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*Docente do Departamento de Educação do Campus I (DEDC-I) da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). Mestre em Filosofia (UFBA). Integra a linha de pesquisa Estética e Contracultura do Grupo de
Estudos e Pesquisa da Memória Afro-baiana (GEPMAB). Desenvolve pesquisa sobre a Difusão da
Música Sacra do Candomblé na Modernidade. Coordena os projetos Coro Oyá Igbalé: Música Sacra de
Matriz Afro-brasileira, Diáspora Cultural, Grupo de Estudos em Estética e Contracultura e Filosofia e
Cinema.
A CULTURA QUE (A)FIRMA: DIFUSÃO DA MÚSICA SACRA AFRO-
BRASILEIRA NA UNIVERSIDADE PÚBLICA
Julice Oliveira Dias dos Santos*
RESUMO
Concepção de cultura hegemônica e contracultura. Música sacra e produto cultural na
Modernidade. As relações de poder e produção de cultura de afro-brasileira. A difusão e
popularização da música sacra afro-brasileiro como expressão da arte. Ação Afirmativa
na área de cultura e educação e o combate ao racismo cultural no âmbito da
universidade pública. Implantação do Coro Oyá Igbalé: Música Sacra de Matriz Afro-
brasileira na UNEB.
Palavras-chave: Estética, Contracultura, Música Sacra, Candomblé, Coro Oyá Igbalé
1. Introdução
Ao longo das décadas de 1920 e 1930 do século XX o Candomblé da
Bahia era considerado prática de contravenção, assim como, a capoeira. Entre a década
de 70 do Século XX e a primeira década do Século XXI indica um período em que
ocorrem modificações no cenário político e cultural do Brasil, difundem-se, políticas,
discursos, projetos e ações que visam consolidar a ideia de multiculturalismo. Ou seja, a
recusa da concepção de cultura hegemônica; a tese da miscigenação em certo sentido
popularizou o debate sobre a diversidade fundante da cultura brasileira.
No que diz respeito à cultura e as conquistas da população negra a
positividade destas podem ser indicadas com a criação de cotas raciais para ingresso nas
universidades públicas, a descriminalização do Candomblé, a inserção na Constituição
de 1988 da liberdade de culto religioso, a criminalização da discriminação racial, a
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inclusão por força da Lei de conteúdos da História afro-brasileira no currículo da
educação superior. Mas tais modificações ainda que muito importantes e que já
permitem identificar algumas modificações no cenário atual não conseguem modificar
de modo significativo às relações no campo da práxis social.
Ao avaliar a produção e difusão da música sacra afro-brasileira
identificamos que enquanto expressão da arte não possui um estatuto reconhecido de
modo claro na literatura acadêmica. Há divulgação de pesquisas que abordam os
domínios histórico, antropológico e etnográfico, mas a literatura carece de uma
abordagem que reconheça a música sacra afro-brasileira como expressão da arte cujas
regras para autodesignação pertencem a uma estética própria. A perspectiva assinalada
conduz a pensar que preciso consolidar um sistema de categorias que determinem
autonomia estética a música sacra do candomblé que por sua vez é contemplada no
ideal de cultura canônica posto. Apesar da palavra Cultura está na moda os parâmetros
que a legitimam no sistema de pensamento da Modernidade ainda estão arraigados na
ideia de Cultura como expressão da uma síntese universal e totalizante.
A música sacra afro-brasileira neste sentido é contracultura. Se apresenta
com regras próprias, agrega uma pluralidade de modos de manifestação. Ela também é
Contracultura porque sintetiza em sua emergência e permanência na temporalidade
histórica um processo de insurreição e resistência da população negra. Manifesta uma
estrutura autentica que não se adequa as categorias que analisam e validam a música
cuja história da arte e a estética filosófica validam como obra de arte. A caracterização
como cultura popular, folclore ou batuque a uniformiza como uma algo que poder ser
produzido por qualquer pessoa sem a exigência de um saber específico.
Talvez o aspecto mais importante da música sacra afro-brasileira é que é
uma arte que não foi reduzida a condição de mercadoria pelo Capitalismo. No escrito
“A regressão da audição” de Theodor Adorno classifica que a obra de arte não é
mercadoria, concebe que toda e qualquer expressão da arte que não é apropriada pelo
Capitalismo é subversiva. Na visão de Adorno subversivo é o que escapa as formas de
dominação e mercantilização. Por sua vez a música que não é um produto cultural exige
do uma escuta e a realização de uma experiência estética submetida a um processo de
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individuação. Tal acontecimento é expresso pelo não investimento da indústria
fonográfica em obras especificamente de música sacra afro-brasileira.
