21
Estudos em Comunicação nº 16 -110 89 Junho de 2014 A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista: Epistemologia, Naturalização e Mudança Social 1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco 2 , Brasil [email protected] Maria Cecília Mendonça Melo Universidade Federal de Pernambuco, Brasil [email protected] Palavras-chave: Teoria do Jornalismo; Construtivismo; Educação; Democracia Deliberativa. 1. Submetido a 9 de Março de 2014 e aprovado a 15 de Maio de 2014. 2. Avenida Prof. Moraes Rego, 123 - Cidade Universitari, PE, 50670-901, Brasil. Resumo: O jornalismo compro- metido com o desenvolvimento do nível de consciência das pessoas que compõem o seu público, neces- sariamente, precisa otimizar o tipo de resultado desta ação com intuito educativo que Vigostsky denomi- na de “zona de desenvolvimento proximal”, de forma a estimular a “psicogênese” de conhecimentos capazes de possibilitar a solução de problemas cada vez mais desa- ¿DGRUHV FRPR RV FRORFDGRV SHODV nossas sociedades complexas. Des- ta maneira, enquanto o pensamento associacionista positivista limita-se a uma visão naturalizada da reali- dade, a perspectiva construtivista do conhecimento possibilitado pelo jornalismo sobre o contexto social histórico e o exercício da cidadania vislumbra a consecução do ideal republicano do autogoverno da so- ciedade, através da concepção de democracia deliberativa.

A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

  • Upload
    ngotram

  • View
    244

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

Estudos em Comunicação nº 16 -11089 Junho de 2014

A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista: Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1

Heitor Costa Lima da RochaUniversidade Federal de Pernambuco2, Brasil

[email protected]

Maria Cecília Mendonça MeloUniversidade Federal de Pernambuco, Brasil

[email protected]

Palavras-chave: Teoria do Jornalismo; Construtivismo; Educação; Democracia Deliberativa.

1. Submetido a 9 de Março de 2014 e aprovado a 15 de Maio de 2014.2. Avenida Prof. Moraes Rego, 123 - Cidade Universitari, PE, 50670-901, Brasil.

Resumo: O jornalismo compro-metido com o desenvolvimento do nível de consciência das pessoas que compõem o seu público, neces-sariamente, precisa otimizar o tipo de resultado desta ação com intuito educativo que Vigostsky denomi-na de “zona de desenvolvimento proximal”, de forma a estimular a “psicogênese” de conhecimentos capazes de possibilitar a solução de problemas cada vez mais desa-¿DGRUHV� FRPR� RV� FRORFDGRV� SHODV�

nossas sociedades complexas. Des-ta maneira, enquanto o pensamento associacionista positivista limita-se a uma visão naturalizada da reali-dade, a perspectiva construtivista do conhecimento possibilitado pelo jornalismo sobre o contexto social histórico e o exercício da cidadania vislumbra a consecução do ideal republicano do autogoverno da so-ciedade, através da concepção de democracia deliberativa.

Page 2: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

90 Heitor Rocha e Maria Melo

Crise estrutural de sentido

No processo de secularização das imagens religiosas do mundo que caracterizou a transformação do pensamento teocêntrico para o

antropocêntrico na longa passagem da Idade Média para a Modernidade, os tradicionais acervos de conhecimentos inquestionáveis foram dando lugar a estoques de conhecimentos que tinham por característica a necessidade de se MXVWL¿FDU��H��DVVLP��GH�VHUHP�UHQRYDGRV��GH�IRUPD�FDGD�YH]�PDLV�XUJHQWH�TXDQWR�PDLV�D�VRFLHGDGH�VH�FRPSOH[L¿FDYD��

O pluralismo moderno leva a um enorme relativismo dos sistemas de valores e da interpretação. Em outras palavras: os antigos sistemas de valores e de interpretação são “descanonizados”. A desorientação do indivíduo e de grupos inteiros por causa disso já é tema principal há muitos anos da crítica da sociedade e da cultura. Categorias como “alienação” e “anomia” são propostas SDUD�FDUDFWHUL]DU�D�GL¿FXOGDGH�GDV�SHVVRDV�GH�HQFRQWUDU�XP�FDPLQKR�QR�PXQGR�moderno (BERGER; LUCKMANN, 2004, p. 50-51).

A engenharia para a geração de sentido passou a implicar uma experiência compartilhada, além do âmbito individual, desde o “grau mais elementar do sentido”.

As experiências individualmente consideradas ainda não teriam sentido. Mas quando um núcleo de experiências se separa da base da vivência, a consciência capta a relação desse núcleo com as outras experiências. As formas mais simples dessas relações são entendidas como “igual”, “semelhante”, “diferente”, “igualmente bom”, “diferente e ruim”, etc. Assim se constitui o grau mais elementar do sentido. O sentido nada mais é do que uma forma complexa de consciência: não existe em si, mas sempre possui um objeto de referência. Sentido é a consciência de que existe uma relação entre as experiências. O inverso também é válido: o sentido de experiências (...) será construído em primeiro lugar por especiais realizações “relacionais” da consciência. A experiência atual em dado momento pode ser relacionada com uma experiência

Page 3: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

91A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

já acontecida há pouco ou num passado remoto. Geralmente a experiência atual não é relacionada com uma única experiência já acontecida há pouco, mas com um tipo de experiência, um esquema de experiência, uma máxima comportamental, uma legitimação moral, etc., derivados de muitas experiências e armazenados no conhecimento subjetivo ou tomados do acervo social do conhecimento. (BERGER; LUCKMANN, 2004, p. 15-16)

Desta maneira, Berger e Luckmann (2004) observam que o pluralismo inerente à modernidade vem constantemente se expandindo e com ele uma avassaladora crise estrutural de sentido, tão mais intensa quanto mais se refere às relações de poder e à hierarquia social, mesmo naqueles aspectos mais positivos, como os da oferta de alternativas da democracia, ou prosaicos, como os dos produtos colocados à venda nos mercados, inclusive, infelizmente, entre eles o da política, cujos projetos chegam a ser vistos e vendidos como “automóveis ou geladeiras” (HABERMAS, 1984, p. 282-283).

