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A Disciplina na Igreja, uma abordagem sobre a Disciplina Eclesiástica. Por André Vargas. Uma das descrições sobre a igreja no NT é que os “filhos de Deus” (Jo 1.12; 1 Jo 3.1; Rm 8.16; Gl 3.26) formam a “família de Deus”. E bem sabemos que filhos de Deus muitas vezes agem como filhos de Adão e até mesmo como filhos do Diabo (Jo 8.44; 1 Jo 3.10; Gl 5.15). Na igreja há “crianças em Cristo”, de acordo apóstolo Paulo, caracterizando-os como sem maturidade (1 Co 3.1-3) a tal ponto de manifestarem-se com sinais de carnalidade como que sem filiação divina, embora tenham sidos “enriquecidos” pelo Senhor (1 Co 1.5- 8). O Senhor nos ensina que como cristãos e filho de Deus temos de nos disciplinar a nós mesmos (1 Co 9. 24-27). O próprio Senhor disciplina seus Filhos (Hb 12.6-13) e, como igreja, temos uma ordem bíblica: “Tudo deve ser feito com decência e ordem” (1 Co 14.40). Vejamos a seguir quais os termos bíblicos à disciplina de acordo o NT e suas implicações. A Disciplina no NT e suas implicações A palavra disciplina em sua idéia original tem a ver com o “discípulado”. Quando alguém seguia um mestre e convictos de sua veracidade deixavam-se ser moldados em seus pensamentos e ações tornando-se um “discípulo” [mathetés]. Em Atos, os cristãos eram conhecidos como “discípulos” (At 6.1, 7), não alunos numa escola formal, mas como fiéis seguidores que desejavam conhecer e praticar o que Jesus ensinou em vida e seus ensinos através do ensino apostólico (Ef 2.20). Neste sentido a base é a ordem do Senhor, registrado por Mateus 28.19,20: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a

A Disciplina Na Igreja (Uma Abordagem Sobre a Disciplina Eclesiastica)

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A Disciplina na Igreja, uma abordagem sobre a Disciplina Eclesiástica.

Por André Vargas.

Uma das descrições sobre a igreja no NT é que os “filhos de Deus” (Jo 1.12; 1 Jo 3.1; Rm 8.16; Gl 3.26) formam a “família de Deus”. E bem sabemos que filhos de Deus muitas vezes agem como filhos de Adão e até mesmo como filhos do Diabo (Jo 8.44; 1 Jo 3.10; Gl 5.15). Na igreja há “crianças em Cristo”, de acordo apóstolo Paulo, caracterizando-os como sem maturidade (1 Co 3.1-3) a tal ponto de manifestarem-se com sinais de carnalidade como que sem filiação divina, embora tenham sidos “enriquecidos” pelo Senhor (1 Co 1.5-8).

O Senhor nos ensina que como cristãos e filho de Deus temos de nos disciplinar a nós mesmos (1 Co 9. 24-27). O próprio Senhor disciplina seus Filhos (Hb 12.6-13) e, como igreja, temos uma ordem bíblica: “Tudo deve ser feito com decência e ordem” (1 Co 14.40). Vejamos a seguir quais os termos bíblicos à disciplina de acordo o NT e suas implicações.

A Disciplina no NT e suas implicações

A palavra disciplina em sua idéia original tem a ver com o “discípulado”. Quando alguém seguia um mestre e convictos de sua veracidade deixavam-se ser moldados em seus pensamentos e ações tornando-se um “discípulo” [mathetés].

Em Atos, os cristãos eram conhecidos como “discípulos” (At 6.1, 7), não alunos numa escola formal, mas como fiéis seguidores que desejavam conhecer e praticar o que Jesus ensinou em vida e seus ensinos através do ensino apostólico (Ef 2.20).

Neste sentido a base é a ordem do Senhor, registrado por Mateus 28.19,20: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.”

Entendamos assim a ordem do Senhor, para “fazer discípulo” [mathetéusate] deve ter um “mestre” [didáskalos] que o formará através do “ensino” [didaskalía]. O que aprender? “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13.14) e “tudo” o que o Senhor Jesus “ordenou”.

