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103 RESUMO A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS: O ESTADO, O MERCADO E OS PRINCIPAIS DESAFIOS Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 103-120, nov. 2012 Recebido em 17 de maio de 2011. Aprovado em 16 de agosto de 2011. Alexandre Queiroz Guimarães ARTIGOS O artigo explora algumas características do modelo chinês a partir de sua particularidade institucional, a relação entre o Estado e o mercado. Pretende-se esclarecer as razões dos bons resultados econômicos, destacar o papel essencial da variável internacional e apontar os principais desafios enfrentados pelo modelo chinês. Uma preocupação central é destacar as implicações, realizações e riscos de uma combinação muito particular entre o mercado e o Estado, tocando em um tema caro à Economia Política desde Adam Smith. Para esse intuito, o artigo dialoga com teorias da Economia Política e do desenvolvimento econômico, com destaque para o debate sobre os estados desenvolvimentistas. Argumenta-se que o sucesso do milagre chinês está relacionado à liberalização das forças de mercado, mas deve-se também ao papel do Estado Desenvolvimentista, que desempenhou um papel importante na transição para a economia de mercado e vem contribuindo significativamente para o fortalecimento da capacidade produtiva e tecnológica. Entretanto, a falta de demarcação entre o Estado e o mercado também implica dificuldades, que se manifestam na intervenção excessiva do partido e nas deficiências do sistema financeiro e do sistema de direitos de propriedade. De um lado, a economia beneficia-se da força do Estado e das medidas adotadas para fortalecer sua posição internacional. De outro, há tensões entre uma economia mais complexa e uma estrutura institucional muito específica. Outro ponto explorado são os esforços adotados para fortalecer a capacidade industrial e tecnológica, perguntando-se sobre a efetividade da política industrial no estágio atual do capitalismo. Enfim, o artigo trabalha outros desafios do modelo chinês, inclusive na área social, apontando como vêm sendo enfrentados. PALAVRAS-CHAVE: China; instituições; desenvolvimento; Estado desenvolvimentista; Economia Política. I. INTRODUÇÃO 1 Desde que iniciou as reformas internas, em 1978, a China vem crescendo a taxas elevadas, próximas, na média, a 9% ao ano 2 . Ao contrário do que ocorreu em outros países que possuíam uma economia planificada, como a Rússia e o Leste Europeu, a transição chinesa foi acompanhada por melhoria nas condições materiais e sociais da população. Estimativas do Banco Mundial apontam que, entre 1978 e 2004, 500 milhões de pessoas teriam deixado a linha de pobreza (medida por US$ 1 por dia), com a proporção de pobres caindo de 60%, em 1978, para 10% em 2004 (DOLLAR, 2007, p. 2). Nesse mesmo período, a renda média da população quadruplicou, atingindo em 2010 uma renda nominal per capita, ponderada pela pari- dade do poder de compra (PPP), de US$ 7 536 (WORLD BANK, 2011). Ao mesmo tempo, a economia chinesa vem avançando, tornando-se a manufatura do mundo em vários setores e cres- cendo a participação na exportação de produtos elaborados e tecnologicamente intensivos. O objetivo deste artigo é explorar certas características do modelo econômico chinês. Pretende-se esclarecer as razões dos bons 1 O autor agradece ao Fundo de Incentivo à Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC- MG) pelo financiamento concedido, bem como aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política pelos comentários feitos ao presente artigo. 2 Com exceção de 1989, ano em que o produto interno bruto (PIB) não cresceu, e 1997, quando houve uma desaceleração, taxas elevadas de crescimento foram alcançadas em todo o período (WORLD BANK, 2011).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 103-120 NOV. 2012

RESUMO

A ECONOMIA POLÍTICADO MODELO ECONÔMICO CHINÊS:

O ESTADO, O MERCADO E OS PRINCIPAIS DESAFIOS

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 103-120, nov. 2012Recebido em 17 de maio de 2011.Aprovado em 16 de agosto de 2011.

Alexandre Queiroz Guimarães

ARTIGOS

O artigo explora algumas características do modelo chinês a partir de sua particularidade institucional,a relação entre o Estado e o mercado. Pretende-se esclarecer as razões dos bons resultados econômicos,destacar o papel essencial da variável internacional e apontar os principais desafios enfrentados pelomodelo chinês. Uma preocupação central é destacar as implicações, realizações e riscos de uma combinaçãomuito particular entre o mercado e o Estado, tocando em um tema caro à Economia Política desde AdamSmith. Para esse intuito, o artigo dialoga com teorias da Economia Política e do desenvolvimento econômico,com destaque para o debate sobre os estados desenvolvimentistas. Argumenta-se que o sucesso do milagrechinês está relacionado à liberalização das forças de mercado, mas deve-se também ao papel do EstadoDesenvolvimentista, que desempenhou um papel importante na transição para a economia de mercado evem contribuindo significativamente para o fortalecimento da capacidade produtiva e tecnológica.Entretanto, a falta de demarcação entre o Estado e o mercado também implica dificuldades, que semanifestam na intervenção excessiva do partido e nas deficiências do sistema financeiro e do sistema dedireitos de propriedade. De um lado, a economia beneficia-se da força do Estado e das medidas adotadaspara fortalecer sua posição internacional. De outro, há tensões entre uma economia mais complexa e umaestrutura institucional muito específica. Outro ponto explorado são os esforços adotados para fortalecera capacidade industrial e tecnológica, perguntando-se sobre a efetividade da política industrial no estágioatual do capitalismo. Enfim, o artigo trabalha outros desafios do modelo chinês, inclusive na área social,apontando como vêm sendo enfrentados.

PALAVRAS-CHAVE: China; instituições; desenvolvimento; Estado desenvolvimentista; Economia Política.

I. INTRODUÇÃO1

Desde que iniciou as reformas internas, em1978, a China vem crescendo a taxas elevadas,próximas, na média, a 9% ao ano2. Ao contráriodo que ocorreu em outros países que possuíamuma economia planificada, como a Rússia e o LesteEuropeu, a transição chinesa foi acompanhada por

melhoria nas condições materiais e sociais dapopulação. Estimativas do Banco Mundial apontamque, entre 1978 e 2004, 500 milhões de pessoasteriam deixado a linha de pobreza (medida por US$1 por dia), com a proporção de pobres caindo de60%, em 1978, para 10% em 2004 (DOLLAR,2007, p. 2). Nesse mesmo período, a renda médiada população quadruplicou, atingindo em 2010uma renda nominal per capita, ponderada pela pari-dade do poder de compra (PPP), de US$ 7 536(WORLD BANK, 2011). Ao mesmo tempo, aeconomia chinesa vem avançando, tornando-se amanufatura do mundo em vários setores e cres-cendo a participação na exportação de produtoselaborados e tecnologicamente intensivos.

O objetivo deste artigo é explorar certascaracterísticas do modelo econômico chinês.Pretende-se esclarecer as razões dos bons

1 O autor agradece ao Fundo de Incentivo à Pesquisa daPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) pelo financiamento concedido, bem como aospareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Políticapelos comentários feitos ao presente artigo.2 Com exceção de 1989, ano em que o produto internobruto (PIB) não cresceu, e 1997, quando houve umadesaceleração, taxas elevadas de crescimento foramalcançadas em todo o período (WORLD BANK, 2011).

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resultados econômicos, destacar o papel essencialda variável internacional e apontar os principaisdesafios enfrentados pelo modelo chinês. Umapreocupação central é destacar as implicações,realizações e riscos de uma combinação muitoparticular entre o mercado e o Estado, tocandoem um tema caro à Economia Política desde AdamSmith. Para esse intuito, o artigo dialoga comteorias da Economia Política e do DesenvolvimentoEconômico, com destaque para o debate sobre os“Developmental States” (WORLD BANK, 1993;EVANS, 2004; NOLAN, 2004; CHANG, 2006)3.

Um ponto inicial consiste em indagar o queleva a China a apresentar taxas de crescimentotão altas. Martin Wolf, articulista do jornalFinancial Times, pergunta: “Há algo excepcionalno crescimento chinês?” (WOLF, 2009). Wolfcompara o desempenho chinês com aqueleverificado no Japão, na Coreia do Sul e em Taiwannos seus “milagres econômicos”. De 1978 a 2003,o PIB per capita chinês cresceu 6,1% ao ano,abaixo do crescimento japonês no período 1950 a1973 (8,2% ao ano). Os resultados para a Coreiado Sul (1960 a 1990) e para Taiwan (1958 a 1987)foram, respectivamente, 7,6% e 7,1% ao ano.

O ponto destacado por Wolf refere-se à relaçãoentre o grau de atraso econômico e as taxas decrescimento: quando os países são mais atrasados,embora não tão atrasados, eles beneficiam-se dasideias e das técnicas disponíveis em outros países.Tendem também a beneficiar-se da transferênciade trabalhadores de atividades de baixaprodutividade, como a agricultura de subsistência,para outras mais produtivas na indústria e no setorserviços. Além disso, o capital é escasso e temalta produtividade, abrindo muitas oportunidadespara a expansão do investimento. A partir dessasconsiderações, Wolf conclui que o crescimentochinês não é excepcional, exceto pela escala e pelotamanho da população envolvida.

Um ponto merece destaque: todos os paísessupracitados são exemplos de sucesso. Osnúmeros seriam bem diferentes se a amostraincluísse outros países da Ásia e da América Latina.Isso implica entender o que permitiu à Chinareplicar as experiências bem-sucedidas, enquanto

a regra nas estratégias de desenvolvimento foi,durante muitas décadas, o sucesso moderado ouo fracasso. O ponto cresce em importância quandose considera que as experiências de transição deeconomias de planejamento central para economiasde mercado tiveram resultados muito inferiores,tendo produzido, na maioria dos casos,desestruturação econômica, queda do PIB e altoscustos sociais (WHITE, 2000; NOLAN, 2005).

II. FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTOECONÔMICO E O CASO CHINÊS

O caminho para o desenvolvimento não é tãosimples como apontado por Adam Smith quandoele dizia que “pouco mais é necessário paraconduzir uma nação do mais baixo barbarismo atéo mais elevado grau de opulência do que paz,impostos razoáveis e uma administração tolerávelda justiça; tudo o mais sendo trazido pelo cursonatural das coisas”4. Além da justiça e dasegurança, vários pré-requisitos são necessáriospara que o “curso natural das coisas”, ou seja, asforças de mercado, produzam resultadosfavoráveis. Infraestrutura de transportes e energia,sistema financeiro avançado, capacidadeempresarial e técnica e contexto de estabilidadesão alguns requisitos necessários. O cumprimentodessas funções demanda certo grau de capacidadeestatal, que tende a ser maior quão mais retardatárioé o processo de industrialização (CHANG, 2004;EVANS, 2004).

O sucesso chinês aparece, inicialmente, nabem-sucedida transição para uma economia demercado. O processo de “dual track”, nome dadoà forma como os chineses introduziram as forçasde mercado sem abandonar o planejamento, aliberalização da agricultura, o estímulo às empresasrurais e as reformas dos sistemas empresarial efinanceiro, ilustra a capacidade das liderançaschinesas em conduzir o processo. A transiçãoconduziu-se de modo que a introdução das forçasde mercado fosse acompanhada de medidasvisando à correção das eventuais falhas demercado. O contraste com outros processos detransição, principalmente aquele verificado naRússia, foi enorme (WHITE, 2000; NOLAN,2005). As autoridades, recusando propostas

3 A seção IV utiliza aspectos teóricos das teorias sobre“capacidade do Estado” e sobre os “developmental states”para entender aspectos centrais do modelo chinês.

4 Passagem extraída dos rascunhos da Riqueza das Nações(Smith apud FONSECA, 1993).

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construtivistas5, optaram por “cruzar o riotateando as pedras”, de modo a garantir os pré-requisitos necessários ao êxito do novo sistemaeconômico. Ao mesmo tempo, o governopreservou a capacidade de intervenção, que semostrou fundamental para proteger os gruposvulneráveis e os perdedores com o processo demudança.

A construção de capacidade empresarial foiessencial. O governo optou por reformargradualmente as empresas estatais, ampliando aautonomia, mas reforçando a capacidade desupervisão. A reforma foi feita em etapas,ampliando o papel das forças de mercado,valorizando a eficiência e buscando aumentar aautonomia e a transparência. Um processo bruscode privatização foi evitado. Na década de 1990, asempresas foram listadas no mercado de capitais,como forma de ampliar a transparência e deprivatizar parte das empresas. Em todo o processo,as lideranças estimularam a formação de grandesconglomerados capazes de enfrentar a competiçãointernacional. Assim, apesar das dificuldades queainda persistem6, é inegável o sucesso em produzirempresas capazes de atuar de acordo com osprincípios de uma economia de mercado(RALSTON et alii, 2006; NAUGHTON, 2007).

Paralelamente à reforma empresarial, o governoreformou o sistema financeiro. Os bancos foramseparados em bancos de políticas e bancoscomerciais. Os últimos deveriam atuar segundoos critérios de mercado. O intuito da reforma foiimpedir que o sistema financeiro continuasse afinanciar empresas estatais ineficientes, assimcomo melhorar a capacidade de avaliação de riscose de alocação dos recursos para os setores demaior produtividade. Apesar dos avanços, osistema financeiro ainda é muito atrasado, sendoapontado como um dos elos frágeis do modelochinês (NOLAN, 2004; PEI, 2006).

O sucesso da intervenção também se refletiuna condução da política econômica. Em contrastecom outras experiências de transição, a inflaçãofoi mantida sob controle, medida que teve efeitospositivos sobre as taxas de poupança e deinvestimento (NAUGHTON, 2007). A política decomércio exterior foi bem conduzida, com amanutenção de uma taxa de câmbio desvalorizadaque favoreceu as exportações. Por sua vez, acriação das zonas econômicas especiais (ZEEs)permitiu o acesso a recursos e à tecnologiaestrangeiros. Ambas as políticas ajudaram a Chinaa driblar os constrangimentos do balanço depagamentos, ao mesmo tempo em que promoviamo crescimento da demanda e do PIB.

O desempenho foi também favorecido pelascondições de infraestrutura, indicativo da aptidãodo Estado em prover bens públicos essenciais. AChina destaca-se por possuir alguns dos maioresportos do mundo e pela capacidade de movimentarcontêineres a baixos custos. O país também possuiuma extensa malha ferroviária, que vem sendoexpandida e foi fortemente estimuladarecentemente7. A rede de transportes e asfacilidades de logística contribuem para a reduçãodos custos e para reforçar a posição da China comoelo estratégico para a otimização das cadeiasprodutivas internacionais. Outro requisito é acapacidade educacional e técnica. Há indicadoresque colocam a China à frente de outros paísesemergentes8, diferença que é muito pronunciadanas províncias mais avançadas9. Além disso, háum grande número de laboratórios, centenas demilhares de cientistas e engenheiros são formadosanualmente10 e centenas de milhares de estudantessaem para estudar no exterior. Comoconseqüência, a mão de obra é abundante também

5 O termo “construtivista” faz menção às críticas de Hayekàs experiências mirabolantes de inovação social, muitas ten-do produzido resultados desastrosos. Os chineses já havi-am vivido algo nessa direção com o “Grande Salto à Fren-te”, que matou milhões de pessoas.6 Entre as dificuldades incluem-se o atraso em termos degovernança corporativa e a forte intervenção estatal, o que,em certos casos, leva os dirigentes a privilegiarem conside-rações de outra ordem e a afastarem a empresa do objetivode aumentar a eficiência. O ponto é explorado adiante.

7 Como resposta à crise internacional, o governo realizouinvestimentos de US$ 500 bilhões, que incluem projetosambiciosos visando expandir a rede ferroviária (ANTUNES,STEFANO & MARANHÃO, 2009).8 Segundo Stephen Roach (2011), “a alfabetização de adul-tos está acima de 95% e as taxas de matrícula no ensinosecundário passam de 80%”.9 Em testes internacionais em matemática, ciência e leitu-ra, a província de Shangai atingiu a primeira posição, segui-da por Cingapura, Coreia e Taiwan (JACQUES, 2012).10 O número de graduados teria passado de 950 mil em2000 para 4,5 milhões em 2007 (idem).

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em setores que exigem certa qualificação,ampliando a atratividade da China parainvestimentos em setores mais elaborados11.

É à luz desses requisitos e fundamentos quese deve destacar o papel dos fatores de produção.Não há como descrever o milagre chinês semenfatizar a mão de obra barata e de certa qualidade.A grande proporção da população rural, alta parao nível de renda per capita, propicia um exércitoquase inesgotável de mão de obra que tende aimpedir que os salários subam significativamente,pelo menos nos tipos de trabalho menosqualificados (NOLAN, 2004)12. Aos baixossalários somam-se os baixos encargos trabalhistas,as longas horas de trabalho e a grande flexibilidadedo mercado de trabalho, reforçando as vantagenscomparativas advindas do fator trabalho.

À abundância de mão de obra adicionam-se asaltas taxas de investimento, respaldadas por altastaxas de poupança das famílias, investimentos dasempresas estatais e grande atração de capitalestrangeiro. Em um país com oferta abundantede mão de obra, a mobilização de capital torna-seessencial para a velocidade do crescimento e parao êxito do processo de catch up. Deve-se destacarque a China tem investido mais de 40% do PIB,taxa elevada mesmo quando comparada àquelasverificadas nos outros milagres econômicos13.

Enfim, outros elementos contribuem para osresultados alcançados. Por enquanto, vale destacara influência da estrutura etária, dado que algo como70% da população encontrava-se na faixa etáriade 15 a 64 anos e, portanto, em idade ativa(AMARAL, 2005). Outro ponto é o crescimentodo mercado interno, que em certos setoresresponde por grande parte do acréscimo da

demanda mundial. Esse resultado dá ao governogrande capacidade de negociar com o capitalestrangeiro e de exigir condições para a sua entrada,incluindo a transferência de tecnologia. Além disso,o mercado interno representa uma base deexpansão para as empresas chinesas, que obtêmos ganhos de escala que elevam a capacidade paracompetir no exterior.

III. A CHINA E O EXTERIOR – O CONTEXTOINTERNACIONAL E AS PARTICULA-RIDADES DO MODELO CHINÊS

A China é particular por uma série de fatores,relacionados a seu tamanho, taxa de crescimentoe posição geopolítica. Essas particularidades, bemutilizadas pelas lideranças, vêm dando ao paíscertos graus de liberdade que não são usualmentedisponíveis aos demais países. Isso se reflete naautonomia de sua política econômica, assim comona capacidade de negociar com outros países ecom as empresas multinacionais. A base daautonomia da China está fortemente relacionadaàs realizações de seu comércio exterior, uma vezque a dependência de recursos externos poderiaimplicar ingerência nas políticas internas. Na décadade 1970, negociações relacionadas ao processode aproximação com os Estados Unidospropiciaram condições favoráveis de financia-mento e o acesso privilegiado ao mercadoamericano, tendências que foram combinadas compolíticas voltadas a atrair capital estrangeiro e aestimular as exportações.

Contrariamente a outros países de industriali-zação tardia, a promoção do comércio exterior foium componente essencial do desenvolvimentochinês. Antes das reformas, o comérciointernacional desempenhava papel insignificante.A China era um país muito fechado e não adotavapolíticas voltadas a promover as vantagenscomparativas14. As reformas que ocorreram apartir de 1978 modificaram esse quadro e asoperações de comércio exterior passaram a seguiras orientações de mercado. Tarifas e barreiras nãotarifárias foram reduzidas, de modo que no inícioda década de 1990 a China já apresentava um graude proteção inferior a muitos países emdesenvolvimento15. Inúmeras medidas promo-

11 Portanto, a China atrai investimentos não apenas devi-do à mão de obra barata e ao tamanho do mercado consumi-dor. Diversos fatores distinguem-na de outros países queapresentam baixos custos salariais.12 Mudanças vêm ocorrendo nas províncias mais ricas,com a eclosão de greves, aumentos de salários e revisão dosdireitos trabalhistas. Na impossibilidade de competir combaixos custos salariais, a estratégia passa a ser fomentar acapacidade produtiva em nichos mais elaborados (idem).13 Em níveis similares de renda per capita, o Japão inves-tia 32% e a Coreia do Sul, 30% do PIB (WOLF, 2009). Oexcesso de investimento também pode acarretar proble-mas, ponto explorado adiante.

