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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR: A PRÁTICA DA
PESQUISA COMO EIXO NORTEADOR
Este trabalho tem como objetivo evidenciar a importância da pesquisa no processo de formação e atuação do professor. A investigação em torno do tema procede ante a demanda para a melhoria da qualificação e formação de professores nas últimas décadas. Observa-se que a globalização do conhecimento coloca para a humanidade de modo acelerado, o desafio de acompanhar com competência os avanços da tecnolgia e das novas descobertas científicas. Por outro lado, observa-se também que, enquanto uma determinada pesquisa ou descoberta não chegou ainda aos resultados e conclusões, outras já estão em andamento ou superando os resultados. Situação que tem demandado uma visão da complexidade dos conhecimentos. Partimos do pressuposto que a interpretação da história tem um papel fundamental para a busca das origens dos problemas ambientais que a sociedade vivencia atualmente. Desse entendimento retomamos alguns momentos da história de vida, associando o processo de formação com a atuação profissional em diferentes níveis de atuação. Intentamos a compreensão de como o professor busca a inserção das questões ambientais em suas práticas de sala de aula, a percepção e a sinalização das possibilidades dessa inserção em seu planejamento. Sinalizamos que a metodologia da pesquisa qualitativa dá suporte para reflexões e análises em torno da teoria e da prática; possibilita a associação de dados recolhidos de vivências e memórias significativas da trajetória do professor contextualizando os problemas ambientais no cotidiano escolar. Nas conclusões enfatizamos a importância da pesquisa e dos diagnósticos das questões ambientais, com vistas a transversalização destes na organização curricular, especialmente nos programas de formação de professores. Ressaltamos o papel da pesquisa como contribuição para a melhoria da qualificação e desempenho destes profissionais frente às exigências para a produção de novos conhecimentos incorporando a visão da complexidade ambiental.
Palavras-chave: Formação de professores, ambiente, memórias, pesquisa.
Nos últimos anos, ampliou-se o consenso sobre a centralidade que a educação ocupa nas
estratégias de desenvolvimento na estrutura da sociedade. As instituições de educação
têm enfrentado a cada dia o desafio de atender às demandas dos diferentes contextos
que se entrelaçam caracterizando a globalização vigente. Registra-se, alto percentual da
população marginalizada do processo de acumulação das riquezas, representando a
degradação mais visível do planeta terra, gerada pelo “desenvolvimento” com
divergências nas características culturais de cada comunidade.
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Maria Sacramento Aquino
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Na atual sociedade brasileira, dentre as exigências demandadas à escola e ao trabalho
dos professores estão: a habilidade para a compreensão da necessidade de afeto dos
alunos, lidar com a questão das drogas, o controle da violência nos espaços da escola, ao
lado da tarefa fundamental que é possibilitar o desenvolvimento de habilidade e
competência para o desafio do mercado de trabalho, cada vez mais seletivo e exigente
de qualificação em todas as instâncias da produção.
Nesse contexto, ressalta-se a centralidade colocada no papel do professor, na
caracterização de um novo perfil de professor, na demanda por profissionais da
Educação em condições de analisar, compreender e interpretar os contextos históricos,
sociais, culturais e político que fazem parte das relações ambientais em seu campo de
atuação. Assim, a perspectiva de ações multidimensionais e integradas para os
problemas sociais e individuais da humanidade está no centro das concepções, das
idéias, da urgência de formação pessoal e profissional de qualidade para as relações
ambientais no mercado de trabalho. De modo que, os segmentos economia, política,
cultura e educação não são áreas isoladas, mas interligadas, transversalizadas e
integradas como pauta do pensamento crítico e globalizado.
Neste sentido, durante a realização da Rio-92, movimentos sociais de todo o mundo
reunidos no Fórum Global das ONGs formularam o Tratado de Educação Ambiental
para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidades Globais (BRASIL, 1992), aprovado
em plenária de 06/06/1992, o qual enfatiza que as ações devem ter como princípio:
“incentivar a produção de conhecimento, políticas, metodologias e práticas de Educação
Ambiental em todos os espaços de educação formal e não formal, para todas as faixas
etárias”. Tratado de repercussão internacional, diante da sua natureza e significância.