Portanto, é preciso se enfrentar os aparentes paradoxos de se perceber como partes do mesmo processo de modernização o fortalecimento da sociedade DWUDYpV�GD�GHPRFUDWL]DomR�GD�SROtWLFD�FRQFRPLWDQWHPHQWH�FRP�D�PDVVL¿FDomR�H�atomização dos indivíduos através da fragmentação da consciência promovida pelo fetichismo da mercadoria. Assim, da mesma maneira que os cidadãos têm FDGD�YH]�PDLV�FRQGLo}HV�GH�LQÀXLU�QD�FRQVWUXomR�GH�VXD�SHUVRQDOLGDGH�GHYLGR�DR�fenômeno de “desencaixe” das pressões da família e das relações de contiguidade possibilitado pela modernidade (GUIDDENS, 1991), também enfrentam um constante e crescente problema de integração social devido à diminuição de vínculos com as demais pessoas, de sentimento de pertencimento à sociedade, HVSHFLDOPHQWH�GH�LGHQWL¿FDomR�FRP�XP�PXQGR�FXMD�RUGHP�LQVWLWXFLRQDO�p�FDGD�vez mais sem sentido.

Page 4: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

92 Heitor Rocha e Maria Melo

Autonomia dos representantes e o problema da legitimidade

Evidentemente, esta crise estrutural de sentido não é consequência da democratização da política, devendo ser antes considerada como uma perversão GHVWH� SURFHVVR�� SRLV� VH� YHUL¿FD� PDLV� D� DXWRQRPL]DomR� GRV� UHSUHVHQWDQWHV�políticos sobre os seus representados do que o empoderamento dos cidadãos nas deliberações públicas sobre as questões de interesse do conjunto da sociedade. Este problema dos desvios da cúpula do governo e do Estado já era abordado por Engels (1983) em 1891, na introdução ao livro de Marx “A guerra civil em França”, considerando o caso da América do Norte exemplar da transformação de servidores da sociedade em senhores dela.

É precisamente na América do Norte que podemos ver melhor como se processa esta autonomização do poder de Estado face à sociedade, quando originalmente estava destinado a ser mero instrumento desta. Não existe ali uma dinastia, uma nobreza, um exército permanente – exceptuados os poucos homens para a YLJLOkQFLD�GRV�tQGLRV�±�QHP�EXURFUDFLD�FRP�HPSUHJR�¿[R�RX�GLUHLWR�j�UHIRUPD��E, não obstante, temos ali dois grandes bandos de especuladores políticos que, revezando-se, tomam conta do poder de Estado e o exploram com os meios mais FRUUXSWRV�SDUD�RV�¿QV�PDLV�FRUUXSWRV�±�H�D�QDomR�p�LPSRWHQWH�FRQWUD�HVWHV�GRLV�grandes cartéis de políticos pretensamente ao seu serviço, mas que na realidade a dominam e saqueiam (ENGELS, 1984, P. 21-22).

E é exatamente neste problema que Berger e Luckmann (2004) chamam a atenção do tradicional papel desempenhado pelos meios de comunicação social, que praticamente restringem suas versões e fontes no tratamento dos problemas à estrutura de poder que domina o aparelho de administração do Estado e as grande corporações do mercado, proporcionalmente aquele 1% criticado nos recentes protestos indignados dos 99% na Wall Street de New York e demais centros ¿QDQFHLURV�GR�PXQGR��1HVWH�FRQWH[WR��QmR�p�GH�VH�HVWUDQKDU�D�GL¿FXOGDGH�GRV�indivíduos de uma maneira geral, mas mais especialmente daqueles que fazem parte dos movimentos sociais da periferia da estrutura de poder, de participar

Page 5: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

93A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

QD�GH¿QLomR�GH�VHQWLGRV��LGHQWLGDGHV�H�FRQVHQVRV�VREUH�RV�FRQKHFLPHQWRV�TXH�devem ser reconhecidos como de transcendência social, que devem ser utilizados na construção social da realidade.

Por isso, Berger e Luckmann (2004) defendem o compromisso dos meios de comunicação de funcionarem como instituições intermediadoras se abrindo crescentemente para a participação dos indivíduos e dos movimentos sociais da periferia, com a oferta de novos temas e problemas que venham a oxigenar DV� GLVFXVV}HV� S~EOLFDV�� H�� DVVLP�� FRPEDWHU� D� WHQGrQFLD� DXWRULWiULD� GR� ÀX[R�único vertical de cima para baixo, das grandes instituições sobre o restante da sociedade.

Esta clivagem ideológica não deve incorrer, contudo, em análises redutoras e maniqueístas, entendendo o funcionamento das grandes empresas de mídia como um mero instrumento de dominação, uma vez que não se pode, a despeito de toda a desigualdade enfrentada pelos “simples mortais” das galerias da opinião pública, de reconhecer que, em última instância, o público tem autoridade sobre as decisões das discussões públicas, mesmo que, muitas vezes, sua anuência se dê de forma tácita diante da algazarra dos lobbies de funcionários da estrutura de poder.

Diante da forma de atuar e dos objetivos pretendidos, dois tipos de instituição de sentido são distinguidos por Berger e Luckmann (2004, p. 70): aquelas que permitem aos indivíduos participar com seus valores da construção social da realidade, fazendo a ponte entre o indivíduo e os padrões de experiência e ação estabelecidos na sociedade e legitimando a produção do acervo social de sentido; e outras que tratam o indivíduo apenas como objeto mais ou menos passivo de seus serviços simbólicos, constituindo a reserva de sentido existente como algo imposto e prescrito autoritariamente.

Portanto, não é difícil de se perceber que, para quem usufruiu do monopólio de acesso à visibilidade midiática, através do controle acionário da grande mídia, FRPR�R�JUDQGH�FDSLWDO�IH]�GHVGH�R�SHUtRGR�¿QDO�GR�VpFXOR�;,;��p�H[WUHPDPHQWH�conveniente a versão ideológica de que o cenário das novas tecnologias acarreta um processo crescente de declínio da importância do jornalista, tendo em vista que o simples cidadão também, agora, através da Web, poderá postar mensagens e, assim, participar na construção de sentidos. Na verdade, este monopólio, depois

Page 6: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

94 Heitor Rocha e Maria Melo

da instituição do mercado industrial do jornalismo, nunca foi do jornalista que, depois da fase artesanal e política, passou a ser funcionário das organizações empresariais, sempre enfrentando, e algumas vezes subjugado a ela, a política editorial do veículo (BREED, 1999). O que acontece realmente neste novo cenário, e que é natural que contrarie a estrutura de poder, é a possibilidade de ampliação das fontes e versões existentes nas discussões públicas.

