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1 Rev. Bras. Inov., Campinas (SP), 20, e021008, p. 1-26, 2021 A dinâmica institucional da interação UFSC-Petrobras para a inovação * Paola Azevedo Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianpolis (SC), Brasil E-mail: [email protected] ** Silvio Antônio Ferraz Cario Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil E-mail: f[email protected] Submissão: 04 de janeiro de 2020 Versão revisada (entregue): 28 de abril de 2021 Aprovado: 21 de maio de 2021 Resumo Este trabalho tem como objetivo avaliar a dinâmica institucional da interação Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Petrobras para a inovação. Adotou-se como base terica a perspectiva institucionalista-evolucionária. Efetuaram-se entrevistas com pesquisadores da UFSC e com gerentes da Petrobras que realizam a interação. Dentre os principais resultados desta dinâmica institucional analisada, destacam-se a relevância do relacionamento pessoal, a constante busca por pesquisadores de referência e de especialistas, a importância da institucionalização da interação Universidade-empresa (U-E), do processo histrico de construção de parceria, do estabelecimento de regras e regulamentações de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da UFSC e da Agência Nacional do Petrleo (ANP), da criação do termo de cooperação e do Sistema de Gestão de Investimentos em Tecnologia (Sigitec) e a criação e a manutenção de infraestrutura de ponta, as quais consolidaram o processo de interação com a UFSC nos últimos trinta anos. Palavras-chave | Interação Universidade-Empresa; Perspectivas institucionalista e evolucionária; Dinâmica institucional; UFSC; Petrobras. Revista Brasileira de Inovação ISSN 2178-2822 DOI: https://doi.org/10.20396/rbi.v20i00.8658002 ARTIGO

A dinâmica institucional da interação UFSC-Petrobras para

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A dinâmica institucional da interação UFSC-Petrobras para a inovação* Paola Azevedo

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianopolis (SC), BrasilE-mail: [email protected]

** Silvio Antônio Ferraz Cario Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil E-mail: [email protected]

Submissão: 04 de janeiro de 2020 Versão revisada (entregue): 28 de abril de 2021 Aprovado: 21 de maio de 2021

Resumo Este trabalho tem como objetivo avaliar a dinâmica institucional da interação Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Petrobras para a inovação. Adotou-se como base teorica a perspectiva institucionalista-evolucionária. Efetuaram-se entrevistas com pesquisadores da UFSC e com gerentes da Petrobras que realizam a interação. Dentre os principais resultados desta dinâmica institucional analisada, destacam-se a relevância do relacionamento pessoal, a constante busca por pesquisadores de referência e de especialistas, a importância da institucionalização da interação Universidade-empresa (U-E), do processo historico de construção de parceria, do estabelecimento de regras e regulamentações de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da UFSC e da Agência Nacional do Petroleo (ANP), da criação do termo de cooperação e do Sistema de Gestão de Investimentos em Tecnologia (Sigitec) e a criação e a manutenção de infraestrutura de ponta, as quais consolidaram o processo de interação com a UFSC nos últimos trinta anos.

Palavras-chave | Interação Universidade-Empresa; Perspectivas institucionalista e evolucionária; Dinâmica institucional; UFSC; Petrobras.

Revista Brasileira de InovaçãoISSN 2178-2822DOI: https://doi.org/10.20396/rbi.v20i00.8658002

Artigo

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The institutional dynamics of UFSC and Petrobras interaction for innovation

AbstractThis a rticle a ims t o e valuate t he i nstitutional d ynamics o f i nteraction b etween Federal University of Santa Catarina (UFSC) and Petrobras for innovation. The i nstitutionalist-evolutionary perspectives were adopted as a theoretical basis. The interviews were conducted with researchers from UFSC and managers from Petrobras who carry out the interaction. Among the main results of this analyzed institutional dynamics are the relevance of the personal relationship, the constant search for reference researchers and specialists, the importance of institutionalizing the University-company interaction (UC), the historical process of building partnership, the establishment of rules and regulations for research and development (R&D) at UFSC and the National Petroleum Agency (ANP), the creation of the cooperation term and the Technology Investment Management System (SIGITEC) and the creation and maintenance of state-of-the-art infrastructure, which consolidated the interaction process with UFSC in the last thirty years.

Keywords | University-Industry Interaction; Evolutionary-Institutional Perspectives; Institutional Dynamics; UFSC; Petrobras.

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1. Introdução

O Sistema Nacional de Inovação (SNI) é compreendido como alicerce essencial do desenvolvimento econômico, pois é constituído por organizações e instituições econômicas, sociais e políticas, cuja trajetoria interativa numa perspectiva historica é determinante no desempenho das economias industrializadas (PEREIRA; DATHEIN, 2012). Neste contexto, as interações U-E são elementos essenciais no SNI, uma vez que a articulação destes entes para realização de parcerias e projetos de P&D promove o avanço tecnologico. As universidades desenvolvem o conhecimento para a inovação, fornecem respostas científicas às demandas das empresas e estas transformam o conhecimento em novas tecnologias, dando origem a novas questões de pesquisa.

A relevância da interação U-E para o desenvolvimento da inovação suscita a compreensão deste fenômeno. Dentre os artigos internacionais mais citados em periodicos estrangeiros que tratam do tema interação U-E, conforme Web of Science, de 2000 a 2015, destacam-se os de Gubrandsen e Smeby (2005), D`Este e Patel (2007) e Mowery e Sampat (2007), os quais debatem esta interação sob as opticas da tríplice hélice e do SNI. Dentre os livros, enfatizam-se os organizados por Suzigan, Albuquerque e Cario (2011) e por Garcia, Rapini e Cario (2018), que deram ênfase à interação U-E em busca de inovação, sob a perspectiva teorica neoschumpeteriana.

Diante dos resultados relacionados às pesquisas sobre a interação U-E, sugere-se neste estudo a compreensão deste fenômeno a partir das perspectivas institucionalista e evolucionária. Estas abordagens propostas ampliam as possibilidades de análises até então não discutidas por outros autores, permitindo compreender os acordos, os procedimentos de cooperação, bem como os mecanismos de coordenação, ro-tinas, padrões de organização da produção e divisão do trabalho, com intuito de entender de que maneira as atividades vinculadas a esta parceria se desenvolveram ao longo de décadas e se tornaram essenciais ao desenvolvimento de tecnologias de fronteira no país. Para Nelson e Nelson (2002), estas correntes teoricas são dotadas de pressupostos em comum e são complementares no entendimento da inovação, pois as instituições propiciam acréscimos de conhecimento que se traduzem em aprimoramentos tecnologicos.

