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1069 DOI:10.4025/5cih.pphuem.0605 A cultura política de Ênio Silveira e o engajamento intelectual na Revista Civilização Brasileira (1965-1968) Ozias Paes Neves Resumo: Buscaremos refletir sobre a trajetória de Ênio Silveira, proprietário da Editora Civilização Brasileira, criador e editor da Revista Civilização Brasileira - RCB. Para tanto utilizaremos suporte teórico da história intelectual tendo como ferramenta o conceito de cultura política para circunscrever a análise desse intelectual engajado; buscamos investigar a atuação do editor, especialmente no cenário político da década de sessenta no Brasil após o golpe militar. A conjuntura da sociedade brasileira em meados do século XX era marcada por tensões em face dos diferentes projetos modernização, sendo recorrentes os embates entre forças conservadoras, liberais, progressistas e comunistas. A atuação de Ênio e em especial a RCB emergem nesse quadro conflituoso diante de fortes tensões externas marcadas pela Guerra Fria e internas como o populismo, antipopulismo e o autoritarismo. Para tratar desse quadro complexo recorremos à história intelectual que se delimita pelo seu caráter pluridisciplinar no entrecruzamento da história, filosofia e sociologia, sendo cabível abordá-la sob dois eixos: a) o funcionamento de uma sociedade intelectual e b) as características de um momento histórico e conjuntural (RODRIGUES, 2002, p.12). Privilegiaremos a leitura de um texto em relação ao seu contexto, ou seja, as articulações internas e externas, valendo-nos dessa dupla tarefa da história intelectual “pensar a restituição de um pensamento por si próprio, em sua lógica singular, em seu momento de enunciação, em seu contexto histórico preciso de aparição, sem deixar de lado a mensagem que ele carrega tempo afora até nossa atualidade, o modo como nos fala de nossa contemporaneidade” (DOSSE, 2004, p. 194). Com a aplicação das referências teóricas e metodológicas da história intelectual ao nosso objeto de análise faremos algumas relações entre a formação, o perfil e a cultura política que forjaram o intelectual engajado Ênio Silveira e um dos seus principais objetos editoriais: a Revista Civilização Brasileira (1965-1968). A RCB foi um marco na cultura política brasileira trazendo textos inovadores de autores de diversos matizes como Marcuse, Gramsci, Walter Benjamin, Florestan Fernandes, Francis, Luciano Martins etc; e se estabeleceu como um contraponto de resistência cultural ao regime militar. Ao considerarmos as enormes adversidades da conjuntura e a forma pela qual a edição soube jogar segundo as regras do jogo político até o limite, indo até a transgressão, e permanecendo na regra (BOURDIEU, 1996, P. 44). Para compreendê-la precisamos direcionar o olhar para a figura de Ênio e a sua forma de conduzir e o grupo que construiu, segundo Leandro Konder “o surgimento da RCB, por exemplo, em 1965, deveu-se diretamente à atuação de Ênio Silveira, que figura como seu ‘diretor-responsável’ (...), mas não é apenas um veículo dos intelectuais insatisfeitos com o golpe ou os rumos da ditadura trata-se, sobretudo, de uma interferência pessoal de Ênio Silveira, que se apresentava como intelectual capaz de posicionar-se à frente de uma iniciativa dessa natureza (VIEIRA, 1998, p.74). Palavras-chave: História intelectual, engajamento, cultura política, Ênio Silveira, Revista Civilização Brasileira, Ditadura Militar.

A Cultura Política de Enio Silveira

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A Cultura Política de Enio Silveira

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1069 DOI:10.4025/5cih.pphuem.0605 A cultura poltica de nio Silveira e o engajamento intelectual na Revista Civilizao Brasileira (1965-1968) Ozias Paes Neves Resumo:BuscaremosrefletirsobreatrajetriadenioSilveira,proprietriodaEditora CivilizaoBrasileira,criadoreeditordaRevistaCivilizaoBrasileira-RCB.Paratanto utilizaremos suporte terico da histria intelectual tendo como ferramenta o conceito de cultura poltica para circunscrever a anlise desse intelectual engajado;buscamos investigar a atuao doeditor,especialmentenocenriopolticodadcadadesessentanoBrasilapsogolpe militar.A conjuntura da sociedade brasileira em meados do sculo XX era marcada por tenses em face dos diferentes projetos modernizao, sendo recorrentes os embates entre foras conservadoras, liberais,progressistasecomunistas.AatuaodenioeemespecialaRCBemergemnesse