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A EDUCAÇÃO FÍSICA NA INSTRUÇÃO PÚBLICA PRIMÁRIA DO PARÁ (1918 –
1928): DA CONSTITUIÇÃO Á CONSOLIDAÇÃO DE UMA DISCIPLINA*
ELIS PRICILA AGUIAR DA SILVA**
MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO DE SOUZA AVELINO DE FRANÇA***
INTRODUÇÃO
Este artigo é originário de uma pesquisa de dissertação em desenvolvimento intitulada
“A Educação Física na Instrução Pública Primária no Pará entre os anos de 1918 a 1938”,
orientada pela Drª. Maria do Perpétuo Socorro de Souza Avelino de França, vinculada a linha
de pesquisa “Saberes Culturais e Educação na Amazônia”, do curso de Mestrado em
Educação da Universidade do Estado do Pará – UEPA.
O período histórico abordado neste texto se localiza entre os anos de 1918 e 1928,
momento em que, a partir do Regulamento Geral da Instrução Pública de 1918, a Educação
Física, entendida nesse momento pela ginástica, exercícios militares, o qual seria substituído
posteriormente pelo escotismo, foi instituída como obrigatória. Originando assim, uma série
de medidas necessárias para a implantação dessas práticas corporais nos estabelecimentos de
ensino primário.
METODOLOGIA
Esta pesquisa se insere no campo dos estudos denominado história das disciplinas
escolares, Chervel (1990), em sua obra “História das disciplinas escolares: reflexões sobre um
campo de pesquisa”, indica a importância de se estudar as disciplinas, uma vez que:
São criações espontâneas e originais do sistema escolar é que as disciplinas
merecem um interesse todo particular. E porque o sistema escolar é detentor de um
poder criativo insuficientemente valorizado até aqui é que ele desempenha na
sociedade um papel o qual não se percebeu que era duplo: de fato ele forma não
somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar,
moldar, modificar a cultura da sociedade global. (p. 188)
No que tange a nossa abordagem metodológica lançamos mão da história cultural na
busca de compreender o ensino da educação física na instrução primária pública em um local
determinado, o Pará, dentro de um determinado momento histórico, entre os anos de 1918 e
* Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnológico (CNPQ). ** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPA; graduada em Licenciatura Plena em
Educação Física (UEPA) e Membro do Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia (GHEDA). *** Pós – Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS);
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPA; Líder do Grupo de Pesquisa História da
Educação na Amazônia (GHEDA).
2
1928, na perspectiva de construção de uma narrativa que contribua para “a representação do
passado, que formula versões – compreensíveis, plausíveis, verossímeis- sobre experiências que se
passam por fora do vivido.” (PESAVENTO, 2008, p. 42).
Por se tratar de um trabalho histórico-educacional utilizamos a pesquisa documental.
Segundo Rodrigues e França, a pesquisa documental “utiliza materiais que não receberam
ainda um tratamento analítico, ou que podem passar por novas análises de acordo com os
objetivos da pesquisa.” (2010, p. 55).
Como fontes documentais principais foram utilizadas: o Regulamento Geral da
Instrução Pública Primária de 1918, a revista “O Ensino” de 1918 e 1919, as mensagens dos
governadores Lauro Sodré (1917 a 1920), Antonio de Sousa Castro (1921 a 1924), Dionysio
Ausier Bentes (1925 a 1928), o jornal “Diário Oficial do Estado do Pará” (1919 a 1928), entre
outros, além da produção historiográfica pertinente a educação física no país.
As fontes foram localizadas na seção de obras raras e de microfilmagem da Biblioteca
Pública Arthur Viana em Belém do Pará.
O Início da Obrigatoriedade da Educação Física: o regulamento da instrução primária
de 1918
A Diretoria de Instrução Pública Primária do Pará atenta as discussões realizadas pelos
pedagogos e médicos paraenses e do restante do Brasil em prol da importância da educação
física no cotidiano do ensino primário, institui pelo Decreto n. 3.356 de 07 de maio 1918, que
alterou o Regulamento Geral da Instrução Pública Primária do Pará na seção “Do ensino
primário de letras”, no art. 3º “os exercícios militares e de calistenia sueca, apropriados a
idade e ao sexo dos alunos (p. 3)” como disciplinas para o currículo do ensino primário, e na
seção “Da higiene Escolar” no art. 266º complementa: “Os exercícios de ginástica são
obrigatórios, duas vezes por semana, para todos os alunos, salvo contraindicação do inspetor
sanitário ou á requisição da família, sob atestado médico (p. 51)” (PARÁ, REGULAMENTO
GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ,1918).
Ainda de acordo com o referido Regulamento, na seção “das aulas e das férias” temos
a prescrição da quantidade de dias e os horários no qual a educação física deveria acontecer e
institui que, o ensino da ginástica destinava-se aos alunos de ambos os sexos, mas os
exercícios militares somente para os alunos do sexo masculino. “Em dias que serão regulados,
duas vezes por semana, das 3 ½ ás 5 ½ da tarde, para o ensino da ginástica aos alunos de
3
ambos os sexos e de exercícios militares, aos alunos do sexo masculino (art. 146)” (PARÁ,
REGULAMENTO GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ,1918, p.
32).
O sistema de ginástica ministrado na instrução primária do Pará nesse período foi o
sueco, idealizado por Per Henrik Ling, é composto por três tipos de ginástica sendo, ginástica
pedagógica/ educativa, ginástica militar, ginástica médica.