Nesta perspectiva, procura-se compreender a interação U-E, em estudo de caso, envolvendo a UFSC e a Petrobras, atores estratégicos do SNI brasileiro. A Petrobras é uma transnacional pública que mais investe em P&D no país e interage de forma contínua com instituições de pesquisa. Segundo a ANP, de 1998 até 2018,

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a Petrobras foi responsável por mais de 90% do investimento em P&D realizado no Setor de Petroleo e Gás Brasileiro, decorrentes de contratos assinados sob o regime de concessão e cessão onerosa, totalizando R$ 13,9 bilhões. A UFSC é uma das universidades que mais recebem recursos da Petrobras para realização de P&D, e tem uma trajetoria historica e articulada de interação para o desenvolvimento da inovação com a empresa de aproximadamente trinta anos.

A fim de atender o objetivo de avaliar a dinâmica institucional da interação UFSC e Petrobras para a inovação, o presente texto encontra-se dividido em seis seções: a introdução composta pela problematização e objetivo da pesquisa; o referencial teorico-analítico sobre interação U-E na perspectiva institucionalista--evolucionária; a metodologia elucidando a realização da pesquisa; a caracterização dos laboratorios e pesquisas da UFSC em interação com a Petrobras; a análise da dinâmica institucional da interação UFSC e Petrobras a partir das variáveis: hábitos, instituições, tecnologias físicas e tecnologias sociais; e, por fim, a conclusão.

2. A interação universidade-empresa na perspectiva teórica institucionalista-evolucionária

As interações de universidades, empresas, governos e outros componentes do sistema de inovação compõem o marco de referência nos estudos acerca do processo inovativo e, em função dos diferentes arranjos existentes, derivam de distintos enfoques analíticos conceituais (CARIO; LEMOS SIMONINI, 2011). A constituição destas interações é dotada de uma trajetoria historica dependente de investimentos e maturação de cinco fatores: arranjos monetário-financeiros que viabilizem o financiamento de universidades, institutos de pesquisa e empresas; criação de instituições importantes, como universidades, institutos de pesquisa, empresas e seus laboratorios de P&D; elaboração de mecanismos que propiciem interações; desenvolvimento de interações dos atores envolvidos; e concretização da interação por meio de relações de confiança entre as partes (SUZIGAN; ALBUQUERQUE; CARIO, 2011).

Estas interações fazem partem do sistema de inovação, que visa ao desenvol-vimento, difusão e utilização da inovação. Nesse ambiente sistêmico, as inovações tecnologicas, organizacionais e institucionais são definidas e conformadas a partir da relação complexa e dos recursos existentes e se tornam reflexo da posição das economias nacionais. Por meio do SNI é possível identificar a maneira adotada pelo Estado para estabelecimento de políticas e prioridades ao longo dos anos, e o modo

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pelo qual este reage a condições favoráveis dos mercados nacionais e internacionais para propiciar o desempenho econômico (NELSON, 2006).

O surgimento e a consolidação do paradigma e trajetoria tecnologica nos sis-temas de inovação ocorrem a partir de procedimentos inovativos de busca, rotina e seleção. O processo de busca trata-se de um conjunto de atividades e estratégias desenvolvido para aperfeiçoar tecnologia e aproveitar as possibilidades existentes, avaliando as possíveis mudanças nos produtos e processos. A rotina, por sua vez, é um comportamento de caráter tácito de difícil captura e codificação e propicia a criação de uma memoria em relação às ações da empresa, que gera uma atuação mais efetiva por parte desta (NELSON, 2006). A seleção corresponde ao mecanismo de eleição das inovações exercido pelo ambiente, no qual se destaca a atuação do mercado como elemento central, ainda que o processo seja beneficiado com con-tribuições de empresas e instituições (DOSI, 2006; NELSON; WINTER, 2006).

Desenvolve-se no contexto do sistema de inovação o processo de aprendizagem tecnologica, que pode ser elucidado a partir da compreensão de que o ambiente econômico está em constante evolução. Sob a economia do aprendizado, conforme Johnson e Lundvall (2005), aceleram-se mudanças técnicas, sociais e econômicas que subsidiam a formação e destruição do conhecimento especializado. Fica eviden-ciada sob esta perspectiva a relevância da habilidade de aprender no desempenho econômico, tanto do indivíduo como da organização.

A ampliação da perspectiva dos sistemas de inovação, no âmbito da teoria evolucionária econômica, pode ocorrer pela utilização de elementos da análise institucional (NELSON; NELSON, 2002). No SNI a análise está voltada princi-palmente para a interação entre os atores econômicos, políticos e sociais, os quais propiciam capacitações e a propagação de inovações em um país (TIGRE, 2005). O desempenho deste sistema relaciona-se então a um “processo evolucionário”, no qual a trajetoria engloba aspectos relacionados à tecnologia, ao conhecimento, aos atores (empresas, laboratorios, governos, universidades e institutos de pesquisa) e aos arranjos institucionais (MALERBA, 2003). Nesse sistema, ocorrem interações e ligações entre os atores participantes: pessoas e universidades, empresas e governo; instituições financeiras e empresas; governo e organizações inovativas entre outras, com proposito voltado ao desenvolvimento inovativo (NIOSI et al., 1992; NIOSI, 2002).

A compreensão de maneira mais ampla do SNI, a partir da abordagem ins-titucionalista, perpassa inicialmente pelo entendimento das categorias essenciais por meio das quais a teoria institucionalista é constituída, tais como: os instintos,

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os hábitos, as instituições e a mudança institucional. Os instintos são propensões inatas que estão presentes e não se manifestam de forma clara na conduta humana e definem o objetivo fim do comportamento, como por exemplo, o instinto de trabalho eficaz, que leva a pessoa a optar pelas formas e os meios propícios para atingir determinado objetivo (MONASTÉRIO, 1998; HODGSON, 2010).

Os hábitos são provenientes de ações, pensamentos e comportamentos repetidos que se traduzem na probabilidade de se comportar de determinada forma diante de certas ocasiões particulares e permitem, assim, um aprendizado mais rápido, muitas vezes relacionado com circunstâncias novas. Os hábitos desencadeiam-se a partir de um estímulo ou contexto e desenvolvem-se em um ambiente social (HODGSON, 2010, 2011).

O conjunto de hábitos origina as instituições, em sentido amplo, e são estas que propiciam poder e autoridade normativa estável. Na medida em que reproduzem os hábitos, as instituições geram mecanismos de aceitação normativa (HODGSON, 2011) e também podem ser vistas como agentes de mudança, pois modelam o co-nhecimento, bem como sua aplicação à resolução de problemas. Atuam na criação de um contexto adequado para o avanço tecnologico e à continuidade do crescimento econômico. São essenciais para o processo inovativo, pois definem trajetorias de crescimento nos diferentes ambientes, bem como meios que dão suporte a padrões de interação particulares. Caracterizam-se como “regras do jogo”, padrão de com-portamento socialmente acordado e maneiras de acumulação do conhecimento (CASTELLI; CONCEIÇÃO, 2014).