quadro conflituoso diante de fortes tenses externas marcadas pela Guerra Fria e internas como o populismo, antipopulismo e o autoritarismo. Para tratar desse quadro complexo recorremos histriaintelectualquesedelimitapeloseucarterpluridisciplinarnoentrecruzamentoda histria,filosofiaesociologia,sendocabvelabord-lasobdoiseixos:a)ofuncionamentode umasociedadeintelectualeb)ascaractersticasdeummomentohistricoeconjuntural (RODRIGUES, 2002, p.12). Privilegiaremos a leitura de um texto em relao ao seu contexto, ou seja, as articulaes internas e externas, valendo-nos dessa dupla tarefa da histria intelectual pensar a restituio de um pensamento por si prprio, em sua lgica singular, em seu momento de enunciao, em seu contexto histrico preciso de apario, sem deixar de lado a mensagem queelecarregatempoaforaatnossaatualidade,omodocomonosfaladenossa contemporaneidade (DOSSE, 2004, p. 194).Com a aplicao das referncias tericas e metodolgicas da histria intelectual ao nosso objeto de anlise faremos algumas relaes entre a formao, o perfil e a cultura poltica que forjaram ointelectualengajadonioSilveiraeumdosseusprincipaisobjetoseditoriais:aRevista Civilizao Brasileira (1965-1968). A RCB foi um marco na cultura poltica brasileira trazendo textosinovadoresdeautoresdediversosmatizescomoMarcuse,Gramsci,WalterBenjamin, FlorestanFernandes,Francis,LucianoMartinsetc;eseestabeleceucomoumcontrapontode resistncia cultural ao regime militar. Ao considerarmos as enormes adversidades da conjuntura e a forma pela qual a edio soube jogar segundo as regras do jogo poltico at o limite, indo at atransgresso,epermanecendonaregra(BOURDIEU,1996,P.44).Paracompreend-la precisamosdirecionaroolharparaafiguradenioeasuaformadeconduzireogrupoque construiu,segundoLeandroKonderosurgimentodaRCB,porexemplo,em1965,deveu-se diretamente atuao de nio Silveira, que figura como seu diretor-responsvel (...), mas no apenas um veculo dos intelectuais insatisfeitos com o golpe ou os rumos da ditadura trata-se, sobretudo,deumainterfernciapessoaldenioSilveira,queseapresentavacomointelectual capaz de posicionar-se frente de uma iniciativa dessa natureza (VIEIRA, 1998, p.74). Palavras-chave:Histriaintelectual,engajamento,culturapoltica,nioSilveira,Revista Civilizao Brasileira, Ditadura Militar. 1070 nio Silveira e sua integrao ao campo editorial Osanos50e60foramalvodecrescenteatividadeeditorialnoBrasilem grandeparte direcionada a apontar caminhos sobre o desenvolvimento de projetos nacionais, muitas revistas, jornaisepublicaesalternativassurgiramcomoestruturaselementaresdessaesferapblica (CZAJKA, 2004, p.53) entre as quais poderamos citar a Revista Brasiliense,dirigida por Caio PradoJunior,aFolhadaSemana,comdireodeArthurPoerner,oPif-pafcomdireode MillorFernandes,osCadernosdoPovoBrasileiro,sobadireodeMoacyrFelix,aRevista TempoBrasileiro,dirigidaporEduardoPortella.NessequadronioSilveirafoifigurade destaqueedirigiuoueditouvriosperidicosimportantescomooReunio,arevistaPaze Terra,aRevistaPolticaExternaIndependente,almdamaisemblemtica:aRevista Civilizao Brasileira. Dessa forma, ainda que delimitssemos nosso recorte atividade de nio Silveiraestaramosdiantedeumenormecampoqueexcederiaessacomunicao,portanto cingiremo-nos sua formao como intelectual engajado e a colaborao na construo da RCB at o AI-5.AcarreiradeniofoimarcadapeladireoepropriedadedaEditoraCivilizao Brasileira,nasceuem1925eprovinhadefamliaquecultivavadeformaamplaaesfera intelectual, segundo o prprio nio ....evidentequeeusouprodutodeminhageraogrei.Desdeaminhamaistenra idadeeuvivinumambientealtamentecultural.Meuav,ValdomiroSilveira,era escritor. Meu pai, advogado, era tambm contista. Meu tio Miruel era contista. Meu tio Agenor era poeta, meu tio-av, enciclopedista e pesquisador. Ento eu, desde menino, vivi num ambiente altamente culto, no qual o livro era a entidade mxima, qual todos voltavamumrespeitoquasereligioso.Assim,quandoeuchegueiidadedaleitura, quando comecei a ler, meus presentes de aniversrio eram livros. Quando eu cresci um pouco e comecei a estudar outras lnguas, meu av me deu a assinatura de um jornal e de uma revista francesa. Em casa, nossas discusses eram sempre voltadas para a coisa cultural. Eu sou um produto da minha famlia (VIEIRA, 1998, p.71).Devidoaosseuslaosfamiliarescomaculturaniocomeouatrabalharnareaem 1944quandofoiapresentadoporsuaamigaLeonorAguiaraMonteiroLobato1,entreosdoissedesenvolveuumarelaodesimpatiaeofuturoeditorrecebeu