A ginástica pedagógica/ educativa: recomendada aos indivíduos saudáveis apresenta
um caráter educacional e social: educacional pois, seus exercícios essencialmente
respiratórios buscam educar o corpo com objetivo de prevenir alterações posturais. E social/
patriótica, ao formar, através da disciplina empregada para realização desses exercícios,
cidadãos também obedientes a ordem e a serviço da sociedade. A ginástica militar: combina
exercícios da ginástica pedagógica com exercícios típicos militares como tiro e esgrima. Por
fim, a ginástica médica/ortopédica: indicada para indivíduos com alguma enfermidade ou
defeito postural, que com exercícios específicos para cada caso, curaria ou minimizaria tais
situações (MARINHO, 1965).
Segundo a mensagem do Governador Lauro Sodré apresentada ao Congresso
Legislativo em 1919 seria contratado professores para as aulas de ginástica e os exercícios
militares seriam ministradas por instrutores “especiais escolhidos entre os mais habilitados
oficiais inferiores da Brigada Militar do Estado” (PARÁ, MENSAGEM DO GOVERNADOR
DO ESTADO 1919, p. 114),
Sobre a organização das aulas de ginástica sueca e seus conteúdos o “Programa de
Ensino da Instrução Primária” de 1919 prescreve que estas deveriam ser divididas em duas
turmas, separando os alunos por idades e de acordo com o desenvolvimento físico. A primeira
turma deveria ser composta de meninos e meninas com idade de 7 a 10 anos e compreendia a
execução de exercícios de ginástica respiratória, exercícios preliminares de equilíbrio da
cabeça, do tronco, braço e perna, além de marcha simples, devendo essa aula acontecer no
decorrer de 20 minutos (PROGRAMA DE ENSINO DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA, 1919)
Já a segunda turma deveria ser composta de meninos e meninas com idade entre 11 e
14 anos. Esses executariam os mesmo exercícios e exercícios progressivos dos realizados pela
primeira turma, compreendendo diferentes movimentos combinados entre si, além de diversas
4
maneiras de marchar, essa aula deveria acontecer no decorrer de 30 minutos (PROGRAMA
DE ENSINO DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA, 1919).
De acordo com palavras do Diretor de Saúde Pública utilizadas por Lauro Sodré na
mensagem de 1919, apresentada ao Congresso Legislativo, os exercícios respiratórios era
indica, pois, associados a outras medidas desenvolveriam nas crianças resistência à invasão do
bacilo da tuberculose, doença que a cada ano causava um maior número de mortes no Pará.
Problema sobre o qual não estão de acordo todos os higienistas é o da profilaxia
desta espécie nosológica, pois que repelem muitos o isolamento obrigatório dos
doentes, admitindo que o que convêm é colocar o organismo em condições de
resistir à invasão do bacilo de Koch, procurando desenvolver já na criança essas
condições de resistência com meios higiênicos necessários, tais como colônias
escolares, escolas ao ar livre, ginástica respiratória, fiscalização do mobiliário
escolas, etc, fatores que tornem o organismo apto a defender da possível infecção
(PARÁ, MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO, 1919, p. 105)
Continuando essa relação entre a prática da ginástica associada a manutenção ou
recuperação da saúde do alunado paraense, Thomas Nunes, do município de Curuçá, ao
publicar na revista “O Ensino” de 1919, o artigo intitulado “Ginástica Sueca nas Escolas”,
revela sua visão sobre o estado físico das crianças e adolescentes que frequentavam a
instrução primária e a expectativa de transforma-los, lapida-los, “reforma-los” a partir da
ginástica:
O Pará hoje cumpre o seu dever. De suas escolas não sairão falanges de
defeituosos desfilando macabramente aos olhos da multidão, e sim brasileiros
robustecidos pela pratica da ginástica a completar em outro meio a sua formação
intelectual (NUNES, 1919, p. 359.)
No relatório apresentado ao Governador do Estado pelo diretor do Instituto Lauro
Sodré, Antônio Marçal, e publicado na Revista “O Ensino” de 1919, o autor também traz suas
impressões sobre a situação física e moral encontrada entre o alunado do ensino primário,
assim diz:
Um menino, com 11 anos, idade taxativa do Regulamento, viciado, mal educado
enfim, como aqui existem alguns, é um elemento perturbador e profundamente
deletério, que precisa de higiene e da colônia correcional.
Um candidato doente, mas com atestado de saúde, impaludado crônico, com
ancilóstomo duodenal, anemiado por várias causas, alquebrado, sem energia para
o trabalho, apático, sem vivacidade, como se pode verificar aqui um ou outro
especimem, é um mal irremediável; para o hospital seria o caminho. (MARÇAL,
1919, p. 143)
Tomando como base a imagem relatada por Thomas Nunes e Antônio Marçal, a
instrução pública primária, recebia em seus estabelecimentos alunos com vício,
indisciplinados, acometidos das mais variadas doenças, debilitados fisicamente, seja por
5
deformações causada, pelo raquitismo, ou simplesmente em virtude de serem corpos frágeis e
sem vigor e, ambicionava devolver para a sociedade cidadãos regenerados moral e
fisicamente, ou seja, robustos, com alinhamento postural correto, disciplinados, arraigados do
sentimento de coletividade, união, além de dispostos a se sacrificarem pelo Brasil, seja indo a
guerras, ou trabalhando até a exaustão para ver a prosperidade do País.