Para Edquist (2004), as instituições têm três funções essenciais em relação às inovações: redução da incerteza e geração de informações; administração de conflitos e cooperação; e provimento de incentivos. Especificamente o provimento de recursos por parte das instituições refere-se à criação de possibilidades de comunicação e cooperação entre indivíduos e empresas com agências do governo. A instituciona-lização é importante, pois possibilita que os hábitos atuais se constituam sobre uma base institucional já formada. Assim, as instituições podem adquirir as seguintes dimensões: instituições como princípios essenciais sobre os quais os outros hábitos de pensamento são construídos; instituições como normas sociais; e instituições estabelecidas na forma de leis (MONASTERIO, 1998).

Nessa perspectiva, para North (1991) as instituições podem assumir o papel de restrições informais (convenções, codigos de conduta, tabus, costumes, tradições, sanções) ou regras formais (leis, constituições e direitos de propriedade). As restrições informais são decorrentes da informação socialmente transmitida e representam

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parte da herança cultural. Decorrem de costumes, tradições ou codigos de conduta e são mais resistentes e difíceis de serem alteradas. Estas limitações culturais ligam o passado, o presente e o futuro e são elementos essenciais para compreensão da mudança sob a perspectiva historica (NORTH, 1990).

As regras, por sua vez, são condutas predeterminadas, por meio das quais os agentes podem agir de maneira consciente ou inconsciente (HODGSON, 2001). Estas abrangem normas de comportamento e convenções sociais, bem como as regras legais. A regra pode tornar-se um hábito na medida em que é reiterada. As regras formais integram a complexidade das sociedades e têm a capacidade de complementar e aumentar a eficácia das restrições informais e permitir que estas sofram alterações, rescisões ou sejam substituídas. As tensões existentes entre as regras formais modificadas e as restrições informais persistentes influenciam as transformações na economia. As regras estão em constante mutação, dão forma às instituições e relacionam-se ao aprendizado contínuo, que é path-dependent, enrai-zado e cumulativo (CONCEIÇÃO, 2002).

Para Nelson e Sampat (2001), em virtude das diversas concepções existentes em relação a instituições, é crucial analisar o processo e como ocorre a atividade econômica, focando naquilo que as instituições realizam e, neste sentido, sugere o conceito de tecnologia social, a qual envolve a padronização da interação humana. O entendimento das tecnologias permite a compreensão da dinâmica institucional. Para Nelson (2008) a efetividade das atividades econômicas e o crescimento econô-mico correlacionam-se às tecnologias física e social (NELSON, 2008). A primeira é ligada a procedimentos a serem realizados, os quais são normalmente dependentes de insumos e equipamentos. A segunda diz respeito a mecanismos de coordenação, rotinas, padrões de organização da produção e divisão do trabalho.

Transportando a ideia de tecnologias físicas e sociais para um sistema de P&D, identificam-se os laboratorios, procedimentos, centros de pesquisa, por exemplo, como tecnologias físicas. A coordenação e a divisão do trabalho entre os pesquisa-dores são consideradas tecnologias sociais (CONCEIÇÃO, 2009). As tecnologias físicas e sociais são influenciadas por aspectos como normas, leis, costumes, dentre outros que promovem sua padronização. Quando as tecnologias sociais são institu-cionalizadas criam condições para a evolução das tecnologias físicas, e a coevolução é crucial para a consolidação dos sistemas de inovação e promoção do crescimento econômico (NELSON, 2008; PEREIRA; DATHEIN, 2012).

As instituições dão forma ao crescimento do conhecimento científico, tecnologico e social (METCALFE, 2001) e são entendidas como estruturas e forças

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que moldam e sustentam as tecnologias sociais (NELSON, 2008). As instituições definem trajetorias de crescimento diversificadas nos diferentes ambientes nacionais. Além disso, criam, possibilitam ou exercem influência sobre: as inovações tecnologicas, a organização das empresas, o processo de trabalho, as políticas macroeconômicas e o padrão de competitividade, os quais propiciam a articulação entre o crescimento e o desenvolvimento econômico (CONCEIÇÃO, 2002).

3. Metodologia

Para compreender a dinâmica institucional da interação UFSC e Petrobras voltada à inovação, foi realizado, no período de dezembro de 2014 a dezembro de 2015, o mapeamento de todos os projetos elaborados por estas duas instituições através dos sites das fundações que intermedeiam os projetos de P&D, que são a Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (Feesc) e a Fundação de Amparo à Pes-quisa e Extensão Universitária (Fapeu). Para validação dos projetos em parceria foi consultado o Departamento de Inovação Tecnologica (DIT) da UFSC, atualmente denominado Secretaria de Inovação (Sinova).

Identificaram-se 27 laboratorios de pesquisa em interação com a Petrobras, os quais totalizaram 59 projetos de pesquisa neste período. A seleção dos coordenadores de laboratorios participantes da pesquisa ocorreu por acessibilidade e levando-se em conta os laboratorios que interagem com a empresa há mais de vinte anos e, juntos, respondem por mais de 50% dos projetos realizados em parceria com a Petrobras: o Laboratorio de Meios Porosos e Propriedades Termofísicas (LMPT), oito projetos; Laboratorio de Metrologia e Automação (Labmetro), quatro projetos; Laboratorio de Tubos de Calor (Labtucal), quatro projetos; Laboratorio de Remediação de Águas Subterrâneas (Remas), três projetos; Laboratorio de Pesquisa em Refrigeração e Ter-mofísica (Polo), três projetos; e, Laboratorio de Automação de Campos Inteligentes (Laci), dois projetos.

Selecionados os laboratorios, optou-se pela realização da entrevista semiestrutu-rada com os pesquisadores de cada um destes, visto que os projetos são vinculados a cada laboratorio. Além dos pesquisadores, foi entrevistada a diretora do DIT, atual Sinova, setor pelo qual são assinados os contratos de interação. Na Petrobras, dois gerentes vinculados à interação com os laboratorios da UFSC foram entrevistados. As entrevistas ocorreram de agosto de 2015 a janeiro de 2016. A identificação dos entrevistados ao longo do estudo foi realizada por meio da classificação E1 a E9, dos quais E1 a E7 vinculados à UFSC e E8 e E9 à Petrobras.

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Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo, com base em cate-gorias previamente definidas, baseadas na perspectiva institucionalista-evolucionária, e com o apoio do software de análise de dados qualitativos NVIVO. As categorias fechadas que expressaram a análise da dinâmica institucional da interação em estudo foram: hábitos (caráter pessoal das ações – maneiras de pensar, de agir), institui-ções (caráter coletivo das ações – regras, leis), tecnologias físicas: procedimentos de trabalho e sua estrutura física (laboratorios, insumos, materiais, equipamentos), e tecnologias sociais (formatos de organização do trabalho; divisão do trabalho entre os pesquisadores; estruturas de coordenação e direção).