A produção de LP, DVD, CD e de arquivos nas plataformas digitais em
termos gerais contam com o apoio financeiro de agencias de fomento ligadas as
instituições públicas ou ao financiamento privado (grupos culturais, indivíduos,
comunidades religiosas). Um bom exemplo da participação de instituições públicas no
financiamento da difusão da música do candomblé e a serio de CD Trilhas Urbanas cujo
projeto foi executado pela Fundação Gregório de Mattos vinculada ao poder público do
Município de Salvador.
Ao avaliarmos a música sacra afro-brasileira pelo viés da indústria
cultural como produto também o índice de produção, consumo de subprodutos (CD, LP,
espetáculos, inserção na mídia, dentre outros) ocupa um índice muito pequeno. Os
dados de venda dos subprodutos da música sacra ligada a outros tipos de sacralidade a
comparação é disforme. Sobre essa questão é importante levantar dois aspectos, a saber:
primeiro, que a permanência histórica da música sacra afro-brasileira mantem ainda na
atualidade a preservação em conformidade com a tradição oral. Segundo, o fato de não
ser uma mercadoria com altos índices de vendagem é ainda que pareça contraditório um
mecanismo da própria preservação dos referenciais e práticas discursiva que a
consolidam a música sacra afro-brasileira como Tradição.
Ao se criar um produto cultural visando o consumo massificado é preciso
adequar a mercadoria nos moldes do juízo de gosto vigente. Se avaliarmos este aspecto
comparando, por exemplo, com os índices de venda da música gospel vinculada a
religião pentecostal; compreendemos que esse é um fenômeno de mercado. As músicas
com a função doutrinária se adaptam ao modismo da indústria e a aceitação do público
consumidor. Temos música gospel adaptada para o samba, o rock e a música romântica.
Ainda que a música gospel mantenha um vínculo com a estilística do gospel afro-
americano, no Brasil é um fenômeno da indústria cultural e da mídia que está submetido
a uma organização própria. Adequar-se as exigências o mercado é uma formo de negar
a própria origem.
O domínio estético e artístico na música sacra afro-brasileira que é
colocado na condição de “cultura e saber subjugado”; por um lado ainda é pensado a
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partir da ideologia do colonizador que promove a marginalização e exclusão da música
sacra de matriz afro-brasileira via prática do preconceito cultural, racial e religioso; e,
por outro lado é desvalorizado pelas instituições promotoras do conhecimento
(Universidades, Centros de Pesquisa, ) que não reconhecem a música sacra de matriz
afro-brasileira como objeto de arte e seu pertencimento a uma “estética própria”.
O fato de se avaliar a música do candomblé à luz das estéticas fundadas
no limiar do eurocentrismo promove uma inadequação entre a expressão estética própria
da música afro-brasileira e as categorias de análise pensadas para a música sacra da
cristandade. Tais teorias abordam por excelência a música como expressão de um
processo civilizatório demarcado pelos vetores da tradição judaico-cristã, da ideia de
raça superior e dos ideais de racionalidade.
2. Difusão da Música Sacra do Candomblé na Modernidade
A música sacra do candomblé “firma” a sua origem e repete o seu
enraizamento ao preservar os elementos estruturais das cantigas, como os toques
(percussão) e as múltiplas formas de execução do canto. As condições desse
enraizamento são marcadas pela preservação de um vocabulário próprio, por meio do
domínio linguístico, das práticas litúrgicas (de natureza pública ou privada); ao repetir e
duplicar essa mesma origem expressa de modo autentico a Memória da música
ritualística originária das populações da Diáspora Africana que recria no Brasil uma
ressignificação e reorganização. A música sacra em foco está sujeita a agregar
inovações e transformações, mas o núcleo estético original se mantem.