Em relação a preocupação com a postura ereta dos alunos, essa estava muito além da
questão dos benefícios fisiológicos, seu alcance era também simbólico ao associa-la a
questões de demonstração de orgulho, confiança, esperança, como nos mostra o seguinte
trecho do Programa de Ensino da Instrução Primária de 1919, fazendo referência a disciplina
educação moral e cívica:
Evite no educando, á mesa, no banco de estudo, no recreio e nos passeios a pé ou
em bicicleta, as atitudes viciosas e antifisiológicas; não lhe deixe cruzar os braços
sobre o peito, o que lhe vicia a pouco o tórax; incuta-lhe no espirito o orgulho da
sua raça e o orgulho da sua pátria; [...]aconselhe-o a olhar, confiante, para a frente
e, esperançado, para cima, em busca de longos horizontes; demonstre-lhe que uma
atitude de vencido é impropria de um homem lutador, [...]provi-lhe que a todo
homem cabe uma missão na vida e que falseá-la por fraqueza ou por interesse
pessoal é trair a pátria e as supremas aspirações da humanidade, e ensine-lhe, ao
lado de uma estética atitude física, uma perfeita atitude moral, cultuando o dever e
o amor da verdade e da justiça (PROGRAMMA DE ENSINO DA INSTRUÇÃO
PRIMÁRIA, 1919, p. 193).
Portanto, a educação física e suas estratégias pedagógicas deveriam ser utilizadas para
formar esse novo cidadão, educado em todos os aspectos do seu corpo, devendo saber
controlar a mente e o corpo e com isso subjugar as suas vontades a vontade da Pátria não
agindo na individualidade, mas em função da coletividade.
Dentro das escolas primárias essa função de forjar nas crianças um espírito patriótico,
deveria ser realizada de maneira ordenada e coordenada através das aulas de ginástica sueca,
educação moral e civismo e dos exercícios militares.
No Pará, os exercícios militares aparece pela primeira vez no Regulamento Geral da
Instrução Primária de 18993, no entanto com exceção do Instituto Lauro Sodré
4, não
3 Art. 85. § Único. O ensino de trabalhos manuais, ginástica e exercícios militares, será ministrado pelos próprios
professores do grupo nos respectivos cursos. Seção III – Dos Grupos Escolares. Regulamento Geral da Instrução
Pública Primária, 1899, p. 24. 4 O Instituto Lauro Sodré era um estabelecimento de ensino profissionalizante que também oferecia ensino
primário de acordo com o prescrito pela Diretoria da Instrução Pública foi encontrado indícios dos exercícios
militares. PARÁ, Relatório Instituto Lauro Sodré “1889” F. Chiathi & C. Editores. PARÁ – MILANO. 1889, p.
12 e 38. PARÁ, Monografia do Instituto Lauro Sodré: Escola Profissional do Estado. Typ. e Encadernação do
Instituto Lauro Sodré, 1904, p.
6
localizamos documentos ou referências bibliográficas que indicassem a realização dessa
prática em outros estabelecimentos de ensino primário nesse período.
Historicamente a instrução militar no ensino primário ao redor do mundo começou a
perder força sobretudo durante a 1º guerra e alguns países do mundo como Uruguai e
Argentina na América do Sul e Inglaterra e Alemanha na Europa já haviam extinguido tal
prática de seus estabelecimentos de ensino ou discutiam tal possibilidade. Em São Paulo, o
inspetor de ensino Mário Cardin em relatório ao governo Paulista em 1918 já aconselhava
substituir os exercícios militares pelo escotismo (SOUZA, 2000).
No entanto, no Pará é, em 1918, que a instrução militar é posta como obrigatória no
Regulamento da Instrução Primária e para legitimar os exercício militares como parte da
educação das crianças paraenses os dirigentes e legisladores do Pará vão buscar na França
subsídios ao publicar no jornal, “Diário Oficial do Pará” na seção “Ciências, Indústria e
Artes” em 2 de agosto de 1919, o artigo intitulado “a Educação Física na França – seu
surgimento e a preparação militar como ensino obrigatório, desde a escola” que retratava as
iniciativas do governo francês em reestruturar o país no pós 1ª guerra mundial, não apenas do
ponto de vista material e econômico, mas do revigoramento da raça por meio da educação
física, e lança para isso, um projeto de lei com os seguintes termos “a educação física é
obrigatória para os franceses de ambos os sexos desde a idade de seis anos até a de 17 anos e
que a preparação para o serviço militar e igualmente obrigatória para os rapazes, desde os 17
anos” (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1919, p. 516).
Sobre as perspectivas e os objetivos da inserção dos exercícios militares nos
estabelecimentos de ensino primário, Afrânio Peixoto, em discurso proferido na Conferência
realizada pela Liga da Defesa Nacional em 20 de novembro de 1917 e publicado na revista “O
Ensino” de 1918, afirma ser a instrução militar e a ginástica modeladores do caráter através da
aquisição de virtudes morais, vivenciadas nessas práticas:
Estou convencido que os maus sujeitos que pregam o antipatriotíssimo, ou o
pacifismo subserviente aos povos violentos e agressivos vem das crianças que não
fizeram na escola exercícios ginásticos e militares com que se aprende a ordem, se
conforma á obediência, se submete os ímpetos individuais á vantagem coletiva, se
solidariza e se vem, com a resistência física ás provações, a adquirir a coragem,
com a coragem a capacidade de afrontar o perigo, perigo esquecido na dedicação á
causa nobre da defesa do nosso lar, que se projeta nos outros lares, de todos os
concidadãos (O ENSINO, 1918, p. 69).
Até aqui apresentamos subsídios encontrados no Regulamento de 1918 e em outros
documentos, que indicam a obrigatoriedade dos exercícios militares para o sexo masculino e
7
da ginástica sueca para ambos os sexos na instrução primária e como estes deveriam ser
ministrados.