4.Identificação dos laboratórios de pesquisa da UFSC e resultados ino-vativos da interação com a Petrobras

Dos laboratorios da UFSC que interagem com a Petrobras, através de projetos de P&D para o desenvolvimento de inovação no Setor de Petroleo e Gás, seis deles relacionam-se com a empresa há vinte anos, como o LMPT, Labmetro, o Labutcal o Polo, o Remas e o Laci. Atualmente, o Labtucal realiza pesquisas na área de energia solar e transferência de calor aplicada, incluindo o desenvolvimento de tecnologia de tubos de calor. No Polo, os estudos voltam-se para o aprimoramento dos conceitos e aperfeiçoamento do desempenho de componentes e sistemas de refrigeração, tor-nando o laboratorio uma referência mundial em P&D em refrigeração e termofísica. O Remas investiga a contaminação de solos e águas subterrâneas por combustíveis de petroleo e biocombustíveis (tecnologias de biorremediação e modelagem mate-mática). O LMPT desenvolve atividades na área de materiais porosos, interação de fluidos e entre fluidos e superfícies solidas e instrumentos para medição de variáveis térmicas. O Labmetro possui destaque nas áreas de metrologia, instrumentação e automação da medição. E o Laci atua na área de otimização matemática, controle distribuído e otimização de sistemas de produção de petroleo e gás.

Dentre as inovações criadas a partir dessa parceria citam-se duas tecnologias. Uma das tecnologias criadas refere-se aos Sistemas Porosos Multiescalares, um projeto correlacionado ao tema rocha digital aplicado em sistemas porosos com múltiplas porosidades, especificamente carbonatos. A outra tecnologia criada refere-se ao projeto de avaliação do carregamento em dutos a partir das tensões residuais, com proposito de avaliar a integridade dos dutos e o nível de risco de acidentes, em trechos sujeitos a movimentações do solo e encostas.

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5. A dinâmica institucional da interação UFSC e Petrobras

5.1 Hábitos

Os hábitos decorrem de ações, pensamentos e comportamentos e, na medida em que se repetem, podem levar a um comportamento determinado frente a ocasiões particulares, permitindo um aprendizado mais rápido (HODGSON, 2010). Assim, através dos hábitos pode-se identificar e entender de que maneira os comportamentos individuais interferem na interação U-E, no sentido de realizar a aproximação, bem como manter parcerias no decorrer do tempo.

A partir da identificação de temas estratégicos na área de petroleo e gás, a em-presa formou redes de pesquisadores e instituições distribuídas pelo país, conforme dizeres dos gerentes: “Os primeiros projetos são da década de 1990 e estavam liga-dos à especialidade dos pesquisadores e às necessidades da empresa [E9]”. “Foram identificados pesquisadores cuja especialidade estava ligada aos desafios tecnologicos da empresa [E8]”. Conforme os gerentes da Petrobras, a trajetoria de interação com a UFSC foi marcada por uma busca incessante por pesquisadores de referência, especialistas no tema da indústria, o que culminou também na formação contínua de novos pesquisadores e criação de cursos na área de atuação da empresa.

Pode-se, também, constatar que a formação e os relacionamentos pessoais de cada pesquisador interferiram diretamente no estabelecimento da parceria, em virtude do conhecimento adquirido ao longo dos anos na academia e seu proprio reconhecimento dentro das áreas de interesse. Essa discussão alinha-se ao exposto por Cario, Lemos e Simonini (2011), os quais verificaram que na interação U-E é essencial a consideração de aspectos informais, tais como: o relacionamento pessoal, proximidade com as empresas, cultura e historia anterior.

A busca por pesquisadores de referência se traduziu em parceria, em novos cursos e aumento de pesquisadores e profissionais relacionados à área, elevando e qualificando os grupos de pesquisa da UFSC que são interligados à Petrobras. Nessa via, desenvolvem-se procedimentos de busca dentro de um conjunto de atividades e estratégias da empresa com o intuito de obter vantagem competitiva e aperfeiçoar sua tecnologia para aproveitar as oportunidades existentes (NELSON, 2006). O processo de busca da empresa pelos pesquisadores com competência, formação e experiência foi essencial para a interação entre UFSC e Petrobras se consolidar ao longo dos anos, bem como gerar novas tecnologias.

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Os gerentes da Petrobras corroboram com os pesquisadores na UFSC no que se refere à busca de cursos de Pos-Graduação, visto que se torna um movimento espe-rado procurar a capacitação em locais nos quais há certeza da qualidade do parceiro tecnologico, “Os pesquisadores da Petrobras buscam cursos de Pos-Graduação na UFSC e outras ICTs, pois conhecem os parceiros e a qualidade da pesquisa [E8]”. A formação dos grupos de pesquisa é influenciada pelos pesquisadores, os quais se aproximam em virtude do interesse pelo tema. Este interesse se alinha ao instinto de trabalho eficaz que, segundo Veblen, é o instinto que leva a pessoa a optar pelas formas e os meios propícios para atingir determinado objetivo (MONASTERIO, 1998; HODGSON, 2010). A partir da intenção cria-se forma rotineira para alcan-çar o que deseja, o que gera o hábito de comportamento. Nesse contexto, cita-se o hábito de aproximação dos pesquisadores, formando grupos de especialistas para atender interesses de pesquisa comuns.

Os relacionamentos pessoais são essenciais para realização dos contatos com a Petrobras, bem como para a manutenção desta interação, conforme o depoimento do pesquisador: “É uma relação de confiança, competência estabelecida, historico de pesquisa [E5]”. O gerente da Petrobras também ressalta a importância da confiança dos parceiros, a qual perpassa por estes relacionamentos pessoais que, historicamente, são construídos ao longo do desenvolvimento dos projetos e de resultados positivos, possibilitando a criação de uma linguagem intermediária entre a Universidade e empresa. Nesse ponto, Suzigan, Albuquerque e Cairo (2011) destacam o processo historico na construção das interações, o qual está vinculado ao investimento e maturação em vários elementos, dentre eles, a consolidação da interação, gerando relações de confiança e propiciando um feedback positivo entre as partes.

Embora reconheçam a relevância do apoio institucional na interação U-E e os avanços conquistados através do estabelecimento de um termo de cooperação padrão celebrado entre as Universidades e a Petrobras em âmbito nacional, os pesquisa-dores ressaltaram ameaças neste processo, como ausência de apoio administrativo nos projetos, despreparo do pesquisador para gerenciar o projeto e burocracia. No caso da empresa, a ameaça de interação está relacionada à burocracia e excessos de auditorias relacionadas aos orgãos de controle do governo e à agência reguladora, o que atrapalha o processo de interação e o desenvolvimento da pesquisa, conforme segue: “Há um excesso de burocracia que atrasa os projetos de interação, parece algo institucionalizado [E9]”.