Portanto, a disciplina revela a relação de um “discípulo” seguindo um “mestre” com o profundo desejo de imitá-lo (1 Co 11.1; Fl 3.12-14);

O ensino [disdakalía], a “doutrina” [didaké, “ensino”, “instrução”], é a base do discipulado (Mt 28.19, 20; At 2.42). E, o ensino era o ofício mais importante (At 6.2b).

A exortação [paraklesis]. Neste tema reside uma das questões da importância da pessoa ser salva e membro da igreja, a exortação. Percebamos, o Espírito Santo foi designado por Jesus para ser o “Encorajador, Consolador, Advogado, Exortador”, o Parakletos, a Sua presença nos discípulos, pois Ele habita no salvo (Jo 14.16-18). O Espírito Santo é

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o nosso “Mestre” que nos “ensinará todas as coisas” e “fará lembrar de tudo o que Jesus ensinou” (Jo 14.26); Ele nos conduz a “toda a verdade” (Jo 16.13) e à glorificação de Jesus (Jo 16.14).

A Palavra de Deus é categórica, quem não tem o Espírito Santo não é salvo (Rom 8.9; Ef 1.1.13,14) e “não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois lhe são absurdas” (1 Co 12.14) e não desejará andar na santificação bem como na obediência (1 Pe 1.2). Por isso, pouco se pode fazer por um não salvo (1 Co 2.12-14), pois a disciplina é aos santos que são membros da igreja local (1 Co 1.2 [de fato, o cristão convertido vai ao batismo e se torna membro da igreja (At 2.41) e, mais ainda, deseja andar no ensino e na comunhão (At 2.42)]. É neste sentido que Hebreus orienta aos salvos e membros da igreja: “não abandonemos a prática de nos reunir, como é costume de alguns, mas pelo contrário, animemo-nos [gr. parakalountes, “exortando”] uns aos outros, quanto mais vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25).

É neste contexto de Hebreus que percebemos mais um vocábulo cognato ao discipulado cristão, a educação [paideuo- ensino dada a uma criança pelos pais ajudando-lhe a crescer, a ter autonomia]. Por exemplo, em Hebreus 12.4-11, esse termo e outros da mesma raiz, foi usado oito vezes somente neste parágrafo. Vejamos:

O Pai espiritual disciplina (12.7 – 10b, 11) seus filhos (12.5). A tradução do verbo grego “disciplina” (12. 6, 7) e “disciplinar” (12.9, 10) compara o tratamento que Deus dispensa aos salvos com o do pai humano que “educa” seu filho. Filhos que crescem “sem disciplina” concluem que o pai não os ama e que não são filhos legítimos (12.8) e o alvo da educação é tornar o filho obediente ao Pai (12.9). Esta “educação divina” nos torna participantes da santidade de Deus (12.10) e naturalmente, por mais que o filho não fique contente, por esta educação produzirão bons frutos (12.11).

Qual deve ser a atitude de um filho que passa pelo processo educativo de Deus? “Filho meu, não desprezes a disciplina [paideías] do Senhor, nem fiques desanimado quando por ele és repreendido” (Hb 12.5).

Isaías profetizou: “Todos os seus filhos serão ensinados pelo SENHOR” (Is 54.13). Neste sentido o Apóstolo Paulo relembrou a Timóteo que a Palavra de Deus é útil para educar [paideian] na justiça (2 Tm 3.16).

Percebemos também no NT outra face da disciplina, admoestação ou advertência [noutheteo- "corrigir através de instrução e de advertência."]. O único a usar o termo “admoestar” (noutheto, no substantivo e verbo) em todo NT foi o apóstolo Paulo. Por exemplo: “Não escrevo essas coisas para vos envergonhar, mas para vos advertir [noutheto], como a meus filhos amados” (1 Co 4.14). Na instrução familiar recomendando aos pais que não provocassem a ira a seus filhos, mas que os criem “na disciplina [paideia] e instrução [nouthesia] do Senhor” (Ef 6.4); Não aplicando apenas a disciplina da “vara” , como também a advertência [nouthesia] quanto às consequências dos atos e decisões. A admoestação é uma forma de disciplina, pois todo pai deseja conduzir seus filho à maturidade (cf. Cl 1.28 – “maduro”, “completo”,

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“perfeito” [teleion]. Por isto os irmãos colossenses receberam a orientação de se aconselharem [nouthentountes] mutuamente (Cl 3.16).