Desta maneira, o crescimento extraordinário do volume de informações disponíveis através das novas tecnologias que suportam os novos meios não só representa uma explosão de informações, mas também uma “explosão de LJQRUkQFLD´��Mi�TXH�R�TXH�FRQVWLWXL�YHUGDGHLUDPHQWH�XP�GHVD¿R�QmR�p�D�TXHVWmR�técnica ou tecnologia, mas o problema humano e social da construção de capacidade cognitiva de construção de conhecimentos capazes de distinguir a LQIRUPDomR� VLJQL¿FDWLYD�GR�PHUR�DPRQWRDGR�GH�GDGRV� LUUHOHYDQWHV�� FRQIRUPH�análise de J. P. Serra (2008, p. 251):

Numa sociedade em que a desproporção entre o conhecimento necessariamente limitado de cada um dos indivíduos e a informação praticamente ilimitada que é posta à sua disposição não tem deixado de se agravar, de tal forma que a “explosão da informação” há muito evidente projeta, diante de si, uma “explosão de ignorância” não menos evidente, um dos principais problemas que se colocam à “interiorização”, à transformação da informação em conhecimento é, sem dúvida, o da seleção da informação relevante.

Por conseguinte, neste novo contexto, é cada vez mais importante e imprescindível o papel do jornalista de fornecer conhecimentos que funcionem como um lugar de referência para compreensão do mundo e para uma ação consequente sobre ele, de maneira a conquistar a solução cada vez mais ampla de problemas, possibilitando uma construção mais representativa e legítima da realidade social. Assim, o problema da seleção da informação relevante é humana, antropológica, e não simplesmente tecnológica como pretendem alguns.

,QVX¿FLHQWH�VH�UHYHOD�������D�YLVmR�GH�PXLWRV�GRV�SDQHJLULVWDV�GR�³FLEHUHVSDoR´�e da “cibercultura” que (...) tendem a olhar hoje para a Internet como a solução

Page 7: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

95A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

tecnológica para o problema da seleção da informação relevante. Sendo indubitável que, nas sociedades contemporâneas, as redes se constituem como o meio indispensável para lidarmos com o problema da memorização, da pesquisa e da seleção dos imensos volumes de informação produzidos pelos diversos sistemas especializados e pelos diversos media, para lidarmos com o que também podemos chamar a “gestão da complexidade”, no entanto, (...) não é menos indubitável que a solução do problema da seleção da informação relevante não é apenas tecnológica, mas também, e essencialmente, antropológica. (SERRA, 2008, p. 253)

Fundamentado no conceito de “relevância” de Alfred Schultz, Serra chama atenção para a sua importância quando se trata de realizar uma das funções essenciais do jornalista, que é selecionar a informação relevante, a qual se dá no cruzamento ou entrelaçamento de três tipos sistemas de relevância: os sistemas de relevância individuais, condicionado por motivações, interesses, problemas H��HQ¿P��LQWHUSUHWDo}HV��RV�sistemas de relevância dos media, envolvendo não só RV�SUR¿VVLRQDLV�GD�LQIRUPDomR�H�RV�VHXV�FULWpULRV�SUR¿VVLRQDLV��PDV�WDPEpP�os instituídos pela organização empresarial mediática; e “os sistemas de relevância da comunidade a que pertencem quer os indivíduos quer os media” (SERRA, 2003, p. 254).

A função educativa do Jornalismo

Diferentemente de todas as demais instituições, a linguagem especializada do Jornalismo não se caracteriza pelo objetivo de excluir a compreensão daqueles estigmatizados na distribuição social do conhecimento e, consequentemente, na hierarquia social (RODRIGUES, 2002), mas, exatamente, ao contrário, por se constituir no “idioma público da mídia” (HALL et ali, 1999), desempenha a missão imprescindível para a legitimação da estrutura de poder de tornar as suas mensagens compreensíveis ao maior número possível de cidadãos.

Por outro lado – o que evidencia sua ambiguidade fundamental -, precisa se assegurar que seus produtos façam sentido e conquistem credibilidade junto ao

Page 8: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

96 Heitor Rocha e Maria Melo

público, característica essa que lhe concedeu o papel de instituição por excelência das leis do Estado de Direito da sociedade moderna ao conseguir erigir a opinião pública como sua fonte única e exclusiva de legitimação, obrigando os monarcas do antigo regime, que assim chegava ao seu término, a ter que comparecer perante R�WULEXQDO�GD�RSLQLmR�S~EOLFD�SDUD�MXVWL¿FDU�VXDV�GHFLV}HV��VRE�D�REULJDomR�GH�WHU�que reformá-las caso não obtivesse a concordância da maioria da sociedade.

Desta maneira, sua atuação não pode ser reduzida à mera manipulação, nem tampouco ser concebida como algo que é exercido em situação de liberdade absoluta. Assim, pode-se perceber no espaço exercido pelo jornalismo de articulação e mediação das discussões públicas – da mesma maneira que Bahktin �������LGHQWL¿FD�QD�SDODYUD��VLJQR��R�OXJDU�SRU�H[FHOrQFLD�RQGH�VH�YHUL¿FD�XPD�OXWD�LGHROyJLFD�SHOR�VHX�VLJQL¿FDGR�±�XP�HPEDWH�VHPHOKDQWH�HQWUH�RV�LQWHUHVVHV�particulares poderosos da estrutura de poder e as aspirações dos indivíduos e movimentos sociais da periferia pela instituição de normas e leis com mais representatividade e legitimidade, ou seja, que façam sentido ao conjunto da sociedade.

