá a partir da territorialização e desse modo acontece a identidade que só

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é possível com homens e mulheres culturalmente territorializados. Segundo Moreira

(1997), a identidade cultural está implícita nos conceitos de lugar porque este é o

local de afetividade, sociedade, paisagem e território. Esses conceitos podem ser

visualizados no território guairense em vários momentos históricos, mas o grupo

negro que é o objeto de estudo neste artigo, tem maior participação a partir do ano

de 1960, com a modernização da agricultura e industrialização das regiões Sudeste

e Nordeste e a expansão da fronteira agrícola para as regiões Cento-Oeste e Norte

que provocou o processo de desterritorialização em escala regional. Guaíra, como

parte do território nacional, incorporou-se às exigências dessas novas formas de

reorganização do espaço, recebeu um número expressivo de baianos,

pernambucanos, capixabas e mineiros (estes podem ser identificados como

afrodescendentes) que incentivados pelo governo na busca de efetivar a ocupação

da fronteira, estes chegam a Guaíra e vão ocupar a área de segurança nacional,

denominada de faixinha, essa área margeia o rio Paraná a esquerda de Guaíra a

Foz do Iguaçu. No processo de (re) territorialização estes grupos étnicos

contribuíram com seus conhecimentos, usos e costumes para o desenvolvimento

econômico e cultural de Guaíra.

Neste sentido, esse estudo no âmbito cultural tem como foco a cultura

negra em Guaíra-PR, com seus aspectos representativos e a comunidade

quilombola Manoel Ciríaco dos Santos. E sob o “olhar geográfico” busco elementos

que possam materializar e identificar a cultura negra no espaço guairense. Então

cabe aqui citar um conceito de cultura.

Segundo as DCEs do Paraná (2006, p.39), cultura é um conjunto de

idéias, hábitos, crenças e práticas sociais que organizam as relações sociais,

políticas e econômicas de um povo assim sendo produzem paisagem e espaço

geográfico que com o tempo se diferencia, pois cada geração desenvolve sua

própria cultura de acordo com o ambiente em que vive e trabalha.

Devido a essa complexidade na concepção e conceituação da cultura, a

geografia humanista fundamentou-se na fenomenologia e no existencialismo das

filosofias do significado, tendo por base a subjetividade, a intuição, os sentimentos, a

experiência, o simbolismo. O lugar passa a ser o conceito mais relevante, a

paisagem é revalorizada, o território é a matriz e o espaço passa a ser o espaço

vivido, então o espaço passa a ser analisado a partir da experiência pessoal ou

grupal.

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O estudo está pautado em leituras bibliográficas referenciais, na produção

didático pedagógica, em revistas e jornais que falam sobre a cultura negra; nas

entrevistas realizadas na comunidade quilombola Manoel Círiaco dos Santos, na

prefeitura Municipal de Guaíra, na EMATER de Guaíra, no IBGE, no comércio de

Guaíra e em relatos de famílias negras.

O município de Guaíra no contexto histórico

O município de Guaíra está localizado no extremo oeste paranaense, a

24°05' de latitude sul e 54°05' de longitude oeste, na margem esquerda do rio

Paraná que serve de limite entre o estado do Mato Grosso Sul e com a cidade de

Salto Del Guairá na República do Paraguai. Sua extensão geográfica é de 572 Km².

Sua história remonta ao século XVI e está ligada aos indígenas, seus primeiros

habitantes.

No mapa abaixo observa-se o município de Guaíra, seu limite com as

cidades vizinhas, as principais comunidades e em destaque a comunidade

quilombola.

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A delimitação do espaço territorial do Município de Guaíra-PR é marcada

pela história de sua ocupação econômica, política e cultural, inserida na dinâmica de

produção e de reprodução do modo capitalista. A ocupação da fronteira do Brasil

com a Argentina e Paraguai ocorre, historicamente, em virtude de fatores

econômicos e geopolíticos.

No processo de expansão e colonização empreendido pelos portugueses

e espanhóis no século XVI, conforme o Tratado de Tordesilhas, essa região

localizada à margem esquerda do rio Paraná foi colonizada pelos espanhóis.

Sedentos por lucros, eles procuravam, sem cessar, por riquezas ocultas nessa

região. O ideal de conquista levou-os a fundar o Pueblo de Ontiveros na margem

direita do rio Paraná, a uma légua do Salto de Sete Quedas. A três léguas de

Ontiveros, fundou-se outro “pueblo”, a Ciudad Real Del Guairá, na confluência do rio

Piquiri.

