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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE DIREITO GABRIELA DE LIMA SOUZA A CULTURA PACHAMAMISTA E SUAS INFLUÊNCIAS NORMATIVAS PARA A PROTEÇÃO DO AMBIENTE E DOS ANIMAIS: Cosmovisão indígena para o bom uso da natureza BARRA DO GARÇAS 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE DIREITO

GABRIELA DE LIMA SOUZA

A CULTURA PACHAMAMISTA E SUAS INFLUÊNCIAS NORMATIVAS PARA

A PROTEÇÃO DO AMBIENTE E DOS ANIMAIS: Cosmovisão indígena para o bom uso da natureza

BARRA DO GARÇAS

2019

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GABRIELA DE LIMA SOUZA

A CULTURA PACHAMAMISTA E SUAS INFLUÊNCIAS NORMATIVAS PARA A PROTEÇÃO DO AMBIENTE E DOS ANIMAIS: Cosmovisão

indígena para o bom uso da natureza

Monografia apresentada ao curso de Direito/ICHS/CUA, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientação: Profª. M.a. Rosana Gomes da Rosa

BARRA DO GARÇAS

2019

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GABRIELA DE LIMA SOUZA

A CULTURA PACHAMAMISTA E SUAS INFLUÊNCIAS NORMATIVAS PARA A PROTEÇÃO DO AMBIENTE E DOS ANIMAIS: Cosmovisão

indígena para o bom uso da natureza

Monografia apresentada ao curso de Direito/ICHS/CUA, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

___________________________ em _____/_____/_______.

BANCA EXAMINADORA

Professora Mestra Rosana Gomes da Rosa

Orientadora

Professor Mestre Douglas Mezacasa Membro externo – UEG

Professora Especialista Roberta Corazza de Toledo Ribeiro

Membro interno – UFMT

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu amado pai

que me ensinou o valor e respeito a

todas as formas de vida e ao meu

pequeno milagre que carrego no ventre

para que ela guie-se por este caminho

de reciprocidade e empatia.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a Deus por me permitir a vida e oportunizar cada

ciclo de aprendizado, me concedendo paciência e sabedoria para lidar com as

tribulações da vida, pela proteção e quietude nos momento de angústia e por

permanecer ao meu lado a todo instante. Em especial, nesse momento, me

permitindo gestar o meu grande amor.

Ao meu pai que sempre esteve e permanece presente nos gestos de amor e

conforto, ainda me ensinando, por sua memória, o valor da vida. Meu alicerce,

minha sabedoria e meu exemplo de amor e força.

À minha mãe, minha inspiração de vida, por todo o amor e dedicação. Por

todo o esforço em me proporcionar a melhor educação, por me incentivar e

sempre me apoiar. Pelo conforto do colo e pela dureza das necessárias palavras

de ensino. Sua força e alegria me inspiram todos os dias a permanecer firme,

sempre. A você, todo meu amor e gratidão.

Ao meu companheiro de vida que sempre esteve ao meu lado, me apoiando

e incentivando, sendo minha calmaria e meu amparo de cada dia. Minha luz de

orientação que hoje me presenteia com a melhor parte da vida, nossa pequena

herança de amor.

Aos meus amigos de curso pela compreensão, paciência, apoio e por me

acolherem com tanto carinho desde o início. Por me incentivarem e nunca me

deixarem sozinha. Grata pelas melhores amizades.

À minha orientadora, pessoa extraordinária, que me mostrou uma visão de

empatia e reciprocidade ao ambiente, pelos ensinamentos adquiridos ao longo

da pesquisa, por toda paciência, incentivo e apoio. Por acreditar em mim e,

essencialmente, por permitir que esse trabalho fosse possível. A ela, em especial,

toda minha gratidão.

Ao professor Dr. João Paulo Rocha de Miranda por oportunizar a experiência

de pesquisa sobre Pachamama e a cultura andina, permitindo os primeiros

delineados desse trabalho.

Por fim, aos meus amados animais de estimação, passados e presentes, que

me ensinaram como é o amor em sua forma pura, sendo minhas alegrias diárias

e minhas inspirações para a escolha e desenvolvimento do tema.

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É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele, ou a terminação do sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha insuperável? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade de falar? Mas, para lá de toda comparação possível, um cavalo ou um cão adulto são muito mais racionais, além de bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim; que importância teria tal fato? A questão não é, eles raciocinam? Eles podem falar? Mas sim, eles podem sofrer? (BENTHAM, 1979).

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RESUMO

A presente pesquisa visa demonstrar a possibilidade de instituir um novo modelo constitucional, baseado na herança indigenista da cultura Pachamama, pela busca restaurativa da coexistência harmônica entre humano e natureza, bem como, os possíveis reflexos e influição ao ordenamento jurídico brasileiro. Pautando-se no cenário da contínua degradação ambiental e extinção de espécies, demonstra os novos princípios adotados pelo constitucionalismo sul-americano guiado pela cultura do “Bem Viver” que, por sua vez, emana-se das bases Pachamama, a fim de aduzir uma visão de interdependência e respeito ao ambiente e seus elementos. Ademais, a pesquisa evidencia a sabedoria dos povos originários andinos, como a correta direção a seguir para o futuro ambiental do planeta, através do reconhecimento da interdependência humana e natureza, pelas práticas de respeito, proteção e reciprocidade, capaz de permitir uma coexistência harmônica entres todas as formas de vida. Desse último aspecto, enfatiza o animal não humano, tocando em sua senciência, bem como em sua consequente inclusão na comunidade moral por reconhecimento de sua natureza jurídica. Por fim, apresenta as possíveis aplicações de bases pachamamistas à legislação brasileira, ressaltando as práticas empregadas pelos tribunais pátrios em reconhecimento do animal como sujeito de direitos, assim como demonstra a cabível e possível adoção do modelo constitucional sul-americano à Constituição brasileira. Outrossim, utilizando-se dos métodos dedutivo e dialético, a coleta de dados deu-se por documentação indireta, baseada em pesquisas bibliográficas de doutrinas, livros e artigos, bem como em normas e entendimentos jurisprudenciais. Conclui, portanto, pelo exequível acolhimento da cosmovisão indígena pelos Estados, por sua sabedoria Pachamama, reconhecendo-a em texto constitucional, aplicando a correta abordagem a ser feita à natureza, reconhecendo-a além de sua essencialidade a vida humana, para a sobrevivência do planeta, através de práticas substancialmente simples de respeito, cooperação e reciprocidade entre humano e natureza.

Palavras-chave: bem viver - cosmovisão indígena - novo constitucionalismo sul-

americano - Pachamama - senciência animal.

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RESUMEN

La presente investigación pretende demostrar la posibilidad de instituir un nuevo modelo constitucional, basado en la herencia indigenista de la cultura Pachamama, por la búsqueda restaurativa de la coexistencia armónica entre humano y naturaleza, así como los posibles reflejos e influencias al ordenamiento jurídico brasileño. En el escenario de la continua degradación ambiental y extinción de especies, se demuestra los nuevos principios adoptados por el constitucionalismo sudamericano guiado por la cultura del Bien Vivido que, a su vez, se emana de las bases Pachamama, a fin de plantear una visión de interdependencia y respeto al ambiente y sus elementos. Además, la investigación evidencia la sabiduría de los pueblos originarios andinos, como la correcta dirección a seguir hacia el futuro ambiental del planeta, a través del reconocimiento de la interdependencia humana y la naturaleza, por las prácticas de respeto, protección y reciprocidad, capaz de permitir una coexistencia armónica entres todas las formas de vida. De ese último aspecto, enfatiza el animal no humano, tocando en su sensación, así como en su consiguiente inclusión en la comunidad moral por reconocimiento de su naturaleza jurídica. Por último, presenta las posibles aplicaciones de bases pachamamistas a la legislación brasileña, resaltando las prácticas empleadas por los tribunales patricios en reconocimiento del animal como sujeto de derechos, así como demuestra la cabecera y posible adopción del modelo constitucional sudamericano a la Constitución brasileña. Además, utilizando los métodos deductivo y dialéctico, la recolección de datos se dio por documentación indirecta, basada en investigaciones bibliográficas de doctrinas, libros y artículos, así como en normas y entendimientos jurisprudenciales. Concluye, por lo tanto, por la acogedora acogida de la cosmovisión indígena por los Estados, por su sabiduría Pachamama, reconociéndola en texto constitucional, aplicando el correcto enfoque a ser hecho a la naturaleza, reconociendo además de su esencialidad la vida humana, para la supervivencia del hombre a través de prácticas sustancialmente simples de respeto, cooperación y reciprocidad entre humano y naturaleza. Palabras-clave: bien vivir - cosmovisión indígena - nuevo constitucionalismo

sudamericano - Pachamama - sensibilidad animal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................10

1 PACHAMAMA E A COSMOVISÃO INDÍGENA: CONCRETIZAÇÃO DO BEM VIVER E O

BOM USO DA NATUREZA.........................................................................................12

1.1 Das origens da Pachamama: o que é a Cosmovisão Indígena?.........................12

1.2.O Respeito aos Animais como forma de Proteção ao Lar

Comum...................................................................................................................18

1.3.Bem Viver, Viver Bem e o Bom Uso da

Natureza.................................................................................................................23

2 O DIREITO DOS ANIMAIS EM UMA ANÁLISE PACHAMAMISTA: BASES

CONSTITUCIONAIS SUL-

AMERICANAS...........................................................................................................29

2.1 Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: o Mínimo Existencial....................29

2.2 Seres Sencientes: a Necessidade Humana de Garantir Constitucionalmente os

Direitos dos Animais...............................................................................................35

2.3.Pachamama e a Influência Cultural nas Bases Constitucionais Sul-

Americanas.............................................................................................................41

3 RELAÇÕES ENTRE O DIREITO DOS ANIMAIS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E

CONCEPÇÕES PACHAMAMISTAS SUL-

AMERICANAS...........................................................................................................48

3.1 Influências Indigenistas na Sociedade Brasileira...............................................49

3.2.A Garantia do Direito dos Animais e do Meio Ambiente na Legislação

Brasileira.................................................................................................................54

3.3 A importância do respeito e proteção a todas as formas de vida: uma herança

pachamamista........................................................................................................59

CONCLUSÃO............................................................................................................65

REFERÊNCIAS..........................................................................................................68

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INTRODUÇÃO

Verifica-se o empenho das grandes potências mundiais em investir na

exploração externa do planeta. Quantidades exorbitantes de capital são

aplicados com intuito de descobrir outros possíveis ecossistemas com

habitabilidade compatíveis ao ser humano. Tal prioridade deriva da característica

de uma sociedade com influências culturais antropocentristas perdurável. No

entanto, sob uma perspectiva ecocêntrica conservada, surgem os ensinamentos

da cosmovisão indígena capazes de restabelecer o ansiado recomeço

harmonioso entre o indivíduo e sua morada terrena (ACSELRAD et al., 2009).

A presente pesquisa aborda a enunciação de uma sabedoria que, por ironia

à modernidade, tem bases ancestrais de povos antes usurpados de seus

costumes e culturas substituindo-as por hábitos de seus colonizadores, como

aconteceu com diversas etnias indígenas em toda a América do Sul. O estudo da

Pachamama, deidade cultuada pelos povos tradicionais andinos, aborda uma

cosmovisão de respeito e coexistência harmônica com a natureza e seus

componentes. A visão pachamamista mostra que a tão ansiada resposta para as

emergentes catástrofes ambientais e numerosas perdas de espécies está na

simplicidade de reconhecer a empatia e interdependência entre humano e

natureza, a serem praticadas pelo “instrumento” gratuito denominado respeito.

Resta demonstrar a possibilidade de integrar a sabedoria pachamamista aos

atuais sistemas constitucionais valendo-se da oportuna necessidade de

recuperação urgente do planeta, bem como pela busca do equilíbrio sustentável

do ambiente.

Em reconhecimento precípuo da importância da natureza para todas as

formas de vida inclui-se a discussão da presente pesquisa no reconhecimento do

animal não humano como sujeito de direitos, diante da constatação de sua

senciência. Oportuno observar que, por questão de fluência textual, o

substantivo “animal” será utilizado ao longo do trabalho para retratar o animal

não humano, enquanto a pessoa humana será referenciada pelo emprego da

palavra “humano”.

Desse modo, os objetivos do trabalho foram delineados da seguinte forma:

em termos gerais, visa demonstrar a possibilidade de instituir um novo modelo

constitucional, baseado na herança indigenista da cultura Pachamama, pela

busca restaurativa da coexistência harmônica entre humano e natureza,

acentuando os animais, através das práticas recíprocas e respeitosas. Quanto às

especificidades, tem-se a abordagem da essência Pachamama e de sua emanada

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interpretação Bien Vivir, expondo suas sabedorias de coexistência entre humano,

natureza e animal; adiante, através do aspecto de respeito a todas as formas de

vida ensinada pela cosmovisão indígena, dar ênfase ao animal não humano,

tocando em sua senciência, bem como em sua consequente inclusão na

comunidade moral por reconhecimento de sua natureza jurídica; e, por fim,

analisar as possíveis aplicações de bases pachamamistas à legislação brasileira,

ressaltando as práticas empregadas pelos tribunais pátrios em reconhecimento

do animal como sujeito de direitos, assim como demonstrar a cabível e possível

adoção do modelo constitucional sul-americano pela Constituição brasileira.

Para a realização da presente pesquisa aplicada foi realizada coleta de

dados por documentação indireta, baseada em pesquisas bibliográficas de

doutrinas, livros e artigos, bem como em normas e entendimentos

jurisprudenciais. Utilizando-se dos métodos dedutivo e dialético, a elaboração

dividiu-se em três capítulos: no Capítulo 01 pretendeu-se compreender a

inteligência ancestral da cultura Pachamama relativo ao correto comportamento

entre humano e natureza, refletindo suas benignidades de reciprocidade,

respeito e consequente coexistência harmônica; invocando o respeito à todas

formas de vida pregado pela cultura pachamamista, aborda-se no Capítulo 02 a

questão do reconhecimento do animal como sujeito de direitos, mediando-se por

sua senciência e consequente necessidade de tutela jurídica; e, por fim, o

Capítulo 03 transita pelas atuais legislações brasileiras de proteção ambiental e

animal, buscando analisar possibilidade do aproveitamento do saber indigenista

Pachamama à Constituição Federativa do Brasil.

Com isso, apresenta-se o questionamento norteador do presente trabalho: É

possível reviver uma cultura ancestral indígena por imposição de instrumento

constitucional a fim de restaurar o equilíbrio ambiental através das práticas de

respeito, reciprocidade e coexistência entre humano e natureza? Entende-se que

a resposta pode estar na simpleza de reconhecer a interdependência através de

uma ótica de empatia e respeito à natureza e seus componentes, conforme

passa a se verificar.

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1 PACHAMAMA E A COSMOVISÃO INDÍGENA: CONCRETIZAÇÃO DO BEM VIVER E

O BOM USO DA NATUREZA

Para abordar o “Bem Viver” e o “Bom Uso da Natureza” é necessário

conhecer os caminhos a serem permeados nos próximos enunciados a começar

pelo fundo simétrico entre humano e natureza delineado pela cultura

pachamamista, oriunda dos povos indígenas Quéchuas e Aymaras. Deve-se

entendê-la como uma erudição andina que prega respeito e harmonia entre

todas as formas de vida, afastando a ideia divisa entre “homem” e natureza

ensinada pela filosofia grega. De origem latino-americana, a pachasofia dos

andinos ensina uma relação vital de conexão com o ambiente e seus habitantes,

acreditando numa morada organicamente em ordem, sustentada pelos pilares

da reciprocidade e complementaridade, excluindo a ideia de hierarquia, mas sim

de correspondências mútuas (ESTERMANN, 2006).

Nessa perspectiva religiosa Pachamama, trazida pela cosmovisão indígena,

a proteção ao ambiente bem como a todos os seres que nele habitam toma

forma. Depreende-se daí a consciência de vários movimentos sociais e

ecológicos, com fim de reavivar possíveis soluções para a situação emergente

do planeta. Uma dessas ramificações, denomina-se Ecosofia andina que, por sua

vez, bifurca-se em dois aspectos: econômico e ecológico. Não se trata de

instituir uma “norma verde”, mas de produzir uma sabedoria que ensina sobre

ciclos vitais e de reprodução baseados em conservação, respeito, cuidado e

equilíbrio. Entendendo o ser humano como um zelador da terra e de todo o seu

cosmo, reconhecendo a Pachamama como única força de produção e colocando

o “homem” na posição de transformador de sua obra (ESTERMANN, 2013).

Essa consciência traduz-se no paradigma do “Bem Viver” que, mais uma

vez, fora aprendido através da cultura andina dos povos indígenas, consistindo

na compreensão harmônica entre comunidade e natureza, resultando na vida

em plenitude, interpretando a vivência dos seres com interdependência e união

(WOLKMER et al., 2012). Esse conceito que posiciona o ser humano na mesma

conjuntura da natureza, não intenciona diminuí-lo, mas criar um ambiente

equitativo e saudável a todas as diversidades da vida, conforme abaixo

demonstrado.

1.1 Das origens da Pachamama: o que é a Cosmovisão Indígena?

A origem do termo Pachamama (ou Pacha Mama) não é clara, tendo esta

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possuído várias outras denominações ao longo da história, considerando épocas

e culturas distintas. Entretanto, a expressão mais utilizada em seus cultos

firmou-se em Pachamama. A primeira utilização registrada do nome deu-se no

Aymara, dicionário Bertonio com primeira edição de 1612 e em outras fontes

ligadas a este, podendo ser utilizada como adjetivo, substantivo e ainda sufixo,

quando utilizada em termos compostos (ESTERMANN, 2006, p. 156-157).

Acredita-se que sua origem está ligada à Aymara sendo apenas incorporada a

cultura Quéchua (DE GÖRLITZ, 1978, p. 25).

Como substantivo o termo possui o mesmo significado tanto em Aymara

como em Quéchua (ESTERMANN, 2006, p. 156-157). Como forma figurativa,

derivando do adjetivo e advérbio, Pacha expressa “mundo”, “espaço vital” e

“estratificação do cosmos” (ESTERMANN, 2006, p. 156-157). Pacha, em tradução

quéchua, significa “terra”, “tempo e espaço”, algo “divino” e “sagrado”. Já

Mama, por sua vez, se traduz como “maternidade”, “mãe”. Assim, Pachamama

configura-se como uma divindade da terra, de sua fertilidade, simbolizando o

nascimento, bem como o sentido da vida, sempre protegendo a terra e àqueles

que a habitam (OLIVEIRA, 2017, p. 63).

Trata-se de uma expressão que representa algo maior que fragmentação

de palavras. Segundo a cosmovisão indígena, traduz algo “[...] entre lo visible e

invisible, lo material e inmaterial, lo terrenal y celestial, lo profano y sagrado, lo

exterior e interior”1 (ESTERMANN, 2006, p. 157).