indicaoparaqueprocurasseOctallesMarcondesFerreira,comquemLobatofundaraa Companhia Editora Nacional. Nela iniciou seu trabalho e em dois anos rapidamente ascendeu umadasdiretorias.Casou-secomClo,filhadeOctallesefoienviadoparaNovaYorkem 1946,ocasioemqueparousuaformaouniversitriajuntoaEscolaLivredeSociologiae PolticaemSoPaulo.EmNovaYorkfezcontatoscomempresrioseeditores,fezestgio juntoaeditoraAlfredKnopfenocursodeextensoemsociologiaeantropologiada Universidade de Columbia. Em entrevista nio Silveira admitiu que minha prxis poltica foi muitotreinadanoPartidoComunistanorte-americano,graasadoisescritoresRichard Whright e Howard Fast. Depois eles abandonaram o partido (FERREIRA, 2003, p. 21).Paraanalisarafiguradoeditorpropomosautilizaodoconceitodeculturapoltica, quesegundoSergeBersteinumaespciedecdigoedeumconjuntodereferentes, formalizados no seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma famlia ou de uma tradio polticas (...) a cultura poltica constitua um conjunto coerente em que todos os elementosestoemestreitarelaounscomosoutros,permitindodefinirumaformade identidade do indivduo que dela se reclama (BERSTEIN, 1998, p. 350). Pode-se inferiruma relao de sociabilidade e de transferncias que permite a gnese precoce da atividade editorial de nio, pois ainda muito jovem fazia parte de um ambiente intelectual diversificado e convivia com editores e suas prticas compartilhando por certo do seu raciocnio interno de grupo, some-seaissoastrocasdeaprendizaremcomdiversasaseditorasecompartidocomunistanorte-americano o que nos remete a uma prtica plural.2 1071 QuantoretornouaoBrasilprocurouconferircarterprprioaosempreendimentoseditoriais,mudou-separaoRioapedidodosogroetrabalhounaEditoraCivilizao Brasileira3,entoumamerasubsidiriadaCompanhiaEditoraNacionalqueestavacom problemas financeiros.A partir de sua experincia nos Estados Unidos investiu em alteraes no mbito interno daeditoraebuscouapart-ladameracondiodeapndicequepublicavaorefugoda CompanhiaEditoraNacional.Fezinvestimentosnaformaodeumplanteldejovens intelectuaisengajados,concomitantementeexplorouorendosofilodoslivrosdidticosede autores clssicos. nio trouxe novas tcnicas de publicao dos Estados Unidos modificando as formas de apresentao das capas dos livros para torn-los mais atraentes ao seu pblico, bem comoimprimindo-osembrochuraaparada,semnecessidadedeabr-loscomesptula.A explicaonamudanadosmtodosdeadministraodeniopode,emparte,ser compreendida,comohiptesepreliminar,apartirdoconceitodetransfernciasculturais4de valoreseprticasadvindosdocontatodoeditorcomoambienteculturalnorte-americanono perodo em que l desenvolveu atividades. Porm,asmudanasadministrativasnoforamasnicastransformaesocorridas, conjugando-seaessefatorpercebemosquesuasposiespolticascontriburamparao rompimentocomercialcomseusogro.Alis,oconceitodeculturapolticaemprestadode Berstein aponta com a hiptese das investigaes sobre a cultura poltica que esta, uma vez adquirida pelo homem adulto, constituiria o ncleo duro que informa sobre as suas escolhas em funodavisodomundoquetraduz(BERSTEIN,1998,P.359).Dessaforma compreendemosocomportamentodenioSilveiraqueaopublicar,juntocomumgrupodo ISEB os Cadernos do Povo. Coleo editada em 1964 que visava explicar populao alguns conceitosdepoltica,taiscomopovo,imperialismoetc;talcomportamentosomadoapresso quesucedeuaelepelasorganizaeseducacionaiscatlicasqueadotavamlivrosdidticos distribudospelaCompanhiaEditoraNacionalresultaramemrompimentocomercial,porm nodeamizadeentreosmesmos.niocomprouaEditoraCivilizaoBrasileiradeOctalles, segundosuasprpriaspalavrasemumnegciodepaiparafilho,fazendopartedoacordo tambmqueaEditoraCivilizaoBrasileiraretirar-se-iatambmdomercadodoslivros didticos que representavam 40% do faturamento da empresa no momento (FERREIRA, 2003, p.68). Logo, v-se que aliada s diferenas culturais havia ainda o filtro das sociabilidades como chave explicativa do comportamento de nio e seu sogro e amigo Octalles. NoBrasildesseperodotivemosorecrudescimentodasoposiesentreforas conservadorase progressistas; a direita se agitava e formara uma srie de agrupamentos como o MovimentoAnticomunista(CAC),aOrganizaoParanaenseAnticomunista(OPAC)a Cruzada Libertadora Militar Democrtica (CLMD). Dentro desse processo, no final dos anos 50 eanos60fundandoinstitutoscomooIPESeoIBADforasrepresentativasdadireitaeque promoveramdistrbiosabalandoafrgilexperinciademocrticabrasileira(TOLEDO,1991, p. 86). Em 1963, contrapondo-se aos referidos rgos nio e diversos intelectuais, participaram, com