Para Tomazinho (1981), baseado em Kurtter, em 1575 foi fundado à

margem esquerda do rio Paraná novo estabelecimento espanhol, denominado Vila

Rica Del Espiritu Santu. Depois Vila Rica foi transferida para a confluência do rio

Corumbataí com o Ivaí. E Vila Rica tornou-se a sentinela castelhana mais avançada

do sertão de Guaíra.

Vila Rica cresceu, prosperou e dominou por mais de meio século, a

região. Entre 1628 e 1632, Vila Rica foi destruída pelos bandeirantes paulistas. Os

objetivos com a destruição foram vários, mas vale destacar o de impedir a expansão

espanhola para leste e aprisionar os indígenas aldeados, que naquele momento

eram a principal mão-de-obra disponível que existia. Segundo Tomazinho (1981),

nas reduções espanholas organizadas pelos padres jesuítas os indígenas

conheciam e desenvolviam alguma forma de produção agrícola e pecuária para

subsistência e exploravam a erva-mate para fins comerciais.

O ataque dos bandeirantes paulistas desarticulou a intenção dos jesuítas

de organizar a “Província Indo - Cristiana Del Guairá”, uma república teocrática, sob

a tutela da Cia. de Jesus. O Paraguai aproveitou-se dessa desarticulação e

proclamou sua independência do antigo Vice-Reinado do Prata, sob a chefia de D.

Gaspar Garcia de Francia que adotou uma política de isolamento, o que levou o

Estado a assumir todas as atividades econômicas em especial a produção e

comercialização da erva-mate. Essa política adotada pelo Paraguai estimulou o

florescimento da economia ervateira paranaense. O mate foi de extrema importância

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para a ocupação e o desenvolvimento de Guaíra.

No século XIX, com a produção da erva-mate em grande escala no

Paraná e o interesse da Argentina na erva-mate paranaense, o governo brasileiro,

conforme decreto imperial nº. 8.799, de 09 de dezembro de 1882 cede a Cia. Mate

Laranjeira o direito de explorar a erva-mate na zona fronteiriça com o Paraguai,

entre os limites do Rincão de Júlio e da cabeceira do Iguatemi (MS). Assim, a Cia.

Mate Laranjeira teve a seu cargo a exploração dos ervais situados no estado de

Mato Grosso (TOMAZINHO, 1981).

O sistema de escoamento da erva-mate tornou-se inviável, pois eram

feitos por carretas puxadas a bois. Então para viabilizar economicamente a

operação de transporte valeram-se dos canais navegáveis dos rios Amambaí,

Iguatemi, Dourados, Brilhante e Ivinhema que deságuam no rio Paraná e desviou

por terra no trecho entre Guaíra e Porto Mendes. Na época, o rio Paraná não

oferecia condições de navegação devido ao Salto das Sete Quedas. Para

concretizar seu plano de escoamento da erva-mate a Cia. Mate Laranjeira adquiriu

em 1902, os direitos sobre o “Porto Monjoli”, hoje Porto Sete Quedas e liga Guaíra

(PR) a Salto Del Guairá (Paraguai) por balsa e o Porto “Britania” em Porto Mendes.

Com base em Tomazinho (1981), a empresa Cia. Mate Laranjeira equipou

o porto Monjoli com todas as instalações necessárias para o setor de transporte,

estação ferroviária, depósitos para a erva-mate dependências para a administração,

oficina, estaleiros, armazém, almoxarifado, serraria, marcenaria, farmácia, hospital,

escola, clube de lazer, habitações, etc. A área territorial da Cia. Mate Laranjeira

perfazia um total de 270.399.914 m². No ano de 1951, a Cia. Mate Laranjeira em

ruína entregou suas terras ao governo Estado do Paraná e este conforme a Lei nº.

790, de 14 de novembro de 1951 emancipam o município de Guaíra (PR).

A população negra em Guaíra

Guaíra pode ser considerado um município multicultural, pois em sua

composição populacional, diferentes grupos étnicos destacam-se: os indígenas,

paraguaios, argentinos, japoneses, alemães, italianos, portugueses, espanhóis,

russos, lituanos, estonianos e negros que contribuíram para o desenvolvimento do

comércio, das indústrias, da agricultura, da educação, turismo, artesanato, etc.