14 A pauta de exportações concentrava-se em recursosnaturais, contendo muitos produtos que constituem hoje abase das importações chinesas.

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veram a liberalização do comércio exterior, apesarde o controle estatal e de regimes especiais teremsido preservados em setores consideradosestratégicos16 (LARDY, 2002).

A liberalização comercial foi acompanhada pelorápido crescimento das exportações. Estas foramfavorecidas principalmente por duas políticas: acriação das zonas econômicas especiais (ZEEs) ea política cambial. Em um momento em que aChina iniciava a transição para uma economia demercado, as ZEEs, ao oferecerem uma série defacilidades, foram fundamentais para a atração defirmas estrangeiras, voltadas preponderantementepara a exportação17. A manutenção do câmbiodesvalorizado foi também essencial. Em 1982, ataxa de câmbio foi desvalorizada de 1,5 para 2,8remimbis por dólar. Desvalorizações sucessivasseguiram-se, de modo que em 1995 a taxa cambialflutuava em torno de 8,3 remimbis por dólar.Segundo estimativas do Fundo MonetárioInternacional (FMI), a moeda chinesa teria perdido,entre 1980 e 1995, 70% do seu valor (idem). Adespeito de pressões internacionais, as liderançaschinesas insistiram em manter o câmbiodesvalorizado, pois consideravam a promoção dasexportações um componente essencial de umaestratégia voltada a reduzir a pobreza. Apenas apartir de 2005, em face das pressões inflacionáriasacarretadas pela acumulação de reservas, ogoverno passou a deixar a moeda valorizar-se, eem ritmo gradual, direção reforçada em 2010.

Como conseqüência, as exportações entre 1984e 1995 cresceram 17% ao ano, passando de US$27 bilhões para US$ 148,8 bilhões. A participaçãodo comércio exterior no PIB, que era de apenas10% em 1978, atingiu 44% em 1995 (idem). Ocrescimento continuou na década de 1990 e asexportações atingiram US$ 266 bilhões em 2001.Após a entrada da China na Organização Mundialdo Comércio (OMC), consumada em 2001, houvenova aceleração, de modo que, em 2007, a China

exportava US$ 1,2 trilhão, tendo acumuladoreservas de US$ 1,5 trilhão (CUNHA, 2008). Em2011, as mesmas somavam US$ 3,1 trilhões(JACQUES, 2012).

Inicialmente, as exportações avançaramprincipalmente nos setores intensivos em mão deobra. As exportações de produtos têxteis passaramde US$ 2,54 bilhões em 1980 para US$ 12,8bilhões em 1998, enquanto as exportações deroupas e confecções aumentaram de US$ 1,48bilhão para US$ 27,1 bilhões. As exportações decalçados saltaram de US$ 173 milhões em 1980para US$ 8,4 bilhões em 1998, enquanto asexportações de brinquedos cresceram de US$ 71milhões para US$ 5,1 bilhões. Em 1998, a Chinajá respondia por 8,5% das exportações mundiaisde têxteis, 16,7% de confecções, 17,9% debrinquedos e 20,7% de calçados, parcelas quecontinuaram crescendo (LARDY, 2002).Estimativas recentes apontavam que a China eraresponsável por dois terços da produção mundialde sapatos, brinquedos, fornos de micro-ondas emáquinas de fotocópias, além de metade daprodução mundial de tocadores de DVD, máquinasdigitais e têxteis (JACQUES, 2012, p. 185).

Outro componente foi o crescimento doinvestimento estrangeiro. Parte significativa desseinvestimento foi realizada por firmas asiáticas,incluindo firmas japonesas, que buscavamneutralizar os efeitos do yen valorizado, e empresasde Hong Kong, Taiwan e Coréia do Sul (PEMPEL,2005). Tal tendência acelerou-se na década de1990, tornando a China grande produtor eexportador de produtos eletrônicos e de tecnologiada informação. As firmas de Taiwan, por exemplo,transferiram para a China grande parte daprodução de monitores, placas-mãe e teclados paracomputador18 (LARDY, 2002). Como resultado,as exportações de produtos eletrônicos de altatecnologia aumentaram a participação de 7% dototal das exportações, em 1990, para 37% em 2005(CUNHA, 2008, p. 15).

Deve-se destacar o forte conteúdo regional noprocesso de desenvolvimento chinês. A atraçãode empresas dos países vizinhos teve impactossignificativos no desenvolvimento da indústria

15 Em 1992, 95% dos bens importados apresentavampreços domésticos similares aos preços internacionais.16 O processo de liberalização foi substancial, mantendo-se o controle apenas sobre uma gama limitada de bens, queincluía grãos, petróleo, vegetais, tabaco, fertilizantes e al-godão.17 As ZEEs chinesas eram muito maiores do que aquelasintroduzidas em outros países asiáticos.

18 Estimativas recentes destacam que 80% das placas-mãe, 70% dos computadores e 68% dos monitores de fir-mas taiwanesas eram feitos na China.

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chinesa e no desempenho exportador. Por sua vez,a ascensão da China e o reforço dos laçosprodutivos tiveram impacto nas relações produtivase comerciais de toda a região. Houve fortecrescimento do comércio intrarregional, sendo queas exportações intrabloco passaram de 37% dototal, em 1985, para 55% em 200519. Grande partedesse crescimento é atribuída a operaçõesintrafirma, com venda de componentes eequipamentos para a China, que se especializa namontagem e na exportação dos produtos.Estimativas do Banco Mundial apontam que 55%das exportações da China em 2005 eram feitaspor multinacionais a partir da importação decomponentes e montagem em território chinês(idem, p. 14-15).

Um aspecto a destacar-se é que graças aosbaixos custos e ao amplo mercado, a Chinaconfigura-se como localização obrigatória dasdecisões produtivas das grandes empresasmultinacionais. Muitas empresas transferem paraa China etapas produtivas menos complexas eintensivas em trabalho, aproveitando os baixoscustos, de modo que em muitos setores ocrescimento das exportações foi acompanhado debaixo valor agregado. Há, no entanto, exemplosque apontam para outra direção, o que é favorecidopor políticas voltadas a estimular a produção decomponentes e a adicionar valor no próprio país.Além disso, há evidências de que a pressão parabaixar os custos tem feito que empresasmultinacionais terceirizem mesmo etapas maiscomplexas, dependentes de mão de obra commaior qualificação, como desenho, engenharia ePesquisa e Desenvolvimento (P&D), o que temproporcionado à China ganhos em termos deabsorção de tecnologia e especialização em setoresavançados (NAUGHTON, 2007, p. 371;GEREFFI, 2009)20. Em terceiro lugar, não sepodem negligenciar os impactos da transferênciade tecnologia e de técnicas de gestão, efetivados,em muitos casos, por meio de práticas de jointventures entre empresas estrangeiras e firmaslocais.

Um ponto essencial é o impacto desse conjuntode características para a autonomia na conduçãoda política econômica, permitindo à China escapara muitos constrangimentos e pressõesinternacionais. Isso se reflete não apenas na políticacambial, mas também no ritmo de aberturafinanceira, livrando o país dos efeitos devastadoresda crise asiática de 1997 e da crise mundial de2008-200921. É essa posição internacional,fundada na força do seu mercado interno, quepermite à China enquadrar o capital estrangeiro,conseguindo obter em um contexto bem diferenteaquilo que o Japão e a Coréia do Sul obtiveram nocontexto de aquiescência norte-americana durantea Guerra Fria. A posição chinesa tende também aser fortalecida pelo impacto de sua economia noaumento da produtividade global, no crescimentoeconômico e na recuperação de vários países.Inclui-se a relação simbiótica desenvolvida comos Estados Unidos, cujos interesses sãopromovidos pela importação de produtos baratos,pelo acesso de suas firmas ao mercado chinês epela aquisição de títulos do Tesouro pelo governochinês22.

A questão a destacar-se é a capacidade depreservar a autonomia na condução da política dedesenvolvimento. A China vem conseguindo adotaruma estratégia em que a introdução das forças demercado, a promoção do comércio e a atração decapital estrangeiro vêm sendo combinados com acapacidade de moldar certas variáveis na direçãoda promoção do que se considera o interessenacional. Apesar de a entrada na OMC terimplicado concessões e o abandono de certosinstrumentos, outras formas de intervenção foramintroduzidas ou reforçadas. A atuação deestrangeiros no comércio exterior e no domésticofoi liberalizada, e o governo abriu mão tanto depráticas voltadas a favorecer fornecedores locais,como da exigência de quotas de exportações parafirmas estrangeiras. Mas o governo continua aconceder incentivos à transferência de tecnologia,

19 Expansão similar à verificada em blocos regionais comoa União Europeia e o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta).20 Um bom exemplo é o setor de semicondutores e o decircuitos integrados.

21 Devido ao controle de capitais, a China preservou aestabilidade de sua moeda, a despeito de turbulências comoa crise asiática. A estabilidade do yuan tem sido umcontraponto à volatilidade do yen, dando vantagens à Chi-na na luta pela maior influência regional (MEDEIROS, 2004,p. 166).22 A China, por sua vez, é dependente do acesso ao grandemercado norte-americano.

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enquanto argumentos como a presença de “setoressensíveis” e de “segurança nacional” são utilizadospara regular a entrada do capital estrangeiro e paraperseguir objetivos de política industrial (CUNHA& ACIOLY, 2009).