a aprovao do PCB, da criao do Comando dos Trabalhadores Intelectuais CTI - "que se propunhaa participar da formao deumafrente nica, democrtica e nacionalista, ao lado deoutrasforaspopularesreunidasnomovimentopelamelhoriadasestruturasdasociedade brasileira' (PECAUT, 1990,p. 143).Com o golpe militar e a implantao gradual do regime de exceo tivemos ampliado o climadefechamentoscerrando-seasportasdoISEB,colocando-sesobinvestigaoseus membros, a Histria Nova5 e o prprio nio Silveira que foi alvo de 7 IPMs durante o regime militar e vrias vezes esteve preso. Poroutrolado,comogolpealegitimaodointelectualdava-secomaintransigente oposioaoregimemilitareaEditoraCivilizaoBrasileira,quecontavatambmcomuma 1072 livrariatornou-selocalondeaconteciammuitosencontrosinformaisentremembrosdeum grupo intelectual fomentando uma rede de sociabilidade em torno de nio opondo-se s foras do regime estabelecido.Nesseaspectopode-selanarahiptesedequeaprecoceformaodenio,sua convivnciacomopartidocomunistaamericanoesuaposturadeeditor-noescritor6- facilitavaoscontatoseaaberturaqueconferiuaosseusempreendimentoseditoriais.Assim, tem-sequeaeditorapassouaseroprincipalpontodeencontro,espciedeveculode divulgao da intelectualidade, especialmente carioca no incio, de oposio ao Regime. Aafirmaodointelectualengajadoemtempodecrise:nioSilveiraeaRevista Civilizao Brasileira Em resposta ao golpe a Editora Civilizao Brasileira marcou sua posio utilizando-se de suas publicaes e outras estratgias; em maio de 1964 foi estendida em frente livraria uma faixacomosseguintesdizeresapoesiaaarmadopovocontraatirania,mesesdepoiso Editora Civilizao Brasileira publicou o livro de Moacyr Felix Canto para as transformaes do homem, libelo em defesa das liberdades democrticas, tambm saindo da sua linha editorial os primeiros trabalhos que avaliavam ogolpe tais como O Golpe comeou em Washington de Edmar Morel, O Brasil no espelho do mundo, de Otto Maria Carpeaux e O Golpe de Abril de EdmundoMonizBandeira.DessegruposurgiuaRevistaCivilizaoBrasileiraRCB. Segundo Leandro Konder...osurgimentodaRevistaCivilizaoBrasileira,porexemplo,em1965,deveu-se diretamente atuao de nio Silveira, que figura como seu diretor-responsvel (...), mas no apenas um veculo dos intelectuais insatisfeitos com o golpe ou os rumos da ditaduratrata-se,sobretudo,deumainterfernciapessoaldenioSilveira,quese apresentavacomointelectualcapazdeposicionar-sefrentedeumainiciativadessa natureza (VIEIRA, 1998, p. 74). A RCB foi principal o marco da exteriorizao da cultura poltica desenvolvida na rede desociabilidadedeEnioSilveira.Entremarode65ataediodoAI-5emdezembrode 1968,quandoencerraram-seaspublicaesforampublicados22exemplaresregularesetrs volumesespeciais.AexperinciadaRCBvincula-seaexperinciaeditorialdapocacomoa RevistaBrasiliensenocamponacionaleLesTempsModernesdeJean-PaulSartreeIl PolitcnicodeElioVittorinidaItlia7,noplanointernacional,seuprimeiroexemplarfoi publicado em maro de 1965 e continha um editorial de Princpios e Propsitos da revista...opovobrasileiroestagoradiantedeumgrandeesriodesafio:sercapazde, superandofalhasecontradies,superartambmasforasqueseopemao desenvolvimentodoPasnumalinhademocrticaeindependente?Sercapazde abandonarformulaesmeramenteespeculativase,atravsdeestudoobjetivode todasascomponentesdarealidadenacional,equacionaredepoisresolverseus gravesproblemas?Tercapacidadeparadestruirosmitoseclichsquedificultam ouimpedemaprofundamentomaiordesseestudo?Cremosquesim.Cremos, tambm,queestatarefa,nessaquadra,caberprincipalmenteaosintelectuais.Em seusvariadoscamposdeatuaoedepesquisas,seroelesosque,acimade injunesouposiespartidriaspoderoestudaremseusmnimospormenoresa complexidade da vida brasileira (SILVEIRA, RCBv1, 1965, p. 03). nio Silveira, atuando como intelectual engajado, no modelo sartriano8, constava como editor chefe e Roland Corbisier secretrio geral. Marcavam posio colocando em alto posto o ex-diretor do ISEB, rgo investigado e fechado fora logo aps a instaurao do regime. Tal fatoasituavainequivocamentenanovaconformaodeforasdapolticabrasileiracomo adversria do regime militar9.A recepo do pblico revista foi muito significativa, no segundovolume h uma nota de agradecimento que apontava o esgotamento de 10 mil exemplares em apenas 25 dias. nio 1073 Silveira destacou tiragem de vendas de 20 mil exemplares e Luis Renato Vieira fala em 40 mil (SILVEIRA, 1997, p. 158). nio, atravs daEditora Civilizao Brasileira, publicava e tambm dirigia a revista Poltica Externa Independente, que