Segundo as DCEs (2006,p.39-41) “as relações políticas e de resistência

devem permear as abordagens da dinâmica cultural e demográfica na geografia

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como forma de contestar a hegemonia daqueles que detêm o poder.” Assim sendo,

os remanescentes de quilombolas que formam a Comunidade Manoel Círiaco, no

município de Guaíra PR, pode ser compreendida como exemplo de resistência. Ao

utilizar das manifestações culturais desse grupo, dá-se visibilidade aos estudos

demográficos de diferentes sociedades ao longo da história. Ex: a sociedade

indígena, japonesa, chinesa, etc., e como estas imprimem suas marcas na

organização do espaço geográfico, através, dos costumes, religião, etc. Localizar e

analisar os vestígios deixados pelas diferentes sociedades permite-nos

compreender e entender os territórios e as novas territorialidades advindas desse

processo de relações com o meio. Ex: no espaço guairense encontram-se vestígios

da cultura inglesa na construção das casas e no traçado das ruas no bairro

denominado Guaíra Velha; no comércio; a cultura libanesa, portuguesa, paraguaia e

árabe; no espaço agrícola; a cultura japonesa, alemã e italiana. É no lugar que o

particular, o histórico, o cultural e a identidade estão presentes, portanto as

manifestações culturais que acontecem permitem manter ou alterar a identidade do

grupo.

Saquet (2007), analisa a identidade através da territorialidade e esta pode

ser construída de diferentes formas: individual e coletivamente (em grupo),

envolvendo edificações, um caráter político, línguas, mitos, ritos, religião e memória.

É importante a identidade na construção do território. Quando esta tem caráter

político traz consigo uma possibilidade de transformação social. Neste contexto

histórico pode ser citado o Movimento Negro que se oficializou no Brasil em 07 de

julho de 1978, em um ato público em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.

Nascia aí o projeto político do povo negro para o Brasil.

O termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar

pejorativamente os escravizados é este o sentido negativo da palavra e se estende

até hoje. Mas o Movimento Negro ressignificou o termo negro dando-lhe um sentido

político e positivo. Para isso no final dos anos de 1970, e no decorrer dos anos de

1980, utilizou de expressões como: Negro é lindo! Negra, cor da raça brasileira!

Negro que te quero negro!. Para atingir um maior percentual de pessoas se

identificando como negra no censo de 1990 foi usada as seguintes frases: 100%

Negro! Não deixe sua cor passar em branco! Foi veiculado através dos meios de

comunicação falada e escrita. Essa negação da identidade negra pede ser

percebida nas entrevistas realizadas com pessoas negras no município de Guaíra –

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PR.

O Movimento Negro destaca: a lei do sexagenário, a lei do ventre livre de

1871 e a abolição de 13 de maio de 1888, como excludente onde o castigo físico

violento foi substituído por instrumento ideológico o racismo, que por meios de

mecanismos econômicos, culturais, institucionais e legais, segregou os espaços de

moradia, de educação, de consumo e monopolizou os melhores postos de trabalho

e salários para o euro- descendentes. Aqui em Guaíra, pode se confirmar a ação

deste instrumento nos quadros (tabelas) utilizados para mostrar as condições

socioeconômicas da população negra guairense. O racismo no Brasil impede os

negros de ascenderem socialmente.

No Brasil, as políticas de reparação ganham força por pressão do

Movimento Negro, que colocou na Constituição Federal de 1988 o Art. 5º, I, Art. 210,

Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26ª e 79 B, a

Lei 9.394/96 é regulamentada pela Lei 10.639/2003. Por séculos, diferentes espaços

reproduziram a discriminação racial: a escola, os meios de comunicações escritos e

falados, a sociedade, a política social, a igreja, etc., por isso a lei 10639/2003 veio

legitimar o conhecimento da cultura do povo negro ao estabelecer que o ensino da

história e cultura afro-brasileira seja obrigatório nos estabelecimentos de ensino

fundamental e médio, oficial e particular, mas ressaltando as contribuições positivas

do povo negro para o desenvolvimento histórico, político, econômico, social e

cultural nos espaços onde estão inseridos. Mas, segundo os relatores da

deliberação do conselho estadual de educação do Paraná, o resgate da identidade

dos afro-brasileiros e negros descendentes exige uma organização e mobilização da

sociedade brasileira num todo para que a lei seja aplicada.