Vale ressaltar, que no Brasil, a emergência da sustentabilidade ambiental confronta a
estrutura organizacional política cultural do país com a necessidade de acelerar o
processo de democratização do acesso à escola pública com oferta de educação de
qualidade em todos os níveis. A organização do Projeto Político Pedagógico da Escola,
exigência das Diretrizes e Bases da Educação, na prática, não tem se efetivado com
qualidade a contento. A pesquisa é uma estratégia que possibilita diagnosticar os
entraves cotidianos da organização e da concepção curricular da escola, questionando,
por exemplo: as verbas do município para a educação; quanto é destinado da verba para
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a formação do professor; dentre outras alocações previstas para as verbas de cada
escola.
Desta forma, a abordagem dos problemas ambientais a partir de diagnósticos possibilita
novas assimilações, postura crítica e clareza quanto à significância da organização
curricular do projeto político-pedagógico da escola. Possibilita a percepção das
contradições que são evidenciadas entre a teoria e a prática, dos saberes que são
desenvolvidos no processo ensino – aprendizagem no cotidiano da instituição escolar.
Testemunhos e vivências ambientais como estratégia de pesquisa
A formação de professor nunca foi prioridade nas políticas públicas brasileiras. A
Educação formal tem origem e influência na Educação implantada pelos Jesuítas. Para
Romanelli (1985), do ponto de vista das atividades de produção, o currículo jesuítico
era sem utilidade prática visível em uma economia fundada na agricultura rudimentar e
no trabalho escravo. A história registra que, só em 1827, foi criada a primeira legislação
para a alfabetização das crianças brasileiras.
De modo que a iniciação da leitura e da escrita era oferecida pela própria família, e em
alguns casos, reforçada nos colégios, geralmente para os filhos dos nobres. Os jesuítas
não se dedicaram à educação das camadas populares, caracterizando seu sistema de
ensino como aristocrático. A concepção dos jesuítas se confirma com o argumento de
Inácio de Loyola: “ensinar os ignorantes a ler e escrever seria uma obra de caridade se a
Companhia de Jesus tivesse suficientes membros para prover a tudo”. As evidências
apontam que o analfabetismo tem forte herança da escola da colonização.
No início da minha escola primária (décadas de 1950-1960) as lições de matemática
eram temidas, a sabatina, com uso da palmatória (uma peça circular de madeira) ou
palmadas aplicadas em quem errava o questionamento da professora, era precedida de
ansiedade, medo e vergonha de errar! Quem errava era alvo de brincadeiras
depreciativas entre os colegas. A luz da ciência, Piaget (1967) contraria estas práticas,
com a demonstração das operações mentais e concretas no processo ensino-
aprendizagem estabelecendo bases para uma concepção didática. A aquisição do
conhecimento para GÓMEZ (1998), “não é nunca uma mera cópia figurativa do real, é
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uma elaboração subjetiva que desemboca na aquisição de representações organizadas do
real e na formação de instrumentos formais de conhecimentos” (p. 34).
De modo que, recorremos narrativas, relatos as orais e escritos como testemunhos e
experiências educacionais vividas, e, que utilizadas como estratégias de pesquisa
representam objetos de reflexão crítica e resgate de outras perspectivas sobre a função
social da escola. A expectativa da provocação se estende a transversalização de
conteúdos sócio ambientais na organização curricular dos cursos de formação de
professores e da educação básica através do Projeto Político-Pedagógico para a Escola.
Para tanto, contamos com o respaldo das Ciências Sociais que considera a
contextualização de experiências de vida, como um recurso de investigação no espaço
histórico-geográfico, social e político, em que transcorrem interações e ações através de
diferentes meios de comunicação e linguagens. A pesquisa possibilita ao profissional da
educação tornar-se um pesquisador de suas próprias práticas, exercitando os meios para
a validação de seus conhecimentos através do cotidiano, espaço em que “as grandes
certezas são confirmadas ou negadas, e o que complica ainda mais é que às vezes a
mesma certeza num momento é confirmada, no momento seguinte, é negada”
(GARCIA, 2003a, p. 195).
Associar a construção sócio-histórica ao processo de formação oportuniza um novo
olhar para a escrita narrativa. Um “mergulho na interioridade, do conhecimento de si, ao
configurar-se como atividade formadora porque remete o sujeito para uma posição de
aprendente e questiona suas identidades a partir de diferentes modalidades de registro
que realiza sobre suas aprendizagens experienciais” SOUZA (2006, p. 136). De modo
que, dialogamos com a história da educação mais ampla, com recortes entre formação e
desempenho profissional, recorrendo às memórias que desvelada e contextualizada
produz contribuições para o presente e o futuro.