A representação de Pachamama varia a cada cultura e tempo. Os

fenomenólogos Trimborn e Kein (1967) apud GÖRLITZ (1978, p. 35) atribuem

essa “concepção pluralista da deusa a um processo de fusões culturais, que

também se manifestam na existência de mais de uma explicação mítica sobre

sua ancestralidade”. Goldammer (1960) apud GÖRLITZ (1978, p. 35) esclarece

que a singularidade de uma deidade, em sua maioria, pode originar outras

interpretações predominantes a cada região, porém, reunidos e inspirados em

personificação una. Isto posto, pela ótica clássica das divindades telúricas,

Pachamama é representada através da imagem de uma mulher, cujas

características foram descritas em registros modernos, variando apenas em

detalhes. Assim, conforme a crença mais popular, “pachamama é uma mulher

de estatura muito pequena, que vive debaixo da terra” (GÖRLITZ, 1978, p. 32).

Pachamama pode ainda ser traduzida como um “princípio cósmico

1 “[...] entre o visível e o invisível, o material e o imaterial, o terreno e o celeste, o profano e o sagrado, o exterior e o interior” (ESTERMANN, 2006, p. 157).

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feminino” (ESTERMANN, 2006, p. 192) caracterizando-a como a deusa da

natureza, fonte primordial de vivência, mãe da terra e protetora de todas as

formas de vida. Na cultura quéchua, acredita-se que runa (indígena andino) foi

criado do barro de uma caverna denominado Pagarina que, por sua vez,

representa o útero materno donde se origina a vida. Essa é a representação que

justifica a significação de Pachamama, fazendo uma alusão à mãe terra que

deve ser adorada e respeitada, pois cria o ser humano em união com a

natureza, reforçando o elo existente entre eles (OLIVEIRA, 2017, p. 70).

Nesse sentido, os indígenas andinos entendem a natureza como uma

realidade material e espiritual pertencente a ninguém, não sendo permitido o

ser humano apoderar-se dela. A compreensão religiosa da cultura Quéchua

construiu-se em uma base “animista”, isto é, a crença de que toda forma

poderia ter vida própria, seja objetos ou a natureza em si (OLIVEIRA, 2017, p.

63).

A importância do ambiente na religião Quéchua está relacionada ao fato de

que não há que se falar em juízo final, ressurreição ou vida eterna na religião

Quéchua. Na cosmovisão andina acredita-se na existência de pachakuti, isto é,

um momento de transição, tanto social quanto cósmica. Neste seguimento, a

responsabilidade da ação humana com o ambiente num todo, aumenta, visto

que suas ações tendem a refletir no presente e no futuro. Assim, para que haja a

salvação do povo Quéchua é necessário que o pachakuti seja positivo, e isso só

é possível se houver uma colaboração coletiva, em prol do povo e do ambiente

que os cerca (OLIVEIRA, 2017, p. 71).

A crença do povo Quéchua retrata uma relação acentuada entre religião e

ambiente na medida em que reconhece os recursos da natureza como seres

irmanados e não como fonte de exploração (OLIVEIRA, 2017, p. 74). A

concepção Quéchua une todas as formas de vida, demonstrando a possibilidade

de coexistência harmoniosa entre humano e natureza.

Conforme preceitua Eugênio Raul Zaffaroni (2011, p. 117), Pachamama não

é considerada uma deidade criadora, mas sim de proteção. Considera a

natureza como uma composição viva, sendo o humano seu dependente

(ESTERMANN, 2006, p. 193).

Essa dependência não faz do ser humano um “produtor”, mas mero

cuidador da terra, um ente natural que deve conviver em harmonia com a

Pachamama, retratando o agricultor zeloso do solo que é comum a todos os

seres viventes (ESTERMANN, 2006, p. 193).

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Nesse sentido, em consonância com seu caráter protetivo, a cultura

pachamamista não busca proibir todo e qualquer préstimo da natureza, pelo

contrário, permite seu usufruto, desde que o façam com responsabilidade e bom

uso. É o que ilustra Raúl Zaffaroni (2011, p. 118) ao expor:

No impide la caza, la pesca y la tala, pero si la depredación, como buena reguladora de la vida de todos los que estamos en ella. Pacha les permitió vivir, sembrar, cazar (aunque no en tiempos de veda), construir sus terrazas para aprovechar las lluvias, y les enseñó a usar de la naturaleza, es decir de ella misma - que también somos nosotros -, pero en la medida necesaria y suficiente.2

Adiante, faz um aparato ao explicar que a maioria das culturas existentes

pelo mundo, possui uma divindade representativa da natureza, que se manifesta

no sentido de proteção e respeito. Tais divindades são interpretadas e

nomeadas de formas distintas. Contudo, “se trata de un modo diferente de

convivir con las fuerzas de la naturaleza, pero que por su carácter de culto de

posesión no lo hace ajeno a ellas”3 (ZAFFARONI, 2011, p. 121). Com isso, mesmo

com profusas interpretações e nomes, a crença alimenta a certeza de que o

respeito e reciprocidade à Pachamama lhes trarão favor, mantendo a harmonia

entre os seres e protegendo-os de todos os males.

Uma reprodução cultural semelhante que merece apontamento é a

hipótese de Gaia, desenvolvida pelo inglês James Lovelock (1985). Gaia é a

deusa grega da Terra e a tese tecida por Lovelock entende o planeta como um

ente vivo, não como um organismo, mas como um sistema capaz de se

autorregular, abarcando teorias ligadas a sistemas, cibernéticas e biológicas

(VON BERTALANFFY apud ZAFFARONI, 2011, p. 79). Diante desta tese Lovelock

entende que se houver o desequilíbrio do planeta, Gaia irá banir o mal que lhe

acomete a fim de permitir que a vida volte em harmonia com outros seres mais

confortáveis e cooperativos (ZAFFARONI, 2011, p. 83).

A visão ética existente dentro da Teoria de Gaia forma um novo paradigma,

consistindo em reconhecer os direitos de todos os seres que compartilham da

terra, ao menos, “[...] el derecho de existencia y desarrollo pacífico de sus

vidas”4 (Zaffaroni, 2011, p. 84). Assim também é possível interpretar

Pachamama, pois a ética que se deriva de sua origem, impõe cooperação. Nesse

2 “Não impede a caça, a pesca e a extração de madeira, mas impede a predação, como um bom regulador da vida de todos nós. Pacha permitiu-lhes viver, semear, caçar (embora não em épocas fechadas), construir seus terraços para aproveitar as chuvas, e ensinou-os a usar a natureza, isto é, a si mesma - que também somos nós - mas na medida necessário e suficiente” (ZAFFARONI, 2011, p. 118). 3 “[...] é um modo diferente de viver com as forças da natureza, mas por causa de seu caráter de culto à posse não as torna estranhas a elas” (ZAFFARONI, 2011, p. 79). 4 “[...] o direito de existência e desenvolvimento pacífico de suas vidas” (ZAFFARONI, 2011, p. 84).

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sentido, deslinda Roel Pineda (2006) apud Zaffaroni (2011, p. 119):

Se parte de que en todo lo que existe hay un impulso que explica su comportamiento, incluso en lo que parece materia inerte o mineral y, con mayor razón, en lo vegetal y animal, de lo que resulta que todo el espacio cósmico es viviente y está movido por una energía que conduce a relaciones de cooperación recíproca entre todos los integrantes de la totalidad cósmica. Esta fuerza es Pacha, que es todo el cosmos y también es todo el tiempo. Así como Pacha es la totalidad, también es la poseedora del espíritu mayor: Pacha y su espíritu son uno solo aunque todos participamos de su espíritu.5

Pachamama é uma personificação da natureza que exige respeito e

reciprocidade por parte de todos (ZAFFARONI, 2011, p. 123). Não há perda ao

avançar e compreender a natureza com todos os seres que nela habitam e

reconhecer a existência da Pachamama de uma ótica recíproca entre humano e

ambiente, capaz de estabelecer uma conexão de diálogo, ainda mais quando se

entende a necessidade de dialogar (ZAFFARONI, 2011, p. 125).

A cosmovisão indigenista sobre Pachamama aponta para uma doutrina

esmerada possível entre humano e todos os demais seres da natureza. Apontam

os animais e as plantas como seres viventes merecedores de respeito e zelo,

conforme seus lugares na composição cósmica, devendo o humano respeitar o

ritmo natural da terra. Cuida-se da ordem de nascer, crescer, reproduzir, bem

como a bifurcação entre semear e colher, vida e morte (ESTERMANN, 2006, p.

194).

A Ecosofia possui estreita relação com a cosmovisão indígena, uma vez que

se manifesta como “eco-ética”. Em outras palavras, o indivíduo não pode

interferir como queira, pois são criação da terra tal como outros seres e, em

reflexo a qualquer dissonância, Pachamama reagirá a fim de sanar o

desequilíbrio causado por dominância humana (ESTERMANN, 2006, p. 194).

Para melhor ilustrar, ao considerar a cultura “animista” no qual foi

construída, os indígenas priorizam o diálogo com Pachamama na medida em

que pedem permissão para trabalhar na terra, agradecendo por seus resultados

e lhes retornando, simbolicamente, com frutos de seu trabalho. Os animais

recebem a importância que de fato possuem no complexo sistema ecológico, de

modo que antes de sacrificá-los, os indígenas pedem permissão para que sua

alma não se aborreça e, para o sacrifício utilizam métodos menos dolorosos

5 “Supõe-se que em tudo o que existe há um impulso que explica seu comportamento, mesmo no que parece ser matéria inerte ou mineral e, com maior razão, no vegetal e animal, do qual todo o espaço cósmico está vivo e é movido por uma energia que leva a relações de cooperação recíproca entre todos os membros da totalidade cósmica. Essa força é Pacha, que é todo o cosmos e também é o tempo todo. Assim como Pacha é o todo, ela também é a possuidora do espírito maior: Pacha e seu espírito são um só, embora todos nós participemos de seu espírito” (PINEDA apud ZAFFARONI, 2011, p. 119).

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possíveis, pois não ceifaram sua vida por mero capricho, mas com intenção de

subsistência (ESTERMANN, 2006, p. 195).

Citando Leonardo Boff (2002), Raúl Zaffaroni ilustra o ser humano e a

natureza como um todo, conectados, independente da ótica cultural. Alude a

Pachamama como deidade dos latino-americanos, em especial, os andinos,

enquanto Gaia seria a interpretação dos cosmólogos contemporâneos. Porém,

em visão evolutiva, ambas consideram os seres humanos frutos e, ao mesmo

tempo, parte da Terra que, por sua vez, hoje vêm a sofrer (BOFF apud

ZAFFARONI, 2011, p. 88). Nesse seguimento, Pachamama se difere de Gaia

apenas em termo de origem. Enquanto a primeira provém de manifestações da

cultura ancestral andina, a segunda se funda em elaborações científicas,

entretanto, ambas pregam a necessidade de convivência harmônica com a

natureza (ZAFFARONI, 2011, p. 113).

Considerando os séculos que foram necessários para que fossem

reconhecidos direitos à pessoa humana que, por sensatez, seria algo inerente e

explícito, infelizmente os passos serão lentos para que todos reconheçam a

necessidade emergente de estender esses direitos à natureza, não por

conveniência, mas por ser algo que jamais deveria ter sido perdido. Uma

interessante observância feita por Zaffaroni sobre a comodidade do ser humano

cabe ser reproduzida:

Si nuestra condición humana nos dota de una mayor capacidad para idear instrumentos y herramientas, cabe pensar que no lo hace para que nos destruyamos mejor entre nosotros y hagamos no mismo con los entes hasta aniquilar las condiciones de nuestra habitabilidad en el planeta6 (ZAFFARONI, 2011, p. 128).

É a partir da cosmovisão indígena, aliada a ecosofia andina que estão

alicerçados os princípios da reciprocidade, complementaridade e

correspondência, a fim de garantir a continuação da vida, em especial, do

universo num todo. Nesses termos, o humano não tende a representa a

natureza, mas habita em simetria com ela, garantindo a ordem do cosmo que

prega a cosmovisão indigenista (ESTERMANN, 2006, p. 195).

Conforme visto, é plenamente possível introduzir a sabedoria

pachamamista nos Estados, bem como, conviver com ela. Prova disso, está nas

culturas originais. O intuito principal é recuperar a ética que, por séculos

sobreviveu em condições menos desenvolvidas, a explicação pode estar no fato 6 “Se a nossa condição humana nos dá uma maior capacidade de conceber instrumentos e ferramentas, podemos pensar que isso não faz com que nos destruamos melhor e não nos auto-identificamos com as entidades até aniquilarmos as condições de nossa habitabilidade no planeta” (ZAFFARONI, 2011, p. 128).

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de ter sido menos planejada e estar em consonância com a capacidade

distintiva humana (ZAFFARONI, 2011, p. 128 e 129).

1.2 O Respeito aos Animais como forma de Proteção ao Lar Comum

Diante do reconhecimento do ambiente como um direito fundamental

constitucionalmente garantido, conforme será verificado, surge uma objeção

entre sua jusfundamentalidade e a questão da utilidade pública. Isto porque,

mencionando a visão utilitarista de John Stuart Mill (2014, p. 183) na qual os

humanos tendem a sacrificar um bem maior (natureza) em prol de um bem para

todos (utilidade), ocorre a colisão entre o possível utilitarismo da exploração dos

recursos naturais ambientais e animal, e o direito ao ambiente ecologicamente

equilibrado essencial à sadia qualidade de vida; posto que seu aproveitamento é

incompatível com as demandas atuais, negligenciando seu ciclo natural de

recuperação.

O pensamento utilitarista da Ecologia Profunda7 surge a partir do século

XVIII, tendo como expoente contemporâneo o australiano Peter Singer, autor da

obra Animal Liberation (1975). Neste trabalho, Singer expõe que não há a

intenção de igualar os direitos dos animais aos dos humanos, visto que, ao

observar a busca pela minimização do sofrimento utilitarista, reconhece a

existência de distinções, contudo, não justifica negar-lhes todos os direitos

(SINGER, 1975, p. 16).

Adiante, em 1983, surge a tese de Tom Regan, dita em sua obra The Case

for Animal Rights, dando ensejo ao princípio de que nenhum vivente deve ser

tratado como uma coisa. Assim dispõe: “[...] cada viviente es sujeto-de-su-vida

y le interesa conservarla de la mejor manera posible, sin que tenga relevancia

lo que le interese a otros vivientes”8 (REGAN apud ZAFFARONI, 2011, p. 73-74).

Autor do Contrato Natural (1994), o filósofo francês Michel Serres chama a

atenção para um novo tipo de morte criada pelo ser humano desde Hiroshima e

Nagasaki, denominando-a de “morte da espécie”. Sua tese se constrói numa

base filosófica do direito e afirma a necessidade de criação de um contrato com

7 “[...] os fatos científicos emergem de toda uma constelação de percepções, valores e ações

humanas, emergem de um paradigma dos quais não podem ser separados. O paradigma nunca é livre de valores. No contexto da Ecologia Profunda a visão segundo a qual esses valores são inerentes a toda natureza viva está alicerçada na experiência profunda, ecológica ou espiritual de que a natureza e o eu são um só. A expansão do eu até a identificação com a natureza é a instrução básica da Ecologia Profunda.” (CAPRA, 1997). 8 “[...] cada ser vivo é sujeito de sua vida e tem interesse em conservá-lo da melhor maneira possível, sem ter relevância que interessa a outros seres vivos” (REGAN apud ZAFFARONI, 2011, p. 73-74).

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a natureza (SERRES apud ZAFFARONI, 2011, p. 77).

Robert Von Hippel (1891), por sua vez, explica que, em seu tempo, apesar

de haver a negação dos direitos dos animais, a conduta de maltratá-los era vista

como prejuízo à ética (HIPPEL apud ZAFFARONI, 2011, p. 49). Ética esta,

trabalhada por Aldo Leopold, um dos precursores da atual Ecologia Profunda que

discorreu sobre a Ética da Terra, obra que aborda que todos os seres terrestres

possuem uma base ética e ao modificar a natureza, é preciso manter uma

inclinação comunitária que, por sua vez, manifesta-se da coexistência e

cooperação entre os seres, reafirmando sua interdependência (LEOPOLD, 2014,

p. 108-121).

Nota-se uma tendência protetiva da natureza timidamente construída ao

longo dos séculos, porém, sem o préstimo merecido. Vindo a comparar a

conduta de maus-tratos ao animal como algo eticamente lesivo. Porém, o

intuicionismo firmou-se em retratar o animal como algo análogo ao ser humano,

ensejando-lhes a imputação de penas, pensamento rompido adiante pelo

Iluminismo que, por sua vez, incentivou aos legisladores a criação de leis de

proteção com o intuito de inibir qualquer tipo de crueldade (Zaffaroni, 2011, p.

45).

Necessário citar outra corrente influente na criação das leis de proteção,

ainda que tendencialmente antropocêntrica, a observação feita por Karl

Ferdinand Hommel comparou a perigosidade do autor dos maus-tratos aos

animais como um risco para a sociedade humana (Zaffaroni, 2011, p. 49). Isto é,

aquele que tende a ser cruel com um ser animal, também é capaz de ferir uma

pessoa.

Assim, com intento de compreender a conduta como um crime contra a

pessoa humana, formularam-se três vertentes: a) o bem jurídico é a moral

pública ou bons costumes; b) a proteção animal é um interesse moral da

comunidade; e c) maltratar os animais é uma lesão ao ambiente (Guzmán

Dalbora apud Zaffaroni, 2011, p. 51). A primeira trata-se de considerar

crueldade apenas os atos cometidos em público, deixando-se permitir demais

atos severos causados à surdina, o que, de imediato, se percebe falho, visto que

os delitos mais impiedosos passariam despercebidos, tornando-os impunes. A

segunda, extrai da perspectiva de Hommel, caracterizando a conduta não como

delituosa em si, mas como algo suspeito e tendencioso a tornar o ser humano

inclemente para com a sociedade, isto é, quando se existe a intenção de

maltratar um animal, há grande possibilidade de que esse ato seja repetido em

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uma pessoa humana. Por fim, a terceira vertente, ocupa-se de considerar a

conduta de maus-tratos como um crime cometido ao ambiente, entretanto esta

não inclui em seu rol a fauna urbana como parte do ambiente (ZAFFARONI,

2011, p. 52-54).

Reconhecendo que a proteção à natureza está vinculada com a postura

ética humana, a tutela ambiental internacional desdobrou-se em três modelos

éticos distintos: o biocentrismo, o antropocentrismo puro e o antropocentrismo

mitigado e/ou intergeracional (MIRANDA, 2016, p. 09).

A adoção da corrente não-antropocêntrica consistiria “[...] em um

ordenamento jurídico mais protetor do meio ambiente, e, possivelmente, que

reconhecesse os animais não humanos como sujeitos de direito.” (MIRANDA,

2016, p. 10). Porém, não significa que tais correntes são contra a pessoa

humana, mas sim, que pretendem desconstruir tal imposição dessa figura como

centro de toda vida e como um ser distinto da natureza, combatendo, portanto,

o chauvinismo humano, rompendo com a visão do indivíduo como um ser

independente da natureza, demonstrando a plena possibilidade de coexistência

próspera de ambos (BENJAMIN, 2009, p. 90).