A posição chinesa e seu alto poder de barganhatêm sido reforçados por diversas iniciativas depolítica externa. Essas se orientam, inicialmente,pela direção de fortalecer os vínculos econômicos,principalmente com os países vizinhos, visandotorná-los mais dependentes economicamente.Dentro dessa direção, a China vem avançando naassinatura de acordos de livre comércio com váriospaíses, em que demonstra alta propensão a fazerconcessões, grande diferença em relação ao Japão.Além disso, a China vem expandindo o seu aportede ajuda a outros países, que teria passado de 260milhões, em 1993, para 1,5 bilhões em 2004. Empaíses como Filipinas, Indonésia, Laos, Cambojae Mianmar, a ajuda chinesa passou a ser bemsuperior à concedida pelos Estados Unidos(JACQUES, 2012).

A partir da década de 1990, a estratégiachinesa passou a incluir a participação naAssociação de Nações do Sudeste Asiático (Asean)e em outras instâncias regionais, assim como eminiciativas diplomáticas que incluíram a cooperaçãopara enfrentar o terrorismo e as negociações parareduzir a capacidade nuclear da Coréia do Norte.Nesses movimentos, a China vem demonstrandouma enorme cautela e recusando assumir a buscade liderança; uma forma de não assustar osparceiros, além de evitar maiores conflitos comos Estados Unidos (idem).

É importante destacar que o Leste e o Sudesteasiáticos vêm passando, desde a crise de 1997,por grandes mudanças, que incluem a adoção demedidas na direção de fomentar uma maiorintegração institucional entre os países. Há oobjetivo de desenvolver mecanismos decooperação econômica e financeira, visandoreduzir a dependência dos Estados Unidos e doFundo Monetário Internacional (FMI), que semostrou perniciosa nos eventos que se seguiramà crise de 1997. As iniciativas incluíram a criaçãode um fundo para oferecer linhas de crédito emmoedas locais, a fim de socorrer países emdificuldades. Em 2005, a China exerceu papelproeminente na organização de uma cúpula emChiang Mai, Tailândia, voltada para avançarmedidas nessa direção (PEMPEL, 2005; CUNHA,

2008, p. 17).

A partir de 2008, em função da crise mundial eda melhor posição de sua economia, a China,detentora de grandes reservas internacionais,abandonou uma posição defensiva e tem criticadoo deficit dos Estados Unidos no balanço depagamentos e o excesso de dólares na economiamundial. Além disso, a crise tem permitido à Chinaaprofundar suas estratégias de investimento noexterior23 e de acordos para a obtenção dematérias-primas24. Em face da crise dos principaiscompetidores, a posição chinesa tem se fortalecidosignificativamente, ampliando os vínculoseconômicos em várias partes do globo (JACQUES,2012).

IV. O MODELO ECONÔMICO CHINÊS: UMACOMBINAÇÃO PARTICULAR ENTRE OMERCADO E O ESTADO

O sucesso da economia chinesa está muitorelacionado à promoção das forças de mercado,bem ilustrada pela liberalização da agricultura, pelapermissão para o funcionamento das empresasrurais, pela liberalização do comércio exterior epelas reformas do sistema empresarial efinanceiro. Tais medidas despertaram o potencialpara o empreendedorismo e permitiram equacionaras dificuldades econômicas vigentes durante operíodo de planejamento central. Além disso,favoreceram o direcionamento da economia paraos setores de maior produtividade, permitindo aexploração de vantagens comparativas.

No entanto, a transição bem-sucedida para umaeconomia de mercado dependeu também dascaracterísticas de suas lideranças e de suaburocracia, capazes de prover os bens públicos,produzir um contexto de estabilidade e garantir apreservação de estabilidade social. À semelhançade outros estados desenvolvimentistas, a Chinavem combinando forte intervenção estatal com a

23 Uma estratégia comum vem sendo o uso das reservasinternacionais para adquirir empresas em países desenvolvi-dos. A produção é transferida para a China, mas os departa-mentos responsáveis pela pesquisa, pelo marketing e forta-lecimento da marca e pela distribuição são preservados nospaíses de origem (O ENIGMA DA CHINA, 2005, p. 2).24

Um ótimo exemplo são as relações desenvolvidas compaíses da África, em que investimentos e ajuda financeiravêm sendo trocados pelo acesso ao petróleo e a matérias-primas.

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preservação de bons fundamentos econômicos,incluindo o controle da inflação e a adoção de taxasde câmbio favoráveis às exportações (WORLDBANK, 1993).

Como um caso típico de Developmental State,o Estado chinês transcende amplamente as funçõesconsideradas consensuais pelos economistas:provisão de bens públicos e correção de falhas demercado. Sua ação está ancorada em políticasvoltadas a proteger a indústria nacional, moldar aentrada do capital estrangeiro, induzir a formaçãode joint ventures e obter condições favoráveis paraa transferência de tecnologia. Inspirado no modelojaponês, o governo não mede esforços paraproduzir grupos empresariais com capacidadetecnológica e competitiva, dado que consideraprecondição para o poder internacional do país.Uma especificidade da China é a capacidade defazer essa intervenção em um momento docapitalismo menos permissivo à intervençãoestatal, como explorado na seção anterior25.

Deve-se destacar o amplo esforço do Estadochinês em promover o desenvolvimento industrial.A proteção ao mercado interno, a oferta definanciamento e o estímulo ao desenvolvimentotecnológico, entre outras medidas, auxiliaram asempresas chinesas a projetar-se no mercado e aampliar as chances de enfrentar a competiçãoestrangeira. Entre as políticas de estímulo aodesenvolvimento tecnológico, incluem-se a amplaoferta de financiamento a baixo custo, a concessãode subsídios para o esforço de P&D e diversasiniciativas visando aproximar as empresas dasuniversidades e das instituições de pesquisa26. Oesforço para ampliar a capacidade tecnológica écaptado por indicadores que, ao mensurar o graude comprometimento dos governos com a políticatecnológica, colocavam a China bem à frente deBrasil e México, embora bem atrás de países comoEstados Unidos e Coréia do Sul. Indicadores deinfraestrutura econômica, que buscam mensurara presença de instituições físicas, humanas,organizacionais e econômicas com capacidade de

influenciar o desempenho tecnológico, colocavama China em posição intermediária entre os líderes(Japão e Estados Unidos) e outros paísesemergentes (PORTER et alii, 2007).

Posição similar é alcançada nos índices deinfraestrutura tecnológica, que captam asinstituições específicas voltadas a desenvolver,produzir e comercializar tecnologia. A China obteveum índice de 60, tendo ficado pouco atrás deReino Unido, França e Alemanha, enquanto o Japãoe os Estados Unidos, os líderes, obtiveram 70 e95. O melhor resultado foi obtido na capacidadede produção e de exportação de bens de altatecnologia. Em um índice relativo à produção, aChina avançou de 32,8 em 1996 para 85,2 em2007, ficando apenas atrás dos Estados Unidos.No índice relativo às exportações, a Chinaultrapassou, inclusive, os Estados Unidos (idem).Trata-se de um avanço, mas que deve serrelativizado por ter sido alcançado, em grandeparte, pela atração de firmas estrangeiras. Éimportante saber o que fica na China e o impactosobre a capacidade de inovação (CHEN & CHEN,2009).

Enfim, deve-se destacar que o objetivo deavançar na capacidade tecnológica vem sendopermanentemente fortalecido. Os gastos de P&Dem proporção do PIB passaram de 1,23% em 2004para 1,75% em 2010, de modo que, em 2011, aChina passou a ser o segundo país a mais gastarem P&D em termos absolutos. Avançossignificativos foram também alcançados naprodução de artigos científicos, em que aparticipação chinesa na produção mundial passoude 2%, em 1995, para 6,5% em 2004 e 11% em2009 (JACQUES, 2012, p. 217).

O esforço de avançar no campo industrial etecnológico remete a uma questão central: aefetividade das medidas de política industrial noatual estágio do capitalismo. A situação encontradaem vários setores é a de liderança absoluta degrandes empresas multinacionais, que possuemmarca forte, controlam amplas frações demercado e investem fortemente em P&D. Emdiversos indicadores, como volume de vendas ede receita e número de patentes, essas empresasencontravam-se muito a frente de seuscompetidores. Em diversos setores analisados porNolan (2005, p. 38), a participação das empresaschinesas nas vendas mundiais ou no esforço deP&D estava bem abaixo à das líderes globais. Em

25 No entanto, o contexto atual tem outros condicionantes,que podem, como explorado adiante, implicar dificuldadese desafios.26 Grande parte do esforço de P&D é feito pelas empre-sas, destacando-se o esforço para a adaptação da tecnologiaimportada e a incorporação de técnicas intensivas em mãode obra (NAUGHTON, 2007).

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2001, a China tinha apenas 11 representantes entreas 500 maiores empresas listadas pela revistaFortune, não possuindo nenhuma empresa entreas 250 mais competitivas ou entre as 300 que maisinvestiam em P&D. Naquele momento, e adespeito de anos de iniciativas ligadas à políticaindustrial, a distância em relação às líderes mundiaisestava aumentando.

Esse quadro teve alterações significativas nodecorrer da década de 2000, com a China obtendo29 representantes entre as 500 maiores empresasem 2008, 37 em 2009 e 46 em 2010 (CNNMONEY, 2012)27. Algumas dessas empresasmostraram-se bem-sucedidas no registro depatentes e na consolidação da marca; muitaspassaram, nos últimos anos, a adotar estratégiasmais agressivas, internacionalizando-se eadquirindo empresas e centros de P&D no exterior(idem)28. Jacques (idem) considera que o avançointernacional das empresas chinesas é uma questãode tempo. Além de já terem consolidado posiçãode liderança em setores como informática,eletrônica de consumo e telecomunicações, asempresas chinesas estariam próximas das líderesem nichos como maquinaria de construção,máquinas ferramentas, automóveis e engenhariaelétrica.