Dia Nacional da Consciência Negra, teve seu primeiro ato em 20 de

novembro de 1971, em Porto Alegre. Este é um dia de atos públicos para apresentar

ações positivas do povo negro no Brasil e conclamar os negros a lutar por seus

direitos. “Tudo que o negro deseja é ser tratado como um cidadão comum” (Milton

Santos, segundo Vanda Machado em 04/09/2007).

Os dados e estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística) mostram que no ano de 2000, no total da população brasileira de

183.987.291 habitantes, 10.554.336 declarou ser negra e 65.318.092 declarou ser

parda. Segundo os estudos realizados pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura, no

estado do Paraná no ano de 1853, 40% da população paranaense era composta por

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negros. A presença dos negros no território paranaense dá-se por exigência do

desenvolvimento econômico que impõem formas e uso do território e do trabalho

escravo. No início, a procura e extração de ouro no litoral e posteriormente nas

atividades pastoris. Conforme este mesmo estudo só 24% da população

paranaense é negra.

Em Guaíra (PR), num total de 28.638 habitantes, apenas 876 pessoas

identificaram-se como da cor pretas e 8.374 como sendo pardas. Ainda segundo o

IBGE no ano de 2007, houve um acréscimo de 0,5 no percentual chegando a 6,3%

os que se reconhecem como negros e os pardos 43,2% da população brasileira.

Com base nesses dados, pode-se afirmar que muitas pessoas ainda negam sua

identidade, ou seja, não se reconhecem como negras ou afrodescendentes, pois ao

declarar-se parda esconde sua verdadeira identidade, os dados também confirmam

que as condições sociais da maioria dos negros e pardos são inferiores a dos

brancos.

Para conhecer as condições sociais dos negros que residem em Guaíra,

elaborei um questionário com questões fechadas e questões abertas. Para esta

coleta de dados o enfoque foi: os setores da economia, a profissão, a renda, o grau

de escolaridade, a situação habitacional, o consumo de energia os utensílios

utilizados, o local de origem e os costumes. 55 famílias negras responderam o

questionário. Os resultados obtidos são os seguintes:

Quadro 1 - Setores da economia

Formal Informal Não quiseram informar

29 22 03

Fonte: Maria Rezende, 2009.

Trabalho formal é aquele que segue a forma da lei. Nas sociedades

organizadas, as relações de trabalho devem seguir determinadas regras, e tais

regras estão estipuladas na lei. O setor privado é regido pela CLT, o trabalho é

registrado em carteira, o empregado e o empregador contribuem com a previdência

e têm direitos garantidos como: auxílio doença, direito a férias, aposentadoria,

licença maternidade. No caso dos servidores públicos, é o estatuto é que rege, e

existe uma lei específica para cada esfera de governo federal, estadual e municipal.

E as profissões são reconhecidas, ex: advogado, professor, médico, dentista, etc. O

trabalho informal é sem contrato de trabalho, expropriado de todos os direitos

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básicos de garantia de que vai continuar a receber salários nos meses seguintes,

sem direito a férias, à licença maternidade, à seguridade social, a renda não é fixa,

não tem horário de trabalho pré- estabelecido. Ex: prestadores de serviços por

conta, profissões não regulamentadas como: faxineiro, encanador, pintor, pedreiro, e

outros. Obedecem a um acordo verbal, não tem como recorrer à justiça quando são

lezados em seus “direitos”, por isso são impossibilitados de ter uma identidade

social. Ou seja, não é sujeito de direito. Homens e mulheres que exercem esse tipo

de trabalho por necessidades econômicas perdem a noção de cidadania e vivem à

margem de tudo.

Quadro 2 - Grau de escolaridade

Séries iniciais

EF

EF Completo Ensino Médio Curso superior Não

informaram

21 17 18 02 09

Fonte: Maria Rezende, 2009.

Quadro 3 - Renda em salários mínimos

01 à 03 03 à 05 Acima de 06 Não informaram

37 05 03 09

Fonte: Maria Rezende, 2009.

Quadro 4 - Habitação/moradia

Casa própria Pagam aluguel Moram em casa

emprestada

37 10 07

Fonte: Maria Rezende, 2009.

Quadro 5 – Utensílios domésticos

Geladeira Máquina

de lavar

roupa

TV Rádio Computado

r

Freezer Microondas

51 47 46 42 17 02 02

Fonte: Maria Rezende, 2009.

Quadro 6 - Consumo de energia

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R$ 10,00 à R$

50,00

R$ 51,00 à R$

100,00

R$ 101,00 à R$

200,00

Acima de R$

200,00

13 12 10 02

Fonte: Maria Rezende, 2009.