Noutro extremo encontra-se o antropocentrismo puro, incluindo a vida

humana no centro de todas as coisas e impondo as demais formas de vida como

frutos de seu gozo e conveniência. Todavia, resultante da exploração

desenfreada dos recursos naturais, está refletindo na destruição em massa da

natureza bem como na extinção de diversas espécies da fauna. A preocupação

emergente dos países resultou em uma atenuação do antropocentrismo

tradicional, ensejando o surgimento do antropocentrismo mitigado.

Do antropocentrismo mitigado, surgem duas correntes: a ética do bem-

estar dos animais e o antropocentrismo intergeracional. A primeira refere-se à

proteção do ambiente, em especial aos animais, contudo, não reconhecendo seu

valor intrínseco, permanecendo os interesses dos animais condicionados ao da

pessoa humana. Já a segunda, ocupa-se de garantir os direitos das gerações

futuras, abrangendo o antropocentrismo puro fundado com a noção de

sustentabilidade. Nesse sentido, MIRANDA (2016, p. 21) dispõe que “[...] o

antropocentrismo intergeracional é o modelo ético que garanta o meio

ambiente, enquanto direitos humanos, ecologicamente equilibrado para as

presentes e futuras gerações”.

Assim, tem-se que o antropocentrismo mitigado é o modelo ético

dominante nos ordenamentos jurídicos, seja em âmbito nacional ou

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internacional. Proteger e respeitar todas as formas de vida deve ser entendido

como algo ético a ser cumprido, não apenas por conveniência ou necessidade.

Nesse sentido, é cabível citar a colocação de Campos:

O direito é uma criação do homem, tradicionalmente destinada ao homem, o que não é obstáculo para a ampliação do círculo de consideração moral e consequente proteção jurídica de seres sencientes que possuem, em decorrência do princípio básico da igual consideração de interesses semelhantes, o direito mínimo de não serem submetidos a tratamento cruel (CAMPOS, 2016, p. 13).

Afligir um animal por considerar sua condição inferior à humana é

totalmente infundada. Mesmo que se considere que o animal tem inteligência

inferior que o humano - linha discutível em matéria de senciência animal - é

preciso expor que também existem humanos desprovidos ou com inteligência

menor que a de um animal. Tal ponderação desautoriza qualquer tipo de

tratamento cruel ou permissão para usá-los como experiência. Na mesma

perspectiva, mesmo se considerarmos que o animal não humano não tenha

inteligência alguma, não significa que seja carente de outros sentidos, tal como

dor e tristeza (ZAFFARONI, 2011, p. 72).

Outrossim, mesmo desconsiderando a senciência como argumento para a

proteção animal, deve-se reconhecer sua fundamentalidade ao equilíbrio

ambiental, bem como sua essencialidade. Richard Primack e Efraim Rodrigues

(2001, p. 63) afirmam o direito de existência de toda espécie, bem como a

necessidade de sua garantia, pois “[...] representam soluções biológicas

singulares para o problema de sobrevivência”.

A seguir, apesar da orientação antropocêntrica, o reconhecimento de

cuidados ao ambiente tornou-se uma realidade mais próxima. Viabilizando o

desenvolvimento da proteção animal e ambiental antes tão distante. No

entanto, conforme observado por Zaffaroni (2011, p. 87), o empecilho

prevalecente frente à salvação da natureza chama-se capitalismo. Por seu

caráter essencialmente competitivo, as prioridades se invertem e ultrapassam a

moral humana a partir do momento em que se opta por resultados capitais

eficientes à custa da degradação da natureza e/ou exploração animal. Um

processo harmônico perfeito construído há séculos tornando-se apenas

lembranças por pura conveniência humana. Razão assiste Raúl Zaffaroni (2011,

p. 83) ao afirmar: “Somos parte de esa vida planetaria, parte del planeta y,

como todas las otras partes, nos incumbe contribuir a la autorregulación y no

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perturbar sus finos equilibrios y reequilibrios”9. Boff, por sua vez, sugere a

imposição de um novo socialismo cooperativo como mudança alternativa (BOFF,

2002, p. 79-80).

Raúl Zaffaroni vai além e traz um idealismo baseado em Gaia e

Pachamama ainda pouco explorado. Defende que o ambientalismo em si, não

deve ser visto como um único extremo, apenas de proteção aos animais e

ambiente ou de amparo por conveniência humana. Nesse seguimento, alude:

No se trata de un ambientalismo dirigido a proteger cotos de caza ni recursos alimentarios escasos para el ser humano, ni tampoco de proteger especies por mero sentimiento de piedad hacia seres menos desarrollados, sino de reconocer obligaciones éticas respecto de ellos, que se derivan de la circunstancia de participar conjuntamente en un todo vivo, de cuya salud dependemos todos, humanos y no humanos. No se trata tampoco de limitar esos derechos a los animales, sino de reconocerlos a las plantas y a los seres microscópicos en tanto formamos parte de un continuo de vida, e incluso a la materia aparentemente inerte, que no es tan inerte como parece10 (ZAFFARONI, 2011, p. 84).

Eis uma direção consciente que está sendo sabiamente revivida. Recuperar

a cosmovisão indigenista sobre a natureza, valendo-se da base pachamamista

cultivada pelos latino-americanos, tende a gerar novas alternativas para os

atuais sistemas de governança, visto que, apesar da instituição do Direito

Ambiental e do reconhecimento internacional do ambiente como direito

fundamental e inerente à sadia qualidade da vida humana, o atual modelo

“progressista”, consiste em permanecer no caminho da assolação da natureza.

Porém, Pachamama ainda é vista com hesitação, assim como todas as

grandes conquistas e transformações que foram ganhas ao longo da história.

Enquanto uns enxergam como algo primitivo incabível na atual modernidade,

outros, por sorte, a reputam como “a vanguarda de um novo pensamento

político e o prelúdio de uma nova cultura” (GUDYNAS, 2010, p. 01). Apesar da

discriminação sofrida por sua antiguidade e origem, Pachamama deve ser

valorada, porquanto trata-se de uma cultura tradicional dos Andes que pregava

o risco dos perigos que hoje já existem, bem como sua prevenção e tratamento

(ZAFFARONI, 2011, p. 145).

9 “Nós somos parte dessa vida planetária, parte do planeta e, como todas as outras partes, somos responsáveis por contribuir para a auto-regulação e não perturbar seus bons equilíbrios e reequilíbrios” (ZAFFARONI, 2011, p. 83). 10 “Não é um ambientalismo que visa proteger áreas de caça ou recursos alimentares escassos para os seres humanos, nem proteger as espécies pelo mero sentimento de misericórdia para com os seres menos desenvolvidos, mas sim reconhecer as obrigações éticas que lhes são inerentes, que derivam da circunstância de participar juntos em um todo vivo, de cuja saúde todos dependemos, humanos e não humanos. Tampouco se trata de limitar esses direitos aos animais, mas de reconhecê-los às plantas e aos seres microscópicos, pois somos parte de um contínuo da vida e até mesmo da matéria aparentemente inerte, que não é tão inerte quanto parece” (ZAFFARONI, 2011, p. 84).

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Pachamama aduz uma carga de respeito a todas as formas de vida, tendo

como fonte a natureza. Não se trata de moralidade individual, mas sim de ética

pura que deveria ser a base de governança do Estado, permitindo uma

harmonia entre povos e natureza (ZAFFARONI, 2011, p. 111). Transmite-se em

forma básica de ética, denominada Sumak Kawsay que, em tradução quéchua,

significa “vida boa” ou “vida plena”, termos utilizados pela doutrina como Buen

Vivir, cujas bases teóricas serão analisadas no item 1.3 que segue.

1.3 Bem Viver, Viver Bem e o Bom Uso da Natureza

O termo “Bem Viver”, no contexto aqui analisado, está alicerçado em duas

origens distintas: Bien Vivir (Sumak Kawsay) expresso no Equador ou Vivir Bien

(Suma Qamaña) conforme utilizado na Bolívia, todos com o mesmo fundo de

significação. Sua conceituação surge na região andina da América do Sul,

derivando da cultura Quéchua e Aymara (ALCANTARA; SAMPAIO, 2017, p. 233).

Trata-se de um paradigma originado da cultura indígena andina que

compreende toda a existência com conexão e interdependência, pregando “uma

compreensão da comunidade em harmonia, respeito e equilíbrio com todas as

formas de vida” (WOLKMER et al., 2012, p. 56), tendo como referência a vida em

sua plenitude.

Manuel Castro, membro da Organização dos Povos Indígenas Kichwa do

Equador, entende o Bien Vivir como uma concomitância pública regrada de

equidade e reciprocidade, assumindo ainda, um vínculo harmônico entre a

humanidade e a Pachamama. Essa visão do mundo é baseada em “valores

culturais específicos e também de uma ciência e técnicas ancestrais” (CASTRO

apud HOUTART, 2011, p. 02).

Pela teoria Suma Qamaña, o antropólogo Xavier Abo (2010), entende que

“Viver Bem” não se aplica apenas sobre bens materiais, mas se trata de algo

espiritual, devendo, primordialmente, atender às necessidades em coexistência

com a Pachamama, tendo como fundamento a reciprocidade e afetividade, não

sendo possível viver em harmonia quando se causa dano à natureza. Ademais,

entende que a expressão representa uma “dimensão humana da realização

afetiva e espiritual” (X. ABO apud HOUTART, 2010, p. 03).

Observa-se que, apesar de termos distintos, Sumak Kawsay e Suma

Qamaña ensinam a mesma linha de harmonia entre homem e natureza,

permeando pelos pilares da reciprocidade e cooperação entre os povos e demais

formas de vida.

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Diante da cosmovisão indigenista, o sentido de progresso não se baseia em

aumento de capital, mas sim na promoção do “Bem Viver”, isto é, “viver bem

juntos”, ensejando um vínculo de respeito com a natureza. Nas palavras do

pesquisador Xavier Albó apud CHAVES (2015):

[...] os indígenas acreditam que não é possível viver melhor sacrificando outros que vivem pior. Para estes povos o Bem Viver é o equilíbrio entre os seres humanos e destes com os elementos da vida. “Trata-se de um fenômeno vital cósmico. Convivência com e entre todos os seres humanos, com a mãe terra e todos os elementos do cosmos mais amplamente”, ressalta.

A harmonia com o ambiente cultivada pelos povos originários foi destruída

pela idolatria dissidente (BAILONE; ZAFFARONI, 2011, p. 154). A persistência

dessas cosmovisões sobreviventes ao colonialismo, patriarcalismo e capitalismo,

ainda quando sua difusão se deu de forma oculta e oral, provam quão autênticas

e fortes estão na realidade humana, ainda que estes sejam ignorados pela

soberba dos governantes (BAILONE; ZAFFARONI, 2011, p. 151). Como bem

observado por Nina Pacari apud Bailone (2011), a sintonia desses povos com

Pachamama é responsável pela existência de 80% (oitenta por cento) da

biodiversidade preservada nas regiões andinas, todas localizadas em territórios

indígenas (BAILONE; ZAFFARONI, 2011, p. 154).

Por uma ótica mais sistemática, é possível interpretar o “Bem Viver” como

a instituição de um novo arquétipo econômico, porém, sem foco na acumulação

de bens, mas que promova um método de economia inclusiva, sustentável e

popular (SENPLADES apud ALCANTARA; SAMPAIO, 2016, p. 04).

A instabilidade dos planos de Governo é um fator que deve ser considerado

para a falta de sucesso das políticas de sustentabilidade. Em sua normatização

expressa os governos tendem a promover um ambiente sustentavelmente

equilibrado, mas em prática aparentam um teor meramente declaratório ao

invés de efetividade de lei. É urgente a mudança de paradigma, para fins de que

passem efetivamente a considerar a teoria do “Bem Viver”, uma vez que possui

diretrizes certeiras para uma civilidade consciente.

A teoria do “Bem Viver” se “baseia nas demandas por igualdade e justiça

social” (ALCANTARA; SAMPAIO, 2016, p. 04), ao passo que simultaneamente “se

relaciona a qualidade de vida e remete a questões como espiritualidade,

natureza, modos de vida e consumo, política e ética” (ALCANTARA; SAMPAIO,

2017, p. 233).

No que refere à natureza, deve-se frisar que para a cultura andina, em

especial, nas bases Pachamama, entende-se que tudo o que há na terra possui

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vida e que esta vida se constitui em reciprocidade. Desse modo, tem-se um

processo de coexistência e cooperação entre diversos sistemas andinos, sendo

um deles o mundo dos animais, tornando-o substancial para o equilíbrio

sistemático pregado pela cultura pachamamista na medida em que todos os

seres são interligados e interdependentes entre si, mantendo a harmonia

necessária para promover a vida na terra, fundando sua participação na

efetividade do Bien Vivir.

Uma meditação elementar da ordem social está em reconhecer que, aquilo

que é conveniente para o humano, possa não ser o mesmo para as demais

formas de vida. Tristemente, esta é a base na qual construiu a atual

“modernidade”, visto que as necessidades humanas não estão em compasso

com a ordem da natureza, comprovando sua desarmonia (LARRÈRE; LARRÈRE,

1997, p. 97).

Por uma perspectiva aristotélica, tem-se teoria semelhante, intitulada “bom

uso”, defendendo que a atividade humana complementa a natureza. Porém, sua

interpretação se difere na medida em que se permite que o indivíduo altere o

curso natural do ambiente, mas sem que haja prejuízo para este. A exemplo das

águas, o indivíduo pode interligar um rio ao outro ou abrir passagem para um

novo riacho, desde que permita que as águas continuem a correr, tem-se o bom

uso da natureza (LARRÈRE; LARRÈRE, 1997, p. 100).

No tocante aos animais, diante da teoria do “bom uso” da natureza, aplica-

se um comparativo com a cultura Pachamama, pois sua inteligência instrui que

a proteção aos animais refere-se ao zelo de sua existência resguardando-os de

tratamentos cruéis e interrupção de suas vidas por mero desaproveitamento,

por isso, a sustentação dessa cultura é de respeito com todas as formas de vida.

A exemplo, cita-se a prática andina de pedir permissão ao animal antes de

matá-lo para sua subsistência, agradecendo em seguida por seu sacrifício.

Assim, em analogia ao bom uso da natureza, tem-se a possibilidade de uma

coexistência protetiva e respeitosa entre animais humanos e não humanos sem

que haja grandes limitações ao atual modo de vida.

Entretanto, um ponto desfavorável não permite que mantenham fiéis a

esse posicionamento: “[...] o curto prazo das necessidades humanas, que

geralmente variam no tempo e no espaço, e o longo prazo dos ciclos naturais”

(LARRÈRE; LARRÈRE, 1997, p. 99).

Sobre a sabedoria privilegiada dos indígenas do correto manejo da

natureza, discorda Aldo Leopold apud LARRÈRE; LARRÈRE (1997, p. 312-313) ao

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aduzir que, em matéria de modelo a ser seguido, não há que se falar em cultura

favorecida, com ênfase na indígena, visto que cada uma possui um modo de

interação com a natureza, com comportamentos distintos, positivos ou

negativos, a depender das circunstâncias.

No tocante aos princípios morais entende-se que, num prisma ético, a

fundamentação tende a afirmar a interdependência entre indivíduos e

comunidades. A Land Ethic11 (Ética da Terra), por sua vez, difere-se apenas em

estender essa interdependência aos demais entes integrantes da natureza

(LARRÈRE; LARRÈRE, 1997, p. 313).

Ao conceber esse modelo ético, Leopold (2014, p. 108-121) passa a tecer

regras de comportamento assentadas na moral, tomando por base a ética da

caça, no qual “trata-se, por respeito para com o animal que se persegue, de

impor, em função das circunstâncias, freios à liberdade de ação do caçador”

(LARRÈRE; LARRÈRE, 1997, p. 313). O mesmo ocorre com a ética ecológica ao

impor limites ao modo de agir do ser humano em suas ações pela sobrevivência.

Destarte, preceituam Catherine e Raphael Larrère (1997, p. 314) que,

quando Leopold ditou seu posicionamento ético do uso da natureza, não

considerou todos os povos e seres vivos do planeta, mas apenas aqueles que

conhecia. O que não diminui o sentido de seu raciocínio, haja vista que “não se

trata pois de definir precisamente regras morais universais, mas de convidar a

‘comportar-se bem’ em função das circunstâncias”. Assim, o ato de cortar

árvores num campo arborizado não tem o mesmo peso que desflorestar uma

encosta com risco de desmoronamento, causando outros tantos prejuízos

(LARRÈRE; LARRÈRE, 1997, p. 314). Ou, quando se sacrifica um animal para

subsistência utilizando métodos que não o façam sofrer é diferente quando se

tira a vida de um ser por mero capricho, a exemplo da caça esportiva nos países

da África.

Reconhecida a extensão ética dos problemas ambientais, a sociedade

tende a admitir que assiste razão os ecologistas que alertaram sobre riscos para

a presente e futuras gerações. Entretanto, as decisões a serem tomadas foram

tecidas por um viés antropocentrista, ao fundar sua preocupação com a

habitação saudável das gerações futuras, dando a entender que outra corrente

não priorizaria o ser humano como deveria (LARRÈRE; LARRÈRE, 1997, p. 337).

11 Segundo Aldo Leopold, a Land Ethic trata da relação existente entre o indivíduo e a terra, considerando sua interligação. Nesse sentido, não há que se falar em cuidados apartados entre natureza e humano. “Uma ética da terra é um código moral de conduta que surge dessas relações de cuidado interconectadas” (LEOPOLD, 2014).

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Sob a análise da natureza e política, Catherine e Raphael Larrère (1997, p.

334) explicam que, embora “a natureza seja objeto de responsabilidade política

não significa, de modo algum, a existência de uma política ecocentrada”. Nesse

sentido, considerando a base antropocêntrica de sua construção, a política

tende a ser “sociocentrada”, ainda que previnam riscos ecológicos.

Conquanto, o que se vivencia é o desalento de uma sociedade que assiste

seu desenvolvimento à custa de um colapso ambiental. Diante dessa realidade,

ocupa-se o Ecologismo de levar “à revalorização das relações econômicas,

éticas e estéticas do homem com seu entorno, penetrando nos valores de

democracia, da justiça e da convivência entre homens; e entre estes e a

natureza” (MANTOVANI, 2009, p. 07).

Adverte Bailone (ZAFFARONI, 2011, p. 156-157) que a adoção da ecologia

como parte essencial de um projeto político, significa que as consequências

trazidas da modernidade revelaram uma urgência inevitável em preservar a

vida, visto que uma calamidade antropogênica não é mais uma possibilidade,

mas sim uma realidade não tão distante.