No Brasil os primeiros registros fonográficos da música sacra do
Candomblé estão ligados a emergência das transmissões radiofônicas. Registros
realizados a partir da década de 40 por pesquisadores estrangeiros, como o linguista
Turner margam um momento importante. No final da década de 50 tem início o
registro em LP (vinil) de produções dedicadas exclusivamente a música sacra do
Candomblé, sendo que a década de 70 o número de gravações de LP pela indústria
fonográfica é ampliado. São gravados na Década de 70 os LP’s Festa no
Terreiro/Cantos do Candomblé (1970), o LP No Reino de Angola (1972) do Tátà José
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Ribeiro, LP Candomblé de Dijalma Correia (1977). Outros registros importantes
acontecem nas décadas posteriores com a produção dos CD’s Cânticos aos Orixás do
Candomblé de Carlinhos de Oxum (1997), o CD Odu Orim: Festa da Música (2000) e o
CD Ilê Omolu Oxum: O Banquete do Rei (2004).
No século XX o Babalorixá João Alves Torres Filho, Joãozinho da
Goméia gravou o LP O Rei do Candomblé (1), assim como, ele a Ialorixá Olga de
Alaketo também gravou o LP Festa no terreiro/ Cantos do Candomblé(2). Outro
exemplo interessante é a da série de CD’s Trilhas Urbanas, cito especificamente os
volumes Volume VI dedicado para o Oxalá e o Nikisse Lemba e o Volume IV dedicado
para o Orixá Iansã e os Nikisses Matamba e Bamburucena (3). Mas essencialmente as
três obras citadas duplicam o mesmo objeto. Ao selecionar os exemplos há indicação de
três registros fonográficos que apresentam a música sacra afro-brasileira originalmente
como é executada nas comunidades tradicional do Candomblé, a saber: com a execução
de séries de quartinhas (cantigas) por um solista, acompanhado pelo coro e por uma
orquestra percussiva com instrumentos específicos do Candomblé.
Se compararmos os três exemplos supracitados com o CD do Grupo Ofá,
Odú Orim: Festa da Música (2000) gravado por religiosos do Terreiro Ilé Íya Omi Áse
apresenta a inserção de elementos que remetem a outras tradições. Agrega “signos” da
música popular à execução das músicas ritualísticas. Identificam-se no último a
utilização de instrumentos musicais que não fazem parte da Orquestra Percussiva do
Candomblé como o violão e efeitos de sonoplastia com a reprodução de sons da
natureza (do vento na cantiga dedicada para o Orixá Iroko, da água na Cantiga dedicada
para Oxum e do som das ondas do mar na cantiga dedicada para o Orixá Iemanjá).
Todos os exemplos citados se fossem analisados a partir da categoria
Belo, prazer estético, harmonia e experiência estética teríamos a possibilidade de dizer
que todos atendem de modo exemplar a tais critérios. Mas quando a questão a ser
avaliada é a difusão da música sacra afro-brasileira os LP’s de Olga do Alaketo (1925-
2005), de Joãozinho da Goméia (1914-1971) e da série Trilhas Urbanas atendem a
caracterização de música sacra, pois perpassam uma ordem interna com a presença de
um solista, do coro e da orquestra percussiva. Neste caso não está em jogo se a edição
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excluiu algum ruído do ambiente ou se a gravação foi realizada em estúdio. Os três
primeiros exemplos expressão uma fidelidade à origem.
No artigo “Culturas Africanas e Cultura Afro-brasileira: uma abordagem
antropológica através da música” (2013) de José Carlos Gomes da Silva afirma que
apesar da herança africana na música sacra afro-brasileira, para a Cultura africana a
música está entrelaçada ao cotidiano das pessoas. Inclusive o vocábulo “música” é
tomado de empréstimo de outras culturas. Para ele: “A música é, portanto, um elemento
de cultura, não podendo ser analisada de forma separada, enquanto simples estrutura
sonora. Por isso o etnomusicólogo Kazadi Wa Mukuna definiu a música africana como
música-evento, por ser de natureza coletiva, diferentemente da tradição ocidental,
baseada no evento-música, expressão individual e singular” (SILVA, 2013, p. 7) No
Candomblé tem-se uma aproximação com a ideia de música evento, isto porque a
música está integrada ao cotidiano e as práticas litúrgicas das comunidades de terreiro e
igualmente é um advento da coletividade.