A análise dos quadros acima confirma os dados do IBGE sobre a

população negra em Guaíra – PR e revela os baixos índices sócio-econômicos

desse grupo. Baixo nível de escolaridade, a explicação é o trabalho intenso e

pesado que cerceia a vontade de estudar, salários inferiores as suas necessidades,

a maioria tem residência própria, mas, sem infra-estrutura adequada, os utensílios

são só os de extrema necessidade, o consumo de energia é mínimo, pois estão

inseridos no programa governamentais luz baixa renda.

A profissão é variada para os homens: pedreiro, motorista, funcionário

público, soldador, pescador, bóia-fria, agente de saúde, comerciante, encarregado,

agricultor, tratorista, vendedor de picolé, engenheiro civil, chapeador, marceneiro,

autônomo, loneiro, construtor, serviços gerais, militar, chacareiro, mecânico,

cabeleireiro, e outras. Para as mulheres: só fazem o serviço de casa 16, cozinheira

04, e uma minoria apresentam-se como: diarista, micro empresária, funcionária

pública, comerciante, pescadora, agricultora, empregada doméstica, serviços gerais,

secretária e higienização.

Os pesquisados são oriundos dos estados brasileiros, dos mais variados

municípios destaque para os estados do (e): Paraná, Sergipe, Santa Catarina, Rio

de Janeiro, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Rondônia,

Rio Grande do Sul. Todos vieram em busca de melhores condições de vida, e têm

mais de 30 anos que residem em Guaíra.

A migração interregional e intrarregional do povo negro dos estados

brasileiros para Guaíra – PR, foi motivada por fatores geopolíticos e econômicos.

Geopolíticos a ocupação efetiva por meio de povoamento para garantir o limite

fronteiriço com a República do Paraguai. O espaço territorial guairense nas décadas

de 1950, 1960, era coberta por floresta densa, a área urbana tinha uma rua de terra

batida. O exército foi o órgão governamental responsável pela ordem e distribuição

das terras na área de segurança nacional, a faixinha já citada neste estudo. A área

fora da faixa de segurança foi loteada por companhias colonizadoras, os preços

eram acessíveis. O fator econômico era a possibilidade de ter acesso à terra que

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nesse período e para esse grupo “terra” ainda era sinônimo de poder e ascensão

social

Os costumes ainda preservados entre o grupo pesquisado: respeito aos

mais velhos, pedir bênção ao pai e a mãe, dividir as tarefas e afazeres domésticos,

reunir a família, as comidas bem apimentadas, feijoada, frango caipira com quiabo,

doce de abóbora, angu de fubá, bolo de fubá, gostam de dançar, de contar estórias

de assombração e praticar rituais religiosos, benzimentos contra quebranto, olho

gordo, mal olhado.

Comunidade quilombola Manoel Ciríaco dos Santos – Guaíra (PR)

De acordo com o grupo de trabalho Clóvis Moura, as comunidades

quilombolas são grupos étnicos, predominantemente constituídos pela população

negra rural ou urbana, que se auto-define a partir das relações com a terra, o

parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias.

Este grupo tem por objetivo fazer a ponte entre o governo do Estado e as

comunidades quilombolas.

Através dos seus distintos órgãos, o governo Estadual e Federal promove

o etno-desenvolvimento das comunidades quilombolas. Esta iniciativa visa melhorar

as condições de vida e fortalecer a organização dessas comunidades por meio de

acesso a terra, promover cidadania, valorizar experiências históricas e culturais,

recursos ambientais desses grupos para potencializar sua capacidade de

autonomia.

No estado do Paraná, já foram identificadas 86 comunidades e destas 36

já foram reconhecidas. Uma dessas é a comunidade quilombola Manoel Ciriaco dos

Santos, localizada no Município de Guaíra – PR na localidade de Maracaju dos

Gaúchos. Foi reconhecida em 2007 pela Fundação Zumbi dos Palmares.

Nessa comunidade, hoje, vivem 07 famílias, perfazendo o total de 42

pessoas. Tem 03 jovens entre 15 e 20 anos e 13 jovens de 0 a 15 anos. Ocupam

uma área de 06 alqueires, mas o espaço de exploração é menor devido a área de

reserva às margens do córrego Birigui, ao fundo (sul) da propriedade.