1HVWH�FHQiULR�GH�HPEDWH�LGHROyJLFR��+DEHUPDV��������LGHQWL¿FD�WUrV�WLSRV�de resultados nas discussões públicas. O modelo de acesso interno, quando as deliberações atendem exclusivamente a lógica interna dos interesses particulares poderosos da estrutura de poder dos que controlam o aparelho de estado e as grandes corporações do mercado, sem considerar a esfera pública que é VLPSOHVPHQWH�QRWL¿FDGD�GDV�UHVROXo}HV��2�modelo de mobilização, quando um assunto que interessava à estrutura de poder manter fora da pauta da discussão pública é institucionalizado na visibilidade midiática pela ação do jornalismo investigativo ou por pressão dos movimentos sociais, e então a deliberação vai depender do volume de apoios articulados para convencimento das “galerias da opinião pública”, uma vez que da sua anuência, mesmo que tácita, dependerá a deliberação sobre a questão. E, por último, o caso mais incomum, devido jV�GHVLJXDOGDGHV�FRP�TXH� VH�GLVSXWD� D� LQÀXrQFLD�QDV�GLVFXVV}HV�S~EOLFDV��GR�modelo de iniciativa externa, que acontece quando os meios de controle sistêmico dinheiro e poder utilizados pela estrutura de poder para bloquear as reivindicações da periferia por mais sentido e legitimidade na ordem institucional não conseguem deter essas demandas e efetivamente os indivíduos e movimentos

Page 9: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

97A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

sociais coseguem formar opinião, vontade política e poder comunicativo que se constitui de uma natureza material capaz de obrigar os legisladores a votarem novas leis que atendam seus pleitos, sob a ameaça de não renovarem seus mandatos, e o governos e tribunais a cumprirem estas conquistas sociais, nas TXDLV�SRGHPRV�LGHQWL¿FDU�QR�%UDVLO�R�FDVR�GDV�OHLV�$IRQVR�$ULQRV�H�0DULD�GD�3HQKD��TXH� WLSL¿FDP��UHVSHFWLYDPHQWH��RV�FULPHV�GH�GLVFULPLQDomR�UDFLDO�H�GH�violência doméstica.

É possível reconhecer, sem muito esforço, que o compromisso fundamental do Jornalismo com o esclarecimento e a construção de uma sociedade menos ameaçada pela barbárie patrimonialista, como resíduo do antigo regime com a sua máxima do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, deve se orientar pelo cumprimento de procedimentos éticos nas discussões (HABERMAS, 1989) de acesso generalizado e garantidores de critérios aproximativamente universais na avaliação dos argumentos, os quais só o modelo de iniciativa externa é capaz de assegurar nas deliberações.

Para tornar mais clara a sua proposta de um modelo de democracia deliberativa, Habermas (2002) chama a atenção para a limitação do modelo liberal de política aos aspectos subjetivos e negativos do esforço coletivo com o intuito de coibir D�FRDomR�GR�(VWDGR�VREUH�R�LQGLYtGXR��H[HPSOL¿FDGR�QD�PHWiIRUD�GR�PHUFDGR�TXH��IHWLFKL]DGR�H�GHL¿FDGR��IXQFLRQDULD�PHOKRU�GR�TXH�R�HQWHQGLPHQWR�UDFLRQDO�dos cidadãos. Completamente cético com relação ao entendimento racional dos seres humanos, os liberais concebem a democracia apenas como a igualdade no jogo disputado exclusivamente pelas elites para usufruir do poder, desdenhando GD�FDSDFLGDGH�GDV�SHVVRDV�GD�SHULIHULD�GH�LQÀXLU�QHVWH�HPEDWH�

Por outro lado, mesmo reconhecendo no modelo republicado o mérito de conceber o aspecto positivo do direito democrático da soberania popular e a possibilidade do autogoverno da sociedade, Habermas (2002) argumenta que não basta atribuir a consecução destas metas políticas à virtude ou vício dos cidadãos. Por isso, defende os procedimentos da ética do discurso aplicados no modelo de democracia deliberativa como capazes de construir gradativamente uma aproximação com o ideal republicano do autogoverno, ao garantir um conhecimento crescente sobre os problemas com a realização plena dos potenciais

Page 10: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

98 Heitor Rocha e Maria Melo

de racionalidade de uma determinada comunidade social num determinado momento histórico.

A partir da dialética da busca de solução de problemas como efetivo resultado dos consensos construídos com este propósito, a teoria pragmática da DSUHQGL]DJHP� �+$%(50$6�������� LGHQWL¿FD� WUrV�GLPHQV}HV�QR�SURFHVVR�GH�construção de conhecimento: a dimensão espacial, diante do trato inteligente com os problemas existentes na realidade; a dimensão social, envolvendo o embate com a objeção de outros atores às nossas pretensões de validade para solução dos problemas; e a dimensão temporal, na qual, inevitavelmente, aprendemos com a constatação de nossas limitações, omissões e erros. Nesta dinâmica, a capacidade GR�FRQKHFLPHQWR�GH�UHVROYHU�SUREOHPDV�QmR�¿FD�UHVWULWD�D�XP�PRPHQWR�HVWiWLFR��pois é pressuposta num processo crescente de ampliação do que conhecemos do mundo, no qual existe a referência a uma coação da realidade, a pressão em nós exercida por tudo aquilo que desconhecemos sobre os problemas que os leva a persistirem a despeito de nossos esforços.

Também é preciso observar que esta ética da discussão implica, numa perspectiva cognitivista e não maniqueísta, em um desenvolvimento da consciência ética/moral que supere os níveis SUp�FRQYHQFLRQDO, em que os indivíduos não têm consciência da importância do contrato social com suas normas e leis que caracterizam a vida em sociedade para o usufruto de sua qualidade de vida, e só respeitam os códigos de conduta para não sofrerem as sanções, bem como o convencional, em que já reconhecem a relevância civilizatória do conjunto de regras morais estabelecidas na sociedade, mas têm uma concepção naturalizada da realidade social, não compreendendo a autoria humana sobre ela e, consequentemente, a sua responsabilidade na superação das violências simbólicas e mecanismos de dominação que possibilite às pessoas uma vida mais de acordo com a sua própria consciência.