Todavia, entre o sancionar de uma lei e seu cumprimento no dia a dia da sociedade, e
neste caso na vida escolar, existe uma grande diferença, por isso, buscamos nas páginas do
Diário Oficial do Estado do Pará (1918 a 1928), da Revista “O Ensino” de 1918 e 1919, e das
Mensagens dos Governadores, indícios da implantação da educação física na instrução
pública primária. Mesmo se tratando de documentos oficiais do governo do Pará, entendemos
que estes, a partir da devida analise, podem ser tratados como um reflexo, mesmo que
embaçado, para ajudar na reconstrução e entendimento da educação física no ensino primário
nesse período histórico.
Da construção à consolidação da Educação Física no cotidiano da Instrução Pública
Primária no Pará
Sobre o início da implantação da ginástica nas escolas primárias no Estado do Pará, o
relatório de Raymundo Trindade, diretor do 2º grupo escolar da capital, apresentado ao diretor
da Instrução Pública Primária do Pará, e publicado na Revista “O Ensino” de 1918 temos
indícios de como era realizada a educação física nesse grupo escolar:
Instituímos o ensino da ginástica sueca, aproveitando para esta o tempo do recreio,
o qual, principalmente para os rapazes, é de tal forma desordenado e prejudicial
que mais vale não haver. O instrutor, um atual aluno nosso do Instituto Lauro
Sodré, presta obsequiosamente os seus serviços, sem custar aumento de despesa
para o tesouro essa iniciativa tão proveitosa (TRINDADE, 1918, p. 49).
Ao analisarmos o trecho acima percebemos que as aulas ginástica estavam
acontecendo no horário destinado ao recreio que era de 20 minutos, tempo muito inferior as 2
horas que, segundo o Art. 146º do Regulamento Geral da Instrução Pública Primária de 1918
deveriam ser destinadas para esse fim. Outro ponto a ser analisado é que essas aulas estavam
sendo ministrada por um aluno do Instituto Lauro Sodré, estabelecimento de ensino de caráter
profissionalizante, com nenhuma ligação direta com o preparo para a docência.
Assim, nos primeiros meses da obrigatoriedade da ginástica na instrução primária
acreditamos ter acontecido o sistema que iremos denominar de “instrutores leigos de
ginástica”, esses seriam formados por alunos que, por alguma capacidade física e ou morais,
seja força, resistência, flexibilidade, disciplina, obediência entre outras, se destacavam nas
aulas de ginástica se tornando uma espécie de monitor e posteriormente era indicado para
8
ministrar ginástica em virtude da escarces de professores capacitados para a prática da
ginástica.
No entanto, segundo a circular N. 2.246 enviada pelo diretor da Instrução Pública,
Paulo Maranhão em 26 de julho de 1918, aos diretores dos grupos escolares da capital,
escolas anexas a Escola Normal e Escolas agremiadas5, solicitando que estes enviassem
mensalmente atestados de frequência das professoras de desenho e ginástica para que fosse
realizado o pagamento do salário, indica que ao menos, nos grupos escolares os instrutores
leigos foram substituídos por professoras de ginástica (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO
PARÁ, 1918).
Uma vez que, a implantação da ginástica sueca era recente nos estabelecimentos
escolares muitos ajustes ainda teriam de ser realizado, por isso a Diretoria da Instrução
Pública Primária enviou uma circular6 em agosto de 1918 destinada as professoras de
ginástica, Annita Muller e Naruma Jordan, indicando os equívocos cometidos e indicando as
diretrizes a serem seguidas em relação a organização e a pedagogia dessas aulas.
Quanto a organização das aulas as professoras reuniam em uma mesma turma todos
alunos independentemente da idade e do desenvolvimento físico e esses realizavam os mesmo
exercícios, pelo mesmo período de tempo, invertendo assim a função da ginástica ao torná-la
para muitos um dano a saúde. Para reverter essa prática o indicado pela Diretoria da Instrução
Pública Primária foi dividir os alunos por turmas levando em consideração a idade e mais do
que isso, as condições físicas, devendo os alunos de 8 a 9 anos realizarem 30 minutos de
ginástica já incluindo nesse tempo os movimentos de ordem e os alunos de 10 a 14 anos
deveriam se exercitar por 45 minutos (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1918).
No intuito de tornar perfeita a execução dos movimentos realizados pelos alunos, as
professoras deveriam seguir as seguintes recomendações: jamais ensinar um novo movimento
sem ter a certeza de que todos dominavam o movimento ensinado anteriormente; estruturar as
aulas de maneira que os exercícios mais intensos não fossem ensinados na parte final da aula
reservando para esse momento os exercícios mais fáceis e leves; estar sempre atenta a
execução dos alunos e corrigir todas as faltas mesmo as iniciais, como a posição das mãos, em
5 Entende-se por escolas agremiadas a reunião de escolas isoladas em um mesmo prédio podendo ser unissex ou
mista, nestas se ministrava somente o curso elementar ficando sua direção a cargo de um de seus professores
(REGULAMENTO GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA PRIMÁRIA, 1918). 6 Circular n. 2.650 expedida em 22 de agosto de 1918. Diário Oficial do Estado do Pará, 24 de agosto de 1918, p.
758-759.
9
cada movimento, podendo ser utilizado para essa correção “alunos mais aptos, para o oferecer
de modelo á turma, corrigindo, por seu intermédio, os exercícios mal feitos". Outra
recomendação era específica sobre os exercícios que deveriam ser evitados para meninas
maiores de 12 anos em certo período do mês, os quais não poderiam exigir esforço intenso tal
como os “que se executam com os pés afastados e os braços verticais, flexionando o tronco
para diante e para traz” (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1918, p. 759).