Nesse sentido, revisando os “arquivos” da memória, do inicio da formação (década de
1960) refletimos sobre a situação de descaso e preconceito com relação às mulheres,
destinadas a permanecer em casa. Na concepção de algumas famílias, a filha não devia
ir à escola “corria o risco de aprender a fazer carta para o namorado”. Não necessitava
da leitura e da escrita para os afazeres domésticos.
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Hoje, o problema reside em desafios inconcebíveis para a base familiar. Os dados sobre
a prostituição apresentam casos de crianças com até oito anos de idade; situações em
que a própria família encaminha as filhas à prostituição como meio de sobrevivência. O
Congresso Nacional tem apresentado dados das CPIs que são realizadas com
investigações em todo país, principalmente na região Nordeste com o maior foco de
prostituição, em todas as idades.
A população clama por Política pública onde a pessoa não seja desconsiderada, o outro
não seja visto como nada. O outro é o outro gênero; representa a cor diferente; pode ser
outra sexualidade, ou raça diferente; pode ser de outra nacionalidade, o outro apresenta
um tipo físico ou um corpo diferente (SILVA, 2000). Cresce assim, a significância para
a transversalidade de conteúdos que tratam das drogas, da prostituição, da fome, do
desemprego, da degradação ambiental e humana, no cotidiano da escola.
Logo, urge a formação continuada, como a oportunidade do professor penetrar na
engrenagem da sociedade com olhar crítico; a possibilidade de adquirir novas idéias
para enfrentar os desafios. Nesse contexto urge uma reflexão em torno do papel do
professor. Ao longo da Historia cada geração educa a subseqüente a partir do seu
entendimento do que é o ser humano. A pedagogia se constitui dessa dialética que é
fundamental para a construção da formação, no sentido de que cada geração implementa
uma pedagogia contextual.
Portanto, faz-se necessário levantarmos reflexões em torno das condições para a
reconstrução de uma cultura, com tomada de decisões de consciência individual ou
coletiva. Ou se permanecemos impregnados de uma concepção filosófica que considera
mais importante os 50 minutos da aula, independente do que acontece lá fora [...].
Esperávamos atuação mais coerente de alguns professores que são egressos dos Cursos
de Licenciatura ou Pedagogia, cursos que foram reformulados, a partir da LDB de 1996,
no sentido de adequar os conteúdos curriculares para formação de professores, ante as
demandas das novas linguagens na sociedade.
Considerando a situação das implicações profissionais provocamos uma discussão para
a percepção das dificuldades que os professores apresentam para a inserção da educação
ambiental ao projeto de trabalho da escola. E, assim registramos posicionamentos de
gestores da educação na comunidade em que as ações da escola se efetivam:
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▪ Registro 01:. “Elegemos um tema transversal a cada ano. Meio ambiente este ano fica para
o trabalho do segundo semestre”.
▪ Registro 02: “Todo ano a gente faz qualquer coisa sobre meio ambiente”. “O planejamento
é mais com professores do mesmo turno, não temos condição de reunir todos ao mesmo tempo,
a maioria trabalha em 02, 03 escolas, durante o ano”.
▪ Registro 03: “Este ano estamos contando com a colaboração de uma professora que vai nos
ajudar no nosso planejamento. Quanto ao trabalho com o meio ambiente, é difícil: o carro do
lixo passa e logo depois a população coloca todo lixo na rua outra vez, tem de ter uma
conscientização”.
▪ Registro 04: “É difícil planejar sem verba o que recebemos não cobre as despesa mínimas”.
“Este é o nosso projeto: Lixo: natureza e conscientização”.
▪ Registro 05: [...] não temos arborização só promessa da vice-prefeita que tem um projeto que
vai melhorar as condições do conjunto. “As crianças têm convívio com os urubus na área”.
Analisando os relatos, em um primeiro momento não se percebe a possibilidade de
contemplação dos temas Transversais sugeridos pelos PCNs para a organização do
currículo e a gestão do conhecimento na instituição escolar. Efetivamente a
transversalidade da questão ambiental requer a consideração da complexidade dos
conteúdos, da integração e interação entre estes, em todo planejamento das atividades
práticas no cotidiano escolar e não somente em ações isoladas e pontuais como tem
evidenciado algumas organizações curriculares.
Em parte, atribui-se às dificuldades para a inserção das questões ambientais na
organização curricular, ao fato de a história do pensamento ocidental ter sido norteada
pelo paradigma da ciência compartimentada. “Separou-se o espírito da matéria; a
filosofia da ciência; separou-se o conhecimento particular que vem da literatura e da
música, do conhecimento que vem da pesquisa científica. Separaram-se as disciplinas,
as ciências, as técnicas. Separou-se o sujeito do conhecimento do objeto do
conhecimento”. (MORIN, 2006, p. 17).