E este nível de desenvolvimento da consciência moral pós-convencional exige uma perspectiva construtivista sobre a realidade social em que os cidadãos FRQFHEHP� VXD� FDSDFLGDGH� GH� LQÀXrQFLD� QD� FRQVWUXomR� VRFLDO� GD� UHDOLGDGH� H��portanto, sua responsabilidade de contribuir para a conquista de um mundo social em que as pessoas tenham mais soberania sobre os seus destinos, e a sociedade possa almejar o autogoverno, ou seja, possa vislumbrar a possibilidade

Page 11: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

99A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

da democracia deliberativa (Habermas, ano?), com a superação gradativa do jugo daqueles representantes políticos que deveriam ser seus servidores, mas geralmente se tornam seus senhores.

O papel do Jornalismo na efetivação democrática da deliberação nas discussões públicas é crucial. Mesmo com todas as limitações que enfrentam, geralmente, na articulação e mediação das discussões públicas, uma vez que QmR�VH�FRQVWLWXHP�QRUPDOPHQWH�QRV�GH¿QLGRUHV�SULPiULRV�GD�QRWtFLD��+$//�HW�ali, 1999), devido à política editorial dos veículos e das pressões da estrutura de poder, os jornalistas sempre, até nos períodos ditatoriais (VENTURA, 2001) podem fazer a diferença e escavar brechas para esclarecimento da sociedade, em face da imperiosa necessidade da mídia de se legitimar perante o público.

Desta maneira, faz-se necessária a busca pelo aprofundamento do conhecimento sobre a atividade jornalística que vá além das questões dos FRQWH~GRV��FRQWHXGtVWLFDV��H�DWLQMD�D�UHÀH[mR�VREUH�RV�SURFHGLPHQWRV�FDSD]HV�de contribuir para o desenvolvimento do pensamento conceitual, que não VH� UHVWULQMD� j� SHUFHSomR�GH�REMHWRV� HVSHFt¿FRV� H� SRVVD� VHU� DSOLFDGR�GH� IRUPD�sistemática, abstrata e generalizável, atingindo um nível de consciência sobre a realidade que permita gradativamente ao cidadão a maioridade, a autonomia, o engajamento na luta para não sofrer com uma situação de heteronomia, para se emancipar das tutelas e não se submeter a nada nem a ninguém a não ser ao tribunal de sua própria consciência.

A epistemologia construtivista e as barreiras ideológicas

A epistemologia construtivista, segundo Piaget e Garcia (2010), tem a virtude de refutar os mitos positivistas da neutralidade axiológica e avaloratividade FLHQWt¿FD�� TXH� DSUHVHQWDP� XPD� H[WUDRUGLQiULD� FDSDFLGDGH� GH� SHUVLVWLU� DWUDYpV�GRV� FRQYHQFLRQDOLVPRV� QRV� PHLRV� FLHQWt¿FRV� �+211(7+�� ������� 6HP� D�IXQGDPHQWDomR�FRQVWUXWLYLVWD��WHPRV�FHUWD�GL¿FXOGDGH�HP�FUHGLWDU�DV�HVWUDWpJLDV�ideológicas positivistas de descontextualizar e despolitizar o estudo do jornalismo

Page 12: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

100 Heitor Rocha e Maria Melo

e da comunicação ao obscurantismo e muito frequentemente consideramos a sua denúncia como paranóia da teoria da conspiração.

No entanto, Jean Piaget e Rolando Garcia (2010) asseguram, categoricamente, que a ciência é condicionada pela cultura e história sociais e o quadro epistêmico YLJHQWH�VHPSUH�IXQFLRQD�FRPR�D�LGHRORJLD�FLHQWt¿FD�GRPLQDQWH��

a cada momento histórico e em cada sociedade, predomina um determinado quadro epistêmico, produto de paradigmas sociais e origem de um novo paradigma epistêmico”. Desta maneira, Mas uma vez constituído um determinado quadro epistêmico, torna-se impossível dissociar a contribuição proveniente do componente social daquela que é intrínseca ao sistema cognitivo. Assim constituído, o quadro epistêmico começa a atuar como uma ideologia (grifo nosso) que condiciona o desenvolvimento posterior da ciência. Essa ideologia funciona como um obstáculo epistemológico que não permite qualquer desenvolvimento fora do quadro conceitual aceito. É apenas QRV�PRPHQWRV�GH�FULVH��GH� UHYROXo}HV�FLHQWt¿FDV��TXH�Ki�XPD�UXSWXUD�FRP�D�LGHRORJLD�FLHQWt¿FD�GRPLQDQWH�H�TXH� VH�SDVVD�D�XP�HVWDGR�GLIHUHQWH�FRP�XP�novo quadro epistêmico, distinto do precedente. (PIAGET; GARCIA, 2010, p. 344-345)

Desta maneira, as crenças e o saber são questionados sempre que há uma ruptura com a tradição e a substituição de sua ordem histórica por outra. A partir da sua concepção de “assimilação”, Piaget e Garcia traçam um quadro comparativo sobre a maneira de conceber a “psicogênese” do conhecimento no paradigma construtivista em oposição ao modelo da tradicional ciência SRVLWLYLVWD�� XWLOL]DQGR� GLIHUHQFLDo}HV� TXDQWR� DRV� SRQWRV� GH� YLVWD� FLHQWt¿FR� H�psicológico.

Do ponto de vista psicológico, a assimilação opõe-se à associação, concebida como uma simples relação de semelhança ou de contiguidade entre os objetos conhecidos ou a serem conhecidos, como se as atividades do sujeito não interviessem no conhecimento e como se este consistisse apenas num DJORPHUDGR�GH�REVHUYiYHLV�FODVVL¿FDGRV�FRPR�RV�FRQWH~GRV�GH�XPD�FDL[D�RX�

Page 13: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

101A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

GH�XP�DUPiULR��'R�SRQWR�GH�YLVWD� FLHQWt¿FR�� R� SRVLWLYLVPR�SHUPDQHFH�QHVVH�empirismo associacionista ao pretender reduzir a ciência a um conjunto de “fatos” simplesmente registrados antes de serem descritos mediante uma linguagem constituída pela sintaxe e pela semântica características da lógica e da matemática (PIAGET; GARCIA, 2010, p. 361-362).