A Diretoria esperava que o cumprimento dessas recomendações pelos professores
tornassem as aulas de ginástica mais interessantes e despertaria a simpatia dos alunos pelos
exercícios pois, com essas modificações na organização e ministração seriam capazes de
aprender.
Quanto aos exercícios miliares, a Diretoria de Instrução Primária agiu rapidamente
para que esse saber fizesse parte da instrução primária, enviando em julho de 1918
solicitações para que o Coronel comandante geral do designasse instrutores militares para os
grupos escolares do interior.
[...]recomendo-vos que providencies no sentido de que os comandantes dos
destacamentos policiais nos municípios de Igarapé-Assú, Bragança, Vigia, Soure,
Cametá, Santarém, Alenquer, Óbidos, abaete, Mocajuba, São Caetano de Odivelas,
Curuçá, Marapanim e maracanã, e vilas do pinheiro, Mosqueiro, Santa Izabel e
Castanhal, onde há grupos escolares, proporcionem instrução militar aos alunos
desses estabelecimentos de ensino, em dias e horas que devem ser combinados com
os respectivos diretores (Diário Oficial do Estado do Pará, 1918)7.
Constatamos que essa solicitação não foi atendida de imediato e se repetiria no
decorrer dos nos de 1919 e 19208, indicando talvez uma resistência ou falta de disponibilidade
por parte dos comandantes dos municípios para serem instrutores nos grupos escolares,
recaindo ao passar do tempo essa função aos militares de patente mais baixa, exemplo disso é
7 Governo do Estado. Secretaria Geral. Expediente do dia 22 de julho. Circular N. 2.185. Diário Oficial do
Estado do Pará 24 de julho de 1918. 8 Governo do Estado. Instrução Pública Primária. Expediente do dia 16 de julho de 1919. Solicitação de instrutor
militar para Castanhal e Bragança. Diário oficial do estado do Pará 18 de julho de 1919. p. 282; Governo do
Estado. Instrução Pública Primária. Expediente do dia 30 de julho de 1919. Solicitação de instrutor militar para
Soure. Diário oficial do estado do Pará 01 de agosto de 1919. p. 494; Governo do Estado. Instrução Pública
Primária. Expediente do dia 17 de março de 1920. Solicitação de instrutor militar para Marapanim e Santarém.
Diário oficial do estado do Pará 19 de março de 1920. p. 1562; Governo do Estado. Instrução Pública Primária.
Expediente do dia 21 de março de 1920. Solicitação de instrutor militar para Abaeté. Diário oficial do estado do
Pará 23 de março de 1920. p. 1623.
10
a designação do cabo Manoel Nogueira para instrutor do grupo escolar Santa Izabel9
(DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1920)
Se a Diretoria de Instrução Primária encontrava dificuldades para implantar a
instrução militar nos munícipios do interior do estado, o mesmo não aconteceu na capital
paraense. Circulares10
enviadas por esta Diretoria aos diretores dos grupos escolares e escolas
agremiadas da capital referentes a estatística da frequência dos alunos nas aulas de exercícios
militares e ginástica, indicam que a instrução militar nos grupos escolares da capital iniciaram
logo nos primeiros meses após o Regulamento Geral da Instrução Pública de 1918.
Apesar dos exercícios militares terem sido constituídos como um saber escolar
obrigatório, no Pará seus conteúdos e forma de ministração eram de exclusiva orientação da
polícia militar, tendo pouca ou talvez nenhuma intervenção da Diretoria da Instrução Pública
Primária, prova disso é a ausência de referência sobre como deveria ser esse ensino no
“Programa de Ensino Primário” de 1919.
Sendo portanto a Policia Militar munida de grande autonomia em relação a execução
da instrução militar foram formados nos estabelecimentos de ensino primário da capital
paraense os chamados “quarteis ou batalhões escolares”.
Cunhando uma expressão de Rosa Fatima de Souza (2000) para definir os batalhões
escolares, estes eram “simulacros de corporações militares”, pois, seguiam as mesmas
hierarquias/patentes presentes no quartel, e estruturavam o sentido de ordem entre os alunos
estabelecendo regras para elevação dessas patente, além de inúmeras normas disciplinares e
penas para transgressões dessas normas.
Tendo como base o Boletim Regimental do grupo escolar Benjamin Constant
publicado no Diário Oficial do Estado do Pará em março de 1920, os batalhões escolares
apresentavam a seguinte organização estrutural: o comandante instrutor, responsável por
ministrar a instrução militar, representava o mais alto nível de autoridade; o comandante da
companhia ou capitão, era a maior patente entre os alunos, sendo subalterno apenas do
comandante instrutor, poderia ser designado para instruir uma unidade; 1º tenente ocuparia
essa patente o aluno que apresentasse melhor capacidade nos exercícios, nas aulas e por idade;
9 Governo do Estado. Instrução Pública Primária. Diário Oficial do Estado do Pará 07 de março de 1920. P.
1334. 10
Governo do Estado. Instrução Pública Primária. Circular n. 2.246 de 26 de julho de 1918. Diário Oficial do
Estado do Pará 30 de julho de 1918. p. 846; Governo do Estado. Instrução Pública Primária. Circular n. 2.753 de
28 de agosto de 1918. Diário Oficial do Estado do Pará 30 de agosto de 1918. p. 846
11
2º tenente, dois ou mais alunos poderiam ocupar essa patente, estes eram responsáveis por
comandar o pelotão; além dessas patentes havia também as de 1º, 2º e 3º sargentos; cabos de
esquadra; anspeçadas ou praças e; os soldados (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ,
1920).