Por outro lado, se buscarmos significados nas falas dos professores podemos
desenvolver atividades com diferentes conteúdos, e transversalizados com o foco nas
relações ambientais. Vejamos a situação ambiental do registro nº 05 quando diz: “as
crianças aqui têm convívio com os urubus que ficam na área”. Com um olhar reflexivo
se desenvolve um projeto de pesquisa, envolvendo todos os profissionais da escola.
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A situação apresenta um problema concreto da comunidade com conteúdos
significativos para elaboração de um diagnóstico com conteúdos que podem fazer parte
do currículo da escola permeado em diferentes disciplinas. Por exemplo: qual o
significado da presença do urubu na vizinhança da escola? Uma tempestade de
questionamentos em torno da situação provavelmente justificará uma atividade de
investigativa. Entretanto, nos resta questionar se os professores têm habilidade e o
devido embasamento para a elaboração de um projeto de pesquisa.
No registro nº 04: “não podemos trabalhar sem verbas”. Para esta diretora a falta de
verbas significa a impossibilidade da atuação da escola junto aos problemas ambientais
da comunidade. Percebe-se nesta situação um sério problema ambiental, com
possibilidades de provocação aos alunos, sobre direitos, deveres e exercício de
cidadania. Para tanto, formular um projeto de pesquisa sobre o destino dos impostos, o
papel das políticas públicas, a manipulação e a gestão dos recursos oriundos dos
impostos que são destinados á educação.
Nesse entendimento enfatizamos que a prática da pesquisa é um forte instrumento para
a transversalidade dos conteúdos no currículo da escola, a partir de uma situação
concreta da comunidade. Por exemplo: organizar uma pesquisa com os alunos para
verificar junto aos órgãos competentes e responsáveis, quanto cada aluno recebe do
Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica - FUNDEB, verba que é
destinada aos municípios por quantidade de aluno matriculado. Como os recursos
destinados ao município são distribuídos entre as escolas? Como a escola pode utilizar
estes recursos? E assim uma série de outras questões para uma pesquisa significante.
Entendemos que o chamamento explícito que a LDB faz aos professores para a
participação na elaboração do projeto pedagógico do estabelecimento do ensino,
significa participar de um amplo processo de planejamento participativo, em que a
preocupação maior está centrada no processo e não no produto final. As motivações
para esta abordagem são oriundas das dificuldades quanto à prática do planejamento nas
escolas. Enquanto professora e formadora, tenho vivenciado e observado que a nossa
situação não tem mudado em termos de pesquisa que favoreça a escolha de conteúdos
significativos para a organização do currículo.
A Gestão da Educação Ambiental como tema transversal no currículo escolar, postula-
se como concepção interdisciplinar, transdisciplinar, multidisciplinar do conhecimento a
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partir da apreensão dos conteúdos vinculados ao cotidiano da coletividade. As questões
relacionadas ao meio ambiente permeiam necessariamente toda a prática educativa que
abarca as relações entre os alunos, entre alunos professores, entre estes e os demais
membros da comunidade escolar e da comunidade de um modo geral.
Nesse sentido, um dos focos dessa abordagem, o projeto Projeto Político Pedagógico da
Escola, tem sido perceber como o professor enfoca a inserção das questões ambientais
em sua prática, se existe a sinalização das possibilidades dessa inserção em seu
planejamento de trabalho. Se o professor exerce o papel de detetive do conhecimento,
como uma estratégia de autonomia da escola. Segundo Wittmann (2000), “o fundante
decisivo desta situação é a mudança das regras das relações que vêm se engendrando na
sociedade e no ato pedagógico. As relações pedagógicas são da mesma tessitura das
relações sociais” (p. 88). A recriação de postura passa pela competência profissional,
pautada na práxis, na condição de cidadão.
Ressaltamos que a educação ambiental é multirreferencial na sua essência, teórica e
prática, abrindo possibilidades para a compreensão da heterogeneidade dos contextos
que não podem ser mutilados com análises de um ponto de vista, de uma referência ou
de uma verdade. De modo que, a complexidade ambiental está associada a todas as
dimensões humanas e os “conceitos estão entrelaçados, interligados, articulados,
permitindo possíveis trânsitos de múltiplos saberes, sem se reduzir a nenhum”
(RUSCHEINSKY, 2002, p. 173).