Em contraposição, muitas empresas chinesasencontram dificuldades para inovar e mostram-seainda muito dependentes do mercado interno. Emgeral, a capacidade de inovação na China é baixa,no que se constitui um grande desafio do modelochinês (YAO & MORGAN, 2008). Assim, aindanão é possível ser conclusivo em relação ao grauem que as empresas chinesas serão bem-sucedidasna capacidade de enfrentar os líderes globais. Háespaço para análises similares à feita por Nolan(2005), acompanhando os avanços das empresaschinesas quanto à capacidade de conquistarmercados internacionais e de inovar. Trata-se deuma questão central para o modelo chinês, ligadaà capacidade de avançar na capacidade tecnológicae de produzir campeões nacionais no estágio atualdo capitalismo.

Outro aspecto sensível diz respeito aosimpactos do grau de intervenção do

Estado chinês nas decisões econômicas, quetranscende aquele verificado nos exemplosclássicos de Developmental States, em que ademarcação entre o Estado e as empresas era muitomais clara (EVANS, 2004). Na China, os bancosainda são, em grande parte, estatais, e o Estadomantém um grande controle sobre a alocação dosfluxos financeiros. Da mesma forma, o Estadomantém o controle de grande parte das empresas.Apesar das medidas para estimular a autonomiadas empresas estatais e, mesmo, da tentativa decriar-se uma holding dessas empresas, há aindagrande discrição e intervenção do partidocomunista e da burocracia. Essa intervençãoimplica, em algumas ocasiões, a adoção de açõesvoltadas a fortalecer as empresas e a enfrentaradversidades. Mas, de outro lado, tende a fazerque considerações de outra ordem, ligadas aointeresse do Partido Comunista, interfiram naoperação das empresas, tendendo a afetarnegativamente a eficiência e a competitividade29.Constata-se, no entanto, certo grau depragmatismo, de forma que os grupos escolhidospara serem campeões nacionais tendem a serprotegidos de intervenções indevidas(NAUGHTON, 2007).

V. OS GRANDES DESAFIOS

Apesar dos resultados favoráveis em termosde crescimento econômico e de redução dapobreza, o modelo econômico chinês aindaprovoca dúvidas e apreensões. Muitas dasreformas estão ainda incompletas e tanto o sistemaempresarial como o financeiro apresentamfragilidades. Falta um sistema adequado de direitosde propriedade, o que leva os críticos a duvidaremda persistência do bom desempenho assim queforem superadas as primeiras e mais fáceis fasesde crescimento. Dúvidas também aparecem emrelação à forte intervenção do Estado na economia.Acredita-se que a recusa do Partido Comunistaem abrir mão de parte do poder tende a impedirque o processo de reformas tenha continuidade(PEI, 2006). Enfim, há os problemas ligados àdesigualdade crescente e às altas taxas de pobrezaainda prevalecentes. Os problemas sociais são maissérios quando se consideram as características

27 A grande parte dessas empresas é estatal.28 Como conseqüência, o investimento das firmas chine-sas no exterior somou US$ 70 bilhões em 2010.

29 Além de inúmeros casos de corrupção, são comuns oscasos em que objetivos de outra ordem interferem no fun-cionamento das empresas. Um bom exemplo são as medi-das de protecionismo local (NOLAN, 2005; PEI, 2006).

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rígidas do sistema político, com pouca capacidadede absorver as tensões e as fontes de oposição aoregime.

Inicialmente, deve-se destacar que o contextoinstitucional chinês não é o mais favorável para ofuncionamento de uma economia de mercado. Nãoexistem bons direitos de propriedade, o poderExecutivo é muito autônomo, não há um sistemade “checks and balances”, o poder Legislativo tempouco poder e o poder Judiciário não éindependente (idem). Assim, o risco regulatóriona China é considerado muito alto. No entanto,esse não tem sido um obstáculo para osinvestimentos estrangeiros, o que se explica pelasaltas perspectivas de lucro, pela velocidade daexpansão do mercado e pelo fato de que a quebrade contratos, apesar de um risco em potencial,não ter sido a regra30.

Há um grande atraso também no sistema dedireitos de propriedade intelectual e no registro depatentes, com a freqüente ocorrência de casos depirataria. As empresas que investem na Chinasabem que a probabilidade de terem seus produtoscopiados é elevada, todavia não podem ficar foradesse mercado. Deve-se destacar que, emboraessas práticas possam ajudar empresas locais aaproximarem-se das concorrentes, tendemtambém a inibir maiores investimentos, inclusivede firmas multinacionais, em P&D. Um bomexemplo são as firmas norte-americanas, cujosinvestimentos em P&D na China são muitosuperiores à média dos investimentos fora dosEstados Unidos, mas que encontram na falta debons direitos de propriedade um fator que inibenovos investimentos31.

Outra característica indesejada, ligada ao graude discrição da burocracia, é a alta corrupção. Asrelações econômicas são ainda muito baseadas naspráticas de guanxi, redes pessoais que são a base

para a efetivação de vários negócios, para aobtenção de serviços públicos e para o acesso aofinanciamento. Essas práticas vão na direçãocontrária da presença de regras impessoais,necessárias para o bom desempenho da burocraciae de uma economia de mercado. Nesse sentido,avaliações da organização não-governamentalTransparência Internacional colocam a Chinacomo um dos países mais corruptos do mundo32.Em um ranking internacional, o país obtém umaposição muito ruim em relação a inúmerosindicadores, incluindo qualidade da governança,capacidade regulatória, transparência, estabilidadepolítica, prevalência da lei e “voz e accountability”.Em alguns desses indicadores, a China esteve emcompanhia de países muito atrasadosinstitucionalmente, entre os quais Nicarágua,Indonésia e Nigéria. Em “voz e accountability”, aChina esteve à frente apenas de estados muitorepressivos, como Vietnã, Arábia Saudita eAfeganistão (idem, p. 5-6).

A forte ingerência estatal e a falta decontrapontos institucionais têm inúmeros efeitosnegativos. A preservação de monopólios e o fortecontrole estatal implicam baixa produtividade eatraso em alguns setores, enquanto a nãodissociação entre Estado e economia resulta emgrande influência do partido nas operações dasempresas estatais, muitas vezes em prejuízo daeficiência33. A força do poder Executivo, por suavez, não facilita necessariamente a adoção depolíticas adequadas, dado que sua capacidade deação tende a ser negativamente afetada pelosconflitos interburocráticos, pela ingerência dopartido e pelos conflitos existentes entre o governocentral e os governos locais (SUN, 2007). Umótimo exemplo são as medidas de protecionismolocal, que incluem proibições para a compra demercadoria de outras localidades, para a venda dematérias-primas e para a saída de capital. Essasmedidas, além de prejudicarem a consolidação domercado interno, provocam a duplicação do

30 Entre as vantagens da China em termos institucionaisencontra-se o baixo custo de fazer negócios, ilustrado pelobaixo tempo de liberalização das alfândegas, muito inferiorà média dos países em desenvolvimento.31 Segundo Naughton (2007, p. 364), as empresas ameri-canas gastam, na China, 9,2% do valor adicionado em P&D,enquanto a média de seus investimentos no exterior é deapenas 3,3%. Também as firmas chinesas são prejudicadaspela pirataria, que implica rápida expansão da oferta e que-da das margens de lucro.

32 No Índice de Percepção de Corrupção (CorruptionPerception Index) de 2010, a China ficou em 78º lugar, emum total de 91 países (TRANSPARENCYINTERNATIONAL, 2010).33 Segundo Pei (2006), apesar das reformas, grande partedos membros do partido que compunham a administraçãoanterior continua a ocupar postos importantes na direçãodas empresas estatais.

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investimento, tornando a estrutura produtiva decada província muito similar à estrutura geral daeconomia chinesa (PEI, 2006). Essa duplicação,além de provocar a acumulação de capacidadeociosa, inibe os efeitos positivos que poderiam serobtidos com a especialização produtiva e com ocomércio entre as províncias.

Às dificuldades econômicas somam-se osabusos oriundos dos limites em garantir a“prevalência da lei” (rule of law). São inúmerosos relatos de abusos de poder e de violação dedireitos, acompanhados da falta de canais departicipação e de defesa para os indivíduos. Ascortes são inefetivas, fortemente politizadas ecorruptas (KYNGE, 2007). A imprensa écontrolada e a sociedade civil está muitoprecocemente organizada. Pei (2006) mostra quemuito pouco tem avançado na direção de ampliaros direitos individuais. Ao contrário, a opção dopartido tem sido por fortalecer sua capacidaderepressiva e de cooptação dos grupos opositores.Nesse sentido, é notável o êxito em impedir que ogrande número de protestos sociais, que reúnemfreqüentemente dezenas de milhares de pessoas,consolide-se como movimentos organizadoscapazes de ameaçar o regime.

Pei (idem), usando o referencial desenvolvidopor Douglas North, acredita que um dos problemascríticos da China é que o conjunto de direitos depropriedade que maximiza os interesses dosgovernantes (os membros do Partido Comunista)não é o mesmo que tende a favorecer o melhordesenvolvimento econômico. As principaisreformas foram feitas nos anos de 1980, as quais,apesar das transformações econômicas e sociais,não tiveram continuidade na década seguinte.Monopólios foram mantidos em vários setores,incluindo a comercialização de produtos agrícolas,o setor de telecomunicações e o sistema financei-ro. A despeito do mau desempenho verificadonesses setores, a liberalização e a entrada de novosparticipantes continua vetada. Segundo Pei (idem),é ingênuo acreditar que as transformaçõeseconômicas tendem a favorecer transformaçõespolíticas. O enriquecimento econômico tende aaumentar os recursos para cooptar adversários eo interesse para preservar o controle. Emcontrapartida, a relutância em reformar tende aampliar as fontes de ineficiência e a agravaralgumas tensões, podendo pôr em risco o regime.