A instrução militar estabelecia normas rígidas relativas a conduta do aluno nas suas
relações interpessoais que deveria ser sempre de: respeito e obediência para com os
superiores; polidez para com os inferiores; assiduidade e disciplina nas aulas de instrução
militar; boa conduta quer dentro ou fora do estabelecimento escolar. O descumprimento de
alguma dessas regras tinham consequências variadas que poderia ser desde uma repreensão
verbal ou em boletim até a exclusão da companhia (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO
PARÁ, 1920).
O prestigio que a instrução militar recebia dentro da instrução primária do Pará pode
ser percebido pelo comparecimento do mais alto representante do estado, o governador Lauro
Sodré e do diretor da Instrução Pública, Paulo Maranhão na festa realizada para a entrega da
bandeira ao batalhão escolar do grupo Jose Verissimo (O ENSINO, 1919).
Segundo informações do Boletim Regimental das escolas agremiadas além da
bandeira, os batalhões escolares, possuíam uniforme e insígnias que os alunos eram obrigados
a usar, sob pena de serem rebaixados de patente (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO
PARÁ, 1920).
Após dois anos do Regulamento da Instrução Pública Primária e com ele a
obrigatoriedade da Educação Física como matéria, o Governador Lauro Sodré expressa em
mensagem apresentada ao Congresso Legislativo a importância do equilíbrio entre a educação
intelectual e a educação física e os fins pretendidos com o ensino da educação física na
instrução pública primária no contexto paraense:
O ideal é assim a alma forte no corpo forte. Tudo estará no equilíbrio do sistema, de
sorte que se harmonizem os métodos sem que tanto se carreguem os cérebros
infantis que daí resultem males para o corpo, e que por outro lado não se dê aos
exercícios físicos tal largueza que venha a padecer a inteligência.
É ter sempre em vista os fins visados pela cultura física: higiênicos, estéticos,
econômicos e morais (PARÁ, MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO,
1920, p.71).
Temos nessa mensagem informações importantes do posicionamento do Estado sobre
a educação física: a de que ela ocupava uma função bem definida nesse grau de ensino a de
12
resguardar a saúde e o desenvolvimento físico das crianças com o intuito de ofertar uma
educação harmônica intelectual e fisicamente.
A mensagem acima também nos mostra que a prática da educação física deveria ser
difundida e ministrada sem que se perdesse de vista os seus objetivos: higiênicos ao promover
uma geração de crianças consciente da necessidade da limpeza pessoal e do ambiente como
base para a manutenção da saúde; estéticos ao gerar crianças vistosas, com boa postura e
fortes; econômicos pois diminuiria os gastos oriundos dos surtos de doenças e principalmente
geraria a longo prazo trabalhadores mais resistentes as desgastantes jornadas de trabalhos e
por isso mais rentáveis; morais pois através dos jogos e outras atividades da educação física
era produzida situações com o intuito de forjar o caráter das crianças.
No intuito de alcançar tais objetivos, podemos perceber o avanço protocolar que o
ensino da ginástica através da lei n. 1996 de 20 de novembro de 1920, que criou uma cadeira
de ginástica nos grupos escolares da capital e empossou a professora Annita Muller como
efetiva (PARÁ, LEIS DO ESTADO, 1920).
Denominei de “avanço protocolar” pois, a partir dessa data, não encontramos mais
referências ao nome de Narunda Jordan nos documentos pesquisados, indicando que a partir
da nomeação de Annita Muller a cadeira de ginástica, uma única professora seria responsável
pelos 7 grupos escolares da capital, com uma matricula de 4.511 alunos e a frequência média
de 3.167, mais a Escola Anexa com matricula de 130 alunos e frequência média de 107
(PARÁ, MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO,1921).
Atestados de frequências da professora Annita Muller do ano de 1921 disponível no
Arquivo Público do Pará11
referentes aos grupos escolares e Escola Anexa da capital mostram
que as aulas de ginástica nesses estabelecimentos de ensino aconteciam duas vezes por
semana inclusive nos dias de sábado.
Ainda que os atestados de frequência dos grupos escolares e da escola anexa indique
ter sido possível que uma única professora fosse capaz de ministrar ginástica em 8
estabelecimentos de ensino, tendo que se descolar por dia no mínimo entre dois desses grupos
escolares, levantamos a suposição que, para cumprir essa “maratona”, importantes prescrições
11 Há atestados de frequência dos seguintes grupos escolares. Wenceslau Braz: março e junho de 1921. Floriano
Peixoto: novembro de 1920; março e maio de 1921. Barão do Rio Branco: outubro de 1919; abril e maio de
1921. José Verissimo: março e maio 1921. Paulo Maranhão: março, maio e junho de 1921. Escola Anexa: maio e
junho de 1921. Benjamin Constant: fevereiro, março e abril de 1921. Ruy Barbosa: março, abril e maio de 1921.
13
da legislação da instrução primária tais como: o horário e a carga horária destinada ao ensino
da ginástica sueca, a divisão dos alunos por turmas levando em conta o desenvolvimento
físico, podem não ter sido colocados em prática, comprometendo a qualidade do ensino.
A dependência em ter uma única professora de ginástica para a capital foi sentida
quando a instrução pública primária ficou entre abril de 1922 e dezembro de 1923 sem a
prática da ginástica, uma vez que, em 7 de abril de 1922 de acordo com o publicado na seção
“Atos do Poder Executivo” a professora Annita Muller recebeu liberação por quatro meses de
suas funções por motivos de saúde (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1922).