Nesse entendimento, nós temos clareza do que significa a sustentabilidade ambiental?
De que a passagem de um modelo de desenvolvimento predatório a um modelo
sustentável em uma estrutura de sociedade, pautada em exclusões e desigualdades tem
muitas implicações? Que o ambiente não pode conviver com miséria, com
analfabetismo, com desemprego, com intolerância religiosa, com a fome e todo tipo de
desigualdade que a sociedade registra.
Possibilidades de transversalização da questão ambiental no currículo escolar
A perspectiva de sustentabilidade das relações sócio-ambientais requer das instituições
que trabalham com educação, através de seu corpo docente, a revisão de conceitos e
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categorias para a análise das relações sociais, da produção e principalmente das relações
de poder na sociedade que permeia o cotidiano das atividades escolares. As atividades
de pesquisa, com foco na questão ambiental encontram forte inspiração em estratégias
que têm relação com trabalho denominada estudo do cotidiano escolar com
características de estudos etnográficos.
A etnografia possibilita a compreensão do papel socializador da escola na gestão do
conhecimento, “na transmissão dos conteúdos acadêmicos, seja na veiculação das
crenças e valores que aparecem nas ações, interações, nas rotinas e nas relações sociais
que caracterizam o cotidiano da experiência escolar” (ANDRÉ, 2002, pg. 39).
Experiência que poderá ser transportada para o projeto político pedagógico da escola
através do professor. De modo que, a integração da Educação Ambiental na organização
do currículo permeia o Projeto Político Pedagógico da Escola em consonância com o
cotidiano da prática de cada professor.
Aos professores enquanto pesquisadores, conforme Haguette (2000) no que se refere às
estratégias de pesquisa interessam mesmo são os seguintes parâmetros: a) como a
sociedade tem se estruturado e se transformado, os mecanismos que interagem entre o
macro e as microestruturas; b) a historicidade da ação humana; c) os fatores que
constroem a dinâmica da história; d) responder às questões. Os procedimentos
metodológicos da pesquisa deverão ser norteados por fatos reais da comunidade.
Fazenda (2002) afirma, a interdisciplinaridade no contexto da internacionalização do
conhecimento caracteriza-se por intensa troca entre os homens, uma nova atitude diante
da questão do conhecimento e da troca de saberes, novas formas de aproximação da
realidade social e leituras das dimensões socioculturais.
Sacristán (1998) defende a perspectiva da reflexão e da crítica nas relações do currículo
com as questões da sociedade, e os processos intelectuais na aprendizagem. Não se
exerce a reflexão no vazio, mas com foco em objetos significativos. Enquanto LEFF
(2001) afirma que os pontos cegos e impensáveis da razão modernizante, do ambiente:
excluído, oprimido, degradado, desintegrado, não se preenchem ecologizando a
economia, “mas transformando seus paradigmas de conhecimento para construir uma
nova realidade social. Sob esta perspectiva, o ambiente transforma as ciências e gera um
processo de ambientalização interdisciplinar do saber” (p.145).
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Para Assmann (2000), “só se conhece aquilo que tem nexo com o mundo do desejável.
Com variações circunstanciais, a porção maior de nossos mundos desejáveis é bordada
por linguagens que borbulham desde o imaginário” (p. 282). Assim, na figura a seguir
uma sugestão para buscarmos significados em coisas consideradas “bobas” no cotidiano
da comunidade local e a sociedade de um modo geral;
O quadro sugerindo possibilidade de transversalizar conteúdos horizontalmente e
verticalmente na prática pedagógica enfatiza a preocupação com o cotidiano das
práticas no sentido de valorização da produção cultural da comunidade, com a
aproximação do mundo do desejável do aluno e valorizando suas experiências, seu
modo de vida. Uma das estratégias, se não a mais coerente, é juntamente com os alunos,
nos transformarmos em detetives do conhecimento na comunidade, de sermos agentes
de investigação.
E assim, buscarmos outros significados para as tradicionais tarefas da escola que na
maioria das vezes o aluno passa horas copiando conteúdos que, em muitas situações
estas atividades não são corrigidas e devolvidas para o aluno confrontar acertos e erros.
Conteúdo proveniente de investigação criteriosa, ética, pode ser lido e enriquecido com
a participação de todos os alunos, com a motivação da turma para a elaboração de
alternativas para os problemas.
Neste sentido, o desenvolvimento de uma pesquisa, desde os primeiros contatos, deve
considerar a hierarquia da instituição. Os instrumentos de abordagem, em algumas
situações, já representam parte dos dados para as análises de uma realidade, de um
perfil, da caracterização do ambiente ao qual se destina a investigação.