O argumento de Pei, apesar de profícuo,

precisa ser contraposto às especificidades doEstado desenvolvimentista chinês, bastantediferente dos estados absolutistas analisados porDouglas North. As autoridades chinesasaprenderam com outras experiências edemonstraram grande habilidade em conduzir oprocesso de transição. O caráterdesenvolvimentista, assim como certa capacidadedas lideranças, explica a preservação da estabilidadeeconômica e a adoção de políticas econômicasfavoráveis ao desenvolvimento dos negócios. Nota-se também, nos últimos congressos do partidocomunista, o reconhecimento de dificuldades e aidentificação de direções para corrigir osdesequilíbrios34. Trata-se, portanto, dacontraposição de possibilidades, amparadas pordiferentes teorias de Economia Política. A teoriado neoinstitucionalismo econômico aponta paraas dificuldades que tendem a surgir em face dasdiferenças entre os interesses das lideranças e asnecessidades do modelo. Já a teoria ligada aosestados desenvolvimentistas destaca o peso doEstado chinês, sua tradição e unidade milenares esua capacidade de conduzir o processo, em ummodelo bastante diferente do capitalismo ocidental(JACQUES, 2012).

Outro grande desafio advém do setorfinanceiro. Apesar dos avanços, as reformas foramincapazes de melhorar significativamente acapacidade de avaliação de risco e de alocação decapital para os setores com maior potencialeconômico. Há ainda muitos critérios políticosatrelados à concessão de empréstimos35 e, apesarde vultosos programas de saneamento adotadospara o sistema financeiro, o número deempréstimos podres, com poucas chances deserem pagos, é muito elevado36. Pouco

34 Essa via permite interpretar o processo chinês como de“transição vinda de cima”, em que o Partido Comunistaimplementou reformas visando dinamizar a economia eevitar que uma crise econômica e social levasse o regime àderrocada (GUIMARÃES, 2009b). Resta saber até queponto o Partido Comunista estará disposto a ir, assim comosua capacidade de detectar e implementar as mudanças ne-cessárias.35 Apesar de o setor privado ter grande participação nageração de emprego, sua participação no investimento e nocrédito é muito menor, sendo um indicativo do viés quemarca o sistema financeiro.36 Segundo Naughton (2007), a proporção de emprésti-mos podres teria, no final da década de 1990, alcançado

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transparente, o sistema é caracterizado porinúmeros casos de favorecimento e de corrupção.A cobrança de propinas é freqüente, encarecendoo custo dos empréstimos (NAUGHTON, 2007).Há também problemas de regulação, o que em umcontexto de liquidez excessiva, como tem ocorridonos últimos anos, tende a favorecer a formaçãode bolhas e o risco de perdas no sistemafinanceiro. Em tal contexto, destacam-se os riscosque os problemas do sistema financeiro podemacarretar à saúde da economia chinesa e ao projetode incorporar centenas de milhões de pessoas àeconomia de mercado (NOLAN, 2004). Apesarde o sistema financeiro chinês ser em grande partevoltado para práticas de empréstimo, o que explicaseu baixo envolvimento no cassino internacionalque levou à crise financeira de 2008, o risco nãodeve ser subestimado37.

Segundo os críticos, as dificuldades do sistemafinanceiro têm fortes implicações na qualidade doinvestimento. O sistema financeiro direcionagrande parte dos recursos para as empresasestatais, que, em face da abundância de recursos,investem de maneira arrojada e efetivaminvestimentos pouco viáveis e de baixarentabilidade. Tal situação tende a provocarexcesso de capacidade em alguns setores e acomprometer a capacidade de investimentofuturo38. Em síntese, o fácil acesso ao crédito, agrande capacidade de investimento e a baixacapacidade de regulação tendem a enfraquecer omodelo econômico, podendo acarretar criseseconômicas e financeiras que colocariam em riscoos avanços econômicos e sociais.

Outra fonte de dificuldades relaciona-se aoaumento da desigualdade social e à proporção ainda

muito alta de pobres. Apesar da forte redução dapobreza após 1978, deve-se destacar que estaredução não foi contínua. Entre 1981 e 1987, apobreza caiu pela metade, resultadoessencialmente da reforma rural, que deu aosagricultores maior liberdade para comercializar aprodução. Entre 1987 e meados da década 1990,a diminuição da pobreza estancou, voltando a cair,mesmo que a um ritmo reduzido, entre 1996 e2001. A partir de 2001, a pobreza passou a declinarde modo mais forte, resultado dos efeitos daentrada da China na OMC e da maior atenção àquestão social (DOLLAR, 2007; RAVALLION &CHEN, 2007).

Apesar da forte queda, a proporção de pobresé ainda elevada. A China ainda possui uma grandeproporção de população no campo, em torno de700 milhões de pessoas, sendo que uma altaproporção (acima de 50%, de acordo com a linhade pobreza adotada) ainda vive abaixo da linha depobreza. Essa alta persistência da pobreza, adespeito das altas taxas de crescimento, estádiretamente relacionada ao aumento dadesigualdade. Entre 1983 e 2002, o Índice de Ginipassou de 0,28 para 0,447, tornando adesigualdade na China superior à média dos paísesde renda média (DOLLAR, 2007). Parte doaumento da desigualdade pode ser explicada pelamaior diferenciação típica de uma economia demercado e pelas transformações que marcam asprimeiras etapas do desenvolvimento39. Noentanto, o aumento da desigualdade foi tambémdecorrência das políticas adotadas.

Existe grande desigualdade regional na China,ampliada pela criação das ZEEs e pelo conseqüenteestímulo às zonas costeiras. As regiões litorâneasatraíram quase a totalidade dos investimentosestrangeiros e foram as grandes beneficiárias doprocesso de abertura. As províncias do centro edo oeste sofreram devido aos problemas deinfraestrutura, que as isolavam em relação às áreasem transformação. Como conseqüência, adisparidade de renda per capita entre as provínciasampliou-se, com a desigualdade entre a mais ricae a mais pobre passando de 7,3 vezes em 1990

40% do total de empréstimos. Em conseqüência de umprograma de saneamento que custou U$ 300 bilhões, essaproporção caiu para 10,5% em 2005. Essa tem sido umaconstante nos últimos anos: aumento dos empréstimospodres, intervenção e saneamento, seguido por novo ciclode empréstimos podres.37 Na crise de 1997, muitas instituições chinesas sucum-biram devido à grande especulação. Há também várias men-ções à formação de bolhas tanto no mercado de ações comono setor imobiliário (NOLAN, 2004).38 Esse é o ponto destacado por Martin Wolf (2009), queacredita que as taxas de investimento na China são muitoaltas tanto para seu nível de renda per capita como para onível de crescimento do PIB, indicando uma relação capi-tal-produto muito alta.

39 Nos estágios iniciais, todos são igualmente pobres, umavez empregados em atividades de baixa produtividade. Comas transformações e o surgimento de diferenciais de produ-tividade e de oportunidades, a desigualdade tende a ampli-ar-se, conforme descrito pela curva de Kuznetz.

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para 13 vezes em 2003, número muito elevadoem qualquer comparação internacional (HORTA,2009; ZHU & WAN, 2012).

O impacto das desigualdades regionais é aindamais sério quando se considera a forma muitodescentralizada de financiamento e de execuçãodos gastos sociais, o que leva as províncias maisricas a gastarem muito mais do que as maispobres40. O resultado é que as regiões e aslocalidades mais pobres não obtêm os recursosnecessários para prover bons serviços de educaçãoe saúde, tendo, em muitos casos, de cobrar poresses serviços. Como grande parte da populaçãoé incapaz de pagar, não tem acesso a essesserviços ou tem-los em qualidade baixa41.Portanto, o grau de descentralização produz grandedesigualdade no acesso à saúde, à educação e aoutros serviços básicos, o que contribui paraampliar o retorno da educação e as desigualdadesde renda. Isso é bem ilustrado pelo aumento doretorno salarial de um ano a mais de estudo, queentre 1988 e 2003 teria crescido de 4% para 11%,reflexo também das oportunidades abertas peladiversificação da economia (DOLLAR, 2007).

Outra fonte expressiva de desigualdades éaquela existente entre o campo e a cidade. Asdiferenças de renda urbano-rural oscilaram muito,tendo se reduzido após a reforma rural, masvoltando a crescer subseqüentemente. Taisdiferenças são criticamente afetadas por certaspolíticas, com destaque para as restrições para amigração entre o campo e a cidade e para arelutância em conceder o direito de propriedadedas terras à população rural42. Estima-se que ummontante próximo a 150 milhões de pessoasdeixam anualmente o campo em direção às cidadesem busca de trabalho temporário. A maior parte

vive em condições clandestinas, não possuindo oregistro (hukou) necessário para ter acesso a umasérie de serviços públicos. Tornam-se, portanto,cidadãos de segunda classe, vivendo em moradiasprecárias e sem acesso aos serviços de educação,saúde e previdência. Sofrem também discrimi-nação quanto ao acesso a postos de trabalho. As-sim, o sistema de hukou e suas restrições contri-buem para a desigualdade de renda e de oportuni-dades (HORTA, 2009)43. A população imigrante,vivendo em condições precárias, constitui umafonte de protestos e de instabilidade social.

Vale destacar que as dificuldades sociais foramfortemente agravadas pelo grande número depessoas demitidas, aproximadamente 30 milhões,resultado do processo de reestruturação dasempresas estatais. Trata-se de pessoas quepossuíam estabilidade no emprego e acesso aserviços de proteção social. Esse contingente incluigrande parte de trabalhadores mais velhos e debaixa escolaridade, com dificuldades parareinserirem-se no mercado de trabalho. A situaçãodos demitidos implicou forte aumento dos gastosem pensões, serviços de saúde e habitação. Nogeral, as dificuldades são infladas pelo caráterprecário do sistema de seguridade social. Após asreformas, a seguridade social passou a assumir aforma de um programa de seguros, incluindoseguro para idosos, seguro desemprego e seguromédico. O problema é que os mais pobres nãopodem pagar pelos mesmos, ficandodesprotegidos e arcando com grande parte dosgastos (ZHU & WAN, 2012). Segundo Leung(2006), em 2003 apenas 40% dos trabalhadoresurbanos eram cobertos por seguro-desemprego eapenas 45% participavam de programas deaposentadoria44. Dados para 2000 apontavam que44% das mulheres idosas e 51% das pessoas acimade 80 anos não contava com aposentadoria45.