A assimilação, na perspectiva construtivista, concebe o conhecimento como um processo no qual há uma relação indissociável entre sujeito e objeto, FRQ¿JXUDQGR�HVWH�XP�FRQWH~GR�PROGDGR�SHOR�VXMHLWR�FRJQRVFHQWH�QXPD�IRUPD�retirada de suas estruturas anteriores, mas adaptadas a este conteúdo, especialmente se for novo, alterando o esquema assimilador através de “acomodações” que o diferenciam em função do objeto que está sendo assimilado.

Segundo Piaget e Garcia, as assimilações apresentam um caráter geral que comporta consequências epistemológicas relevantes, pois a natureza assimiladora do conhecimento contradiz naturalmente todo empirismo positivista ao substituir o conceito de “conhecimento-cópia” pela concepção de uma estruturação contínua: aquilo que é característico das assimilações cognitivas é construir incessantemente novos esquemas em função dos precedentes ou acomodar os antigos”. Portanto, destacam que o caráter assimilador de todo conhecimento exige uma epistemologia construtivista, na perspectiva de um estruturalismo construtivo, uma vez que a assimilação pressupõe uma estruturação e “o sujeito desempenha um papel ativo em todo conhecimento, sendo a assimilação a propriedade mais geral dessas atividades” (PIAGET; GARCIA, 2010, p. 362).

1HVWD�UHÀH[mR��RV�LQVWUXPHQWRV�GH�FRQKHFLPHQWR�HQJHQGUDGRV�SHOD�DVVLPLODomR�consistem em JHQHUDOL]Do}HV e DEVWUDo}HV�às quais a assimilação consegue dar XP�VHQWLGR�PDLV�SURIXQGR�TXH�RV�VHXV�VLJQL¿FDGRV�WUDGLFLRQDLV��DFHQWXDQGR�DV�formas ou os esquemas criados pelo sujeito bem como os conteúdos que ela tem por função estruturar. Quanto à abstração, Piaget e Garcia (2010, p. 363) distinguem duas formas: uma vinculada à epistemologia positivista denominada “abstração empírica”, “pelo fato de estar relacionada com objetos exteriores DR�VXMHLWR��QRV�TXDLV�HVWH�YHUL¿FD�GHWHUPLQDGDV�SURSULHGDGHV�SDUD� LVROi�ODV�RX�analisá-las à parte”; e outra abstração chamada�³UHÀH[LYD´��LGHQWL¿FDGD�FRP�D�

Page 14: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

102 Heitor Rocha e Maria Melo

epistemologia construtivista “por se referir a ações e operações do sujeito e aos esquemas que ela o leva a construir”.

A essas múltiplas abstrações correspondem formas distintas de generalizações. (QTXDQWR� QRV� OLPLWDPRV� D� VLPSOHV� YHUL¿FDo}HV� RX� FRQWH~GRV� HPStULFRV�(abstração empírica), eles darão origem a JHQHUDOL]Do}HV� H[WHQVLRQDLV, ou passagem do “alguns” ao “todos”, ou das leis particulares às mais gerais, sem UHRUJDQL]DomR� GDV� SULPHLUDV��$� DEVWUDomR� UHÀH[LYD� SHUPLWH�� SHOR� FRQWUiULR�� D�formação de JHQHUDOL]Do}HV�FRPSOHWLYDV�H�mesmo construtivas, que formam QRYDV�VtQWHVHV�QR�VHLR�GDV�TXDLV�DV�OHLV�SDUWLFXODUHV�DGTXLUHP�QRYRV�VLJQL¿FDGRV�(PIAGET; GARCIA, 2010, p. 365).

Com esta fundamentação epistemológica, desde a década de 1960, argumentos TXH�SDVVDUDP�D�VHU�FRQVHQVXDLV�QRV�PHLRV�FLHQWt¿FRV�UHIXWDUDP�FRP�YHHPrQFLD�D� SUHWHQVmR� SRVLWLYLVWD� GR� YHUL¿FDFLRQLVPR� �� FDSDFLGDGH� GH� FRPSURYDomR� GD�SURSULHGDGH�~OWLPD�GDV�SURSRVLo}HV�FLHQWt¿FDV�FRPR�FRQKHFLPHQWRV�FRPSOHWRV��acabados e expressão perfeita da verdade absoluta. Inicialmente, ainda foi WHQWDGR� R� IDOVL¿FDFLRQLVPR� GH�.DUO� 3RSSHU�� DWULEXLQGR� D� UHVSRQVDELOLGDGH� GH�LGHQWL¿FDomR�GD�SUREDELOLGDGH�GD�YHUGDGH�D�XPD�VpULH�GH�WHVWHV�GH�UHIXWDomR�RX�IDOVL¿FDomR��1R�HQWDQWR��FRPR�DVVHJXUD�7KRPDV�.XKQ��QmR�H[LVWH�QHQKXP�WLSR�de cálculo que substitua a autoridade democrática do consenso dos investigadores FLHQWt¿FRV�SDUD�DWHVWDU�D�YDOLGDGH�GDV�SURSRVLo}HV�FLHQWt¿FDV���

Na escolha de um paradigma, - como nas revoluções políticas – não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante. Para descobrir FRPR�DV�UHYROXo}HV�FLHQWt¿FDV�VmR�SURGX]LGDV��WHUHPRV��SRUWDQWR��TXH�H[DPLQDU�não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas igualmente as técnicas de DUJXPHQWDomR�SHUVXDVLYD�TXH�VmR�H¿FD]HV�QR�LQWHULRU�GRV�JUXSRV�PXLWR�HVSHFLDLV�que constituem a comunidade dos cientistas (KUHN, 2007, p. 128).

Ao pretender apresentar ressalvas complementares ao posicionamento FDWHJyULFR� GH�7KRPDV�.XKQ� FRQWUD� R� YHUL¿FDFLRQLVPR�SRVLWLYLVWD�� RX�PHVPR�DR�IDOVL¿FDFLRQLVPR��3LDJHW�H�*DUFLD�EXVFDP�LGHQWL¿FDU�QD�KLVWyULD�GD�FLrQFLD�

Page 15: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

103A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

uma evolução linear e constante de certa forma independente do contexto GD� FRPXQLGDGH� GRV� LQYHVWLJDGRUHV� FLHQWt¿FRV�� FRQFHEHQGR� QHVWH� FDVR� XPD�LQÀXrQFLD�PDLV� ELROyJLFD� GR� TXH� FRJQLWLYD��1HVWH� VHQWLGR�� FRQVLGHUDP� TXH� R�desenvolvimento biológico da criança precede a sua aprendizagem.