Outro aspecto da disciplina na igreja é a correção [orthos, “reto” e epanorthosin, “correção”]. Encontra-se no texto base sobre a inspiração e utilidade das Escrituras na vida de um cristão (2 Tm 3.15, 16); A Palavra de Deus é “útil” para “corrigir” para “que o homem de Deus seja perfeito” [artios, “perfeito”, “correto”, “aquele que satisfaz os requisitos”; Da mesma raiz de katartismon, “aperfeiçoamento” em Efésio 4.12- neste sentido de correção como “colocar um osso no lugar” ou “colocar algo em ordem”]. Esta Palavra capacita a “cortar um caminho reto” [ortho-tomounta, “conduzir em linha reta”, assevera a idéia de não “desviar” (2 Tm 2.15)].

E, prosseguindo a mais um passo à disciplina eclesiática, a repreensão [elegxin; elenchos – “expor à luz”, “convencer” e em alguns aspectos uma ação que evidencia “punição”]. Este conceito fica claro em Mateus 18.15: “Se o teu irmão pecar contra ti, vai a sós com ele e repreende-o [elenxon]”. Paulo apresenta o poder [que foi “inspirada” [theopneustos, “sopro de Deus”] da Palavra de Deus “como proveitosa (...) para repreender [elegmós – “demonstração (de culpa\erro); expor com a intenção de corrigir”]...” (2 Tm 3.16).

A igreja de Cristo e todo cristão deve saber que Deus repreende [elegxo] e disciplina [paideuo] a todos que ele ama porque essa ação promove arrependimento enquanto tem chance (Hb 9.27) – “Eu repreendo (“trazer à publico”, “provar a culpa”,”punir”,”censurar”) e disciplino (“educar”) a quantos amo; Sê, pois, zeloso e arrepende-te.” (Ap 3.19 - RA)

A Dimâmica da Disciplina Eclesiástica

De acordo Dr. Russel Shedd (2013, p.23) logo nos primeiros dias da igreja em Jerusalém, Lucas registra dois tipos de disciplinas que podem ser definidas para melhor compreensão como: disciplina positiva e negativa. A positiva: “E eles perseveravam no ensino dos apóstolos (cf. Mt 28.19, 20), e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada um havia temor, e muitos sinais e feitos extraordinários eram realizados pelos apóstolos...” (At 2.42-47). Porém, nem tudo estava tão ajustado assim entre os discípulos, há em Atos capítulo 5 há ocorrência de uma disciplina negativa, a morte, consequência da mentira (cf. Jo 8.44), de Ananias e Safira.

Perceba-se a centralidade do ensino à primitiva igreja, em que a base vital à disciplina positiva é o ensino; E a base disciplinar negativa é o que foi ensinado.

Pr. Ebenézer Ferreira (1982, p. 33) apresenta a dinâmica da disciplina na igreja em três situações:

1- A Disciplina Formativa- É a ação de proporcionar aos irmãos membros da igreja todo o apoio, informação e formação bíblica, cuidado, atenção em amor de maneira formal e informal. Esta disciplina tem a finalidade de formar o caráter e a consciência cristã dos salvos. Ela ocorre através das pregações, ensinos bíblicos, discipulado,

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evangelização, pequenos grupos, Escola Dominical, cultos, uniões, acampamentos, retiros, campeonatos, musicais, etc.

2- A Disciplina Corretiva- Esta disciplina se dá quando há uma falha, um erro, o pecado. Jesus assim ensina: “Se teu irmão pecar (contra ti), vai argui-lo [elegkson, trazer à luz do dia, expor, repreender, provar algo a alguém]...” (Mt18.15) ou mesmo o Apóstolo Paulo expõe esta obrigação: “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o [katartizete- “corrigir”, “restaurar”, verbo usado no contexto médico, um ato cirúrgico, de colocar um osso ou uma junta em posição correta]...” (Gl 6.1).