A burocracia, expressa através de procedimentos e regras, gera hábitos de comportamento, que se manifestam na interação U-E. Esta constitui como algo

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enraizado, influenciando rota de desenvolvimento constituída ao longo dos anos. Nessa perspectiva, a institucionalização da interação UFSC e Petrobras possibilitou definição clara de quais são os caminhos a serem seguidos, requerimentos a serem atendidos, prazos contratuais entre outros procedimentos, conduzindo os pesqui-sadores a um comportamento coletivo, que seja institucionalizado e não prescinda apenas de relações pessoais. Nesse sentido, as instituições são vistas como agentes de mudança e são essenciais na criação de um contexto adequado para o avanço tecnologico e à continuidade do crescimento econômico (CASTELLI; CONCEI-ÇÃO, 2014).

FIGURA 1Hábitos da interação UFSC e Petrobras, 2016

Fonte: Adaptado de Azevedo (2016).

A identificação dos hábitos da interação UFSC e Petrobras, exposta na Figura 1, compõe parte da dinâmica institucional em estudo. Os principais hábitos desta parceria citados pelos coordenadores da UFSC correlacionam-se à importância do relacionamento pessoal e confiança dos pesquisadores da UFSC e colaboradores da Petrobras; interesse da empresa pelo tema pesquisado; linguagem utilizada en-tre empresa e Universidade; empenho do pesquisador; e ameaça para a interação (burocracia). Para os gerentes da Petrobras, os principais hábitos são a busca por pesquisadores de referência no tema de interesse da empresa, os quais apresentam

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especialidades alinhadas às suas áreas estratégicas; busca pelos programas de pos--graduação ligados aos pesquisadores que fazem parte dos projetos de P&D; presença de relacionamentos pessoais, baseados na confiança mútua; e ameaça à interação pelo excesso de burocracia dos orgãos de controle.

5.2 Instituições

As instituições são essenciais para o crescimento econômico e para o processo ino-vativo, pois formam os meios de armazenamento e comunicação de informações; assim como, constituem meios que dão suporte a padrões de interação particulares, caracterizam-se como as “regras do jogo” e padrão de comportamento socialmente acordado (CASTELLI; CONCEIÇÃO, 2014). A importância das instituições pode ser observada na expressão dos pesquisadores e diretoria da UFSC, os quais desta-cam a necessidade da institucionalização das parcerias e a relevância da instituição neste processo, tanto em virtude dos ganhos, como para resolução de problemas. “Existem algumas falhas no sistema, mas a logica é necessária, qualquer parceria precisa ser institucionalizada [E7]”. Para os gerentes da Petrobras a institucionali-zação da interação U-E é essencial: “Embora exista burocracia, creio que a logica que envolve a institucionalização da interação é necessária, e aos poucos pode ser aperfeiçoada [E9]”.

Nessa linha, a instituição contribui para reduzir a incerteza, fato este que a configura como essencial. No entanto, tal característica não garante sua eficiência, o que gera o conflito (NORTH, 1990). Em relação aos conflitos, cabe pontuar o contexto em que ocorrem as interações U-E, as recentes modificações da regulação nas Universidades, na Petrobras e na ANP, bem como os proprios desafios inerentes ao processo de interação, que culminam numa adaptação dentro das instituições em virtude das novas regras. Para North (1991), as instituições podem assumir a perspectiva de restrições informais (convenções, codigos de conduta, tabus, costumes, tradições, sanções) ou regras formais (leis, constituições e direitos de propriedade), e no presente estudo pode-se observar a presença destas restrições.

As restrições informais são decorrentes da informação socialmente transmitida e representam parte da herança cultural obtida e resultam de costumes, tradições ou codigos de conduta e são mais resistentes e difíceis de serem alteradas (NORTH, 1990). Sob esta perspectiva, encontram-se presentes manifestações que retratam as-pectos culturais contrários à interação U-E: “Há setores na Universidade que julgam que ela não deveria ter parceria, e isso culmina com dificuldades na execução de

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projeto” [E2]. Conforme depoimentos, há uma herança cultural na Universidade, por parte de alguns pesquisadores, de receio, hesitação e de intolerância à interação U-E, embora o movimento de parcerias tenha crescido na relação com a Petrobras nos últimos anos.

No tocante às regras formais, destacam-se vários regramentos. No âmbito da UFSC, encontra-se a Resolução Normativa n°  47/CUN/2014,  de 16 de dezem-bro de 2014, que dispõe de regras para as atividades de pesquisa e define padrões a serem seguidos nos projetos. Outro regramento importante refere-se ao termo de cooperação entre a Petrobras e a Universidade, que foi elaborado em 2008 e define os principais aspectos desta interação. Em âmbito geral, cita-se a Lei n°8.666, a qual institui normas para licitações e contratos da Administração Pública com impacto no desenvolvimento de projetos em parceria. Em contexto setorial, a Resolução da ANP 33/2005, que impôs a condição de concessão de exploração de petroleo à obrigação de as empresas vinculadas ao setor Petroleo e Gás investirem 1% da receita bruta anual de exploração em atividades de P&D, o que afeta a Petrobras e, por consequência, a Universidade, que recebe recursos em virtude desta legislação.

Outros marcos relevantes na política de ciência e tecnologia (C&T) do Brasil afetam esta relação, como a Lei da Inovação e a Lei do Bem. A Lei da Inovação estabelece medidas que incentivam a inovação e a pesquisa científica e tecnologica no âmbito do ambiente produtivo, a fim de atingir a autonomia tecnologica e o desenvolvimento do sistema produtivo regional e nacional. A Lei do Bem, além de instituir o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Ser-viços de Tecnologia da Informação – Repes, dentre outros, dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnologica.

Para os gerentes, estas medidas criam uma cultura de fomento à inovação, como segue: “As políticas, secretarias e estratégias são importantes, pois criam uma cultura de incentivo ao apoio à P&D e inovação. A Lei da Inovação e Lei do Bem foram mais um marco em relação à C&T no país. Estas leis incentivaram, através de benefícios, maiores processos de interação U-E [E8]”. A partir da aprovação destas leis, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) deu início à modalidade de Subvenção Econômica, o que propiciou o estímulo à inovação e parcerias entre universidades e empresas. Este quadro aponta que arranjos monetário-financeiros, através da Lei do Bem e Lei da Inovação, além da Resolução da ANP 33/2005, viabilizam financiamento para P&D e em extensão para a interação U-E.

Há também os orgãos de controle, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), os quais fiscalizam a aplicação dos recursos

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utilizados na pesquisa. Parte desta fiscalização vincula-se ao que está definido pela Lei No 8.666, citada anteriormente. As regras formais integram a complexidade das sociedades e têm a capacidade de complementar e aumentar a eficácia das restrições informais e permitir que estas sofram alterações, rescisões ou sejam substituídas (NORTH, 1990, 1991).