De acordo com o relato do senhor José Maria dos Santos, filho do

patriarca Manoel Ciriaco dos Santos chegaram à localidade de Maracaju dos

Gaúchos no ano de 1964, vindo do estado de Minas Gerais, da localidade de Santo

Antonio do Itambé do Cerro, hoje Itambé do Cerro (norte de MG).

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Seus antepassados trabalharam na mineração, nos engenhos de açúcar.

O senhor Manoel Ciriaco dos Santos trabalhou nas lavouras cafeeira, deste trabalho

é que ajuntou o dinheiro para comprar a propriedade. Ele veio com a família que era

composta por 08 filhos. Ao chegar aqui, comprou 15 alqueires de terras férteis e

planas, ótimas para o desenvolvimento da agricultura.

A comunidade de Maracaju dos Gaúchos é formada por descendentes de

italianos, por isso a convivência não foi fácil, eles eram impedidos de comprar os

alimentos básicos nas vendas (nome dado aos pontos de comércio da época),

freqüentar a igreja e as festas da comunidade. Devido a estes constantes

constrangimentos (discriminação/racismo) isolou-se, assim permaneceu

desconhecida para os moradores da cidade e pelo município por um longo período

de 1964 a 2003.

As mudanças nas formas de manejo do solo, ou seja, o processo de

mecanização e a entrada do biênio soja – trigo contribuiu para que 40 pessoas

deixassem a propriedade em busca de novas oportunidades de trabalho. Com

problemas financeiros e falta de mão-de-obra, o senhor Manoel vendeu parte da

propriedade, ou seja, 09 alqueires e sobraram 06 alqueires nos quais passou a

cultivar produtos de subsistência. Com a morte do senhor Manoel pensou-se em

vender a propriedade e fazer a partilha, mas ficam sabendo da Lei 10.639/03,

procuram então ajuda da administração pública.

Em 2007, o grupo foi reconhecido como remanescente de quilombo.

Passou a denominar comunidade quilombola Manoel Ciriaco dos Santos em

homenagem ao senhor Manoel, “o patriarca do grupo”. A comunidade luta para

resgatar e preservar suas tradições, com algumas dificuldades, o que muitas vezes

os distanciam dos costumes passados de gerações a gerações. A comunidade

mantém viva as crenças e hábitos como: o candomblé, as festas juninas, as rodas

de ladainha e capoeira, as danças, os remédios caseiros e a produção artesanal da

farinha de mandioca.

Após o reconhecimento, a comunidade organizou-se num modelo

cooperativista, onde tudo passou a ser coletivo. A produção é diversificada (feijão,

mandioca e hortifrutigranjeiros) usam para a subsistência do grupo e os excedentes

vendem nos supermercados da cidade de Guaíra.

No dia 11/05/2007, a comunidade quilombola recebeu 230 livros do

programa Arca das Letras para montar a biblioteca, os livros são de literatura e

didáticos. Em abril de 2008, foi montado o Telecentro Rural que significa portas de

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acesso gratuito à internet. São 06 computadores interligados em rede através do

programa Gesac (Governo eletrônico – Serviço de atendimento ao cidadão), do

ministério das comunicações (unidade de inclusão digital ou telecentro). “O

programa é avaliado em 70 mil reais, em parceria: ministério das telecomunicações,

Banco do Brasil, Eletrosul, Eletrobrás, governo do estado e prefeitura municipal.”

(relato oral, do senhor José Maria dos Santos, o mais velho da comunidade em

07/07/2008) .

A prática pedagógica

João Rua (2005) diz: todo trabalho deve ter por base o “conhecimento

empírico da realidade do aluno”, saindo de experiências vividas para a

fundamentação teórica. A experiência permite fazer reflexões da realidade,

criticando-a e analisando a luz da teoria. Então para conhecer a realidade dos

negros em Guaíra – PR, apresentei à proposta de trabalho a direção e equipe

pedagógica da escola e aos alunos do 2° ano do ensino médio.

Foto 01 – Alunos do 2º ano do E.M., professores e a diretora em

atividade prática na comunidade quilombola.

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Fonte: Profa. Vilma Fiorotti,2009.

Organizamos a visita à comunidade de remanescentes de quilombos

existente em nosso município, realizamos entrevistas com questionário organizado

(a comunidade quilombola localiza-se na zona rural). Em coleta de dados indireta,

55 alunos negros do colégio Estadual Mendes Gonçalves levaram o questionário

para os pais responderem. Para coletar os dados do IBGE, da Prefeitura Municipal e

da EMATER a turma foi dividida em grupo fez o estudo teórico.