3- A Disciplina Cirúrgica- É a última ação de uma disciplina, dá-se quando o membro é desligado do rol, da comunidade. É como “amputar” um membro do corpo, antes que prejudique os demais membros do próprio corpo, porque põe em perigo a saúde espiritual do corpo tornando-se escândalo e ofensa pública à moral, sobretudo, à Palavra de Deus. O mau testemunho: provoca escândalo (Rm 14.15; 2 Co 6.3), exerce má influência (Rm 14.15), impede o crescimento da obra (At 28.31) e forma juízo geral sobre demais irmãos (1 Co 6.8). Aplicando a disciplina, a igreja demonstra que ama o pecado e não pactua com o pecado.

O PROPÓSITO DA DISCIPLINA CRISTÃ

Relembremos que “discipular” é um convite à submissão ao senhorio de Jesus Cristo numa comunidade de discípulos, e a “disciplina” refere-se ao processo de ajudar-nos mutuamente a continuarmos submetidos ou retornarmos a este senhorio.

1- A restauração e reconciliação daquele que está se desviando- A disciplina deseja que o irmão retorne a uma conduta correta. Esta é a intenção a qual Deus disciplina a seus filhos (Hb 12.6; Ap 3.19). Em Mateus 18.15 evidencia que o alvo ao corrigir é a reconciliação: “(...) ganhaste [ekérdesas, “recuperaste”] a teu irmão...”. Paulo lembra-nos que devemos “restaurar\restabelecer” o irmão (ou irmã...) pecador “(...) com espírito de brandura [prautes, “mansos”, “bondosos”]...” (Gl 6.1; cf. 2Ts 3.15). A Palavra de Deus em Tiago incentiva-nos a “converter o pecador de seu caminho errado” (Tg 5.20).

2- Impedir que o pecado contamine a outros- Infelizmente pela obstinação e escravidão do pecador sem arrependimento de suas ações, a disciplina “cirúrgica” é necessária, pois o pecado “contamina”: “Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem” (Hb 12.15). Paulo afirma que “um pouco de fermento faz levedar toda a massa”; Orientou a Timóteo a repreender líderes que persistirem no pecado na presença de todos “para que também os demais temam” (1 Tm 5.20).

3- Preservar a pureza da igreja e a honra de Cristo- A Palavra de Deus orienta ao salvo a não permanecer no pecado (Rm 6.1,2; 1 Jo 5.17), mas quando permanece

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desonrará a Cristo, seduzirá a outros irmãos, é sobretudo, um mau testemunho diante aos descrentes (Rm 2.24; cf. Ap 2.20).

O teólogo Strong (2013, p. 1623) apresenta dois tipos disciplinas na igreja, elas são efetivadas de acordo as ofensas, que podem ser particulares ou públicas.

A ofensa particular\privada, deve ser tratada de acordo a regra de Mateus 5.23, 24 e 18.15-18, nestes textos encontra-se uma disciplina em particular, de um para com o outro, e depois apenas como último recurso, a disciplina da igreja.

A ofensa pública, deve ser tratada de acordo regra de 1 Coríntios 5.3-5, 13 e 2 Tessalonicenses, ou seja, exclusão imediata. Porém, há para aqueles que se arrependem um caminho de volta à igreja.

O CAMINHO (ESTRATÉGIA) A SER SEGUIDA À DISCIPLINA NA IGREJA

Frank Stagg (1985, p. 270) afirma que a instrução específica a ser seguida à disciplina na igreja está em Mateus 18.15-35, alertando que o cristão individualmente e a igreja de Cristo têm uma inescapável responsabilidade no assunto disciplinar e receber disciplina. “Lutero e Zwínglio consideravam este texto como a “regra de Cristo” a ser seguida como norma disciplinar na igreja” (DRIVER, 1994, p. 64). “Foi Jesus Cristo que previu a necessidade de um método para tratar o pecador na igreja” (SHEDD, 2013, p. 48). Aprecio a declaração de Schniewind:

“Este parágrafo ensina que cada discípulo é responsável pelo seu irmão, e que toda a igreja é responsável por todo o membro, e que cada membro responde perante a igreja” (SCHNIEWIND apud BROADMAN,1986, p. 231).