A música sacra do candomblé possibilita o entendimento e a inserção no
universo de uma memória coletiva da sociedade. Tais elementos foram preservados
mediante a articulação entre dogmas de natureza mística, práticas de cunho religioso,
regras morais, relações de poder com prescrição normativa e técnicas de execução de
instrumentos. Ou seja, a música sacra do candomblé da Bahia é resultado de um sistema
vetorial de forças que culminaram com a preservação e a ocupação de um lugar no
“interior” na história da sociedade baiana. Se o Candomblé é ou era perseguido pertence
ao “interior” da experiência temporal de seus perseguidores e praticantes. No artigo de
Vivaldo Costa Lima, “O Conceito de ‘Nação’ nos Candomblés da Bahia” (1974), o
autor contrapõe as concepções de Pierre Verger, Spiro, Edison Carneiro e Nina
Rodrigues pontuando o caráter antropológico, histórico, sociológico e etnográfico de
tais concepções. O artigo defende que o candomblé é uma religião oriunda do Brasil,
com herança de cultos africanos; que implica a possessão e o transe. E ainda o culto a
elementos da natureza.
A investigação proposta faz um acréscimo importante ao detectar que a
pluralidade de “modos” de praticar o candomblé não era conhecido por parte dos
pesquisadores estrangeiros, que optaram uma um julgamento de cunho ideológico sobre
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a diversidade da música do candomblé. Em síntese a inserção da discussão promovida
pro Vivaldo Costa Lima resulta que a origem remota das práticas religiosas dos
africanos que vieram para o Brasil passou por um processo de organização entre
meados do séc. XIX e primeira metade do Séc. XX que mesclou diferentes tradições,
domínios linguísticos e ritualísticos. Em certo sentido o candomblé é uno sem ferir a
pluralidade própria da sua origem. O autor defende que apesar de ser possível distinguir,
por exemplo, os elementos fonéticos próprios a cada nação o modo de organização e
prática do candomblé possui elementos comuns.
A música em questão pode ser classificada e quatro modalidades. Em
relação à execução na esfera pública e nos espaço “sagrado” do terreiro ou roça
executam-se, cantigas de louvor e oratórios para as divindades do Candomblé (Orixás);
cantigas para sacralização de objetos (e demais rituais); quartinhas ou samba de terreiro;
e, músicas para caboclos.
3. A(firmação) da Cultura Afro-brasileira: Implantação do Coro Oyá Igbalé –
Música Sacra de Matriz Afro-brasileira
Devido à implantação da Lei 10.639/03 a cultura afro-brasileira passou a
integrar os currículos dos cursos de licenciatura que de modo sintético propõe a
inclusão no programático do estudo da História da África e dos Africanos, sobre a luta
dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política. Alojar um conteúdo tão importante e que ao longo da história da educação
brasileira esteve excluído é um passo ainda tímido. Mas a relevância da implantação se
dá como uma forma de reparação junto à população negra e indígena.
Mas a conquista tão recente sofreu o primeiro grande abalo com a
reforma do ensino médio realizada em 2017 pelo Ministério da Educação, cujos
conteúdos passaram a ocupar uma condição “marginal”, assim como, os conteúdos
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ligados as áreas de artes, filosofia, educação física e sociologia no currículo da educação
básica.
Nas Universidades Públicas o componente ainda pertence aos currículos
dos cursos de licenciatura. Na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) a aplicação da
Lei 10.639/03 é atendida com a oferta do componente curricular sob a legenda
Educação das Relações Étnicas e Raciais. Por um lado é importante a presença do
referido componente na grade curricular como contributo para a formação de futuros
professores. Mas a inclusão de tais conteúdos em uma disciplina em um único semestre
é satisfatório para transformar o modelo de ensino e universidade? De fato essa ação
promove a democratização e a integração da Cultura Afro-brasileira e Indígena e as
novas epistemologias na formação universitária, mas como um primeiro motor. É de
suma importância ampliar a inclusão do referido conteúdo em projetos de ensino,
projetos de extensão e pesquisa. Precisamos pensar qual é mentalidade que está sendo
formada junto as novas gerações. Esse questionamento é profundo pois a mudança nos
modos de pensar e agir determinaram além de respostas tornam possíveis as
transformações necessárias para a consolidação da igualdade racial, o multiculturalismo
e liberdade de expressão.
A música sacra de matriz afro-brasileira tem como espaço privilegiado de
permanência e divulgação as comunidades religiosas, especialmente o Candomblé, mas
também a Umbanda e demais manifestações da religiosidade como o culto aos
encantados (Caboclos). Na Modernidade é importante reconhecer que o principal e
mais autentico “foco de experiência” da música sacra afro-brasileira é o Candomblé;
instituição cuja cultura está sedimentada e que é a responsável pela sua promoção. Tal
fato é o motor para a permanência da na História da religião do Candomblé e de todos
os elementos que dela derivam: além da música, a culinária, o vocabulário e domínio
linguístico, do vestuário, do modelo moral, dentre outros elementos.
