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A Dama do Elevador Yuri Rodrigues Braz Cena 01: Elevador da faculdade – int– noite (Ângulo alto, movimento de câmera primário, PM.) André (off): Ah! Se eu soubesse que a arte da Advocacia é tão humanamente cruel e desalmada! Conhecimentos que nada me engrandecem, nem como homem, nem como cavalheiro. Oh! Macbeth diria: “Os terríveis trovões partem precisamente do ponto donde o sol começa a nascer.”. Tão bela me pareceu essa arte, e tão trágica ela se mostra! (O elevador se abre e André vê Sara.) (Movimento primário, CM) André (off): Pelo sol adormecido! Pode existir no mundo tão bela criatura? Não me recordo de ter visto em minha medíocre vida rosa mais bela. Esta mulher, parece carregar nos olhos o brilho da lua. Pode um homem resistir aos seus encantos? (Olha pra ela, com uns olhos de quem não sabe esconder o que sente.) André (off): Não, tem livros na mão, deve estudar aqui. Ela pegou o elevador do térreo, eu imagino, porque ela já estava aqui quando eu entrei. Seria uma nova estrela neste negro céu que mentes ignóbeis chamam de faculdade? (A porta do elevador se abre e ela sai no 4º andar.) André (off): Linda! Exuberante! Deve fazer psicologia ou fisioterapia o anjinho que daqui saiu. Penso eu – sem poder pensar – que faz psicologia, afinal ela estava de calça preta e blusa branca. Como estava bela e assassina da minha alma. Fisioterapeutas não usam calça preta. Negros eram também seus olhos, assim como está negro agora meu coração. Terá sido uma visão tão bela mulher? (O elevador abre e ele desce aluado.) Cena 02: Corredor da faculdade – int- noite (Ângulo Baixo, movimento de câmera secundário, Close médio (CM)) André (off): Como pode aquela rosa delicada andar por solos tão horríveis como estes? Psicóloga ela será, e psicologia aqui, somente existem 4 e 5

A Dama do Elevador

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Roteiro de um curta-metragem a respeito do amor. Romântico desmedido.

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Page 1: A Dama do Elevador

A Dama do ElevadorYuri Rodrigues Braz

Cena 01: Elevador da faculdade – int– noite

(Ângulo alto, movimento de câmera primário, PM.)

André (off): Ah! Se eu soubesse que a arte da Advocacia é tão humanamente cruel e desalmada! Conhecimentos que nada me engrandecem, nem como

homem, nem como cavalheiro. Oh! Macbeth diria: “Os terríveis trovões partem precisamente do ponto donde o sol começa a nascer.”. Tão bela me pareceu

essa arte, e tão trágica ela se mostra!

(O elevador se abre e André vê Sara.)

(Movimento primário, CM)

André (off): Pelo sol adormecido! Pode existir no mundo tão bela criatura? Não me recordo de ter visto em minha medíocre vida rosa mais bela. Esta mulher, parece carregar nos olhos o brilho da lua. Pode um homem resistir aos seus

encantos?

(Olha pra ela, com uns olhos de quem não sabe esconder o que sente.)

André (off): Não, tem livros na mão, deve estudar aqui. Ela pegou o elevador do térreo, eu imagino, porque ela já estava aqui quando eu entrei. Seria uma nova estrela neste negro céu que mentes ignóbeis chamam de faculdade?

(A porta do elevador se abre e ela sai no 4º andar.)

André (off): Linda! Exuberante! Deve fazer psicologia ou fisioterapia o anjinho que daqui saiu. Penso eu – sem poder pensar – que faz psicologia, afinal ela

estava de calça preta e blusa branca. Como estava bela e assassina da minha alma. Fisioterapeutas não usam calça preta. Negros eram também seus olhos,

assim como está negro agora meu coração. Terá sido uma visão tão bela mulher?

(O elevador abre e ele desce aluado.)

Cena 02: Corredor da faculdade – int- noite

(Ângulo Baixo, movimento de câmera secundário, Close médio (CM))

André (off): Como pode aquela rosa delicada andar por solos tão horríveis como estes? Psicóloga ela será, e psicologia aqui, somente existem 4 e 5

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períodos. Poderia este servo procurar quem tomou-lhe o coração com apenas um olhar? Não! Eu não posso! Eu jamais saberia como agir diante de tamanha

beleza.