Ofensa Pública

Fora do contexto da igreja (“mau testemunho”\ “escândalo”

Ofensa Privada

Ofensa Pública

Porém, “privada” a um pequeno grupo da igreja

Ofensa Pública

Porém, “privada” apenas ao contexto da igreja

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“15- Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão;

16- Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada.

17- E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano.

18- Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu.” (Mateus 18)

O primeiro passo, o Senhor ensina a autodisciplina por parte do ofendido (Gl 6.1) em dirigir-se ao ofensor. Eis uma maneira espiritual de resolver um pecado entre irmãos, pois há uma boa chance de arrependimento (edificação\crescimento pessoal) e quanto menos pessoas estiverem envolvidas, menos desvios da igreja e de Jesus Cristo.

O segundo passo ensina que, se o encontro não trouxe uma solução satisfatória, leve uma ou duas pessoas e reprenda da mesma maneira. Jesus não ensina quais pessoas a serem chamadas, se são líderes ou pastores da igreja; O fato é que “com duas ou três testemunhas [martus]” já há uma conotação judicial nesta ação (Nm 35.30; Dt 17.6; 19.15; 2 Co 13.1; 1 Jo 5.7, 8).

O testemunho [martus] evidencia um princípio jurídico, citado várias vezes no Novo Testamento segundo a qual “pela declaração de duas ou três testemunhas se estabelecerá o fato” (Dt 19.15, citado em Mt 18.16; 2 Co 13.1; 1 Tm 5.19), o que afirma que “será executado o malfeitor pela declaração de duas ou três testemunhas (Dt 17.6; citado livremente em Hebreus 10.28” (SCHNEIDER, 2002, p. 182).

Finalmente, o terceiro passo é a ação em que deve o irmão dirigir-se à igreja [“dize-o à igreja”- ou “comunica o fato à igreja”- Entendamos “igreja” como ekklésia, uma “assembleia”, um grupo reunido], ou seja, “depois de serem esgotados todos os meios de solução, o último recurso deve ser colocar o assunto perante a igreja” (CONNER, 1981, p. 221). “Tanto o uso hebraico quanto o uso do Novo Testamento ekklésia sugerem mais do que uma unidade coletiva ou nacional; Antes, uma comunidade baseada numa idéia religiosa especial e estabelecida de um modo especial, ou seja, qualquer que seja o uso da palavra igreja no Novo Testamento, uma idéia está inerente, a saber, um povo segregado ou chamado dentre a massa para ser um grupo distinto em si mesmo” (CHAFER, 2013, p. 406). Neste contexto, Grudem (1999, p. 747) é enfático afirmando que em Mateus 18.18, Jesus declara explicitamente que a autoridade de exercer disciplina eclesiástica é dada à igreja, que sempre se reúne e como corpo leva a efeito tal disciplina. Ainda mais, Driver (1994, p.72) explicita que no Novo Testamento, o vocábulo igreja aparece nos lábios de Jesus somente duas vezes: Mt 16.18 e 18.17, e em ambos os textos trata-se da questão “ligar-desligar”. Ao ocorrer desligamento de um irmão, segundo Broadman (1986, p. 231), foi por que o irmão “recusou ouvir a igreja” e, ao recusar ouvir a igreja, na verdade ocorre uma “auto-exclusão”.

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A ação da igreja é extremamente séria, podemos dizer que neste momento é uma ação “celestial”, pois tal medida de acordo o ensino de Jesus lembra à igreja de Sua presença pessoal neste momento solene: “Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” (Mt 18.19, 20). Podemos assim entender que:

“O acordo de dois não é mágica que força Deus responder, mas implica em que eles se uniram como discípulos, o que envolve a apresentação de pedidos da espécie que o Mestre endossara”. Os judeus criam que a shekinah ou a presença divina repousava sobre os que se ocupavam do estudo da lei. É dada aos cristãos a segurança de que Cristo está presente com aqueles que se interessam diligentemente para entender a sua mente e vontade. (TASKER, 2011, p. 141).