Mas no cenário em que os adeptos do Candomblé enfrenam além das
dificuldades existenciais, econômicas, políticas e religiosas para a manutenção da
instituição é importante construir mecanismos e estratégias para ocupação de múltiplos
espaços sem ferir a Tradição. O uso da tecnologia para a divulgação de músicas é uma
9
estratégia positiva; a criação de grupos culturais nas comunidades de Terreiro é uma
proposta para divulgação e popularização pertinente. O registro de partituras e letras é
um recurso necessário.
Em 2014 visando a popularização da música sacra do candomblé foi
implantado o Projeto Coro Oyá Igbalé: Música Sacra de Matriz Afro-brasileira no
Departamento de Educação do Campus I da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
com a proposta de difundir e popularizar a música sacra do candomblé compreendida
como objeto de arte. A pesquisa Estética da Contracultura: Difusão da Música Sacra
Afro- brasileira na Modernidade dá subsídio teórico e metodológico a proposta do
Projeto do Coro Oyá Igbalé. A ocupação da Universidade com o projeto desta natureza
significa em primeiro lugar o reconhecimento de que a Universidade Pública deve
acolher o multiculturalismo, que deve articular a pesquisa, extensão e ensino com
práticas inovadoras com respaldo enquanto produção acadêmica.
O Coro Oyá Igbale propõe um tratamento cultural das cantigas do
candomblé, ou seja, executa as músicas desvinculadas das práticas litúrgicas. Neste caso
a música é a expressão do patrimônio cultural e memória coletiva construída por
diferentes gerações. Além da difusão e da popularização de música sacra e cultura de
matriz negra da Bahia, o Coro Oyá Igbalé propõe três ações educativas primordiais, a
saber: primeira, a educação musical que visa à aprendizagem de técnicas de canto, além
de procedimentos de cuidado com a voz. Segundo, colabora para a produção de uma
autoimagem positiva (autoestima) dos integrantes do projeto; ao passo que dá
oportunidade para o membro da comunidade para o desenvolvimento da habilidade do
canto. E por fim implementa a inclusão de integrantes oriundos das comunidades do
Candomblé e da população negra por meio de uma Ação Afirmativa (Cultura e
Educação).
O Coro Oyá Igbalé é formado atualmente por trinta e sete pessoas: uma
coordenadora geral, um vice-coordenador, por oito monitores, sendo três bolsistas dos
Programas Afirmativa (PROOAF/UNEB) e um do Programa Probex (PROEX/UNEB);
e, cinco monitores voluntários; com quatro integrantes da orquestra Percussiva (ogãs);
três integrantes da comissão técnica; com vinte cantores voluntários e dois
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colaboradores nas áreas de vídeo e fotografia. O projeto é financiado exclusivamente
pela UNEB com verba destinada para as atividade de pesquisa e extensão.
O Coro Oyá Igbalé produz espetáculos sobre temas específicos e se
apresenta na própria instituição. Em 2015, produziu o Espetáculo Omo Oyá; 2016
realizou o Espetáculo A Paz de Oxalá; em 2017 apresentou os espetáculos, Orixás da
Mata, Oyá Igbalé e os Encantados, Omolu: O rei da terra e Xangô e Iansã: Amor,
Justiça e Verdade. Em 2016 ofereceu oficinas de Toques do Candomblé, Dança Afro-
brasileira e Técnica Vocal e Canto.
4. Metodologia para execução de projeto de música sacra afro-brasileira como
ação de extensão e pesquisa
A pesquisa adota como metodologia a pesquisa-ação a partir da
fundamentação teórica no pensamento de Thiollent. Em linhas gerais tal concepção
estabelece que a produção de conhecimento seja colaborativa e visa à transformação dos
agentes envolvidos no processo educacional ou de produção de conhecimento. O
Projeto do Coro Oyá Igbalé promove um conjunto de ações de difusão de conhecimento
e “intercâmbio de saberes”, que envolve os cantores, coordenadores, equipe técnica,
bolsistas e colaboradores. Indicamos aqui que a produção do conhecimento usada pelo
projeto obedece à aplicação de método de investigação, categorias de análise e sistema
lógico próprio, normas para produção acadêmica do ensino superior no que diz respeito
à pesquisa, ao ensino e à extensão. O fato de está lotado no espaço da Universidade
Pública o projeto faz uso de conteúdos próprios das teorias das áreas de música, estética
filosófica, educação, antropologia da cultura, sociologia da cultura e historiografia no
que é designado como discurso canônico e novas epistemologias. Adotamos a
concepção de interdisciplinaridade apresentada por Gerard Fores ao Livro Introdução à
Filosofia e a Ética nas Ciências que determina que a interdisciplinaridade entre as
diferentes áreas do saber é passível de execução quando se garante a autonomia
epistemológica de cada disciplina, ciência ou área.