André (off): Minha doce princesa que eu jamais esquecerei, receba meus pensamentos pelo vento pois agora mesmo deposito-lhe todos os que possuo. Oh! Estrelas ,escondei o vosso brilho! Que a luz não mostre os meus negros e

profundos desejos.

(Olha ao seu redor com um rosto abatido.)

André (off): Pode existir no mundo sentimento tão cruel? Encontro-me em meio a centenas de pessoas e não vejo nenhuma, estou sozinho em meio à multidão! Ouso encarar o que faria empalidecer o diabo por tal dama!

Cena 03: Sala de aula – int- noite

(Ângulo Baixo, movimento de câmera primário, Close-Up (CU))

André (off): Maldição! O professor tanto fala em leis que os próprios homens criaram, quando eu só penso na lei divina do amor. Hoje, a aula mais

monótona que pode existir, e eu tão distante de qualquer lei dos homens.

(Abaixa a cabeça na carteira, como num lamento.)

André (off): A vida dos homens de bem se esvai primeiro do que as flores que estão nos seus chapéus. Pereço por alguém que mal conheço! O sangue que

corre em minhas veias dissipa-se, e eu me torno senão um corpo exangue. Deveria eu caminhar pelo pátio à procura da minha doce donzela?

(Levanta a cabeça como quem teve uma boa idéia.)

André (off): Não! Eterna maldição que me rodeia. Um anjo como aquele jamais andaria por estes corredores imundos durante as explanações que agora me

parecem tão inúteis.

(Abaixa a cabeça novamente.)

André (off): Diria Otelo: “A sua dama é de tal perfeição e formosura que nem a língua humana, nem a pena podem descrevê-la.”. Posso eu descrever aquela criatura perfeita quando no idioma dos homens não existe palavra que possa

descrever tamanha beleza?

(Pega sua caneta e enfim abre o caderno.)

André (off): Aquela rosa que é tão bela em cada pétala, teus lindos cabelos de um castanho tão belo como eu jamais havia visto. Possuía a pele tão sedosa e

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macia exatamente como a pétala de uma rosa jovem. Seus negros olhos carregavam o brilho da lua e os seus lábios serão a razão eterna da minha perdição, tão vermelhos e tão perfeitos! Seu rosto parecia modelado pelas

mãos divinas de algo maior e aquele charme... Tão charmosa é a minha rosa que homem algum poderá um dia resistir.

André (off): Perdoa-me princesa minha, se me deixo arrastar pela estima que te dedico. Poderia eu achá-la uma vez mais? Teria eu a sorte de dar algum

sentido para a minha vida, vendo-a novamente? Procurá-la-ia, eu, do céu, através do mundo, até o inferno.

(Fecha as mãos, como quem sente raiva.)

André (off): Vida miserável de homem solitário, quão insignificante és! Fausto diria: “O que foi, torna a ser, o que é, perde existência. O palpável é nada. O

nada assume essência.”.

(Olha para a lua, que entra pela janela da sala.)

André (off): Melancólica amante! A claridade tua achou-me a lamentar uma filha tua. Estes livros que de nada me servem não podem me levar ao meu

anjo! Toda a teoria é névoa; Auriverde só a árvore da vida.

(Fecha o punho da mão direita e leva-a até o coração.)

André (off): Sábio era Hamlet que dizia: “Mortais, vede aqui a vossa irrefutável sorte!”. O homem perece perante o amor que jamais o encontrará. Irrefutável

sorte a minha de morrer sozinho em meio a tantas pessoas! Dá-me um homem que não seja escravo das suas paixões e eu o colocarei no centro do meu

coração.

(Acaba a aula.)

Cena 04: Quarto de André – int- noite

(Ângulo Alto, movimento de câmera secundário, Plano Médio (PM))

André (off): Tu lua maldita, que por tantas noites foi minha solitária amante, até mesmo tu agora me causa tristeza pois me lembra os olhinhos da minha

donzela. Lembro-a em ti, e isto será o meu remédio esta noite. Este remédio que me alonga a doença não evitará a minha morte.

(Pega uma rosa do lado de fora da janela e acaricia-a.)

André (off): Perdoa-me tu também filha da natureza, pois hoje a sua beleza foi comparada ao corvo da torre. Minha bela donzela tomou completamente com

sua beleza. Não morrerei até vê-la ao menos uma vez mais.