E posteriormente, Annita Muller foi autorizada pelo Secretário Geral do Estado por
meio do oficio n. 1.171 de 19 de junho de 1922 a “observar na Alemanha ou qualquer outro
país da Europa o estado atual do ensino da ginástica sob os diferentes aspectos que fossem
uteis e aplicáveis entre nós” (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1924, p. 645).
Nesse mesmo período, o governo do Pará e seus legisladores, entendendo a
necessidade de proporcionar uma formação especifica em educação física, autoriza através da
lei nº 2.229 de 10 de novembro de 1923 a instalação de uma Escola de Cultura Física em
Belém.
Segundo esta lei, o Curso de Educação Física seria dividido em: geral ou teórico,
constituído dos seguintes saberes: “ensino de anatomia, fisiologia, higiene, estética, história
da educação física e vantagens morais dos exercícios e jogos” (art. 2º) e em: especial ou
prática, este dividido de acordo com cada sexo e composto pelos conhecimentos específicos
como a ginástica e jogos (PARÁ, COLEÇÃO DE LEIS DO ESTADO, 1924, p.?).
Poucos meses após a aprovação dessa lei, Anita Muller retornou de sua viagem e
encaminhou um relatório ao Secretário Geral do Estado em 15 de janeiro de 1924, sendo
divulgado em 10 de fevereiro de 1924 no “Diário Oficial do Estado do Pará”, neste constava
que, Annita Muller havia viajado para a Alemanha onde fez um curso de ginástica medicinal,
no Instituto Ortopédico de Kiel, estabelecimento de ensino que formava enfermeiras
ortopedistas. Segundo a própria professora, a escolha por esse curso de seu em função de ter
“observado diversos casos de escolioses entre os alunos dos grupos escolares (p. 645)”
(DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1924, p. 645).
Apesar da promulgação da lei que instituía a Escola de Cultura Física, esta não se
tornou uma realidade nesse período, por isso, e devido ser inadiável a formação de
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professores de educação física para atuarem na instrução primária, em 05 de julho de 1924 foi
(re) inaugurada as aulas de ginástica na Escola Normal, sobre tal acontecimento o jornal
“Folha do Norte” de 6 de julho de 1924 em matéria intitulada “As Comemorações do Ensino”
descreve alguns detalhes:
A inauguração dos novos cursos de datilografia, canto e ginástica, deu-se em
primeiro lugar, numa sala ampla no andar térreo do edifício da Escola Normal,
onde foram recentemente feitas as necessárias ampliações.
A mesa da presidência do ato, estavam as professoras donas Dina Aben-Athar
Benemod, Annita Muller e Salustiana Araújo a cuja direção foram confiadas os
novos cursos.
A cerimônia foi encerrada com uma aula de ginástica, dada ás alunas do 5º anno
pela respectiva docente, professora Annita Muller (FOLHA DO NORTE, 1924, p.
1).
A escolha da professora Annita Muller para assumir a turma de ginástica da Escola
Normal, haja vista, ser efetiva da cadeira de ginástica dos grupos escolares da capital
denuncia novamente a carência de professores de ginástica, expresso no acumulo de funções
exercidas por esta professora.
Provavelmente, em função da formação desses novos (as) professores (as) da Escola
Normal, agora providos do conhecimento mais aprofundados sobre a ginástica, finalmente,
em 23 de maio de 1925, o poder executivo do Estado nomeou “Virgínio Andrelino Ferreira e
Emília Pinheiro Soares, para professores auxiliares de ginástica dos grupos escolares da
capital” (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1925, p. 401).
Com a nomeação de dois professores auxiliares de ginástica nos grupos escolares da
capital, foi expedido um oficio pela Secretaria Geral em 3 de julho de 1925 e publicado no
“Diário Oficial do Estado do Pará, em 7 de julho de 1925, no qual, esta Secretaria informava
as diretoras dos grupos escolares que havia sido “determinado aos professores auxiliares de
ginástica naqueles estabelecimentos que apresentem ás mesmas, em relatórios semestrais, o
resultado dos exercícios ministrados ás crianças” (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO
PARÁ, 1925, p. 43).
A cobrança de relatórios semestrais por parte do governo aos professores de ginástica
indicava, uma exigência por aulas bem executadas, cujos preceitos da ginástica sueca fossem
bem aplicados para então surtirem os resultados desejados. Os documentos encontrados, não
revelaram a maneira como esses relatórios deveriam ser organizados, mas levando em conta a
concepção dos governantes desse período de formar uma nova raça, e suas preocupações
fisiológica e estética em relação ao físico para alcança-la, inferimos se tratar principalmente
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da descrição das medidas antropométricas das crianças e nos casos de problemas postural a
evolução de cura ou de melhora desses quadros.
Outra decisão tomada em 1925 importante para a consolidação de práticas ligadas a
educação física na instrução primária foi o decreto n. 4.224 de 9 de setembro, que instituiu
para os meninos o escotismo nos grupos escolares:
O governador do Estado, no intuito de intensificar, quanto possível, imprimindo-lhe
um cunho de segura eficiência, os ensinamentos do amor da Pátria, no seio da
juventude que frequenta os estabelecimentos de ensino primário do Estado,
despertando e desenvolvendo, ao mesmo tempo, o coração dos estudantes, os
sentimentos de altruísmo, e, no seu espirito, o culto do dever, da verdade e da
justiça, - resolve instituir o escotismo nos grupos escolares (DIÁRIO OFICIAL DO
ESTADO DO PARÁ, 1925, p. 507).