Jesus promete estar presente nas reuniões da igreja de modo geral, mas em especial neste contexto específico – a disciplina eclesiástica – dá segurança que Ele está presente (“shekinah”) com a igreja reunida para tratar da disciplina de um membro em pecado. E, ao “concordarem” [symphónéō, “uma harmonia de vozes”, “chegar a um acordo com (alguém), muitas vezes com a implicação de que se trata de algum tipo “decisão conjunta”, “concordância”], “será feito por meu Pai”. Cabe então à igreja reunida arbitrar, e havendo recusa de “ouvir a igreja”, esta excluirá tal pessoa da comunhão conforme orientação de Jesus e tratá-la “como gentio e publicano”. A “regra paulina” é “tirai, pois, dentre vós a esse iníquo” (1 Co 5.13 – cf. vs. 11). Neste contexto, nos oferece um “procedimento judicial”, ou seja, “diretrizes seguras para assembleia solene de toda comunidade para expulsar a pessoas que cometeu o erro e “entregá-la a Satanás”. Paulo considera dado admitido o de que tal reunião plenária é a maneira como uma decisão solene deve ser tomada. Mateus lembra procedimento semelhante (Mt 18.15-18)” (MEEKS, 2011, p. 272). De fato, o papel disciplinador final na disciplina eclesiástica é a igreja:

“O passo final da disciplina da igreja antes da excomunhão é “dizê-lo à igreja” (Mt 18.17). A excomunhão ou o ato de excluir alguém da comunhão da igreja é feita quando toda a igreja está “reunida” (1 Co 5.4), sendo portanto, feita por toda a congregação” (GRUDEM, 1999, p. 773).

Por outro lado, Shedd (2013, p. 46) relembra-nos que a “regra paulina” recomenda duas atitudes em relação aos que “rejeitam” a advertência, quais sejam: ação branda e severa. A primeira é a ação do desligamento retirando da comunhão, “mas sempre tendo consciência de que se trata de um irmão” (2 Ts 3.14, 15) porque sempre há lugar na comunhão àqueles que se arrependem (2 Co 2.6-8); O segundo já “perverteu-se (...) já condenou a si mesmo” (Tt 3.10, 11 – cf. 2 Ts 3.6; 1 Co 5.11).

Apreciamos o posicionamento de Peter Wagner citado por Kivitz:

“Peter Wagner aponta três pré-requisitos para que a igreja exclua alguém. Em primeiro lugar, diz Wagner, “não haver dúvidas quanto a se o pecado realmente está sendo realmente cometido”. Ninguém pode ser excluído à base do “não sei se era ele, mas o carro era igual”. Depois, “o problema moral em questão deve ser mesmo pecado”.

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Isto é, ninguém pode ter dúvidas e, nesse caso, jogar bola no domingo ou ir ao cinema já não “cola”. Finalmente, “um pecado para levar à exclusão precisa ser um pecado que a gente possa medir”. Não se pode excluir alguém por inveja ou “olhar para a mulher com intenção impura”. De minha parte, baseado e Mateus 18.15-20, acrescentaria que o excluído deve se recusar a parar da fazer o que está fazendo. Assim, os pré-requisitos seriam quatro: a prática pecaminosa, confirmada, mensurável e continuada” (KIVITZ, 1992, pg. 82).

Considerações finais

- A igreja de Cristo deve investir mais e mais no ensino, no discipulado; É a disciplina mais eficiente na prevenção de “exclusões”\“desligamentos” à igreja;

- A prática disciplinar é uma prática bíblica desde a igreja primitiva, pois trata-se de amar o pecador e envidar esforços ao seu arrependimento;

- A disciplina eclesiástica é zelo pelo testemunho e honra ao nome e senhorio de Jesus, de cristãos e não cristãos, primando pela pureza da “noiva” de Cristo;

- Quando um assunto não é solucionado de forma privada ou juntamente de dois ou três irmãos (“testemunhas”); Na recusa, cabe conduzir o fato à igreja. Esta terá a prerrogativa de, em “última tentativa arbitrar o fato”, e, se o irmão que estiver em falta “não ouvir”, “considerar” a igreja, é dever do Corpo de Cristo aplicar-lhe, por amor, a disciplina eclesiástica adequada.

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