teve curta durao com a edio de apenas 3 exemplares semestrais. A editoradistribua ainda a revista comoa Paz e Terra, dirigida por Moacyr Felixque se destinava esquerda catlica.ARCBpublicoumaisde500textospodendo-secontabilizarentreelesmaisde250 autores,muitosdosquaisescrevendosobpseudnimos,talcomoMarcoAntnioCoelhoque assinavaseusartigoscomoAssisTavares.Asdificuldadesparapublicaoerammuitas,em facedascondiespolticasdomomentoetambmdeproblemaseconmicosqueforam criados para Editora Civilizao Brasileira desde a edio do golpe, segundo nio Silveira lanamosaRevistaCivilizaoBrasileira,emformatoegrossuradelivro,com artigoslongos.Eraumarevistadeestudosbrasileiroseinternacionais,polticos, econmicos,sociolgicoseliterriosfeitosporpessoasdealtonvelintelectual, brasileiras e estrangeiras. Naquele perodo em que a vida cultural era controlada pela ditadura, pela censura, pelas represses de toda natureza, havia tanta vontade e tanto desejode comunicao edeaberturadehorizontes,que a revista,apesar de sriae at pesada, teveuma tiragem inicial de 20mil exemplares. Durante anos ela foi a maior revista cultural do mundo. Jean Paul Sartre, um dia, disse-me que a revista da qual era diretor Temps Modernes, publicada numa lngua universal, o francs, tinha umatiragemmenorqueaRevistaCivilizaoBrasileira.Foiumfeito verdadeiramenteraro.Nohuniversidadenomundoquenotenhaacoleo completa,econtinuorecebendofreqentespedidosdenmerosdarevistapara completar a coleo (SILVEIRA, 1997, p. 158).Ocomportamentodosseguidoresdoregimemilitarparaimpediremoavanoda esquerdaintelectual,eemespecialaRevistaCivilizaoBrasileira,se constituramemvrias ordens, como prises de intelectuais, intimidaes com sucessivas convocaes para depor em IPMs,aapreensodelivroseatmesmoarealizaodedoisatentadosabombacontraa livraria da Civilizao Brasileira, o primeiro deles ocorrido em 1968.AconvocaoparadeporemIPMseramecanismodepressosobreosintelectuais, uma vez que tal inqurito era procedido sem a inspeo judicial, ficavam a encargo de militares, queinquiriamaoseugostoastestemunhas,porvezesrecusando-seamencionarosmtodos, assuntos e paradeiros at mesmo para seus superiores hierrquicos10.Almdacensuraedaapreensopuraesimples,osmilitarestambmdesenvolviam estratgiasparaelidiraproduo,distribuioecomercializaodasobras.Paraimpedira produo trataram de impedir o acesso da Editora Civilizao brasileira, que editava a RCB aos bancosoficiais,oquedificultavasobremaneiraacomercializao,afinal,nohaviaa possibilidade atual de manejo em praas longnquas. Os militares tambm buscavam impedir as vendas das obras da civilizao brasileira junto aos pontos comerciais ameaando os livreiros. EssaseoutrascircunstnciastornaramasituaoeconmicadaeditoraCivilizaoBrasileira grave, havendo inclusive pedido de concordata em 196611. Frente a tais dificuldades nio criou naRCBumaseointituladaDocumentriocomvriosrelatosdasaesqueosmilitares perpetraramcontraaRCB,aEditoraCivilizaoBrasileiraesociedadebrasileiradeuma formageral.Em1965,numadasprisesdenioSilveira,logoapsapublicaodosdois primeirosvolumesdarevistaedassuasfamosasEpstolasaoMarechal12,houveprofunda comooentrevriosintegrantesdoambienteintelectual,inclusiveobjetodevrioseditoriais emjornaisbrasileiroscomoltimaHora,CorreiodaManh,FolhadeSoPaulo.Esses editoriaisforampublicadosnovolume3darevista,nareferidaseodedocumentrio. Seguindooseudiscursodeespaodemocrticoejogandocomoseupblicoleitoralmde referidoseditoriaisfoipublicadotambmoeditorialdoJornaldoBrasilde28.5.65intitulado cio Glorificado atacava os IPMs de uma forma curiosa assinalando ...quandoexorbitamdesuamissoespecfica,osIPMssempredesservem,pelas 1074 conseqncias prticas que acarretam. No caso de prises de nomes sem expresso, o resultado o oposto ao pretendido: assim que se criam heris da noite para o dia. (...) H muito tambm um pouco de vaidade e muito de pedantismo no vcio de cultivar o ressentimentocomoformadeatuaopolticacominclinaoideolgica.Escritor frustrado tende a ser de esquerda, naturalmente. E h quem no escrevendo mais (sic.) editando,acabeconvencidodequeexercetambmumaatividadeintelectual. Prendendofigurasdesseuniversopequenoumasubeliteociosa,queacordatarde porque vara as noites sem ter o que fazer, em bares de prestgio noctvago os IPMs fogem sua misso histrica, desviando-se do alvo que buscam, para glorificar figuras de segunda, terceira e quarta classe (RCB3, 1965, p.343). LogodepoisdesseeditorialaRCBfezconstarummanifestodeseiscentosintelectuais brasileirosemfavordasolturadenioSilveira,publicadonodiaseguinte(29.5.65).Nose podeinterpretaringenuamentequeesseprocedimentodarevistasejaumaaberturacrtica externa a seus membros, evidentemente transparece uma estratgia onde o contexto expunha o emissoraoridculo,poisesseentendimentoconservadoreseudiscursoficavamdeslocados, deixandotranspareceraindamaisasuamonstruosidade.Ouseja,pararessaltarsuas qualidadesdemocrticasesuaimportncia,demonstrava-se,dialeticamente,aintolernciaeo desequilbrio dos seus adversrios. 