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(Olha novamente para a lua.)

André (off): Shakespeare disse certa vez que o amor como é cego, procura as trevas. O que não sabia ele é que o destino certo do amor é a dor, e que o

amor não simplesmente procura as trevas, como faz dela o seu refúgio. Seria o meu leito de morte o meu refúgio para o vazio que sinto?

(Olha para cima e se perde em suas idéias.)

André (off): Minha querida que não conheço poderia algum dia utilizar a sua psicologia para me curar essa maldita veia romântica que me afoga em suas ondas por um simples olhar? Romântico sou, e me amaldiçoou por isto. Um

taciturno ser que nada faz para os seus próprios propósitos.

(Encosta na parece e senta-se melancólico.)

André (off): Juro-te, amada minha, pelos raios de luar que prateiam as copas destas árvores que na próxima oportunidade, por menor que seja, cuidarei da minha honra de cavalheiro e tomarei alguma atitude para atrair tua atenção

para o meu pobre ser.

André (off): Temo perante eu mesmo e choro. Minha alma traiçoeira não irá calar-se diante de tanta beleza? Perigosos são teus olhos minha donzela,

porque roubam-me a vida com o seu brilho encantador.

André (off): O pobre Romeu, disse para sua Julieta certa vez e hoje eu repito para você, amada minha: “O brilho da sua face obscurece o do sol.”. Sim! É isto que faz teus olhos e teu próprio ser, fonte divina de virtudes. “Sou um

joguete da sorte”.

Cena corte: Céu com estrelas – ext – noite

(Fade in, Tilt, Plano Extremamente Aberto (PEA))

Cena corte: Céu claro – ext – dia

Cena 05: Escritório onde André trabalha – int – dia

(Ângulo Alto, movimento de câmera secundário, Plano Médio (PM))

André (off): Já a aurora sorri, vendo afastar-se a escura noite. Vem sorrindo com seu rosáceo que hoje é menos bonito na lembrança de minha amada. Já não suporto essa agonia de querer e não ter, de sonhar e não poder realizar. Shakespeare, o mestre, dá-me remédio agora, quando diz: “Se não vos for

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possível confortar-me, com um punhal saberei achar remédio”. Posso eu resistir a um sentimento que me toma por dentro?

André (off): Existe uma vida fora deste escritório, existe uma donzela, linda como a aurora, que vive neste mundo que não teria sentido se não fosse por ela mesma. E eu, soturno inseto horrendo, aqui, preso em meio a pilhas de

papéis sem nenhum significado e sem nenhum sentimento, perdido nos meus, que me definham minuto a minuto.

(Olhando para um quadro de Goya na parede.)

André (off): Goya, ao demonstrar o seu Saturno, vivia uma tristeza como a minha? Seu filho seria na verdade seu próprio coração onde ele, maldito por

amar, devorava-o por não suportar a dor de uma vida na ausência da amada?

(Olhando para um quadro de Edvard Munch em outra parede.)

André (off): Somente hoje, caro Munch, entendo o seu grito. Somente hoje posso entender toda a significação de tanto amor. Tu amava, caro

companheiro defunto. Tu amava tão imensamente a mulher que jamais poderia ter, com eu, verme maldito. E quis tu compartilhar a sua doença com todos os

outros.

(Tentando organizar alguns papeis.)

André (off): Quero eu abandonar tudo e ir atrás de meu anjo! Desprezo eu, hoje, as leis do homens e tudo o mais criado por eles. Macbeth bem o disse: “Muitas vezes o diabo, cavando a nossa ruína, diz-nos verdades, seduz-nos

com honestas bagatelas, para nos arrastar a atos de péssimas conseqüências”. Como saberei eu o que fazer diante de minha própria

fraqueza?

(Olhando um último quadro, de John Willian Waterhouse.)

André (off): Todos vocês poetas das cores, escondem nesses traços a desgraça do amor? Esta donzela que tu desenha com tanta perfeição em um jardim foi a rainha dos teus sonhos? Eis, caro amigo, que a minha eu achei-a

em um elevador, na faculdade. Mundo moderno, sentimento antigo.

(Puxando seus próprios cabelos.)

André (off): Aja como um homem André! Vá atrás da sua dama. Hoje a noite, na faculdade, procure-a nas salas de psicologia e provavelmente a achará.