A visita com entrevista à comunidade quilombola trouxe o resultado

esperado, o conhecimento a partir da experiência do aluno, cada grupo trouxe com

detalhes o seu trabalho. Observei que cada grupo ao terminar a atividade a que

tinha sido incumbido corria em busca de outras informações para satisfazer sua

curiosidade a respeito daquele povo.

Foto 02 – Alunos entrevistando o líder da comunidade quilombola.

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Fonte: Profa. Diretora Fernanda Rossato,2009.

De posse do resultado da entrevista, a comunidade quilombola versou

sobre a história, o espaço ocupado, o uso do solo, os costumes (cultura) e as

condições socioeconômicas da comunidade. Percebe-se que ao longo da conversa

o processo de discriminação, exclusão do convívio social com a comunidade vizinha,

e com o município foram acometidos através de frases como: “preto é burro só serve

para trabalhar” “Olha que nuvem preta, vai chover hoje!” “ Vai tomar banho seus

sujos!” e outras. As condições em que se encontram é fruto de um longo processo

de organização e reorganização do espaço territorial brasileiro no qual Guaíra

também está inserida.

“Eles disseram: hoje somos felizes, porque os outros nos respeitam,

recebemos visitas de alunos de diferentes lugares, podemos contar nossa história

aos outros, a gente agora é gente, podemos andar de cabeça erguida”.

(Entrevistado A, 2009)

A prefeitura atende-os agora com mais atenção, freqüentam a unidade de

saúde que atende a todos os munícipes, e estudam nas escolas municipais e

estaduais. A EMATER fornece ajuda técnica. Segundo os dados do IBGE, no último

senso, ano 2000, 876 pessoas declararam-se da cor preta e 8.374 declararam-se da

cor parda. Com base nesses dados pode-se afirmar que muitas pessoas ainda

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negam sua identidade, ou seja, não se reconhecem como negras ou

afrodescendentes.

O estudo teórico trouxe o debate acalorado a respeito da cultura e da

identidade de diferentes grupos sociais em diferentes épocas. Em especial dos

grupos negros. Na medida em que a leitura dos textos acontecia e ia mostrando que

os negros tinham diferentes ofícios no continente africano, forma (jeito) de viver e se

organizar. “Eles, os alunos se indignavam: não tinha como respeitar essas pessoas?

Como pode ser tão cruéis?” (Entrevistado B, 2009). O sistema econômico, político,

social embasado no acúmulo de capital a qualquer custo fez as idéias européias

usar de todos os subterfúgios para garantir ocupação dos espaços, riqueza e poder.

“Ah, agora entendo porque os negros fugiam” (Entrevistado C, 2009) “Somos iguais

como seres humanos, temos direitos e deveres como cidadãos, mas diferentes na

cor dos olhos, na cor da pele, na religião, na forma de pensar, agir, nos usos e

costumes”. (Entrevistado D, 2009) É importante conhecer para respeitar as

diferenças culturais entre os povos.

Em entrevista a 10 pessoas negras, faziam os seguintes

questionamentos: Você se identifica como sendo: branca, preta ou parda? Você

acha que é possível uma pessoa negar sua cor e por quê?

O resultado, três pessoas disseram “sou preta” e sete “sou pardas”. Em

relação ao segundo questionamento leia a resposta da Dona Elvira e da Dona Maria.

Dona Elvira disse: “Eu sou nega, mas não gosto da minha cor porque

sempre serviu de chacota para os outros. Oiá só aquela nega está parecendo

gente! De noite só dá pra vê os dentes e o zoio. Negra só é boa no fogão, bão se

for de lenha que ai a nega sofre. E completa , minha bisavó por parte de minha mãe

era italiana, tinha uns cabelão, mais a minha mãe amasiou com um negão e eu sai

igualzinha, tenho uma raiva!” ( agosto, 2009).

Dona Maria disse: “Eu acho que sou parda, porque preto para mim é

aquele que brilha, parece que lustrou. Meu pai era branco, teve um caso com uma

nega e eu saí assim fula” “Na verdade não sei o que sou, pois meus avôs do lado da

mãe vieram da Bahia e diziam ser descendentes de escravos, meus avós do lado do

pai diziam ser descendentes de português com índio, sou uma mistura danada”

(agosto, 2009).