Com isso, buscam-se remédios que revigoram o mais eficaz e breve

possível a atual situação ambiental, oportunizando voz àqueles antes

silenciados, resultando em diversas manifestações sociais e culturais. Nesse

seguimento, observa Leff (2006) apud Mantovani (2009, p. 07):

Os novos movimentos sociais não somente investem na defesa de direitos tradicionais, em oposição a um regime de exclusão e marginalização, numa lenta luta pela sobrevivência. Esses movimentos de reaproximação são, ao mesmo tempo, movimentos de resistência e de re-existência. O que reivindicam não são apenas direitos à natureza, mas um direito do ser cultural.

Em entendimento semelhante, Matías Bailone (ZAFFARONI, 2011, p. 152)

retrata o processo do Novo Constitucionalismo adotado por alguns países da

América Latina como resultantes de movimentos sociais surgidos pela

insatisfação do neoliberalismo antes existente naquelas regiões. Transformando-

se em democracia de consultas públicas o que antes era dita democracia

clássica feita por mandantes.

Fundando-se num distinto arquétipo do constitucionalismo antropocêntrico,

as novas Constituições da Bolívia (2009) e do Equador (2008), incluíram nos

direitos coletivos, o reconhecimento dos direitos da natureza, visando o

restabelecimento de uma cosmovisão harmônica e em equilíbrio com a vida,

apresentando ao mundo o paradigma do “Bem Viver” (BAILONE; ZAFFARONI,

2011, p. 155-156).

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Por fim, tem-se um caminho seguro na sabedoria Pachamama na medida

em que esta reconhece a interdependência entre natureza e indivíduo,

semeando a coexistência harmônica na terra através do sistema do Bien Vivir,

propondo uma visão do bom uso da natureza. Assim, abandonando a visão

tradicional constitucionalista, surge o Constitucionalismo sul-americano

inspirado na herança indigenista da Pachamama, reconhecendo a

essencialidade da natureza e o dever de respeitá-la em todas as suas formas,

conforme se verifica no Capítulo 2 desta pesquisa.

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2 O DIREITO DOS ANIMAIS EM UMA ANÁLISE PACHAMAMISTA: BASES

CONSTITUCIONAIS SUL-AMERICANAS

Para análise da situação dos direitos dos animais a partir da visão

pachamamista nas bases constitucionais sul-americanas, o presente capítulo

será dividido em três pontos principais.

No primeiro momento, cabe verificar o que se entende por direitos

humanos e seu caminho tecido até seu efetivo reconhecimento internacional,

bem como a constitucionalização aos países que reconheceram a

fundamentalidade de seus preceitos, tal como o direito ao ambiente. Este, por

seu caráter jusfundamental, induz a questão do mínimo existencial ecológico,

ainda pouco explorado considerando o emergente cenário ambiental de

degradação de seus recursos naturais e as correntes perdas de espécies.

Adiante, num segundo momento, tem-se a compreensão do termo

“senciência” e seu discutível cabimento aos animais não humanos. Esse debate

tende a romper com antigos paradigmas construídos ao longo da história ao

reconhecer que animais também são passíveis de sentimentos e emoções,

merecedores de inclusão no domínio moral, uma vez que torna um problema

ético mantê-los em situações impiedosas ao passo que se reconhece sua

senciência. Com isso, anuncia-se ao mundo uma segunda dimensão da natureza

carente de tutela, dando ensejo a outro ponto amplamente debatido pelas

doutrinas e tendente de aplicação jurisprudencial: o reconhecimento do animal

como sujeito de direitos.

Por fim, compreendendo breves partes dos tópicos anteriores, aborda-se o

Novo Constitucionalismo latino-americano surgido das bases pachamamistas e

culturas do Bien Vivir. De caráter ecocêntrico, o constitucionalismo sul-

americano permite a inclusão de culturas antes olvidadas através de adoção da

sabedoria indigenista em relação ao respeito e proteção da natureza e seus

emanados. Em decorrência, o estudo ora proposto destaca as Constituições do

Equador (2008) e da Bolívia (2009) como irradiadoras do novo entendimento

constitucional adotado, nos termos abaixo demonstrados.

2.1 Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: o Mínimo Existencial

De uma perspectiva moral, “direitos humanos são fruto de um espaço

simbólico de luta e ação social, na busca por dignidade humana, o que compõe

um construído axiológico emancipatório” (PIOVESAN, 2013, p. 187). Essa

construção se dá desde seu nascimento como garantias originárias universais,

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perpassando pela positivação de direitos particulares para, enfim, resultar em

direitos efetivamente globais (BOBBIO, 2004, p. 55). Desta feita, emerge o

Direito Internacional dos Direitos Humanos com o fim de preservar a dignidade

da pessoa humana, sendo este último, o seu fundamento.

Norberto Bobbio (2004, p. 07) entende, por uma ótica teórica, que os

direitos humanos, mesmo que de cunho puramente fundamental, são históricos,

isto é, “[...] nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em

defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual,

não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”.

A internacionalização dos direitos humanos se deu, inicialmente, através de

três institutos. O primeiro deles consiste no Direito Humanitário, sendo este

aplicado em caso de guerra, impondo limites à atuação estatal ao observar as

garantias dos direitos fundamentais em situações de conflito armado. O

segundo surge após a Primeira Guerra Mundial, tratando-se da Liga das Nações

que, por sua vez, caracterizava-se ao proporcionar a paz, a cooperação e a

segurança internacional, punindo qualquer lesão externa contra o território, bem

como à autonomia política de seus partícipes; trazia ainda determinações

genéricas voltadas aos direitos humanos, tais como o comprometimento dos

Estados em garantir condições de trabalho justas ao indivíduo. Por último, o

terceiro instituto refere-se à Organização Internacional do Trabalho tendo por

intuito a promoção de diretrizes gerais e internacionais de circunstâncias de

trabalho e bem-estar (PIOVESAN, 2013, p. 188-190).

Essa breve conceituação tem o objetivo de demonstrar que, por meio

dessas organizações, os Estados passaram a considerar deveres internacionais a

serem assegurados e seguidos coletivamente, transcendendo aos interesses

estatais, ou seja, “essas obrigações internacionais voltavam-se a salvaguarda

dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados” (PIOVESAN,

2013, p. 190), rompendo com o juízo tradicional que retratava o Estado como

protagonista do Direito Internacional.

Com isso, surge a consciência de que o ser humano é também sujeito de

Direito Internacional, e não apenas mero objeto. Estendendo os direitos

humanos a assuntos de âmbito internacional, deixando de ser uma preocupação

limitada ao contexto interno. Conquanto, sua consolidação se deu em virtude do

fim da Segunda Guerra Mundial, após a adoção da Declaração Universal dos

Direitos Humanos pela Assembleia Geral da ONU - Organizações das Nações

Unidas - em 1948, passando a desempenhar um papel central nas comunidades

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internacionais (PIOVESAN, 2013, p. 190-192).

Porém, atualmente, a dificuldade não está mais em firmar os direitos

humanos no Direito Internacional, mas em protegê-los e fazê-los efetivos, nesse

sentido esclarece Norberto Bobbio (2004, p. 17):

Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

Robert Alexy (1999) esclarece que, dentre algumas problemáticas

existentes nos Direitos Humanos, está sua institucionalização. Isso porque, como

documento de caráter declaratório, o rol dos direitos humanos permanece sem

efeito legal, necessitando de positivação. Complementa ao dispor que “sem a

concretização dos direitos do homem por meio dos Estados particulares, o ideal

do qual fala o preâmbulo, todavia, jamais pode tornar-se realidade” (ALEXY,

1999, p. 57-58).

Adiante, salienta o que difere os direitos humanos dos demais ramos do

direito, instituindo-lhe cinco características. A primeira delas consiste em sua

universalidade, visto que os direitos humanos são garantias que cabem a todos

os indivíduos. A segunda sobressai por se tratar de direitos morais,

complementando-se com a terceira que, por sua vez, institui esses direitos como

preferenciais, tendo prioridade sobre os demais direitos. A quarta cuida-se de

serem eles direitos abstratos e, por fim, a quinta característica refere-se aos

direitos fundamentais, compreendidos como direitos sociais que garantem o

mínimo existencial.

Cabe ressaltar a relevância dessas garantias de fundamentalidade

destacadas como aspecto dos Direitos Humanos. Com isso, entende como

direitos fundamentais a soma de direitos e garantias do ser humano que foram

institucionalizados, cuja premissa é de respeitar sua dignidade, garantindo

condições mínimas de vida e desenvolvimento do indivíduo.

Tomando como norte a Constituição Federal brasileira, é possível classificá-

los da seguinte forma: I) Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: direito à

vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à

propriedade; II) Direitos Sociais: direito à educação, saúde, trabalho, previdência

social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos

indefesos; III) Direitos de Nacionalidade: trata-se do vínculo jurídico-político

entre o indivíduo e o Estado, reconhecendo-o como parte da nação; IV) Direitos

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Políticos: permite ao indivíduo o exercício de sua cidadania, bem como sua

participação ativa na política estatal; e V) Dos Partidos Políticos: referem-se à

atuação dos partidos políticos como instrumentos garantidores do Estado

Democrático de Direito (BRASIL, 1988).

Nota-se que o aparato tecido até o momento inclui os Direitos

Fundamentais como uma faceta dos Direitos Humanos, entretanto, alguns

autores compreendem ambas as expressões como sinônimos, enquanto outros

identificam certas distinções em âmbitos constitucionais e internacionais

(MIRANDA, 2016, p. 141).

Ao concentrar-se na correlação entre ambos, considerando a necessidade

de institucionalização elencada por Robert Alexy (1999) anteriormente, é

possível entender os direitos fundamentais como àqueles derivados dos direitos

humanos após sua efetiva positivação (MIRANDA, 2016, p. 142).

Nesse seguimento, leciona José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p. 259):

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

Ademais, quanto à separação dada à disposição das garantias

fundamentais no texto constitucional, depreende-se de sua emergência

conforme a demanda de cada tempo. Justificando sua classificação em

“gerações” ou “dimensões” de direitos fundamentais dada por alguns

estudiosos. Contudo, essa divisão tem caráter meramente acadêmico, com o fim

de compreendê-los de acordo com cada momento histórico que fora

conquistado.

Previamente, cabe esclarecer sobre o correto uso da nomenclatura. Parte

da doutrina entende que o uso do termo “geração” remete a algo suscetível de

substituição, não sendo cabível aos direitos fundamentais, visto que não se

sobrepõem, mas se complementam. Por isso, tendem a adotar a expressão

“dimensão”, por remeter a uma ideia mais correta da temática, deixando a

utilização da palavra “geração” apenas para a compreensão das épocas em que

determinados direitos foram emergidos (JUNIOR; NOGUEIRA, 2012, p. 01).

Desse modo, adentra-se numa breve análise das dimensões dos direitos

fundamentais. A primeira dimensão de direitos surge ao final do século XVIII e

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ditam aqueles ligados à liberdade, firmando as garantias civis e políticas. Seriam

eles uma contestação por parte do Estado Liberal ao Absolutista. Os direitos de

segunda dimensão, por sua vez, surgem no século XIX, emanados da Revolução

Industrial, pertencendo às liberdades positivas e consistem em assegurar

melhor qualidade de vida e dignidade ao indivíduo com base no exercício da

liberdade. Na terceira dimensão, cuja origem se deu na denominada Revolução

Tecnocientífica, os direitos fundamentais determinam os institutos da

solidariedade e fraternidade, visto que não se destinam a interesses individuais,

mas àqueles de titularidades coletivas, preocupando-se com as gerações

presentes e futuras.

Ademais, há estudiosos que afirmam a existência de outras duas

dimensões de direitos fundamentais, ainda que não definidas por unanimidade

quais as garantias tuteladas por cada uma. A quarta dimensão, segundo

Norberto Bobbio (2004, p. 09), refere-se “aos efeitos cada vez mais traumáticos

da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de

cada indivíduo”. Já Paulo Bonavides (2006) apud JUNIOR; NOGUEIRA (2012, p.

05), entende que esta dimensão refere-se aos direitos introduzidos pela

globalização, ligados à informação, democracia e ao pluralismo. Por fim, quanto

a quinta dimensão, considerando que os direitos acompanham as necessidades

surgidas com o tempo, esta traria diversas interpretações, tais como a

manifesta por Tehrarian (1997) apud Sampaio Leite apud JUNIOR; NOGUEIRA

(2012, p. 06):

[...] direitos ainda a serem desenvolvidos e articulados, mas que tratam do cuidado, compaixão e amor por todas as formas de vida, reconhecendo-se que a segurança humana não pode ser plenamente realizada se não começarmos a ver o indivíduo como parte do cosmos e carente de sentimentos de amor e cuidado, todas definidas como prévias condições de ‘segurança ontológica’ para usar a expressão de Laing (1969).

Essa última interpretação retoma a ideia do direito ao ambiente equilibrado

como uma das premissas necessárias ao indivíduo, porém, visto de uma ótica

distinta, priorizando os cuidados à natureza em si, impondo ao ser humano a

necessidade de respeitá-la e cuidá-la não por conveniência, mas por haver uma

relação de interdependência necessária à sobrevivência de todos os seres.

Diante do conciso ensaio das dimensões dos direitos fundamentais, é

possível compreendê-los como indivisíveis e dependentes entre si, unindo-se em

prol da tutela da dignidade da pessoa humana. Outrossim, no tocante avocado

pela última dimensão e já definido na terceira, genericamente, como direito ao

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ambiente saudável, importante acentuar sua real jusfundamentalidade.

Nesse sentido, o reconhecimento do direito ao ambiente como direito

fundamental é amplamente discutido, considerando sua ausência no rol dos

direitos e garantias fundamentais do texto constitucional. Contudo, conforme

leciona Rosana Rosa, mestre em Direito e Justiça Social, ao notar que os danos

causados ao ambiente tenderiam a afetar também a coletividade “[...] passou-

se a necessidade de ampliar a garantia a esse bem, passando a considerá-lo no

rol dos direito fundamentais” (ROSA, 2017).

No caso da Constituição Federal do Brasil (1988), apesar de não constar no

Título II reservado para a listagem dos direitos fundamentais, entende-se o

direito ao ambiente como tal, defluente da interpretação dada pelo art. 225,

caput, em seu Capítulo VI, direcionado ao Meio Ambiente.

Assim, embora não esteja disposto expressamente como uma garantia

fundamental, ao considerar o ambiente como “essencial à sadia qualidade de

vida” (BRASIL, 1988), têm-se o seu caráter jusfundamental, por ser substancial a

vida humana.

À vista disso, emerge-se ao princípio da sustentabilidade que, por sua vez,

abarca aspectos econômicos, sociais e ambientais com intuito de garantir

condições de vida digna e justa ao indivíduo no planeta. Com enfoque especial

no prisma social, ergue-se o denominado Mínimo Existencial que, por seu turno,

corresponde ao cerne da dignidade da pessoa humana (GARCIA, 2014, p. 149).

Destarte, nas palavras de Ingo Wolgang Sarlet (2001) apud GARCIA (2014,

p. 149), o mínimo existencial está ligado à dignidade humana, visto que trata do

“[...] conjunto de prestações materiais que asseguram a cada indivíduo uma

vida com dignidade, que necessariamente só poderá ser uma vida saudável, que

corresponda a padrões qualitativos mínimos”. Nesse sentido, complementa

Denise Garcia (2014, p. 153) ao afirmar acerca da garantia do mínimo

existencial que trata de uma “premissa ao próprio exercício dos demais direitos

fundamentais, sejam eles direitos de liberdade, direitos sociais, ou mesmo

direitos de solidariedade, como é o caso do direito ao ambiente”.

É possível elencar dois pontos principais que alimentam a devastação

ambiental mundial: a sociedade consumerista e a pobreza dos povos. Essa

última, por sua vez, justifica-se pela ausência da efetividade de seus direitos

sociais, dado que, “aquele que não possui o mínimo para sua sobrevida não

consegue se desenvolver dignamente e acaba, por conseguinte, dentre várias

outras consequências, a depredar o meio ambiente” (GARCIA, 2014, p. 155).

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Verifica-se que a efetividade de uma proteção ambiental não depende apenas

de uma reeducação social, mas ainda da atuação enérgica por parte do Estado

ao garantir as condições de uma vida digna às populações carentes. Este é o

fundo de um mínimo existencial ecológico, capaz de propiciar a concretização

da sustentabilidade tão pregada pelas políticas de Governo.

Em termos de políticas governamentais, as decisões adotadas até o

momento por grande parte dos países, mostram-se ineficientes até o momento,

isto porque o cerne continua sendo alimentado pelo melhor interesse humano.

Desconstruindo essa premissa, está o Novo Constitucionalismo latino-americano

que, por sua vez, ao invés de buscar inovações futuras como resolução, baseia-

se na herança indigenista ensinada por seus povos progênies que, por sua vez,

sabiamente compreendem a pessoa humana como parte interdependente da

natureza, resultando em uma cosmovisão respeitosa a todas as formas de vida.

2.2 Seres Sencientes: a Necessidade Humana de Garantir Constitucionalmente

os Direitos dos Animais

Jeremy Bentham será um dos norteadores do presente tópico, uma vez

que, seu pragmatismo pela busca da felicidade para todos, abarca o

reconhecimento dos animais como sujeitos sencientes, respeitando-os e

reconhecendo seus direitos, repelindo qualquer ato que lhes cause dor. Dando

margem para caracterizá-los como sujeitos de direitos (ZAFFARONI, 2011, p.

38).

Outro nome a ser considerado é de Peter Singer, autor da obra Animal

Liberation (1995) impondo a ideia de que é necessário haver um princípio básico

de igualdade para se dialogar sobre o respeito a todas as formas de vida.

Estender tal princípio ao grupo animal não significa tratá-los de forma igual ao

humano, tampouco reconhecer-lhes os mesmo direitos, pois isso dependeria da

natureza dos componentes do grupo. Desse modo, o cerne do princípio

suscitado está no respeito e não em tratamentos idênticos, assim, “a

consideração igual para com os diferentes seres pode conduzir a tratamento

diferente e a direitos diferentes” (SINGER, 1975, p. 16). Esclarece ainda que,

defender a igualdade não depende de capacidade intelectual, moral ou física,

pois se fossem considerados a essência da verdadeira igualdade humana, não

seria possível sustentá-la (SINGER, 1975, p. 17-18).

O princípio básico da igualdade foi acolhido por outros estudiosos como um

princípio moral básico, já que perpassa pelo respeito aos interesses comuns.

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Entretanto, essa adoção não se deu a seres de espécies diferentes da humana,

sendo tal posição amparada por Jeremy Bentham ao registrar:

Poderá existir um dia em que o resto da criação animal adquirirá aqueles direitos que nunca lhe poderiam ter sido retirados senão pela mão da tirania. Os franceses descobriram já que a negrura da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem mercê ao capricho de um algoz. Poderá ser que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a forma da extremidade do os sacrum são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderá determinar a fronteira do insuperável? Será a faculdade da razão, ou talvez a faculdade do discurso? Mas um cavalo ou cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que uma criança com um dia ou uma semana ou mesmo um mês de idade. Suponhamos que eram de outra forma - que diferença faria? A questão não é, eles raciocinam? Eles podem falar? Mas sim, eles podem sofrer? (BENTHAM, 1979).