Embora fundamentando suas pesquisas nas extraordinárias contribuições de Piaget à compreensão epistemológica da psicogênese do processo de construção de conhecimento, Vigotski, ao contrário, propõe uma valorização do processo cognitivo humano ao conceber que a aprendizagem precede ao desenvolvimento, desenvolvendo uma teorização de especial relevância para o Jornalismo.

1D�MXVWL¿FDomR�GH�VHX�SRQWR�GH�YLVWD��GHVFUHYH�R�SURFHVVR�GH�IRUPDomR�GH�conceitos, destacando a questão dos meios pelos quais essa operação é realizada. Para Vigotski (2008, p. 70), todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador na formação de conceitos, a palavra, é incorporado à sua estrutura como uma parte indispensável e central do processo como um todo, tendo, em princípio o papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, tornando-se o seu símbolo.

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência RX�jV�WHQGrQFLDV�GHWHUPLQDQWHV��7RGDV�VmR�LQGLVSHQViYHLV��SRUpP�LQVX¿FLHQWHV�sem o uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos (VIGOTSKI, 2008, p. 72-73).

Na trajetória até a formação de conceitos, a criança pequena dá seu primeiro passo quando agrupa alguns objetos numa agregação desorganizada, ou “amontoado”, para solucionar um problema que nós, adultos, normalmente resolveríamos com a formação de um novo conceito. Nos primeiros estágios desta trajetória são formados os amontoados sincréticos, que representam para a FULDQoD�R�VLJQL¿FDGR�GH�XPD�GHWHUPLQDGD�SDODYUD�DUWL¿FLDO�FRPR�WHQWDWLYD�H�HUUR�no desenvolvimento do pensamento. Posteriormente, a composição do grupo é

Page 16: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

104 Heitor Rocha e Maria Melo

em grande parte determinada pela posição espacial dos objetos experimentais, expressando uma organização do campo visual da criança puramente sincrética TXH� YDL� VH� FRPSOH[L¿FDQGR�� PDV� HVVD� RSHUDomR� PDLV� HODERUDGD� SHUPDQHFH�sincrética, pois não resulta em uma ordem maior do que a simples agregação dos amontoados.

Na fase do tipo de pensamento por complexos, os objetos isolados já associam-se na mente da criança não apenas devido às impressões subjetivas da criança, mas também devido às relações que de fato existem entre esses objetos. Quando a criança alcança esse nível, já superou parcialmente o seu egocentrismo, não confundindo mais as relações entre as suas próprias impressões com as relações entre as coisas – um passo decisivo para se afastar do sincretismo e caminhar em direção ao pensamento objetivo. O pensamento por complexos já constitui XP�SHQVDPHQWR�FRHUHQWH�H�REMHWLYR��HPERUD�QmR�UHÀLWD�DV�UHODo}HV�REMHWLYDV�GR�mesmo modo que o pensamento conceitual (VIGOTSKI, 2008, p. 76).

Os povos primitivos também pensam por complexos e, consequentemente, em suas línguas a palavra não funciona como o portador de um conceito, mas como um “nome de família” para grupos de objetos concretos, associados não logicamente, mas factualmente. O uso de imagens concretas, ao invés de conceitos abstratos, é um dos traços mais distintivos do pensamento primitivo.

Deve-se notar, entretanto, que mesmo o adulto normal, capaz de formar e utilizar conceitos, não opera coerentemente com conceitos ao pensar. À exceção dos processos primitivos de pensamento dos sonhos, o adulto constantemente desvia-se do pensamento conceitual para o pensamento concreto semelhante aos complexos. A forma de pensamento transitória, por pseudoconceitos, não é exclusiva das crianças; nós também recorremos frequentemente a ela em nossa vida cotidiana.

Parece-nos óbvio que um conceito possa submeter-se à consciência e ao controle deliberado somente quando começa a fazer parte de um sistema. Se FRQVFLrQFLD� VLJQL¿FD� JHQHUDOL]DomR�� D� JHQHUDOL]DomR�� SRU� VXD� YH]�� VLJQL¿FD� D�formação de um conceito supra-ordenado que inclui o conceito dado como um FDVR�HVSHFt¿FR��8P�FRQFHLWR�VXSUD�RUGHQDGR�LPSOLFD�D�H[LVWrQFLD�GH�XPD�VpULH�de conceitos subordinados e pressupõe também uma hierarquia de conceitos

Page 17: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

105A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

de diferentes níveis de generalidade. Assim, o conceito dado é inserido em um sistema de relações de generalidade.

A teoria experimental de Vigotski (2008, p. 127) centrou-se na relação temporal entre os processos de aprendizado e o desenvolvimento das funções psicológicas correspondentes para evidenciar que o aprendizado geralmente precede o desenvolvimento, ao contrário do que se supunha no aprendizado escolar em que se esperava das crianças a resolução de problemas padronizados, acreditando que os problemas que elas conseguissem resolver sozinhas indicavam o nível do seu GHVHQYROYLPHQWR�PHQWDO�QHVVD�RFDVLmR�HVSHFt¿FD��0DV�VH�UHVWULQJLDP�D�PHGLU�D�etapa já concluída do desenvolvimento da criança. Assim, Vigotski tentou uma DERUGDJHP�GLIHUHQWH��$SyV�LGHQWL¿FDU�TXH�D�LGDGH�PHQWDO�GH�GXDV�FULDQoDV�HUD�oito anos, deu a cada uma delas problemas mais difíceis do que seriam capazes de resolver sozinhas, oferecendo-lhes uma pequena assistência: o primeiro passo para uma solução, uma pergunta importante ou algum outro tipo de ajuda. Com isso, descobriu que uma das crianças podia, em cooperação, resolver problemas elaborados para uma criança de doze anos, ao passo que a outra não conseguia ir além dos problemas concebidos para crianças de nove anos.