Considerações finais

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Cultura negra em Guaíra - PR, tema que propiciou pesquisas empíricas e

bibliográficas, discussões a respeito dessa cultura e sua espacialização no território

guairense que datam a partir de 1960, quando o governo federal por meio do

exército brasileiro cedeu a título de posse uma faixa de terra margeando o rio

Paraná de Guaíra a Foz do Iguaçu para os imigrantes vindos de diferentes estados

brasileiros, mas em especial dos estados de Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo.

Diferentes etnias vieram, mas o enfoque aqui é para o grupo negro. Todos vieram

em busca de um pedaço de terra para morar, plantar, colher e viver dignamente.

Esse processo migratório foi motivado por fatores geopolíticos e econômicos, uma

estratégia governamental política, mas para os imigrantes uma esperança de vida

melhor.

Sabe-se que a maioria dos negros foi forçada a deixar seu território, sua

pátria com seus usos e costumes, organizações, etc. Dessa forma, aqui no Brasil,

tiveram que reinventar sua sobrevivência. A luta pela sobrevivência vem sendo

travada desde sua chegada ao território brasileiro através de vários movimentos.

Então a lei 10.639/2003, veio contribuir ao exigir dos estabelecimentos de ensino um

novo enfoque a cultura negra. Assim, o negro passa a ser sujeito de sua própria

história. Aqui em Guaíra, os traços dessa cultura estão em todos os setores, mas

passa despercebida por todos, até dos próprios negros. Na escola, no comércio, na

rua ou em qualquer outro lugar perguntar sobre os negros, a resposta imediata é os

quilombolas, há! Aqueles “lutam” capoeira!

No grupo pesquisado, percebe-se que o reconhecimento da identidade

negra ainda está distante, eles têm medo de sofrer retaliação, preconceito ou

discriminação. O negro de Guaíra-Pr ainda não tem conhecimento a respeito desta

busca de identidade e nem dos seus direitos básicos de cidadão. No tocante a

cultura, falam timidamente da culinária. Até porque a identidade é um processo

coletivo, aproxima o grupo e exige conhecimento e todo um modo de vida, ou seja,

os elementos que compõem sua identidade. Identidade negra também é falar de sua

origem com respeito, lembrar dos antepassados com dignidade, pois estes deram

sua contribuição para que o Brasil configure no cenário econômico mundial de

desenvolvimento.

A analise dos dados obtidos mostra que os negros, que residem na zona

urbana, apresentam péssimas condições de vida, salários inferiores às suas

necessidades, residências sem infra - estrutura, baixo nível de escolaridade. Os

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negros da zona rural são pequenos agricultores e apresentam melhores condições

socioeconômicas.

O grupo negro que vem sendo destacando no município de Guaíra são os

remanescentes de quilombolas. A comunidade Quilombola Manoel Círiaco dos

Santos. Eles vivem incrustados uma área de seis alqueires, comprada com capital

próprio, localizada na comunidade de Maracaju dos Gaúchos se identificam como

quilombolas desde 2003. O processo de identificação foi realizado através da

memória coletiva do grupo, pelo grupo de estudos Clóvis Moura. Mas suas

condições socioeconômicas ainda estão abaixo do nível desejado.

O trabalho realizado foi de extrema importância, pois o público alvo, os

alunos do segundo ano do ensino médio, teve a oportunidade de comprovar em loco

a situação socioeconômica dos negros que vivem em Guaíra e conhecer a

comunidade quilombola em todos os seus aspectos históricos, políticos,

econômicos, sociais e culturais. O trabalho de campo despertou-os para os estudos

bibliográficos, pois a leitura torna-se familiar a partir da experiência. A

implementação trouxe o resultado esperado, ou seja, facilitou o ensino

aprendizagem, e despertou nos alunos o gosto pelas pesquisas, conhecer o local

para compreender o global. Proporcionou ao aluno autonomia para produzir

conhecimento, tornando-o sujeito de sua aprendizagem

A produção do folhas e do artigo exigiu uma consulta aos referenciais

teóricos da geografia e a partir da análise evolutiva desse conhecimento específico,

compreender as tendências teóricas e filosóficas atuais para situar no tempo e no

espaço o ensino demográfico cultural. A busca do conhecimento exige disciplina e

disponibilidade de tempo para as pesquisas de campo, mas, o resultado das

atividades executadas, traz satisfação profissional e pessoal. E contribuiu para a

melhoria da prática didático-pedagógica.

Referências

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