A partir dessa proposição, permite-se delinear os primeiros traços da

senciência animal como pressuposto para reconhecê-los como sujeito de

direitos, a partir do entendimento apontado por Bentham de que a capacidade

de sofrer é atributo de vida, de sentimento, dando ensejo para a concessão de

direitos baseados na igualdade de consideração. Complementa Singer ao

advertir que “a capacidade de sofrer e de sentir alegria é um pré-requisito para

se ter sequer interesses” (SINGER, 1975, p. 20). A expressão “interesse”,

empregada por Peter Singer não significa ter interesses específicos, mas sim, no

caso do animal não humano, o interesse de não sofrer basta para justificá-lo

como um ser senciente. Nessa vertente, não há argumentos científicos ou

filosóficos válidos capazes de negar que os animais não sentem dor, pois esta

trata de uma “utilidade biológica incontestável” (SINGER, 1975, p. 20 e 24).

É interessante a analogia aduzida por Raúl Zaffaroni (2011, p. 115) no

sentido de que a redação dada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos

em 1948, reconhecendo que todo ser humano é uma pessoa, parece algo

incontestável nos dias atuais, mas que foi motivo de espanto à época do

documento. Assim também poderá ser a reação da sociedade daqui alguns anos

em relação ao reconhecimento do animal como sujeito de direitos na

comunidade moral e jurídica.

Todavia, foi longo o caminho percorrido desde a Declaração de 1948 até o

surgimento das primeiras previsões normativas internacionais de proteção à

fauna. Em um breve aparato, tem-se em 1972 a Declaração de Estocolmo sobre

o ambiente humano abordando, em seu princípio 2º, a importância da

preservação da fauna para as gerações humanas. A seguir, surge a Declaração

Universal dos Direitos dos Animais proclamada na Bélgica em 1978, contendo 14

artigos direcionados ao reconhecimento de direitos inerentes aos animais, bem

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como proibindo qualquer prática cruel contra animal não humano.

Adiante, ergue-se, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como a “Convenção Rio

92” que, por sua vez, dedica vários espaços para a sustentabilidade do

ambiente, bem como à preservação da fauna. Porém, o que as previsões

normativas supracitadas têm em comum, além da abordagem à fauna, está na

preocupação de preservação grafada por elas que, tristemente, tendem apenas

para fins exploratórios ou por conveniência das presentes e futuras gerações,

afastando-se da real essência protecionista da natureza.

Antes de adentrar na discussão sobre senciência, é necessário

compreender a colocação e significação dos termos “bem-estar animal”. O

desenvolvimento científico sobre o bem-estar dos animais surge após 1990,

entretanto, a abordagem do assunto ocorre há vários anos, sendo objeto de

grandes debates e discordâncias (BROOM; MOLENTO, 2011, p. 06).

Thorpe (1965), etólogo da Universidade de Cambridge, leciona sobre a

importância de compreensão da biologia animal, visto que estes, por sua vez,

possuem necessidades como, por exemplo, em demonstrar o comportamento e

que seu impedimento traria problemas ao animal (THORPE apud BROOM;

MOLENTO, 2011, p. 02).

Com isso, tem-se que “necessidade” é a essência para compreender o

bem-estar dos animais. Nesse sentido, cabe esclarecer que o termo “bem-estar”

não tende a refutar a discussão de sacrificar um animal, visto que esse

sentimento não se baseia em morte, mas sim no que ocorre antes dela. Isto é, o

modo de como são tratados antes do final de suas vidas, com isso, convém citar

o período pré-abate até alcançar a prática de como seriam mortos (BROOM;

MOLENTO, 2011, p. 02-03).

São várias as definições de “bem-estar”, ainda mais quando se tende a

explicá-lo de uma vertente animal. Compete reproduzir a definição, em termos

gerais, dada por Broom do que seria essa sensação: “O bem-estar de um

indivíduo é seu estado no que diz respeito às suas tentativas de lidar com seu

ambiente” (BROOM; MOLENTO, 2011, p. 04).

Ademais, considera os sentimentos como algo essencial ao bem-estar,

visto que são capazes de externar ânimos tais como dor, medo e prazer

(CABANAC et al. apud BROOM; MOLENTO, 2011, p. 04-05). Num aparato

universal, Dawkins (1980, 1990) entende que “os sentimentos do indivíduo são

a questão central do bem-estar, mas outros aspectos como a saúde desse

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indivíduo também são importantes” (DAWKINS apud BROOM; MOLENTO, 2011,

p. 05). Esse é o posicionamento adotado pelos profissionais da saúde animal,

reafirmando a ligação direta entre o bem-estar e a sadia qualidade de vida.

O ponto inicial para avaliar o bem-estar de uma espécie está em analisar

suas necessidades. Considerando que os animais possuem capacidade de

percepção e respostas rápidas de interação com o ambiente, devido ao

funcionamento de seu sistema nervoso, é imprescindível lhes atribuir o

sentimento de bem-estar (BROOM; MOLENTO, 2011, p. 09).

Assim, mesmo permanecendo como objeto de amplos debates, o bem-

estar animal é reconhecido pela maioria do público, bem como considerado

como fundamento para tomada de decisões quanto ao procedimento ou sistema

aceitável para tratá-los, tornando-se um ponto considerável para a disciplina de

sustentabilidade. Ademais, havendo a continuidade de interação entre animais

humanos e não humanos, tem-se a intrínseca obrigação do indivíduo em

preocupar-se com o bem estar animal (BROOM; MOLENTO, 2011, p. 09 e 19).

Examinado o ponderativo de bem-estar dos animais, dá-se continuidade a

abordagem senciente do animal não humano.

Compreende como ser senciente aquele com certo grau de capacidade em

“[...] avaliar as ações dos outros em relação a si próprio e de terceiros, lembrar

algumas de suas próprias ações e suas consequências, avaliar o risco, ter alguns

sentimentos e ter algum grau de consciência” (BROOM; MOLENTO, 2011, p. 20).

Em termos científicos, o diencéfalo é a parte do cérebro responsável por

associar emoções e sentimentos, sendo bem desenvolvido em demais espécies

que não a humana. Mediante tais simetrias anatômicas, passa a observar que os

animais não humanos reagem fisiologicamente a estímulos de dor, seja física ou

psíquica, respondendo de forma semelhante ao humano que, conforme defende

Milene Tonetto, “seu comportamento é suficiente para justificar a convicção de

que eles sentem dor e, portanto, são conscientes” (TONETTO, 2004, p. 208).

Alguns refutam essa ideia justificando a ausência da forma básica de

comunicação: a fala. Entretanto, o argumento torna-se fraco ao evidenciar que a

maioria das emoções são expressas por aparência do que verbalmente. Em

reforço, aponta Charles Darwin apud TONETTO (2004, p. 208) que, “muitas das

formas não-verbais usadas para transmitir emoções são usadas identicamente

por outras espécies”.

Outro argumento utilizado para refutar a senciência animal foi intitulado

por Peter Singer como especismo, sendo “[...] um preconceito ou atitude de

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favorecimento dos interesses dos membros de uma espécie em detrimento dos

interesses dos membros de outras espécies” (SINGER, 1995, p. 19).

Milene Tonetto (2004, p. 212) utiliza o termo “autoconsciência” para

explicar que um ser é consciente de si, ainda que sua existência seja curta,

estando a racionalidade inclusa nessa concepção (TONETTO, 2004, p. 212).

Ao considerar a liberdade animal como fonte de interação natural e social,

entende-se que o seu valor vital pode ser reconhecido de acordo com a

singularidade de sua genética, isto é, o valor biológico de sua vida. Entretanto, é

dependente dos impulsos que lhes proporcione meios de vida característicos.

Isso significa que, ao nascer, é necessária a aprendizagem de cuidados

específicos, ensejando a constituição de uma mente singular, configurada como

senciência (FELIPE, 2009, p. 14).

Neste contexto é necessário observar que a mente individual é formada

através do exercício de sobrevivência que, por sua vez, ao cultivar sua interação

em liberdade, resulta em uma mente própria, compatível com sua natureza. Em

decorrência, “humanos e não-humanos dotados de órgãos sensoriais, portanto,

seres sencientes, cada espécie num tempo abreviado ou prolongado, passam

pela mesma agregação de valor que os torna sujeitos-de-suas-vidas” (FELIPE,

2009, p. 14). Nesse sentido, tem-se a valoração da liberdade e do bem-estar do

animal, na medida em que constituem o bem inerente da espécie senciente.

Uma vez privado de sua liberdade, deixa de prover-se, impossibilitando-o

de aprender concepções necessárias a sua manutenção de vida, como a

prevenção de riscos e ameaças do ambiente natural e social (FELIPE, 2009, p.

14).

Sônia Felipe defende que a simples comprovação de que o animal é

vulnerável a impulsos de dor, é o suficiente para torná-lo incluso na comunidade

moral (2009, p. 15), recordando a sabedoria de Singer, ao compreender que o

princípio ético norteador das interações entre humanos e animais tende a

considerar seus interesses em comum, a exemplo, o interesse de não sentir dor.

Apontado o entendimento e considerações sobre a senciência do animal

não humano, cumpre seguir o caminho ao qual essa discussão pretende

resultar. Uma vez apurado a existência de senciência animal, coerentemente é

cabível incluí-lo efetivamente ao rol de direitos a serem tutelados pelo Estado,

bem como respeitados pela sociedade.

Conforme leciona a professora de Direito Ambiental e presidente da Liga de

Prevenção da Crueldade contra o Animal, Edna Dias, “[...] os animais tornam-se

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sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem” (2014, p.

120). Visto que, ao contrário das Constituições do Equador (2008) e da Bolívia

(2009), a Constituição Federativa do Brasil (1988) não adotou o reconhecimento

da natureza como sujeito de direitos, contendo apenas regulamentações

protetivas ao ambiente a serem tutelados e representados pelo Poder Público e

a coletividade.

Apesar de dispor sobre proteção e preservação ambiental, a legislação

brasileira “[...] classifica os animais silvestres como bem de uso comum do

povo, ou seja, um bem difuso indivisível e indisponível, já os domésticos são

considerados pelo Código Civil como semoventes passíveis de direitos reais”

(DIAS, 2014, p. 120), ilustrando-o com uma natureza jurídica de “objetificação”

do animal, considerando um bem ou propriedade particular.

Ademais, preceitua Raúl Zaffaroni (2011, p. 137) que, as legislações

direcionadas a proteção ambiental, em sua maioria, aparentam serem

instituídas não por defesa da natureza, mas, considerando o alarde mundial de

sua degradação, por consolo à angústia humana ao demonstrar uma possível

seguridade do ambiente perante os riscos iminentes.

Ao valorar um indivíduo por sua qualidade de ser vivo, tem-se que o

reconhecimento à vida não se condiciona apenas ao ser humano, mas em um

bem inato a todo ser vivente, assimilando ao fato da capacidade de sofrer e

sentir serem características vitais suficientes para lhes conferir o direito de igual

consideração. Nessa acepção, reconhecer o animal como objeto de deveres do

ser humano, já os caracteriza como sujeitos de direitos merecedores de tutela

jurídica (DIAS, 2014, p. 121).

Diante da desenfreada deterioração ambiental, das catástrofes iminentes,

extinção em massa de espécies, dos recursos não renováveis dos bens naturais

e, por fim, da prova científica de que animais são seres sencientes passíveis de

sentimentos e emoções, indaga-se sobre a prevalência da negativa humana em

reconhecer a natureza e seus componentes como sujeitos de direitos.

Zaffaroni instrui que, ao reconhecê-la como sujeito de direitos, estaria

colocando a natureza como um terceiro agredido que, por sua vez, ao ser

atacada ilegitimamente, teria o direito de se defender (ZAFFARONI, 2011, p.

142). Consequentemente, os principais campos do direito sofreriam restrições.

No âmbito do Direito Civil, atingiria a propriedade dos animais, por

exemplo, uma vez que os proprietários, ao ofendê-los, incidirão em um abuso

ilícito. Assim, também irá restringir a propriedade da terra, pois não poderá o

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proprietário alterar seus processos regulatórios, bem como manter

monoculturas que prejudiquem a biodiversidade. Na propriedade intelectual, por

sua vez, terá que se repensar as questão de patentes, pois não será permitido

fazê-las aos animais ou plantas, visto que pertencerá apenas a natureza

(ZAFFARONI, 2011, p. 143).

O reconhecimento da natureza como sujeito de direitos, incluindo os

animais em sua tutela, trará inúmeras limitações ao campo jurídico, sem

adentrar na questão moral de usá-los ou não como alimentos, pois seu direito de

vida estará resguardado.

Não obstante, assim como em outras épocas, também se espantaram com

reconhecimentos hoje tratados como questões óbvias, de modo que não se pode

duvidar que “el cambio de paradigma jurídico más importante del siglo pasado

se estableció en un instrumento con escaso valor positivo en su momento y con

una fórmula aparentemente simples y elemental: todo ser humano es persona”12

(ZAFFARONI, 2011, p. 115).

Pelo clamor emitido da natureza e consequentes emergências ambientais,

a quebra de paradigmas oferecida pelo Novo Constitucionalismo sul-americano,

já adotado vividamente pelas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia

(2009), tende a demonstrar ao mundo que é possível reconhecer os direitos da

natureza e coexistir em harmonia com ela. Reavivando a herança deixada por

Pachamama, o constitucionalismo andino tende a defender a proteção da

natureza e seus entes, ao passo que preconiza o respeito e empatia com todas

as formas de vida, reconhecendo sua interdependência.

2.3 Pachamama e a Influência Cultural nas Bases Constitucionais Sul-Americanas

A proposta de um novo modelo constitucional emerge da insatisfação

deixada pelo tradicional Constitucionalismo de caráter político-liberal, por ter

sido insuficiente, num contexto histórico, para compreender as mudanças da

sociedade, bem como “[...] não teve clareza suficiente para explicar a ruptura

com as metrópoles européias e a continuidade de relações tipicamente coloniais

em suas respectivas sociedades ao longo dos séculos XIX, XX e parte do XXI”

(CHIVI apud WOLKMER, 2012, p. 70-71).

Importante observar que uma crise ambiental é capaz de problematizar

“paradigmas estabelecidos do conhecimento e demanda novas metodologias

12 “[...] a mudança mais importante do paradigma legal do século passado foi estabelecida em um instrumento com pouco valor positivo na época e com uma fórmula aparentemente simples e elementar: todo ser humano é uma pessoa” (ZAFFARONI, 2011, p. 115).

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capazes de orientar um processo de reconstrução do saber que permita realizar

uma análise integrada da sociedade” (LEFF, 2002, p. 62). Por conseguinte,

instaura os primeiros delineados de um novo retrato constitucional nos países

latino-americanos conhecido como Constitucionalismo Andino ou Pluralista.

Denota-se essa mudança através das políticas e processos constituintes

assentados nos bens jurídicos comuns relacionados à cultura e à natureza, bem

como nas relações entre o Estado e as populações originárias da região, em

especial, à andina (WOLKMER, 2012, p. 71).

Para melhor compreensão, o novo Constitucionalismo latino-americano

pauta-se em três ciclos temporais: no elo entre Estado e povos indígenas, no

direito à identidade e, por fim, à pluralidade cultural.

Representado pelas Constituições do Brasil (1988) e da Colômbia (1991),

ocorre o primeiro ciclo de alterações constitucionais com tendência pluralista.

Isto porque, a primeira Carta caracterizou-se por consagrar “mecanismos da

democracia direta, de maior participação popular, de autonomia municipal, dos

novos sujeitos sociais e da ampliação dos direitos coletivos” (WOLKMER, 2012,

p. 71). Enquanto a colombiana deu espaço a novos direitos e visão ao

reconhecimento dos povos tradicionais, incorporando garantias jurisdicionais

relevantes como a “ação de tutela” e ainda, a criação de uma Corte

Constitucional, deixando estagnado, em comparação a Constituição brasileira,

apenas no que concerne aos direitos coletivos de bens comuns e ao ambiente

(WOLKMER, 2012, p. 72).

O segundo ciclo se consolida com a Constituição Venezuelana (1999),

trazendo em seu texto um constitucionalismo democrático-popular ao dedicar o

Capítulo IV para os Direitos Políticos e ao Referendo Popular, bem como incluiu o

intitulado Poder Público Nacional constituído por cinco poderes independentes

entre si: Legislativo, Executivo, Judicial, Cidadão e Eleitoral, este último trata-se

da instância maior. Para mais, inseriu ainda temas sobre os direitos dos povos

indígenas, assim como os direitos pertinentes aos bens comuns naturais e

culturais como sendo imprescindíveis a sobrevivência (WOLKMER, 2012, p. 72-

73).

Por fim, no terceiro ciclo encontram-se as Constituições do Equador (2008)

e da Bolívia (2009), tratando-se ambas da expressão máxima do novo

Constitucionalismo latino-americano. Esses textos expressam o

Constitucionalismo Plurinacional Comunitário, permeando por um modelo

incomum de Estado de Direito, valorando saberes tradicionais de sociedades

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multiculturais “[...] com práticas de pluralismo igualitário jurisdicional [...], e,

finalmente, com reconhecimento de direitos coletivos vinculados a bens comuns

a natureza” (WOLKMER, 2012, p. 73).

Em suma, o novo modelo constitucional intenciona assegurar uma gestão

democrática ao passo que haja o manuseio sustentável dos recursos naturais,

bem como do ambiente. Nessa perspectiva, destacam-se três recentes

Constituições elaboradas sob o viés de consolidação da natureza como sujeito

de direitos, ou, que atribuíram garantias aos povos tradicionais, reconhecendo a

importância do Estado plurinacional na proteção de sua cultura e do ambiente.

São elas a equatoriana, boliviana e venezuelana.

Do preâmbulo da Constituição da República do Equador (2008) extrai-se o

seguinte texto:

Celebrando a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia, y después se señala que se decide construir: Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay13 (ZAFFARONI, 2011, p. 108).

Essa Carta traz, explicitamente, o ponto que mais foge dos padrões

tradicionais do antropocentrismo, o reconhecimento da natureza como sujeito

de direitos.

De início, o Capítulo VII da Constituição equatoriana intitulado de “Direitos

da Natureza”, em seu primeiro dispositivo, estabelece:

Art. 71.- La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observarán los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema14 (EQUADOR, 2008, p. 52).

Assim, tende a especificar que os direitos a que se refere tal dispositivo,

concernem ao direito de existência, manutenção e regeneração de seus ciclos

vitais, incumbindo a sociedade e ao Estado a atenção aos seus cumprimentos.