13 Portanto,aquiloquenoestavadito,maseraosubentendido,enalteciaosseus membros,inclusiveenquantofigurasdemocrticasenquantogruposocialeosligavaaoseu pblico leitor. Os leitores da RCB, ou seja, o segmento que partilhava em grupo de seus ideais conseguiamperceberclaramenteamensagempassadacomapublicaodeumeditorial claramentecontrrioaoseueditor,masquealificavatotalmentedeslocado,comoque denegrindotodaaleituradasociedadedosadversriosdaRCB.Acompreensodosleitores podeseraventadaporquetodaculturaculturadeumgrupo.ahistriacultural indissociavelmentesocial,dadoqueestligadaaoquediferenciaumgrupodeoutro.(...)s existeculturapartilhada,aculturaamediaoentreosindivduosquecompemgrupo.o que estabelece comunicao e comunidade (PROST, 1998, p.123) .Os intelectuais que escreviam na Civilizao Brasileira sabiam quais estratgias usar em face do seu prprio pblico leitor. De todo modo, ressalvada a limitao do mbito de alcance da publicao14, h que se perceber ainda que o subentendido entre intelectuais e seus leitores erapartedessaestratgiadecomunicaopartilhadaporumgrupoquecompunhaleitorese escritores num conjunto que compartilhava de uma cultura poltica prxima.nioSilveiraquandoinquiridosobreasdificuldadesdepublicaoduranteoregime militar respondeu:Constitumosumgrupoderesistnciaecomeamosaplanejar:primeiro,ediode livrosusandoa liodeBrecht deque h pelomenoscincomaneirasde sedizer a verdade lanvamos coisas que os militares, na sua belssima e honorvel ignorncia no conseguiam perceber. Porque eles tm uma averso, uma alergia total a livros, eles no tocavam em livros e, ento, no liam. Como sabamos das coisas notrias que eles no deixavam passar, conseguimos editar muita coisa (SILVEIRA, 1997, p. 154). Diversasestratgiaspodemserdeduzidasdaspublicaesdentreelasenumeramos algumastaiscomoasubstituiodotipopublicaodacapadarevista.Duranteosprimeiros dezvolumesdaRCBacapaerafoscaalternandoapenasasuacor,masapartirdo endurecimentodoregimesetrocouacapaporoutrotipodediagramaomaisatraenteao pblico e composta por fotos de cones da poca, vendo-se no n 13 a figura de Mao-Ts-Tung , no n 14 a figura de uma mulher , nos n s 15 e 17 a aluso guerra do Vietn e nos ns 16, 18 e 19/20aalusorepressomilitaroque,dentrodocontextodoperodofoisignificativamente mais expressivo do que a singela alterao da corde capa, podendo significar quevedados os espaos editoriais, procurava-se, estrategicamente falar com a capa.Percebe-se ainda medidas para poupar os riscos para os intelectuais mais expostos da asupressodoconselhoeditorialapartirdoquintovolume,assimcomoaeliminaodas 1075 sees temticas a partir do volume nmero onze, bem como oaparecimento de vrios textos annimosforamcertamentesubterfgiosdequeosintelectuaistiveramquesevalerpara continuarpublicandoemsualutacontraoregimemilitar.Nessemomentoniodeixoude constar como dirigente da revista, apesar de s-lo de fato. Os ttulos dos artigos passaram a ser curiososemenosdiretos.AoinvsdospoucosutisCondieseperspectivasdapoltica brasileiraeOplanodeaoeconmicadogovernoCasteloBranco:porquenoterxito publicadosnoprimeirovolumee1oaniversriodogolpe:quemdeu,quemlevoureaes possveispublicadonosegundovolume,passamatrazeroutrasdenominaescomoFlora MutvelpublicadonovolumeoitavoeOtronodeMacbethdodcimoprimeirovolumeonde M.CavalcantiProenatambmtecesriosataquesaosmilitareseintelectuaisporelesco-optados, mas com ttulos menos chamativos. A mudana de estratgia no alterava a postura da revistachegandonesteltimotextoaconclamarque"aolongodaHistria,opovoacaba sempre derrubando o muro de todos os castelos que se transformam em Bastilhas"(PROENA, 1966, p. 8). Consideraes finais Atrajetriadaformaopluraldenio,suaformadeencararaatuaointelectual, marcadopelasuatrajetriaculturaldesdeoslaosfamiliaresmaisantigosatasuaprtica estudantileeditorialpodeserinferidadasuaculturapolticapluralnoqualsecompreendea ao do agente pelas suas sociabilidades e pelo ncleo duro de sua formao cultural.As intransigncias e hostilidades do regime militar e seu recrudescimento levaram nio e ogrupo de sociabilidade