Quanto a metodologia da pesquisa nos espaços da educação, no cotidiano da escola, não
se aprende antecipadamente, cria-se no processo, considerando as surpresas que
geralmente se apresentam com forte significado nas estratégias para recolhimento de
dados nas atividades desenvolvidas em toda a comunidade na qual está inserido o nosso
campo de atuação.
Conclusões e Considerações
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Nesta breve abordagem evidenciamos o papel da pesquisa na formação do professor
com o foco nas questões ambientais com possibilidades de identificação de problemas
crônicos e complexos do espaço de atuação da escola. Evidenciamos que o trabalho de
investigação e produção de conhecimento em educação não pode ser considerado
conclusivo, acabado, mas, sempre parciais, passíveis de mudanças, de alterações, em
andamento, se desdobrando em novos e diferentes fenômenos e temas.
As evidências apontam que a maioria dos professores, embora confirmem trabalhar a questão
ambiental, desconhecem os PCNs. Evidenciam assim, a contradição e o descompasso entre a
teoria e a prática do planejamento. Logo, a formação do professor fundamentada em conteúdos
contextualizados nas relações ambientais, na leitura da realidade histórica e cultural favorecerá a
efetivação do projeto político e pedagógico de educação em qualquer instância da Educação
Nacional, superando asssim, as práticas desconectadas, sem continuidade de propósitos, sem
filosofia explícita, geralmente de forma oportunista e demagógica.
A articulação bem intencionada com os princípios da educação de qualidade dará prioridade aos
programas de formação de professores que exercite a pesquisa em suas atividades cotidianas,
respeitando as particularidades de cada comunidade sem perder de vista, o por quê, para que,
como, com quem, para quem se efetiva a alocação das verbas, a obrigatoriedade da educação de
qualidade para todos conforme prevê a Constituição.
As evidências sinalizam também que, a prática da pesquisa na formação do professor
possibilitará a desconstrução da cultura escolar que fomenta a negação das identidades
culturais brasileiras. O propósito da pesquisa como recurso de formação pressupõe uma
interação construtiva no sentido do crescimento e da valorização do outro, que nos leva
a mais reflexões no que toca a interação com os alunos, com a comunidade onde
atuamos profissionalmente.
É forte a evidência de que a humanidade demanda a igualdade, a justiça, uma sociedade
aberta e tolerante que respeite as diferentes culturas que se entrelaçam e ultrapassam as
fronteiras. Questões permeiam todo processo educativo. Entretanto, nos questionamos
se estamos preparados para o diálogo intercultural com ética, com humildade, senso
crítico, sem o dogmatismo tão enraizado em nossos posicionamentos cotidianos.
Urge uma revisão da postura de meros repassadores de mensagens e informações para
uma postura que busque estratégias de desenvolvimento da criatividade de, do senso
crítico de professores e alunos, simultaneamente. Este contexto clama pela
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instrumentalização para o exercício e o papel de detetives do conhecimento na
comunidade.
A provocação destas reflexões tem a expectativa de que a pesquisa represente sempre o
“carro chefe” para o diagnóstico dos problemas ambientais nas comunidades. Que todos
estes aspectos juntos, justifiquem a pesquisa como ferramenta indispensável para o
ensino-aprendizagem em todos os níveis de ensino, principalmente na base da educação
formal.
Esperamos que estas reflexões sobre o papel da pesquisa contribuam para novas
formulações curriculares, considerando a complexidade dos conteúdos na perspectiva
do equilíbrio e da sustentabilidade ambiental para a qualidade de vida. Que resultados
de pesquisa sejam sempre pautadas pela ética, pela competência, sem dogmatismos ou
fanatismos de quaisquer ordens, enfim, pela justiça, E ainda considerando que o ser
humano significa o ser mais importante do nosso ambiente, no planeta Terra.
Concluindo, a pesquisa no processo de formação e atuação do professor possibilita a
desconstrução da fundamentação e do embasamento, o qual tem induzido os educadores
a separarem a teoria da prática na produção do conhecimento, “aquele que pensa
daquele que faz”. A condição tal, que leva à reprodução desigual do modo de produção
capitalista. Nós educadores carecemos de embasamento teórico que ative a percepção de
que o crescimento capitalista sem reflexão crítica fortalece as relações de poder na
sociedade facilita a manipulação desordenada dos recursos naturais e materiais.
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