13 “Celebrando a natureza, a Pacha Mama, da qual fazemos parte e que é vital para a nossa existência, e em seguida aponta que se decide construir: Uma nova forma de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar ao vivo, o sumak kawsay” (ZAFFARONI, 2011, p. 108). 14 “Art. 71.- Natureza ou Pacha Mama, onde a vida é reproduzida e realizada, tem o direito de ser plenamente respeitada a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos de vida, estrutura, funções e processos evolutivos. Toda pessoa, comunidade, cidade ou nacionalidade pode exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar esses direitos, os princípios estabelecidos na Constituição serão observados, conforme apropriado. O Estado incentivará pessoas e grupos naturais e jurídicos a proteger a natureza e promover o respeito por todos os elementos que formam um ecossistema” (EQUADOR, 2008).

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Quanto aos animais, estes são mencionados no artigo 57 como uma

manifestação dos direitos das comunidades tradicionais e indígenas, pois lhes

são garantidos o direito coletivo de manutenção, proteção e recuperação de

espaços religiosos, fauna e flora localizados em seus territórios. Outro artigo

notório é o 281 que, por sua vez, refere-se à primazia alimentar, isso porque

impõe a obrigação de mantê-los saudáveis e com boas condições de sobrevida

para fins alimentícios.

Ademais, em seu artigo 73, ainda dispõe sobre a proteção animal, com o

intuito de preservar e proibir atividades lesivas que podem ocasionar extinção

da espécie (MACHADO JUNIOR, 2016, p. 44). Frise-se: a redação dita sobre

proteção e não essencialmente direito dos animais. Entretanto, conforme

defende Cristiano Pacheco (2013, p. 355-356), os direitos da natureza

reconhecidos pela Constituição equatoriana deve ser estendido aos seres que

nela habitam, visto que na retratação jurídica dada pelo texto da Carta, não se

distingue o ecossistema de seus elementos. Sendo assim, não é cabível

reconhecer à natureza seus valores e ser omisso quanto às demais formas de

vida.

Nota-se que, apesar de impor previsões direcionadas à preservação e ao

bom uso da natureza (base Pachamama), os animais ainda permanecem

“coisificados”, prevalecendo a ideia de “bem-estarismo” (animal welfare)

(MACHADO JUNIOR, 2016, p. 47).

Conclui-se que o reconhecimento dos animais como sujeito de direitos não

está previsto na Constituição Equatoriana, exceto quando adota a interpretação

de estender os direitos reconhecidos a natureza a todos os seres que a integram

(MACHADO JUNIOR, 2016, p. 47).

Herdado pela cosmovisão indígena andina, o artigo 74 da Constituição do

Equador, ocupa-se do preceito do “Bem Viver”, prescrevendo:

Art. 74.- Las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades tendrán derecho a beneficiarse del ambiente y de las riquezas naturales que les permitan el buen vivir. Los servicios ambientales no serán susceptibles de apropiación; su producción, prestación, uso y aprovechamiento serán regulados por el Estado15 (EQUADOR, 2008, p. 52).

Logo, é possível entender que o Constitucionalismo andino adotado pela

Constituição do Equador (2008), destaca-se por “resgatar as tradições, a história

e a cultura de povos indígenas, além de estabelecer uma democracia

15 “Art. 74.- Indivíduos, comunidades, pessoas e nacionalidades terão o direito de se beneficiar do meio ambiente e das riquezas naturais que lhes permitem viver bem. Os serviços ambientais não serão suscetíveis de apropriação; sua produção, provisão, uso e uso serão regulados pelo Estado”.

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participativa em um estado que se reconhece plurinacional” (MACHADO JUNIOR,

2016, p. 53).

A Constituição boliviana, por sua vez, retrata a refundação do país,

edificando-se em um novo modelo de direito comunitário, tornando-se um

Estado predominantemente “indígena, anticolonialista e plurinacional”

(WOLKMER, 2012, p. 77). Nesse sentido, cabe reproduzir seu preâmbulo

constitucional: “Cumpliendo con el mandato de nuestros pueblos, con la

fortaleza de nuestra Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia”16

(ZAFFARONI, 2011, p. 109).

A nova Carta abrange os direitos das nações, indigenistas, campesinos e

originários, regulamentando-os por um “igualitarismo jurisdicional”, isto é,

mantendo uma hierarquia congênere entre eles. A jurisdição indígena, por seu

turno, terá a instrução de uma autoridade promanado da cultura e, ainda, as

aplicações serão com base em seus princípios, valores, normas e meios

próprios. Quanto ao fundado Tribunal Constitucional Plurinacional, a este

compete o resguardo da Constituição, bem como o exercício do controle

constitucional e a resolução de conflitos entre as jurisdições plurinacionais,

ordinária e ambiental.

No tocante a educação, o texto constitucional promove a comunicação

intercultural e, no que concerne aos bens comuns, estes tiveram sua

importância reconhecida, assumindo a necessidade de sua proteção e defesa.

No mesmo sentido ocorreu com os bens comuns ambientais, tornando-os fins a

serem tutelados pelo Estado e pela sociedade, dando ênfase à água, visto que

seu usufruto é o que permite a vida (WOLKMER, 2012, p. 77-78).

O art. 33 da Constituição boliviana dispõe:

Las personas tienen derecho a un medio ambiente saludable, protegido y equilibrado. El Ejercicio de este derecho debe permitir a los individuos y colectividades de las presentes y futuras generaciones, además de otros seres vivos, desarrollarse de manera normal y permanente17 (ZAFFARONI, 2011, p. 109-110).

Críticas foram tecidas diante dessa disposição legal, visto que a

interpretação dada à frase de abertura do dispositivo tende a compreender que

a proteção concedida e assegurada em texto constitucional ao ambiente

16 “Cumprindo o mandato de nossos povos, com a força de nossa Pachamama e graças a Deus, nós refundamos a Bolívia” (ZAFFARONI, 2011, p. 109). 17 “As pessoas têm direito a um ambiente saudável, protegido e equilibrado. O exercício deste direito deve permitir aos indivíduos e comunidades das gerações presentes e futuras, bem como de outros seres vivos, desenvolver-se de maneira normal e permanente” (ZAFFARONI, 2011, p. 109-110).

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perpassa por um interesse de qualidade de vida humana, não ensejando a real

intenção fixada pela cultura pachamamista. Entretanto, mesmo que a redação

constitucional declare o assunto como direitos de natureza social e econômica,

dando uma ideia de inclinação ao padrão antropocêntrico em considerar o

ambiente como um direito humano, ao longo do texto, não exclui as demais

formas de vida, mesmo que de forma contida, demonstra uma tentativa de

agregá-los com o meio jurídico (ZAFFARONI, 2011, p. 110).

No tocante a Constituição da Venezuela (1999), cabe algumas observações

quanto à ausência de referências em matéria ambiental. Isso porque sua

elaboração se deu antes das duas últimas Constituições analisadas, sendo elas

mais recentes e mais cientes da emergência ambiental, adotaram

veementemente a proteção à natureza e seus componentes. A Carta

venezuelana, por sua vez, ocupou-se de um constitucionalismo mais popular, de

caráter pluralista. É o que se verifica nos termos do art. 62:

Artículo 62. Todos los ciudadanos y ciudadanas tienen el derecho de participar libremente en los asuntos públicos, directamente o por medio de sus representantes elegidos o elegidas. La participación del pueblo en la formación, ejecución y control de la gestión pública es el medio necesario para lograr el protagonismo que garantice su completo desarrollo, tanto individual como colectivo. Es obligación del Estado y deber de la sociedad facilitar la generación de las condiciones más favorables para su práctica18 (CONSTITUIÇÃO DA VENEZUELA, 1999).

Outra importante transformação está contida no art. 136 da Constituição

venezuelana (1999), instituindo o Poder Público Nacional e o dividindo em cinco

poderes distintos: Legislativo, Executivo, Judiciário, Cidadão e Eleitoral. Cada um

possui funções próprias, entretanto, todos devem cooperar entre si em prol do

propósito final do Estado.

Ademais, cita-se a inclusão da matéria que versará sobre os direitos

indígenas, bem como aos direitos correspondentes aos bens comuns naturais e

culturais, ressaltando sua imprescindibilidade a vivência humana (WOLKMER,

2012, p. 72-73).

Denota-se que a abordagem pachamamista da natureza é parca,

conquanto, os avanços constitucionais venezuelanos merecem destaque por seu

caráter pluralista que, por sua vez, é o caminho para um futuro reconhecimento

protetivo e efetivo ao ambiente.

18 “Artigo 62. Todos os cidadãos têm o direito de participar livremente dos assuntos públicos, diretamente ou através de seus representantes eleitos ou eleitos. A participação das pessoas na formação, execução e controle da gestão pública é o meio necessário para alcançar o papel de liderança que garante seu desenvolvimento completo, tanto individual como coletivamente. É obrigação do Estado e dever da sociedade facilitar a geração das condições mais favoráveis para sua prática” (CONSTITUIÇÃO DA VENEZUELA, 1999).

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Outrora, cabe mencionar outros dois países que, apesar de não adotarem

categoricamente o novo Constitucionalismo de base pachamamista, expressam

matérias relevantes ao tema. São eles o Peru e a Colômbia.

A Constituição do Peru, instituída em 1993, no mesmo sentido da Carta

venezuelana, adota uma posição mais pluralista ao reconhecer sua diversidade

social, cultural e étnica, influindo em sua transformação organizacional e

insurgindo contra a clássica estrutura do Estado ao democratizar a participação

política a partir do diálogo entre igualdade e diversidade, protegendo “o direito

de ser igual quando a diferença inferioriza, e o direito de ser diferente quando a

igualdade descaracteriza” (MELO, 2010, p. 147).

No que se refere à Constituição da Colômbia (1991), esta também priorizou

o reconhecimento dos direitos aos povos tradicionais, não se aprofundando

quanto aos direitos coletivos de bens comuns ou ambiente. Entretanto, por uma

vertente Pachamama, destaca-se o recente reconhecimento, pela Suprema

Corte da Colômbia, em sentença de 05 de abril de 2018, da Amazônia

colombiana como sujeito de direitos, detentora de proteção e restauração

perante o Estado e demais entidades que o compõe. A Corte Suprema de Justiça

fundou-se na aplicação da justiça além do cenário humano, colocando o

entendimento jurisprudencial adiante ao reconhecer a necessidade de uma

proteção constitucional às fontes de biodiversidade, dispondo ainda sobre a

importância de um ambiente saudável e sua interdependência com o indivíduo e

o Estado (WORLD CONSCIOUS PACT, 2018).

Portanto, as Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009)

permanecem como maiores evidências do novo Constitucionalismo latino-

americano em matéria Pachamama, por considerar a natureza como sujeito de

direitos, ainda que de forma mais expressa na equatoriana e implícita na

boliviana (ZAFFARONI, 2011, p. 111). Outrossim, apesar de citada no primeiro

ciclo temporal de transgressão ao novo modelo constituinte sul-americano, cabe

uma análise criteriosa quanto a possível efetividade do reconhecimento ao

ambiente dado pela Constituição Federativa do Brasil (1988), pois, apesar de

mencionada, pouco se dialoga sobre sua provável faceta pachamamista.

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3 RELAÇÕES ENTRE O DIREITO DOS ANIMAIS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E

CONCEPÇÕES PACHAMAMISTAS SUL-AMERICANAS

Antes de adentrar nos amparos legislativos ambientais do Brasil, é preciso

compreender o caminho trilhado até eles. Deste modo, cabe recordar a

Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano - 1972 que, apesar de

caráter partidarista, considera-se o substrato da preocupação com o ambiente.

A partir de sua influência internacional, ocorre o Relatório de Brundtland em

1987, visando acrescentar à questão ambiental uma perspectiva de promoção

econômica, alcançando o posicionamento dos países considerados em

desenvolvimento, incluindo o Brasil. Em redação, sugere o usufruto racional dos

recursos naturais ao passo que prezava pela manutenção da economia que, por

sua vez, não poderia destruir ou agredir o conjunto ecológico (MOREIRA, 2011,

p. 07).

Eis a construção basilar das normativas ambientais nacionais ensejadas

pela Declaração de Estocolmo (1972), a começar pela criação da Lei de Política

Nacional do Meio Ambiente em 1981 que, por seu turno, motivou o

reconhecimento de proteção ambiental registrada mais tarde pela Constituição

Federativa do Brasil (1988). A Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio

Ambiente) definiu ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a

vida em todas as suas formas” (art. 3º, I, Lei n. 6.938/81).

Segundo Édis Milaré (2000, p. 52-53), é possível distinguir duas

perspectivas no conceito jurídico de ambiente. Assim, num primeiro momento,

mais estrito, o ambiente seria expressão do patrimônio natural e sua relação

entre os seres vivos. Já a visão ampla do instituto, abrange além dos limites

estritos da ecologia tradicional, abarcando toda a natureza original e artificial,

assim como os bens culturais correlatos. Tal visão representa a evolução da

disciplina e a conscientização da necessidade de preservação ambiental.

Como se sabe, o tema hermenêutico do novo Constitucionalismo ou

Constitucionalismo da América Latina tem especial destaque ao se analisar

“quando se trata de discutir os referenciais da ‘mãe-terra’ (Pachamama), da

civilização Inca em face da intervenção do Estado para regular o domínio

econômico e os desafios da preservação ambiental” (TUDISCO; KEMPFER, 2012,

p. 413). Isso porque a cultura deste povo ancestral expõe uma relação de

absoluto respeito à natureza, sendo que, de acordo com a cultura Pachamama,

o humano é hóspede da mãe-terra, sendo plenamente possível viver integrado à

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natureza, preservando sua fertilidade.

Somente através da preservação da natureza é possível se falar em vida

humana. Esse paradigma deve ser observado hoje por todos os operadores do

direito, com o objetivo de tentar estancar ou, diminuir, as grandes catástrofes

mundiais que ocorrem cotidianamente em decorrência do desrespeito do

humano ao ambiente (TUDISCO; KEMPFER, 2012).

Essa nova visão do ambiente, construída paulatinamente, vem ganhando

forças com o novo Constitucionalismo sul-americano, tendo como propósito

resgatar os valores do pluralismo jurídico, reconhecendo a possibilidade da

convivência entre diferentes culturas por meio do que denominam de cultura da

paz (TUDISCO; KEMPFER, 2012).

Destarte, acentua-se substancialmente o verdadeiro direito pertencente à

natureza e seus emanados: o direito de existência. As demais normativas

ambientais devem delimitar os direitos de sua fruição, bem como firmar os

deveres protetivos. Nestes termos:

Se entendermos o ambiente enquanto local, meio que permite a vida, então é justo reconhecer que o direito do ambiente encerra-se em sua existência. Seu direito é único: existir. Os direitos que devem ser delimitados e normatizados são os direitos de fruição e deveres de preservação do ambiente, ou seja: os limites do exercício de direitos sobre o ambiente. E, nesse ponto, o humano é o único destinatário da norma, e deve ser lembrado a todo instante: o direito ao ambiente é de todos, humanos e não humanos (ROSA; BRITTO, 2016, p. 149).

Essa nova cosmovisão, em especial sobre a ótica ambiental, vem

influenciando outros países constitucionais, dentre eles, o Brasil, que possui uma

vasta legislação de proteção ao ambiente.

Ademais, conforme será analisado, os operadores do direito no Brasil estão

adotando uma visão mais crítica sobre o ambiente, trazendo inovações

importantes, seja do ponto de vista legislativo ou pela aplicação prática das

normas do direito ambiental.

No que tange, em específico, aos direitos dos animais será visto que há

legislação protecionista, com regras proibitivas aos maus-tratos, abusos,

mutilações e pescas predatórias; bem como que os Tribunais Pátrios, por seu

turno, vêm dando a devida atenção aos casos noticiados, com rígidas

interpretações, sempre buscando o máximo de bem-estar animal e o respeito a

sua dignidade.

3.1 Influências Indigenistas na Sociedade Brasileira

O novo Constitucionalismo sul-americano foi surgindo e ganhando espaço

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50

por meio de movimentos sociais que tinham como escopo, dentre outros, a

preservação da natureza como fonte maior de vida. Busca, com esse novo

modelo constitucional, prender à mente humana a necessidade de preservação

do ambiente e seus componentes, por ser a única forma de viabilizar a

sustentabilidade (TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p. 315).

Ademais, esse novo ideal dedica ainda, para que sejam feitas políticas

públicas de inclusão, de respeito à cultura, à diversidade e participação na

gestão ambiental, por ser fato notório no atual estágio da humanidade a

limitabilidade dos recursos naturais e a necessidade de respeito à dignidade de

todo o ser vivente (TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p. 315).

O Constitucionalismo Pluralista ganhou base e força a partir de 1988.

Todavia, não se pode descurar que forte fator de influência desse novo

constitucionalismo foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente,

realizada em Estocolmo, em 1972. Este foi o marco inicial da preocupação com o

ambiente. A partir de então, surge a Declaração Universal do Meio Ambiente,

que objetivou a adoção de princípios comuns, visando inspirar e servir de guia

aos povos do mundo na busca da preservação e na melhoria do ambiente

(TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p. 324).

Essa nova ideia de necessidade de preservação do ambiente, seja da fauna

ou da flora, está explícita em seu artigo 1º:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. [...] (Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano, 1972).

Sendo ser pensante, racional e com ampla capacidade de transformar e

criar, o ser humano tem a responsabilidade especial de preservar e administrar

judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat que se

encontram, atualmente, em grave perigo, devido a uma combinação de fatores

adversos (Princípio 4, Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano,

1972).

E essa responsabilidade, de proteção do ambiente, seja o natural ou

artificial, é necessário devido a grande crise ambiental vivenciada atualmente,

com constantes catástrofes, extinção de espécimes silvestres, destruição em

massa da natureza, tudo em nome da lucratividade sem limites.

Bom deixar vincado que essa crise ambiental com a qual a humanidade se

defronta é apenas um exemplo de como, hodiernamente, o planeta Terra vem

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apresentando uma reação que reflete o modo pelo qual as atividades humanas

se desenvolvem (TOLENTINO; OLIVEIRA apud CAPRA, 2002, p. 40 e 145).

Ademais, conforme bem explicado por WOLKMER (2014, p. 69), a crise

projetada no espaço do ambiente reproduz igualmente a transparência de nosso

tempo que, na perspectiva proclamada, em 2002, pelo Manifesto Una Ética para

la Sustentabilidad, resulta de:

[...] uma visão mecanicista do mundo que, ignorando os limites biofísicos da natureza e os estilos de vida das diferentes culturas, está acelerando o aquecimento global do planeta. Esta é uma ação humana e não da natureza. A crise ambiental é uma crise moral das instituições políticas, de aparatos jurídicos de dominação, de relações sociais injustas e de uma racionalidade instrumental em conflito com a vida; [...] (Una Ética para la Sustentabilidad, 2002, p. 16).