Quanto à Resolução ANP 33/2005, tanto os pesquisadores como os gerentes da Petrobras reconhecem a importância desta legislação para quem realiza pesquisa na área de Petroleo e Gás no Brasil, como relatado: “Para todas as Universidades com professores e pesquisadores atuantes na área de petroleo e gás, a Resolução da ANP foi um evento importantíssimo nos cenários das Universidades no país [E2]”. Os pesquisadores e diretoria da UFSC destacam, ainda, a importância da implantação do termo de cooperação estabelecido em 2008, modificando as regras anteriormente presentes nesta parceria. As regras estão em constante mutação, dão forma às instituições e estão relacionadas ao aprendizado contínuo. Sob enfoque institucionalista-evolucionário, o processo de aprendizado é path-dependent, enraizado e cumulativo e caracteriza-se como um processo dinâmico e evolutivo (EDQUIST, 2004).

Segundo os gerentes, a formulação do termo de cooperação permitiu nortear o processo e as parcerias firmadas para realização de P&D, como elucidado a seguir: “O estabelecimento do termo de cooperação foi importante e resultado destes anos de interação, pois ficaram claras as regras relativas ao uso dos recursos, propriedade intelectual (PI) e desenvolvimento do projeto, esclarecendo os procedimentos relativos ao processo de interação [E8].” A criação do termo de cooperação é considerada pela UFSC e Petrobras como um avanço na institucionalização desta interação, pois significa maior facilidade no processo de negociação e um padrão de regramento a ser seguido e cumprido.

Os principais aspectos relativos à categoria de instituições da análise da interação UFSC e Petrobras encontram-se na Figura 2. Assim, houve empenho da UFSC e Petrobras na direção da institucionalização da interação, a qual, aliada à perspec-tiva historica que caracteriza este fenômeno, deu origem ao termo de cooperação em 2008, uma regra formal desta parceria considerada referência na realização de P&D na interação U-E. Destacam-se ainda a Resolução 33 da ANP, o termo de cooperação e a Lei 8.666. A UFSC cita, ainda, a Resolução de pesquisa interna e a Petrobras ressalta a Lei do Bem e a Lei da Inovação. Nas restrições informais, os coordenadores da UFSC enfatizaram os aspectos culturais, os quais atrasam. em alguns casos, a aprovação dos projetos em parceria nos foruns internos.

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FIGURA 2Instituições na interação UFSC e Petrobras, 2016

Fonte: Adaptado de Azevedo (2016).

5.3 Tecnologias físicas

A efetividade das atividades econômicas e o crescimento econômico correlacionam--se às tecnologias física e social. Inicialmente, as tecnologias físicas estão ligadas a procedimentos a serem realizados, os quais são normalmente dependentes de insumos e equipamentos (NELSON, 2008). No tocante à interação em estudo, os grupos de pesquisa da UFSC que interagem com a Petrobras são dotados de infraestrutura, especialmente em termos de laboratorios e equipamentos. A parceria possibilitou esta estruturação e contribuiu para que os projetos entre UFSC e Petrobras se con-solidassem ao longo desta trajetoria.

A empresa criou toda uma infraestrutura para que os laboratorios dos grupos de pesquisa pudessem funcionar da melhor maneira possível e possibilitassem que vários projetos fossem realizados, pensando no futuro em longo prazo, desde a construção de prédios até aquisição de equipamentos de ponta e, principalmente, a manutenção de toda esta infraestrutura, visto que a Universidade não tem como mantê-la sozinha, em virtude do alto custo. A infraestrutura física permite que as instalações sejam compartilhadas, promovendo ambiente de trabalho colaborativo e realização de pesquisa conjunta, consultorias e reuniões.

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Destaca-se, também, a possibilidade de realização de pesquisa situada na fron-teira tecnologica. Segundo relato dos pesquisadores, sem a parceria com a Petrobras, este tipo de pesquisa poderia não mais acontecer dentro da Universidade, conforme segue: “se nos tirarmos da Universidade os recursos que vem destes projetos, prin-cipalmente os da Petrobras, a Universidade não terá mais pesquisa no termo do que seja pesquisa de ponta [E2]”. Embora os pesquisadores tenham a expertise na área de pesquisa, as tecnologias físicas são essenciais para que esta ocorra, e isto tem sido propiciado pela Petrobras, não so para pesquisas relacionadas à empresa, como para realização de outras pesquisas na Universidade, pois a infraestrutura montada torna-se disponível a qualquer pesquisa.

Os gerentes da empresa confirmam este investimento da Petrobras nas Univer-sidades em termos de infraestrutura para realização de P&D: “Nos primeiros anos apos a regulamentação da cláusula de investimentos em P&D da ANP em 2005, houve também um forte investimento nosso na criação de infraestrutura laboratorial de classe mundial na UFSC e em outras Universidades parceiras, capaz de atender a demanda de projetos de P&D [E9].”

Conforme os gerentes da Petrobras, quando houve a regulamentação das ativi-dades de P&D pela ANP, não havia na época laboratorios e equipamentos, nem em quantidade e nem na qualidade requerida para os projetos. Assim, a Petrobras adotou duas estratégias: a criação da rede temática e o investimento em infraestrutura nas Universidades parceiras. Os laboratorios são utilizados para realização de diversos projetos com a Petrobras, com os demais participantes da rede temática e até mesmo em projetos com outras empresas. Dentre os projetos realizados, destacam-se: estudo de geofísica aplicada, gerenciamento e simulação de reservatorios, engenharia de poços, revitalização de campos maduros, modelagem e escoamento multifásico em tubulações, centro de tecnologias em dutos, conservação e recuperação de ecossis-temas e remediação de áreas impactadas (PETROBRAS, 2018).

5.4 Tecnologias sociais

As tecnologias sociais dizem respeito a mecanismos de coordenação, rotinas, padrões de organização da produção e divisão do trabalho. Estas são moldadas pelas instituições (NELSON, 2008). Segundo Nelson e Nelson (2002), a amplitude das tecnologias sociais engloba comportamentos ligados a diversas maneiras de organização da ativi-dade e propicia uma compreensão das instituições mais abrangente, como maneiras

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eficazes de desenvolver as atividades, no momento em que a cooperação humana é essencial. A partir disso, a intenção na pesquisa em relação às tecnologias sociais foi compreender como ocorre a organização da empresa, quanto ao estabelecimento da interação com a Universidade e a continuidade desta, incluindo o processo de comunicação durante a realização do projeto e a organização dos grupos de pesquisa para o desenvolvimento dos projetos de P&D.

No que tange aos instrumentos utilizados para formalização da interação UFSC e Petrobras, surgiu como principal o termo de cooperação, mas também foram citados o contrato e prestação de serviço. Nos relatos ficou evidente a par-ticipação das fundações Feesc e Fapeu, ligadas à Universidade, no gerenciamento destes instrumentos. A compreensão foi diversificada pelos pesquisadores, alguns evidenciaram clareza em relação ao instrumento adotado no passado e no presente; enquanto outros apontaram pouca proximidade com o assunto, embora tenham interação há muitos anos.