Quando vê-la, recite os mais belos versos de Shakespeare e demonstre tudo o que te faz sangrar o coração. Já não me ocorre dúvidas que viver sem tentar

não vale a pena.

(Com um leve sorriso no rosto.)

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André (off): Sim falarei com ela sobre o que sinto, e a convidarei para um jantar romântico. Maldição! Já é hora do almoço e eu ainda nada fiz. Minha donzela

foi a razão de meus pensamentos por todo este tempo.

Cena 06: Restaurante – int – tarde

(Ângulo Alto, movimento de câmera secundário, Plano Médio (PM))

(Tomando um cálice de vinho e comendo um assado. Levanta o cálice e olha para o vinho.)

André: Sê-me, ó licor prestante, refúgio e salvação.

(Toma todo o cálice de uma vez.)

André: Maldita a vinha com o ser néctar balsâmico. Este Merlot não pode curar a minha doença. Sofro de amor, amor por uma linda donzela que eu jamais

terei.

(Levanta-se, olha para os lados, e fala em tom alto.)

André: Senhores peço-lhes que escutem. Não amem, nem sonhem. O amor não existe, é apenas a desgraça que se disfarça para iludir-lhes. E os sonhos...

Os sonhos... Fenecem como as flores.

(Senta-se e volta ao seu assado.)

André (off): Vejam esses casais. Porque somente eu sou benzido com a solidão eterna? Merecem eles mais do que eu viver o amor? Eu desejo aquela

garota, e quero-a. A minha bela dama do elevador.

(Tomando mais vinho seco.)

André (off): Não desejo muito minha querida. Quero fazer-lhe a mais feliz de todas as mulheres. Os meus esforços e a minha fidelidade, dedicando - vo-los,

pagam-se por si próprios. Falar-te-ei a língua do meu coração e tu serás minhas!

(Brinda no ar.)

André (off): Shakespeare novamente, o sábio, diria: “Somente me atrevo a executar aquilo que é conveniente que um homem faça; quem se atrever a

realizar mais do que eu, não é homem”.

(Fechando a mão com força.)

André (off): A partir deste momento, os primeiros impulsos do meu coração hão de ser os primeiros impulsos da minha mão.

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(Levanta-se para sair, olha novamente para os lados e discursa.)

André: Cavalheiros e damas, eis aqui um servo dos sentimentos do coração. Eu, o poeta morto, que um dia velejei pelo inferno com Dante, e enfrentei o próprio Diabo com Fausto. Eu que fiz do castelo do Drácula o meu leito de

descanso. Eu que discuti com Kant a sua razão pura, eu fui pego pelo amor. Fui enfeitiçado pela mais linda donzela e hoje sofro por ela. A dolorosa agonia

do amor.

(Sai entre olhos indiscretos.)

Cena 07: Escritório – int – tarde

(Ângulo Alto, movimento de câmera secundário, Plano Médio (PM))

(Passa despercebido por seu pai, dono do escritório, e senta-se.)

André (off): Perdido novamente em meios a papeis, enquanto o meu verdadeiro papel nesta vida está perdido dentro de mim...

Pai do André: Boa tarde André! Não me viu quando chegou? Como foram as coisas pela manhã? Tudo correu normalmente na minha ausência?

(André faz uma cara de susto e olha para o pai.)

André: Boa tarde, pai. Desculpe-me não o vi, estava pensando em soluções para estes problemas.

(Aponta para os papeis.)

Pai do André: Quer ajuda? Do que se trata?

(André parece atordoado.)

André: Ajudar? Não é necessário meu pai. Tudo ocorreu tranquilamente pela manhã. Viaje sempre que precisar.

(André para e se perde novamente em seus pensamentos.)

André (off): Saberia ele entender o amor nos olhos do próprio filho? Eu aqui amargurado com minha triste sorte e ele só se preocupa com esses malditos

papeis que nada sentem e nada dizem.

André (off): Os homens criam uma estrutura complexa para suas vidas, e essa estrutura acaba condenando-lhes. Criam leis, e as leis acabam punindo-lhes. Tudo o que eu quero é apenas me perder novamente no brilho dos olhos de minha amada. Tão simples são os meus desejos, mas tão difíceis de serem

conseguidos.

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(O pai de André se assusta com o comportamento estranho do filho, se aproxima dele e toca-o no ombro. André, perdido, leva um grande susto.)