11
O que significa que o objeto é investigado no limiar de um modelo de
interdisciplinaridade que reconhece que um problema ou objeto de investigação é de
natureza interdisciplinar, quando são comuns as diferentes áreas do saber ou disciplinas.
Por exemplo, o objeto de investigação “vida” pertence ao mesmo tempo à investigação
da filosofia, da medicina, do direito, da biologia, da sociologia, da antropologia e da
psicologia. Dada à condição fenomênica do objeto “vida” que extrapola a possibilidade
de ser explicado por uma única área do saber. Quando a música sacra de matriz afro-
brasileira é eleita como objeto de investigação, identificamos a condição interdisciplinar
devido a dois fatores prioritários; primeiro, que não há consolidação de linhas de
pesquisa e produção teórica específica sobre o referido objeto; a produção teórica é
pulverizada e mesclada a outros conteúdos.
O argumento encontra ressonâncias no livro Etnomusicologia no Brasil,
organizado por Angela Lühning (2016), segundo a autora há uma invisibilidade sobre a
produção de pesquisa sobre a etnomusicologia produzida no Brasil. Para a autora a
comunidade de pesquisadores da Europa e da América do Norte considera a inexistência
da produção local. Ainda que a autora defenda que não se justifica o desconhecimento.
Se avaliarmos apenas a produção de pesquisa na área de etnomusicologia no Brasil não
há a convergência para um estudo ampliado da música sacra afro-brasileira. Para a
autora, “A etnomusicologia no Brasil tem desenvolvido bem algumas características que
definem bem o seu perfil: em geral não existe o etnomusicologo especialista em um
único assunto principal. Ou melhor, mesmo ao ser um ‘especialista’ em algum aspecto
da cultura brasileira, geralmente trabalha com vários outros aspectos da cultura
(musical) brasileira durante a sua trajetória” (Lühning , et al, 2016, p. 85). Há uma
pulverização de estudos, logo, pensar o objeto música sacra implica abarcar um
conjunto de discursos produzidos em diferentes áreas do saber com se completam. A
etnomusicologia sendo um campo ainda em construção colabora, mas ainda não
congrega uma produção teórica própria a uma comunidade científica. O que essa
abordagem chama à atenção é que ainda que existam estudos importantes à música
sacra do candomblé carece de aparato teórico e metodológico para a sua investigação.
A música sacra do candomblé é um empírico-transcendental (em
conformidade com a aplicação do referido conceito na epistemologia de Michel
12
Foucault); ou seja, o objeto por se tratar da música que possui uma historicidade e uma
temporalidade própria, exige a construção de um sistema de categorias de análise que
não se restringe a uma área específica Corresponde a um híbrido de discurso
(transcendental) e prática (empiria).
Logo, a aplicação da metodologia da pesquisa-ação só é possível como
uma abordagem interdisciplinar, que contempla tanto as demais áreas do saber quanto
as diferentes fontes de pesquisa que se relacionam ao objeto da música sacra de matriz
afro-brasileira, arte e cultura. São exemplos de tais fontes: resultado de pesquisa
bibliográfica sobre música sacra de matriz afro-brasileira, metodologia da pesquisa-
ação, racismo cultural, políticas de ação afirmativa na área de cultura, política e cultura,
técnicas de canto, música popular, antropologia cultural e estética filosófica (livros,
teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos e ensaios); Códs. E Lapso com
registro de música sacra de matriz afro-brasileira; e, vídeos. Portanto o projeto faz uso
do “Conhecimento Canônico”; mas articula esses conteúdos ao “saber” produzido para
além dos muros da universidade e dos centros de pesquisa.