Antes, as interações da UFSC e Petrobras ocorriam via contrato ou prestação de serviço e, a partir de 2008, passou a ser adotado um termo de cooperação, o qual foi acordado entre a Petrobras e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O termo de cooperação constitui modelo para projetos de P&D, visto que contempla as necessidades da Universidade e da empresa, respeitando as questões de PI, as quais são compartilhadas, como elucidado na discussão de instituições e exposto na sequência: “A parceria UFSC e Petrobras ocorre por meio de um termo de cooperação estabelecido nacionalmente no ano de 2008. Este é um modelo para P&D [E7]”.

Este termo de cooperação surgiu a partir de um longo historico de interação das Universidades com a empresa e, em especial, da UFSC com a Petrobras. São cerca de trinta anos de interação e, ao longo deste tempo, a experiência de ambas mostrou que a utilização deste tipo de instrumento para formalização dos projetos de P&D seria mais efetivo do que os outros instrumentos como prestação de servi-ço, contrato e projetos de extensão. O instrumento de cooperação permite que as interações empresa e universidades brasileiras sejam realizadas, garantindo termos que beneficiam as duas partes, como relatado pelo gerente da empresa: “O termo de cooperação permitiu avanço na institucionalização da interação da empresa com a UFSC e Universidades, pois foi esclarecido para os envolvidos o que pode ser feito e como deve ser a realização desta interação envolvendo P&D [E9]”.

O termo tornou-se um modelo de cooperação em P&D, permitindo o avanço citado pelo gerente da empresa na institucionalização da interação UFSC e Petrobras.

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Com estas novas alterações, o processo de interação é institucionalizado e bastante articulado, no qual a empresa, Universidade, agência reguladora e fundações de apoio têm uma participação alinhada no processo. O novo cenário das interações é importante pois, conforme Metcalfe (2001), as instituições dão forma ao cresci-mento do conhecimento científico, tecnologico e social. Estas são entendidas como estruturas e forças que moldam e sustentam as tecnologias sociais (NELSON, 2008).

O historico de interações da Petrobras com as Universidades contribui para se ter, de forma mais organizada, a tramitação do projeto de P&D. O Sigitec, criado em 2011 pela Petrobras e de amplo conhecimento dos envolvidos nesta interação, envolve desde a inclusão de uma proposta de projeto até a entrega final de relatorios para empresa. Os gerentes da empresa e os pesquisadores da UFSC confirmam que a criação do Sigitec, uma governança de comitês tecnologicos, permite o acompa-nhamento das propostas e andamentos dos projetos. Propicia que os projetos de P&D realizados em interação com as Universidades sejam idealizados e criados a partir das estratégias de negocio da empresa, presentes no planejamento estratégico e nos planos de negocio e gestão. Possibilita que os grupos realizem o planejamento, acompanhamento e controle do desenvolvimento do projeto, bem como reuniões dentro do grupo e com a empresa e preparação de relatorios com resultados.

Além da preocupação da equipe alinhada às necessidades do projeto, as quais são expostas de maneira mais detalhada na sequência, cada projeto de pesquisa tem seus objetivos discutidos em conjunto pela UFSC e Petrobras, o que facilita tanto o seu planejamento como acompanhamento, realizado pelo grupo de pesquisa e pela empresa. De forma geral, conforme os pesquisadores, a divisão do trabalho nas equipes ocorre por especialidade, grau de conhecimento e titulação.

As equipes de pesquisadores são estabelecidas desde o princípio da forma-ção da parceria, podendo variar seus componentes de acordo com o projeto. Há situação em que “[...] a equipe tem em torno de 50 pessoas (professores, alunos, pesquisadores, técnicos, engenheiros) [E6]”. Mas, há equipes pequenas, ao redor de dez pessoas e com apenas um professor responsável pelo projeto. Ressalta-se que há pesquisadores que trabalham em mais de um projeto ao mesmo tempo, vertical e transversalmente. Nessa via, prezam-se por pesquisadores contratados e professores com experiência acumulada, que garantam o treinamento, as contínuas trocas de experiências, a capacitação dos membros da equipe e a continuidade do projeto.

Um ponto peculiar desta interação Petrobras e UFSC é a participação da empresa na equipe de trabalho, visto que há uma rotina de acompanhamento do projeto e realização de reuniões para o desenvolvimento de tecnologias, bem como

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uma participação efetiva da empresa no que tange aos caminhos a serem tomados pela pesquisa, os quais são discutidos em conjunto, como segue: “A empresa faz parte da equipe, porque é uma pesquisa aplicada, trabalhamos com isso. Nossos companheiros da Petrobras são participantes da equipe de trabalho [E4]”. Há acompanhamento da empresa por meio das reuniões periodicas para avaliar prazo estabelecido, procedimentos adotados, na superação de problemas, no alinhamento às demandas tecnologicas e na apreciação dos relatorios.

No tocante ao modelo de governança de P&D, conforme a Petrobras (2014), a empresa atua 100% alinhada à estratégia corporativa em todos os níveis. O Plano Estratégico, o qual contempla pesquisas acerca das tendências tecnologicas e de cenários futuros, é o princípio dos trabalhos e desdobra-se até o nível de projetos de P&D, em que é discutido e determinado em conjunto pelo Centro de Pesquisa e as áreas de negocio da empresa. Nesses termos, as tecnologias sociais são cruciais, pois quando são institucionalizadas criam condições para a evolução das tecnologias físicas, e a coevolução proporcionada é vital para a consolidação dos SNIs, visto que propiciam a compreensão de como a inovação promove o crescimento econômico em cada contexto e momento historico (NELSON, 2008; PEREIRA; DATHEIN, 2012).

A organização da empresa e dos grupos de pesquisa neste processo de interação tem aderência à ideia exposta por Conceição (2009), de que a associação da rotina com o conceito de tecnologia social ocorre principalmente em virtude de vincular--se ao envolvimento da habilidade humana em criar uma rota para o que deve ser realizado de maneira clara, fornecendo as razões para tal escolha. Sendo assim, percebe-se a atuação da empresa e dos grupos na criação de caminhos que facilitam o desenvolvimento dos projetos de P&D no processo de interação e, sobretudo, dos grupos no sentido de criar uma espécie de rota que garanta a continuidade dos projetos mesmo com a inserção de novos membros.