Pai do André: Você está se sentindo bem meu filho? Talvez queira tirar o resto da tarde de folga. Você não me parece nada bem, perdendo-se dentro de si

próprio.

André: Obrigado meu pai, aceitarei a sua proposta. Estou exausto e minha mente me envenena. Tirarei o resto da tarde de folga e numa próxima

oportunidade compensarei o horário perdido. Tenha um bom trabalho meu pai.

Pai de André: Se cuide meu filho. Se precisar de algo mais me ligue. Sua mãe está em casa e pode cuidar melhor de você.

André: Obrigado, mas não será necessário. Estou apenas indisposto e cansado. Nada que algumas horas de descanso não resolvam. Adeus.

Cena 08: Quarto de André – int – tarde

(Ângulo Alto, movimento de câmera primário, Plano Médio (PM))

(O pai de André ligou para a mãe do mesmo informando-la do estado do filho. André chega e sobe direto para o seu quarto, onde se joga na cama e começa

novamente com seus devaneios cognitivos.)

André (off): Como continuarei a viver neste mundo neste estado de não vida que me encontro? Posso eu, um homem e um cavalheiro, resistir à espada do

amor que furou meu coração?

(A mãe de André batendo na porta a vários minutos entra.)

Mãe de André: Tudo bem meu filho? Parece tão distante. Seu pai me disse que você não está se sentindo bem. Quer que eu lhe prepare algo? Um chá talvez

ou algo parecido.

(André senta-se na cama e diz eufórico.)

André: Sofro de uma dor incurável minha mãe, mas peço que não se preocupes. Não preciso de chá nem de remédio algum que possa ser

preparado por homens e máquinas. Sofro onde somente o coração pode curar, e justamente o coração que me faz sofrer.

(Olha para a mãe com amor.)

André: Deixe-me a sós, minha mãe. Quero repousar um pouco antes da hora da faculdade. Melhor remédio não é necessário. Preciso apenas pensar um

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pouco a respeito da vida e da existência. Teu filho saberá o que fazer, não tema mal algum.

(A mãe de André sai com uma feição assustada, de quem não sabe o que fazer.)

André (off): Minha pobre mãe que tanto me ama e tanto quer o meu bem. Pudera todo o amor dela consolar a falta do meu e eu não teria mais

problemas. Mas neste mundo cada homem é responsável por sua própria vida, e por suas próprias desgraças. Oh! Indigna morte! Porque morde-me os lábios?

(Deita-se e fecha os olhos.)

André (off): Um dia inteiro de pensamentos e desejos. Um dia inteiro dedicado a alguém que sequer sabe que existo. Um dia inteiro dedicado à mulher da

minha vida, e eu nem sei o seu nome. Encontro-me qual dantes; em nada me risquei do rol dos ignorantes.

(Levanta-se e começa a se trocar para ir para a faculdade.)

André (off): Hoje poderei ver novamente a minha amada? Poderei dizer-lhe os meus segredos mais íntimos? Terei eu coragem de enfrentar aqueles olhos

assassinos?

André (off): Assassina do poeta, dê-me hoje mais uma chance e saberei aproveitá-la. Sagrada rosa do meu coração. Quero-a com todas as forças do

meu ser.

Cena 09: Corredor de entrada da faculdade – int – noite

(Ângulo Alto, movimento de câmera secundário, Plano Médio (PM))

(André para e olha o corredor de entrada da faculdade.)

André (off): Ontem parecia-me tão imundo e sujo este corredor. Hoje o vejo com a lembrança de ser o vento que trouxe até mim a minha linda donzela.

Ontem parecia-me tão horrível, e hoje dá-me a esperança de ver novamente a minha linda princesa.

(Passa as mãos nos cabelos como que desconsolado.)

André (off): Mas o que direi para ela? Chamá-la-ei para um jantar? Ou convidá-la-ei para ver as estrelas ao meu lado? Serei então mais simples apenas

fazendo um comentário a respeito da psicologia? E se ela não cursar psicologia? A respeito de quais assuntos tratarei? Oh! Céu negro da minha alma, deixa que o sol da sabedoria ilumine os meus pensamentos. Dá-me a

chance de conquistar o meu mais profundo anseio. Dá-me força para dizer tudo

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o que está em meu coração. Dá-me coragem para falar-lhe ao menos por alguns minutos. Oh!