Apesar de não ter sido citado na justificativa do decreto, um de seus principais
objetivos do escotismo, idealizado pelo inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powell e era
o desenvolvimento da saúde corporal dos alunos, a partir da “prática controlada de exercícios
ao ar livre e a criação de um senso de responsabilidade com o autodesenvolvimento da saúde
corporal levariam a uma queda nos índices de mortalidade infantil e de deficiência mental e
física, e, consequentemente, ao robustecimento (NASCIMENTO, 2004, p. 28)”.
Não localizamos nos documentos pesquisados quais seriam as práticas corporais
dentro do escotismo que seriam aplicadas nos grupos escolares. Todavia o programa seguido
pela Associação de Escoteiros Católicos do Pará foi divulgado no Diário Oficial do Estado do
Pará em 24 de maio de 1923 e prescrevia as seguintes práticas:
Desenvolvimento físico: marchas a pé por estradas e pelo mato, corrida de
velocidade e resistência, corrida através do mato, escalada de barreiras e morros,
saltos de obstáculos naturais, içamento e transporte de fardos e subida de arvores.
Defesa própria: luta de tração e repulsão, de captura, lançamento de bolas com as
mãos e com os pés, raquete ball, football e golf, lançamento de cordas, de azagaia,
tiro de arco, etc
Nautismo: natação, remo, salvação de pessoas n’agua, liças e, canoas, etc (DIÁRIO
OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 1923, p. 370).
O escotismo aparece como um substituto eficaz para a instrução militar, uma vez que
essa prática continuaria a educar os alunos nos mesmos princípios básicos da instrução
militar, ou seja, a hierarquia e a disciplina, com a vantagem de proporcionar atividades físicas
fora do ambiente e do horário escolar.
Em mensagem enviada pelo então governador Dionysio Bentes ao Congresso
Legislativo em setembro de 1926, este discorre a respeito das condições em que encontrou o
ensino da ginástica ao iniciar seu governo e, suas iniciativas para amplia-la/ desenvolve-la na
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instrução primária, as quais destacamos, a contratação de professores o que possibilitaria
estabelecimento de horários específicos para as aulas de ginástica:
Os exercícios de ginástica escolar, hoje indispensáveis nas escolas para o
desenvolvimento físico da infância, estão dando ótimos resultados. Instituídos nos
grupos escolares e institutos da Capital, encontramo-los sob o trabalho de uma
única professora, a quem faltava tempo material para ministrar ensaios, os mais
ligeiros, a 9 estabelecimentos com mais de 3.000 alunos. Resolvemos criar mais três
lugares de professores de ginástica, sendo um para o sexo feminino e dois para o
masculino, dando horário aos exercícios, como uma verdadeira disciplina (PARÁ,
MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO, 1926, p. 16).
Dionysio Bentes de acordo com mensagem enviada ao Congresso legislativo em
novembro de 1927, estabeleceu o uso obrigatório de uniforme nas aulas de ginástica e
escotismo:
Já hoje é cindível incentivar cada vez mais os exercícios de ginástica sueca e
calistênica, adotados com magníficos resultados nas escolas estaduais. Feita com
disciplina regular, nos grupos, tornado obrigatório o uniforme dos alunos de ambos
os sexo, a ginástica e o escoteirismo disciplinam, com vivo entusiasmo, o espírito e
o sentimento das crianças, além da contribuição para a robustez física adquirida
(PARÁ, MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO,1927, p. 22).
A obrigatoriedade do uniforme para as aulas de ginástica e escotismo significava uma
preocupação com a padronização entre os alunos, evitando assim a visível distinção entre
ricos e pobres, reafirmando “a construção de um sistema educacional que postulava uma
educação igual para todos” (RIBEIRO; SILVA, 2012, p. 583).
CONCLUSÃO
Devido a promessa oriunda do método sueco que baseado na fisiologia, psicologia e
evolução social se dizia capaz de conservar a saúde e até curar o corpo de debilidades
articulares, musculares e ósseas, e a esperança de que a instrução militar moldaria o corpo e o
caráter forjando um espírito patriótico nos futuros cidadãos republicanos, essas duas práticas
são colocados como obrigatórios no Regulamento Geral da Instrução Pública Primária em
1918.
É possível perceber um desenvolvimento mais acentuado da educação física/ginástica
como disciplina escolar entre os anos de 1925 e 1926 com a contratação de novos professores,
o que possibilitou uma melhor organização e o cumprimento dos horários e carga horária
dessa disciplina.
REFERÊNCIAS
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Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal. Disponível em:
17
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-981-8-novembro-1890-
515376-norma-pe.html. Acessado em 09 de abril de 2015.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria e Educação: Porto Alegre, nº 2, p. 177-229. 1990.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ. Secretária Geral. Circular n. 2.185 expedida
em 22 de julho de 1918. 24 de julho de 1918. Anno. XXVIII – 29º da Republica n. 7.822.
1918.
. Instrução Pública Primária. Circular n. 2.650. 24 de agosto de 1918. Anno.
XXVIII – 29º da Republica n. 7.847. p. 758- 759. 1918.
. Instrução Pública Primária. 10 de julho de 1919. Anno. XXIX – 31º da
Republica n. 8.095. p. 154. 1919.
. Instrução Pública Primária. 12 de julho de 1919. Anno. XXIX – 31º da
Republica n. 8.097. p. 198. 1919.
. Instrução Pública Primária. 18 de julho de 1919. Anno. XXIX – 31º da
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1919. Anno. XXIX – 31º da Republica n. 8110. p. 465. 1919.
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ensino obrigatório, desde a escola. 2 de agosto de 1919. Anno. XXIX - 31º da Republica n.
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1920.
. Instrução Pública Primária. Quartel da Companhia Militar “Benjamin Constant”.
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18
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19
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