Outrossim, a mudança cognoscitiva sobre o conceito de ambiente e as

consequências de sua destruição, vem transformando, ainda que

gradativamente, a visão antropocêntrica para uma visão mais ampla, voltada

para a necessidade de sua proteção como fator de continuidade da vida no

planeta.

A ideia indigenista de junção cosmopolita da terra, do ar e da natureza está

se enraizando na sociedade latino-americana influenciando mudanças em

demais países. No caso do Brasil, a mudança é discreta, visto que sua

construção baseada em uma nova visão sobre o ambiente tende a priorizar a

necessidade de sua proteção para as presentes e futuras gerações, denominado

antropocentrismo intergeracional.

Quanto à teoria dos direitos fundamentais, categorizados em dimensões

para mero fim acadêmico, retoma-se a um breve aparato.

Nesse sentido, os direitos de primeira dimensão são os direitos ditos

individuais, inerente ao indivíduo. Esses direitos “marcam a passagem de um

Estado autoritário para um Estado de Direito e, nesse contexto, o respeito às

liberdades individuais, em uma verdadeira perspectiva de absenteísmo estatal”

(LENZA, 2019, p. 1.760). Os direitos de segunda dimensão, por sua vez, pautam-

se nas liberdades positivas, isto é, visam garantir a melhor qualidade de vida

humana, bem como sua dignidade com base no exercício de liberdade.

Adiante, os direitos fundamentais da terceira dimensão são marcados pela

alteração da sociedade por profundas mudanças na comunidade internacional.

Surgem novos problemas e preocupações na esfera internacional, pontuando

necessidade de preservação do ambiente. Esses direitos são ditos

transindividuais, estão além do indivíduo, que são inseridos numa nova visão de

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coletividade, passando a ter direitos de solidariedade ou fraternidade. Agora, o

que se busca proteger, é o gênero humano ante a construção de novo ideário

humanístico (LENZA, 2019, p. 1.761).

Em suma, denota-se que o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado

se equipara ao direito à vida (primeira dimensão), uma vez que esta é essencial

a continuação da espécie humana e sua dignidade enquanto ser cultural

(TOLENTINO; OLIVEIRA apud TRINDADE, 1993).

A vida é um direito fundamental, sendo dela derivados todos os demais

direitos humanos e garantias inerentes. Conforme bem enfatizado por

TOLENTINO; OLIVEIRA apud Carvalho (2010):

[...] a dependência do homem em relação ao meio ambiente é total: o ser humano não pode sobreviver mais do que quatro minutos sem respirar, mais de uma semana sem beber água e mais de um mês sem se alimentar. O único local conhecido do universo no qual o homem pode respirar, tomar água e alimentar-se é a terra. Nessa ótica o ambiente estaria intrinsecamente relacionado com o direito à vida e à saúde (CARVALHO, 2010, p. 141).

Essa mudança de paradigma do pensamento humano, fruto da influência

e cultura Pachamama, passou a fazer parte das Constituições de muitos

Estados. No Brasil, ainda que timidamente, é possível identificar certos pontos

conquistados pela influência do Constitucionalismo Pluralista, a despeito da

Constituição Federal brasileira de 1988 que passou a prever expressamente a

necessidade de proteção ao ambiente em seu art. 225, caput (BRASIL, 1988).

Conforme consta no texto constitucional todos têm direito ao ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Denota-se que a cosmovisão pachamamista herdada pelos povos

tradicionais andinos, vem ganhando cada vez mais força entre a sociedade e os

estudiosos do direito ambiental, a fim de mitigar aquela visão antropocêntrica

absoluta dantes existente. Assim, embora ainda existam opiniões divergentes,

fato comum em uma sociedade democrática de direito, o que se busca na

contemporaneidade é que o direito ambiental tenha como objeto a tutela de

toda e qualquer forma vida. Conforme explanado por Fiorillo apud Diogo de

Freitas do Amaral (2012, p. 75):

[...] já não é mais possível considerar a proteção da natureza como um objetivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natureza tem que ser protegida também em função dela mesma, como valor em si, e não apenas como um objeto útil ao homem. [...] A natureza carece de uma proteção pelos valores que ela representa em si mesma, proteção que, muitas vezes, terá de ser dirigida contra o

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próprio homem.

Não se pode falar em sadia qualidade de vida sem um ambiente

ecologicamente equilibrado, preservado e utilizado de maneira racional,

compatibilizando o desenvolvimento sustentável com a coexistência humana.

Pachamama, ainda que não se trate de uma cultura recente, demonstra-se

sabiamente atualizada ao expor a necessidade de proteção ambiental, de

interação e junção global entre o humano e natureza.

Essa ideia se alarga gradativamente no Brasil, seja através da legislação,

movimentos sociais, bem como pela adoção dos Tribunais brasileiros dessa nova

visão protecionista do ambiente.

O Brasil possui uma vasta legislação em matéria ambiental, justamente em

decorrência da necessidade de uma proteção efetiva do ambiente, ante a

constatação de sua imprescindibilidade para a continuidade da vida no planeta.

Dentre as legislações brasileiras em matéria ambiental merecem destaque:

a) Lei n. 9.985/2000 – instituiu o Sistema Nacional de Unidades de

Conservação da Natureza – SNUC, estabelecendo critérios e normas para a

criação, implantação e gestão das unidades de conservação (BRASIL, 2000);

b) Lei n. 9.605/1998 - Lei dos Crimes Ambientais - Reordena a Legislação

ambiental quanto às infrações e punições (BRASIL, 1988);

c) Lei n. 12.305/2010 - Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos

(PNRS) (BRASIL, 2010);

d) Lei n. 11.445/2007 - estabelece a Política Nacional de Saneamento

Básico (BRASIL, 2007);

e) Lei n. 6.766/1979 - Lei do Parcelamento do Solo Urbano (BRASIL, 1979);

f) Lei n. 7.347/1985 - Lei da Ação Civil Pública – trata da Ação Civil Pública

de responsabilidade por danos causados ao ambiente, ao consumidor e ao

patrimônio artístico, turístico ou paisagístico, de responsabilidade do Ministério

Público brasileiro (BRASIL, 1985);

g) Lei n. 6.938/1981 - institui a Política e o Sistema Nacional do Meio

Ambiente (BRASIL, 1981);

h) Lei n. 9.433/1997- Lei de Recursos Hídricos (BRASIL, 2007);

i) Lei n. 11284/2006 - Lei de Gestão de Florestas Públicas (BRASIL, 2006);

j) Lei n. 12.651/2012 - Novo Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 2012).

No subcapítulo 3.2 será analisada a legislação ambiental sobre o ambiente,

em especial sobre o direito dos animais, demonstrando que os Tribunais pátrios

possuem uma visão bastante rígida e protecionista quando se trata de direito ao

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ambiente.

3.2 A Garantia do Direito dos Animais e do Meio Ambiente na Legislação

Brasileira

Da perspectiva religiosa, distinta de Pachamama, é possível adentrar

brevemente na questão antropocentrista impregnada na história, talvez, por seu

difuso caráter interpretativo, ensejando mais de uma compreensão. Com isso,

citam-se os registros bíblicos que exalta o humano como “grande possuidor e

detentor e dominador de todas as espécies, de modo que a natureza tinha a

função precípua de servi-lo” (ROSA; MASSAÚ, 2016, p. 51).

É importante destacar a versão bíblica acerca da relação entre os humanos

e os demais seres vivos, indicando que Deus, o criador do mundo, deu

existência primeiramente à natureza e a todas as formas de vida, com exceção

do humano, para então, criar a pessoa humana. Dessa vertente, observa-se que

o ambiente já existia antes do humano, devidamente interligado e vivo,

demonstrando não depender do humano para subsistência ou manutenção.

Ainda que em outra época, a concepção de que o ambiente é um bem coletivo

resta apenas em texto constitucional, visto que o reconhecimento de sua

jusfundamentalidade o direcionou apenas ao direito humano, incumbindo o uso

em simultaneidade com o dever de preservá-lo para as gerações presentes e

futuras (ROSA; MASSAÚ, 2016, p. 51).

Ainda que pouco conhecido, há um amplo rol legislativo de proteção aos

animais, seja a nível internacional, federal ou estadual. No Brasil, a primeira Lei

a tratar especificamente do assunto foi o Decreto, de Getúlio Vargas, publicado

em 10 de julho de 1934, que estabelecia medidas de proteção aos animais.

Hoje, a principal legislação do assunto é a Lei n. 9.605/1998, tratando dos

Crimes Ambientais (BRASIL, 1998).

No capítulo V, Seção I, a referida Lei trata dos crimes contra a fauna, em

seus artigos 29 a 37. Por sua leitura, vê-se a preocupação do legislador em

proteger os animais quanto à caça, à pesca, exportação de espécime sem a

devida autorização bem como a colocação de espécime nova no país sem a

devida licença expedida pela autoridade competente (BRASIL, 1998).

Importante também consignar a previsão do art. 32, da Lei n. 9.605/98,

quanto à proibição de qualquer forma de abuso ou maus-tratos contra os

animais não humanos. Pela importância, transcreve-se:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

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Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

O dispositivo em análise tutela o equilíbrio ecológico. Em observação, é

possível abstrair que a tipificação legal abrange todos os animais, sejam eles

silvestres, domesticados (aqueles que foram domados, amansados), nativos ou

exóticos (CAPEZ, 2012, p. 109).

É vedado bater, espancar, tratar com violência, causar ferimentos, fraturas

ou contusões, mutilar ou realizar qualquer experiência dolorosa em animais. Isso

porque, mesmo que não reconhecidos legalmente como seres sencientes e, por

conseguintes, sujeito de direitos, merecem a devida proteção do Estado, por

fazer parte do patrimônio cultural e natural do ser humano.

Em matéria cultural, convém citar a interpretação constitucional feita pelo

Ministro Francisco Rezek, sob a ótica de manifestação firmada como

pretensamente cultural da “Farra do Boi” no Estado de Santa Catarina sob o

prisma do art. 216 da Constituição Federal. Explica primeiramente duas

situações a superar antes de adentrar na matéria a ser julgada. A primeira está

na consideração metajurídica em questão prioritária, visto que o país demanda

de diversos problemas sociais, no qual, colocar em pauta a proteção do bem-

estar animal, seria negar amparo legislativo à sociedade humana. Num segundo

momento, tem-se a negligência dos Tribunais quanto à sensibilidade e

importância dada ao animal não humano. Superada tais ponderações, conclui o

Ministro no sentido de que não se considerada juridicamente correto a ideia de

que “em prática dessa natureza a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma

manifestação cultural com abusos avulsos; há uma prática abertamente violenta

e cruel para com os animais, e a Constituição não deseja isso” (CANOTILHO;

LEITE, 2012, p. 437).

Quanto ao momento do cometimento, “na conduta de praticar abuso ou

maus-tratos o crime consuma-se no instante da produção do perigo de dano aos

animais. Nas condutas de ‘ferir’ e ‘mutilar’, a consumação ocorre com o efetivo

ferimento ou mutilação” (CAPEZ, 2012, p. 110). Como se observa, a despeito da

pena ser relativamente baixa, houve uma preocupação do legislador em dar

proteção especial aos animais não humanos, visto não ser incomum assistir

constantes episódios de abandono, maus-tratos e crueldade com esses seres.

Não se pode também descurar de importantes decisões proferidas pelo

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Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal em relação a

proteção dos animais. O STJ, em decisão inédita19, reconheceu a dimensão

ecológica da dignidade da pessoa humana e, ademais, atribuindo dignidade e

direitos aos animais não humanos e à natureza.

Após criteriosa análise com base em uma visão inovadora, tecida com viés

do biocentrismo, entendeu-se por não acolher o pedido do órgão ambiental

federal - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA) - e manter a guarda de um papagaio que vivia há 23 anos

em cativeiro com a pessoa que o detinha na sua residência, ressalvando apenas

alguns requisitos a serem cumpridos periodicamente para assegurar o seu bem-

estar. Tais como visitas periódicas feitas por um profissional especializado em

animais silvestres, tudo devidamente documentado, e ainda, a fiscalização anual

para constatar o ambiente e condições de vida que a ave está sendo submetida

(SARLET; FENSTERSEIFER, 2019).

Como se observa, a decisão do Superior Tribunal de Justiça tem como

ponto fulcral a ideia desenhada pelo constitucionalismo latino-americano que,

por sua vez, preza pela:

[...] consciência ecológica, unindo o conceito milenar Pachamama dos povos andinos, que representa a Terra como titular de direitos, pois é a expressão máxima da vida e de todos os seres (humanos ou não) e a teoria andina contemporânea, que considera Gaia (Terra) como um ser vivo que se autorregula pela convivência harmoniosa de seus seres (BOFF, 2003).

A decisão percorreu um trajeto progressivo na perspectiva do

fortalecimento do regime jurídico dos animais não humanos e da natureza,

reconhecendo seus direitos de titularidade, o que implica também o

reconhecimento do seu status jurídico de sujeitos de direitos (SARLET;

FENSTERSEIFER, 2019).

Destarte, a decisão do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um diálogo

de fontes normativas constitucionais, tendo citado em seu texto a Constituição

Equatoriana de 2008, que reconheceu os “Direitos da Natureza ou Pachamama”

em seu texto, bem como por citar ainda outras decisões oriundas do direito

comparado (SARLET; FENSTERSEIFER, 2019).

Essa nova visão advinda da Instância Superior do Estado de São Paulo

resultou em seu exercício por todos os Tribunais do país, reproduzindo uma

19 REsp 1.797.175/SP, da relatoria do ministro Og Fernandes, reconheceu a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e, ademais disso, atribuiu dignidade e direitos aos animais não-humanos e a Natureza (STJ, 2019).

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mudança de paradigma, extirpando aquela visão kantiana, de cunho

individualista para uma visão mais ecocêntrica, reconhecendo o ambiente como

um direito fundamental que deve ser respeitado em toda a sua composição.

Outra decisão importante da Corte Especial foi proferida no Resp.

1713167/SP, de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão, julgado em

19/06/2018, reconhecendo o direito de visita a um animal de estimação, após

separação do casal. Constou no destaque do julgado que, quando há dissolução

familiar “[...] é possível o reconhecimento do direito de visita a animal de

estimação adquirido na constância da união estável, demonstrada a relação de

afeto com o animal” (BRASIL, 2018).

Essa ótica protecionista e ecocêntrica tecida pelo STJ de São Paulo e

encampada pelos demais Tribunais Superiores, tem como ponto basilar o fato de

que os animais são seres de natureza especial, dotados de sensibilidade,

sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais

considerados racionais (BRASIL, 2018).

Não se pode também deixar de mencionar importantes decisões proferidas

pelo Supremo Tribunal Federal, dando efetiva proteção aos animais não

humanos.

Na ADI n. 4983, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgou-se

inconstitucional a Lei n. 15.299/2013 do Estado do Ceará, que regulamenta a

vaquejada como prática desportiva e cultural no Estado (Tribunal Pleno, julgado

em 06/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-087 DIVULG 26-04-2017 PUBLIC

27-04-2017). Segundo o Ministro, a decisão tomada ponderando o direito ao

ambiente e os direitos individuais, tendeu-se a valorar o interesse coletivo

(BRASIL, 2017).

Outro julgado merecedor de destaque foi proferido na ADI n. 1856, de

relatoria do Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2011,

ficando assentada a inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 2.895/98, do Rio de

Janeiro, que autoriza e disciplina a realização de competições entre “galos

combatentes”.

Conforme assentado pelo Relator Celso de Mello, a norma questionada está

em “situação de conflito ostensivo com a Constituição Federal”, que veda a

prática de crueldade contra animais. Esclarecendo que, a intenção do

constituinte ao estabelecer a proteção à fauna e à flora, está em garantir o

direito fundamental de integridade do ambiente, seja cultural, artificial ou

laboral (BRASIL, 2011).

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De acordo com o Relator, as brigas de galo são inerentemente cruéis “e só

podem ser apreciadas por indivíduos de personalidade pervertida e sádicos”

(BRASIL, 2011). Como se observa pelas decisões citadas, as Instâncias

Superiores possuem entendimento bastante rígido quanto aos maus-tratos em

animais, considerando, necessariamente, que são seres viventes e que podem

sentir dor como qualquer ser humano.

O fato de não serem dotados de razão, não retiram desses seres o direito

de serem respeitados e tratados com certa dignidade. Aquele que, de forma fria

e cruel, torturar, espancar, mutilar animais apenas pelo prazer de vê-los sofrer,

tem plena capacidade de ferir seu semelhante.

Não se pode conceber a defesa de um ato cruel apenas com o argumento

de que se trata de um animal irracional. Esses animais, assim como a natureza

como um todo, detêm titularidade de direitos. Nesse passo, a degradação

ambiental vem sendo objeto de maior conscientização do ser humano, conforme

se verifica:

[...] notadamente no segundo pós-guerra, quanto à natureza e à qualidade do meio ambiente em que vive. Especificamente em relação à proteção aos animais, diversas legislações, tanto no Brasil como em âmbito internacional, passaram a regular a questão, tendo a Constituição da República de 1988, estabelecido - como visto -, expressamente, tal abrigo dentro do contexto da preservação do meio ambiente, ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Cuida-se de direito fundamental de terceira geração, fundado no valor solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado “de altíssimo teor de humanismo e universalidade” (BONAVIDES, 2001, p. 523).

Esses direitos, em sua maioria, de natureza transindividual, vêm sendo

defendidos com veemência pelo Ministério Público através de Ação Civil Pública

de natureza ambiental, justamente por estar mais que demonstrado a

importância de sua preservação para as presentes e futuras gerações.

Tais decisões refletem a importância dos chamados direitos de terceira

geração, direito este da coletividade, dos grupos, do ambiente, como fator

aglutinante de continuidade da vida no planeta. Essa nova visão está em

consonância com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978 que,

por sua vez, deixa claro em seu preâmbulo que os animais são possuidores de

direitos (BRASIL, 1978). Pelo artigo 1º da Declaração “todos os animais nascem

iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência” (BRASIL, 1978).

Ainda, segundo a Declaração, ao considerar o humano como espécie

animal, este “[...] não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais,

ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua

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consciência a serviço dos outros animais”, não podendo nenhum animal ser

submetido a maus-tratos ou atos cruéis. Ademais, considera que o “[...] ato que

leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime

contra a vida” (BRASIL, 1978).

Além da Lei n. 9.605/98, há outras leis de proteção dos direitos dos animais

no Brasil, conforme bem delineadas por OG Fernandes, no Resp. 1.797.175, a

exemplo: a) Lei n. 7.173/1983, a qual disciplina o funcionamento dos zoológicos;

b) Lei n. 7.643/1987, sobre proteção de cetáceos marinhos; c) Lei n.

11.794/2008, que regula as atividades científicas que envolvam os animais; d)

Lei n. 10.519/2002, a qual trata de normas de higiene e cuidados com os

animais em rodeios e similares. Para mais, há diversas outras Leis Estaduais e

Municipais que regram o tratamento e proteção dos animais não humanos

(BRASIL, 2018).