ao seu redor, remodelassem asua atuao em face do contexto em que se encontravam e desenvolvessem uma srie de estratgias de atuao para manter o foco da sua atividade culturale poltica. Afinal para nio e seugrupo sua tarefa delimitava-se pela lutaporemanciparanaobrasileiraeparaele"aemancipaolutarcontransmesmos, contranossospreconceitosinternos,contraaslimitaesquenosimpemumatrasocultural, social, etc"(FELIX, 1998, p. 57). Somente com a edio do AI-5 em dezembro de 1968 a atividade da RCB chegou ao seu final, dado o fechamento poltico dos militares e os anos de chumbo que se seguiram. A rica atividade editorial de nio Silveira prosseguiu cautelosamente e na primeira brecha do sistema procurou dar sobrevida RCB com a revista Encontros com a Civilizao Brasileira com uma formaoparecida,porm,noutraconjunturaecomoutroimpacto,objetoquemereceoutra investigao. Referncias Bibliogrficas: BASTOS, Elide Rugai; REGO, Walquiria Domingues Leo. A moralidade do compromisso. In: _____. Intelectuais e poltica. Campinas: Olho dgua. 1999.BERSTEIN,Serge.Culturapoltica.In:RIOUX,Jean-PierreeSIRINELLI,Jean-Franois. Para uma histria cultural. Lisboa:Estampa, 1998.p. 349-364. CZAJKA, Rodrigo. Redesenhando ideologias: cultura e poltica em tempos de golpe. Histria: questes & debates. Curitiba, n. 40, p. 37-57, jan.-jun. 2004.DOSSE,Francois.Dahistriadasidiashistriaintelectual.In:_____.Histriaecincias sociais. 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1 Pode-se aventar que a influncia da convivncia de nio Silveira comMonteiroLobato possa t-lo inspirado, emcertamedida,paraaidealizaodaRevistaCivilizaoBrasileira.Lobatopublicaraentre1916e1925a RevistadoBrasilquebuscouatuarcomoporta-voztendnciasintelectuaisbrasileiraquevislumbravamo resgate da nacionalidade brasileira, contrapondo-se a influncia da cultura estrangeira (AGGIO, 2002, p 23). 2 Em verdade no h que se falar apenas em cultura poltica, mas no seu plural, culturas polticas que convivem simultaneamente,estaosmoseentreculturaspolticasmuitoafastadasnaorigemimplicaque,longede constituirumdadofixo,sinnimodetradiopoltica,estejamosempresenadeumfenmenoevolutivoque corresponde a um dado momento da histria e de que se pode identificar o aparecimento, verificar o perodo de elaborao e acompanhar a evoluo no tempo. (BERSTEIN, 1998, p. 355). 3....aCivilizaoBrasileirafoifundadanoRiodeJaneiroem1932,pelopoetaRibeiroCouto,peloescritor integralistaGustavoBarrosoeporumcidadochamado...agoranomelembroonomeSeeraManuel,ou noseiquel,Costaesquecionome,umqueeralivreironoRiodeJaneiro.DepoimentodenioSilveira (FERREIRA, 2003, p. 47). 4ZIL,Bernd.transfernciasculturais:diversidadesemetamorfoses.oconceitodetransculturaoe transferncias culturais parece ser o que mais se adapta realidade da condio ps-moderna, na qual h trocas, intercmbios,perdaseganhosnaspassagensdeumaculturaparaoutra,gerandoprodutosculturaisoutrosque trazemasmarcasindelveistantodaculturadeorigemquantodadechegada(...)areflexosobreas transfernciasculturaisessencialparaassociedadesindustriaisavanadas,poispermiterompercomum pensamentodoimobilismocomunitrio,dosedentarismoedapertenainquestionvelaumlugar(BERND, 2005, p. 215-8). 5 A Histria Nova foi uma srie de livros didticos produzidos pelo ISEB nos anos 60. Sofreu forte contestao pelosmilitaresinclusivecomapreensodomaterialimpressoeinstauraodeIPMssobreoassuntocoma priso de vrios de seus editores. Sobre o assunto vide (GIORDANO,1993) 6 Sobre o assunto Leandro Konder comenta em entrevista que outro aspecto importante que tambm entram muito as relaespessoais a.O nio erauma pessoaquesedava commuitos intelectuais.Muitosintelectuais brigados uns com os outros tinham em comum a relao com nio e ele cultivava essas relaes, como editor e comopoltico.E eleprprio,no sendoescritor,notinhaaquelasrivalidades literrias.Leandro Konderem entrevista (VIEIRA, 1998, p. 74). 7ApenasparailustraressevastssimocampodepublicaesqueprecederamaRCBpode-semencionarque CaioPradoJr.EEliasChavesNetoorganizaramaRevistaBrasiliense,publicaopoltico-cultural,orientada pelomarxismoepelonacionalismo,independenteedivergentedastesesdoPC,aindaquesemhostiliza-lo explicitamente.OPartidoreagedemodocrticorevista,desqualificado-a.PoriniciativadeOscarNiemeyer, Jorge Amado, Alberto Passos Guimares, Moacir Werneck de Castro e James Amado retorna Para Todos, agora intituladaquinzenriodaculturabrasileira,ecomautonomiaemrelaoaopartido.(RUBIM,1998,p. 320).Dentroosnacionais pode-se fazer meno asmais antigascomo Boletim Ariel, EspritoNovo,Progresso, Revista Proletria. 