Por “Saber”, caracterizam-se, os conteúdos que emerge no cenário da
cultura que derivam de um domínio epistemológico não canônico; como, por exemplo,
os que derivam do que designa como “Cultura Popular”; os que derivam das práticas da
cultura do candomblé e dos processos de aprendizagem da “Educação pela oralidade”.
O projeto considera que há uma complementação do conhecimento canônico e dos
saberes tradicionais. Ao propor a construção de um processo colaborativo, a presente
proposta defende que há permuta de saber e de conhecimento entre todos que integram
o Projeto Coro Oyá Igbalé, a saber: pesquisadores, cantores, equipe técnica, músicos,
colaboradores e monitores. Ao reconhecer e defender que todos os envolvidos trocam e
produzem coletivamente conhecimento, materializa a proposta de pesquisa-ação ao
favorecer a transformação da práxis social pela arte e pela educação.
5. Considerações Finais
A escolha do objeto de estudo tem implicações de ordem política no que
se tange especificamente à condição do engajamento político, ao defender o direito e o
reconhecimento de modo igualitário na esfera pública da cultura instaurada pela
13
população negra, que descende dos escravos trazidos do continente africano. A partir da
proposta de pesquisa, implantou-se o Projeto Coro Oyá Igbalé: Música Sacra de Matriz
Afro-brasileira no Departamento de Educação do Campus I da Universidade do Estado
da Bahia. Quando indicamos que a realização da pesquisa foi fundada ao mesmo tempo
o grupo vocal de música sacra afro-brasileira em uma universidade pública do Estado da
Bahia, reconhece-se que este espaço para além da classificação de instituição
democrática de ensino, realiza o reconhecimento da cultura negra como estruturante da
sociedade brasileira.
A implantação de um projeto desta natureza também tem implicações
políticas, pois defende o direito à ocupação da universidade pública por populações e
pessoas que historicamente tiveram o direito à educação, negados e que sofreram
perseguição e violência em todas as gerações desde a chegada ao Brasil.
A pesquisa sobre a difusão da música sacra afro-brasileira e a
implantação do Coro Oyá Igbalé representam mais do que um projeto de extensão sobre
cultura afro-brasileira. É a ocupação do espeço público como território de produção e
divulgação de bens culturais. Poderíamos julgar de modo apressado que a Universidade
é o lugar apropriado para produção e divulgação da cultura científica, filosófica, política
didático-pedagógica, dentre outras? Sim. Mas a Universidade é um espaço ocupado
historicamente por grupos sociais oriundos da elite econômica, que por sua vez
reproduzem uma mentalidade e valores fundados nos moldes da cultura europeia.
Com o trabalho desenvolvido cultura e a população afro-brasileira e são
representadas, mas acima de tudo garantem uma ocupação artística e política. Torna
possível como veículo de dispersão de cultura própria dos povos herdeiros da diáspora.
A implantação e gerência de um projeto como o Coro Oyá Igbalé, passa pela superação
contínua desafios e obstáculos epistemológicos, políticos e acadêmicos oriundos das
práticas sociais que possuem intersecção no espaço da Universidade Pública, como o
racismo cultural, racismo epistêmico e a discriminação racial e de gênero. As
universidades brasileiras não estão preparadas para acolher de modo equânime o
multiculturalismo, ainda está instaurada a logica do culto aos elementos fundantes da
cultura hegemônica europeia.
14
Os principais impactos sociais e políticos do Projeto Coro Oyá Igbale
correspondem ao fomento da prática social dos integrantes da comunidade acadêmica
da UNEB e da sociedade civil de respeito à liberdade de expressão, a identidade
cultural de matriz afro-brasileira ligada ao Candomblé e a convivência pacífica entre as
pessoas. Também constitui um impacto no campo da Cultura a difusão junto às novas
gerações da “Cultura Musical do Terreiro”, nas vertentes cantigas (rituais públicos do
candomblé), “Samba de Terreiro” e cantiga para Caboclo. Outro contributo do projeto é
a promoção do debate sobre ampliação de políticas institucionais (UNEB) de combate à
discriminação racial e cultural, a intolerância religiosa e na defesa da dignidade da
pessoa humana.
A ideia de realizar programas e projetos na área de Cultura para a
promoção da educação Étnico-racial representa além de uma estratégia criativa, a
possibilidade da comunidade acadêmica vivenciar a cultura no espaço da universidade.
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_____________________. O conceito de "nação" no candomblé da Bahia. O presente
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15
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