(Caminha para o elevador onde encontrou Sara na noite anterior, enquanto pensa.)

André (off): Fausto, o sábio dos sábios, disse certa vez: “Que ditosa ilusão, supor que ao homem seja dado emergir do mar dos erros!”. Posso eu acertar

ao menos desta vez? Posso eu ser feliz ao menos um dia da minha vida medíocre?

(Continua andando.)

André (off): Talvez eu poderia dizer, caso encontre-a: Bela jovem, muito prazer, chamo-me André e sou seu profundo admirador. Desejaria ter a chance de conhecer-lhe melhor, enquanto comemos alguma boa comida. Dar-me-ia a honra de vossa companhia para um noite que será não menos a melhor de

nossas vidas? Desejo-o muito; efetivamente, não aceitaria recusas. Meus olhos jamais puderam contemplar beleza como a sua. Permita-me dizer que estou

encantado, e perguntar-lhe por qual nome atende senhorita.

(Para um minuto, passa a mão na cabeça, como que confuso.)

André (off): Formal demais? Muito atrevido? Maldição. Bons modos com as moças deveriam ser ensinados na faculdade ao invés de teorias levianas dos

homens, que logo se tornam inválidas.

(André olha para os lados atentamente.)

André (off): Onde estará a minha doce donzela? Sei que poderia encontrá-la em meio a milhões, mas e se ela não vier? E se ela já estiver em sua sala? E

se eu jamais encontrá-la novamente? Oh! Morte desgraçada, afaste-se de mim!

Cena 10: Elevador – int – noite

(Ângulo Baixo, movimento de câmera primário, Close médio (CM))

(André perdido em seus pensamentos espera o elevador.)

André (off): Não posso falhar. Eis que hoje pode ser minha última chance. Encontrá-la-ei e dir-lhe-ei todo o ensaiado. Seja homem André, e mantenha a

sua honra de cavalheiro. Seja homem André!

(Continua aguardando.)

André (off): Despreza a incerteza dos êxitos e expõe a sua frágil e mortal existência aos golpes da sorte.

Page 11: A Dama do Elevador

(O elevador chega e abre-se. Sara está lá dentro. André perde os movimentos.)

Figurante: Vai entrar, senhor?

(André começa a suar, parece estar a beira de um ataque nervoso.)

André: Sim, desculpe-me.

(Entra no elevador com a cabeça baixa, suando, e muito ruborizado de vergonha. Consegue enfim ter um pouco de coragem, olha para Sara e diz de

forma tímida.)

André: Oi.

(Sara desbota-se em um sorriso e diz de forma também tímida, em um tom baixo.)

Sara: Oi.

(André abaixa a cabeça em estado crítico, à ponto de um ataque de nervos. O elevador abre-se e Sara desce.)

André (off): Maldição! Chamas ardentes do inferno! Idiota! Somente um idiota diria “Oi” e nada mais. Somente um covarde. E tudo o que eu havia ensaiado?

Por que eu fui tão idiota? Eu não pertenço mais a este mundo! Aborto vil do caos! Como eu pude ser tão idiota.

André (off): Eu poderia ter ao menos perguntado o seu nome e um simples “como vai?” melhoraria. Mas não, eu tenho de me passar por idiota. É isso o

que eu sou, um completo idiota!

(André fecha os punhos com toda a força.)

André (off): Eu não mereço viver! Terei eu coragem para continuar neste mundo? Terei eu forças para voltar à faculdade amanha para tentar ao menos

olhá-la? Tão linda! Tão linda é a minha princesa. Eu jamais terei alguma chance com ela. Jamais.

(André para e pensa.)

André (off): Que belo sorriso! Pensarei nela durante noites e mais noites. Jamais vi tão bela imagem. Jamais tive tão bela visão. Eu preciso ter forças. Idiota! Alimentar-me-ei com meu próprio sangue, se necessário for, para ter

coragem para ser mais agradável amanhã.

(Mostrando agora Sara, que caminha sorridente para a sua sala.)

Sara (off): Que lindo rapaz que cumprimentou-me tão timidamente. Poderia ao menos ter perguntado meu nome. Talvez amanhã ele o faça. Cuidarei para

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entrar no elevador junto com ele. Tão tímido e tão lindo. Pareceu gostar de mim, mas estava tão nervoso. Esperarei até amanha, mas o amanhã está tão

longe... Será que ele pensa em mim?