Por fim, imprescindível citar a Lei n. 6.938/81 – Política Nacional do Meio

Ambiente – que, em seu art. 14, §1º, adotou a responsabilidade objetiva em

matéria ambiental.

Na teoria objetiva, não se perquire a existência de culpa para

responsabilizar o infrator, bastando a comprovação do dano e do nexo causal.

A adoção da teoria objetiva busca justamente concretizar a defesa do

ambiente, porque não há como proteger o ambiente, recompor eventual dano

ecológico, sem a adoção do risco integral. Do contrário, tornar-se impossível

qualquer reparação, dando margem para variadas alegações de defesa com o

intuito de afastar sua responsabilidade pelo mal causado ao meio ambiente

(FERRAZ, 2000, p. 58).

Portanto, tem-se que a legislação brasileira, ainda que não reconhecido

constitucionalmente o animal como sujeito de direitos, possui regras rígidas de

proteção ao ambiente, sendo estas aplicadas efetivamente pelos operadores do

direito, ensejando interpretações consonantes com uma visão ecocêntrica do

mundo, ante as constatações dos enormes prejuízos que a degradação

ambiental pode causar.

3.3 A importância do respeito e proteção a todas as formas de vida: uma

herança pachamamista

Dentre as influências históricas que contribuíram para o aferro

antropocentrista, Leonardo Boff menciona a exaltação do ser humano na

passagem bíblica de Gênesis (1, 28): “[...] crescei e multiplicai-vos, dominai a

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Terra, os peixes do mar, as aves do céu e tudo o que se vive e se move sobre a

face da Terra” (BOFF, 2015, p. 69). Nesta fita, por sua pregação e ampla

herança pátria, a colonização católica no Brasil não contribuiu para a sabedoria

de reconhecer a natureza por seu caráter interdependente e recíproco, tendo

em vista a tenacidade da predominância humana sobre ela e os demais seres.

Por outro lado, Pachamama, provinda da cultura andina, é entendida como

um elemento que ultrapassa a menção de divindade, sendo considerada a

natureza que cria e recria os elementos da vida (TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p.

313-335). Uma vez adotada pelas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia

(2009), as transformam em “instrumentos que viabilizam a sustentabilidade

plural, que reconhecem a natureza como sujeito de direitos, o multiculturalismo

e o plurinacionalismo, conferindo-lhes direitos até então relegados”

(TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p. 313-335).

Essa nova forma de pensar e ver o mundo, com base na importância da

natureza e suas formas de vida para a continuidade da espécie humana são

influências da cultura andina.

A proteção dada à Pachamama promove o “equilíbrio, a sobrevivência das

espécies e da vida humana” (TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p. 313-335) e essa

ideia está se difundindo em todos os setores da sociedade e influenciando a um

novo modo de contextualizar a importância da preservação da natureza para

que haja harmonia na vida terrena.

Com isso, "[...] tomando por base os diversos exemplos de degradação

ambiental", a crise ecológica "motivou a mobilização de diversos setores e

grupos sociais na defesa da natureza, o que levou ao surgimento de novos

valores e práticas no âmbito comunitário" (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017, p.

43).

De fato, atualmente, criou-se uma consciência da necessária coexistência

entre sociedade e ambiente, após a percepção de que a prioridade econômica e

progressista sem uma base verde, não deixaria um futuro certo para as

presentes e futuras gerações. Tal compreensão surge em meados da década de

60, século XX, ganhando forças no meio social.

Conforme bem desenhado pelo ambientalista Romeu Faria Thomé da Silva

(2015, p. 31):

Há algum tempo tal afirmação soaria absurda, eis que a noção de progresso que sustentava a modernização e o crescimento econômico ao longo do século XIX e de considerável parcela do século XX colidiu com as noções básicas de preservação ambiental. Os recursos naturais, inesgotáveis, considerados fonte eterna de energia, suportariam todo e

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qualquer tipo de atividade econômica exercida pelo ser humano, empenhado em criar desde máquinas e indústrias a cidades e metrópoles, razão pela qual se apresentava inimaginável a harmonia entre conceitos à primeira vista tão antagônicos. A natureza, calada, suportava o ônus do desenvolvimento industrial. O ser humano, ambientalmente inconsciente, continuava a usufruir dos recursos naturais sem a imprescindível preocupação com as gerações subsequentes.

Verifica-se que não havia qualquer conscientização sobre a necessidade de

proteção do ambiente, já que consideravam inesgotáveis os recursos naturais.

Todavia, a sobrecarga imposta à natureza enfim reagiu, causando enormes

catástrofes ecológicas, escassez de água e extinção de espécies, forçando os

países a adotarem medidas conscientes e com resultados iminentes.

Com isso, houve a necessidade de construção de um arcabouço jurídico

rígido para que fosse possível a defesa dos direitos e deveres individuais e

coletivos, pois, “é através das normas jurídicas ambientais que o Poder Público

busca a implementação do Estado de Direito Socioambiental” (SILVA, 2015, p.

32).

Da leitura da Constituição Federal (1988), percebe-se que não houve

reconhecimento da natureza como sujeito de direitos. No entanto, esta teve

significativa evolução em relação à proteção ambiental, elevando-o a um direito

fundamental, com intuito de garantir o equilíbrio e a qualidade de vida das

presentes e futuras gerações, demonstrando ter adotado uma proteção de

cunho utilitarista, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal de

1988 (TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p. 313-335).

Reconhecido como direito de todos, tendo como contexto a ordem social,

impôs-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defender e preservar o

ambiente para as presentes e futuras gerações (CF/88, art. 225, § 1°, VII).

Essa visão da natureza como expressão da vida na sua totalidade

possibilita que o Direito Constitucional, bem como os demais ramos do direito

"[...] reconheçam o meio ambiente e os animais não humanos como seres de

valor próprio, merecendo, portanto, respeito e cuidado, de sorte que pode o

ordenamento jurídico atribuir-lhes titularidade de direitos e de dignidade"

(TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015, p. 313-335). Conforme pontuado pelo Ministro do

Superior Tribunal de Justiça, Og Fernandes (BRASIL, 2018):

Nesse contexto, deve-se refletir sobre o conceito kantiano, antropocêntrico e individualista de dignidade humana, ou seja, para incidir também em face dos animais não humanos, bem como de todas as formas de vida em geral, à luz da matriz jusfilosófica biocêntrica (ou ecocêntrica), capaz de reconhecer a teia da vida que permeia as relações entre ser humano e natureza.

Nesse contexto é preciso reformular o conceito de dignidade para que seja

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reconhecida como “um valor intrínseco conferido aos seres sensitivos não

humanos, que passariam a ter reconhecido o status moral e dividir com o ser

humano a mesma comunidade moral" (NAESS apud SARLET; FENSTERSEIFER,

2017, p. 62).

Assim, adotando uma nova cosmovisão, se permite certa limitação dos

direitos fundamentais dos humanos em face de interesses não humanos.

De fato, muito se leciona sobre os direitos fundamentais não possuírem

caráter absoluto, podendo sofrer limitações em caso de conflitos com outros

direitos fundamentais (NOVELINO, 2010, p. 182-184).

Em análise de caso concreto, é possível, permeando pela cultura

pachamamista que, paulatinamente, se torna uma constante no Brasil, fundar a

defesa dos direitos dos animais em face de determinado direito humano.

Considerar os animais não humanos como sujeitos de direito é uma

realidade latente. Há a necessidade de fazer uma reinterpretação dos valores da

sociedade, retirando aquela visão puramente humanista de ética e dignidade

humana. Isso porque novos valores ecológicos estão emergindo na sociedade,

de forma veemente, necessitando de uma visão transcendente do que seja

respeito à vida.

Numa perspectiva educacional, cabe a colocação de LEWIS (1990) apud

PRIMACK; RODRIGUES (2001, p. 242):

Se alguma lição pode ser tirada de fracassos anteriores com relação à conservação na África, esta seria que a conservação implementada unicamente pelo governo para o possível benefício de sua população, provavelmente terá um sucesso limitado, especialmente nos países de economia fraca. Por sua vez, uma conservação voltada para população e realizada por ela, com um papel de prestação de serviços e supervisão mais amplos delegado ao governo, poderia promover uma relação mais cooperativa entre governo e o povo que vive deste recurso. Isto poderia reduzir os custos de execução da lei e aumentar as receitas a serem empregadas em outros setores do manejo da vida silvestre. E também ajudaria a apoiar as necessidades de conservação assim como as necessidades da comunidade local. Tal abordagem teria a vantagem adicional de resgatar o senso maior de propriedade e responsabilidade dos moradores locais sobre este recurso.

A proteção do ambiente representa hoje uma forma direta de proteção à

vida, ante a constatação da força e influência da natureza sobre a sobrevivência

do planeta. Nesse sentido, conforme abordado por LEWIS (1990) ressalta a

importância das legislações protecionistas, entretanto, aplicadas não apenas por

força constitucional, mas sim através de uma educação ambiental mais

acessível, permitindo a conscientização e aprendizagem de respeito por aqueles

que efetivamente fazem o manuseio da natureza.

Um passo importante seria a superação da visão que “coisifica” ou trata de

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forma displicente o animal não humano que, a princípio, seria um impeditivo

apenas ao ser humano (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017, p. 91). Nessa vertente,

observa Raúl Zaffaroni (2011, p. 72) que, o fato de tratar um animal como coisa

ou negar-lhes tutela por não considerá-lo racional ou por não ter o mínimo de

consciência, teria também que incluir alguns humanos a esse tipo de

abordagem, visto que nem todos possuem a inteligência/consciência exigida

para lhes isentar de tratamentos inclementes.

Ademais, frise-se que:

[...] sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do ambiente como valor ético-jurídico fundamental indicia que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em última análise, exigência da vida humana e, acima de tudo, da vida humana com dignidade (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017, p. 91-92).

Essa visão da natureza como expressão da vida na sua totalidade

possibilita que o Direito Constitucional e as demais áreas do direito reconheçam

“o meio ambiente e os animais não humanos como seres de valor próprio,

merecendo, portanto, respeito e cuidado, de sorte que pode o ordenamento

jurídico atribuir-lhes titularidade de direitos e de dignidade” (TOLENTINO;

OLIVEIRA, 2015, p. 313-335).

Por uma vertente ecocêntrica, considera-se que a propriedade da ética

ambiental está na sabedoria humana em reconhecer a dualidade protecionista

da natureza. Isto é, ao protegê-la, consequentemente estará protegendo sua

própria existência (ROSA, 2017).

Por outro lado, citando a teoria de Gaia, no mesmo prisma de Pachamama,

Raúl Zaffaroni (2011, p. 107-108), pontua as formas de legitimação da

civilização como propulsoras do pior período de degradação ambiental,

resultando na destruição do planeta em menos de um século, rompendo com o

equilíbrio pregado por Gaia, bem como, com a harmonia presente na

Pachamama.

O Novo Constitucionalismo sul-americano adotou em seu texto a

cosmovisão indigenistas baseada na cultura pachamamista. Conforme ilustrado

pelas Constituições do Equador (2008) que reconheceu à natureza sua

titularidade de direitos e da Bolívia (2009) que consagrou a pluralidade cultural,

bem como a promoção da proteção da vida, humana ou não.

Conforme dantes afirmado, a Constituição Federal do Brasil, embora não

reconheça expressamente o ambiente como sujeito de direitos, adotou

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importantes inovações no campo de proteção de novos valores, como o

ambiente e o direito dos indígenas. Conforme bem assinalado por WOLKMER

(2014, p. 69):

A norma constitucional em seu art. 131 deixa muito claro seu entendimento nitidamente pluralista e multicultural, no qual “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Pioneiramente, a Constituição Brasileira consagrou com seu inovador e norteador art. 225, um complexo conjunto de princípios e direitos, objetivando a proteção e a garantia a um meio-ambiente ecologicamente equilibrado, impondo “ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, enquanto um bem de uso comum da própria sociedade.

Essa visão pluralista e inovadora, ainda que implícita, possui certas

vertentes pachamamista, reconhecendo à natureza e aos povos indígenas

direitos de proteção, mesmo que ao primeiro, a proteção perpassa por um

interesse de vida humana saudável, realçando o viés de antropocentrismo

mitigado ou intergeracional.

Outrossim, mesmo que minguadamente reconhecido no texto

constitucional, deve-se frisar as interpretações fixadas através dos julgados dos

tribunais pátrios, fazendo-as de forma bastante global quantos aos conflitos

surgidos entre o humano e o não humano, dando valor ético e dignidade a todos

os seres, racionais ou não, por entender que a natureza necessita de proteção

de forma equânime, sem discriminação em relação ao ser humano.

Essa tendência pachamamista tende a se tornar cada vez mais forte no

mundo contemporâneo, uma vez demonstrado que as fontes naturais não são

inesgotáveis. Da mesma forma, há a necessidade de cuidado e proteção aos

animais não humanos, pois são possuidores de sentimentos também partilhados

por humanos, não podendo tratá-los como simples objeto, mas sim com respeito

e proteção a fim de proporcionar uma coexistência digna.

Ademais, o amadurecimento da ideia de respeito à dignidade dos animais,

de concreção desses direitos ainda está em fase embrionária. Todavia, a

cosmovisão pachamamista tende a tornar um objetivo comum de toda

humanidade, seja por empatia ou, como se vê, por pura necessidade.

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CONCLUSÃO

Ainda causa preocupação pensar que os amparos legais ao ambiente

provieram apenas pela preocupação mundial da sobrevivência humana diante

das emergentes catástrofes e perdas ambientais irreparáveis, resultantes de

séculos de exploração imprudente.

Decorrente de um longo caminho de debates e movimentos sociais

emergem as primeiras normativas ambientais reconhecidas mundialmente com

fim protecionista e preservacionista da natureza e seus derivados, conquanto,

com bases puramente econômicas, isto é, prosseguem-se com usufruto dos

recursos naturais e exploração animal, seguindo alguns parâmetros de

preservação e proteção, porém, caso não cumprido, sempre haverá um valor

capital a ser pago pelos “reparos”. Conquanto, deixam de compreender que os

ciclos de restauração natural do ambiente bem como a riqueza de suas espécies

não reavivam por moedas, mas pela gratuidade do respeito.

Ironicamente, a resposta buscada na modernidade à calamidade

ambiental, se depreende da sabedoria ancestral indígena dantes usurpada por

não considerá-la uma cultura evoluída. A inteligência Pachamama aduz sobre a

coexistência entre humano e natureza, através das práticas de respeito,

reciprocidade e cooperação, reconhecendo a interdependência de ambos. Essa

compreensão de mundo é externalizada pelo exercício do Bien vivir, outra

corrente emanada da cosmovisão indigenista andina que prega a existência

harmônica da comunidade, através do respeito à todas as formas de vida.

Verifica-se uma fácil alternativa a ser seguida, no entanto, ao ser aplicada

em termos legislativos, a emanação do respeito à natureza, só será possível por

seu íntegro reconhecimento como sujeito de direitos, visto que o mero ato de

reconhecê-la como essencial à sadia qualidade de vida humana, não resultou

em soluções efetivas. Eis o ponto de resistência por sua adoção. Caracterizar a

natureza e os animais como objetos de tutela jurídica é diferente do paradigma

de reconhecê-los como sujeitos de direitos, pois este último, os colocará como

um terceiro ente agredido, consequentemente, limitando o usufruto humano.

Mesmo diante de tal ponderação, emerge-se um novo modelo

constitucional com basilares pachamamistas. O Constitucionalismo Andino ou

Pluralista atém-se às políticas e processos constituintes baseados nos bens

jurídicos comuns relacionados à cultura e à natureza, priorizando as relações

entre Estado e as populações tradicionais da região, ensejando um caminho

para o reconhecimento protetivo e efetivo do ambiente através da adoção da

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sabedoria dos povos originários. Essa nova estrutura constitucional foi adotada

efetivamente pelas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), ambas

reconhecendo logo em seu preâmbulo a importância da Pachamama para a

existência humana, bem como, a recognição das práticas de respeito e

cooperação entre os povos e a natureza. Cabe relembrar que o uso do termo

“natureza” pela cultura Pachamama, inclui todas as formas de vida, plantas e

animais. Nesse sentido, único ressalto a ser feito da adoção da base

pachamamista aos ordenamentos jurídicos, refere-se à Constituição da Bolívia

(2009) que, por sua vez, dá ênfase à natureza enquanto vegetalidade e uma

parca abordagem quanto aos animais não humanos, tutelando-os de toda forma

de crueldade, mas ainda com viés de interesse humanista.

Guiando-se pelo prisma do Bien Vivir ao instituir uma harmonia de

coexistência entre humano e todas as formas de vida, através das práticas de

respeito, abordou-se a questão da natureza jurídica dos animais enquanto

constatada sua senciência. Tem-se que, se ainda há uma grande resistência

social em reconhecer a natureza em folhagens como sujeito de direitos, quanto

ao reconhecimento do animal, um ser capaz de sentir e ter emoções já

cientificamente verificado está distante de ocorrer efetivamente nas legislações,

em especial, às brasileiras.

Em análise ao ordenamento jurídico do Brasil, buscando resquícios

pachamamistas com relação à natureza, denota resultantes razoáveis. Deve-se

considerar que a inclusão do ambiente em texto constitucional em 1988, bem

como o reconhecimento de sua jusfundamentalidade frente à demanda

ambiental, é um passo adiante na causa precípua de coexistência. Apesar da

orientação do antropocentrismo mitigado e/ou intergeracional, a Constituição

Federativa do Brasil (1988) constitui um marco ao reconhecimento da

essencialidade ambiental, emanando diversas leis preservacionistas, bem como,

estendendo sua proteção ao âmbito do Direito Penal. Outrossim, mesmo em

resistência ao reconhecimento constitucional do animal como sujeito de direitos,

alegra-se ao verificar que alguns Tribunais pátrios já adotaram o entendimento

pachamamista relativo à estes, ao reconhecer sua natureza jurídica e direitos

além daqueles de preservação da espécie. Percebe-se a triagem num caminho

promitente à causa animal.

Por fim, diante do aparato tecido desde a cultura indigenista da

Pachamama, perpassando por seu acolhimento perante dois países através de

instrumento constitucional e a findar-se nos possíveis reflexos na Constituição

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brasileira, conclui-se pelo exequível acolhimento da cosmovisão indígena pelos

Estados, por sua sabedoria Pachamama, reconhecendo-a em texto

constitucional, assim como sabiamente acolhido pela Constituição do Equador

(2008) e da Bolívia (2009) que, no que lhes concernem, estão demonstrando ao

mundo a correta abordagem a ser feita à natureza, reconhecendo-a além de sua

essencialidade à vida humana, mas sim para a sobrevivência do planeta,

através de práticas substancialmente simples de respeito, cooperação e

reciprocidade entre humano e natureza. Exteriorizando o espírito de

coexistência harmônica e respeito a todas as formas de vida, a real

singularidade da Pachamama.

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