40 Segundo Dollar (2007), o gasto social por habitantetende a ser oito vezes maior na província mais rica emrelação à mais pobre, diferença que no Brasil é de 2,3 vezes.As diferenças são maiores em nível subprovincial.41 A taxa de freqüência à escola, que é de 100% na provín-cia mais rica, era de 40% na mais pobre. Essas deficiênciasvêm levando o governo a ampliar significativamente os re-cursos para educação e saúde nas áreas mais pobres. Em2006, foi eliminada a exigência de taxas para a educação dapopulação carente (idem).42 Como conseqüência, a diferença de renda entre as zonasurbana e rural era de três para um, muito alta para os pa-drões internacionais.

43 O sistema de hukou cumpriu seu papel ao possibilitarum ritmo menos intenso de migração e de crescimento dascidades. No entanto, tem sérios problemas. Em fevereirode 2010, 13 jornais lançaram um editorial conjunto defen-dendo reformas. Há, no entanto, um enorme custo finan-ceiro oriundo da extensão de direitos sociais a 150 milhõesde pessoas (JACQUES, 2012, p. 198).

44 Os números para a área rural eram muito piores.45 Segundo estimativas, apenas 20% dos 700 milhões deintegrantes da população economicamente ativa tinha acessoà previdência (DESAFIOS DO MILAGRE CHINÊS,2005).

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Os problemas levantados apontam parapolíticas com potencial para a diminuição dadesigualdade. Inicialmente, destacam-se osinvestimentos em infraestrutura e o estímulo àsatividades econômicas das regiões mais pobres,incluindo uma política adequada de preçosagrícolas. Em 1999, o governo lançou a “Grandeestratégia de desenvolvimento para o Oeste”,passando, a partir de então, a elevarsignificativamente as transferências e osinvestimentos para as províncias mais pobres, alémde estimular os investimentos de empresasmultinacionais.

Em segundo lugar, encontra-se a necessidadede melhorar a qualidade e o acesso a serviços deeducação e saúde, diminuindo as diferenças entreas províncias. A partir do XVII Congresso doPartido Comunista, em 2007, o governo vemreforçando significativamente os gastos em saúde,educação e transferências de renda para famíliaspobres. Em 2008, o gasto com educação subiu45% e em 2009 o governo lançou uma ambiciosareforma no sistema de saúde, visando proverseguro básico para 90% da população (JACQUES,2012). Vem havendo também um forte aumentodos gastos com o programa de subsistência básica,que em 2009 passou a cobrir 23 milhões dehabitantes da zona urbana e 42,8 milhões na zonarural (GAO et alii, 2011). Nesse sentido, tem sidoenfática a decisão de corrigir alguns dos aspectosmais negativos do modelo econômico. No entanto,são substanciais os desafios, exigindo umacompanhamento cuidadoso das políticas e de seusresultados.

A esses desafios, somam-se outros como osriscos ambientais. A China possui algumas dascidades mais poluídas do mundo, com fortescustos em termos de mortes, desmatamento eprejuízos à economia. Esses problemas estãorelacionados às características tanto do modeloeconômico, muito intensivo em capital e energia,como da matriz energética, muito dependente docarvão, o que em um país com tal ritmo decrescimento implica impactos explosivos. Ogoverno vem estimulando amplamente odesenvolvimento de fontes de energia limpas, masos desafios são enormes.

VI. CONCLUSÕES

A China, dado o acelerado processo detransformação econômica e social, constitui umlaboratório rico para o estudo de várias áreas das

Ciências Sociais. Este artigo focalizou uma dessasáreas, ligada ao modelo econômico e à relaçãomuito particular desenvolvida entre o Estado e omercado. O intenso desenvolvimento econômicoverificado nos últimos 30 anos deveu-se àspotencialidades representadas pela liberalização dasforças de mercado, mas dependeu também do graude capacidade estatal, responsável pela correçãodas falhas de mercado, pela condução do processode transição e pelas medidas de estímulo àatividade econômica. Apesar dos resultadosalcançados, essa combinação tem implicações earmadilhas.

O modelo chinês replica em diversas situaçõesas características dos Developmental Statesexistentes em países da Ásia em períodosanteriores. A capacidade de ação do Estado e asua força em relação aos grupos sociais sãofundamentais para esclarecer o êxito da transição,assim como a constituição dos pré-requisitos parao funcionamento de uma economia de mercado.Destaca-se também a capacidade de as autoridadeschinesas fomentarem certos setores e empresas,preservarem bons fundamentos econômicos egarantirem a ordem social. A especificidade chinesaestá em apresentar tal grau de intervenção em umcontexto bem particular do capitalismo, marcadopela maior integração econômica e financeira epor menores graus de liberdade conferidos àintervenção estatal.

Há, no entanto, o outro lado da intervençãoestatal: as relações entre o Estado e a economiasão fluidas; há grande imbricação entre osinteresses do partido e a gestão das empresas;faltam instituições que garantam o respeito à lei eaos direitos dos cidadãos, sendo a corrupção umaprática recorrente; o poder Executivo é muito fortee o poder Judiciário não é independente; por fim,falta uma estrutura de direitos de propriedadecapaz de proteger os investidores. A isso se somamas fontes de ineficiência decorrentes demonopólios em certos setores e as deficiênciasdo setor financeiro, marcado por critérios políticosna concessão de financiamento, por grandeacumulação de empréstimos podres e por umaestrutura precária de regulação.

Devido às suas particularidades, a China vemconseguindo frear o ritmo da abertura financeirae conservar certos padrões de intervenção. Há,no entanto, dúvidas quanto à capacidade depreservar esse poder, sem falar das vantagens de

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tornar o remimbi uma moeda internacional. Umavez consumado um maior ritmo de abertura e deliberalização financeira, surgem apreensõesrelativas às fraquezas do sistema financeiro e dosistema de direitos de propriedade. Deve-selembrar os casos do Japão e da Coréia do Sul, emque as pressões por liberalização mostraram-seletais para o modelo econômico, provocando fortescustos econômicos e sociais (GUIMARÃES,2009a).

Existe, portanto, uma contraposição de fatores:de um lado, há a força do Estado chinês, voltadopara consolidar a capacidade produtiva etecnológica e para avançar com os interessesexternos, iniciativas que vêm se fortalecendo nosúltimos anos. Após a crise de 2008, as empresaschinesas passaram a adotar estratégias maisagressivas e a adquirir ativos em várias partes domundo. Ao mesmo tempo, a China passa a estreitaros laços econômicos e a ampliar a sua influêncianos diversos continentes, o que vem sendoalcançado por meio de um grande aumento nosinvestimentos, nos empréstimos e na ajudafinanceira a inúmeros países (JACQUES, 2012).Por outro lado, ainda não se pode descartar osconstrangimentos e as exigências levantados pelamaior complexidade da economia de mercado,assim como as demandas por direitos e porparticipação que podem surgir da nova estruturasocial. E há também os riscos relacionados a cri-ses financeiras, à acumulação de capacidade ociosae ao aumento do desemprego, que podem ter im-pactos negativos na preservação da ordem social.

O caso chinês aponta também para aspossibilidades e potencialidades da políticaindustrial no momento atual do capitalismo. Háindicações de avanços na base produtiva etecnológica, destacando-se, além do esforçoempreendido, a capacidade de enquadrar o capitalestrangeiro e de produzir campeões nacionais compotencial de competição internacional. No entanto,prevalecem dúvidas sobre o grau de sucesso tantona capacidade de inovação como na de produzirempresas aptas a enfrentar as líderes mundiais nosrespectivos setores. Esse aspecto aponta para anecessidade de monitorar o avanço das empresaschinesas tanto na capacidade de registrar patentescomo de disputar os mercados com as empresasmultinacionais.

Os temas tratados neste artigo transcendem asituação da China. As formas de interação entre o

mercado e o Estado é um tema essencial daEconomia Política desde as suas origens. Um temaderivado dessa relação é o estudo dos Developmen-tal States e das condições em que a intensa inter-venção estatal tende a ser profícua. Isso apontapara os aspectos positivos e negativos da interven-ção estatal, incluindo tanto a capacidade de promo-ver certos setores como as dificuldades advindasdo conflito interburocrático e da adoção de práticasde patronagem e “rent seeking”. O exemplo chinêslevanta também a questão da relevância dasinstituições econômicas e da garantia dos direitosde propriedade, assim como a relação entre astransformações econômicas e as mudanças políti-cas, indagando sobre as circunstâncias em que aselites políticas estariam dispostas a adotar reformasque impliquem abrir mão de parte do poder.

O caso chinês é também muito caro ao estudodas relações internacionais, ilustrando interaçõesentre as iniciativas de política externa e aperseguição de objetivos econômicos. Nessesentido, as práticas de negociação com o capitalestrangeiro e a adoção de medidas de políticaindustrial e tecnológica podem trazer lições paraos países em desenvolvimento. Outra questão dizrespeito ao impacto da ascensão da China sobre oemprego nos países desenvolvidos, assim comoàs medidas de retaliação que podem ser adotadase seus impactos na ordem internacional.

Em 2007, o XVII Congresso realizado peloPartido Comunista destacou várias deficiênciasenfrentadas pelo modelo chinês, enfatizando a altadependência das exportações e do investimento, abaixa capacidade de inovação, a alta desigualdadede renda, a precariedade da seguridade social e osimpactos sobre o meio ambiente (YAO &MORGAN, 2008). Um amplo conjunto de medidasvem sendo adotado visando enfrentar essasdificuldades. A direção teria sido fortalecida peloCongresso do Partido Comunista de 2011,anunciando um plano de reformas extremamenteambicioso voltado a promover a tecnologia verde,a fortalecer os salários e as aposentadorias e aaproveitar melhor o potencial do amplo mercadointerno (JAGUARIBE, 2012). Assim, uma direçãoessencial é monitorar o avanço, os obstáculos eos resultados dessas políticas. Trata-se de umestudo de caso privilegiado, que envolve inúmerasquestões relativas aos estados desenvolvimentistase à capacidade do Estado, além de várias políticaspúblicas e importantes dimensões dodesenvolvimento econômico e social.