8AodelimitaroengajamentoSartredestacaquenosetratadeengajarapintura,aarteapoesia,paraele apenas a literatura em prosa tem essa capacidade de transmitir a palavra do intelectual engajado com significado, ou seja, no seuvero intelectual engajado lida com significados e o seu imprio a prosa. (SARTRE,1999, p. 10). 9Talposicionamentoficavaclaropelacomposiodoconselhoeditorialquetinhasignificativasligaes pessoais e partidrias, podendo observar-se dentre eles Alex Viany, lvaro Lins, Dias Gomes, dison Carneiro, nioSilveira,CavalcantiProena,MoacyrFelix,NelsonWerneckSodrparticipavamdesde1963doCTI. Segundo Vieira, ... a anlise da trajetria desses intelectuais nos fez chegar a um quadro, em que pretendemos identificar, nasvinculaesinstitucionais,ospontos emque as carreiraseospercursosdemilitnciacultural e poltica se cruzam.Temos ali relacionados os integrantes de um grupo ampliado tendo por referncia a editora, deondesairumncleoefetivamentemaishomogneo,incluindoprincipalmenteaquelesqueparticiparodo Conselho deRedao da Revista Civilizao Brasileira. Na verdade, pode-se falar em um ncleo composto por 1079

Moacyr Flix, Dias Gomes, Nelson Werneck Sodr (estes trs, juntamente com nio Silveira. Sero os principais responsveis pela Revista), e que tambm inclua Manoel Cavalcanti Proena (falecido em 1966), Carlos Heitor Cony, Osny Duarte Pereira, Alex Viany, Paulo Francis, lvaro Vieira Pinto, Antnio Houaiss e Ferreira Gullar 10Haviasidomontadaumamquinarepressivadentrodoprprioestadoditatorialqueelenoconseguia controlar,apesardeseservirdele.Oterroreaintimidaosedavamtambmpelasnotciasdetorturasque usualmente aconteciam ao longo desses inquritos e do desrespeito s garantias de integridade vida, ao corpo e aosdemaisdireitosfundamentais.NelsonWerneckSodrchegouamanifestarsuaspreocupaesnasprprias pginas da Revista, destacando .... a mim, h um ms ameaam, pelo DIP dos IPMs, de priso. Todos os dias, pela imprensa, pelo rdio, pela televiso, majores e coronis afirmamque est iminente a minha priso. Depois queummajordecidiufazerdepblicoalusesgrosseirasaummarechal(...)adisciplinaeahierarquiano foram subvertidas apenas pelos marinheiros do Sindicato dos Marinheiros (...) antes de terminar um depoimento pessoal:aintelectualidadeeasdemaiscamadasdopovobrasileiro,nojulguemoExrcitoporalguns encarregadosde IPMse porindivduos que se fazempassar poroficiais.Acontece que soumilitar e conheo a minha gente: os soldados do Brasil, os autnticos, esto to envergonhados disso tudo quanto o nosso povo. Foi preso nos ltimos dias de maio/64 por 50 dias sem saber o motivo. Saiu e foi responder IPM pelo ISEB, onde viu parecerescontraoISEB,seucrime:escreverlivrosdeHistria.EntreoslivrosmaisapreendidosestavamH NovaeQuemmatouKennedy(dele),puniohonrosa.SODR,N.W.HistriadaHistriaNova.Revista Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, v. 3, p. 40, jul.1965. 11....proibiram-nosdetrabalharcomoBancodoBrasil.Ora,hojeoBrasilestcheiodegrandesbancos comerciaisquesobancosnacionais;naquelapoca,onicobancoverdadeiramentenacional,eraoBancodo Brasil. Assim, quem no trabalhasse com o Bando do Brasil no tinha acesso ao resto do Brasil, ao interior todo: tinhaquesacarttulos,duplicatase,empequenascidades,shaviaoBancodoBrasil(SILVEIRA,1997,p. 156).....asituaoeconmicadaEditoraCivilizaoBrasileira,quepediusuaprimeiraconcordataem1966, agravou-secomopassardosanos(...)OsprejuzospessoaisdenioSilveiranesseprocessoforamimensos, tendoperdido,medidaemqueseagravavaasituaofinanceiradaeditoratodooseupatrimniopessoal, envolvendoimveiseobrasdeartequeincluramquadrosdeDiCavalcantiePancetti.Almdoatentado terroristade1968,(...)umincndiodestruiuoescritrioealivrariadaEditoranaRuaSetedeSetembroem outubrode1970.Fechava-se,assim,opontodeencontroe,segundoosentrevistados,emvirtudedetodasas dificuldades enfrentadas, nio Silveira, j no demonstrava o mesmo vigor para os embates polticos. (VIEIRA, 1998, p.182-3). Sobre o assunto ver tambm (FERREIRA,2003,p. 77) 12

13 NEVES, Ozias Paese. Revista Civilizao Brasileira (1965-1968): uma cultura de esquerda no cenrio poltico ditatorial. Curitiba, 2006. Dissertao (mestrado em histria). Departamento de ps-graduao em Histria, Linha CulturaePoder,doDepartamentodeHistria,doSetordeCinciasHumanasLetraseArtesdaUniversidade Federal do Paran. 14 ...falamos longamente da cultura brasileira. Entretanto, com regularidade e amplitude, ela no atingir 50.000 pessoas, num pas de 90 milhes (SCHWARZ, 1992, p.92).