A discrepância entre a idade mental real de uma criança e o nível que ela atinge ao resolver problemas com o auxílio de outra pessoa indica a zona de desenvolvimento proximal; em nosso exemplo, essa zona é de quatro para a SULPHLUD�FULDQoD�H�GH�XP�SDUD�D�VHJXQGD��3RGHPRV�UHDOPHQWH�D¿UPDU�TXH�R�VHX�desenvolvimento mental é o mesmo? A experiência nos mostra que a criança com a zona maior de desenvolvimento proximal terá um aproveitamento muito melhor na escola. Essa medida dá-nos uma pista mais útil sobre a dinâmica do progresso intelectual do que aquela que nos é fornecida pela idade mental (VIGOTSKY, 2008, p. 128-129).

Com o auxílio de uma outra pessoa, toda criança pode fazer mais do que faria sozinha – ainda que se restringindo aos limites estabelecidos pelo grau de seu desenvolvimento. No reino animal, excluindo a espécie humana, os demais animais são incapazes de se desenvolver intelectualmente por meio da imitação. No desenvolvimento da criança, pelo contrário, a imitação e o aprendizado

Page 18: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

106 Heitor Rocha e Maria Melo

GHVHPSHQKDP�XP�SDSHO�LPSRUWDQWH��7UD]HP�j�WRQD�DV�TXDOLGDGHV�HVSHFL¿FDPHQWH�humanas da mente e levam a criança a novos níveis de desenvolvimento. O que a criança é capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer sozinha amanhã. . Desta maneira, para Vigotski (2008, p. 129-130), “o único tipo positivo de aprendizado é aquele que caminha à frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia; deve voltar-se não tanto para as funções já maduras, mas principalmente para as funções em amadurecimento”.

Por algum tempo, as nossas escolas favoreceram o sistema “complexo” de aprendizado que, segundo se acreditava, estaria adaptado às formas de pensamento da criança. Na medida em que oferecia à criança problemas que ela conseguia resolver sozinha, esse método foi incapaz de utilizar a zona de desenvolvimento proximal e de dirigir a criança para aquilo que ela ainda não era capaz de fazer.

1HVWD�TXHVWmR��D�UHÀH[mR�GH�$GHOPR�*HQUR�)LOKR��������WDPEpP�UHSUHVHQWD�uma relevante contribuição ao projeto de elaboração de uma apropriação do paradigma construtivista no campo do jornalismo, ou seja, da concepção de um jornalismo construtivista. Para ele, o jornalismo se constitui num dos aspectos da dimensão ontológica do ser humano e expressa a forma social de construção do conhecimento, sendo um momento da práxis. Demonstrando a sua concepção construtivista da comunicação social, destaca que

O homem é um ser que domina e compreende o mundo simultaneamente e, nessa medida, transforma a si mesmo e amplia o seu universo. A comunicação está no âmago da atividade prática coletiva, da produção social do conhecimento que emana dessa atividade e, ao mesmo tempo, a pressupõe. Portanto, está no âmago da produção histórica da sociedade e da autoprodução humana (GENRO FILHO, 1987, p. 215).

Esses pressupostos compreendem a comunicação no interior da práxis e permitem superar os enfoques a-históricos ou puramente ideológicos do discurso naturalizador do jornalismo, concebendo-o, ao contrário, enquanto estrutura de comunicação historicamente condicionada e forma social de conhecimento articulada à autoprodução histórica do homem. Assim, é possível a convicção de

Page 19: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

107A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

que essa perspectiva, para preservar a consciência da autoria humana da realidade social – “como uma realidade que está se desenrolando, se autoproduzindo e que não apresenta um sentido fechado e nitidamente delimitado” (GENRO FILHO, 1987, p. 220), só pode viabilizar-se no paradigma construtivista.

Portanto, o paradigma construtivista tem o mérito de propiciar um DSURIXQGDPHQWR� VLJQL¿FDWLYR� GRV� HVWXGRV� QD� iUHD� GR� MRUQDOLVPR� FDSD]� GH�expor e esclarecer o papel central e estratégico que este campo desempenha na GH¿QLomR�GRV�VHQWLGRV�H�LGHRORJLDV�TXH�RULHQWDP�D�DomR�GDV�SHVVRDV�QD�VRFLHGDGH�contemporânea.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. 0DU[LVPR�H�¿ORVR¿D�GD�OLQJXDJHP� São Paulo: Annablume, 2002.

BREED, Warren. Controle social na redação. Uma análise funcional. In: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega Editora, 1999.

ENGELS, Friedrich. Introdução de Friedrich Engels à edição de 1891. In: MARX, Karl. A guerra civil em França. Lisboa: Edições Avante, 1983.

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide. Porto Alegre: Tchê, 1977.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991.

HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

_____________. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

Page 20: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

108 Heitor Rocha e Maria Melo

_____________. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

_____________. Mudança estrutural da esfera pública: Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

____________. 9HUGDGH�H�MXVWL¿FDomR� São Paulo: Edições Loyola, 2004.

HALL ET ali. A produção social da notícia:. In: In: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega Editora, 1999.

HONNETH, Axel. Teoria Crítica. In: GIDDENS, Anthony; TUNER Jonathan. Teoria social hoje. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

KUHN, Thomas. $�HVWUXWXUD�GDV�UHYROXo}HV�FLHQWt¿FDV� São Paulo: Perspectiva, 2007.

PIAGET, Jean; GARCIA, Rolando. Psicogênese e história das ciências. Petrópolis: Vozes, 2011.

RODRIGUES, Adriano Duarte. Delimitação, natureza e funções do discurso jornalístico. In: PORTO, Sérgio Dayrell (Org.). O jornal: da forma ao sentido. Brasília: UNB, 2002.

SERRA, J. Paulo. Informação e sentido: O estatuto epistemológico da informação. Covilhã/Portugal: Editora da Universidade da Beira Interior, 2003.

VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Page 21: A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista ... · Epistemologia, Naturalização e Mudança Social1 Heitor Costa Lima da Rocha Universidade Federal de Pernambuco2, Brasil

109A Dimensão Educativa do Jornalismo Construtivista

VENTURA, Zuenir. Jornalismo e literatura: alianças e diálogos. In: AZEVERO, José Carlos (Org.). Letras & Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001.