Em síntese, conforme a Figura 3, na otica dos coordenadores da UFSC e dos gerentes da Petrobras foram identificadas como tecnologias físicas a criação da infraestrutura e a formação de redes temáticas. Os coordenadores e gerentes ressal-taram a manutenção desta infraestrutura como aspecto crucial para continuidade do desenvolvimento de tecnologias de fronteira. No âmbito das tecnologias sociais, os coordenadores da UFSC apontaram como rotinas do grupo de pesquisa a forma que a equipe é composta, a realização de reuniões periodicas, o desenvolvimento de projetos concomitantes e a utilização do Sigitec. Em relação à divisão do trabalho no laboratorio, os coordenadores apontaram a realização da divisão por especialidade,

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grau de conhecimento e titulação. Por sua vez, os gerentes da Petrobras citaram como organização da empresa em relação à pesquisa que será realizada, o acompanhamento e controle do projeto, as reuniões do laboratorio, o sistema de gerenciamento e a realização de P&D aliada a estratégias de negocio da empresa.

FIGURA 3Tecnologias físicas e sociais na interação UFSC e Petrobras, 2016

Fonte: Adaptado de Azevedo (2016).

6. Conclusão

A interação U-E é cercada de uma dinâmica institucional que revela a existência de hábitos, instituições, tecnologias físicas e sociais referentes a esta parceria. Os “hábitos”, como exposto por Hodgson (2010), decorrem de ações, pensamentos e comportamentos que se repetem levando a um padrão de desempenho que se traduz num aprendizado mais rápido, mesmo com circunstâncias novas. Na parceria UFSC e Petrobras, os hábitos evidenciados foram a relevância do relacionamento pessoal, que de fato prevalece em decisões desta interação U-E, considerando a ausência de edital da empresa para a realização de P&D e a constante busca por pesquisadores de referência e de especialistas que se alinham aos estudos necessários para o en-frentamento dos desafios tecnologicos da Petrobras.

O conjunto de hábitos origina as “instituições” e são os procedimentos habituais que propiciam poder e autoridade normativa estável. Na medida em que reproduzem

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os hábitos, as instituições geram mecanismos de aceitação normativa. Neste curso, criaram condições para a institucionalização da interação U-E expressa em processo historico de construção de parceria e no estabelecimento de procedimentos e regras interativas UFSC e Petrobras. A interação firmada resultou em direcionamento das pesquisas – objetivos, equipe e resultados – reduzindo as incertezas que marcam o processo inovativo. Esta trajetoria historica construída permitiu que a parceria firmada fosse institucionalizada por meio de regulamentações de P&D da UFSC e da ANP, de regras formais que regem as parcerias no Setor de Petroleo e Gás e termo do acordo de cooperação que regulamenta a realização de P&D.

O aprofundamento da análise da dinâmica institucional perpassa pela compre-ensão dos conceitos de tecnologia física e de tecnologia social, propostos por Nelson (2006, 2008). Dentre as “tecnologias físicas”, citam-se a criação e a manutenção de infraestrutura (prédio, mobília, laboratorio, equipamentos, computadores, projetos, entre outros), que consolidaram o processo de interação com a UFSC que garantem a realização de pesquisas por longo prazo. Destacam-se ainda as redes temáticas, as quais são desenvolvidos de forma colaborativa entre as instituições reconhecidamente competentes nos temas selecionados, o que favorece o desenvolvimento tecnologico decorrente de novos projetos.

Quanto às “tecnologias sociais” que se expressam pela maneira de organizar e realizar, de forma cooperativa, pesquisa de interesse para o desenvolvimento, observa-se que grupos de pesquisadores da UFSC formam equipes, definem rotinas, atuam vertical e transversalmente e apresentam resultados que são acompanhados pelos representantes da Petrobras. Tais procedimentos possibilitam desenvolver habilidades e criar rotinas competentes dos procedimentos e com isso avançar em busca de novos produtos e processos.

A trajetoria historica perseguida de interação resultou na criação do Sigitec, um sistema de acompanhamento de coordenação de projetos de pesquisa, considerado uma tecnologia social, que permite que a empresa crie uma memoria organizacio-nal em termos de desenvolvimento de tecnologia. Este sistema, como a propria divisão dos grupos de pesquisa da Universidade e dos integrantes dos laboratorios do Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes), permite que a tecnologia se desenvolva de maneira célere, pois cada especialista está direcionado para sua atividade em específico, em virtude das constantes reuniões conjuntas.

Destaca-se, ainda, como tecnologia social o termo de cooperação de P&D, o qual foi resultado não so da parceria com a UFSC, mas também com outras

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universidades. Este foi elaborado a partir de um amplo debate entre os reitores das universidades brasileiras e representantes da empresa, que reconhecendo a relevân-cia destes atores na geração de novas tecnologias e no desenvolvimento nacional, acordaram um termo que é considerado por especialistas como uma referência para realização de P&D proveniente da interação U-E.

Diante do exposto, considera-se que o arcabouço institucionalista, em interação com o evolucionário, constitui importante caminho para estudo de interação U-E para a inovação. A exemplo da abordagem evolucionária, a perspectiva institucio-nalista considera o processo de mudança da realidade econômica e social de forma cumulativa; a tecnologia constitui força motriz da transformação; as investigações ocorrem sob condições proprias e historicas específicas; e no ambiente que atua existem disputas, antagonismos, conflitos, incerteza e escolhas. Nessa linha, o estu-do da interação UFSC e Petrobras demonstrou como a parceria firmada evoluiu e foi se aperfeiçoando no tempo, permitindo condições de melhoria na competência acadêmica e na obtenção de inovações relevantes para a empresa.

Assim, reafirma-se a concepção de Nelson e Nelson (2002) de que as aborda-gens evolucionária e institucionalista possuem categorias que conversam, comun-gam e interagem entre si, não sendo epistemologicamente conflitantes. A junção de aspectos das abordagens institucional e evolucionária constitui fato importante, principalmente, no entendimento da inovação, uma vez que apresentam pressupostos comuns e complementares. Nesse sentido, Nelson e Nelson (2002, p. 267) afirmam: “As noted, increasingly evolutionary economists are coming to see ‘institutions’ as molding the technologies used by a society and technological change itself ”.

Referências

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Paola Azevedo, Silvio Antônio Ferraz Cario

26 ATRev. Bras. Inov., Campinas (SP), 20, e021008, p. 1-26, 2021Rev. Bras. Inov., Campinas (SP), 20, e021008, p. 1-26, 2021

Contribuição dos autores

A. Fundamentação teórico-conceitual e problematização: Paola Azevedo e Silvio Antônio Ferraz Cario

B. Pesquisa de dados e análise estatística: Paola Azevedo e Silvio Antônio Ferraz Cario

C. Elaboração de figuras e tabelas: Paola Azevedo e Silvio Antônio Ferraz Cario

D. Elaboração e redação do texto: Paola Azevedo e Silvio Antônio Ferraz Cario

E. Seleção das referências bibliográficas: Paola Azevedo e Silvio Antônio Ferraz Cario

Conflito de interesse: os autores declaram não haver conflito de interesse

Fonte de financiamento: os autores declararam não haver fonte de financiamento

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