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Alexandre Queiroz Guimarães ([email protected]) é Doutor em Ciência Políticapela University of Sheffield (Reino Unido), Professor da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro(FJP) e Professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

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Elaine
Pencil
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phenomenon tied to contemporary organizational perspectives evaluate Michels’ concepts and theprognosis for democracy that emerges from his studies.

KEYWORDS: Robert Michels; Political Parties; Political Party Organization; Oligarchy;Participation.

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SPEECH TO THE ELECTORS OF BRISTOL

Edmund Burke

Within Political Theory, this speech presents Edmund Burke’s conception of political representation,that is, the relations between elected representatives and their electors. Burke rejected the mandateof the imperative type in which representatives heed only local demands and proposals coming fromelectors, which they then reproduce within parliament. This would make them more akin tospokespersons with the right to vote than to politicians seeking the common good through rationaldebate with other politicians. In contrast to that model of representation, Burke proposes what todaywe refer to as “representative mandate” in which representatives are acquainted with local demandsyet, without neglecting them, seek to join other representatives in composing general policies. Theunderlying rationale is that representatives together make up a parliament meant to serve the nationas a whole rather than one locale or another; thus, they should formulate policies that take the wholecountry into account.

KEYWORDS: Representation; Imperative Mandate; Representative Mandate; Election;Representatives; Electors; Edmund Burke.

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THE POLITICAL ECONOMY OF THE CHINESE ECONOMIC MODEL: STATE, MARKETAND MAJOR CHALLENGES

Alexandre Queiroz Guimarães

This article explores certain characteristics of the Chinese model starting from its institutionalparticularity, the relationship between state and market. The success of the Chinese miracle isrelated to the liberalization of market forces, but it is also indebted to the role of the DevelopmentalState, which played an important role in the strengthening of productive and technological capacity.However, lack of dividing lines between State and market also implies particular difficulties, manifestedthrough the excessive intervention of the party and deficiencies in the financial and property rightssystems. On the one hand, the economy is benefited by the strength of the State and the measuresthat have been adopted to bolster its international position. On the other hand, there are tensionsbetween a more complex economy and a very specific institutional structure. Another point to beexplored lies in the efforts that have been adopted to strengthen industrial and technological capacities,inquiring into the efficacy of industrial policy at the present stage of capitalism. Finally, the articlelooks at other challenges of the Chinese model, including those of the social arena, discussing howthey have been faced.

KEYWORDS: China; Institutions; Development; Developmental State; Political Economy.

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THE LEGISLATURE AND TRADE POLICY: APPROVAL OF THE FTA WITH THE U.S.WITHIN LATIN AMERICAN LEGISLATURES

Pedro Feliú Ribeiro

This article analyzes how three South American legislatures (Chile, Colombia and Peru) votedregarding the ratification of the Free Trade Agreement with the United States. My central question

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LA DÉMOCRATIE ET L´ORGANISATION DANS LES PARTIS POLITIQUES : UNEANALYSE DES MICRO-FONDEMENTS DE MICHELS

Maria do Socorro Sousa Braga

L´Objectif de cet article c´est de reprendre les présupposés de la thèse de Robert Michels parrapport à la dynamique organisationnelle des partis politiques marquée par deux tendances supposéesantagoniques : l´inclination à la concentration de pouvoirs dans les mains d´une oligarchie, d´un côté,et, de l´autre, l´aspiration des autres membres du parti pour de la participation. Un autre objectif,c´est celui de vérifier comment les spécialistes du phénomène partidaire liés à la perspectiveorganisationnelle contemporaine ont évalué la validité des concepts de Michels et le prognostiquesde cet auteur sur la démocratie dans ses études.

MOTS-CLÉS: Robert Michels; partis politiques; organisation partidaire; oligarchie;participation.

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DISCOURS AUX ÉLECTEURS DE BRISTOL

Edmund Burke

En termes de Théorie Politique, le discours présente la conception qu´Edmund Burke avait de lareprésentation politique, c´est à dire, des relations entre les représentants élus et leurs électeurs.Burke rejetait le mandat du genre impératif, où le représentant entendrait seulement les propositionset les demandes locales, faites par ses électeurs, et les reproduirait au parlement : il serait ainsi,plutôt un porte-parole avec le droit de vote, au lieu d´un politique en quête du bien commun par lebiais de la discussion rationnelle avec d´autres politiques. A ce modèle de représentation, Burkepropose ce que l´on appelle actuellement le « mandat représentatif », où le représentant connaîtraitles demandes locales, mais, sans les négliger, il chercherait à composer, avec d´autres représentants,une politique générale ; le raisonnement sous-jacent c´est celui selon lequel les représentantscomposeraient le parlement de tout le pays et pas d´un lieu ou d´autre : ainsi, ils devraient formulerdes politiques qui considéraient le pays dans sa totalité.

MOTS-CLÉS: représentation; mandat impératif; mandat représentatif; élections; représentant;électeurs; Edmund Burke.

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L´ÉCONOMIE POLITIQUE DU MODÈLE ÉCONOMIQUE CHINOIS : L´ÉTAT, LE MARCHÉET LES PRINCIPAUX DÉFIS

Alexandre Queiroz Guimarães

L´Article explore quelques caractéristiques du modèle chinois à partir de sa particularité institutionnelle,la relation entre l´État et le marché. Le succès du miracle chinois est très lié à la libéralisation desforces du marché, mais est dû aussi au rôle de l´État de Développement, qui a eu un rôle importantdans la transition pour l´économie de marché et contribue encore significativement pour lerenforcement de la capacité productive et technologique. Toutefois, le manque de démarcation entrel´État et le marché implique aussi des difficultés, qui sont manifestées dans l´intervention excessivedu parti et dans les faiblesses du système financier et du système de droits de propriété. D´un côté,l´économie est bénéficiée par la force de l´État et par les mesures adoptées pour renforcer saposition internationale. De l´autre, il y a des tensions entre une économie plus complexe et unestructure institutionnelle très spécifique. Un autre point exploré dans l´article, c´est celui des effortsadoptés pour renforcer la capacité industrielle et technologique, en questionnant l´effectivité de la

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politique industrielle dans la phase actuelle du capitalisme. Enfin, l´article travaille d´autres défis dumodèle chinois, même dans le domaine social, en soulignant comment l´on fait face à eux.

MOTS-CLÉS: Chine; institutions; développement; État de développement; Économie Politique.

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LE LÉGISLATIF ET LA POLITIQUE COMMERCIALE : L´APPROBATION DU TLC AVECLES ÉTATS-UNIS DANS LES LÉGISLATIFS SUD-AMÉRICAINS

Pedro Feliú Ribeiro

L´Article analyse les votes nominaux de trois Législatifs sud-américains (Chili, Colombie et Pérou)autour de la ratification du Traité de Libre Commerce avec les États-Unis. La question centralec´est : Quels sont les facteurs déterminants du vote du législateur dans l’approbation du TLC avecles États-Unis ? Trois hypothèses centrales émergent de la littérature : les relations États-Unis avecl’Amérique Latine produisent un clivage idéologique (droite-gauche) entre les partis politiques ducontinent, l´appartenance du législateur à la coalition de gouvernement dans le pouvoir Législatif etles facteurs socio-économiques des districts électoraux des législateurs. En utilisant le modèle derégression logistique, nous soulignons que l´idéologie des législateurs péruviens explique leurs votesdans le TLC avec les États-Unis, ce qui indique que, le plus à gauche est le législateur, la plus petiteprobabilité que le traité mentionné soit approuvé. Dans le cas chilien, le taux de chômage du districtélectoral du député chilien a un plus grande capacité explicative, ce qui révèle que, le plus haut est letaux de chômage, la plus petite probabilité de l´approbation du TLC avec les États-Unis. Dans le casdu sénat colombien, il y a une forte association entre l´appartenance du sénateur à la coalition degouvernement et l´approbation du TLC, révélant l´influence de cette variable institutionnelle dans levote du Sénat colombien. En plus de l´appartenance ou non à la coalition de gouvernement, l´idéologiedu parti politique du législateur colombien est présentée aussi autant qu´un facteur explicatif importantde son vote.

MOTS-CLÉS: politique commerciale; Législatifs Sud-américains; traité de libre commerce;États-Unis.

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LE PROCESSUS DE DÉCISION AU SUPRÊME TRIBUNAL FÉDÉRAL: LES COALITIONSET LES « GROUPES FERMÉS »

Fabiana Luci de Oliveira

L´Article analyse la manière dont le Suprême Tribunal Fédéral (STF) élabore ses décisions. À partirde cette problématique, nous analysons comment les ministres s´assemblent pour décider les cas.Une partie de la littérature qui aborde le thème argumente qu´il y a un haut niveau de personnalismedans les jugements du STF, ce qui signale que le tribunal fonctionne plutôt comme une somme devotes individuels, au lieu d´un corps institutionnel. Nous le constatons quand on considère des casisolés et de grande répercussion. Mais serait-il applicable aussi à un grand volume de décisions,analysées ensemble? Pour répondre à cette question, nous avons suivi les pas des auteurs quiquestionnent l´action du STF autant qu´un corps institutionnel unitaire, mais nous affirmons qu´ils´agit plutôt de la composition de coalitions temporaires et de groupes exclusifs constants (dénommésen portugais « panelinhas »), constitués selon la nomination présidentielle. L´argument est testé àpartir de l´analyse empirique des 1277 Actions Directes d´Inconstitutionnalité (ADINs), jugées par leSTF entre les années 1999 et 2006. On conclut que les ministres nommés par un même président onttendance à voter ensemble, plutôt qu´à diviser leur votes, et que la cohésion vérifiée entre les ministresnommés par un même président est plus grande que celle de la cour généralement. Dans les périodesanalysées, en plus des coalitions, deux « panelinhas » ont aussi été identifiées, la première composée